Processo nº 1002024-93.2022.8.11.0013
ID: 256244607
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 1002024-93.2022.8.11.0013
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS ANTONIO SOUZA LARRANHAGA CARRARA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002024-93.2022.8.11.0013 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado, Corrupção de Menores,…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002024-93.2022.8.11.0013 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado, Corrupção de Menores, Crime Tentado] Relator: Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JONES GATTASS DIAS] Parte(s): [MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), LUCIANO FELIX OLIVEIRA - CPF: 057.078.371-24 (RECORRENTE), MARCOS ANTONIO SOUZA LARRANHAGA CARRARA - CPF: 278.696.578-08 (ADVOGADO), JONATAS JUNIOR FERNANDES DE OLIVEIRA - CPF: 061.158.911-75 (RECORRENTE), RENATO AQUINO SANTIAGO - CPF: 061.334.381-69 (RECORRENTE), SABRINA BIANCA MARIANO MARTINS - CPF: 064.030.711-65 (ASSISTENTE), MARCELO HENRIQUE FARIA VALIM - CPF: 063.461.371-58 (VÍTIMA), CARLOS JULIANO CUNHA AZEVEDO - CPF: 063.355.031-07 (VÍTIMA), JEAN LUCAS JOSE GOMES SOUSA - CPF: 062.689.121-36 (ASSISTENTE), MARCIA CRISTINA VIEIRA CAMPOS - CPF: 004.075.121-01 (ASSISTENTE), MARIA LUIZA LACERDA LOPES - CPF: 061.308.021-10 (VÍTIMA), MAX WILLIAN MEDEIROS - CPF: 061.648.051-20 (ASSISTENTE), AIRTON CABOCLO DA SILVA - CPF: 415.478.371-87 (VÍTIMA), IVANI GOMES NOGUEIRA SANTOS - CPF: 030.833.761-11 (VÍTIMA), SIMONE MARIANO MARTINS - CPF: 056.909.871-82 (ASSISTENTE), CLAUDINEI SANTIAGO OLIVEIRA - CPF: 071.837.721-44 (ASSISTENTE), Carlos Eduardo Souza Vilalba (ASSISTENTE), Ronison Alves de Souza (ASSISTENTE), Karlos Vinicius da Silva (VÍTIMA), Ademirson de Campos Nunes Junior (VÍTIMA), José Carlos Pereira da Silva (ASSISTENTE), Alexandre da Silva Nazareth (ASSISTENTE), Paulo Suady Ferreira Vieira (ASSISTENTE), SABRINA BIANCA MARIANO MARTINS - CPF: 064.030.711-65 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A Ementa: Direito penal. Recursos em sentido estrito. Homicídio qualificado e tentativas de homicídio qualificado. Corrupção de menor. Associação criminosa. Despronúncia e afastamento de qualificadoras. Recursos desprovidos. I. Caso em exame 1. Recursos em sentido estrito interpostos contra sentença de pronúncia proferida nos autos da ação penal instaurada para apurar a prática de homicídio qualificado (duas vezes), tentativa de homicídio qualificado (quatro vezes), corrupção de menor e associação criminosa. II. Questões em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) definir se estão presentes indícios suficientes de autoria e materialidade a justificar a pronúncia dos recorrentes; (ii) estabelecer se é possível o afastamento das qualificadoras do motivo fútil, motivo torpe e recurso que dificultou a defesa das vítimas; (iii) determinar se os crimes conexos de corrupção de menor e associação criminosa devem ser submetidos ao Tribunal do Júri. III. Razões de decidir 3. A jurisprudência e a doutrina reiteram que a sentença de pronúncia exige apenas prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, sendo inaplicável o juízo de certeza exigido para condenação, prevalecendo o princípio do in dubio pro societate. 4. Os elementos constantes dos autos, especialmente os depoimentos colhidos na fase inquisitiva e judicial, apontam indícios de autoria em desfavor dos recorrentes, inclusive reconhecimentos pessoais e detalhamento da dinâmica dos fatos. 5. O afastamento das qualificadoras, nesta fase, somente é admissível quando manifestamente improcedentes, o que não se verifica no caso, pois há elementos que indicam, ainda que em tese, a prática dos crimes por motivo torpe (vingança decorrente de rivalidade entre facções), motivo fútil (presença das vítimas em companhia de desafetos) e mediante recurso que dificultou a defesa das vítimas (execução de modo súbito e inesperado). 6. A conexão entre os crimes dolosos contra a vida e os delitos de corrupção de menor e associação criminosa atrai a competência do Tribunal do Júri (vis attractiva), devendo o juízo popular analisar o conjunto fático e probatório. IV. Dispositivo e tese 7. Recursos desprovidos. Teses de julgamento: 1. “A sentença de pronúncia exige apenas prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, sendo incabível o juízo de certeza nesta fase.” 2. “As qualificadoras do motivo torpe, motivo fútil e recurso que dificultou a defesa das vítimas só podem ser afastadas na pronúncia quando manifestamente improcedentes.” 3. “A competência para julgamento dos crimes conexos atrai-se para o Tribunal do Júri, quando presentes os elementos que autorizam a pronúncia pelos crimes dolosos contra a vida.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, alíneas c e d; CP, arts. 121, § 2º, I, II e IV; art. 14, II; art. 288, parágrafo único; ECA, art. 244-B; CPP, arts. 413, 414 e 415. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 523.029/PE, Rel. Min. Nefi Cordeiro, T6, j. 26.11.2019; STJ, AgRg no RHC 146.576/GO, Rel. Min. Olindo Menezes, T6, j. 05.10.2021. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA: Trata-se de recursos em sentido estrito interpostos por Luciano Felix Oliveira, Renato Aquino Santiago E Jonatas Júnior Fernandes De Oliveira contra a sentença prolatada pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Pontes e Lacerda/MT, nos autos da Ação Penal n. 1002024-93.2022.8.11.0013, pronunciando-o pela suposta prática dos crimes de homicídio qualificado pelo motivo fútil e emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas Luca Mateus Campo da Silva e Luan Henrique Nogueira dos Santos (duas vezes); tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima Maria Luiza Lacerda Lopes; tentativa de homicídio qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa das vítimas Marcelo Henrique Faria Valim, Carlos Juliano Cunha Azevedo e Karlos Vinicius da Silva (três vezes); associação criminosa e corrupção de menores (arts. 121, § 2º, II e IV; 121, § 2º, II e IV c/c art. 14, II; arts.121, § 2º, I e IV c/c 14, II; 288, parágrafo único, do Código Penal e art. 244-B, caput, da Lei n. 8.069/90). O recorrente Luciano Felix de Oliveira, nas razões encontradiças no ID 254358970, postula pela despronúncia de todos os delitos, em razão da ausência de provas de autoria ou participação quanto à sua pessoa. Por sua vez, os recorrentes Jonatas Júnior Fernandes de Oliveira e Renato Aquino Santiago, nas razões albergadas no ID 254358980, requerem: (i) a despronúncia dos dois, em razão da ausência de provas de autoria; (ii) a despronúncia dos crimes conexos, sob a alegação de que não há prova da existência da organização criminosa e tampouco da corrupção do adolescente; e, subsidiariamente, (iii) o decote das qualificadoras do motivo fútil, meio que dificultou a defesa das vítimas e motivo torpe, ao argumento de que são manifestamente improcedentes, acrescentando ser incompatível a incidência do motivo fútil e do motivo torpe, em razão da mesma circunstância: rivalidade de facções criminosas. O Ministério Público, nas contrarrazões que estão nos IDs 254358979 e 254358983, rebate as teses dos recorrentes, requerendo o desprovimento dos presentes recursos. Em sede de juízo de retratação, a sentenciante manteve a decisão de pronúncia por seus próprios fundamentos (ID 254359002). Nesta instância revisora, a Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do parecer que se vê no ID 266396298, manifesta-se pelo desprovimento destes recursos. É o relatório. V O T O R E L A T O R A denúncia, que está no ID 254360672, narra os fatos desta forma: [...] 1 – DO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CONSUMADO) - vítimas Luca Mateus Campos da Silva e Luan Henrique Nogueira dos Santos No dia 23 de maio de 2020, por volta de 21h00, na Avenida Mato Grosso, n.º 258, Bairro Vila Guaporé, Pontes e Lacerda/MT, nesta cidade e Comarca de Pontes e Lacerda/MT, os denunciados Luciano Felix Oliveira, Renato Aquino Santiago, Wenderson Queiroz Antônio, Jonatas Júnior Fernandes de Oliveira, Matheus Pereira Lopes e Diemerson Silva dos Santos, bem como o inimputável Jadir Tomé da Silva (menor de idade), em concurso de pessoas, com unidade de desígnios e cooperação de condutas, com o uso de armas de fogo, com motivação fútil e mediante recurso que dificultou a defesa dos ofendidos, mataram as vítimas Luca Mateus Campos da Silva e Luan Henrique Nogueira dos Santos. 2 – DO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (TENTADO) - vítima Maria Luiza Lacerda Lopes No dia 23 de maio de 2020, por volta de 21h00, na Avenida Mato Grosso, n.º 258, Bairro Vila Guaporé, Pontes e Lacerda/MT, nesta cidade e Comarca de Pontes e Lacerda/ MT, os denunciados Luciano Felix Oliveira, Renato Aquino Santiago, Wenderson Queiroz Antônio, Jonatas Júnior Fernandes de Oliveira, Matheus Pereira Lopes e Diemerson Silva dos Santos, bem como o inimputável Jadir Tomé da Silva (menor de idade), em concurso de pessoas, com unidade de desígnios e cooperação de condutas, com o uso de armas de fogo, com motivação fútil e mediante recurso que dificultou a defesa da ofendida, tentaram matar a vítima Maria Luiza Lacerda Lopes, não alcançando seus intentos por circunstâncias alheias às suas vontades. 3 - DO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (TENTADO) - vítimas Marcelo Henrique Faria Valim, vulgo “Panguão”, Carlos Juliano Cunha Azevedo, vulgo “G3, Carlinhos” e Karlos Vinicius da Silva, vulgo “Débi” No dia 23 de maio de 2020, por volta de 21h00, na Avenida Mato Grosso, n.º 258, Bairro Vila Guaporé, Pontes e Lacerda/MT, nesta cidade e Comarca de Pontes e Lacerda/ MT, os denunciados Luciano Felix Oliveira, Renato Aquino Santiago, Wenderson Queiroz Antônio, Jonatas Júnior Fernandes de Oliveira, Matheus Pereira Lopes e Diemerson Silva dos Santos, bem como o inimputável Jadir Tomé da Silva (menor de idade), em concurso de pessoas, com unidade de desígnios e cooperação de condutas, com o uso de armas de fogo, com motivação torpe e mediante recurso que dificultou a defesa dos ofendidos, tentaram matar as vítimas Marcelo Henrique Faria Valim, vulgo “Panguão”, Carlos Juliano Cunha Azevedo, vulgo “G3, Carlinhos” e Karlos Vinicius da Silva, vulgo “Débi”, não alcançando seus intentos homicidas por circunstâncias alheias às suas vontades. 4 – DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENOR Consta, ainda, por fim, que nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima narrados, na Avenida Mato Grosso, n.º 258, Bairro Vila Guaporé, Pontes e Lacerda/MT, nesta cidade e Comarca de Pontes e Lacerda/MT, os denunciados Luciano Felix Oliveira, Renato Aquino Santiago, Wenderson Queiroz Antônio, Jonatas Júnior Fernandes de Oliveira, Matheus Pereira Lopes e Diemerson Silva dos Santos, com consciência e vontade, corromperam ou facilitaram a corrupção do menor Jadir Tomé da Silva (17 anos de idade), induzindo-o à prática dos crimes de homicídios (tentado e consumado). 5 - DO HISTÓRICO DOS FATOS Infere-se do inquérito policial que as vítimas Marcelo Henrique Faria Valim, vulgo “Panguão”, Carlos Juliano Cunha Azevedo, vulgo “G3/Carlinhos” e Karlos Vinicius da Silva, vulgo “Débi” são integrante ou simpatizantes da organização criminosa denominada “Primeiro Comando da Capital”, sendo que no dia dos fatos, estavam confraternizando entre amigos na residência de Luca Mateus Campos da Silva, vulgo “Mateusinho”, onde fariam um churrasco. Já os denunciados Luciano Felix Oliveira, vulgo “Lulu/Neguim”, Renato Aquino Santiago, vulgo “Jhow/Jhowzinho”, Wenderson Queiroz Antônio, vulgo “Polenta”, Jonatas Júnior Fernandes de Oliveira, vulgo “Paraguai”, Matheus Pereira Lopes, vulgo “Orelha” e Diemerson Silva dos Santos, vulgo “Bugão”, bem como adolescente Jadir Tomé da Silva são integrantes da organização criminosa denominada “Comando Vermelho”. Acontece que as facções criminosas travaram uma rivalidade entre si. A guerra entre as facções iniciou-se quando os membros do “PCC” praticaram o delito de roubo majorado no dia 19/05/2020 de dois veículos automotores da vítima Admir Venancio Alvares, no Bairro Morada da Serra, área entitulada no submundo do crime como sendo de domínio da organização criminosa “CV”. Os denunciados, como forma de retaliação - pois no entender deles, a facção rival invadiu o território do “CV” para praticar o crime patrimonial -, planejaram e coluíram com a morte dos membros da facção rival e quem estivessem em companhia dos mesmos. Assim, no dia dos fatos, com o prévio conhecimento de que alguns integrantes da gangue rival estavam reunidos, Matheus, vulgo “Orelha” e Wenderson, vulgo “Polenta”, passaram a observar a movimentação da casa, a fim de repassar informações aos comparsas, haja vista a distribuição de tarefas entre os denunciados. Inclusive, Wenderson, vulgo “Polenta” chegou a entrar e permaneceu na residência por alguns instantes, com o intuito de colher mais informações e saber quais integrantes do “PCC” estariam presentes e que logo sofreriam um atentado. Assim sendo, os denunciados Luciano, vulgo “Lulu/Neguim”, Renato Aquino, vulgo “Jhow/Jhowzinho”, Wenderson, vulgo “Polenta”, Jonatas Júnior, vulgo “Paraguai”, Matheus, vulgo “Orelha” e Diemerson, vulgo “Bugão”, bem como o adolescente Jadir Tomé da Silva, previamente ajustados, em unidade de desígnios e em cooperação de condutas, dirigiram-se à residência da vítima Luca Mateus com propósito de matar Marcelo Henrique, vulgo “Panguão”, Carlos Juliano, vulgo “G3”, Karlos Vinicius, vulgo “Débi” e Jean Lucas José Gomes de Souza, vulgo “Japão”, sendo que este último não estava no local dos fatos, e quem estivessem na companhia destes. Na ocasião, os denunciados chegaram, inesperadamente, na residência e surpreenderam as vítimas com diversos tiros em suas direções, dos quais, em primeiro momento, atingiram a vítima Luca Mateus, vulgo “Mateusinho”, na cabeça, no tronco e no braço, totalizando 9 (nove) perfurações, causando ferimentos que foram causas suficientes de sua morte (lesão cerebral). A vítima Luan Henrique, por sua vez, correu para o interior da residência, mas os denunciados o alcançaram e o alvejaram com 2 (dois) disparos. Luan foi socorrido e submetido a procedimento cirúrgico, mas não resistiu aos ferimentos e acabou falecendo dias depois. Do mesmo modo, a vítima Maria Luiza Lacerda Lopes também correu para o interior da residência, mas se deparou com Luciano Felix Oliveira, o qual efetuou um disparo de arma de fogo em sua perna. Ato contínuo, a vítima Maria Luiza caiu ao solo, e Renato Aquino Santiago se aproximou e disse que iria matá-la e continuou efetuando vários disparos contra Maria Luiza, acertando-lhe os braços e região glútea, a qual somente não morreu porque não foi atingida em região vita e foi socorrida logo em seguida. Ressai dos autos, ainda, que Luciano Felix, vulgo “Lulu/Neguim”, tentou matar Marcelo Henrique, vulgo “Panguão”, efetuando disparo com a arma de fogo em sua direção, mas errou o tiro, dando chance à vítima para se evadir do local. Outrossim, o denunciado Diemerson, vulgo “Bugão”, chegou no recinto efetuando disparos, inclusive tentou matar Carlos Juliano, vulgo “G3”, com disparo de arma de fogo, mas errou o alvo. Na ocasião a vítima Carlos Juliano, vulgo “G3”, conseguiu correr e se esconder atrás da porta de um dos quartos, e não foi encontrado pelos increpados, evitando, assim, a sua morte. Na ocasião, a vítima escutou Diemerson dizer “eu quero G3 e Japão, cadê eles?”. Ademais, o outro principal alvo dos denunciados, Karlos Vinicius, vulgo “Débi”, bem como Simone Mariano Martins, que também participava do churrasco, conseguiram fugir do local ilesos. Já Sabrina Bianca Mariano Martins e seus filhos menores, bem como Claudinei Santiago Oliveira se abrigaram no banheiro da residência e não foram atingidos pelos disparos. O crime foi praticado por motivo torpe, vez que os denunciados decidiram matar as vítimas Marcelo Henrique Faria Valim, vulgo “Panguão”, Carlos Juliano Cunha Azevedo, vulgo “G3, Carlinhos” e Karlos Vinicius da Silva, vulgo “Débi”, em razão da rivalidade entre as facções criminosas. Por sua vez, em relação às vítimas Luan Henrique, Luca Mateus e Maria Luiza Lacerda Lopes, a motivação foi fútil, haja vista que os denunciados decidiram matá-los pelo simples fato deles estarem em companhia de daqueles. Não há dúvida, também, que os denunciados se utilizaram de recurso que dificultou a defesa das vítimas, vez que os denunciados invadiram a residência atirando de forma rápida e de inopino, estando, ainda, as vítimas desarmadas e desprevinidas. Em razão das práticas delituosas em questão, extrai-se que Luciano Felix Oliveira, Renato Aquino Santiago, Wenderson Queiroz Antônio, Jonatas Júnior Fernandes de Oliveira, Matheus Pereira Lopes e Diemerson Silva dos Santos corromperam do adolescente Jadir Tomé da Silva, com eles praticando os delitos de homicídios. [...]. Destaques no original Como é cediço a fase da pronúncia não traduz um juízo de certeza da acusação, fazendo-se desnecessário que se proceda ao exame aprofundado das provas, mas apenas e tão somente a análise da existência dos pressupostos de admissibilidade, consistentes na comprovação da materialidade do crime e de indícios suficientes da autoria, por força da aplicação do princípio in dubio pro societate. Além disso, não se pode olvidar que nos processos de competência do Tribunal do Júri, existem duas fases distintas: o judicium accusationis e o judicium causae. A primeira tem início com o recebimento da denúncia ou queixa subsidiária e termina com a prolação da sentença de pronúncia; começando, a partir de então, a segunda que tem a sua culminância com o trânsito em julgado da decisão do juiz presidente na sessão de julgamento realizada pelo Conselho de Sentença. Dessa forma, o judicium accusationis, ou instrução preliminar, constitui um verdadeiro filtro voltado a firmar um juízo de admissibilidade da acusação, mais robusto que o empreendido para o recebimento da denúncia ou da queixa subsidiária, todavia, menos contundente do que aquele utilizado para a condenação, uma vez que a competência, para tanto, é exclusiva do Júri Popular. Em outras palavras: no que tange à autoria delitiva, ao prolator da sentença de pronúncia é dado tão somente demonstrar que estão presentes nos autos elementos que indiquem que o pronunciado possa ser um dos autores do crime a ser submetido ao crivo dos julgadores leigos. Não se pode perder de vista, dada a sua importância, que a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri, consoante exige e garante a Constituição da República, razão pela qual não se pede na pronúncia (nem se poderia), o convencimento absoluto do juiz da instrução, quanto à materialidade e à autoria. Não é essa a tarefa que lhe reserva a lei. O que se espera dele é o exame do material probatório ali produzido, especialmente para a comprovação da inexistência de quaisquer das possibilidades legais de afastamento da competência do Tribunal do Júri. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008, p. 575). Não obstante o Código de Processo Penal preveja, em seu art. 414, que o juiz, não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, poderá impronunciar o acusado, ou, ainda, estabeleça no art. 415 do mesmo diploma que o juiz, poderá absolvê-lo sumariamente quando: (i) estiver comprovada a inexistência do delito; (ii) estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (iii) o fato não constituir infração penal; e (iv) estiver demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime, com exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja cabível a aplicação de medida de segurança, quaisquer dessas hipóteses devem exsurgir incontestáveis nos autos, porquanto nessa fase processual vigora o princípio in dubio pro societate. Releva ponderar, ainda, que, o princípio in dubio pro societate, aplicado na fase de pronúncia, legitima o encaminhamento do acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri sempre que houver elementos probatórios suficientes para levantar dúvida razoável sobre a autoria ou a participação nos crimes dolosos contra a vida. Nesse contexto, o juiz togado não exerce juízo de valor conclusivo sobre os fatos, cabendo-lhe apenas aferir a admissibilidade da acusação, garantindo à sociedade o direito de ver o mérito da imputação analisado por seus representantes naturais: os jurados. No caso em apreciação, a materialidade dos dois crimes de homicídio qualificado e das quatro tentativas de homicídio qualificado narrados na denúncia está comprovada e sequer foi objeto de impugnação recursal. E, no que diz respeito aos indícios suficientes de autoria, verifica-se que, a despeito da negativa de autoria sustentada pelos recorrentes, o elenco probatório produzido reúne indicativos que os implicam como possíveis autores dos crimes contra a vida narrados na denúncia, conforme se infere destes trechos dos depoimentos das vítimas e das testemunhas sobreviventes prestados na fase administrativa: [...] QUE no dia 23/05/2020, por volta das 20:00 horas foi a pé na casa de MATEUS CAMPOS vulgo “MATEUZINHO”, onde combinamos de fazer um churrasco e bebe cerveja, que que “MATEUZINHO” não é faccionado, que ao chegar estava “MATEUZINHO”, SABRINA esposa dele, os filhos deles, estava DINEI esposo de SIMONE irmã de SABRINA, depois chegou CARLOS JULIANO, logo em seguida chegaram CALOS VINICIUS, MARIA LUIZA e LUAN HENRIQUE, que estávamos conversando na área da entrada da casa dele, que MATEUS estava temperando a carne, que não chegou a ver a pessoa de WANDERSON QUEIROZ vulgo “POLENTA” na casa nesse dia; QUE por volta das 21:30 horas enquanto estávamos conversando na área da casa, de repente escutou vários disparos de arma de fogo, que conseguiu arrombar uma porta da casa que também dá acesso para a rua, pois a casa é de esquina, que a casa não tem cerca, nem muros; QUE não sabe dizer quantas pessoas chegaram na casa atirando, que não escutou eles falando nada, que apenas arrombou a casa, fugiu, pulou o muro do vizinho e se escondeu; QUE depois ficou sabendo que tinham matado MATEUS, baleado LUAN e a MARIA; QUE acredita que as pessoas que fizeram isso tenha sido a pessoa de LUCIANO vulgo “LULU” que é faccionado do “CV”, por que cerca de uns 20 (vinte) dias atrás LUCIANO e SILVANO tinha batido em LUAN HENRIQUE deixando machucado no rosto dele, que não sabe por que ele tenha batido em LUAN HENRIQUE, que depois do acontecido o declarante conversou com WANDERSON QUEIROZ vulgo “POLENTA”, ele disse que tinha sido a pessoa de “LULU” e outros caras que foram na casa de MATEUS e efetuaram os disparos e mataram “MATEUZINHO” e baleou os outros, que “POLENTA” disse que o MATEUS PEREIRA LOPES, que ele falou outro rapaz mas não sabe dizer o nome dele, “MAS QUE É UM NEGUINHO QUE FICA NA VILA OLÍMPICA VENDENDO DROGA”, que acredita que não seja rixa de facção e sim por que eles “LULU”, “SILVANO” e MATEUS PEREIRA LOPES gostam de mandar em todo mundo e decidiram chegar atirando e matar todo mundo [...]. (Trechos do depoimento prestado na fase administrativa pela vítima Marcelo Henrique Faria Valim, ID 185585778, p. 20-21) [...] QUE, sobre o DUPLO HOMICÍDIO, não esteva no local, mas recebeu informações de que as pessoas que participaram foram, WENDERSON QUEIROZ vulgo “POLENTA”, quem arquitetou juntamente com JHONATAN JUNIOR vulgo “PARAGUAIO”, que estiveram na execução as pessoas de LUCIANO OLIVEIRA vulgo “LULU”, RENATO AQUINO SANTIAGO vulgo “JOW”, JADIR TOMÉ DA SILVA, MATEUS PEREIRA LOPES e DIEMERSON SILVA DOS SANTOS vulgo “BUGÃO”, que desconhece a participação de VINICIUS MATEUS AFONSO PEREIRA vulgo “CHAPÉU” [...]. (Trechos do depoimento prestado na fase de inquérito policial pela testemunha Jean Lucas José Gomes de Souza, ID 185585781, p. 53-55) [...] QUE no dia 23/05/2020, no período noturno combinamos de fazer um churrasco na casa de LUCAS MATEUS, amigo nosso, que na casa estava, o DEPOENTE, LUCA MATEUS, SABRINA, LUAN HENRIQUE, CARLOS JULIANO, KARLOS WINICIUS, MARIA LUIZA, DINEI e SIMONE (esposa de dinei e irmã de sabrina), por volta das 20:00 horas, LUCA MATEUS estava temperando a carne, chegaram as pessoas de LUCIANO DE OLIVEIRA vulgo “LULU”, DIEMERSON SILVA DOS SANTOS vulgo “BUGÃO”, com armas de fogo, atirando, que “LULU” atirou do depoente, mas errou o tiro, afirma que saiu correndo, DIEMERSON chegou atirando em todo mundo, inclusive, viu quando ele disparou contra CARLOS JULIANO, errando o tiro também, que viu quando RENATO AQUINO SANTIAGO vulgo “JHOW” atirou em MARIA LUIZA, em seguida correu por dentro da casa sentido a rua quando viu MATEUS PEREIRA LOPES vulgo “ORELHA” e JADIR TOMÉ DA SILVA em frente a casa, não sabe precisar se eles estavam com arma de fogo, que passou correndo e seguiu sentido a rua florespina azambuja, [...], as pessoas que planejaram o DUPLO HOMICÍDIO foram, LUCIANO OLIVEIRA vulgo “LULU” e WENDERSON QUEIROZ vulgo “POLENTA” e JHONATAS JUNIOR vulgo “PARAGUAIO”, quem participou da execução foram, “LULU”, “BUGÃO”, “JHOW”, “ORELHA” e JADIR TOMÉ DA SILVA; QUE devido “POLENTA” ter ido na casa de LUCA MATEUS um pouco antes do homicídio, mandou mensagem no outro dia para “POLENTA” pedindo confirmação dos nomes dos executores, ocasião em que “POLENTA teria listados os nomes, como garantia que o PCC não fizesse nada contra ele [...]. (Trechos do depoimento prestado na fase administrativa pela vítima Marcelo Henrique Faria Valim, ID 185585782, p. 1-3) Destacamos Em juízo, o ofendido Karlos Vinicius da Silva, sobrevivente da ação criminosa, relatou que, no dia dos fatos, participava de um churrasco quando dois indivíduos encapuzados e com capacetes adentraram à residência efetuando diversos disparos de arma de fogo, atingindo fatalmente Mateus e Luan, bem como lesionando gravemente Maria Luiza, que foi atingida por múltiplos tiros. Afirmou que ele, Carlos Juliano e Marcelo Henrique também foram alvejados, mas conseguiram fugir. Disse desconhecer o motivo exato do atentado, embora mencionasse a existência de uma rivalidade entre bairros. Declarou que, ao fugir, visualizou um dos criminosos trocando o pente da arma e reconheceu Renato (“Jhow”), em razão de uma tatuagem no braço e de sua voz. Acrescentou que Luciano (“Lulu”) não estava presente, mas o havia ameaçado anteriormente. Disse não ter elementos para afirmar a participação de Jonatas Júnior (“Paraguai”). De igual modo, a vítima Marcelo Henrique Faria Valim relatou que os autores dos disparos eram vários indivíduos armados e que aparentavam ter alvos específicos. Afirmou ter conseguido fugir por um terreno baldio e mencionou que a motivação do ataque estaria relacionada a um roubo de caminhão ocorrido na região da Serra, imputado a ele e a Carlos Juliano. Já Carlos Juliano Cunha Azevedo, também sobrevivente, afirmou que os atiradores chegaram encapuzados, disparando contra todos os presentes, atingindo fatalmente Mateus e Luan e lesionando Maria Luiza. Declarou não ter sido ameaçado diretamente e que não reconheceu nenhum dos autores, tendo tomado ciência posterior, por terceiros, da suposta participação de alguns acusados. Negou conhecer Luciano ou Renato. A testemunha Max Willian Medeiros, por sua vez, prestou depoimento relevante à instrução, afirmando que existia conflito entre membros do Comando Vermelho e integrantes do PCC, sendo que os primeiros ameaçavam constantemente os presentes na confraternização. Narrou que Wenderson Queiroz teria ido ao local antes do crime para confirmar a presença dos alvos. Em seguida, Luciano Felix e Matheus Pereira teriam passado em frente à residência fazendo gestos ameaçadores. Asseverou que os autores dos disparos foram Matheus Pereira, Renato Aquino, Diemerson Silva, Jadir Tomé (menor) e que Luciano teria permanecido do lado de fora, em razão de imobilização na perna. Disse ainda que viu Luciano posteriormente, em um veículo com outros envolvidos, e que este possuía função de liderança na organização criminosa. Destacou que Renato teria disparado contra Maria Luiza e que Diemerson ameaçou uma mulher chamada Sabrina, mas não a executou porque tinha criança na sua companhia. Confirmou que visualizou o momento da fuga e que os atiradores não estavam encapuzados quando saíram. O investigador Ademirson de Campos Nunes Júnior afirmou, quando inquirido pela autoridade judiciária que, após o crime, os sobreviventes indicaram Wenderson como o responsável por realizar a verificação prévia da presença das vítimas no local e repassar a informação ao grupo executor. Disse que Wenderson relatou, em interrogatório, que foi convidado a participar da ação por Luciano, Renato, Jadir e Diemerson, mas recusou-se, embora a apuração policial tenha concluído que ele participou do planejamento. Apontou ainda que o crime teria sido uma retaliação a roubos cometidos por integrantes do PCC em território do Comando Vermelho, e que Jonatas Júnior também participou da articulação criminosa. Informou que, segundo relatos, Luciano, Renato e Diemerson entraram atirando, sendo que Renato teria alvejado Maria Luiza após ela já estar caída. Alexandre da Silva Nazareth, investigador da Polícia Civil, quando ouvido em juízo, esclareceu que o bairro Morada da Serra era dominado pelo Comando Vermelho e que o roubo imputado a membros do PCC (entre eles, Max Willian, Karlos Vinicius e Marcelo Henrique) teria motivado a represália. Declarou a existência de possível liderança de Luciano, Jonatas e Wenderson na organização criminosa e a atuação de Matheus Pereira, Renato Aquino, Diemerson e Jadir como executores dos crimes contra a vida. Explicou que, inicialmente, algumas vítimas permaneceram em silêncio por medo de represálias, mas posteriormente prestaram depoimentos detalhados, permitindo a elucidação dos delitos. O também investigador de polícia, José Carlos Pereira da Silva, ouvido em juízo em conformidade com o que já havia sido exposto pelas demais testemunhas, asseverou que o crime ocorreu, possivelmente, em razão do roubo anteriormente praticado pelos integrantes do PCC, apontando, ainda, os apelantes Luciano e Renato, na companhia do corréu Diemerson, como os atiradores, sendo os dois primeiro, inclusive, reconhecidos pelas vítimas. Esclareceu, a testemunha, que segundo as investigações, o corréu Jonatas Júnior foi o responsável por arquitetar o plano para que a empreitada criminosa lograsse seu êxito e que, segundo relatos, Mateus foi alvejado com mais de vinte disparos. Dessa forma, analisando os elementos probatórios coligidos aos presentes autos, verifica-se que existem materialidade e indícios suficientes de autoria aptos a suportar o édito de pronúncia dos recorrentes, não havendo como acolher o pleito das defesas no sentido da despronúncia, na medida em que, diante do que foi produzido, não se descarta, de plano, a autoria imputada às suas pessoas. Logo, considerando a existência de indícios de que os recorrentes possam ter participação nos crimes narrados na denúncia, torna-se pertinente o exame aprofundado e comparativo de todo o conjunto de provas produzidas, o que só pode ser realizado pelo Tribunal do Júri, onde serão resolvidas as questões divergentes, eis que é o juízo competente para apreciar a matéria. A propósito, em relação ao assunto, o Superior Tribunal de Justiça assentou que [...] 1. Não é necessário que a sentença, por ocasião da pronúncia, demonstre de forma cabal a autoria do delito, como se fora um juízo condenatório, mas apenas que exponha a existência de indícios mínimos, inclusive aqueles colhidos em fase policial, desde que confirmados na instrução (art. 155 - CPP). (Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus n. 146.576/GO, relatado pelo Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 05.10.2021, DJe 11.10.2021). Diante disso, deve ser mantida inalterada a sentença que pronunciou os recorrentes, porque restam evidentes a prova da materialidade e os indícios suficientes de autoria, consoante determina o art. 413 do Código de Processo Penal, de modo que a apreciação da matéria deve ser reservada ao crivo do Tribunal do Júri, em obediência ao aforismo in dubio pro societate e ao princípio constitucional da soberania dos veredictos, previsto no art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição Federal, oportunidade na qual as alegações postas neste recurso poderão ser renovadas nos debates orais e, no momento próprio, acolhidas ou nãopelo Conselho de Sentença, juízo natural da causa. Por lado, é imperioso reconhecer que o pedido subsidiário formulado pelos recorrentes Jonatas Junior e Renato Aquino Santiago, igualmente, não deve ser acolhido, porque o afastamento das qualificadoras, nos crimes de competência do Tribunal do Júri, nesta fase processual, somente é cabível nas hipóteses em que as referidas causas modificadoras de pena restarem manifestamente improcedentes, situação, essa, que não foi demonstrada nestes autos. Com efeito, no que se refere ao propalado motivo torpe, colhe-se dos elementos de convicção coligidos nestes autos durante a fase inquisitiva e na persecutio criminis, a existência de provas mínimas acerca da plausibilidade da sua incidência, haja vista, que na fase administrativa, tanto as vítimas sobreviventes quanto as testemunhas, afirmaram que o motivo provável das tentativas de homicídio contra as vítimas Marcelo Henrique Faria Valim, Carlos Juliano Azevedo e Karlos Vinicius da Silva foi o roubo realizado no bairro Morada da Serra, pelos integrantes do “Comando Vermelho”, por isso os alvos da ação seriam os membros dessa organização rival que praticaram o roubo em área em tese de domínio da facção Primeiro Comando da Capital, daí por que estão presentes os elementos para manter a referida qualificadora, vez que podem evidenciar a prática dos crimes por vingança. Como visto, não há falar-se em afastamento da aludida causa qualitativa, eis que existem elementos probatórios nestes autos, indicativos de que, em tese, o ilícito foi perpetrado por motivo torpe, ou seja, repugnante, impondo-se destacar, ainda nessa senda, que na lição de Cezar Roberto Bitencourt, “Torpe é o motivo que atinge mais profundamente o sentimento ético-social da coletividade; é o motivo repugnante, abjeto, vil, indigno, que repugna à consciência média”. (In Código Penal Comentado. 5ª. ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 315). Conquanto deva ser reconhecida que nem toda vingança possa ser considerada necessariamente como motivo torpe, no caso destes autos, não há, neste momento, como se afastar a torpeza do ato em tese praticado pelos recorrentes, eis que tal providência, em sede de pronúncia, somente pode ocorrer em casos extremos, como por exemplo, em uma situação em que: o filho ceifa a vida do assassino do pai. Em hipóteses que tais, embora o fato criminoso mereça reprovação da sociedade, tal conduta não pode ser considerada como ignóbil ou repugnante. Contudo, como dito alhures, esse não é o caso relatado nestes autos. A propósito, acerca do tema, eis o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA NÃO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. NÃO CABIMENTO. VINGANÇA. QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. A decisão deve ser mantida por seus próprios fundamentos por estar em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior. 2. Na pronúncia, que não encerra juízo de procedência acerca da pretensão punitiva, somente se admite a exclusão de qualificadoras quando manifestamente improcedentes ou descabidas, sob pena de afrontar a soberania do Júri, o que não se verifica no caso concreto, mormente quando relatado na própria denúncia que o crime foi cometido por vingança, sendo considerada qualificadora do motivo torpe pela jurisprudência firme desta Corte. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 523029 PE 2019/0215186-8, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 26/11/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/12/2019) Destacamos Por conseguinte, nesta fase processual, na qual, como se sabe, o magistrado realiza mero juízo de admissibilidade da acusação, no que concerne às qualificadoras estas só podem ser afastadas quando for constatada, de plano, sua improcedência em razão da absoluta ausência de indícios que respalde sua utilização. Sendo assim, cabe ao Conselho de Sentença, juízo natural dos processos afetos ao Tribunal do Júri, analisar se a vingança foi vil ou não, e se serviu ou não de móvel para o cometimento do crime. Do mesmo modo no que diz respeito ao pleito de exclusão da qualificadora do motivo fútil, existem indícios mínimos acerca da plausibilidade da sua incidência, haja vista que, aparentemente, o duplo homicídio de Luca Mateus Campos da Silva e Luan Henrique Nogueira dos Santos foram praticados em razão de estarem na companhia dos alvos da ação e serem simpatizantes com a organização em que Marcelo Henrique Faria Valim, Carlos Juliano Azevedo e Karlos Vinicius da Silva, aparentemente, são “batizados”. E tais afirmativas têm razão de ser porque, em relação à tentativa de homicídio de Maria Luiza Lacerda Lopes, a testemunha Max Willian afirmou que “Maria Luiza era um alvo por ter sido namorada de um membro do Comando Vermelho, e à época dos fatos estava se relacionando com Carlos Juliano, membro do PCC” [trechos citados anteriormente]. Aliás, sobre a matéria, esta é a doutrina de Rogério Greco e Guilherme de Souza Nucci: O inciso II do § 2º do art. 121 do Código Penal prevê, também, a qualificadora do motivo fútil. Fútil é o motivo insignificante, que faz com que o comportamento do agente seja desproporcional. Segundo Heleno Fragoso, ‘é aquele que se apresenta, como antecedente psicológico, desproporcionado com a gravidade da reação homicida, tendo-se em vista a sensibilidade moral média’. São exemplos clássicos de motivação fútil, apontados pela doutrina, o cliente que mata por entregar-lhe o troco errado, ou daquele que mata o seu devedor, que não havia quitado, no tempo prometido, sua dívida de R$ 1,00 (um real). Enfim, motivo fútil é aquele onde há um abismo entre a motivação e o comportamento extremo levado a efeito pelo agente. (GRECO, Rogério - in Curso de Direito Penal: parte especial, volume II, 5ª. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2009, p. 167) Negritamos Por consequência, é forçoso concluir que o pleito de afastamento da qualificadora prevista no art. 121, § 2º, II, do Código Penal deve, também, ser analisado pelo Conselho de Sentença. E, no que concerne à qualificadora do emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas, também, não há que se falar em exclusão da citada causa modificadora de pena, porquanto há relatos de que os ofendidos foram alvejados quando estavam em uma confraternização, Luca Mateus em sua própria residência, e não esperavam o ataque, isso sem contar que uma das vítimas sobreviventes, Maria Luiza, e as vítimas fatais, Luca Mateus e Luan Henrique, aparentemente, foram atingidas pelas costas, situação fática, essa, que, neste momento, afasta a alegação de que a mencionada causa modificadora de pena é manifestamente improcedente. Destarte, é forçoso reconhecer a existência de indícios de provas em relação a possível incidência do recurso que dificultou a defesa dos ofendidos, haja vista o modus operandi, em tese, utilizado pelos recorrentes e pelos coautores na execução dos delitos em apreciação, impondo-se destacar que não há como se afastar a citada causa qualitativa, eis que tal providência, em sede de pronúncia, somente pode ocorrer em casos extremos. Deveras, a reiterada abordagem dessa temática levou a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal de Justiça, a aprovar o Enunciado n. 2, com a seguinte redação: “Somente se admite a exclusão das qualificadoras na pronúncia quando manifestamente improcedentes, sob pena de se suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri”. Diante disso, é forçoso concluir que há indícios suficientes de que os crimes possam ter sido cometidos por motivo fútil, motivo torpe e emprego de recurso de dificultou a defesa das vítimas, desautorizando, pois, a desclassificação dos delitos para homicídios simples, isso significando dizer que, persistindo quaisquer dúvidas sobre a veracidade dos fatos, impõe-se a submissão dos recorrentes a julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de afronta aos princípios constitucionais da soberania dos veredictos e da competência do júri para apreciar os delitos dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, c e d da Constituição Federal). Anote-se, por derradeiro, que, em relação aos delitos conexos, o juízo de primeiro grau indicou as provas de existência dos crimes de corrupção de menor e associação criminosa; bem assim os indícios suficientes de sua autoria também em relação aos recorrentes, razão pela qual, igualmente, não se pode afastar a competência do Conselho de Sentença para o julgamento desses injustos penais, porquanto, uma vez reconhecida a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, seus integrantes terão a competência para julgarem os delitos conexos, em razão da vis attractiva, sendo, pois, necessária a manutenção da sentença de pronúncia também no que tange aos delitos de corrupção de menor e associação criminosa. Posto isso, em consonância com o parecer ministerial, nego provimento aos recursos interpostos por Luciano Felix Oliveira; e Jonatas Junior Fernandes de Oliveira e Renato Aquino Santiago, que deverão ser submetidos ao Tribunal do Júri da Comarca de Pontes e Lacerda, pela prática dos crimes de homicídio qualificado pelo motivo fútil e emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas (duas vezes); tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima; e tentativa de homicídio qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa das vítimas (três vezes); corrupção de menor e associação criminosa, determinando o retorno destes autos ao juízo de origem para as providências pertinentes. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/04/2025
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