Processo nº 1000550-73.2024.8.11.0092
ID: 259927147
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE ALTO TAQUARI
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1000550-73.2024.8.11.0092
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUCAS GIMENES MOTA REZENDE
OAB/GO XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE ALTO TAQUARI SENTENÇA Processo: 1000550-73.2024.8.11.0092. Vistos. Cuida-se de denúncia formulada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE ALTO TAQUARI SENTENÇA Processo: 1000550-73.2024.8.11.0092. Vistos. Cuida-se de denúncia formulada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso em desfavor de MARIO CELSO WIECHINIESKI, pelo suposto cometimento da conduta descrita no art. 344, por três vezes, c/c art. 69, ambos do Código Penal, tudo isso em virtude dos fatos narrados na denúncia de ref. 168722513. Narra a peça acusatória que: “(...) Extrai-se dos autos que, neste município e Comarca de Alto Taquari/MT, no segundo semestre de 2023 e no correr da instrução do Inquérito Policial nº 85/2023 (Pje 1000761- 46.2023.8.11.0092), livre e conscientemente, o denunciado Mário Celso Wiechinieski, com o fim de favorecer interesse próprio em processo judicial, usou de grave ameaça contra as vítimas André Carlos Adams, Maicon Ricardo Oliveira Reis Aguiar e Roberval Fernandes dos Santos, pretendendo evitar que elas prestassem depoimento em processo judicial. Ressai dos autos que André Carlos Adams é proprietário da Fazenda Ipiranga localizada na zona rural do município de Alto Taquari, na qual o denunciado Mário Celso Wiechinieski laborou até 05/07/2023. Em junho de 2023, a autoridade policial instaurou o Inquérito Policial nº 85/2023 para apurar as condutas comunicadas no BO/PJC nº 2023.172707 pela vítima André Carlos Adams, noticiando suposto delito de furto qualificado, na Fazenda Ipiranga. No curso da instrução, a autoridade policial promoveu diligências a fim de tomar a oitiva dos funcionários da Fazenda Ipiranga, dentre eles Maicon Ricardo Oliveira Reis Aguiar e Roberval Fernandes dos Santos. No curso da instrução do Inquérito Policial nº 85/2023, Mário Celso Wiechinieski dirigiu-se até a residência de Roberval e disse que mataria André e Maicon caso fosse preso. Assim agindo, Mário atemorizou André, Maicon e Roberval. Em seguida, Mário Celso Wiechinieski passou a mandar recados por terceiros dizendo que teria uma bala para a vítima André e para Maicon. Mário incutiu nas vítimas temor causar-lhes mal injusto e grave. Tais condutas foram suficientes para promover mudanças significativas no cotidiano, invadindo ou perturbando a esfera de liberdade ou privacidade das vítimas (...)”. Juntamente com a denúncia foi aportado pedido de decretação de prisão preventiva pelo órgão ministerial, bem como de empréstimo de provas (ref. 168722513). Recebida a denúncia em 12/09/2024, bem como fixadas cautelares diversas da prisão (ref. 168887523). O Réu foi citado em 09/10/2024 (ref. 171880220). A defesa do réu apresentou resposta à acusação, bem como apresentou requerimento de indeferimento do pedido de decretação de prisão preventiva (ref. 172322886). O parquet apresentou réplica a resposta à acusação (ref. 174385519). Proferida decisão que designou audiência de instrução e julgamento, deferiu o pedido de empréstimo de provas, indeferiu o pedido de decretação de prisão preventiva e manteve as medidas cautelares (ref. 174462660). Realizada audiência de instrução processual em 12/02/2025 (ref. 183774802), na oportunidade foram inquiridas as vítimas André Carlos Adams, Roberval Fernandes dos Santos e Maicon Ricardo O. Reis Aguiar, bem como as testemunhas José Vilker Santos De Souza, Dra. Michele Castro Reis de Siqueira, Valderan Souza de Morais, Jaqueline Aparecida Gomes e Gilvanio Souza Moraes. Empós, o réu ciente de todas as garantias constitucionais, e na presença da sua defesa, foi qualificado e interrogado. Sem requerimentos das partes, foi encerrada a instrução processual. O Ministério Público, em alegações finais escritas, entendeu como comprovadas a autoria e materialidade do delito, pugnando pela total procedência do feito e, por consequência, a condenação do acusado nos exatos termos da denúncia. Ainda, requereu a fixação de valor mínimo a título de danos morais para reparação dos danos em favor das vítimas, dentre outras ponderações (ref. 186005148). A Defesa, por sua vez, em alegações finais na forma de memoriais, pleiteou, em suma, pela absolvição do réu, asseverando inexistirem provas suficientes para a condenação. Outrossim, requereu a improcedência do pedido de indenização em favor das vítimas (ref. 188177063). Os autos vieram conclusos. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Processo regular. Inexistindo qualquer preliminar ou nulidade a ser analisada, passo a enfrentar o mérito da demanda. MATERIALIDADE: A materialidade do delito restou comprovada nos autos por meio do Termo de declarações (ref. 163550001); Notícia de Fato (ref. 163550002); Termos de declarações (refs. 163553223 e ss.); Documentos encaminhados pela vítima (refs. 163550003 e ss.). Nada obstante isso, trata-se de crime formal, ou seja, sua consumação independe de resultado naturalístico. AUTORIA: Sopesadas as provas coligidas durante a instrução processual, no tocante à autoria delitiva, esta recai de forma inconteste sobre o réu MARIO CELSO WIECHINIESKI. O delito previsto no art. 344 do Código Penal traz a seguinte redação, veja-se: “(...) Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência (...)”. De pronto, cumpre ressaltar que é fato incontroverso nos autos a existência de processo criminal em trâmite na Vara Única de Alto Taquari-MT, sob o número 1000761-46.2023.8.11.0092, no qual o acusado respondeu como réu, sendo as vítimas/testemunhas ali arroladas as mesmas que figuram como vítimas nos presentes autos. Traçadas essas premissas, passo à análise dos fatos. NO TOCANTE ÀS VÍTIMAS ANDRÉ CARLOS ADAMS E MAICON RICARDO O. REIS AGUIAR: A vítima André Carlos Adams, ouvida na fase policial em 17/04/2024 (ref. 163553223), afirmou ter sido ameaçada de morte por Mário (réu), narrando que a ameaça não foi realizada pessoalmente, mas que o réu teria declarado a Roberval e Valdiran que o mataria caso fosse preso ou perdesse a carreta. Ademais, o declarante informou que, em razão das ameaças, realizou mudanças em sua rotina e teme por sua vida. Vejamos: Depoimento em sede policial de André Carlos Adams (ref. 163553223): “(...)QUE confirma ter sido ameaçado de morte por MARIO CELSO WIECHINIESKI, ano passado, não lembra a data certa, mas foi antes dele ser preso; QUE não foi ameaçado pessoalmente, MARIO o ameaçou falando para ROBERVAL e VALDIRAN que o mataria, caso fosse preso e perdesse a carreta, mataria também o MAYCON; QUE ROBERVAL, VALDIRAN e MAYCON eram seus funcionários; QUE VALDIRAN ficou com medo e pediu demissão, retornando para o Estado de Alagoas; QUE MAYCON foi transferido para a unidade de Confresa, também por temer por sua vida; QUE ROBERVAL continua trabalhando na fazenda de Alto Taquari, antes ele morava na cidade, em casa própria, mas por também temer por sua vida, achou melhor mudar para uma casa na fazenda, deixando a dele; QUE pessoas que não conhecia também o pararam na rua e disseram para se cuidar, pois estava sendo ameaçado de morte pelo MARIO, não sabe informar quem são essas pessoas; QUE o declarante bloqueou MARIO em seu celular; QUE o declarante informa que fica sozinho na casa de Alto Taquari e quando se desloca para a fazenda, sempre está sozinho; QUE tem casa em Campo Grande/MS e se desloca sozinho, sua família não lhe acompanha por questão de segurança, antes dessas ameaças, seus familiares sempre estavam em sua companhia; QUE a família do declarante já pediu que vendesse tudo o que tem em Alto Taquari e fosse embora; QUE mesmo após a prisão de MARIO, o declarante teme por sua vida (...)”. Outrossim, a vítima quando ouvida em juízo (ref. 183774802), reafirmou seu depoimento anterior, narrando que, foi ameaçada de morte pelo réu Mário Celso, que afirmou ter uma bala reservada para ele e para outras duas pessoas, caso continuassem com o processo. Disse que diversas pessoas confirmaram as ameaças e, por temer pela própria vida, blindou seu carro, obteve porte de arma e passou a viver recluso, veja-se: Depoimento em sede judicial de André Carlos Adams (ref. 183774802): “(...) Que, Certo. O Mário Celso, ele chegou aí na casa de um funcionário meu que se chama Roberval, e lá ele disse que se a gente testemunhasse, se a gente continuasse com o processo, em especial se a gente continuasse com o processo, falando né, ele ia, disse que ele tinha uma bala de revólver para mim, uma para o Roberval e outra para o Maicon, que ele ia nos matar; Que, fora isso, outros populares da cidade também vieram e falaram a mesma coisa, que ele estava bem predisposto a nos matar, que ele estava com muita raiva da gente, que ele não queria saber mais, que para ele não interessava, o negócio dele era acabar com a minha vida e ele também faz, ou fazia academia perto de casa, em uma quadra de casa, tem uma academia na minha casa, outras pessoas também da própria academia vieram e falaram a mesma coisa. Então, diversas pessoas vieram e falaram isso daí; Que, a partir daí eu blindei meu carro, consegui um porte de arma federal, ando armado, ando em um carro blindado, e até hoje eu temo a minha vida ainda; Que, depois que ele foi preso, ele me mandou um recado dizendo que assim que ele saísse da cadeia, ele ia me procurar e me matar e se a justiça me desse o caminhão dele, como está o caminhão dele hoje, estou fiel depositário desse caminhão, que aí sim que ele ia vir atrás e me matar, porque ele não aceitava de forma alguma perder esse caminhão. Na verdade, hoje eu sou fiel depositário desse caminhão (...) Que, Eu já não consigo nem fazer isso, porque eu ou fico na fazenda ou fico trancanfeado dentro de casa e pronto, porque a liberdade minha foi cerceada por conta desse criminoso (...)”. Destaco, da fala da vítima, que a ameaça teve como finalidade impedir que ela (vítima) depusesse ou prosseguisse com o processo judicial em desfavor do réu, relembro: “disse que se a gente testemunhasse, se a gente continuasse com o processo, em especial se a gente continuasse com o processo, falando né, ele ia, disse que ele tinha uma bala de revólver para mim, uma para o Roberval e outra para o Maicon, que ele ia nos matar”. No mesmo sentido, foi o depoimento da vítima Maicon Ricardo O. Reis Aguiar, em juízo, na oportunidade o ofendido relatou que, após o início do processo relacionado ao furto de grãos, decidiu acelerar sua mudança para outra cidade por temer por sua segurança. Ainda, afirmou que, antes mesmo de deixar o município, já circulavam boatos de que, caso o réu Mário fosse preso ou perdesse o caminhão envolvido na causa, haveria "uma bala" destinada a ele e a outra testemunha. Informou que tais ameaças foram repassadas por conhecidos e até por pessoas desconhecidas. Colaciono: Depoimento em sede judicial de Maicon Ricardo O. Reis Aguiar (ref. 183774802): “(...) Que, então, é assim, como teve o processo lá do Grão de Ouro, né? Logo após aquilo lá eu acelerei minha mudança, né? Para outra cidade, né? E quando voltei à cidade, e até antes já havia um barulho na cidade, algumas pessoas que me conhecem, ou pessoas mesmo aleatórias, falaram, tem uma conversa aí, que se o Mário for preso, ou se ele perder o caminhão que ele adquiriu, ele tem falado que vai ter uma bala para você e para o senhor. Então, assim, acaba que eu acabei, hoje tenho até um medo, né, sobre isso, né; Que, e do senhor Roberval, o Roberval me contou, que ele foi um dia na casa dele lá e estava tirando foto dele, né? Para que tirar foto assim, escondido, né? E assim, tanto que o Roberval até mudou da cidade também, né? Ele foi embora do estado, né? Então, assim, basicamente é isso, né; Que, assim que eu posso falar para o senhor, assim, diretamente não, né, até porque depois que aconteceu todo o processo, que ele saiu da fazenda, eu não tive nenhum contato com ele, meu contato era na empresa com ele, né, acabou-se que e eu também me resguardei também, não ficava saindo nem nada, então assim, chegou por terceiras pessoas, como eu falei da primeira vez; Que, Isaac Finan, acredito que seria o envolvido que estava com ele, né, acho que no processo lá do Grão de Ouro, e era um cara que era envolvido com tudo que não presta na cidade, ele estava envolvido, esse cara aí. Um cara muito conhecido na cidade por causa dessas coisas, até depois que eu mudei daí, o Isaac andou me ligando, até bloqueei ele, eu tenho ideia que as vezes que ele me ligou, não atendi, bloqueei; Que, ele chegou a me ligar só que eu não atendi a ligação, sabia o número dele, acabou que eu nem atendi, até bloqueei o número dele, né; Que, então, eu acredito que ele tem, assim, né? Porque no processo, acredito que ele era um dos caras que ajudava na parte de, vamos dizer, de receptação daqueles grãos, né, então, assim, foi o único contato que eu sei dele, é isso daí. O que eu tive com ele foi quando ele tentou me ligar, né? Pra que me ligar? Eu sou conhecido dele, sou amigo dele, nunca vi ele, não gosto dele; Que, eu nem atendi a ligação né, Porque os caras que estão envolvidos com o crime organizado, a gente, da gente eu nem atendi, porque para não ter, já nem ameaça, né? Dessa parte dele, né? Eu não tive contato com mais ninguém, né, falo só com o meu gerente e com o proprietário da fazenda, no caso; Que, para mim não; Que, como eu falei para o senhor, né? Eu, depois que tudo isso ocorreu, né? Eu me afastei muito das pessoas, né? Todo mundo. Então, acabei me isolando por causa disso, né; Que, É, eu cheguei a mudar de cidade, era previsto para eu estava no processo para poder ir para uma outra região, isso foi acelerado, né? Porque eu não podia, eu não queria ficar mais na cidade, né (...)”. Pois bem. No caso em análise, verifica-se que as ameaças não foram proferidas diretamente às vítimas, mas sim a um terceiro interlocutor (Roberval), que transmitiu a mensagem aos ofendidos. Nesse ponto, ressalto que entendo ser desnecessário, para a configuração da grave ameaça no crime de coação no curso do processo, assim como no delito previsto no art. 147 do Código Penal, que a promessa de mal seja feita na presença da vítima. Basta que a ameaça chegue ao seu conhecimento e lhe cause temor, o que, de fato, ocorreu no caso em tela. Nesse enfoque, urge colacionar: “(...) Ademais, deve a ameaça consistir em promessa de mal sério, fundado, iminente e verossímil, a fim de que seja suficiente à intimidação da vítima. Vale ressaltar que o crime de ameaça pode ser praticado de forma livre, por meio de palavras, escritos ou gestos, não havendo sequer a necessidade de que seja cometido na presença do ofendido, bastando que chegue ao seu conhecimento (STJ - HC: 884267, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Data de Publicação: Data da Publicação DJ 02/04/2024). Saliento, ainda, que, em crimes dessa natureza, geralmente praticados às escondidas, a palavra da vítima possui especial valor probatório, veja-se: EXMO. SR. DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA: APELAÇÃO CRIMINAL .COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. CONDENAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO . FRAGILIDADE DO CONTEÚDO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA MATERIAL DO CRIME E AUTORIA DELITIVA DEMONSTRADA PELA PROVA ORAL PRODUZIDA. CONDENAÇÃO MANTIDA . RE CURSO DESPROVIDO. É incabível o acatamento do pleito de absolvição da apelante porquanto a materialidade e a autoria delitivas estão comprovadas nestes autos, estando, pois, sua condenação embasada no conjunto probatório, mormente nos depoimentos da vítima que o aponta como o autor dos fatos. Ademais, cabe ressaltar que, nos delitos dessa natureza, quase sempre praticados na clandestinidade, a palavra da vítima adquire especial importância, prevalecendo sobre à do acusado, principalmente quando a versão apresentada por aquela se mostra firme, coerente e harmônica com os demais elementos amealhados ao longo da instrução criminal. Recurso desprovido .(TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 0006747-24.2019.8.11 .0064, Relator.: LUIZ FERREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 29/05/2024, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/05/2024). Ademais, no presente caso, além da palavra dos ofendidos, também foi ouvido o interlocutor e vítima Roberval Fernandes dos Santos, que, em juízo, narrou que Mário (réu) lhe afirmou que, se fosse preso, mataria André e Maicon. Veja-se: Depoimento em sede judicial de Roberval Fernandes dos Santos (ref. 183774802): Que, quando eu dei esse depoimento eu estava me sentindo ameaçado sim; Que, pelo jeito que o Mário falou né, ai eu fiquei com medo, ele falou que se ele fosse preso ele mataria o André e o Maicon né, mas a mim mesmo ele não fez nenhuma ameaça não; Que, sim, a gente conversou e ele falou isso para mim; Que, não, isso; Que, não sei; Que, é porque a gente trabalhava tudo junto né; Que, não; Que, não; Que, sim isso aconteceu (...); Que, não (...)”. Em relação à vítima Roberval, verifico que há dúvidas quanto à concretização da ameaça dirigida a ele. Contudo, tratarei desse ponto mais adiante, pois, por ora, abordarei apenas a coação em relação às vítimas André e Maicon. Importa destacar a gravidade da ameaça de morte neste caso. A corroborar com as declarações das vítimas, a testemunha Michele Castro Reis de Siqueira, Delegada de Polícia, narrou que o denunciado Mário participava de uma associação criminosa que desviava grãos e repassava para fornecedores. Ainda, narrou que durante as investigações que ocorriam sobre o furto o denunciado teria dito à vítima Roberval que se caso perdesse o caminhão ele iria matar as vítimas André e Maicon. Depoimento em sede judicial de Michele Castro Reis de Siqueira (ref. 183774802): “(...) Que, Sim, na verdade em 2023 a delegacia de Alto Taquari, nem eu era a titular de Alto Taquari, não. As investigações foram conduzidas por outro delegado, pelo doutor Arthur e pelo doutor Thiago. Acho que ele veio arrolado também de testemunha é teve uma série de desvio de grãos na cidade, na empresa do da vítima, André Adams. E durante as apurações, o André, que é a vítima, prestou esclarecimentos à delegacia e outras e outros funcionários da fazenda, incluindo o senhor Maicon, o senhor Roberval, prestaram um depoimento nos autos como testemunha e o suspeito seria o senhor Mário [...] E depois quando as vítimas, quando as testemunhas foram prestando depoimento à delegacia. Isso segundo consta nos autos, o senhor Mário teria proferido ameaças contra o André, a vítima, e contra a testemunha Maicon, ele teria dito ao Roberval. Outra testemunha dos autos que se ele fosse preso e se ele perdesse o caminhão, que ele ia matar o André e o Maicon. A testemunha Roberval narra isso, que foi o único que confirmou, porque a gente notou também durante as apurações que eles, que as testemunhas têm muito medo. Muitas fugiram da cidade, muitas foram embora da cidade por medo de sofrer retaliações. A única testemunha que confirmou essas ameaças foi o Roberval, além das vítimas, é claro; Que, Sim, de acordo com as investigações, que foi uma investigação bem grande, até bem complexa, teria uma quadrilha de desvio de grãos. De ladrões de carga e receptadores. E por isso que teve esse inquérito. Esse inquérito foi uma operação grande assim e um dos envolvidos era o senhor Mário, que faria parte dessa organização criminosa voltada a desvio de grãos da vítima André; Que, Acho que... Eu não sei se eles foram indiciados. Não sei se foi por organização criminosa ou foi por associação criminosa, mas eles tinham um grupo ali organizado. Que desviava grãos da vítima André e repassava para fornecedores. Isso que foi apurado nos autos do inquérito principal. Mas não fui eu que conduzi as investigações do inquérito principal, que até a operação foi chamada de “grãos de ouro”, teve até muita repercussão estadual; Que, Não. Eles prestaram, sim, mas segundo a vítima, André, [...] o Mário teria ido na casa do Roberval e dito que se ele fosse preso e perdesse o caminhão, se isso se desdobrasse em uma eventual prisão ou confisco de bens, que ele iria matar o André e o Maicon, que eram testemunhos nos autos, a vítima e a testemunha. E o Maicon também diz, a vítima Maicon diz que ele ouviu pela cidade, mas ele não quis falar de quem porque ele também tem um certo medo, receio. Ele disse que ouviu dizer que o Mário teria dito que teria 2 balas, uma bala pro André e uma bala pro Maicon, caso ele fosse preso (...)”. Relembro que: “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal” (Enunciado 08 do TJMT). A testemunha Valderan Souza de Morais, pouco contribuiu para a elucidação dos fatos, apenas narrando que ouviu falar das ameaças sofridas pelas vítimas. O acusado, por sua vez, durante seu interrogatório judicial, negou os fatos, afirmando que, de fato, esteve na residência de Roberval, mas que não proferiu qualquer ameaça. Acrescentou, ainda, que Roberval também esteve em sua casa e questionou o fato de ele ter ido até lá, já que ele diz ter sido ameaçado. Transcrevo: Interrogatório judicial de Mario Celso Wiechinieski (ref. 183774802): “(...) Que, Não, excelência. Frequentei a casa do senhor Roberval, a casa do Maicon não, porque o Maicon não mais morava na cidade, ele mudou da cidade muito antes desse processo estar rolando, antes mesmo de eu sair da fazenda ele já não morava mais na cidade, ele pouco frequentava a fazenda, de vez em quando ele ia lá, mas quando ele ia lá a gente saía, andava de caminheta junto, tanto é que a gente veio na loja para comprar uma roupa para mim, ainda comprei uma camiseta de presente para ele, que ele estava junto, que era o casamento da minha filha, alguma coisa por aí. Para o André, eu nunca fui na casa dele depois que eu saí da fazenda, não tinha o costume de estar indo na casa dele, não era algo assim normal, era só se ele precisasse de alguma coisa. Na casa do Roberval eu estive depois que eu saí da fazenda, porque a gente tinha uma intimidade e eu não sabia a respeito de, já vamos chegar nesse assunto, mas eu estive na casa dele, não fiz ameaça nenhuma, zero ameaça, então eu estive sempre na casa do Roberval, sempre eu ia na casa dele, ele ia na minha casa, ele me ajudou a construir a casa que eu tinha, que foi a casa que a gente trocou no caminhão desde 2013, 2012, eu tenho conhecimento com o Roberval, ele me ajudou desde sempre na construção da minha casa; Que, Ele foi embora da cidade pelo motivo que ele trocou de cargo, ele virou vendedor de semente, ele era analista no laboratório e futuramente ele foi trocado de cargo, ele fazia pós-venda, aí com o aperfeiçoamento do pós-venda ele virou vendedor de semente para o norte do Mato Grosso, para a região do Araguaia, e ele mudou para Confresa, mas ele mudou pelo motivo de localidade, porque o vendedor lá em Confresa, lá na região do Araguaia, não tem como morar em Alto Taquari, ele mudou por esse motivo; Que, Não, excelência, eu nunca comentei esse tipo de frase, e aí a gente já sabia, porque inicialmente, antes de eu sair da fazenda, eu sabia que existia um processo, sabia que existia uma investigação, mas eu nunca sabia que eu era o alvo da investigação, eu não sabia. Fiquei sabendo que eu era o alvo da investigação quando eu fui preso.Então, isso tudo sempre foi, eu levei como que eu era investigado assim que eu saí da fazenda, porque eu entendi a coisa, e hora nenhuma eu iria ameaçar alguém, porque eu tinha certeza, a gente não é advogado, mas a gente entende que se eu ameaçar alguém, eu vou ir preso imediato, eu nunca esperava ir preso nesse processo, por esse motivo que eu fui. , o Roberval, eu não sabia que ele tinha, que era ele a pessoa, minha esposa também não sabia, não sabia que foi ele quem foi lá e deu esse depoimento. O que eu sei por altos? O Roberval recebeu dinheiro de terceiros, valores aí, valor de 12 mil e alguma coisa, se não me engano, e desde o depoimento, eu não sabia disso, senão eu tinha cortado os laços com ele. Desde o depoimento na delegacia, ele falou que esse valor era valor meu.Qual que é a lógica dele receber um valor de alguém que, por o mesmo motivo que eu fui condenado, ele recebeu o valor? Eu não sei por que ele recebeu esse dinheiro e do que é esse dinheiro, eu não sei. Eu sei que ele recebeu esse valor. Lá na delegacia, ele deu um depoimento que esse valor era meu e que eu estava pagando uma dívida que eu tinha com ele, com um carro, que eu tinha vendido, comprado um carro dele, mas isso não é verdade. Desde lá da delegacia, já começou a mentira dele, mas eu não sabia disso e eu continuei a minha amizade com ele, o tempo todo. E depois disso tudo, que ele foi em casa, que ele foi lá, levou valores, eu não sei do que é esse valor. A minha esposa recebeu esse valor como uma ajuda de custo, de bom coração dele, como amizade, mas se ele tinha medo de mim, se eu ameacei ele, ameacei o André, ou ameacei o Maico, ou ameacei qualquer pessoa, qual é a lógica dele ir até a minha casa? Eu acho que zero; Que, Não, doutor, a hora nenhuma eu pedi, e eu sei exatamente o caos que isso ia trazer para a minha vida. A hora nenhuma eu trouxe isso, eu sou uma pessoa que sempre trabalhou, a hora nenhuma eu quis isso para a minha vida, sempre trabalhei, tenho minhas filhas e tenho certeza que qualquer coisa que eu saísse da minha conduta, as coisas iam só piorar para a minha situação. Então, a hora nenhuma eu trouxe recado pela minha esposa, eu não pedi para ela ir na delegacia, por um acaso, ela passou lá na frente da delegacia e viu o André e a Tati, a gente sempre foi amigo, o André, a Tati, minha esposa, quando eu aprontava alguma coisa no âmbito de casa, em termos de alguma traição, alguma coisa, e que isso aconteceu, a Jaqueline, a Tati sempre chamou a Jaqueline para conversar, e isso foi por isso que ela foi lá e conversou com a Tati.Eu acho que ela nem chegou a conversar com o André, ela conversou só com a Tati. E eu nunca, nunca ameacei ninguém, eu nunca mandei recado para ninguém, zero, para ninguém, ninguém, ninguém (...)”. Ressalto que as testemunhas arroladas pela defesa, em resumo, prestaram depoimentos de caráter abonatório, limitando-se a exaltar aspectos positivos da personalidade do réu e relatarem não saber sobre as ameaças, sem, contudo, trazer esclarecimentos relevantes ou específicos acerca dos fatos imputados nos autos. Com base nas declarações expostas, em especial a das vítimas, ficou evidenciado que o acusado utilizou-se de grave ameaça para favorecer seu interesse próprio em processo judicial, conforme descrito na exordial acusatória. Nesse sentido, eis o entendimento do Supremo Tribunal Federal, in verbis: (...) CRIME DE COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. INDICATIVOS DE TENTATIVA DE CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADOS. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA . ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. MATÉRIA ADSTRITA À INSTRUÇÃO PROCESSUAL. (...) 10. O crime de coação no curso do processo é formal, ou seja, não exige, para a consumação, resultado naturalístico. Para a configuração sob o aspecto objetivo, basta a prática de uma das condutas descritas no núcleo do tipo (usar de violência ou grave ameaça) contra qualquer pessoa que intervenha no processo, não importa se autoridade, parte ou testemunha, sendo irrelevante que a ação delitiva produza algum resultado ou não (...) (STF - Pet: 9007 DF, Relator.: Min. NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 29/06/2023, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 02-10-2023 PUBLIC 03-10-2023). No mesmo sentido é o entendimento do E. TJMT, colaciono: (...) 4. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DE COAÇÃO NO CURSO DE PROCESSO PARA O DELITO DE AMEAÇA . IMPOSSIBILIDADE. LOCAL DO CRIME, OBJETIVO DE FAVORECIMENTO E CONTEXTO ANTERIOR DE COMETIMENTO DE CRIME CARACTERIZAM A COAÇÃO. (...) 4. Para a configuração do crime de coação no curso do processo é suficiente que o agente, com o fito de favorecer a si ou a terceiro, empregue o uso de violência ou de grave ameaça contra a vítima, no curso de processo judicial, policial ou administrativo (...) (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 10046654520238110037, Relator.: LUIZ FERREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 19/06/2024, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 21/06/2024). NO TOCANTE A VÍTIMA ROBERVAL FERNANDES DOS SANTOS: Retornando à análise da situação envolvendo a vítima Roberval, entendo que, em relação a ele, não restou devidamente comprovado o delito imputado ao réu. Explico. Em sede policial, a vítima relatou que o acusado teria ido até sua residência e dito que mataria seu patrão, André, e Maycon, caso fosse preso. Na ocasião, também afirmou ter se sentido ameaçado, urge colacionar: Depoimento em sede policial de Roberval Fernandes dos Santos (ref. 163553226): “(...) QUE o depoente mora com a esposa e seu filho de um ano e sete meses; QUE ano passado, não recorda o mês, mas foi um pouco antes de MARIO ser preso, esteve em sua casa e disse que mataria o patrão ANDRÉ e o MAYCON que é um colega de trabalho, caso fosse preso; QUE MARIO queria saber se o depoente ou outro funcionário tinham vindo na delegacia depor contra ele, pois alguém o viu sair daqui; QUE o depoente sentiu que essa ameaça também lhe foi direcionada; QUE o depoente negou que tivesse vindo na delegacia e que também não sabia se alguém teria vindo; QUE quando foi em sua casa, MARIO já tinha sido demitido da fazenda, não possuía mais meios de saber quem veio ou não; QUE contou sobre a ameaça para seu patrão ANDRÉ (...)”. Em juízo, a vítima reiterou a ameaça dirigida ao seu patrão, André, e a Maycon, mas confirmou novamente que não houve ameaça direta a ele, embora tenha se sentido temeroso. Veja: Depoimento em sede judicial de Roberval Fernandes dos Santos (ref. 183774802): Que, quando eu dei esse depoimento eu estava me sentindo ameaçado sim; Que, pelo jeito que o Mário falou né, ai eu fiquei com medo, ele falou que se ele fosse preso ele mataria o André e o Maicon né, mas a mim mesmo ele não fez nenhuma ameaça não; Que, sim, a gente conversou e ele falou isso para mim; Que, não, isso; Que, não sei; Que, é porque a gente trabalhava tudo junto né; Que, não; Que, não; Que, sim isso aconteceu (...); Que, não (...)”. Pois bem, nesse sentido, entendo que não houve coação à vítima Roberval, uma vez que fica evidente que o intuito do agente era que o “recado” chegasse aos reais alvos da ameaça, Maycon e André, tendo Roberval atuado apenas como transmissor da mensagem. DO CONCURSO MATERIAL (ART. 69 DO CÓDIGO PENAL): O art. 69 do Código Penal prevê o seguinte: “(...) Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela (...)”. Pois bem, neste caso não há o que se falar em concurso material. Explico. A denúncia narra que o réu teria praticado três ações com o intuito de coagir as vítimas. Colaciono: “(...) No curso da instrução do Inquérito Policial nº 85/2023, Mário Celso Wiechinieski dirigiu-se até a residência de Roberval e disse que mataria André e Maicon caso fosse preso. Assim agindo, Mário atemorizou André, Maicon e Roberval. Em seguida, Mário Celso Wiechinieski passou a mandar recados por terceiros dizendo que teria uma bala para a vítima André e para Maicon. Mário incutiu nas vítimas temor causar-lhes mal injusto e grave. Tais condutas foram suficientes para promover mudanças significativas no cotidiano, invadindo ou perturbando a esfera de liberdade ou privacidade das vítimas (...)”. Contudo, diante dos elementos colhidos, verifico que a coação por meio de grave ameaça às vítimas Maycon e André, embora tenha afetado duas vítimas, ocorreu por uma única ação do réu, qual seja: “Mário Celso Wiechinieski dirigiu-se até a residência de Roberval e afirmou que mataria André e Maicon caso fosse preso. Dessa forma, Mário atemorizou André, Maicon e Roberval”. Portanto, estamos diante do concurso formal de delitos (art. 70 do CP), não o material, eis que há uma unicidade de conduta com uma pluralidade de resultados. DOS MAUS ANTECEDENTES DE MÁRIO CELSO WIECHNIESKI: No caso, o réu Mário Celso Wiechnieski é possuidor de maus antecedentes, explico. Acerca dos antecedentes, transcrevo a fundamentação utilizada na sentença proferida nos autos 1000761-46.2023.8.11.0092, uma vez que é adequada a este caso. Veja-se: “(...) Ele foi condenado definitivamente no processo cód. 12323 (condenação penal transitada em julgado). A condenação teve execução no 18595 [564-02.2009.811.0092], que tramitou nesta Comarca de Alto Taquari/MT e não foi migrado ao SEEU por ter sido extinto antes da implementação do sistema. Em análise daquele processo (físico), à primeira vista parecia que o réu era reincidente neste caso, já que a pena dele foi de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e o prazo prescricional seria de 08 (oito) anos, mesmo que substituída a privativa de liberdade por restritivas de direito (art. 114, II, do CP, c/c art. 109 do CP). Continuando, como o último ato de cumprimento de pena foi em 10/08/2010, oportunidade em que ele apresentou alguns comprovantes de pagamento de parte da prestação pecuniária, não houve outro interruptivo ou suspensivo, pelo que a prescrição executória teria se dado em 10/08/2018 (oito anos após o último interruptivo). Relembre-se que a prescrição tem natureza declaratória então devo me valer da data que a pena deveria ser extinta, no caso o dia 10/08/2018. Então até aqui parecia reincidência, já que os fatos se deram em espaço inferior aos 05 (cinco) anos do lapso depurador. Contudo, fiz uma análise mais aprofundada e constatei que o réu era menor de 21 (vinte e um) anos à data dos fatos (do processo anterior), por isso a prescrição deveria ter sido reconhecida e declarada com a data de 10/08/2014. Assim, os fatos que eventualmente ocorram a partir de 10/08/2019 (05 anos depois da prescrição) não são alcançados pela reincidência (art. 64, I, do CP), mas aquela condenação anterior presta para maus antecedentes. No caso, entendo que aquela condenação no processo anterior, pelo delito previsto no art. 155, §1º, do CP, é importante e tempestiva para ser adotada como maus antecedentes, já que não é muito antiga, estando o lapso depurador muito próximo de tratar ela como reincidência, que inclusive só não alcançou pela menoridade relativa. Também me filio à corrente que não existe lapso depurador para maus antecedentes, principalmente neste caso em que muito próxima a nova condenação (...)”. Dessa forma, a condenação de cód. 12323 será tratada como maus antecedentes. DISPOSITIVO. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR o acusado MARIO CELSO WIECHINIESKI, devidamente qualificado nos autos, nos termos e sanções do art. 344, por duas vezes, c/c art. 70, ambos do Código Penal. Durante a dosimetria penal este magistrado SEMPRE INICIA a contagem pela pena mínima prevista no tipo. Contudo, a aplicação das frações de circunstâncias judiciais, atenuantes e agravantes, majorantes e minorantes, é feita de forma diferente. Explico. Na primeira fase aplico as frações sobre a pena mínima do preceito secundário do tipo penal ou sobre o intervalo entre as penas mínima e máxima, o que for maior. Na segunda fase, aplico as frações sobre o que for maior entre: 1) pena mínima do preceito secundário do tipo penal; 2) resultado da primeira fase; 3) intervalo entre as penas mínima e máxima. Na terceira fase, aplico as frações sobre o que for maior entre: 1) resultado da primeira fase; 2) resultado da segunda fase; 3) intervalo entre as penas mínima e máxima. Tudo isso para respeitar a hierarquia entre as etapas dosimétricas e para que as circunstâncias do caso concreto tenham mais efetividade na diferenciação de pena para cada réu que está em situações diferentes. Sobre a forma de dosimetria, transcrevo entendimento do STJ: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA ESSE FIM. DOSIMETRIA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DO ENTORPECENTE. FUNDAMENTOS VÁLIDOS. FRAÇÃO DA AGRAVANTE DE REINCIDÊNCIA. INCIDÊNCIA SOBRE O INTERVALO DA PENA EM ABSTRATO. ADEQUADA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. (...) 3. É firme o entendimento desta Corte Superior que as agravantes não necessariamente incidem sobre o resultado da pena-base, cujo acréscimo de 1/8 (um oitavo) para cada circunstância negativa multiplica o intervalo de pena decorrente da diferença entre a pena mínima e máxima cominadas ao tipo, para então somar à pena mínima. 4. Nesse contexto, as agravantes incidirão sobre a pena-base se for maior ou igual ao intervalo de pena em abstrato do preceito secundário, caso contrário, malgrado haver pena concreta dosada, as agravantes serão fixadas com parâmetro na base de cálculo das circunstâncias judiciais, sob pena de as agravantes serem menos gravosas do que meras circunstâncias judiciais. Doutrina. 5. Na hipótese, a decisão proferida pelas instâncias antecedentes está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, haja vista que a fração de 1/6 incidiu sobre o intervalo da pena em abstrato por ser maior que a pena-base, em atenção sistema hierárquico da pena, estabelecido no art. 68 do Código Penal. 6. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no HC: 739080 RS 2022/0125821-9, Data de Julgamento: 14/06/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/06/2022). Inicio a dosimetria pelas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. No caso específico, o intervalo de penas é superior a pena mínima do preceito secundário do tipo, pelo que é o que deve ser utilizado como parâmetro na primeira etapa da dosimetria. Destaco que, uma vez reconhecido o concurso formal de delitos (art. 70 do CP), irei dosar a pena uma única vez, por entender que as circunstâncias são idênticas, razão pela qual as penas serão iguais, com o aumento sendo aplicado posteriormente. 1ª FASE DE DOSIMETRIA: Culpabilidade: nada além daquela exigida para a própria configuração do delito. Em razão disso, deixa-se de valorar essa circunstância; Antecedentes: o réu é portador de maus antecedentes, para esta etapa utilizo a condenação no processo cód. 12323, executada no cód. 18595 (564-02.2009.811.0092). Sendo assim, valoro negativamente esta circunstância judicial. Para esta circunstância judicial entendo como suficiente e proporcional a aplicação da fração de 1/8 (um oitavo) sobre o intervalo da pena mínima e máxima; Conduta social: poucos elementos foram coletados a respeito dela, de modo que não se pode valorar; Personalidade do agente: poucos elementos foram coletados a respeito dela, de modo que não se pode valorar; Motivo do crime: se mostram inerentes ao tipo penal, de modo que não posso valorar; Circunstâncias do crime: inerente ao tipo penal, de modo que não posso valorar; Consequências do crime: são próprias do tipo. Diante disso, deixo de valorar essa circunstância; Por fim, o comportamento da vítima foi normal ao caso aqui apreciado, não merecendo qualquer valoração. Desta forma, verificando-se a existência de uma circunstância judicial desfavorável ao réu, fixo a pena-base em 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. 2ª FASE DE DOSIMETRIA: Não há atenuantes, tampouco agravantes pelo chego a pena intermediária de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. 3ª FASE DE DOSIMETRIA: Não há causas de diminuição ou aumento de pena, pelo que fixo a pena definitiva do réu em 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. DO CONCURSO FORMAL DE DELITOS (ART. 70 DO CÓDIGO PENAL): Em atenção ao critério do concurso formal de crimes, previsto no art. 70 do Código Penal, aumento a pena em 1/6 (um sexto), já que iguais, pelo que torno a pena definitiva de 01 (um) ano e 07 (sete) meses e 07 (sete) dias de reclusão, que resta imposta a MARIO CELSO WIECHINIESKI. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA: Tendo em vista o quantum de pena ora aplicada, bem como que há circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, tenho que deve ser aplicado ao réu o regime semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda, nos termos do artigo 33, §2º, “c”, c/c §3º, do Código Penal. Este é o regime adequado pelo reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis, o que torna o regime mais gravoso do que o aberto o indicado. Ainda que a pena esteja estabelecida em patamar inferior a 04 (quatro) anos, o reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis admitem a fixação de regime superior ao indicado apenas pela pena. Nesse sentido, veja-se o entendimento jurisprudencial do STF, bem como da 5ª e 6ª Turmas do STJ: (...) Não há ilegalidade na fixação de regime mais gravoso com lastro em circunstâncias judiciais desfavoráveis, conforme inteligência dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal (...) (STF - HC: 219939 SP, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 02/10/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 10-10-2023 PUBLIC 11-10-2023). (...) considerando que o meio prisional mais grave foi estabelecido em virtude da valoração negativa de circunstância judicial. Repita-se: a existência de moduladora desfavorável autoriza a fixação do regime mais grave que o indicado pela quantidade de pena estabelecida no decreto condenatório, como se deu no caso. (...) (STJ - AgRg no HC: 561176 SP 2020/0033105-6, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 03/03/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2020). (...) Na hipótese, a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis e a fixação da pena em 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão justificam a fixação do regime inicial semiaberto. (...) (STJ - AgRg no HC: 544074 SC 2019/0333127-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 27/10/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/11/2020). In casu, é descabida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, com base no art. 44 do CP, bem como a suspensão condicional da pena nos termos do art. 77 do CP. Tendo em vista o reconhecimento de circunstância judicial desfavorável, os maus antecedentes. Desta forma, entendo que esses institutos benéficos se mostram insuficientes para reprovação e prevenção do delito. Deixo de realizar a detração, tendo em vista que o réu não ficou preso por este processo. COM RELAÇÃO AOS DANOS MORAIS: O órgão ministerial fez pedido expresso na inicial acusatória de reparação do dano (ref. 168722513), o que proporcionou o contraditório por parte do réu e da defesa técnica. A partir de todo o conjunto probatório, verifica-se a existência de instrução específica apta a caracterizar o dano moral, notadamente em razão da angústia que os fatos causaram às vítimas André e Maycon. Explico. André, em seu depoimento judicial, relatou que, após as ameaças, passou a viver recluso e com medo, sendo compelido a blindar seu veículo e a portar arma de fogo. Veja-se: Depoimento em sede judicial de André Carlos Adams (ref. 183774802): “(...)Que, a partir daí eu blindei meu carro, consegui um porte de arma federal, ando armado, ando em um carro blindado, e até hoje eu temo a minha vida ainda (...) Que, Eu já não consigo nem fazer isso, porque eu ou fico na fazenda ou fico trancanfeado dentro de casa e pronto, porque a liberdade minha foi cerceada por conta desse criminoso (...)”. A vítima Maycon, por sua vez, relatou que mudou de cidade em virtude das ameaças, vive com medo e se isolou das pessoas. Colaciono: Depoimento em sede judicial de Maicon Ricardo O. Reis Aguiar (ref. 183774802): “(...) Que, então, é assim, como teve o processo lá do Grão de Ouro, né? Logo após aquilo lá eu acelerei minha mudança, né? Para outra cidade, né? (...) Então, assim, acaba que eu acabei, hoje tenho até um medo, (...) Eu, depois que tudo isso ocorreu, né? Eu me afastei muito das pessoas, né? Todo mundo. Então, acabei me isolando por causa disso, né; Que, É, eu cheguei a mudar de cidade, era previsto para eu estava no processo para poder ir para uma outra região, isso foi acelerado, né? Porque eu não podia, eu não queria ficar mais na cidade, né (...)”. Desta feita, por força do artigo 5º, incisos V e X, da CRFB, impõe-se a fixação de danos morais. Para a mensuração dos danos morais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça adota o método bifásico com o fito de, por um lado, impedir arbitrariedade e o subjetivismo exacerbado na fixação de um montante sem qualquer razoabilidade e, por outro, contemplar de maneira fidedigna as peculiaridades do caso concreto e evitar a tarifação dos danos. É dizer: "tem-se adotado o método bifásico de fixação, já que, como parâmetro para a aferição da indenização por danos morais, atende as exigências de um arbitramento equitativo, pois, além de minimizar eventuais arbitrariedades, evitando a adoção de critérios unicamente subjetivos pelo julgador, afasta a tarifação do dano. Traz um ponto de equilíbrio, pois se alcançará uma razoável correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, além do fato de estabelecer montante que melhor corresponda às peculiaridades do caso" (AgInt no AREsp 1651310/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/10/2021, DJe 14/10/2021). Na primeira fase, analisam-se os casos similares precedentes para aferir a quantia fixada e, em uma segunda etapa, examinam-se as peculiaridades do caso concreto, a exemplo das funções dissuasória e pedagógica, as condições pessoais, sociais e econômicas da vítima, a gravidade do fato e o interesse jurídico do tutelado. Em relação aos danos morais, dispensa-se a instrução específica e a comprovação do prejuízo, devendo-se estipular o quantum de acordo com a gravidade do delito e com o modus operandi empregado na ação criminosa (Enunciado Orientativo nº 14 e 14-A da TCCR/TJMT). (N.U 1002371-22.2023.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 24/04/2024, Publicado no DJE 28/04/2024). Na espécie, considerando todo o abalo causado as vítimas, devidamente demonstrada alhures e a gravidade do delito. CONDENO o réu MARIO CELSO WIECHINIESKI à reparação de danos morais no montante em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a serem pagos da seguinte forma: a) R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) em favor da vítima André Carlos Adams, pela extensão do dano provocado; b) R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) em favor da vítima Maicon Ricardo O. Reis Aguiar, pela extensão do dano provocado. CONDENO o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, eis que não comprovada sua hipossuficiência e eventual isenção ou parcelamento deve ser analisada pelo juízo da execução penal. INTIME-SE o réu pessoalmente, se não for encontrado, intime-se por edital com o prazo de 90 (noventa) dias. INTIMEM-SE as vítimas desta sentença, principalmente para que tenham ciência dos atos do processo, bem como pelo fato delas terem recebido indenização que cabe a elas executar no juízo competente após o trânsito em julgado. Oportunamente, após o trânsito em julgado, tomem-se as seguintes providências: a) Lance-se o nome do réu no rol dos culpados. b) Expeça-se guia de execução definitiva do condenado. Observe-se a detração penal, nos termos do art. 42 do Código Penal. c) Em cumprimento ao disposto no art. 71, §2º, do Código Eleitoral, oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, comunicando-o sobre esta decisão. d) Oficie-se ao órgão estadual de cadastro de dados sobre antecedentes, inclusive ao INFOSEG, fornecendo as informações sobre este decisório. e) De tudo cumprido e certificado, ARQUIVEM-SE os autos com as baixas e anotações de estilo. P.R.I. Ciência ao Ministério Público. CUMPRA-SE, servindo cópia da presente como ofício e como mandado de intimação. Alto Taquari/MT, (datado e assinado digitalmente) ANDERSON FERNANDES VIEIRA Juiz de Direito
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