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Ana Vitória Santos e outros x Autarquia Municipal De Saude De Londrina

ID: 299601295

Tribunal: TJPR Órgão: 2ª Vara da Fazenda Pública de Londrina Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0040049-54.2022.8.16.0014

Data de Disponibilização: 16/06/2025

Polo Ativo:

ANA VITóRIA SANTOS CRISTIANE DOS SANTOS RODRIGUES

Polo Passivo:

AUTARQUIA MUNICIPAL DE SAUDE DE LONDRINA

Conclusão

Advogados:

PAULO ROGÉRIO SANCHES

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

AMANDA CASADO RIBAS

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

RENATA KAWASSAKI SIQUEIRA

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

LIA CORREIA

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

THIAGO EIDI MORIMOTO

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

VINÍCIUS CALEFFI DE MORAES

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO CENTRAL DE LONDRINA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE LONDRINA - PROJUDI Avenida Duque de Caxias, 689 - 6º andar - … PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA - FORO CENTRAL DE LONDRINA 2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE LONDRINA - PROJUDI Avenida Duque de Caxias, 689 - 6º andar - Caiçaras - Londrina/PR - CEP: 86.015-902 - Fone: (43)3572-3232 - Celular: (43) 3572-3483 - E-mail: lon-31vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0040049-54.2022.8.16.0014 Processo: 0040049-54.2022.8.16.0014 Classe Processual: Procedimento Comum Cível Assunto Principal: Erro Médico Valor da Causa: R$100.000,00 Autor(s): ANA VITÓRIA SANTOS representado(a) por CRISTIANE DOS SANTOS RODRIGUES CRISTIANE DOS SANTOS RODRIGUES Réu(s): AUTARQUIA MUNICIPAL DE SAUDE DE LONDRINA Vistos e examinados estes autos de “Ação de Reparação por Danos Morais” em que são autoras ANA VITÓRIA SANTOS (representada por Cristiane dos Santos Rodrigues) e CRISTIANE DOS SANTOS RODRIGUES e é ré a AUTARQUIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE LONDRINA – AMS[1], qualificados nos autos. I. RELATÓRIO Em síntese, é narrado na petição inicial que a autora Cristiane compareceu na Maternidade Lucilla Balalai em 13.04.2022 para o parto de sua segunda filha. Em razão do peso da bebê (aproximadamente 4kg), a gestante acreditou que seria submetida ao procedimento de cesariana, porém, a médica iniciou o parto na modalidade normal. Ocorre que durante o parto a paciente teve que fazer muita força, a tal ponto de ocorrer uma diástase de quadril, ou seja, um alargamento de quadril que teve consequência de prejudicar até o deambular normal da autora. Além disso, houve uma ruptura dos tecidos da vagina, sendo realizada sutura, que posteriormente teve que ser refeita, inclusive com a necessidade de anestesia raquidiana. Dias após sair do hospital, a autora Cristiane notou que a filha Ana Vitória não movimentava o braço esquerdo, razão pela qual procurou atendimento médico para a recém-nascida, que foi diagnosticada com paralisia obstétrica por lesão de plexo branquial, sendo necessário tratamento com fisioterapia. Afirmam que, apesar dos vários testes realizados com a recém-nascida após o parto, não consta no prontuário médico a falta de movimento no braço esquerdo, o que demonstra irresponsabilidade por omissão ou por ocultação. Assim, diante do alegado erro médico, pleiteiam a condenação dos réus ao pagamento de reparação por danos morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), além de danos materiais (se houver). Fizeram demais requerimentos de praxe. Atribuiu valor à causa. Juntou documentos. Citado, o réu MUNICÍPIO DE LONDRINA apresentou contestação alegando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, aduziu a aplicação da responsabilidade subjetiva; que a conduta médica adotada pelos profissionais da Maternidade foi hábil, vigilante e competente, não havendo se falar em omissão, negligência ou imperícia; que a orientação do Ministério da Saúde é de incentivar o parto normal, evitando-se intervenções desnecessárias; que a ruptura dos tecidos da vagina é consequência do parto normal; que durante o período de internação do recém-nascido não houve observação de diminuição de movimentos do seu braço; que as autoras não comprovaram terem sido vítimas de conduta negligente a ser reparada. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na petição inicial (seq. 14). As autoras requereram a inclusão da Autarquia Municipal de Saúde ao polo passivo da demanda (seq. 31), o que foi deferido. Citada, a ré AUTARQUIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE LONDRINA apresentou contestação alegando: a inexistência de erro médico; que o parto na modalidade cesárea não tem recomendação científica para o seu emprego de forma aleatória; que a ocorrência de diástase de quadril, laceração perineal e lesão no plexo braquial no recém-nascido são consequências normais da condução do parto. Ao final, pugnou pela improcedência da demanda (seq. 38). As autoras apresentaram réplicas (seqs. 17 e 42). Na fase de postulação e justificação das provas que pretendem produzir, as autoras requereram a produção de prova pericial (seq. 49), enquanto os réus postularam pela realização de prova oral (seqs. 46 a 48). Em saneamento, o feito foi extinto sem resolução de mérito em face do Município de Londrina, com fulcro no art. 485, VI, do CPC, ante o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva. No mais, houve a redistribuição dinâmica do ônus da prova, a fixação dos pontos controvertidos e o deferimento da prova pericial (seq. 55). O benefício da assistência judiciária gratuita foi integralmente deferido às autoras (seq. 104). A prova pericial foi realizada pelo Dr. Carlos Roberto de Resende Miranda, perito médico obstetra, mediante a antecipação dos honorários periciais no valor de R$ 5.344,60 (seqs. 78, 104 e 124), cujo pagamento foi realizado diretamente na conta bancária de titularidade do Expert. Após a juntada do laudo pericial (seq. 166), a parte ré manifestou concordância (seq. 174), enquanto as autoras requereram a realização de nova perícia por outro perito judicial (seq. 173), o que foi indeferido (seq. 180). O fiscal da ordem jurídica manifestou-se pela improcedência dos pedidos iniciais (seq. 187). Vieram os autos conclusos para julgamento. Relatado. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO Nos moldes da decisão saneadora (seq. 55), aplica-se ao caso a responsabilidade civil objetiva e direta da ré, nos termos do art. 37, § 6.º, da CF. Nesta hipótese, embora seja dispensada a prova da culpa ou dolo, é indispensável a comprovação da conduta ilícita, do dano e do nexo causal. Para a elucidação dos pontos controvertidos foi produzida prova pericial médica. Observo que a prova útil à comprovação de eventual erro médico é realmente a prova pericial (art. 443, II, do CPC): APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ERRO DE DIAGNÓSTICO. PROVA PERICIAL. PERÍCIA MÉDICA. NECESSIDADE. CASO CONCRETO. 1. O Município responde objetivamente pelos danos causados em hospital de sua ingerência. Inteligência do art. 37, § 6º, da CF/88.2. Hipótese em que a realização de perícia afigura-se necessária para averiguação de eventual erro médico no diagnóstico e atendimento prestado à parte autora no Posto de Saúde do Município réu. 3. Sentença desconstituída de ofício, nos termos do art. 370 do CPC. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO. (TJ-RS - AC: 70084320365 RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Data de Julgamento: 29/07/2020, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 31/07/2020 – grifos nossos) AGRAVO RETIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. FATO TÉCNICO CONTROVERTIDO. PROVA PERICIAL. IMPRESCINDIBILIDADE. Hipótese dos autos em que a prova pericial é imprescindível para o deslinde do fato técnico controvertido sobre o alegado erro no atendimento médico-hospitalar prestado ao falecido filho dos autores. Inafastável a necessidade de perícia para elucidar o fato relativo ao atendimento aprestado à vítima depois de procurar o nosocômio demandado - desde o primeiro atendimento, em razão de acidente de trânsito onde sofreu um corte no joelho, até o retorno no dia seguinte, apresentando febre e desmaios, com grave quadro de infecção que acarretou seu óbito, apenas três dias após. Necessário opinião técnica sobre os procedimentos médicos adotados no caso concreto, especialmente quanto à prescrição de antibiótico já no primeiro atendimento, avaliando-se a correção ou eventual demora no diagnóstico do quadro infeccioso e sua gravidade, além da correção das demais medidas médico-hospitalares adotadas a partir de então, mormente considerando a rápida evolução entre o acidente de trânsito e o óbito por infecção, mesmo após internação na UTI e amputação do membro inferior direito. Controvérsia vertida nos autos de cunho eminentemente técnico, cujas questões não podem ser... dirimidas unicamente por prova testemunhal e análise da prova documental pelo Juízo, demandando análise de profissional médico habilitado quanto à correção, ou não, do atendimento médico-hospitalar objeto dos autos. AGRAVO RETIDO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. APELO PREJUDICADO. (TJ-RS - AC: 70075483339 RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Data de Julgamento: 08/11/2017, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/11/2017 – grifos nossos) No caso, após avaliar as autoras e analisar os prontuários e exames médicos juntados aos autos, o Sr. Perito concluiu pela inexistência de erro médico, diante da adoção da conduta médica adequada ao caso das autoras, conforme os esclarecimentos transcritos abaixo (seq. 166): CONCLUSÃO De acordo com a discussão acima apresentada concluímos que: Indicação de Cesariana: A paciente não apresentava indicação de cesariana. Mesmo diante de um feto que à Ultrassonografia obstétrica realizada no dia da internação indicava um Peso Fetal Estimado (PFE) de 3726 g +/- 544g, feto único, cefálico, Cardiotocografía tipo 1 (normal) e Idade Gestacional de 41 semanas e 1 dia, Gestação Prolongada (mov.1, pág. 5). Todos estes diagnósticos indicavam uma gestação de risco habitual e não indicavam cesariana. A Pericianda 1 assinou termo de consentimento que explica detalhadamente em linguagem leiga concordando com a indução do parto normal. A diástase da sínfise púbica (DSP), é definida como alargamento excessivo do sistema de estruturas anatômicas que compõem a sínfise púbica (acima da norma fisiológica de 10 mm), ocorrendo durante a gravidez ou pós-parto. É normal que se refaça a sutura quando a original é insuficiente, o que não significa que "estes pontos foram tão mal feitos". Significa que na evolução a equipe estava atenta e interviu tempestivamente quando e onde foi necessário. Laceração perineal: A Laceração Perineal assim como qualquer dor, não puderam ser identificados durante o exame pericial e a Pericianda nega ter dor local, exceto durante o coito, mas não referiu dor ao exame ginecológico pericial digital da região. Distócia de ombro: É uma das emergências obstétricas mais temidas e imprevisíveis do parto. A distócia de ombro pode ocorrer mesmo na ausência de algum fator preditor, e não ocorrer caso um destes estejam presentes. Em 70-90% dos casos, não há fator de risco identificável. É uma complicação potencialmente grave, que necessita imediata atenção do obstetra, pois o feto fica preso no canal de parto pelos ombros e se não for liberado prontamente, não consegue respirar, mesmo estando com a cabeça já do lado de fora. No caso em tela foi lançado mão da manobra de McRoberts, que consiste em colocar a paciente em decúbito dorsal e flexionar o quadril em sua máxima extensão a fim de aumentar a distância entre a sínfise púbica e o sacro enquanto se comprime o ombro anterior do feto posteriormente. Devido a esta complicação e a intervenção do obstetra, neste momento ocorreu a lesão do plexo braquial esquerdo da Pericianda número 1 e a lesão vulvo vaginal na Pericianda número 2. No entanto, o único dolo possível dada a situação de emergência, seria a não realização do procedimento de modo imediato e às vezes arriscando exatamente estas lesões ou piores, pois a negligência, imperícia e a imprudência estariam em não salvar a vida da nascitura. Os médicos agiram com presteza, agilidade e técnica e assim salvaram a vida e a saúde da Pericianda número 1, e era para isso que estavam lá. Lesão de Plexo braquial: Pericianda número 1 apresentou-se ao exame pericial em pleno estado de saúde física e psicológica, com desenvolvimento neuropsicomotor adequado para a idade, com uma leve dificuldade de pronação do ombro esquerdo, que para a maioria passaria despercebida. A genitora confirma que percebeu que a criança estava chorosa e sem movimento no braço esquerdo apenas quatro dias depois do parto e dois depois da alta, como afirmou à consulta pericial. Realmente no prontuário não consta que houvesse notado que o braço da criança não mexia, no entanto, a acusação de má fé, omissão ou ocultação é imaterial e não pode ser comprovada. (grifos nossos) A prova pericial em questão merece prevalecer, eis que revestida de imparcialidade, fundamentação e idoneidade, sendo suficiente para amparar este juízo no julgamento de mérito. Ademais, não houve apresentação de impugnação amparada em parecer de assistente técnico hábil a infirmar as conclusões do perito judicial. Assim, com base na prova técnica produzida nos autos, é possível constatar que não houve erro ou falha no atendimento médico prestado às autoras na Maternidade Lucilla Ballalai, tendo em vista que os procedimentos adotados observaram a literatura médica recomendada ao caso. No mesmo sentido foi o entendimento do Parquet, ao destacar que “o laudo técnico, confeccionado sob o império da imparcialidade, equidistante dos interesses das partes, foi bem fundamentado e foi categórico quanto à ausência de falha no atendimento médico”. Não se nega o quadro de dor vivenciado pelas pacientes, contudo, as medidas adotadas pela equipe médica eram recomendadas e necessárias para evitar maiores danos às autoras, conforme esclarecido pelo Sr. Perito: (...) segundo o Partograma, as Periciandas apresentaram Distócia de Ombro durante o período expulsivo, que necessitou de manobras para ser resolvido. Esta é uma complicação potencialmente grave, que necessita imediata atenção do obstetra, pois o feto fica preso no canal de parto pelos ombros e se não for liberado prontamente, não consegue respirar, mesmo estando com a cabeça já do lado de fora (anexo 4 e abaixo). Como ilustrado pela figura, há necessidade de se ampliar o orifício de saída, geralmente por meio de episiotomia (o que não foi realizado no caso em tela) e o uso da manobra de McRoberts, que consiste em colocar a paciente em decúbito dorsal e flexionar o quadril em sua máxima extensão a fim de aumentar a distância entre a sínfise púbica e o sacro enquanto se comprime o ombro anterior do feto posteriormente (Anexo 5 e abaixo). Devido a esta complicação e a intervenção do obstetra, neste momento ocorreu a lesão do plexo braquial esquerdo da Pericianda número 1 e a lesão vulvo vaginal na Pericianda número 2. No entanto, o único dolo possível dada a situação de emergência, seria a não realização do procedimento de modo imediato e às vezes arriscando exatamente estas lesões ou piores, pois a negligencia, imperícia e a imprudência estaria em não salvar a vida da nascitura. (grifos nossos) Ainda de acordo com o laudo pericial: A distócia de ombros ocorre pela impactação óssea do diâmetro biacromial fetal entre o púbis e o promontório sacral maternos. É uma das emergências obstétricas mais temidas e imprevisíveis do parto. Dada a imprevisibilidade de sua ocorrência, profissionais que assistem partos devem estar alertas para sinais de iminência da distócia, para pronto diagnóstico e para o manejo adequado da situação (que se realizado em tempo preciso melhora desfechos maternos e perinatais). Apesar de imprevisível, e acontecendo em torno de 50% das vezes em bebês com peso adequado para a idade gestacional, são fatores de risco para sua ocorrência a macrossomia fetal, diabetes gestacional materno descontrolado, primeiro e/ou segundo períodos do trabalho de parto prolongados, gestação prolongada, multiparidade, parto instrumentalizado, trabalho de parto precipitado, induzido ou prolongado, distócia de ombro em parto anterior. Ressalta-se que isoladamente, estes fatores não têm validade como preditores e que a distócia de ombro pode ocorrer mesmo na ausência de algum fator preditor, e não ocorrer caso um destes estejam presentes. Em 70-90% dos casos, não há fator de risco identificável. (...) Há evidências de que além de 7-8 minutos para extração fetal, há maior probabilidade de danos neurológicos permanentes para o feto, além do risco de óbito neonatal. Destaca-se que mesmo após manobras bem-sucedidas, há risco de tocotraumatismo. As complicações de uma distócia de ombro podem ser maternas (hemorragia, lesão de reto, laceração de vagina e colo, atonia vesical, fístula, rotura uterina, disjunção púbica e neuropatia femoral) e/ou fetais (escoriações, lesão plexo braquial, fratura úmero e clavícula, paralisia facial e do diafragma, sofrimento fetal, encefalopatia hipóxico-isquêmica e óbito)[2]. (grifos nossos) Ademais, segundo o Sr. Perito, “o trabalho de parto evoluiu de modo esperado até o período expulsivo, quando foi prontamente diagnosticado distócia de ombro e conduzido com sucesso pela manobra de McRoberts. A manobra é essencialmente difícil e propensa a apresentar complicações como as apresentadas, lesão de plexo braquial na criança e lesão no canal de parto como laceração perineal e diástase da sínfise púbica, ambas devidamente identificadas e tratadas com sucesso”. Deste modo, tem-se que as lesões sofridas pelas autoras, embora não sejam comuns em partos normais, são decorrentes da grave complicação (distocia de ombros) identificada durante o parto, o que exigiu a adoção de medidas rápidas e urgentes para evitar danos permanentes ao feto e até mesmo o óbito neonatal. Logo, a diástase de quadril, a laceração da vagina e a lesão plexo braquial, no caso, não possuem relação com eventual falha/erro médico, mas sim com a manobra de McRoberts, corretamente utilizada durante o parto, a qual é descrita no laudo como “essencialmente difícil e propensa a apresentar complicações como as apresentadas”. Sobre o tema: Apesar de a conduta do médico ser correta e adequada aos seus deveres profissionais, danos podem ocorrer como consequência de fatos estranhos - alheios tanto ao seu proceder quanto ao comportamento do paciente - não tendo, pois, aquele profissional, condições nem de prevê-los, nem de impedi-los. São consideradas como incidência de caso fortuito, as ocorrências extraordinárias e excepcionais, alheias à vontade e à ação do médico, e que guardam as características da imprevisibilidade da inevitabilidade. [3] (grifos nossos) No que toca ao erro médico, cumpre destacar algumas considerações: O âmago de todos os problemas referentes ao erro médico pode ser posto na menor ou maior diferença de se atingir o objetivo visado no tratamento. Tal objetivo, para o doente, é a cura, que, na prática, resume-se na ausência de sintomas. Esse objetivo é, também, o do médico, mas este tem consciência de suas limitações, o que o leva a estabelecer uma hierarquia de valores, na qual a vida é o valor mais alto, vindo, a seguir, o funcionamento dos órgãos tratados e, finalmente, a parte estética. É tal hierarquia que justifica as cirurgias mutilantes... Posto isso, fica bem claro que os objetivos são os mesmos: pleno bem-estar do paciente. Entretanto, enquanto o doente alimenta a esperança de ficar bom, o médico tem a certeza de suas limitações e fica extremamente satisfeito quando conseguiu salvar a vida e entendeu os déficits funcionais, lamentando o prejuízo da parte estética. (...). (...) o erro médico é caracterizado, pela Justiça, pela presença de dano ao doente, com nexo comprovado de causa e efeito, e de procedimento em que tenha havido uma ou mais de três falhas por parte do médico: imperícia, imprudência e negligência. É preciso que estejam presentes, para que se caracterize erro médico: 1. o dano ao doente; 2. a ação do médico; 3. o nexo efetivo de causa e efeito entre o procedimento médico e o dano causado; 4. uma ou mais das três citadas falhas – imperícia, imprudência e negligência. A falta de qualquer desses itens discriminados descaracteriza o erro médico. Quanto à ação ou omissão o médico, no exercício profissional, causando dano à saúde do paciente, somente se lhe imputará o erro se for comprovado o nexo causal entre sua ou suas falhas e o mau resultado para o doente. (...). Nunca se pode fugir de uma realidade explícita, porém ela não é tão fácil assim de determinar. Ora, para fatos como os descritos devemos lembrar William James quando diz que “a verdade tem três aspectos: o seu, o do outro e o real”. No caso, pode-se parafraseá-lo, adaptando-o, e dizendo “no campo do erro médico, a verdade tem três aspectos: o do paciente, o do médico e como realmente é. O juiz tem que encontrar o ponto justo da questão”. (...). O doente espera que o médico o cure. Este, por sua vez, tem por obrigação “cuidar” do doente, e não “curá-lo”. Essa diferença básica de objetivos costuma causar frustrações ao doente ou a seus familiares, por não entenderem ou mesmo não aceitarem as limitações da medicina. (...). O diagnóstico deverá ser fundamentado em evidências clínicas ou de exames subsidiários. Os diagnósticos difíceis devem arrolar provas clínicas, laboratoriais e complementares e pelo exercício do “diagnóstico diferencial” estabelecer, hierarquicamente, no mínimo três deles, de acordo com a probabilidade de sua ocorrência. Todo médico, ao assumir um caso encaminhado por um colega ou passado em plantão, não deve aceitar o diagnóstico de outro médico sem conferir a história, o exame físico e rever todos os exames complementares para ele próprio fazer o seu diagnóstico ou estar convencido do diagnóstico do colega. Jamais o médico deve indicar “tratamento cirúrgico” sem diagnóstico feito por ele próprio e, quando não tiver com certeza, aventar três hipóteses diagnósticas e só operar no aso de sentir-se preparado para fazer as operações cirúrgicas nas alternativas relacionadas nas referidas hipóteses diagnosticadas. É incabível, como temos dito, por se tratar de “erro crasso”, abrir um abdome com a indicação de “laparotomia exploradora”. (...). Todo procedimento implica uma justificativa diagnóstica. Toda prescrição exige registro na evolução da manifestação que motivou, “v.g.” não se deve prescrever um analgésico sem anotar, na evolução, a dor que o motivou, para dar o exemplo mais elementar. (...). Destaque especial deve ser dado à necessidade de se fazer um diagnóstico para se estabelecer a conduta. É paradoxal que neste livro se admita que o médico, particularmente o cirurgião, possa errar o diagnóstico, mas não a conduta. O certo é aventar algumas hipóteses diagnósticas e partir para sua elucidação. (...). Se o erro só pode ser estimado pelo resultado, o médico só deve responder pelo que depende exclusivamente dele e não da resposta do organismo do paciente. Neste ponto há uma sabedoria da nossa Justiça, que estabelece o contrato médico/paciente como de meio e não de fim. Dessa maneira, salvaguarda o médico de responsabilidade pelo que não eu certo por causa do paciente, seja pelo que ele não fez como lhe foi prescrito, seja pelo fato de o seu organismo não ter reagido como se poderia esperar. Parece estranho distinguir erro médico de erro profissional, entretanto tal distinção tem sido feita principalmente por parte dos juízes. Eles costumam caracterizar o erro profissional como aquele que decorre de falha não imputável ao médico e que depende das naturais limitações da medicina, que não possibilitam sempre o diagnóstico de absoluta certeza, podendo confundir a conduta profissional e levar o médico a se conduzir erroneamente. Cabem nessa classe, também, os casos em que tudo foi feito corretamente, mas em que o doente omitiu informações ou até mesmo sonegou-as e, ainda, quando não colaborou com a sua parte no processo de diagnóstico ou de tratamento. Diante das situações relacionadas, o erro existe, é intrínseco às deficiências da profissão e da natureza humana do paciente e ocorre no exercício da profissão, mas a culpa não pode ser atribuída ao médico. Tais erros são também chamados de escusáveis. A oportunidade de ocorrer erro médico está em todo o decurso do relacionamento médico/paciente, do primeiro contato ao último, pela alta, abandono do tratamento ou óbito. Todo procedimento técnico traz em si, embora corretamente feito, uma possibilidade de resposta adversa. Veja-se que, por parte do paciente, toda interpretação dos fatos vai depender de como o médico os apresenta. Daí a importância de ele depositar absoluta confiança no médico. Esta vai depender de sua fama, adquirida pela frequência de acertos nos casos graves da população que ele assiste e vai predominar sobre a “competência”, que o profissional só pode demonstrar para seus pares, seja na vida acadêmica, científica ou nas sociedades médicas ou no relacionamento com os colegas. (...). O erro médico deve ser considerado como desvio do comportamento do médico na execução do seu trabalho profissional, o qual, se tivesse sido feito dentro dos parâmetros estabelecidos pelos seus pares, não teria causado dano ao paciente.[4] (grifos nossos) Convém salientar, ainda, que embora não conste no prontuário médico a lesão sofrida pela recém-nascida, a omissão não resultou em prejuízo ao tratamento e recuperação da autora, que atualmente apresenta apenas “uma leve dificuldade de pronação do ombro esquerdo, que para a maioria passadeira despercebida”, sendo que a “força e amplitude do movimento permite desempenho normal das funções do membro”. Sobre o tema, o Parquet destacou que “a menor se apresentou ao exame pericial em pleno estado de saúde física e psicológica, com desenvolvimento neuropsicomotor adequado para a idade. O laudo refere que, apesar de não constar no prontuário que o braço da menor não mexia, não se constatou omissão ou ocultação”. Deste modo, não vislumbro a ocorrência de causalidade entre o atendimento médico prestado pela ré e os danos sofridos pelas autoras. Aliás, já advertia Caio Mário Pereira da Silva (in Responsabilidade Civil, 1993, p. 76), a seu tempo, que o nexo de causalidade é o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil. Logo, ausente o ato ilícito e liame da causalidade, não se admite a obrigação de indenizar. O dano só pode gerar responsabilidade quando seja possível estabelecer um nexo causal entre ele e o seu autor, ou, como diz Savatier, “um dano só produz responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado” (Traité, cit., v. 2, n. 456).[5] Nesse sentido: RESPONSABILIDADE CIVL - DANOS MORAIS E MATERIAIS – Improcedência decretada - Demanda fundada na alegação de falha na prestação de serviços médicos – Cerceamento de defesa que inocorre na espécie - Perícia realizada que concluiu pela sua inocorrência – Alegação de negligência e imperícia médica não comprovada – Ausência de nexo causal entre a conduta do requerido e o suposto dano experimentado pela autora, o que retira o fundamento do pleito indenizatório – Regularidade dos procedimentos adotados que empreendeu boa técnica recomendada com assistência adequada ao paciente – Nexo causal não demonstrado - Improcedência da ação corretamente decretada – Sentença mantida - Honorários recursais devidos que devem ser majorados conforme previsão contida no Artigo 85 do Código de Processo Civil, levando-se em conta os parâmetros estabelecidos pela legislação processual e, considerada a natureza e complexidade da demanda, e o trabalho adicional realizado em grau recursal - Recurso improvido (TJ-SP - AC: 10068866820218260161 SP 1006886-68.2021.8.26.0161, Relator: Salles Rossi, Data de Julgamento: 30/08/2022, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/08/2022 – grifos nossos) APELAÇÃO – AÇÃO ORDINÁRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - DANOS MORAIS – DANO ESTÉTICO – ERRO MÉDICO – NÃO OCORRÊNCIA. Pretensão jurisdicional voltada ao recebimento de indenização por dano moral e estético, em decorrência de erro médico. Sentença de procedência. RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO – Teoria do risco administrativo em caso de obrigação de meio – Exigência de prova inequívoca – Atividade médica que não garante resultados ou cura - Acervo probatório insuficiente para demonstrar a falha no serviço público de saúde - Comprovação de que prestação de serviço público se deu de forma adequada – Ausência de nexo causal. ERRO MÉDICO – Não configurado – Laudo pericial que atestou que as condutas médicas estão adequadas para a atual prática médica – Ausência de falha na prestação do serviço médico – Conduta médica culposa não evidenciada – Ausentes os pressupostos para a configuração de responsabilidade civil e indenização por danos morais. DANO ESTÉTICO – Cicatriz derivada de incisão cirúrgica necessária ao tratamento correto do diagnóstico e que não gera direito à indenização – Ausente constatação de falhas técnicas – Ausência de nexo causal. Sentença mantida. Recurso de apelação improvido. (TJ-SP - AC: 10020120920198260291 SP 1002012-09.2019.8.26.0291, Relator: Leonel Costa, Data de Julgamento: 04/04/2022, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/04/2022 – grifos nossos) De rigor, portanto, a improcedência dos pedidos formulados na petição inicial. Demais argumentos das partes ou não encontram respaldo na causa de pedir, ou são incompatíveis com a fundamentação desta sentença. III. DISPOSITIVO Posto isso, julgo extinto o processo com resolução de mérito, pela IMPROCEDÊNCIA dos pedidos formulados na petição inicial, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Por sucumbente, condeno as autoras ao pagamento das custas e despesas do processo, bem como dos honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa (atualização pelo IPCA-E desde a data da distribuição), nos termos do art. 85, §§ 2º e 4º, III, do CPC. Contudo, a exigibilidade das verbas sucumbenciais está suspensa, nos termos do art. 98, §§ 3º e 4º do CPC e art. 13 da Lei n.º 1.060/1950, tendo em vista que as partes sucumbentes são beneficiárias da assistência judiciária gratuita. Cumpra-se o previsto no art. 413 do Código de Normas (Provimento 316/2022), se houver mandado de segurança ou recurso incidental pendente de julgamento. Transitada em julgado e, se não houver pedido de liquidação ou cumprimento de sentença no prazo de 30 dias (art. 478 c.c. o art. 482, ambos do CNFJ – Provimento 316/2022) cumpram-se: a) o disposto nos artigos 386, § 2º, 396, 458, 459, 460, 461, 478, 483 e 484, do CNFJ (Provimento 316/2022), na Instrução Normativa 12/2017 (expedição de Comunicação de Custas não Pagas ou Certidão de Crédito Judicial) se for o caso, e o disposto no art. 44 do D.J. 744/2009 (com redação determinada pelo D.J. 785/2017); b) arquivem-se com baixa na distribuição (conforme r. decisão da Corregedoria-Geral da Justiça no SEI!DOC Nº 8013028 do procedimento SEI!TJPR Nº 0056075-51.2021.8.16.6000). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Londrina, data lançada eletronicamente. (Assinatura digital) Emil T. Gonçalves Juiz de Direito nbg [1] O feito foi extinto sem resolução de mérito em face do Município de Londrina (art. 485, VI, do CPC). [2] https://rbnp.emnuvens.com.br/rbnp/article/viewFile/82/44. [3] GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica, Juruá, 2002, p. 199. [4] Moraes, Irany Novah, “Erro médico e a justiça”, 5.ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2003, páginas 425 e ss. [5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 520.

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