Processo nº 3001228-91.2024.8.06.0157
ID: 308252239
Tribunal: TJCE
Órgão: Vara Única da Comarca de Reriutaba
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 3001228-91.2024.8.06.0157
Data de Disponibilização:
26/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO VICTOR MELO MAGALHAES
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ Comarca de Reriutaba Vara Única da Comarca de Reriutaba Av. José Cassimiro de Abreu, S/N, Carão - CEP 62260-000, Fone: (88) 3637-2045, Reriutaba-CE - E-mail: reriu…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁ Comarca de Reriutaba Vara Única da Comarca de Reriutaba Av. José Cassimiro de Abreu, S/N, Carão - CEP 62260-000, Fone: (88) 3637-2045, Reriutaba-CE - E-mail: reriutaba@tjce.jus.br Processo: 3001228-91.2024.8.06.0157 Promovente: MARIA LUCIA SILVA Promovido: BANCO BRADESCO S.A. SENTENÇA 1. RELATÓRIO: Trata-se ação declaratória de inexistência de contrato c/c repetição do indébito e indenização por danos morais ajuizada por MARIA LUCIA SILVA, em face do Banco Bradesco S.A, ambos devidamente qualificados. Em síntese, a requerente alega que vem sofrendo diversos descontos indevidos em seu benefício previdenciário, sem ter anuído qualquer contratação, razão pela qual requer, ao final, a procedência dos pedidos da inicial, para condenar a parte ré à repetição do indébito em dobro e a pagar indenização pelos danos morais, bem como o pagamento das custas e honorários advocatícios. A audiência de conciliação realizou-se em 05/05/2025, sem êxito em acordo. Em sede de contestação (ID 153046453), sustentou a improcedência da ação e ilegitimidade da parte em relação às cobranças ZURICH SEGUROS ou a procedência parcial; atendendo-se aos descontos efetivamente comprovados, a prescrição parcial; compensação de créditos liberados à autora; que não seja condenado aos danos morais. Em réplica, a requerente ratificou os termos da inicial e requereu o julgamento antecipado da lide. É o breve relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO: 2.1. Do Julgamento Antecipado da Lide O presente feito comporta julgamento antecipado nos termos do art. 355, I, do CPC/2015, que assim estabelece: "Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas;" In casu, a matéria prescinde de maiores dilação probatórias, especialmente ante a documentação carreada aos autos e o desinteresse das partes na produção de outras provas. 2.2- PRELIMINARES 2.2.1. Da Incompetência do Juizado Especial Cível Em relação a preliminar arguida, a competência dos Juizados Especiais Cíveis restringi-se ao processamento e julgamento de causas de menor complexidade, entendendo-se como tais aquelas cujo valor não ultrapasse quarenta salários-mínimos e que não necessite da realização de perícia técnica para a elucidação dos fatos e possíveis danos sofridos pelas partes. Neste sentido, é orientação também da jurisprudência, vejamos: EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS . EMPRÉSTIMO. FRAUDE NA CONTRATAÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO . SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. 1. O recurso é próprio, tempestivo e foi devidamente preparado, razão pela qual dele conheço . 1.1. Insurge o recorrente contra a sentença prolatada pelo Juiz de Direito Dr. Gleuton Brito Freire, que julgou procedentes os pedidos, declarando a nulidade do contrato firmado entre as partes, nominado de Célula de Crédito Bancário com Cessão Fiduciária de Saque Aniversário FGTS, e condenando o Requerido ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$7 .000,00 (sete mil reais), além da restituição material no valor de R$797,29 (setecentos e noventa e sete reais e vinte e nove centavos). 2. Em relação a preliminar arguida, a competência dos Juizados Especiais Cíveis restringi-se ao processamento e julgamento de causas de menor complexidade, entendendo-se como tais aquelas cujo valor não ultrapasse quarenta salários-mínimos e que não necessite da realização de perícia técnica para a elucidação dos fatos e possíveis danos sofridos pelas partes, respeitando o procedimento determinado pela Lei n. 9 .099/1995 (art. 3º) e o teor do art. 98, inciso I, da CF/1988. 3 . As causas que demandam instrução complexa, devido à necessidade de realização de perícia técnica não se incluem na competência dos Juizados Especiais por irem de encontro aos princípios da simplicidade, informalidade, economia processual, oralidade e celeridade. 4. A realização de perícia se mostra desnecessária quando os elementos probatórios carreados aos autos são suficientes para firmar o convencimento do Magistrado, razão pela qual rejeito a preliminar. 5 . Em relação a segunda preliminar arguida, quanto a incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar a demanda, em razão da necessidade da Caixa Econômica Federal figurar no polo passivo da lide, impede mencionar que a contratação discutida nos autos se deu exclusivamente junto ao Recorrido, conforme faz prova os contratos apresentados na contestação (evento n. 09). Portanto, veja que não há que se falar em necessidade da Caixa Econômica Federal figurar no polo passivo da demanda, pois a fraude foi praticada junto ao Recorrente, razão pela qual entendo que o Juizado Especial Cível é competente e rejeito a preliminar. 6 . Cumpre observar que a matéria discutida constitui relação de consumo e, devido à hipossuficiência do consumidor, necessário se faz a inversão do ônus da prova (art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor - CDC), assim como, o art. 6º, inciso VI, do referido Código prevê como direito básico do consumidor, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, independentemente da existência de culpa, causados por defeitos relativos à prestação dos serviços. 7 . Ademais, o art. 3º, § 2º, do CDC considera serviço as atividades de ?natureza bancária?, sendo perfeitamente aplicável o Código Consumerista, conforme entendimento sumulado do colendo Superior Tribunal de Justiça - STJ: ?Súmula n. 297 - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.? 8 . Com efeito, os Bancos respondem objetivamente por danos causados aos consumidores em razão de defeitos na prestação do serviço (arts. 14 e 20, § 2º, do CDC), bastando ao prejudicado a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do fornecedor e o dano suportado, sem exame acerca da culpa. 9. A questão principal da lide consiste em averiguar a responsabilidade objetiva do Banco pelos danos causados ao autor em razão das operações supostamente fraudulentas, uma vez que a Recorrida informa que jamais realizou empréstimo junto ao Recorrente, conforme faz prova a reclamação registrada no portal Reclame aqui (evento n . 01, arquivo 05). 10. Verifica-se que a parte autora alega alega que é funcionária da empresa Brainfarma Indústria Química Farmacêutica S.A, pelo regime celetista e recebe mensalmente valores a título do FGTS . Aduz que foi surpreendida com um saldo bloqueado no extrato do FGTS e após diligências realizadas tomou conhecimento que havia sido feito um empréstimo na sua conta digital. Afirma que não foi a responsável pela contratação do empréstimo, e que imediatamente o valor liberado foi transferido via PIX para a pessoa de Lucas Samuel Rodrigues, que afirma desconhecer. Fundamentou as suas alegações e pugnou pela declaração de quitação do empréstimo e desbloqueio do seu saldo FGTS ou restituição do valor e indenização por danos morais. 11 . O Banco recorrente afirma que a contratação se deu de forma digital, por meio de biometria facial, juntando aos autos contrato contendo selfie realizada pela autora. Porém, observa-se que a instituição financeira não desincumbiu-se do ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, haja vista que, os documentos juntados com a contestação não provaram o envio de Token para o número de telefone da autora, o qual é utilizado para confirmar assinatura do cliente na modalidade de contratação virtual de serviços. 11. Além do mais, destaca-se que para a contratação através da modalidade virtual, é necessário preencher requisitos mínimos de segurança, para que não haja a ocorrência de fraudes, geralmente um desses requisitos é a realização de biometria facial, que é uma tecnologia utilizada para a identificação de uma pessoa por meio de mapeamento e da leitura dos traços do rosto . Para uma realização segura da biometria facial é necessário não tão somente o envio de uma selfie, mas também a leitura do rosto através de diversas posições, como de frente, de perfil para ambos os lados e com o rosto levantado. 12. Vislumbro que no caso dos autos o Banco Recorrente apresentou somente uma selfie da Recorrida, deixando de colacionar a sequência de registros de imagens da leitura do rosto. 13 . Veja-se ainda que a geolocalização apresentada no contrato pelo Recorrente (-25.515365600585938 -49.187654102382886) demonstra que a contratação se deu na Rua Icaraí, 279, Afonso Pena, São José dos Pinhais-PR, mas a parte Recorrida reside em Anápolis-GO, subsidiando a tese da ocorrência de fraude. 14 . Impende mencionar, que a sedimentação de tal entendimento resultou na edição da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, ?As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias? 15. Assim, visto que a instituição bancária, apesar de utilizar-se de sistemas modernos, não é capaz de garantir o sucesso de suas operações e de assegurar os direitos do consumidor, deve compor os danos que deu causa. Dessa forma, a culpa pelo ocorrido deve ser imputada exclusivamente ao Banco, tornando-se responsável pelos danos de natureza material e moral suportados pela parte autora. 16 . Dessa maneira, restando comprovada a ocorrência de fraude na contratação do empréstimo, impõe-se a declaração de inexistência do débito e condenação do Recorrente ao pagamento de indenização por danos morais. 17. Denota-se que é indiscutível a responsabilidade da parte Recorrente pelos danos causados a Recorrida, ilicitamente, a qual, diante de sua gravidade, ultrapassa o mero aborrecimento ou dissabor, gerando, assim, o dever de indenizar. 18 . A súmula n. 281, do STJ afirma que a indenização por danos morais não está submetida a tabelamentos legais, contudo a indenização deve ser proporcional ao dano, nos termos da Constituição Federal. Assim, no tocante ao quantum referente à condenação da parte recorrente ao pagamento de indenização a título de danos morais, entendo merecer reparos a sentença, uma vez que é cediço que na indenização por danos morais, o conceito de ressarcimento abrange duas forças: uma de caráter punitivo, visando castigar o causador do dano, pela ofensa que praticou; outra, de caráter compensatório, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao mal sofrido. Impende ressaltar, que o valor da indenização por dano moral deve ser arbitrado levando-se em conta, sempre, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade . 19. Portanto, entendo que o valor arbitrado pelo Juiz a quo em razão do dano moral, qual seja, R$7.000,00 (sete mil reais), não se mostra razoável, em um critério de razoabilidade e proporcionalidade, na gravidade da lesão e na condição pessoal das partes, razão pela qual reduzo para R$5.000,00 (cinco mil reais) . 20. No que pertine ao dano material entendo não merecer reforma a sentença. Consoante o disposto no art. 402 do Código Civil, os danos materiais abrangem o que a vítima efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar, ou seja, os prejuízos materiais, abrangem os danos emergentes e os lucros cessantes . Para que seja devido a indenização por danos materiais, há necessidade de prova específica concernente ao prejuízo material sofrido pelo consumidor, uma vez que não pode se presumir a ocorrência de danos materiais. No caso dos autos, restou comprovado o prejuízo material sofrido pela parte Recorrida. 21. Ante o exposto, PROVEJO PARCIALMENTE o recurso interposto, reformando parcialmente a sentença, apenas no sentido de reduzir a indenização por dano moral para o valor de R$5 .000,00 (cinco mil reais). 22. Deixo de condenar a parte Recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. 23 . Advirto que na eventual oposição de Embargos de Declaração, com caráter meramente protelatórios, se houver evidente propósito de rediscutir o mérito da lide, será aplicada multa em favor da parte adversa, nos termos do art. 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. 24 . A súmula de julgamento servirá de acórdão, na forma do art. 46, da Lei n. 9.099/1995. (TJ-GO - RI: 53932199020228090007 ANÁPOLIS, Relator.: Wagner Gomes Pereira, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: (S/R) DJ) No caso em concreto, a realização de perícia se mostra desnecessária, haja vista que os elementos probatórios carreados aos autos são suficientes para firmar o convencimento do Magistrado, razão pela qual rejeito a preliminar. 2.2.2. Da falta de Interesse de Agir A exigência do exaurimento da via administrativa para o ajuizamento de ação judicial ofende a garantia constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça a direito será subtraída da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Em via de regra, não se exige da parte autora a busca por outros mecanismos de solução, sob pena de obstaculizar o exercício da garantia de acesso à justiça, pelo qual rejeito essa preliminar. 2.2.3. Da Falta de legitimidade da parte com relação às cobranças feitas por ZURICH SEGURO A parte requerida alega que o débito descontado é referente à outra instituição, da qual sequer a demandada faz parte do grupo econômico, não possuindo gerência quanto às operações por essa realizada. Primeiramente, destaca-se que foi reconhecido a inversão do ônus da prova, uma vez que a ação é referente a uma relação de consumo, conforme despacho ID 89614865. Ademais, a demanda é a instituição financeira depositária que permitiu descontos com lastro em contrato irregular e sem prova da efetiva autorização do correntista, consequência pela falha de segurança do serviço, logo é forçoso reconhecer a responsabilidade objetiva, nos termos do art. 25, § 1º, do CDC. Neste sentido, é também a orientação jurisprudencial dos Tribunais: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SEGURO NÃO CONTRATADO PELO AUTOR - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - APELAÇÃO DO AUTOR - Alegação de que o Banco Bradesco S/A é parte legítima para figurar no polo passivo da ação - Acolhimento - Instituição financeira depositária que permitiu descontos com lastro em contrato irregular e sem prova da efetiva autorização do correntista - Banco que integra a cadeia de fornecedores - Falha na segurança do serviço que se identifica na espécie - Responsabilidade objetiva - Inteligência do art. 25, § 1º, do CDC e da Súmula 479 do STJ - Sentença reformada nessa parte - Pedido de repetição em dobro dos valores descontados indevidamente da conta corrente do autor - Acolhimento em parte - Os réus deverão restituir de forma simples os valores descontados antes de 30/03/2021 e em dobro os valores descontados após 30/03/2021 (EREsp 1.413.542/RS do E . STJ) - Sentença reformada em parte - Pedido de majoração da indenização por danos morais, fixada em R$ 2.000,00 - Acolhimento - Indenização majorada para R$ 5.000,00, considerando as circunstâncias do caso - Sentença reformada nessa parte. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP - Apelação Cível: 1002302-72.2022.8.26 .0047 Assis, Relator.: Eduardo Gesse, Data de Julgamento: 29/05/2024, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/05/2024) Assim, rejeito a preliminar alegada. 2.2.4. Da Prescrição O requerido apresentou preliminar de prescrição da ação, alegando a prescrição parcial dos descontos, referentes, eventualmente, há mais de 5 (cinco) anos de ajuizamento. Contudo, não se vislumbra descontos efetuados há mais de 5 (cinco) anos, razão pela qual a preliminar resta prejudicada. 3. DO MÉRITO Registro, inicialmente, que a relação travada entre os litigantes é decorrente de uma relação de consumo e, por isso, o julgamento da presente ação será feita sob a égide do Código de Defesa do Consumidor. Segundo o microssistema consumerista, a responsabilidade civil prescinde e persecução de natureza subjetiva em relação ao causador do dano, caracterizando-se somente pela comprovação do evento danoso, da conduta do agente e do nexo entre o ato praticado e o dano sofrido, ressalvadas as excludentes legais. Ressalte-se que é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser aplicável a legislação consumerista às instituições financeiras, consoante dispõe a Súmula 297 do STJ. Por sua vez, o art. 6º, CDC, dispõe que são direitos básicos do consumidor, entre outros, a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando foi ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. Perlustrando os autos, observo que a parte autora comprovou que houve descontos em seu benefício previdenciário indevidos. Assim, verifica-se que o conjunto probatório existente nos autos comprova a alegação da parte autora, isto é, de que não foi esta quem solicitou o contrato de empréstimo discutido nos autos, bem como afastam a tese defensiva apresentada pelo banco demandado. Portanto, entendo que a parte promovida não se desincumbiu de comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, não observando, portanto, o disposto no art. 373, inc. II, do Código de Processo Civil máxime no tocando ao vício formal na conclusão do negócio jurídico. Vejamos o que afirma o Código de Defesa do Consumidor: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. O consumidor, ora promovente, não pode ser penalizado por má prestação do serviço de realização de empréstimos consignados fornecido pela promovida. É responsabilidade da promovida, ao colocar um serviço no mercado ou ao iniciar sua atividade, resguardar-se de todas as medidas e cautelas para não provocar danos a terceiros. Em verdade, neste caso, a promovida não tomou as medidas de segurança cabíveis aptas a proteger o consumidor, e, em especial, a promovente de tal forma que esta foi atingida. É inerente a atividade da promovida, ter a precaução de sempre buscar evitar fraudes, sendo essa responsabilidade objetiva, em razão da assunção dos riscos quando da prática da respectiva atividade econômica. De fato, caso fortuito ou força maior, embora não definitivamente conceituados pela doutrina, são situações excepcionalíssimas, que não se assemelham as tentativas corriqueiras de fraudes no mercado da concessão de empréstimos pessoais e principalmente os consignados. Destarte, tenho por inexistente o caso fortuito ou a força maior. É princípio da política nacional das relações de consumo: (...) I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; Por sua vez, é direito do consumidor: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; Quanto às parcelas descontadas, forçosa a incidência do precedente vinculante esposado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ no acórdão paradigma n. 676608/RS segundo o qual se revela prescindível a demonstração do elemento volitivo do fornecedor para que seja determinada a devolução em dobro do valor, na forma do parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, para que a restituição do indébito ocorra de forma dobrada, dispensa-se o agir imbuído de má-fé do fornecedor, bastando comprovar que a conduta seja contrária a boa-fé objetiva, o que, in casu, se verifica posto que a parte autora pagou por contrato de mútuo não firmado, auferindo a instituição financeira ré, portanto, vantagem manifestamente indevida, em clara vulneração às disposições protetivas que regem as relações de consumo. Todavia, nada obstante tenha fixado referida tese sob a sistemática dos recursos repetitivos, a C. Corte Cidadã entendeu, na oportunidade, por modular seus efeitos de modo que o acórdão terá eficácia apenas prospectiva, isto é, aplicar-se-á somente aos casos nos quais a importância paga indevidamente tenha ocorrido após a publicação do julgamento, fato este ocorrido em 30/03/2021. No caso em apreço, entendo que a repetição do indébito deverá ocorrer de forma simples, havendo a incidência de parcelas em dobro em relação ao(s) desconto(s) eventualmente realizado(s) no benefício da parte autora somente se ocorridos após 30/03/2021, data da publicação do referido acórdão vinculante. Nesse sentido, o eg. Tribunal de Justiça Alencarino já se manifestou: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. TARIFAS BANCÁRIAS (CESTA B. EXPRESSO2). DESCONTOS NA CONTA CORRENTE DA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO OU DA PRÉVIA SOLICITAÇÃO DE SERVIÇOS. DESCONTOS INDEVIDOS. PARTE RÉ QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE COMPROVAR A LEGITIMIDADE DAS COBRANÇAS. DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO EARESP 676.608. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ PARA OS DESCONTOS EFETUADOS EM DATA POSTERIOR AO DIA 30/03/2021. DANO MORAL FIXADO EM R$ 1.500,00. VALOR CONDIZENTE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros da Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade de votos, em CONHECER do recurso para DARLHE PARCIAL PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, data e hora indicadas no sistema. DESEMBARGADOR FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO Presidente do Órgão Julgador/Relator (TJ-CE - Apelação Cível: 0200174-69.2023.8.06.0133 Nova Russas, Relator: FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO, Data de Julgamento: 25/10/2023, 1ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 25/10/2023). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXISTÊNCIA CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES, E EM DOBRO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EVENTUALMENTE REALIZADOS APÓS 30/03/2021 ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ EM RECURSO REPETITIVO ARADIGMA (EARESP 676.608/RS). VALOR INDENIZATÓRIO MAJORADO. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA MODIFICADA EM PARTE. 1. Trata-se de Recurso de Apelação que visa a repetição do indébito em dobro, a majoração do valor arbitrado a título de danos morais e dos honorários sucumbenciais. 2. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Outrora, assentou-se o entendimento de que a repetição do indébito prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC somente é devida quando comprovada a má-fé do fornecedor; em não comprovada a má-fé, é devida a restituição simples. Entretanto, o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, fixado no recurso repetitivo paradigma (EAREsp 676608/RS) é no sentido de que a restituição em dobro independe da natureza volitiva do fornecedor, ou seja, prescinde da comprovação da má-fé quando a cobrança indevida decorrer de serviços não contratados. 3. Dessa forma, amparada no entendimento esposado pelo STJ e na modulação dos efeitos fixada no acórdão paradigma, reformo em parte a sentença de origem neste ponto para determinar que a repetição do indébito deverá ser de forma simples, porém, haverá incidência de parcelas em dobro em relação aos descontos eventualmente realizados nos proventos do consumidor após 30/03/2021. (...) (TJCE - AC: 00195241420168060055 Canindé, Relator: MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, Data de Julgamento: 08/06/2022, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 08/06/2022). Danos morais Caracterizada a responsabilidade da empresa promovida e a ilegalidade da relação contratual, passo agora a analisar o pedido de condenação em danos morais. Afirma a lei civil que: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. São requisitos para a responsabilidade civil aquiliana, ou extracontratual, ação ou omissão ilícita, dano e relação de causalidade entre a conduta e o dano. Considero que houve uma ação ilícita da instituição promovida posto que descontou da aposentadoria da parte autora um débito que nunca existiu. Quanto a ocorrência do dano, bem compulsado e analisado o arcabouço probatório presente nos autos vislumbro também a ocorrência de dano moral indenizável. O dano, na espécie, é in re ipsa, decorrendo do simples desconto indevido, sem respaldo contratual. A relação de causalidade também não gera dúvidas posto que o dano adveio da ação perpetrada pela promovida. Passo agora ao arbitramento do valor devido a títulos de danos morais. Não há um critério fixo que possa ser utilizado, todavia, acredito que a prudência do magistrado deve ser sempre o principal método para bem quantificá-lo. Na espécie, atentando para o valor da cobrança indevida realizada e o modo pelo qual a dívida foi constituída, sem oportunizar qualquer defesa a(o) autor(a), arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais) a indenização da título de danos morais. 4. DO DISPOSITIVO: Isso posto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão deduzida na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos moldes do art. 487, I, do CPC, para: a) Condenar o requerido, na devolução simples dos valores descontados até 30/03/2021 e na forma dobrada após a referida data (EAREsp nº 676.608/RS), acrescido de correção monetária pelo INPC a partir do efetivo prejuízo (Súmula 43, STJ) e juros simples de 1% (um por cento) ao mês a contar do evento danoso (art. 398, CC/02 e Súmula 54, STJ), nos termos do § único do art. 42 da Lei nº 8.078/90. b) Condenar o demandado ao pagamento de indenização à parte autora, a título de danos morais, no valor de 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos monetariamente pelo INPC, a partir do arbitramento, além de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês contados do início dos descontos (evento danoso), consoante súmulas nº 54 e 362 do STJ; e Custas e honorários pelo requerido, no qual arbitro em 10% do valor da causa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se. Expedientes necessários. Reriutaba-CE, data da assinatura eletrônica Hugo Gutparakis de Miranda Juiz de Direito
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