Processo nº 1020556-26.2025.8.11.0041
ID: 333428128
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS
Classe: AçãO POPULAR
Nº Processo: 1020556-26.2025.8.11.0041
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FAISSAL JORGE CALIL FILHO
OAB/MT XXXXXX
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CARLOS EDUARDO VIANA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS DA COMARCA DE CUIABÁ-MT PROCESSO: 1020556-26.2025.8.11.0041 Vistos, Trata-se de Ação Popular ajuizada por FAISSAL JORGE CA…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS DA COMARCA DE CUIABÁ-MT PROCESSO: 1020556-26.2025.8.11.0041 Vistos, Trata-se de Ação Popular ajuizada por FAISSAL JORGE CALIL FILHO em face de VIA BRASIL MT CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS S.A., ESTADO DE MATO GROSSO e AGÊNCIA ESTADUAL DE REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DELEGADOS DO ESTADO DE MATO GROSSO — AGER/MT, com pedido de tutela de urgência, objetivando a suspensão do 4º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº 001/2019/00/00-SINFRA, em razão de supostas ilegalidades que causariam prejuízo ao patrimônio público e afrontado princípios constitucionais. Consoante narrado na petição inicial, o contrato original teve como objeto a administração, manutenção, recuperação, operação e implantação de melhorias nos trechos das rodovias MT-320 e MT-208, com previsão de investimentos iniciais de aproximadamente R$ 1,9 bilhão, além de previsão de outorga variável em favor do Estado. Segundo expõe o autor, a concessionária VIA BRASIL MT venceu a licitação e assumiu os riscos ordinários do negócio, conforme previsto no contrato e na matriz de riscos. Entretanto, a empresa teria descumprido reiteradamente suas obrigações contratuais, deixando de realizar obras essenciais e comprometendo a segurança viária, situação confirmada inclusive em sentença proferida na Ação Civil Pública nº 1002321-84.2023.8.11.0007, que tramitou na 5ª Vara da Comarca de Alta Floresta e condenou a concessionária ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. O autor afirma que, em 2 de janeiro de 2025, foi celebrado o 4º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão, pelo qual foram promovidas alterações substanciais em favor da concessionária, como a isenção da obrigação de recolher a outorga variável, a exclusão de obras obrigatórias e a prorrogação antecipada do contrato, medidas que implicariam desvio de finalidade e lesão ao erário. Aduz que a concessionária apresentava evolução positiva nas receitas, inexistindo justificativa técnica ou contábil que embasasse a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro. Sustenta que, ao participar do certame, a empresa já tinha pleno conhecimento das normas que tratavam da isenção de eixos suspensos, não podendo invocar posteriormente tal circunstância para pleitear reequilíbrio. O autor alega ainda que a isenção da outorga variável “não apenas viola os princípios da moralidade, eficiência e interesse público, mas também impõe ao Estado um ônus financeiro desproporcional e injustificado”, bem como que “a exclusão da pavimentação dos acostamentos e demais obras essenciais é juridicamente insustentável, moralmente inadmissível e socialmente danosa, revelando uma afronta direta à dignidade dos usuários da via, ao erário público e ao próprio Estado de Direito” (Id. 188712176 - Pág. 8 e 10). Afirma que “a motivação apresentada para o aditivo configura hipótese clássica de inexistência dos motivos, conforme previsto no art. 2º, alínea “d”, da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular), segundo o qual são nulos os atos administrativos fundamentados em matéria de fato ou de direito materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido” (Id. 188712176 - Pág. 11). Argumenta que o reequilíbrio econômico-financeiro “não pode ser deturpado para compensar riscos inerentes ao negócio ou falhas de planejamento e gestão da própria concessionária”, assim como que “somente se justifica diante de eventos supervenientes, imprevisíveis e alheios à vontade das partes, nos termos do art. 124, II, "d", da Lei nº 14.133/2021” (Id. 188712176 - Pág. 25). Ao final, o autor popular requer a concessão de liminar para suspender imediatamente os efeitos do 4º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº 001/2019/00/00-SINFRA e, no mérito, a procedência do pedido para declarar a nulidade do referido termo aditivo e, subsidiariamente, a rescisão do próprio contrato de concessão. Em decisão inicial, este Juízo entendeu pela necessidade de oportunizar o contraditório, determinando a oitiva prévia do Estado de Mato Grosso e da AGER/MT antes da análise do pedido de tutela de urgência, com subsequente intimação do Ministério Público para manifestação como fiscal do ordenamento jurídico. Em cumprimento ao despacho, a AGER/MT apresentou manifestação prévia na qual suscitou preliminar de ilegitimidade passiva e, no mérito, defendeu a regularidade do 4º Termo Aditivo, argumentando que o reequilíbrio econômico-financeiro era necessário para compensar eventos extraordinários, como a isenção de tarifas na “Praça P3” para moradores de Alta Floresta e a proibição nacional de cobrança de pedágio sobre eixos suspensos. O Ministério Público, ao ser intimado, apresentou manifestação na qual opinou pelo deferimento da tutela de urgência para suspender os efeitos do 4º Termo Aditivo, destacando a presença de indícios de violação aos princípios da legalidade, moralidade, eficiência e supremacia do interesse público, previstos no art. 37 da Constituição Federal, além de possíveis desvios de finalidade e inexistência de motivos válidos, nos termos do art. 2º da Lei nº 4.717/65. O Estado de Mato Grosso, devidamente intimado, não apresentou manifestação no prazo legal, conforme certificado nos autos (Id. 192758820). É a síntese. DECIDO. 1. Ilegitimidade Passiva da AGER/MT: A AGER/MT, em sua manifestação prévia, arguiu sua ilegitimidade passiva para figurar na presente ação popular, sob o argumento de que, na condição de interveniente anuente, não possui poder decisório sobre o conteúdo contratual, atuando apenas na regulação e fiscalização do contrato. Em que pese os argumentos apresentados, em sede de cognição sumária, entendo que a alegação de ilegitimidade passiva da AGER/MT não merece prosperar neste momento processual. Isso porque, conforme narrado na petição inicial, a AGER/MT, na qualidade de Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Estado de Mato Grosso, é responsável por fiscalizar e regular a execução do contrato de concessão, inclusive no que se refere ao cumprimento das obrigações contratuais e à preservação do equilíbrio econômico-financeiro. Consoante o disposto no art. 6º da Lei nº 4.717/65, a “ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo”. E, consoante se extrai do próprio termo aditivo, a AGER/MT figurou como interveniente-anuente, tendo inclusive emitido a Nota Técnica nº 00105/2024/SREE/AGER (Id. 192533435 – Pág. 46), que foi referida no Parecer Jurídico nº 3364/SGAC/PGE/2024, o qual, por sua vez, consta dos fundamentos do termo aditivo (Id. 188712190 - Pág. 1). Ademais, a análise da responsabilidade da agência demanda uma instrução probatória mais aprofundada, a fim de verificar se a agência atuou de forma diligente na fiscalização e regulação do contrato, ou se houve alguma omissão ou falha que tenha contribuído para a ocorrência dos prejuízos alegados pelo autor. Portanto, em sede de cognição sumária, entendo que a AGER/MT possui legitimidade passiva para figurar na presente ação popular, sem prejuízo de uma análise mais aprofundada da questão após a instrução probatória. 2. Tutela de Urgência: Segundo a sistemática processual, a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência, sendo que a tutela provisória de urgência pode ser de natureza cautelar ou satisfativa, assim como ser concedida em caráter antecedente ou incidental (art. 294, CPC). No que se refere especificamente à tutela de urgência, o regime geral está preconizado nos artigos 300 e 301 do Código de Processo Civil, que unificou os pressupostos fundamentais para a sua concessão, seja na sua natureza satisfativa, seja na cautelar. Veja-se: “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”. E, nos termos dos artigos 7º e 22 da Lei nº 4.717/65, aplicam-se na Ação Popular, no que for cabível, o procedimento ordinário e as demais regras do Código de Processo Civil. Ademais, por expressa disposição contida no art. 5º, § 4º, da Lei nº 4.717/65, “caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado” na defesa do patrimônio público. Portanto, para a concessão de tutela antecipada em Ação Popular, mister que estejam presentes os robustos requisitos legais, quais sejam, a probabilidade do direito, a inexistência de perigo de irreversibilidade do provimento a ser concedido e, finalmente, um dos requisitos alternativos, que são receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Além dos requisitos supracitados, por força do disposto na Lei nº8.437/1992, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público,“não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação” (art. 1º, § 3º). É com enfoque nessas normativas que se aprecia o pedido de tutela antecipada em questão. Consoante exposto no relatório, o objeto da presente demanda é o 4º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº 001/2019/00/00-SINFRA e, subsidiariamente, o próprio contrato. O autor alega, em síntese, que houve descumprimento contratual pela concessionária, assim como alterações substanciais no contrato por meio do 4º Termo Aditivo (isenção de outorga, exclusão de obras, prorrogação do contrato), sem justificativa válida para o reequilíbrio econômico-financeiro No caso em tela, após análise minuciosa dos autos, entendo que os requisitos autorizadores da medida liminar pleiteada foram suficientemente demonstrados, de modo a justificar a intervenção judicial imediata, conforme exposto nos tópicos a seguir. 2.1. Exclusão da Outorga Variável: O 4º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº 001/2019, celebrado entre a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (SINFRA), a Agência Estadual de Regulação - AGER e a concessionária Via Brasil MT 320, de fato, procedeu com a exclusão da obrigação de pagamento da outorga variável a partir do sexto ano de concessão (Cláusula 1.1.3, Id. 188712190 - Pág. 4). De acordo com o contrato original, até o quinto ano, a concessionária deveria repassar ao Poder Concedente o valor correspondente a 1% (um por cento) da receita tarifária bruta, mas a partir do sexto ano, esse percentual foi reduzido a 0% (zero por cento), isentando completamente a empresa desta obrigação futura. Insta anotar que, ao contrário do sustentado pela AGER em sua manifestação prévia, o impacto econômico aos cofres públicos tem efeito imediato. Com efeito, de acordo com os documentos anexos extraídos do site oficial da AGER (https://www.ager.mt.gov.br/contratos), é possível confirmar que o 6º ano da concessão já se iniciou. Conforme a Cláusula 5.1 do contrato de concessão, o prazo da concessão é de 30 (trinta) anos, contados da data de assinatura do Termo de Transferência do Sistema Rodoviário, sendo possível sua prorrogação em hipóteses previstas no contrato e na legislação aplicável. E, em consulta ao Termo de Transferência disponível no referido site, observa-se que a formalização do ato de transferência ocorreu em 27 de maio de 2019, data em que se deu o efetivo início da contagem do prazo contratual, marcando o ponto de partida para todos os prazos contratuais, inclusive os de execução de obras, cumprimento de etapas e pagamento da outorga variável. Portanto, considerando que a contagem do prazo começou em maio de 2019, o 6º ano da concessão teve início em maio de 2025, momento em que passou a vigorar a nova redação do termo aditivo que zerou o pagamento da outorga variável. Ocorre que, com base nos demonstrativos financeiros de 2022 e no balanço intermediário de 2023 acostados à petição inicial (Id. 188714545 e Id. 188714546), a receita operacional com a arrecadação de pedágio foi de R$ 49,6 milhões em 2022 (Id. 188714545 - Pág. 33) e alcançou R$ 37,7 milhões apenas no primeiro semestre de 2023, indicando tendência de crescimento consistente. Por simples raciocínio matemático, considerando apenas a receita de 2022 (sem qualquer projeção de crescimento futuro), é possível concluir que a exclusão da outorga variável implicará numa perda de aproximadamente R$ 490.000,00 (quatrocentos e noventa mil reais) por ano ao erário estadual, considerando apenas a faixa histórica de receita. Ao longo dos aproximadamente trinta anos restantes de contrato, a perda acumulada pode superar quatorze milhões em valores correntes, sem considerar a evolução do tráfego, o que pode potencializar o impacto negativo para o Estado. Presente neste aspecto, portanto, a probabilidade do direito alegado pelo autor, uma vez que os documentos e dados financeiros juntados aos autos demonstram de forma concreta a existência de potencial e imediata lesão ao patrimônio público, decorrente da exclusão imediata da outorga variável. 2.2. Prorrogação do Prazo Contratual: O termo aditivo em análise também prevê a extensão do prazo da concessão em cinco anos e meio (5,58 anos), consoante se extrai da Cláusula 1.1.1, segundo a qual o “PRAZO DA CONCESSÃO é de 35,58 (trinta e cinco vírgula cinquenta e oito anos), contados da data de assinatura do TERMO DE TRANSFERÊNCIA do SISTEMA RODOVIÁRIO (Id. 188712190 - Pág. 3). Essa prorrogação foi justificada como contrapartida financeira para a concessionária, no contexto do alegado reequilíbrio econômico-financeiro, porém implica alongamento do período de arrecadação de pedágio sem a correspondente contrapartida proporcional de investimentos em melhorias originalmente previstas. Além disso, como já exposto no tópico anterior, os demonstrativos financeiros de 2022 e do primeiro semestre de 2023 demostram que a concessionária mantém arrecadação robusta, com tendência de crescimento anual e aumento de fluxo de veículos. Destarte, o alongamento do prazo contratual, como alteração aceita pela concessionária, reforça o potencial econômico da concessão e, aliado à exclusão da outorga variável, reduz o retorno financeiro ao Estado, ferindo o interesse público. 2.3. Supressão e postergação de Obras Essenciais: Além da exclusão da outorga e da prorrogação contratual, verifico que o aditivo promoveu uma ampla reestruturação no cronograma e no escopo das obras previstas, conforme previsto na Cláusula 1.1.4 (Id. 188712190 - Pág. 4). Diversos acostamentos foram excluídos em praticamente todos os segmentos da rodovia, como no trecho entre Nova Santa Helena e Colíder, em que 29,7 km de acostamentos pavimentados foram suprimidos. O mesmo ocorreu no trecho entre Nova Canaã do Norte e Vila Del Rey, onde estavam previstos 48,7 km de acostamentos que também foram retirados. Não há dúvidas de que a exclusão desses acostamentos impacta diretamente a segurança dos usuários, já que eles são elementos fundamentais para a fluidez do tráfego e para emergências. Além disso, as obras de travessias de pedestres, originalmente previstas para ocorrer entre os anos 3 e 5, foram postergadas para o ano 6 ou além, dependendo do segmento. As readequações de interseções, que seriam executadas majoritariamente nos primeiros cinco anos, tiveram prazos estendidos, chegando em alguns casos a serem previstas apenas para o ano 12. Em segmentos como o perímetro urbano de Colíder e de Nova Canaã do Norte, baias para ônibus e vias marginais também foram adiadas para anos posteriores, quando anteriormente constavam no cronograma inicial para execução imediata. Anoto que, muito embora o aditivo contenha previsão no sentido de que a concessionária deve avaliar periodicamente a necessidade de reinserção das obras excluídas (Cláusulas 1.1.4.1, 1.1.4.2 e 1.1.4.3), essa obrigação de reinserção não tem caráter vinculativo imediato, o que, na prática, significa que as obras poderão nunca ser retomadas. Nesse diapasão, entendo que as supressões e postergações de obras essenciais, especialmente aquelas relacionadas à segurança viária, representam verdadeira diminuição das contrapartidas inicialmente assumidas pela concessionária, comprometendo diretamente a proteção dos usuários e a qualidade da prestação do serviço, razão pela qual se confirma a probabilidade do direito invocado pelo autor também neste aspecto. 2.4. Ausência de Motivo Válido: O autor sustenta, ainda, a nulidade do ato administrativo por ausência de motivo válido, na forma do art. 2º, alínea “d”, da Lei nº 4.717/65, que prevê a nulidade dos atos administrativos baseados em motivos materialmente inexistentes ou juridicamente inadequados ao resultado obtido. Com efeito, a Lei de Ação Popular aponta as hipóteses de nulidade dos atos lesivos ao patrimônio público, in verbis: “Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade. Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.” Ademais, a Constituição Federal, em seu artigo 37, resguarda os princípios norteadores da Administração Pública, os quais devem ser observados em toda e qualquer conduta administrativa. Assim, os atos administrativos devem observar os princípios constitucionais, quais sejam: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade e proporcionalidade. In casu, infere-se, ao menos nessa seara inaugural, a possível violação ao princípio da proporcionalidade, além de aparente vício na motivação do ato. Em primeiro lugar, a análise do conjunto probatório revela que o alegado desequilíbrio econômico-financeiro que teria fundamentado o 4º Termo Aditivo não encontra respaldo em dados objetivos, haja vista os relatórios financeiros apresentados, que demonstram crescimento consistente das receitas de pedágio, afastando a tese de inviabilidade ou necessidade urgente de recomposição. Em segundo lugar, do processo administrativo que resultou na celebração do 4º Termo Aditivo, extrai-se que a revisão ordinária do contrato, motivada pelo desequilíbrio econômico-financeiro teria advindo, em primeiro plano, das isenções tarifárias concedidas aos veículos de carga que trafegam sem carga (com eixos suspensos), conforme disposições da Lei Federal n. 13.711/2018; e, em segundo plano, da isenção de cobrança de tarifa de pedágio na praça n.º 03 (Praça 3 – P3), situada no Município de Alta Floresta, em razão de decisão judicial emanada nos autos nº 1006566-46.2020.8.11.0007. Inicialmente, no que se refere à isenção decorrente da praça de pedágio 3, importante destacar que a supracitada ação se trata de Ação de Execução de Título Executivo Extrajudicial, sobre a qual foram opostos os Embargos à Execução nº 1001119-43.2021.8.11.0007, cuja sentença de procedência reconheceu a nulidade absoluta do título, com efeitos ex tunc, em razão de ausência de participação da Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso. E, em consulta aos autos nº 1006566-46.2020.8.11.0007 no Sistema PJe, este magistrado verificou que, no dia 07 do corrente mês, o Juízo competente exarou decisão que suspendeu o curso da execução, ante a atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto nos autos dos embargos. Logo, isenção de cobrança de tarifa de pedágio na Praça 3 se trata de matéria ainda sub judice, com efeito temporariamente suspenso. Por sua vez, no tocante às isenções decorrentes de disposição legal (eixos suspensos), há fator determinante que atesta a presença da probabilidade do direito alegado pela parte autora, qual seja, o fato de que a concessionária detinha plena ciência da alteração legislativa antes mesmo da assinatura do contrato. Consoante expôs o autor popular, a “isenção da cobrança de pedágio sobre eixos suspensos foi instituída ainda em 2018, por meio da Medida Provisória nº 833, internalizada no Estado de Mato Grosso pela Portaria SINFRA nº 074/2018”, sendo que a referida “norma já estava plenamente vigente quando, em 24 de agosto de 2018, a concessionária VIA BRASIL MT foi formalmente convocada a revalidar sua proposta de preço e posteriormente consolidada pela Lei Federal nº 13.711/2018” (Id. 188712176 - Pág. 17 e Id. 188714549). Com efeito, a Lei Federal nº 13.711/2018, que incluiu a isenção de cobrança de pedágio para veículos de carga com eixos suspensos, foi publicada em 24 de agosto de 2018, enquanto a assinatura do contrato de concessão em exame ocorreu apenas em 12 de abril de 2019 (Id. 192533438 - Pág. 278). Portanto, houve lapso superior a sete meses entre a mudança legislativa e a efetiva assinatura do contrato, período suficiente para que a concessionária tivesse não apenas conhecimento formal do novo regime jurídico, como também pudesse deliberar, de modo consciente e estratégico, sobre a conveniência da assinatura do contrato nos moldes originalmente propostos. Aliás, como bem ressaltado pelo autor popular, a concessionária foi formalmente convocada a revalidar sua proposta de preço em razão da superveniência da Lei Federal nº 13.711/2018, tendo confirmado a manutenção de sua proposta original, mesmo diante da alteração legislativa. Tal confirmação revela que a concessionária, ciente do novo regime de isenção dos eixos suspensos, assumiu o contrato de forma livre e informada, afastando qualquer alegação de surpresa ou imprevisibilidade quanto ao impacto econômico decorrente da referida legislação. Nesse ponto, é crucial destacar que, conforme disposto no art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei nº. 8.666/1993 (vigente à época da assinatura do contrato, Id. 192533438 - Pág. 160), a equação econômico-financeira do contrato é protegida de uma série de fatores, desde fatos imputáveis à Administração Pública a fatos econômicos imprevisíveis que repercutem no contrato. Sob esse aspecto, tanto a doutrina administrativa quanto a jurisprudência vêm reconhecendo que o risco ordinário do negócio é transferido ao concessionário, cabendo a esse, de acordo com as características do ramo em que atua e dos riscos envolvidos à atividade mercantil, avaliar todos os riscos envolvidos desde o ato de elaboração de sua proposta até o momento da assinatura do contrato. Nesse sentido, esclarece a doutrina que: “Enquanto na teoria da imprevisão, conforme visto, há incidentes econômicos que alteram o equilíbrio econômico do contrato, as denominadas interferências ou sujeições imprevistas são, de acordo com definição de Hely Lopes Meirelles, “ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na celebração do contrato mas que surgem na sua execução de modo surpreendente e excepcional, dificultando e onerando extraordinariamente o prosseguimento e a conclusão dos trabalhos. Esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello, apoiado em Benoît, que as sujeições imprevistas têm seu domínio de aplicação, por excelência, nos contratos de obras públicas. São situações anômalas, excepcionais, que não puderam ser previstas pelas partes, de forma razoável, quando da contratação, mas que tornam a execução contratual muito mais onerosa, permitindo, portanto, sua revisão. É exemplo de sujeição imprevista a descoberta de lençol d’água, quando da escavação de um túnel. Em suma, (...), a teoria da imprevisão aplica-se, conforme visto, em face de: (1) situações econômicas externas ao contrato, mas que nele repercutem, por exemplo, uma crise econômica anômala, que acaba desmantelando os preços de insumos relevantes para o equilíbrio contratual; (2) fatos, portanto, supervenientes, isto é, que geralmente não existiam, diferentemente das sujeições imprevistas que decorrem de fatos preexistentes; e (3) imprevisíveis, quando da contração, ou de consequências incalculáveis."[1] Da mesma forma caminha a jurisprudência pátria, in verbis: “DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ISENÇÃO TARIFÁRIA. LEI MUNICIPAL. CONTRATO DE CONCESSÃO. RODOVIA FEDERAL. INTERFERÊNCIA INDEVIDA. 1. A concessão de isenção de pedágio a determinados veículos afeta o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de exploração de rodovia federal, criando imposição lesiva à concessionária que não existia à época da assinatura do contrato. 2. Hipótese de contrato de concessão celebrado com a União, a quem compete legislar sobre contratos de concessão administrativa, nos termos do art. 22, inc. XXVII, da Constituição Federal, sendo indevida interferência de município na política tarifária de serviço explorado pela União. 3. Agravo de instrumento desprovido”. (TRF 4ª R.; AG 5012789-54.2024.4.04.0000; Décima Segunda Turma; Rel. Des. Fed. João Pedro Gebran Neto; Julg. 21/08/2024; Publ. PJe 22/08/2024). Exatamente esse o caso dos autos, tendo em vista que a concessionária requerida, conhecendo previamente a existência de norma já vigente antes da assinatura do contrato que impactaria diretamente o equilíbrio da equação econômico-financeira, ainda assim optou por subscrever o contrato. Destarte, em consonância com os princípios administrativos da legalidade e da razoabilidade, a concessionária não pode ser beneficiada pelos valores que se consagrou vencedora, para depois, com base em fator preexistente à assinatura do contrato, do qual detinha pleno conhecimento, pedir a revisão dos preços ofertados. Aliás, muito embora a AGER, em sua manifestação prévia, tenha sustentado que a concessionária “deixou claro, ainda antes de assinar o contrato, que a isenção de eixos suspensos afetou o modelo proposto e que seria necessária a apuração para reequilibrá-lo” (Id. 192567312 - Pág. 10/11), tal observação, ao invés de servir como fundamento de legitimidade, reforça que se tratava de fato previsível, conhecido antes da assinatura do contrato, não caracterizando evento extraordinário ou imprevisível que justificasse o reequilíbrio nos moldes adotados. Essa interpretação é corroborada pela regra do art. 49 da Lei nº. 8.666/1993, que expressamente condicionava a revogação da licitação à verificação de fatos supervenientes. Portanto, ao assumir os compromissos do contrato com tais informações já públicas e vigentes, a concessionária o fez de forma consciente e voluntária, afastando, ao menos em sede de cognição sumária, a alegação de que a isenção dos eixos suspensos configuraria fato superveniente ou imprevisível apto a justificar a supressão da outorga variável ou outras medidas de reequilíbrio que onerem o interesse público. Com efeito, nos termos do art. 49 da Lei nº 8.666/1993, vigente à época da licitação, a Administração Pública somente poderia revogar o certame “por razões de interesse público decorrentes de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta”. Assim, uma vez identificado fato superveniente relevante — como a promulgação da Lei nº 13.711/2018 —, e convocados os licitantes para que, cientes da nova realidade normativa, pudessem decidir, de forma expressa, se manteriam suas propostas ou se delas desistiriam, competiria à autora ter se recusado a mater a proposta inicial. Nesse contexto, a resposta da concessionária à convocação para revalidação de sua proposta, nos termos do edital, revestiu-se de inequívoca manifestação de vontade, revelando plena aceitação das novas condições vigentes. Logo, ou a concessionária revalidava formalmente a proposta (como de fato o fez), assumindo integralmente os riscos legais já conhecidos, ou se recusava, hipótese em que o processo licitatório deveria ser anulado, na forma do art. 49, §1º, da mesma lei. Destarte, ao optar livremente pela revalidação, a VIA BRASIL assumiu os efeitos jurídicos decorrentes, não podendo, posteriormente, invocar o mesmo fato superveniente — já absorvido por sua manifestação de vontade — como fundamento para pleitear o reequilíbrio econômico-financeiro contratual. Por oportuno, anoto que se extrai do acervo probatório até então acostado aos autos que a concessionária requerida deu início à execução do contrato e prosseguiu na prestação dos serviços por mais de 02 (dois) anos sem sequer requerer fundamentadamente a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em razão da isenção decorrente dos eixos suspensos. De fato, constou no OFÍCIO Nº 02453/2023/COGACR/SINFRA que, “acerca do evento de desequilíbrio relativo à Isenção de Eixos Suspensos em virtude da Medida Provisória n.° 833/2018 e Portaria n.° 081/2018/SINFRA, destaca-se que, até o momento a Concessionária não apresentou o requerimento fundamentado, conforme dispõe à cláusula supracitada do Contrato de Concessão, tendo um lapso temporal de 2 (dois) anos entre a comunicação do evento de desequilíbrio pela concessionária e o presente momento” (Id. 192533429 - Pág. 4). Cumpre salientar, ainda, que a assinatura do contrato, nesses moldes, configura verdadeiro ato jurídico perfeito, consubstanciando manifestação inequívoca de vontade do particular quanto aos riscos do negócio, nos termos do artigo 104, I e III, do Código Civil. Logo, a alegação de desequilíbrio fundado em fato conhecido à época da celebração implicaria violação aos princípios da boa-fé objetiva, da segurança jurídica e do pacta sunt servanda, consagrados no ordenamento jurídico pátrio. Dessa forma, ao menos nesta fase de cognição sumária, não se vislumbra a existência de motivos juridicamente adequados para sustentar o ato administrativo que aprovou o 4º Termo Aditivo com base em pretenso desequilíbrio decorrente de fatos previsíveis ou já consolidados no tempo. Corrobora ainda a presença da probabilidade do direito os demais documentos contidos no processo administrativo juntado aos autos pela AGER, dentre os quais estão a Nota Técnica nº 00105/2024/SREE/AGER, datada de 18/12/2024, que foi elaborada pela Superintendência Reguladora de Estudos Econômicos (SREE) da AGER para validar os cálculos de reequilíbrio econômico-financeiro apresentados pelo Verificador Independente, especialmente no chamado "Cenário 2". Este cenário foi utilizado como base para justificar o 4º Termo Aditivo ao contrato. Destarte, a referida nota técnica analisou o documento AGER-TER-2024/11483, protocolado pelo Verificador Independente, apontando a existência de 05 (cinco) possíveis cenários de reequilíbrio econômico-financeiro (Id. 192533435 - Pág. 50). Veja-se: Contudo, a referida nota técnica não fez análise detalhada e comparativa entre as opções de cenários existentes. Apenas listou os cinco cenários de recomposição, sem demonstrar tecnicamente a superioridade do “Cenário 02” ou justificar, em termos de proporcionalidade e vantajosidade ao interesse público, os motivos para a sua adoção. Destarte, o documento se limitou a apresentar os cenários e, em seguida, passou a analisar os aspectos relativos apenas ao “Cenário 02”, tendo assentado que, em atendimento ao “OFÍCIO Nº 07661/2024/COGACR/SINFRA (fls. 5164-5165), emitido aos 03/12/24, direcionado a esta Agência Reguladora, vem definir e estabelecer o cenário 2” (Id. 192533435 - Pág. 48). Ocorre que o mencionado Ofício nº 07661/2024/COGACR/SINFRA, constante no movimento de Id. 192533430 - Pág. 109, também não apresenta fundamentação detalhada ou técnica que motive a escolha do chamado “cenário 2”. O citado ofício apenas comunica a escolha da Administração, sem justificar, em termos de eficiência econômica, vantajosidade ao interesse público ou proporcionalidade, as razões pelas quais as demais opções não teriam sido mais adequadas ou menos gravosas ao erário. Prosseguindo, o Parecer nº 3364/SGAC/PGE/2024, que consta dos fundamentos do termo aditivo (Id. 188712190 - Pág. 1), não adentrou no mérito da escolha do cenário, nem realizou avaliação independente ou aprofundada. Ao contrário, o próprio parecer, ao final, solicitou expressamente a “complementação da justificativa lançada para a escolha do cenário apresentado, trazendo as razões do exercício da escolha (discricionária) realizada, de forma a complementar a instrução processual” (Id. 192533435 - Pág. 98). Tal solicitação demonstra que a motivação apresentada era insuficiente até mesmo do ponto de vista jurídico consultivo. Por fim, o Despacho nº 00018/2025/GSEIL/SINFRA, ao consolidar a adoção do “Cenário 2”, se limitou a apresentar as seguintes razões para escolha do “Cenário 02”: “Diante do exposto, justifica-se a escolha do Cenário 02 pois esse é a prerrogativa de equilíbrio econômico-financeiro que não afeta os valores tarifários, prorroga o prazo da concessão e mantém o investimento em obras prioritárias, reduzindo o impacto do reequilíbrio no Contrato de Concessão nº 001/2019/00/00-SINFRA. Os demais cenários apresentaram aumento de tarifa, o que viola a previsão legal acerca do reequilíbrio decorrente de eixos suspensos, com exceção do Cenário 01. No entanto, o Cenário 1 demonstrou não ser o mais equilibrado em tratativas com a concessionária. Sendo assim, em comparação com todos os cinco cenários apresentados, o Cenário 02 foi o mais viável para a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do Contrato e uma distribuição equânime entre as partes dos impactos do reequilíbrio” (Id. 192533435 - Pág. 110). Como se vê, as justificativas apresentadas se mostram, no mínimo, genéricas e não acompanhadas de análise técnica detalhada, contentando-se o despacho em reafirmar a escolha administrativa, o que fragiliza a motivação do ato administrativo e pode configurar ausência de motivo válido, conforme art. 2º, alínea “d”, da Lei nº 4.717/65. Isso porque, em nenhum dos atos administrativos foi sopesado estudo técnico robusto que justificasse a escolha do “Cenário 02” dentre os 05 possíveis. No caso concreto, a opção exclusão da outorga variável, a prorrogação do contrato e a supressão de obras fundamentais, sem comprovação de motivação robusta, revela-se aparentemente desproporcional e contrária ao dever de proteção ao patrimônio público e à segurança dos usuários. Dessa forma, verifica-se que, em sede de cognição sumária, os motivos indicados para a adoção do “Cenário 2” mostram-se, ao menos por ora, materialmente insuficientes e juridicamente inadequados ao resultado obtido, nos termos do art. 2º, alínea “d”, da Lei nº 4.717/65. Para além disso, mister se faz destacar que não há como este Juízo aferir, sem uma dilação probatória detalhada, com possível necessidade de produção de prova técnica pericial, se os motivos apontados pela Administração Pública e ratificados nos documentos mencionados podem ser considerados, em definitivo, juridicamente adequados para o resultado obtido. Tal exame dependerá de instrução probatória ampla, a ser oportunamente realizada no curso da demanda. 2.5. Discricionariedade Administrativa: Para além da presença da probabilidade do direito alegado, importante ressaltar que a discricionariedade administrativa não é absoluta. Ela está limitada pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, eficiência, moralidade administrativa e supremacia do interesse público. Por certo, nos contratos de concessão, assim como nos administrativos em geral, há espaço jurídico para o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, desde que se preserve a relação de proporcionalidade entre encargos assumidos e benefícios percebidos pelo concessionário. Assento que, no caso em apreço, o próprio contrato, em sua Cláusula 38.1, assegura ao Poder Concedente a faculdade de escolha entre as alternativas previstas, não havendo ainda vedação à adoção de medidas diversas, desde que aptas a recompor a equação econômico-financeira e em consonância com os princípios da Administração Pública e com a legislação aplicável. Entretanto, mesmo que o Estado tenha margem para escolher o instrumento de recomposição, no caso concreto, a opção pela eliminação de obras essenciais e supressão de receitas públicas (via exclusão da outorga variável), tudo em favor da concessionária, ofende os princípios supracitados, sendo medida desproporcional, sobretudo quando não demonstrado tecnicamente que inexistia alternativas menos gravosas ao interesse coletivo nos outros 04 (quatro) cenários apresentados. Com efeito, a Administração tem o dever de motivar sua decisão para aditar o contrato administrativo, tendo em vista os princípios norteadores da atividade administrativa e, especialmente, da licitação. Sem motivação será inválida a unilateral alteração do contrato administrativo. Pelos mesmos motivos, a motivação não poderá consistir na simples invocação da discricionariedade administrativa ou na necessidade de preservação de algum “interesse público”, de conteúdo material indeterminado. Ao contrário, a Administração deverá indicar o motivo concreto, real e definido que impõe a modificação. Ademais, deverá demonstrar que este motivo não existia ao tempo da contratação, bem como que a modificação introduzida no contrato guarda proporcionalidade com a modificação verificada nas circunstâncias subjacentes. Na hipótese em apreço, o ato administrativo aponta que o Cenário 2 foi escolhido em primeiro lugar para preservar a modicidade tarifária, ou seja, para não onerar diretamente os usuários da rodovia com aumento de tarifa. Não obstante, conforme amplamente analisado nos tópicos anteriores, não restou demonstrado, de forma técnica e documental, que essa opção seria a mais adequada para atender ao interesse público, tampouco se mostrou justificada a completa exclusão de alternativas intermediárias previstas contratualmente, como a revisão tarifária gradual, o escalonamento de investimentos ou a adoção de medidas compensatórias menos gravosas. Frise-se: a discricionariedade administrativa, mesmo dentro de sua razoável amplitude, encontra limites que podem ser controlados pelo Poder Judiciário, especialmente quando evidenciado desvio de finalidade ou ausência de motivo válido capaz de sustentar a escolha do administrador. Aliás, pela teoria dos motivos determinantes, quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Assim, ao Poder Judiciário compete examinar os pressupostos de fato e as provas da ocorrência do motivo. Portanto, observados os elementos fáticos e jurídicos expostos, cabível a intervenção judicial corretiva para, ao menos nesta seara inaugural, assegurar que o ato administrativo seja suspenso para que possa ser melhor avaliado dentro dos contornos legais e constitucionais. Isso porque, sem prejuízo de ulterior aprofundamento probatório, resta configurada a probabilidade do direito alegado pelo autor, não apenas em razão da ausência de comprovação de desequilíbrio econômico-financeiro efetivo, mas também pela aparente desproporcionalidade das medidas adotadas para o reequilíbrio, à luz do ordenamento jurídico e dos princípios que regem a Administração Pública. 2.6. Perigo de Dano e Irreversibilidade: Além da probabilidade do direito, igualmente se faz presente o requisito do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme exige o art. 300 do Código de Processo Civil. No presente caso, a própria Nota Técnica nº 00105/2024/SREE/AGER apontou expressamente que, “dentre os eventos que causaram desequilíbrio no Contrato, a isenção dos eixos suspensos são responsáveis por 98% do montante devido em desequilíbrio, calculados no total de R$ 30.010,43 milhões” (Original sem destaque, Id. 192533435 - Pág. 51), o que, ante o já assentado no tocante à isenção decorrente de disposição legal, corrobora não só a probabilidade do direito como atesta principalmente a presença do requisito do periculum in mora. Isso porque, já estando vigente a alteração contratual e trazendo efeitos concretos imediatos, inclusive em razão da exclusão do percentual anteriormente definido à título de outorga variável, a não concessão da tutela de urgência neste momento acarreta risco concreto de frustrar o resultado útil do presente processo. Com efeito, a vigência imediata do 4º Termo Aditivo já produz efeitos concretos ao patrimônio público, inclusive pela exclusão do percentual anteriormente destinado à outorga variável, o que acarreta impacto direto na arrecadação estadual e, consequentemente, limita investimentos públicos futuros. Além disso, o prolongamento contratual e a supressão de obras essenciais igualmente resultam em riscos concretos à segurança viária e à integridade dos usuários das rodovias MT-320 e MT-208. Por conseguinte, a não concessão da tutela de urgência neste momento possibilita a continuidade da execução de um aditivo que altera substancialmente as obrigações contratuais da concessionária, transfere ônus financeiros ao Estado e posterga investimentos essenciais, resultando em risco concreto e iminente de lesão grave e de difícil reparação ao erário e à coletividade. Ressalte-se que o periculum in mora, no caso, não decorre apenas de prejuízos financeiros, mas também de potenciais danos irreversíveis à segurança pública, caso obras fundamentais sejam adiadas ou suprimidas, conforme comprovado pelos cronogramas modificados e pelos documentos anexados. Por fim, no tocante à irreversibilidade, a suspensão dos efeitos do termo aditivo não implica dano irreversível à concessionária, pois eventual revalidação poderá ser feita após instrução probatória mais aprofundada, inclusive com eventual compensação de eventuais prejuízos comprovados. Destarte, presente o requisito do perigo de dano, somado à probabilidade do direito já demonstrada, autoriza-se a concessão da tutela antecipada para resguardar o patrimônio público, a segurança dos usuários e a efetividade do processo. 3. Valor da Causa: Consoante já exposto, trata-se de Ação Popular proposta por Faissal Jorge Calil Filho, com pedido de tutela de urgência, na qual se pretende a suspensão e, ao final, a anulação do 4º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão nº 001/2019/00/00-SINFRA, bem como, subsidiariamente, a rescisão do próprio contrato de concessão, em razão de supostas ilegalidades que implicariam lesão ao patrimônio público e violação a princípios constitucionais. O autor popular atribuiu à causa o valor de R$ 71.000.000,00 (setenta e um milhões de reais), porém sem apresentar qualquer fundamentação técnica ou exposição detalhada que justifique a adoção desse montante. Pois bem. Em regra, o valor da causa deve equivaler ao do benefício patrimonial buscado ou do prejuízo que se quer evitar, conforme disposto nos arts. 291 e 292 do Código de Processo Civil. É certo que, ao se considerar a pretensão deduzida na exordial como de tutela coletiva, o art. 292 não estabelece parâmetros objetivos para a atribuição do valor da causa. Entretanto, a jurisprudência pátria é firme no sentido de que o valor da causa deve refletir o conteúdo econômico da demanda[2], assim como que a fixação deve ser por estimativa quando a demanda coletiva não possuir proveito econômico certo ou imediato[3]. Nesse sentido, vide ementa a seguir, in verbis: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POPULAR. VALOR DA CAUSA EM AÇÃO POPULAR. VALOR DA CAUSA DE DIFÍCIL DETERMINAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO FIRMADO PELO MUNICÍPIO PARA FORNECIMENTO DE SANEAMENTO E FORNECIMENTO DE ÁGUA. VIOLAÇÃO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO DEMONSTRADA. RECURSO DESPROVIDO. I - No tocante ao valor da causa, considerando que na presente demanda não é possível determinar o valor do proveito econômico perseguido, vez que se trata de ação popular para controle de ato administrativo, tem-se como correta a adequação promovida do valor da causa pelo Magistrado a quo, para o patamar de R$ 1.000,00 (mil reais) para efeitos de alçada. II - A singela afirmação acerca da inexistência de cláusula contratual dirigida à ampliação do serviço de fornecimento de água e coleta de esgoto não se revela o bastante para a pretensa anulação do contrato firmado entre a concessionária e o município, na medida em que se mostram ausentes a descrição de elementos objetivos e concretos que demonstram a violação à moralidade administrativa, revelada em suposto ato ilegal praticado pela administração pública, sobretudo se levarmos em conta a inexistência de demonstração acerca da prática do ato dissociado do interesse público. III - A despeito da combatividade do Apelante, é preciso ter em vista que ao propor a ação, o autor popular age no interesse coletivo de fiscalização dos atos públicos para garantir uma administração pública pautada nos princípios da legalidade e moralidade-probidade. Assim, malgrado a Ação Popular possa ser empregada para a impugnação do ato lesivo ao patrimônio moral, pressupõe seja descrita conduta que, em concreto, viole a moralidade-probidade administrativa, o que não ocorreu no caso. lV - Recurso desprovido”. (TJES; AC 0001715-49.2017.8.08.0013; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Jorge do Nascimento Viana; Julg. 19/04/2021; DJES 17/05/2021). No caso vertente, a ação popular visa proteger o interesse público e não busca um proveito patrimonial direto imediato, o que afasta a necessidade de vinculação estrita ao valor integral da relação contratual impugnada. Destarte, o autor não indicou de que forma chegou ao valor atribuído, tampouco especificou quais parcelas ou prejuízos concretos ao erário teriam sido considerados para fixar a quantia indicada. Como exposto, a presente demanda não visa buscar ressarcimento imediato de valores certos e líquidos, mas sim resguardar o patrimônio público e assegurar a adequada execução do contrato de concessão, inclusive no tocante ao cumprimento integral das obras essenciais, à manutenção da outorga variável e à preservação do prazo contratual originário. Ainda que os fatos e fundamentos apresentados indiquem um potencial prejuízo acumulado, com a exclusão de aproximadamente R$ 490.000,00 (quatrocentos e noventa mil reais) anuais de outorga variável e possíveis perdas superiores a R$ 14 milhões ao longo do restante do contrato, não há, neste momento processual, definição precisa de um valor patrimonial certo a ser restituído ou reparado. Ademais, o valor atribuído à causa pelo autor supera demasiadamente os R$ 14 milhões das perdas acumuladas supracitadas. Por tal razão, assim como tendo em vista o entendimento jurisprudencial consolidado, entendo que o valor da causa deve ser fixado em valor estimativo simbólico, sem vinculação direta ao valor integral do contrato administrativo ou ao montante total de eventuais prejuízos futuros estimados. Destarte, considerando a ausência de explicação técnica do autor e a natureza difusa do direito tutelado, revela-se razoável fixar o valor da causa em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), apenas para fins de alçada e processamento, sem prejuízo de eventual apuração posterior em liquidação ou cumprimento de sentença. 4. Deliberações Finais: Diante do exposto, uma vez que presentes todos os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, DEFIRO o pedido de tutela provisória de urgência, o que faço para suspender os efeitos do 4º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão até ulterior deliberação judicial, notadamente em razão da recomposição tarifária fundada na alegação de desequilíbrio econômico-financeiro causado pelas isenções previstas na Lei Federal n.º 13.711/2018. CORRIJO, de ofício, o valor da causa para R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), nos termos do art. 292, § 3º, do Código de Processo Civil. PROCEDA-SE com a alteração necessária no Sistema PJe. DEFIRO parcialmente o pedido de Id. 192574065, o que faço para determinar a exclusão das petições de Ids. 192567312, 192536024, 192533968 e 192532279 e dos documentos que a acompanharam, mantendo-se tão somente a petição de Id. 192533422 e seus respectivos documentos, posto que foram os primeiros a serem juntados nos autos. DÊ-SE ciência ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso (artigo 7º, I, “a”, da Lei nº 4.717/65). Intime-se. Cumpra-se. Cuiabá/MT, data registrada no sistema. BRUNO D’OLIVEIRA MARQUES Juiz de Direito [1] NOHARA, Irene. 1. Áleas Contratuais In: NOHARA, Irene. Licitação e Contratos Administrativos - Vol. 6 - Ed. 2022. São Paulo (SP): Editora Revista dos Tribunais. 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/licitacao-e-contratos-administrativos-vol-6-ed-2022/1712827906. Acesso em: 9 de Julho de 2025. [2] REsp n. 1.712.504/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 14/6/2018. [3] AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO POPULAR. IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. IMPROCENDENTE. INCERTEZA DO PROVEITO ECONÔMICO. VALOR POR ESTIMATIVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. STJ. RECURSO DESPROVIDO. (...) 1. A jurisprudência desta corte superior é no sentido de ser admissível a fixação do valor da causa por estimativa, quando constatada a incerteza do proveito econômico perseguido na demanda. (...). ” (AgRg no AREsp 583.180/rj, Rel. Ministro Paulo de Tarso Tanseverino, Terceira Turma, julgado em 20/08/2015, dje 27/08/2015). (TJMT; AI 44295/2015; Capital; Relª Desª Nilza Maria Pôssas de Carvalho; Julg. 10/11/2015; DJMT 23/11/2015; Pág. 70). Gabinete do Juízo Titular I da Vara de Ações Coletivas - 20001 - Contato Assessoria: (65) 3648-6413, via telefone ou Whats'App Business
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