Processo nº 1000218-41.2024.8.11.0049
ID: 279002587
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000218-41.2024.8.11.0049
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANILA MORAES BRITO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000218-41.2024.8.11.0049 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Associação para a…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000218-41.2024.8.11.0049 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), CLARA CAVALCANTE SOARES - CPF: 015.271.571-13 (APELANTE), DANILA MORAES BRITO - CPF: 062.865.451-07 (ADVOGADO), THIAGO AUGUSTO GOMES DOS SANTOS - CPF: 213.583.568-40 (ADVOGADO), RAFAEL SANTOS MARTINS - CPF: 022.961.051-06 (APELANTE), WILTON RICARDO ORLANDINI - CPF: 028.303.621-44 (APELANTE), GUSTAVO ATAIDE FERNANDES SANTOS - CPF: 068.818.694-79 (TERCEIRO INTERESSADO), DAVID GABRIEL PEREIRA SOARES - CPF: 090.275.931-08 (TERCEIRO INTERESSADO), B. F. S. O. - CPF: 090.276.411-02 (VÍTIMA), D. G. P. S. - CPF: 090.276.171-47 (VÍTIMA), ANDRE LAZARO DA SILVA - CPF: 877.331.881-72 (ASSISTENTE), ANTONIO CARLOS DA SILVA SOUZA - CPF: 824.555.462-68 (ASSISTENTE), ANDRESSA DE ALMEIDA AZEVEDO - CPF: 017.892.681-76 (ASSISTENTE), VINICIUS FERREIRA AMARO DE MORAES - CPF: 022.103.721-78 (ASSISTENTE), JHONATAN ROMARIO DE ALMEIDA DOS REIS - CPF: 009.828.822-97 (ASSISTENTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, CONHECEU EM PARTE DOS RECURSOS E, NO QUE CONHECIDOS, OS DESPROVEU. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. IMPOSIÇÃO DAS PENAS BÁSICAS NOS MÍNIMOS LEGAIS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. ALEGAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INCONFORMISMO COM A DOSIMETRIA DA PENA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação criminal interposta contra sentença que condenou três réus pela prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/06) e associação ao narcotráfico (art. 35 da Lei 11.343/06), em concurso material, com penas fixadas entre oito e nove anos e quatro meses de reclusão, nos regimes semiaberto e fechado, respectivamente, além da pena de multa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há seis questões em discussão: (i) definir se há provas suficientes para condenação dos réus pelos crimes imputados; (ii) estabelecer se é possível a desclassificação da conduta de um dos réus para o crime do art. 28 da Lei de Drogas; (iii) determinar se a confissão espontânea enseja aplicação de atenuante; (iv) examinar a possibilidade de aplicação do §4º do art. 33 da Lei de Drogas (tráfico privilegiado); (v) verificar a viabilidade de abrandamento do regime inicial de pena a uma das rés; e (vi) analisar se é cabível a substituição da prisão preventiva por domiciliar, nos termos do art. 318, V, do CPP. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. As provas orais e materiais constantes dos autos comprovam a prática dos crimes imputados, não sendo crível a tese de uso pessoal nem a ausência de vínculo associativo entre os réus. 4. A conduta de um dos apelantes não se amolda ao tipo do art. 28 da Lei de Drogas, diante da prova da destinação mercantil das substâncias entorpecentes. 5. A atenuante da confissão espontânea não incide quando o réu admite apenas a posse para uso próprio, sem reconhecer o tráfico. 6. A incidência da causa de diminuição do tráfico privilegiado pressupõe a ausência de dedicação a atividades criminosas e de vínculo com organização criminosa, requisitos não preenchidos no caso concreto. 7. A fixação do regime inicial fechado é compatível com a reincidência e com a pena superior a quatro anos, nos termos da jurisprudência consolidada. 8. A prisão domiciliar prevista no art. 318, V, do CPP exige prova de que a acusada é a única responsável pela criança, além da inexistência de risco à integridade do menor — circunstâncias não presentes na hipótese dos autos. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recursos desprovidos. Tese de julgamento: “1. A posse de substâncias entorpecentes com finalidade mercantil configura o crime de tráfico, ainda que não haja flagrante de venda. 2. A associação para o tráfico exige vínculo estável e permanente entre os agentes com finalidade comum de comercializar entorpecentes. 3. A confissão limitada à posse para uso pessoal não autoriza a incidência da atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP. 4. A condenação por associação para o tráfico impede o reconhecimento do tráfico privilegiado. 5. O regime inicial fechado é compatível com a reincidência e com pena superior a quatro anos. 6. A prisão domiciliar é incabível quando a residência da acusada é usada como ponto de tráfico, mesmo havendo filho menor”. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LV; CP, arts. 33, 44, 59, 65, III, “d”, e 69; CPP, arts. 386, VII, 318, V, e 563; Lei 11.343/06, arts. 28, 33, caput e §4º, e 35; Lei 7.210/84, art. 66, III, “c”. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmulas 269 e 630; AgRg no RHC 129.003/MT; AgRg no AREsp 2.511.249/MG; AgRg no REsp 1853702/RS; AgRg no HC 830.929/SP; HC 557.228/SP; RHC 132.060/PR; TJMT, Enunciados Orientativos n.º 03, 05, 07 e 08 da TCCR. R E L A T Ó R I O APELANTE(S) WILTON RICARDO ORLANDINI RAFAEL SANTOS MARTINS CLARA CAVALCANTE SOARES APELADO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação criminal interpostos autonomamente por CLARA CAVALCANTE SOARES e conjuntamente por RAFAEL SANTOS MARTINS e WILTON RICARDO ORLANDINI em face da r. sentença proferida pelo d. Juízo da 2ª Vara da Comarca de Vila Rica/MT nos autos da ação penal n.º 1000218-41.2024.8.11.0049, que os condenou pela prática, em concurso material, dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35, ambos da Lei 11.343/06, sendo CLARA e WILTON sancionados identicamente com 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 1.399 dias-multa, no valor unitário mínimo legal, e RAFAEL com 8 (oito) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e pagamento de 1.200 dias-multa, no valor unitário mínimo legal. Nas razões recursais disponíveis no ID 264709624, a acusada CLARA CAVALCANTE SOARES pleiteia a absolvição por insuficiência de provas, argumentando que a condenação se deu exclusivamente com base em depoimentos de policiais, sem que restasse demonstrada sua participação efetiva nas condutas delitivas. Subsidiariamente, postula a aplicação da pena nos mínimos legais, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, e a fixação de regime inicial mais brando, sob o fundamento de ser mãe de filho menor de 12 anos, nos termos do art. 318, V, do Código de Processo Penal. A seus turnos, os réus RAFAEL e WILTON, assistidos pela Defensoria Pública, postulam nas razões recursais de ID 264709628 a absolvição quanto ao crime de associação para o tráfico de drogas, por entenderem que não houve demonstração de vínculo estável e permanente entre os envolvidos, elemento essencial à configuração do tipo penal do art. 35 da Lei 11.343/06. Em caráter subsidiário, em prol do acusado RAFAEL, vindica-se a desclassificação do narcotráfico para o delito de porte de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei n.º 11.343/06), com fundamento na ausência de provas robustas da mercancia ilícita e, consecutivamente, a aplicação da atenuante da confissão espontânea, com redução da pena abaixo do mínimo legal; a aplicação da causa de diminuição do §4º do art. 33 da Lei de Drogas, e a fixação de regime mais brando para início do cumprimento de pena, com possibilidade de aplicação da Súmula Vinculante nº 59 do STF. Contrarrazoando os apelos defensivos por meio do documento digital de ID 264709633, o Parquet pugna pelo desprovimento de ambos os recursos, a fim de manter incólume a r. sentença proferida; linha intelectiva que também foi estampada no parecer emitido pela d. Procuradoria-Geral de Justiça e juntado aos autos eletrônicos sob o ID 270225898. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Inicialmente, com relação aos pedidos de redução das penas-bases para os mínimos legais em relação aos delitos previstos nos arts. 33, caput e 35, ambos da Lei nº. 11343/06, é certo que os apelos não devem ser conhecidos, ante a manifesta carência de interesse recursal, na medida em que o d. juiz sentenciante, nas primeiras etapas penais, reconheceu todas as circunstâncias judiciais favoráveis aos ora recorrentes, consoante visto no ID 264709588 - Pág. 10-15. No mais, registra-se ab initio que os recursos em apreço são tempestivos, foram interpostos por quem tinha capacidade e legitimidade para fazê-los e os meios processuais escolhidos mostram-se adequados e necessários para se atingir os objetivos perseguidos, razão pela qual CONHEÇO dos apelos manejados pelas i. Defesas. Verte na denúncia que, no dia 21 de dezembro de 2023, por volta das 6h10min, no interior da residência situada à Avenida E, nº 459, Bairro Vila Nova, na cidade de Vila Rica/MT, os indiciados WILTON RICARDO ORLANDINI, CLARA CAVALCANTE SOARES e RAFAEL SANTOS MARTINS, de forma deliberada e consciente, mantinham em depósito substâncias entorpecentes, sem autorização legal e em afronta às normas vigentes. Na ocasião, foram apreendidas 23 (vinte e três) porções de substância com características análogas ao crack e 08 (oito) porções similares à maconha, cuja forma de acondicionamento e demais circunstâncias indicam inequívoca destinação ao comércio ilícito. Depreende-se, ainda, dos elementos constantes no caderno investigativo, que, em período anterior ao mencionado, os referidos indiciados associaram-se com o intuito de praticar, de forma reiterada ou não, o crime de tráfico de drogas, com plena ciência da ilicitude de suas condutas. Essa conclusão é corroborada pelos mesmos documentos e elementos probatórios anteriormente referidos. A intensificação das investigações pela Polícia Civil, em razão da elevação dos índices de criminalidade em Vila Rica/MT, permitiu a identificação de suspeitos envolvidos com o tráfico e a associação para o tráfico de entorpecentes, culminando na expedição de medida cautelar de busca e apreensão domiciliar, nos autos do processo nº 1002381-28.2023.8.11.0049. A partir dessa diligência, confirmou-se que o imóvel localizado na Avenida E, nº 459, era utilizado como verdadeiro ponto de venda de drogas, sendo um dos diversos locais sob o comando dos denunciados CLARA e WILTON, principais alvos da operação “Guardiões” e da medida cautelar autorizada judicialmente. Segundo a peça acusatória, na data dos fatos, equipes da Polícia Civil e da Polícia Militar, atuando de forma integrada, procederam ao cumprimento dos mandados de prisão e de busca e apreensão na mencionada residência, onde se encontravam os indiciados WILTON, CLARA e RAFAEL. Ressalte-se que WILTON e CLARA já eram conhecidos no meio policial pela prática reiterada do tráfico de drogas, sendo, inclusive, processados anteriormente pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico (PJe nºs 0001016-34.2015.8.11.0049, 0000142-44.2018.8.11.0049, 1000984-36.2020.8.11.0049), além de possuírem contra si execuções penais em curso (SEEU nºs 2000028-66.2021.8.11.0049 e 2000032-06.2021.8.11.0049). No que concerne ao denunciado RAFAEL, embora não figurasse como alvo direto da aludida operação, restou evidenciado seu vínculo associativo com os demais, com o objetivo de comercializar entorpecentes. Após sua autuação, ele prosseguiu na prática delitiva, sendo novamente preso em flagrante, nos dias 13 e 25 de janeiro de 2024, respectivamente, nos autos dos processos nºs 1000053-91.2024.8.11.0049 e 1000182-96.2024.8.11.0049. Durante as buscas no imóvel, foi encontrada uma porção de substância análoga à maconha, acondicionada sob o sofá da sala, a qual foi informalmente atribuída por CLARA a RAFAEL. No quarto do casal WILTON e CLARA, localizaram-se 23 (vinte e três) porções de substância semelhante ao crack, escondidas em um aparelho de som, além de 07 (sete) porções de substância análoga à cocaína. Ademais, foram apreendidos no interior da residência 02 (duas) balanças de precisão, um pacote de embalagens compatíveis com aquelas utilizadas para acondicionar os entorpecentes, uma máquina de cartão de crédito e a quantia de R$ 1.251,00 (mil duzentos e cinquenta e um reais) em espécie. Em sede de interrogatório, CLARA atribuiu a propriedade das drogas a seu companheiro WILTON, alegando que este seria o responsável pela aquisição e comercialização. Contudo, restou comprovado seu envolvimento ativo na prática delitiva, visto que, conforme os relatórios investigativos, ela utilizava a própria residência para armazenar os entorpecentes adquiridos por WILTON, demonstrando plena ciência e adesão à atividade ilícita. Por sua vez, RAFAEL desempenhava o papel de vendedor na chamada “modalidade formiguinha”, distribuindo pequenas quantidades de drogas, especialmente no período noturno, e persistindo na traficância mesmo após as prisões dos comparsas, como se confirmou nas prisões subsequentes. Assim, os mandados de prisão preventiva em desfavor de WILTON e CLARA foram devidamente cumpridos. Já RAFAEL foi inicialmente autuado, mas liberado pela Autoridade Policial. Ao final da investigação, todos foram formalmente indiciados pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. [Denúncia, ID 264709477]. Regularmente processada a ação penal, os réus CLARA, RAFAEL e WILTON foram condenados pela prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, diante do que exsurgem inconformados perante esta Corte de Justiça, objetivando a reforma do decisum. Feitos os apontamentos necessários, passo à análise das teses recursais. I – PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO DO NARCOTRÁFICO EM PROL DA APELANTE CLARA E PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DESCRITA NO ART. 28, CAPUT, DA LEI N.º 11.343/2006 EM BENEFÍCIO DO ACUSADO RAFAEL: As Defesas sustentam não estarem comprovadas as autorias do delito, haja vista a fragilidade dos elementos de convicção arrecadados no decorrer da persecução penal, motivo por que almeja a formalização de um decreto absolutório em prol da apelante CLARA, à vista da insuficiência de provas (art. 386, inciso VII, do CPP) e a desclassificação para o crime de porte de drogas para consumo pessoal quanto ao recorrente RAFAEL. Pois bem. A materialidade do delito de tráfico de drogas encontra-se patenteada pelo auto de prisão em flagrante delito (ID 264709417), pelo boletim de ocorrência (ID 264709419), pelo auto de constatação de substância entorpecente (ID 264709435), pelo relatório de busca e apreensão (ID 264709436), pelo auto circunstanciado de cumprimento de mandado de busca e apreensão e autos de arrecadação e lacre (ID 264709437), pelo auto de apreensão (ID 264709440), pelo Relatório Técnico nº. 001/ARI/10CR/PMMT (ID 264709471), Relatório Policial (ID 264709473), pelo laudo pericial nº. 523.3.10.0131.2023.155214-A01 (ID 264709469) atestando que o material confiscado apresentou resultado positivo para a presença de cocaína e maconha, substâncias de uso proscrito no território brasileiro; além da prova oral colhida na fase extrajudicial e em juízo. Ainda quanto à ocorrência material do delito, embora os apelantes não tenham sido surpreendidos enquanto praticavam efetivos atos de comercialização das drogas, esclareça-se que o crime de tráfico é classificado pela doutrina como infração de natureza mista alternativa ou de ação múltipla, cuja configuração prescinde que o agente realize a mercancia em si do produto ilícito, bastando para a sua caracterização que aquele mantenha em depósito narcóticos com finalidade mercantil, o que, por si só, já se amolda aos verbos nucleares contidos na previsão típica do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006. Não é outro o entendimento consolidado neste e. Sodalício estadual através do Enunciado Orientativo n.º 07 da Jurisprudência Uniformizada da Turma de Câmaras Criminais Reunidas, cuja redação dispõe, in verbis: “07. O delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, é classificado como de ação múltipla ou misto alternativo e, portanto, consuma-se com a prática de qualquer das condutas nele descritas”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. Disponibilizado no DJE n.º 9998, de 11/04/2017) – Grifei. No que concerne às autorias, embora os apelantes CARLA e RAFAEL, na seara policial (ID 264709432 e ID 264709451) e sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (Relatório de mídias, ID 266607337), tenham negado qualquer envolvimento com o comércio malsão, inclusive o apelante RAFAEL declarado ser usuário de drogas; após analisar detidamente os elementos de cognição arrecadados ao caderno processual, deparo-me com provas suficientes para atestar, além de qualquer dúvida razoável, que ambos eram os proprietários dos narcóticos apreendidos e que as drogas destinavam-se à comercialização. Conforme se extrai do depoimento do delegado de polícia Gustavo Ataíde Fernandes Santos, em juízo, ao assumir suas funções na cidade de Vila Rica, já havia investigações em curso relacionadas ao tráfico de drogas, sendo identificada a atuação predominante da facção criminosa Comando Vermelho. Relatou que, em trabalho conjunto com a Polícia Militar e com base em informações colhidas junto à comunidade, foi possível identificar lideranças da organização criminosa, bem como a atuação de pessoas batizadas (integrantes formais da facção) e de “primos”, expressão usada para designar aqueles que, mesmo não batizados, colaboram com o tráfico, havendo ainda a figura do “primo fiel”, que se dedica exclusivamente à facção, ainda que sem batismo. Especificamente quanto aos réus CLARA e Wilton, informou que já havia uma investigação anterior envolvendo CLARA, mas que, nos meses que antecederam a operação denominada “Guardiões”, constatou-se que a residência do casal funcionava como um “cofre” de drogas, onde eram armazenados entorpecentes oriundos de outras localidades para posterior distribuição nos chamados “pontos de venda” da facção. Acrescentou que CLARA seria classificada como “prima leal”, em razão da dedicação exclusiva à facção, não apenas armazenando, mas também vendendo entorpecentes, em especial com a intermediação de uma usuária conhecida como Érica, que também realizava vendas para sustentar seu vício. Declarou que RAFAEL, outro réu no processo, foi preso uma ou duas vezes após a operação, tendo sido identificado como pessoa que buscava drogas na casa de CLARA e as distribuía utilizando uma motocicleta. Ressaltou que participou do cumprimento do mandado de busca na residência de CLARA, tendo iniciado a diligência, mas se ausentado momentaneamente para dar cumprimento ao mandado de prisão de outro indivíduo. Quando retornou à residência da ora recorrente, foi informado de que o policial Romário havia localizado os entorpecentes no quarto de CLARA, escondidos dentro de uma caixa de som. Informou ainda que houve monitoramento prévio da movimentação no local, com o apoio de outros investigadores, tendo ele próprio observado a movimentação de usuários e uma motocicleta similar à utilizada por RAFAEL. Afirmou que essas diligências ocorreram antes da deflagração da operação policial. [Relatório de Mídias, ID 264709568]. Em sintonia com as declarações acima expostas, o investigador de polícia Antônio Carlos da Silva Souza, judicialmente, narrou que participou da diligência policial realizada no âmbito da operação denominada “Guardiões”, que teve como alvos CLARA, Wilton e RAFAEL. Relatou que a diligência foi realizada em conjunto com a Polícia Militar e que, ao chegarem à residência dos investigados, após cientificarem os moradores sobre a ordem judicial, procederam às buscas, tendo sido encontrados entorpecentes escondidos no sofá da casa e, posteriormente, em uma caixa de som localizada no quarto, totalizando, segundo se recorda, vinte e três porções de substância análoga ao crack, além de uma balança de precisão, uma maquininha de cartão e materiais comumente utilizados para embalagem de drogas. Informou que não participou da fase de investigação anterior à operação, tendo atuado apenas no cumprimento da diligência, sob coordenação do delegado Gustavo, responsável pelas investigações. Confirmou que os investigados já possuíam extensa ficha criminal. Afirmou que, no momento da apreensão, outros policiais atuavam em diversos pontos da residência e que, após ser informado sobre a localização dos entorpecentes, dirigiu-se ao local e constatou a droga na caixa de som, situada no quarto utilizado por CLARA e seu marido Wilton. Informou que não se recorda se algum dos presentes assumiu a propriedade do material apreendido, mas que, diante do local onde os objetos foram encontrados – quarto de uso exclusivo do casal –, não restou dúvida para a equipe sobre a vinculação da droga àqueles ocupantes. Questionado pela defesa, respondeu que não poderia afirmar se Wilton Ricardo ou RAFAEL eram usuários de drogas, pois nunca presenciou qualquer consumo por parte deles. Também declarou não se lembrar se algo foi dito especificamente sobre a droga encontrada no sofá e se CLARA teria feito alguma declaração quando apontou o local onde o entorpecente foi localizado, embora tenha mencionado que essa atitude poderia indicar reconhecimento da posse. [Relatório de Mídias, ID 264709568]. O policial civil André Lázaro da Silva, em juízo, asseriu que participou da diligência policial realizada no âmbito da operação denominada “Guardiões”, a qual envolveu a prisão de CLARA, Wilton Ricardo e RAFAEL. Informou que integrava a equipe composta ainda pelo delegado Gustavo, os investigadores Andressa e Antônio, o capitão Amaro, o soldado Jonathan e o policial Romário. Relatou que, ao chegarem à residência de CLARA e Wilton, deram ciência aos moradores sobre o mandado judicial e iniciaram as buscas. Declarou que, na sala, foi encontrada, debaixo do sofá, uma pequena porção de substância análoga à maconha, localizada pela investigadora Andressa, e, no quarto do casal, foram localizadas diversas outras porções de substâncias análogas a crack e maconha, além de aproximadamente doze aparelhos celulares. Esclareceu que CLARA e Wilton já eram conhecidos da equipe por envolvimento anterior com o tráfico de drogas, sendo que a apelante já havia sido presa por esse motivo anteriormente, por volta de 2015 ou 2016, na localidade do Vila Nova. Afirmou que houve monitoramento da residência, realizado por outras equipes, com a realização de campanas mais de uma vez. Questionado sobre possível uso de drogas por parte de Wilton ou RAFAEL, disse não se recordar em relação a Wilton, e que Rafael, embora alegasse ser usuário, não apresentava sinais de uso no momento da abordagem, a qual ocorreu por volta das seis horas da manhã, quando todos os ocupantes da residência ainda estavam dormindo. [Relatório de Mídias, ID 264709568]. O policial militar Jhonatan Romário de Almeida dos Reis, na etapa judicial, declarou que participou da diligência realizada no âmbito da operação “Guardiões”, conduzida em trabalho conjunto entre as polícias militar e civil, que culminou na prisão de CLARA, Wilton Ricardo e RAFAEL. Informou que, ao adentrar a residência dos investigados, localizou, debaixo do sofá da sala, uma porção de substância análoga ao crack, a qual, segundo a própria CLARA, pertenceria a RAFAEL. Declarou que, posteriormente, prosseguiram com as buscas no quarto do casal CLARA e RICARDO, onde encontraram em cima do guarda-roupa, dentro de uma pequena caixa, diversos materiais, incluindo máquina de cartão, aparelhos celulares, itens comumente utilizados para embalar entorpecentes e uma chave de fenda. Relatou que, durante a diligência, CLARA apresentava comportamento evasivo, tentando distraí-lo com perguntas sem sentido, dizendo-se mal e tentando afastá-lo da área próxima à cama, onde posteriormente foi localizada grande quantidade de droga. Contou que, ao inspecionar uma caixa de som no quarto, notou que os parafusos da tampa do dispositivo de volume estavam violados, e que a chave de fenda encontrada se encaixava perfeitamente nesses parafusos. Após desmontar o aparelho, encontrou uma caixa de papelão que ocupava todo o espaço interno do objeto, contendo diversas porções de substâncias análogas à maconha e à pasta base de cocaína, além de dinheiro. Afirmou que CLARA acompanhava a busca e, ao perceber a apreensão dos entorpecentes, demonstrou nervosismo. Declarou ainda que solicitou apoio aos demais policiais, que estavam na cozinha, e que foi feita a retirada do material encontrado. Acrescentou, ao final, que já conhecia os conduzidos por atuações anteriores no combate ao tráfico de drogas. [Relatório de Mídias, ID 264709568]. Saliente-se que o fato de as testemunhas consistirem nos policiais civis e militares que oficiaram na fase investigativa não mitiga a credibilidade ou elide a idoneidade dos seus depoimentos judiciais, que, além de deterem fé pública, foram prestados mediante o compromisso legal de que trata o art. 203 do CPP; sendo de se pontuar a inexistência nos autos de qualquer indicativo capaz de evidenciar que, aos agentes estatais, interessaria implicar gratuita e injustificadamente os réus no evento ilícito. A respeito do tema, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT editou, em sede de uniformização de jurisprudência, o Enunciado Orientativo n.º 08, cuja redação dispõe, ipsis litteris: “08. Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (TJMT, Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE nº 9998, de 11/04/2017) – Grifei. Logo, considerando que, no presente caso, os depoimentos judiciais dos agentes de segurança pública estão em consonância com as demais provas colhidas na fase administrativa – no sentido de que a apelante CLARA e seu companheiro Wilton Ricardo, estavam envolvidos com o comércio de entorpecentes, bem como foram monitorados e foi expedido em desfavor deles mandado de busca e apreensão; e no fatídico dia, durante cumprimento dessa ordem judicial, no imóvel, além desse casal alvo da operação, se encontrava o recorrente RAFAEL. Durante as buscas na residência foram encontrado, além das drogas – 25 (vinte e cinco) porções de cocaína equivalentes a 492,05g (quatrocentos e noventa e dois gramas e cinco centigramas), 07 (sete) porções de maconha, com peso total de 540,58g (quinhentos e quarenta gramas e cinquenta e oito centigramas) e 02 (duas) porções pesando 4,43g (quatro gramas e quarenta e três centigramas) de cocaína –; o valor de R$ 1.251,00 (um mil, duzentos e cinquenta e um reais), duas balanças de precisão, uma máquina de cartão crédito/débito e inúmeros aparelhos celulares. Diante desse conjunto probatório, não há fundamento para absolvição ou para a desclassificação da conduta para aquela prevista no art. 28 da Lei n.º 11.343/06, uma vez que os elementos de prova são suficientes para enquadrar a conduta dos apelantes na figura típica do art. 33, caput, da referida legislação. Sobre as provas dos autos, alega ainda a defesa da apelante CLARA que as provas produzidas são inadmissíveis, ou seja, nulas, sem, contudo, indigitar quais elementos concretos nos autos indicariam a imprestabilidade do conjunto probatório. Além dos depoimentos dos policiais civis e militares, fora acostado ao feito, relatórios de inteligência policial contendo as investigações e a análise dos dados extraídos dos celulares e os diálogos captados nas interceptações telefônicas de investigados na “Operação Guardiões”, cujos documentos foram confeccionados e lavrados por investigadores da Polícia Civil, no exercício de seu múnus público, tratando-se assim de documentação presumidamente autêntica e dotada de fé pública, que não pode ser desconstituída pela simples alegação não comprovada de serem nulos. A propósito: “1. Nos termos da orientação desta Corte Superior, é despicienda a realização de perícia a fim de comprovar a fidedignidade das gravações, que são presumidamente autênticas, possuindo fé pública os agentes policiais envolvidos na operação. Tal entendimento independe da forma de transmissão das interceptações, se oriundos de gravações de áudio ou captação de mensagens de texto. Precedentes”. (AgRg no RHC n. 129.003/MT, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/10/2020, DJe de 20/10/2020) – Destaquei. “3. No caso, diante da coleta imediata do conteúdo probatório durante a busca e apreensão, autorizada por decisão judicial, não é possível afirmar que houve quebra da cadeia de custódia. Além disso, não se pode presumir eventual má-fé dos agentes públicos no manuseio das provas. Portanto, não houve a ilegalidade apontada”. (AgRg no AREsp n. 2.511.249/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/10/2024, DJe de 17/10/2024) – Grifei. Não por outra razão, entende o e. Tribunal da Cidadania que “não cabe ao Poder Público demonstrar a autenticidade das interceptações, mas sim à parte impugnar a veracidade das mídias, com fundamento em elementos concretos” (HC n. 284.574/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 3/5/2016, DJe de 10/5/2016) – Negritei. Por fim, mesmo que assim não fosse, destaque-se que a atual jurisprudência das Cortes Superiores preconiza que, mesmo as nulidades denominadas absolutas, terão seu reconhecimento condicionado à demonstração de efetivo prejuízo acarretado à parte, sem o qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief). Na hipótese, considerando que a condenação não se embasa unicamente nas provas tidas por viciadas, especando-se também sobre outros elementos probatórios, a exemplo dos depoimentos prestados em juízo pelas testemunhas, resta inarredável concluir pela inexistência, in casu, do prejuízo de que trata o art. 563 do CPP. Nesse sentido, mutatis mutandis: “3. Além disso, mesmo que assim não fosse, a condenação do acusado não se baseou única e exclusivamente nos dados extraídos do celular em questão, mas em uma série de outros elementos, devidamente acostados aos autos, não podendo falar em ilicitude por derivação das demais provas (‘Teoria da árvore envenenada’) e, muito menos, em nulidade absoluta do processo”. (AgRg no REsp 1853702/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 30/06/2020) – Destaquei. Retomando a análise probatória, a fim de melhor compreender o real significado da quantidade de entorpecentes apreendidos – 492,05g de COCAÍNA e 540,58g de MACONHA –, mostra-se oportuno recorrer à lição do eminente Ministro Alexandre de Moraes: “Lembremo-nos de que a noção de grande ou pequena quantidade varia de substância para substância. Por exemplo, no caso da cocaína consumida por via endovenosa, uma dose equivale a 0,01 grama, enquanto por aspiração a dose corresponde a 0,1 grama, diferentemente, em um cigarro de maconha há 0,33 grama da citada substância entorpecente”. (Moraes, Alexandre de. Legislação Penal Especial, 10ª Edição, São Paulo, Atlas, 2007, p. 114). (Grifei). Outrossim, curial ponderar que o fato de ser o réu RAFAEL usuário de drogas, condição essa alegada por ele em juízo, não obsta a compreensão de que poderia, em concomitância com a satisfação da dependência química, traficar entorpecentes, inclusive para manter o vício. A propósito, nos termos do Enunciado Orientativo n.º 03 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT, “a condição de usuário de drogas não elide a responsabilização do agente pelo delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006”. Com tais considerações, à luz do princípio da persuasão racional, estou convencido de que as provas produzidas no curso de ambas as etapas da persecução criminal são suficientes para demonstrar as autorias de CLARA CAVALCANTE SOARES e RAFAEL SANTOS MARTINS pelo crime do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, com todas as elementares que lhe são inerentes, a inviabilizar o acolhimento da pretensão absolutória, assim como da almejada desclassificação da conduta para a de uso de drogas. Mantém-se, pois, as condenações em que incursionados os sentenciados. II – DOS PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS EM PROL DE TODOS OS RECORRENTES: Como é cediço, o crime de associação para o narcotráfico configura-se mediante a associação, de duas ou mais pessoas, voltada para o fim (liame subjetivo) de praticar, reiteradamente ou não, algum ou vários dos crimes previstos no art. 33, caput e §1º, e art. 34 da Lei n.º 11.343/06, sendo prescindível, contudo, a efetiva ocorrência material de qualquer das infrações visadas pelos associados. Demais disso, para a subsunção do fato à norma, consentem a jurisprudência e a doutrina pátrias que se exige ainda a estabilidade e a permanência da associação, estreitamente vinculadas à finalidade delituosa específica, de forma que a caracterização deste crime não se contenta com o simples dolo de agir conjuntamente, em concurso, para a prática de um ou mais crimes, sendo indispensável o dolo específico de associar-se de forma permanente e estável, entendimento consolidado no âmbito deste Sodalício, tanto que editado o Enunciado Orientativo n.º 05, aprovado pela TCCR/TJMT, in verbis: “5. Para a configuração do crime de associação para o tráfico de drogas, impõe-se a comprovação inequívoca da estabilidade e perenidade do ânimo associativo, sendo prescindível, contudo, a efetiva prática da traficância”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE n.º 9998, de 11/04/2017) – Grifei. Dito de outra forma, a incursão do agente nas penas de associação para o tráfico de drogas exige a presença da intenção de permanência na societas sceleris, que não deve ser confundida com as hipóteses de mera coautoria. Nessa linha de raciocínio, leciona Guilherme Nucci que “exige-se elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de associação, de caráter duradouro e estável. Do contrário, seria um mero concurso de agentes para a prática do crime de tráfico” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 362). No presente caso, os elementos probatórios contidos nos autos demonstram suficientemente o vínculo associativo prévio e estável entre CLARA, WILTON e RAFAEL para a prática do tráfico de drogas. Em primeiro lugar, destaca-se o depoimento do delegado Gustavo Ataíde Fernandes Santos, responsável pelas investigações que culminaram na deflagração da “Operação Guardiões do Xingu”. Conforme seu relato, as investigações apontaram que CLARA e WILTON eram traficantes ativos em Vila Rica, utilizando sua residência para acondicionar drogas obtidas de outras localidades, as quais seriam posteriormente distribuídas a “bocas de fumo” na cidade. O delegado afirmou, ainda, que CLARA exercia o papel de “prima fiel” do Comando Vermelho, atuando exclusivamente para essa organização criminosa na guarda e distribuição de entorpecentes. Já em relação a RAFAEL, o delegado explanou que, apesar de não ter sido alvo inicial das investigações, ficou evidenciado posteriormente que ele estava associado a CLARA e WILTON, sendo responsável pela distribuição das drogas armazenadas na residência do casal. Esses depoimentos foram corroborados pelas demais testemunhas policiais ouvidas, que narraram de forma harmônica os fatos relacionados à busca e apreensão realizada na residência do casal CLARA e WILTON, onde foram encontradas diversas porções de crack, maconha e cocaína, além de apetrechos típicos do comércio de entorpecentes, como balança de precisão, embalagens para acondicionar drogas e valores em espécie. Tem-se dos relatórios policiais acostados ao feito (ID 264709471 e ID 264709473), que foi realizado levantamento pela Agência Regional de Inteligência dos pontos de tráfico de drogas na comarca de Vila Rica, após recebimento de inúmeras denúncias anônimas e informações de colaboradores, que culminou em monitoramentos, trocas de informações com outras forças de segurança pública e identificação de vários alvos, cujo “Alvo 09” restou identificado como o casal Clara e Wilton. Segundo o relatório técnico, “o casal em questão já atua há um tempo considerável no Tráfico Ilícito de Drogas, visto que desde o ano de 2015 tem se registro policiais quando foram presos em flagrante praticando a mercancia de entorpecente conforme B.O nº 2015.180579. No mesmo ano, em dezembro de 2015, Wilton Orlandini participou de um motim de presos no presídio Major Zurzi em Água Boa onde de encontrava recluso. Em 06 de janeiro de 2018, o casal foi preso novamente comercializando entorpecentes em sua residência em Vila Rica conforme B.O nº 2018.6125. Posteriormente, em 12 de março de 2020, Wilton foi preso com outros suspeitos comercializando drogas em uma residência no bairro Tiradentes II em Vila Rica consoante B.O 2020.75005. Recentemente tem-se informações que Clara e seu esposo Wilton são donos de uma boca de fumo na rua das Acácias próximo ao Ginásio Bezerrão, entretanto quem fica no local realizando as vendas é a suspeita Erica, a qual além de realizar as vendas faz uso de entorpecente. [...]”. Ainda consta no relatório, que “CLARA CAVALCANTE SOARES e seu amásio WILTON RICARDO ORLANDINI, atualmente são um dos traficantes mais ativos de Vila Rica, devido ao vasto tempo de mercancia de drogas na cidade, suas várias passagens e condenação por tráfico, acabou por adquirir uma expertise neste tipo de crime, nenhum outro traficante mudou tanto de endereço de suas bocas de fumo nesse último ano quanto CLARA. (...)”. Outrossim, o relatório de extração de dados do celular de Aurio dos Santos Teixeira (um dos investigados da “Operação Guardiões”), trazido aos autos como prova emprestada, revelou que CLARA (conhecida como “Laís”), WILTON e RAFAEL (apelidado de “Brizola”) integravam um mesmo grupo no aplicativo WhatsApp dedicado à comercialização de drogas. Conforme descrito no relatório, Clara exercia papel de liderança na “organização, distribuição e cobrança” da venda de entorpecentes, enquanto Rafael era um dos responsáveis pelas entregas. À guisa de contextualização, no caso concreto, colaciono trechos dos diálogos relevantes interceptados pela Polícia Judiciária Civil, os quais foram mencionados pelo i. magistrado de primeira instância, com o fito de demonstrar a atividade comercial e societária dos recorrentes, in verbis: [Sentença, ID 264709588, p. 8-9], in verbis: “[...] Por meio do relatório, foram identificadas as pessoas de Clara Cavalcante Soares utilizando o vulgo “Lais” e Rafael Santos Martins utilizando os vulgos “Brizola” e “Negão do pé de manga”. Na pág. 06 do id. 164963378, verifica-se: Já na troca de mensagens da (foto 2), é possível perceber que há mais mensagens enviadas do celular do suspeito em que pede para uma pessoa com vulgo “Lais” sendo na verdade “Clara Cavalcante Matos”, traficante já conhecida no meio policial, pois já possui passagens por tráfico de drogas na cidade, nas mensagens é pedido para que ela busque uma quantia de 300,00 referente a uma outra caixa. Sendo o termo caixa usado pelos integrantes para se referir a remessas de drogas. Nas págs. 14 e 21 do mesmo relatório: Pág. 14 - Foi possível constar durante as análises, que ela é a responsável pela “ORGANIZAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO e COBRANÇA” da venda de entorpecentes feitas pelos traficantes do grupo, com o apoio de “Lais” (Clara Cavalcante) exercendo assim o papel de liderança frente aos demais membros, ficando tais situações visíveis nas imagens abaixo em que mostra ela organizando a distribuição de drogas entre os traficantes. Pág. 21 - Percebe-se também que no grupo está CLARA CAVALCANTE SOARES, vulgo “LAIS”, traficante com uma vasta ficha criminal e já citada anteriormente neste relatório. Um ponto importante que foi possível notar, é que Clara Cavalcante Matos (Lais) também exerce um papel importante na organização criminosa, ficando não só como traficante na venda de entorpecentes, mas também atua como auxiliar de Letícia, a vulgo “PRADA, DONA BRANCA” na administração dos demais traficantes, situação que fica demostrado em dois áudios enviados por “Clara” no grupo. Em relação ao réu Rafael Santos Martins, foi descortinado do respectivo relatório (págs. 23 a 25): Suspeito de vulgo “BRIZOLA”, trata-se de “Rafael Santos Martins”, traficante também já conhecido no meio policial, sobrinho da traficante “CLARA CAVALCANTE SOARES”, tendo já algumas passagens policiais por tráfico de drogas, sendo inclusive preso em flagrante com drogas durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão da operação que culminou na apreensão do aparelho em que foram feitas as análises. Como forma de clarear seu envolvimento na venda de drogas e sua participação na ORCRIM, mostraremos nas imagens abaixo que seu vulgo também consta no grupo dos vendedores de entorpecentes. Como se vê, “BRIZOLA” chega a responder “PRADA” após ela pedir vídeos das mercadorias (DROGAS) de todos, tendo ele respondido com a seguinte mensagem: “A minha não tá de cima”. (Sendo essa frase utilizada para informar que a droga está escondida). Já em outro momento, ele posta a figura de uma caixa no grupo, sendo tal figura utilizada por “PRADA” quando faz a distribuição de remessas de drogas para os traficantes do grupo. Como informado anteriormente, Rafael (Brizola) chegou a ser conduzido no dia da operação policial, porém foi liberado. Outro ponto importante e que merece ser citado, é que ele foi preso em flagrante pouco tempo depois, mais precisamente no dia 25/01/2024 às 23:00, pelo crime de tráfico de drogas. Conforme se nota no boletim de ocorrência2024.25942.” Dessa forma, os depoimentos testemunhais, aliados aos elementos colhidos durante as investigações, comprovam de maneira robusta que CLARA, WILTON e RAFAEL estavam previamente associados, de modo estável e permanente, com a finalidade específica de traficar drogas em Vila Rica, preenchendo os requisitos para a configuração do delito previsto no art. 35 da Lei de Drogas. A estabilidade e permanência da associação criminosa ficam evidenciadas pelo fato de que os acusados se dedicavam profissionalmente à atividade ilícita, o que é corroborado pela apreensão de vultosa quantidade de entorpecentes, dinheiro e apetrechos destinados ao tráfico, bem como pelas informações de que o casal CLARA e WILTON já era conhecido das autoridades policiais por envolvimento reiterado com o comércio de drogas na região. Nesse contexto, os requisitos legais para a caracterização do delito de associação para o tráfico encontram-se amplamente satisfeitos, motivo pelo qual não merece provimento a pretendida absolvição. III – DO RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA EM BENEFÍCIO DO APELANTE RAFAEL: Nesse ponto, a Defesa pretende o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea em benefício do apelante Rafael em relação ao delito previsto no art. 33, caput, da Lei nº. 11.343/06. Melhor sorte não lhe assiste. Quanto à circunstância atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, não há maiores incursões a serem realizadas, porquanto incontroverso que o recorrente em nenhum momento confessou o comércio malsão. Na hipótese, RAFAEL SANTOS MARTINS na fase inquisitiva se reservou ao direito constitucional de permanecer em silêncio (ID 264709451) e em juízo (Relatório de Mídias, ID 264709568) negou envolvimento com o tráfico de drogas ou associação para o tráfico, afirmando que não praticava tais condutas, tampouco os demais corréus Wilton Ricardo e Clara. Afirmou que estava na residência apenas para fazer uso de entorpecentes, tendo chegado ao local na madrugada do dia da operação, vindo da fazenda onde trabalhava. Disse que costuma residir esporadicamente na casa de Clara, especialmente quando retorna da zona rural, e que seu colchão ficava na sala da residência. Relatou que, no momento da abordagem, estava utilizando drogas no banheiro. Reconheceu que a porção de droga encontrada no sofá era de sua propriedade, adquirida na rua para consumo pessoal, e negou saber da existência das demais substâncias encontradas na casa, especialmente no quarto do casal Clara e Ricardo. Afirmou manter relacionamento familiar com Clara, dizendo ser seu sobrinho de sangue por parte de mãe, e que frequentava sua casa desde outubro de 2019, quando retornou a Vila Rica após internação para tratamento de dependência química em Cuiabá. Informou que Wilton Ricardo também é usuário de drogas, mas negou que ele ou Clara guardassem ou comercializassem entorpecentes no imóvel; o que não é suficiente para configuração da atenuante do artigo 65, III, “d”, do Código Penal. E sobre a não incidência da atenuante em tais casos, sedimentou a novel Súmula nº. 630 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Súmula 630: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio.” Logo, de rigor a rejeição do pleito de incidência da atenuante da confissão espontânea. IV – DO RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, §4.º, DA LEI N.º 11.343/06) EM BENEFÍCIO DO APELANTE RAFAEL: Em outra vertente, o apelante RAFAEL busca o reconhecimento do tráfico privilegiado em seu favor, alegando que preenche os requisitos para a incidência da benesse, em sua fração máxima de 2/3 (dois terços). Como é cediço, a incidência da minorante comumente denominada de “tráfico privilegiado” condiciona-se, por força da própria previsão legal, ao preenchimento cumulativo de quatro requisitos indispensáveis, a saber, (i) que o agente seja primário; (ii) com bons antecedentes; (iii) não se dedique às atividades criminosas; e (iv) não integre organização criminosa. Isto porque, a teleologia do redutor diz respeito ao caráter esporádico da conduta típica realizada pelo agente e pressupõe que o beneficiário não ostente sinais objetivos de que faz do crime uma profissão, circunstância que deverá ser aferida casuisticamente, com base nos múltiplos aspectos que permeiam o caso concreto. Na hipótese, é evidente que RAFAEL não faz jus à aplicação do redutor de pena, ante a sua nítida dedicação a atividades criminosas, demonstrada pelo fato de que foi condenado pelo delito de associação para o tráfico de drogas (art. 35, Lei n.º 11.343/2006), condenação esta que está a ser ratificada nesta instância ad quem. A propósito, sabe-se que a condenação concomitante pelo delito de tráfico de drogas e associação para o narcotráfico, na mesma ação penal, basta para evidenciar a dedicação do agente a atividades delituosas. Nesse sentido, a jurisprudência do e. STJ é iterativa: “5. Mantida a condenação pelo crime de associação para o tráfico, não há se falar em aplicação da minorante do tráfico privilegiado. De fato, é assente nesta Corte Superior o entendimento no sentido da incompatibilidade entre o benefício destinado a pequenos traficantes e o crime de associação para o tráfico, por evidenciar a dedicação dos acusados a atividades criminosas”. (AgRg no HC n. 830.929/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023) – Destaquei. “V - Mantida a condenação por associação para o tráfico de entorpecentes, fica prejudicado o pedido de aplicação da redutora capitulada no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 em favor da paciente, em razão do não preenchimento dos requisitos legais cumulativos”. (AgRg no HC n. 801.329/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 28/4/2023) – Destaquei. É também o posicionamento deste e. Sodalício estadual: “3. A associação dedicada ao crime de tráfico ilícito de drogas provada na persecução penal, afasta o privilégio do §4º, artigo 33, da Lei 11.343/06”. (N.U 1009177-81.2022.8.11.0045, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 16/07/2024, Publicado no DJE 19/07/2024) – Negritei. Some-se a isso o fato de que a condenação do recorrente pelo delito de associação para o tráfico decorre de provas contundentes de que ele já vinha se dedicando há tempos ao comércio malsão, a exemplo dos relatórios policiais e dos depoimentos judiciais dos investigadores e delegado da Polícia Civil. Com tais considerações, refuta-se a aplicação do privilégio, julgando-se prejudicados, pois, os pedidos de abrandamento do regime inicial. V – DO ABRANDAMENTO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA À RÉ CLARA: Fixada pelo juízo a quo a pena final e definitiva da apelante CLARA CAVALCANTE SOARES em 9 anos e 4 (quatro) meses de reclusão, foi estabelecido o regime inicial fechado para o seu cumprimento em razão da reincidência, com desconsideração do tempo de prisão provisória porquanto não teria o condão de interferir no modo de expiação da pena, em razão do quantum de reprimenda e do fato de o regime inicial mais gravoso ser consectário da agravante em questão. Com efeito, a prisão cautelar da apelante ao tempo da sentença, não faz jus à regime diverso do fechado, visto que se trata de reincidente condenada à pena superior a 4 (quatro) anos de reclusão, cuja finalidade do regime inicial mais gravoso é punir com mais rigor aquele que já esteve sob a tutela estatal e o tempo correspondente não lhe foi suficiente à ressocialização, tampouco a obstar sua nova incursão em outras condutas delitivas; tudo em conformidade com o disposto no enunciado nº. 269 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos, se favoráveis as circunstâncias judiciais”. – grifei. Nesse sentido: “(...) 4. A condição de reincidente, per si, já representa um grande argumento ao recrudescimento do regime carcerário tendo em vista ser instituto que tem o propósito de conferir maior reprovabilidade à conduta do agente que volta a delinquir, visto que compete ao Estado a atividade punitiva, bem como a de prevenir a ocorrência de novos ilícitos. 5. Assim, tendo em vista o quantum de pena fixado ao agravante, superior a 4 anos, a recidiva torna imperiosa a fixação do modo mais radical para o início da execução da pena reclusiva, de acordo com o art. 33 do Código Penal (...)” (AgRg no HC n. 644.232/SP, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 13/5/2021). Destaquei. Registre-se, outrossim, que embora o período de prisão cautelar não se destine, neste caso, a assegurar à apelante um regime inicial mais benéfico, será devidamente considerado no âmbito da execução penal, nos termos do art. 42 do Código Penal e art. 66, III, c, da Lei n.º 7.210/84. Portanto, não há falar em abrandamento do regime prisional imposto pelo juízo monocrático, muito menos em substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ante o não preenchimento dos requisitos do art. 44 do Código Penal. VI –DA PRISÃO DOMICILIAR À ACUSADA CLARA: Por fim, a apelante CLARA invoca o art. 318, V, CPP para pedir a substituição pela prisão domiciliar, alegando que tem filhos menores e que sua genitora está acometida com doença grave. O pleito desmerece melhor sorte. Como se sabe, o art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal permite a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar quando a pessoa segregada for “mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos”. Ademais, a concessão da benesse condiciona-se ainda à inexistência de outros responsáveis pelo filho menor (inciso V). Quanto a existência de filhos menores (art. 318, V, CPP), a i. defesa trouxe à baila carteira de identidade e comprovante de inscrição CPF que atestam que a apelante possui 02 (dois) filhos menores, quais sejam, Dhemily Gabrielle, nascida em 07/12/2008, portanto, com 16 anos de idade (ID 264709625 - Pág. 2) e Bruno Fernando, nascido em 22/03/2014, portanto com 11 anos de idade (ID 264709625 - Pág. 1), de modo que este último menor é a único que se insere nas hipóteses do art. 318 do CPP e daria azo à prisão domiciliar. Por outro lado, como dito, o benefício humanitário depende da demonstração de que a presa é a única responsável pelos cuidados da menor, o que não ocorreu in casu. Pelo contrário, as próprias razões recursais narram que, atualmente, o infante se encontra sob os cuidados da avó materna, embora sustente que ela se encontra acometida por problemas de saúde, juntando apenas um exame de ultrassonografia (ID 264709626). Outrossim, a despeito da concessão do Habeas Corpus coletivo n.º 143.641/SP, em que o Supremo Tribunal Federal autorizou a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, o benefício é excepcionalmente vedado, nos casos em que a soltura da mãe colocaria em risco a própria criança, conforme modulação de efeitos da própria Suprema Corte. Mesmo porque, a prisão domiciliar prevista no art. 318, V, do CPP visa tutelar não a mulher segregada, mas sim os direitos da pessoa em peculiar condição de desenvolvimento. No caso, os entorpecentes foram encontrados e apreendidos na casa de CLARA e seu companheiro Wilton (genitor do menor), a qual funcionava como depósito de drogas e ponto de narcotráfico em Vila Rica. Tanto é que, no momento da prisão em flagrante – durante cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido em desfavor da recorrente –, foram surpreendidos no domicílio não só a ré, mas também os corréus Wilton Ricardo e Rafael, e a polícia localizou na vivenda relevante quantidade de drogas ilícitas - 25 (vinte e cinco) porções de cocaína equivalentes a 492,05g (quatrocentos e noventa e dois gramas e cinco centigramas), 07 (sete) porções de maconha, com peso total de 540,58g (quinhentos e quarenta gramas e cinquenta e oito centigramas) e 02 (duas) porções pesando 4,43g (quatro gramas e quarenta e três centigramas) de cocaína, além do valor de R$ 1.251,00 (um mil, duzentos e cinquenta e um reais), duas balanças de precisão, uma máquina de cartão crédito/débito e inúmeros aparelhos celulares, o que demonstra que a prisão domiciliar, com o retorno da mãe e da criança à coabitação no aludido imóvel, poderia colocar em risco a própria infante. Sobre o tema, já assentou o e. STJ: “7. No caso vertente, além da decisão que indeferiu o pedido de prisão domiciliar ter destacado que o delito imputado à paciente era cometido no interior de sua residência, onde vivia com sua filha, foram também encontrados, no local, substâncias entorpecentes e petrechos comumente utilizados no tráfico de drogas, tais como balança de precisão e bloco de notas contendo valores e anotações correlatas, situação que se enquadra nas exceções mencionadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 143.641/SP”. (HC n. 557.228/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 16/6/2020, DJe de 26/6/2020) – Grifei. “6. Na situação evidenciada nos autos, verifica-se excepcionalidade apta a revelar a inadequação da prisão domiciliar, considerando as circunstâncias do caso concreto, em que a agente utilizava a própria residência, onde morava com as filhas, para guardar as drogas, circunstância que justifica o afastamento da incidência da benesse”. (RHC n. 132.060/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 22/9/2020, DJe de 28/9/2020) – Destaquei. É também o posicionamento deste e. TJMT: “Mesmo após o julgamento, pelo STF, do HC coletivo de n. 143641/SP e a introdução, no Código de Processo Penal do art. 318-A, o STJ manteve o entendimento de que é possível negar a concessão de prisão domiciliar à mãe gestante e de crianças menores de 12 anos, segregada pela autoria dos delitos de Tráfico de drogas, quando a paciente demonstrar que a presença da genitora coloca os infantes em situação de risco. In casu, a paciente, embora genitora de seis filhos menores de idade, que estão atualmente sob a guarda do marido e dos pais, está segregada cautelarmente por vender drogas no ambiente familiar, na presença dos infantes e, como se não bastasse, descumpriu medidas cautelares anteriormente impostas em autos diversos, 15 dias antes dos fatos em voga”. (N.U 1003420-76.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 20/03/2024, Publicado no DJE 02/04/2024) – Destaquei. Logo, revela-se inviável o pedido de prisão domiciliar em benefício da apelante. VII – DO PREQUESTIONAMENTO: A título de prequestionamento, destaco que, muito embora “não se exige do julgador manifestação específica sobre cada um dos dispositivos legais invocados pelo recorrente, desde que a matéria tenha sido devidamente apreciada. (N.U 1001781-80.2021.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 07/11/2023, Publicado no DJE 09/11/2023), os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais referidos nas razões de apelação, relacionados que estão com as teses sustentadas neste recurso, foram devidamente observados e integrados à fundamentação deste voto, ficando, pois, expressamente prequestionados. CONCLUSÃO: Ante o exposto, conheço em parte dos recursos de apelação criminal interpostos autonomamente por CLARA CAVALCANTE SOARES e conjuntamente por RAFAEL SANTOS MARTINS e WILTON RICARDO ORLANDINI, e, no mérito, NEGO-LHES PROVIMENTO, mantendo inalterada a sentença proferida pelo Juízo da Segunda Vara da Comarca de Vila Rica/MT nos autos da Ação Penal n.º 1000218-41.2024.8.11.0049. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 21/05/2025
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