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Processo nº 1049114-65.2024.8.11.0001

ID: 260590926

Tribunal: TJMT Órgão: NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública Nº Processo: 1049114-65.2024.8.11.0001

Data de Disponibilização: 25/04/2025

Polo Ativo:

CRISTIANE REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO CRISTIANE ARAUJO CHAVES DA SILVA

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

EVANDIR PEREIRA RAMOS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS - GABINETE 2 SENTENÇA Processo n. 1049114-65.2024.8.11.0001 Requerente: CRISTIANE registrado(a) civilmente como… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS - GABINETE 2 SENTENÇA Processo n. 1049114-65.2024.8.11.0001 Requerente: CRISTIANE registrado(a) civilmente como CRISTIANE ARAUJO CHAVES DA SILVA Requerido: ESTADO DE MATO GROSSO PROJETO DE SENTENÇA Visto. Dispensado o relatório, nos moldes do art. 38 da Lei n. 9.099/95. 1049114-65.2024.8.11.0001 ajuizou reclamação cível em desfavor do ESTADO DE MATO GROSSO, sustentando o autor contratação temporária de professor, sendo que o réu deixou de efetuar o pagamento de férias e terço constitucional referente ao período de 30 dias e mais 15 dias que dizem respeito às férias do 1° Semestre, conforme dispõe o art. 54 da Lei Complementar n° 50 de 1998 do Estado de Mato Grosso, do período compreendido entre os anos de 2019 a 2021. Por sua vez, a parte ré não suscitou questões preliminares, e no mérito, pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na inicial. Mérito Trata-se de processo de menor complexidade e diante do desinteresse das partes na produção de outras provas, consoante os princípios da economia e celeridade processual, impõe-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, inciso I, do Novo Código de Processo Civil. Inicialmente é preciso estabelecer a premissa de que o autor exercia o cargo de professor, anexando documentos comprobatórios do período solicitado. O autor busca na presente ação a declaração da nulidade dos contratos temporários de prestação de serviços, bem como, a cobrança de férias e terço constitucional sobre 45 dias, sendo 30 (trinta) dias conforme legislação pátria e 15 (quinze) dias que dizem respeito às férias do 1° Semestre, conforme dispõe o art. 54 da Lei Complementar n° 50 de 1998 do Estado de Mato Grosso. Inicialmente, quanto à declaração de nulidade dos contratos temporários, renovados sucessivamente, segundo prevê o art. 37, II, da Constituição Federal, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, sendo que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, consoante prescreve o inciso IX do mesmo artigo 37 da CF/88. Com efeito, não basta o caráter precário ou temporário do contrato, impondo-se, para a sua validade, nos moldes do art. 37, IX, o “excepcional interesse público” da contratação e a sua previsão legal específica (“lei estabelecerá os casos”). Na esfera Estadual, a Lei Complementar n.º 04 define o que vem a ser necessidade temporária de excepcional interesse público e os prazos máximos de sua contratação, in verbis: Art. 264 Consideram-se como de necessidade temporária de excepcional interesse público as contratações que visem a: I - combater surtos epidêmicos; II - fazer recenseamento; III - atender a situações de calamidade pública; IV - substituir professor ou admitir professor visitante, inclusive estrangeiro, conforme lei específica do magistério; V - permitir a execução de serviço, por profissional de notória especialização, inclusive estrangeiro, nas áreas de pesquisas científica e tecnológica; VI - atender a outras situações de urgência que vieram a ser definidas em lei. § 1° As contratações de que trata este artigo terão dotação específica e não poderão ultrapassar o prazo de 06 (seis) meses, exceto nas hipóteses dos incisos II e IV, cujo prazo máximo será de 12 (doze) meses, e inciso V, cujo prazo máximo será de 24 (vinte e quatro) meses, prazos estes que serão improrrogáveis. § 2° O recrutamento será feito mediante processos seletivos simplificados, sujeito a ampla divulgação em jornal de grande circulação, e observará os critérios definidos em regulamento, exceto na hipótese prevista nos incisos III e IV deste artigo, quando se tratar de situação emergencial. Sobre o que caracteriza uma contratação temporária válida, a Suprema Corte, no julgamento do RE 658.026, de relatoria do Ministro Dias Toffili, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 612), ratificando o entendimento predominante, assentou a tese no sentido de que “para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração”. No caso em destaque, verifica-se que a Reclamante foi contratada, sem concurso público, pelo Estado para desempenhar a função temporária de professor, durante os anos de 2018 a 2023, com recebimento de remuneração, quando, então, alcançou o respectivo termo. Do exame dos aludidos documentos, fica nítida a descaracterização do contrato de trabalho temporário de modo que deve ser aplicada a regra constante do §2º do artigo 37 da Constituição Federal, que dispõe: “Art. 37. (...) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (...) §2º – A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.” Assim, resta evidente que a contratação decorrente das sucessivas prorrogações do contrato do Autor com a administração pública, se revela uma necessidade permanente e, conforme supramencionado descaracteriza a excepcionalidade, mas não afasta o seu direito ao recebimento, além da devida contraprestação pecuniária, também das demais verbas asseguradas ao servidor público, devendo assim, ser reconhecida a nulidade do contrato. Quanto aos 15 (quinze) dias que dizem respeito às férias do 1° Semestre, conforme dispõe o art. 54 da Lei Complementar n° 50 de 1998 do Estado de Mato Grosso O direito ao gozo de férias para o trabalhador em geral e ao pagamento do respectivo terço decorre da própria Constituição Federal (art. 7º, XVII), que é muito clara ao determinar que as férias anuais, deverão ser acrescidas de pelo menos um terço a mais do que o salário normal. Neste sentido, gravita o entendimento dos Tribunais: RECURSO INOMINADO. TERCEIRA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA. SERVIDOR PÚBLICO DO MAGISTÉRIO. MUNICÍPIO DE CAMAQUÃ. TERÇO DE FÉRIAS SOBRE 45 DIAS. DIREITO EVIDENCIADO. 1. No âmbito do Município de Camaquã, a Lei Municipal nº 81/2000, que estabelece o Plano de Carreira do Magistério Público Municipal, dispõe em seu artigo 74 que as férias dos professores municipais em regência de classe são obrigatórias e tem a duração de 45 dias. 2. Ainda que a Lei que instituiu o Regime Jurídico Único dos Servidores de Camaquã, Lei nº 390/2002, seja posterior à Lei nº 81/2000, esta última é específica sobre a carreira do Magistério. Dispõe, aliás, sobre o Plano de Carreira do Magistério. E mais: não restou revogada pela lei posterior. 3. Fazendo jus a 45 dias de férias anuais, deverá o recorrente receber as diferenças relativas ao terço constitucional incidente sobre todo o período efetivamente gozado, observada a prescrição quinquenal e deduzidos os pagamentos já realizados. 4. Sentença de procedência mantida por seus próprios fundamentos. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. UN NIME. (Recurso Cível, Nº 71009123399, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Julgado em: 18-02-2020) (TJ-RS - "Recurso Cível": 71009123399 RS, Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Data de Julgamento: 18/02/2020, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Data de Publicação: 26/02/2020) APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA - PROFESSOR MUNICIPAL – TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS SOBRE O PERÍODO DE 45 DIAS DE FÉRIAS ANUAIS – AMPARO NA LEGISLAÇÃO LOCAL – RECURSO DESPROVIDO. Se a legislação local é expressa ao prever que os docentes municipais terão férias de 45 dias, não há possibilidade de interpretação diversa e deve incidir o terço (1/3) constitucional de férias sobre todo o período. Sentença mantida. (TJ-MS - AC: 08000591320188120034 MS 0800059-13.2018.8.12.0034, Relator: Des. Marcelo Câmara Rasslan, Data de Julgamento: 26/06/2019, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 27/06/2019) Assim, considerando que o autor gozava de 45 dias de férias, deverá o requerido ser compelido a lhe pagar o terço constitucional sobre os 45 dias de férias, referente aos anos devidamente trabalhados. A recente jurisprudência da Turma Recursal do TJMT, segue a mesma linha de entendimento, conforme se segue: EMENTA: RECURSO INOMINADO CÍVEL. FAZENDA PÚBLICA. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÁSICA. EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES EM SALA DE AULA. FÉRIAS ANUAIS DE 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS. PREVISÃO EM LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DIREITO AO TERÇO CONSTITUCIONAL SOBRE TODO O PERÍODO DE FÉRIAS. ARTIGO 7º, INCISO XVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO IRDR TEMA 4. PRESCRIÇÃO. PAGAMENTO RETROATIVO RELATIVO AO PERÍODO DE 2018 A 2020. CABIMENTO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1- Nos termos da tese jurídica firmada no julgamento do IRDR – TEMA n.04, “o adicional de um terço deve incidir sobre os quarenta e cinco (45) dias de férias para os professores integrantes da carreira dos profissionais da educação básica do Estado de Mato Grosso, que exercem as suas atividades dentro da sala de aula”. 2- A prescrição da pretensão pecuniária em desfavor da Fazenda Pública, no caso, é de 5 (cinco) anos, nos termos do Decreto 20.910/32. 3- Sentença mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do artigo 46, da Lei n.º 9.099/95 c.c. art. 24 do Regimento Interno das Turmas Recursais Cíveis e Criminais dos Juizados Especiais do Estado de Mato Grosso (Resolução n.º 003/96/TJMT), fazendo parte integrante deste voto. 4- Condeno o Recorrente ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor corrigido da causa, com fundamento no art. 55 da Lei 9.099/95 c.c. art. 85, § 3º, I e §4º, III do CPC. 5- Sem condenação em custas e despesas processuais, em razão do que dispõe o art. 460 da CNGC: “Ficam isentos de Custas Judiciais e emolumentos a União, o Estado, o Município e suas respectivas autarquias e fundações, nos termos do artigo 4.º, parágrafo único, do Provimento 27/04-CM”. 6- Preclusa a via recursal, retornem os autos ao Juizado de origem. (N.U 1037221-45.2022.8.11.0002, TURMA RECURSAL CÍVEL, WALTER PEREIRA DE SOUZA, Primeira Turma Recursal, Julgado em 10/10/2023, Publicado no DJE 11/10/2023) RECURSO INOMINADO – CONTRATO TEMPORÁRIO – PROFESSOR - PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS – FÉRIAS E TERÇO CONSTITUCIONAL - TEMA 551 DO STF - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O Tema 551 do STF prevê que “Servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo (I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou (II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações.” 2. Nos termos do IRDR Tema 04 do TJMT c/c artigo 54, I e § 1º, da Lei Complementar nº 50 do estado de Mato Grosso, os professores com contratos temporários desvirtuados fazem jus ao período de 45 dias de férias e do 1/3 constitucional sobre tal período. 3. Sentença mantida. 4. Recurso conhecido e desprovido. (N.U 1037023-11.2022.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, Segunda Turma Recursal, Julgado em 10/10/2023, Publicado no DJE 11/10/2023) Resta evidente que a autora faz jus ao recebimento de férias e terço constitucional sobre 45 dias, contudo, o período em que incidirá tal entendimento, deve-se observar o quinquênio decadencial, portanto, o pagamento é devido a partir do mês de julho de 2019, uma vez que a ação foi proposta no mês de julho de 2024. Dispositivo Posto isso, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, opino pela PARCIAL PROCEDÊNCIA dos pedidos formulados na inicial, CONDENAR a ré ao pagamento de férias e terço constitucional sobre os 45 dias de férias gozados entre as duas etapas letivas, a partir da folha de pagamento referente ao mês de julho de 2019 e subsequentes. Aos valores supra, devem ser acrescidos de correção monetária pelo índice oficial IPCA-E e juros moratórios a partir do desembolso, com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme a redação do art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/09 (RE 870947 – STF), até a data de 08 de dezembro de 2021, e, a partir de 09 de dezembro de 2021, corrigidos pela taxa SELIC, acumulada mensalmente, nos termos da Emenda Constitucional 113/2021. Diante do que apregoa o art. 11 da Lei n. 12.153/09, é dispensado o reexame necessário. Deixo de condenar ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, por não serem cabíveis nesta fase (art. 54 e 55, da Lei Federal nº 9.099/95). Projeto de sentença sujeito à homologação do MMa. Juíza Togada, conforme art. 40, Lei nº. 9.099/95. Diego Reis Carmona Juiz Leigo Vistos. HOMOLOGO o projeto de sentença da Juiz Leigo, para que surta seus efeitos jurídicos e legais, conforme redação prevista no art. 40 da Lei n. 9099/95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. (Datado e assinado digitalmente) Sinii Savana Bosse Saboia Ribeiro Juíza de Direito (Portaria TJMT/PRES n. 1352/2024)

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Processo nº 1025969-45.2022.8.11.0002

ID: 330678499

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1025969-45.2022.8.11.0002

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

BRDU URBANISMO S/A

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

HENRIQUE WILLIAN RODRIGUES BEZERRA DE MENEZES

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ELBER RIBEIRO COUTINHO DE JESUS

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ADRIANA MAIA ARRUDA

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025969-45.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Compra e Venda, Indenização por Dano Moral, Inde… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025969-45.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Compra e Venda, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [BRDU URBANISMO S/A - CNPJ: 12.484.905/0001-63 (APELANTE), HENRIQUE WILLIAN RODRIGUES BEZERRA DE MENEZES - CPF: 046.293.201-05 (ADVOGADO), CARLOS EDUARDO CAMPOS RESENDE - CPF: 033.093.581-00 (ADVOGADO), JULIANA MACHADO RIBEIRO - CPF: 018.771.571-80 (ADVOGADO), SUELLEN LAIS DE AQUINO FERREIRA SANTOS - CPF: 030.422.361-10 (APELADO), ANA FLAVIA UCHOA - CPF: 044.995.351-31 (ADVOGADO), EVANDRO APARECIDO DOS SANTOS - CPF: 848.421.641-15 (APELADO), ELBER RIBEIRO COUTINHO DE JESUS - CPF: 013.265.885-24 (ADVOGADO), ADRIANA MAIA ARRUDA - CPF: 025.605.471-12 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. GRUPO ECONÔMICO. CARTA DE DESISTÊNCIA. CLÁUSULA ABUSIVA. RETENÇÃO DE PARCELAS PAGAS. IPTU. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença, que julgou parcialmente procedente a Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais e declarou rescindido o contrato, condenou a requerida à restituição de 80% dos valores pagos, bem como à devolução dos valores pagos a título de IPTU. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há cinco questões em discussão: (i) definir se uma das possui legitimidade para figurar no polo passivo; (ii) verificar se a carta manuscrita de desistência configura distrato válido e impede a restituição de valores; (iii) estabelecer se é aplicável a Lei nº 9.514/97 à avença, mesmo sem o devido registro; (iv) determinar o percentual de retenção admissível dos valores pagos; e (v) decidir sobre a responsabilidade pela restituição dos valores pagos a título de IPTU. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A legitimidade passiva da segunda requerida é reconhecida com fundamento nos arts. 7º, parágrafo único, 25, § 1º, e 34 do CDC, em razão de sua atuação conjunta com a primeira requerida na cadeia de fornecimento, sendo ambas integrantes do mesmo grupo econômico e ostentando logomarca conjunta nos documentos contratuais. 4. A carta de desistência redigida unilateralmente pelo autor não constitui distrato bilateral válido e não afasta o direito à restituição dos valores pagos, pois a cláusula de renúncia integral revela-se abusiva à luz dos arts. 6º, V, e 51, IV e § 1º, do CDC, conforme entendimento consolidado do STJ (REsp 1.412.662/RS). 5. É válida a retenção de até 25% dos valores pagos pelo comprador em caso de rescisão por sua iniciativa, conforme precedentes do STJ (REsp 1.723.519/SP e REsp 1.300.418/SC), não sendo exigida comprovação individualizada de prejuízo pelo vendedor. 6. A restituição dos valores pagos a título de IPTU deve ser afastada, pois comprovada a posse do imóvel pelos autores durante o período de exigência tributária, sendo estes os responsáveis pelo tributo nos termos do CTN (arts. 32 e 34) e da jurisprudência do STJ (AgInt no REsp 1.953.733/SP). 7. A redistribuição dos ônus sucumbenciais é determinada diante do parcial provimento do recurso, fixando-se responsabilidade proporcional entre as partes, nos termos do art. 86 do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A empresa integrante do mesmo grupo econômico e com participação na cadeia de consumo possui legitimidade passiva em ação de rescisão contratual. 2. É nula, por abusiva, a cláusula contratual que prevê a perda total das parcelas pagas em caso de rescisão por iniciativa do consumidor. 3. A retenção de até 25% das parcelas pagas pelo comprador é admitida em caso de desistência, como cláusula penal proporcional e razoável. 4. A responsabilidade pelo IPTU recai sobre o adquirente que exerce a posse do imóvel, ainda que o contrato venha a ser rescindido posteriormente. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, V, 7º, parágrafo único, 25, § 1º, 34 e 51, IV e § 1º; CTN, arts. 32 e 34; CPC, arts. 85 e 86. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.412.662/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 01/09/2016; STJ, Súmula 543; STJ, REsp 1.300.418/SC (Tema 577), Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13/11/2013; STJ, REsp 1.723.519/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 28/08/2019; STJ, EREsp 1.866.844/SP, j. 10/11/2021; STJ, AgInt no REsp 1.953.733/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 21/03/2022. R E L A T Ó R I O RAC 1025969-45.2022.8.11.0002 BRDU URBANISMO S/A X SUELLEN LAIS DE AQUINO FERREIRA SANTOS e EVANDRO APARECIDO DOS SANTOS Eminentes pares: Trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto por BRDU SPE VÁRZEA GRANDE LTDA e BRDU URBANISMO S/A, com o fito de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande/MT que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais, proposta por SUELLEN LAIS DE AQUINO FERREIRA SANTOS e EVANDRO APARECIDO DOS SANTOS, julgou parcialmente procedente a demanda, para “a) Declarar rescindido o contrato firmado entre as partes;b) Condenar a requerida a restituir à parte autora, em parcela única o valor equivalente a 80% dos valores pagos (prestações e arras/sinal), devendo incidir correção monetária pelo INPC a partir do desembolso de cada parcela e juros de mora de 1% ao mês, a partir a partir do trânsito em julgado da decisão (REsp. nº 1.740.911/DF. Tema 1002). c) Condenar de condenar a requeria a restituir à parte autora os valores pagos a título de IPTU, referente ao lote 39 da quadra 37, devidamente comprovado nos autos, de forma simples mediante correção monetária pelo INPC desde o pagamento e juros de mora a contar da citação” (Id. 294037889). A parte apelante, BRDU SPE Várzea Grande Ltda. e BRDU Urbanismo S/A, inicia suas razões recursais alegando que a sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau merece reforma. Sustenta, inicialmente, que a Recorrente BRDU Urbanismo S/A não integrou a relação contratual discutida nos autos, sendo parte ilegítima para figurar no polo passivo, uma vez que não firmou contrato, não participou das tratativas e não recebeu valores dos autores, motivo pelo qual requer sua exclusão da lide, nos termos do art. 485, VI, do CPC. No mérito, argumenta que os próprios recorridos descumpriram o parágrafo décimo quinto da cláusula décima sétima do contrato, que lhes impunha o dever de registrar o instrumento no prazo de 90 dias contados da assinatura. Alegam que essa omissão não pode ser posteriormente invocada pelos autores para afastar cláusulas expressamente pactuadas ou para fundamentar a inaplicabilidade da Lei nº 9.514/97. Paralelamente, sustentam que, ainda que o contrato de alienação fiduciária não tenha sido registrado no cartório de imóveis, tal fato não compromete sua validade e eficácia entre as partes. Afirmam que, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1.866.844/SP), o registro é necessário apenas para a eficácia perante terceiros e para a deflagração da execução extrajudicial, mas não invalida os efeitos do pacto firmado entre credor fiduciário e devedor fiduciante, inclusive quanto à possibilidade de consolidação da propriedade em caso de inadimplemento. Contesta a condenação à restituição dos valores pagos a título de IPTU, sob o argumento de que os autores detiveram a posse do imóvel e, portanto, atraíram para si a obrigação tributária, conforme previsto no contrato e na legislação tributária (CTN, arts. 32 e 34). Afirmam que os autores elaboraram carta manuscrita de desistência e exerceram posse jurídica e fática do lote, sendo indevida a condenação à devolução dos valores de IPTU. Ainda, requerem a inversão dos ônus sucumbenciais, uma vez que, caso provido o recurso e julgados improcedentes os pedidos iniciais, a parte autora deverá suportar integralmente as custas e honorários advocatícios, nos termos dos arts. 85 e 86 do CPC. Subsidiariamente, caso mantida a rescisão contratual, pleiteiam o reconhecimento da culpa exclusiva dos autores pelo desfazimento do negócio, com a fixação da cláusula penal de retenção de 25% dos valores pagos, conforme jurisprudência consolidada do STJ (REsp 1.723.519/SP e outros), como forma de compensar os custos operacionais e desestimular a ruptura unilateral imotivada do contrato. Ao final, requerem: (a) o reconhecimento da ilegitimidade passiva da BRDU Urbanismo S/A, com a extinção do feito sem resolução do mérito em relação a ela; (b) a reforma integral da sentença, julgando-se improcedentes os pedidos iniciais e reconhecendo-se a aplicabilidade da Lei nº 9.514/97; (c) o afastamento da condenação à restituição do IPTU; (d) a inversão do ônus da sucumbência; e (e) subsidiariamente, a fixação do percentual de retenção em 25% dos valores pagos pelos autores (Id. 294037903) Contrarrazões foram apresentadas no Id. 294037910, pugnando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO PRELIMINAR Eminentes pares: A preliminar suscitada refere-se à alegação de ilegitimidade passiva ad causam da BRDU Urbanismo S/A, sob o fundamento de que a empresa não teria figurado no contrato de compra e venda celebrado com os autores, tampouco recebido quaisquer valores, não sendo parte da relação jurídica contratual. Contudo, tal alegação não merece prosperar. Nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, e 25, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, todos os integrantes da cadeia de fornecimento e da prestação de serviços respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor. No caso em exame, está comprovado nos autos que os documentos firmados pelas partes ostentam a logomarca da empresa BRDU Urbanismo S/A, a qual integra o mesmo grupo econômico da empresa vendedora BRDU SPE Várzea Grande Ltda. Cumpre esclarecer, inicialmente, que é inegável que se trata de relação de consumo, já que autor e ré insere-se, respectivamente, no conceito de consumidor e de fornecedor de serviços ( CDC, art. 2º e 3º), a lide é analisada sob a ótica do CDC, que prevê a responsabilidade solidária de todos aqueles que participaram na cadeia de consumo, o que, no caso em análise, inclui a participação da ré/apelante e, de todo modo, a legitimidade da apelante decorreria simplesmente pela aplicabilidade da Teoria da Aparência ao caso ( CDC, art. 34), que é aplicável nos casos em que empresas integrantes do mesmo grupo econômico, não obstante tenham personalidades jurídicas distintas, apresentam-se para o público como se fossem a mesma e única sociedade. Nesses casos, resta evidente a confusão entre as citadas empresas, tornando extremamente difícil para o consumidor/contratante a identificação da empresa com a qual ele contrata, bem como a compreensão da estrutura do conglomerado econômico em que as empresas se inserem. Sob essa perspectiva, confiram-se os apontamentos desta Câmara Julgadora: “APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL – PRELIMINARES DE PERDA DE OBJETO E ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEITADAS - DANO MORAL – CONFIGURADO – QUANTUM – ADEQUADO – CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA – MANTIDA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Não há falar-se em perda do objeto recursal, em razão da entrega do imóvel, já que o recurso também diz respeito ao cabimento ou não da obrigação de indenizar e a imposição de multa moratória, por fatos ocorridos antes da entrega do imóvel. Ambas as empresas requeridas fazem parte do mesmo grupo econômico e, nessa condição, participaram da relação de consumo logo, são responsáveis pelas consequências decorrentes da contratação e legitimadas para a causa. Configurado o dano moral, porquanto embora o descumprimento contratual, em regra, não implique em indenização por danos morais, no caso resta evidente a angústia e o sofrimento experimentados pelos autores não só pelo atraso na entrega da obra, mas pela completa falta de previsão de conclusão da obra. No que se refere ao arbitramento do valor indenizatório, levam-se em conta as circunstâncias do caso concreto, as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é a de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva. “No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor.” (REsp repetitivo n. 1614721/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 25-6-2019). (TJ-MT - EMBDECCV: 10128783820178110041 MT, Relator: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 04/03/2020, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2020) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PERDAS E DANOS - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - RELAÇÃO DE CONSUMO - ATUAÇÃO DE AMBAS AS CONSTRUTORAS NO CICLO DE PRODUÇÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA - RECURSO NÃO PROVIDO. Configurada a relação de consumo e a atuação de ambas as construtoras no processo de produção dos imóveis, as duas são partes legítimas para figurar no polo passivo da demanda que visa o ressarcimento por perdas e danos decorrentes do inadimplemento contratual”. (TJMT – Quarta Câmara de Direito Privado – Recurso de Apelação Cível nº 24.74/2018 – Rel. Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO - Julgado em 01/08/2018, Publicado no DJE 03/08/2018). “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E ADESIVO – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS E REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS –PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – REQUERIDAS QUE FAZEM PARTE DO MESMO GRUPO ECONÔMICO - REJEITADA – ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DA OBRA – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO –RESSARCIMENTO INTEGRAL DE VALORES PAGOS – POSSIBILIDADE - DANO MORAL CARACTERIZADO – QUANTUM INDENIZATÓRIO PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não se verifica a ilegitimidade passiva das empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, porquanto todas estão envolvidas na cadeia de consumo, logo responsáveis pelos danos causados ao consumidor. Demonstrado que o atraso na entrega da obra decorreu de culpa exclusiva das requeridas, ora apelantes, incumbe-lhes restituir integralmente os valores pagos pelos autores, sem qualquer retenção. A jurisprudência do STJ já se pronunciou no sentido de cabimento da condenação ao pagamento de indenização por danos morais pelo descumprimento do prazo para entrega do imóvel residencial, objeto do compromisso de compra e venda, porque tal situação atinge a esfera íntima da vítima, principalmente os seus direitos de personalidade. Não comporta redução o quantum fixado a título de indenização por danos morais fixado com observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como das circunstâncias da causa, em especial o tempo de atraso do empreendimento e as frustrações suportadas pela parte autora”. (TJ-MT - AC: 00571187120138110041 MT, Relator: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 03/04/2019, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/04/2019) Inclusive, a configuração de grupo econômico entre as requeridas/apelantes já foi abordada e dirimida por este Sodalício, da seguinte forma: “APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIA PAGA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES – AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE – ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEITADAS - AQUISIÇÃO DE IMÓVEL URBANO – DESCUMPRIMENTO DO PRAZO DE ENTREGA – ATRASO EXCESSIVO – INCIDÊNCIA DO CDC – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO PARA OS PEDIDOS DE RESCISÃO CONTRATUAL, DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS E CONDENAÇÃO EM DANO MORAL – SÚMULA 543 DO STJ – ABALO EMOCIONAL E PSÍQUICO EVIDENCIADO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA “MEROS DISSABORES DO COTIDIANO” – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS DESPROVIDOS . O CDC estabelece a responsabilidade solidária de todos aqueles que integram a cadeia de negócios do produto fornecido ou serviço contratado, sendo evidente, portanto a legitimidade da BRDU Urbanismo para responder pelas obrigações decorrentes. Não há falar em ofensa ao princípio da dialeticidade quando as razões recursais impugnam especificamente as questões decididas na sentença e apresentam as razões da inconformidade. Havendo rescisão do contrato por culpa exclusiva da construtora, que deixou de entregar o imóvel na data máxima aprazada, deve a mesma proceder com a devolução imediata e integral das parcelas pagas pelo consumidor, nos termos da Súmula 543/STJ. O mero descumprimento contratual não enseja condenação em dano moral, todavia, se o caso concreto denota excessivo atraso na entrega do imóvel, surge fato suficiente a ensejar compensação por dano extrapatrimonial, pois ultrapassa a esfera dos “meros dissabores do cotidiano”. Quanto à repetição de indébito, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente somente tem procedência se caracterizada má-fé do fornecedor do serviço.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10215876920238110003, Relator.: MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Data de Julgamento: 02/10/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/10/2024) Assim, presentes os elementos que indicam participação direta ou indireta na cadeia de consumo e nos contratos celebrados, correta a manutenção da empresa BRDU Urbanismo S/A no polo passivo da demanda. Diante do exposto, REJEITO a preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelas rés/apelantes. VOTO Eminentes pares: O presente recurso submete à apreciação desta Câmara a controvérsia sobre: (i) a validade da carta manuscrita de renúncia à restituição de valores pagos; (ii) a aplicação do CDC e da Lei nº 9.514/97; (iii) a possibilidade de revisão da cláusula de renúncia por abusividade; e (iv) a definição do percentual de retenção admissível no caso de rescisão por iniciativa do comprador. Na origem, trata-se de Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais proposta por Suellen Laís de Aquino Ferreira Santos e Evandro Aparecido dos Santos em desfavor de BRDU Urbanismo S/A, alegando que adquiriram três lotes (36, 38 e 39) no empreendimento "Parque das Águas", por meio de contrato particular com pacto de alienação fiduciária. Posteriormente, solicitaram o distrato dos lotes 36 e 38, com retenção de 25% do valor pago e utilização do remanescente como abatimento do lote 39. Alegaram que, diante de dificuldades financeiras, foram orientados pela requerida a redigir, de próprio punho, carta de desistência do lote 39, com ciência de que não haveria devolução de qualquer quantia. Sustentam, contudo, que essa exigência foi abusiva, que não houve formalização válida do distrato e que o não reembolso configura enriquecimento ilícito. Pleitearam indenização por danos materiais no valor de R$ 79.017,41, incluindo os valores pagos pelo imóvel e a título de IPTU, além de danos morais de R$ 20.000,00. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para declarar rescindido o contrato do lote 39, condenar a requerida à restituição de 80% dos valores pagos (com juros e correção) e ao reembolso dos valores comprovadamente pagos de IPTU. Irresignadas, as rés/apelante interpuseram o presente recurso, alegando, em síntese, que houve distrato com renúncia expressa à restituição dos valores pagos, o qual deveria ser considerado ato jurídico perfeito, obstando a revisão judicial. Requereram a aplicação da Lei 9.514/97, mesmo na ausência de registro da alienação fiduciária, e alegaram que a ausência do registro decorreu de conduta dos próprios apelados. Esclarecido o contexto fático-processual, passo à análise do mérito recursal. No que se refere à existência de distrato, cumpre reconhecer que os distratos dos lotes 36 e 38 foram formalizados por instrumentos escritos e assinados bilateralmente (Id. 294037365 e 294037366). Contudo, em relação ao lote 39, não houve distrato contratual bilateral, mas tão somente carta manuscrita de desistência redigida pelo autor Evandro, conforme consta do Id. 294037363 – pág. 5. Tal declaração evidencia a manifestação de vontade do consumidor em resilir o contrato, mas não contém cláusulas recíprocas nem definição clara de obrigações da empresa, tampouco qualquer contrapartida financeira acordada. Ainda que não se afirme que a empresa tenha condicionado expressamente a rescisão à redação da carta, os documentos colacionados, notadamente a notificação extrajudicial enviada pelos autores, evidenciam que a iniciativa e o conteúdo da carta partiram de orientação da própria empresa requerida, e que a anuência do consumidor ocorreu em situação de vulnerabilidade econômica, como admitido na petição inicial e na notificação (Id. Id. 294037363). Nessas circunstâncias, ainda que se reconheça a existência de manifestação unilateral do consumidor, a cláusula que prevê a renúncia total à restituição dos valores pagos é nula, por violar os arts. 6º, V, e 51, IV e §1º, do CDC, que vedam cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que é cabível a revisão judicial de distrato, mesmo com quitação ampla, quando constatada cláusula abusiva, especialmente quando há perda total ou substancial dos valores pagos. Nesse sentido, colhe-se do julgamento do REsp 1.412.662/RS, relator Ministro Luís Felipe Salomão: “É cabível a revisão de distrato de contrato de compra e venda de imóvel, ainda que consensual, em que, apesar de ter havido a quitação ampla, geral e irrevogável, se tenha constatado a existência de cláusula de decaimento (abusiva), prevendo a perda total ou substancial das prestações pagas pelo consumidor, em nítida afronta aos ditames do CDC e aos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual.”(STJ, REsp 1.412.662/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 01/09/2016, DJe 28/09/2016) Esse entendimento está em perfeita harmonia com a Súmula n. 543 do STJ, que estabelece: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”. (Súmula 543, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015) No mesmo sentido, foi decidido no Tema 577/STJ (REsp 1.300.418/SC), julgado sob o rito dos recursos repetitivos: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. MOMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. 2. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1300418 SC 2012/0000392-9, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 13/11/2013, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/12/2013 RSSTJ vol. 45 p . 169 RSTJ vol. 240 p. 405) Assim, verifica-se que o entendimento consolidado do STJ é no sentido de que, mesmo havendo culpa do comprador pela resolução do contrato, não se admite cláusula de perda total das parcelas pagas, devendo ser devolvida a quantia devida de forma imediata e proporcional. Quanto ao percentual de retenção, é igualmente consolidado o entendimento do STJ de que a cláusula penal deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo 25% o limite frequentemente reputado como justo e adequado, conforme decidido no seguinte julgado: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CONTRATO ANTERIOR À LEI 13.786/2018. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. DESISTÊNCIA IMOTIVADA DO PROMISSÁRIO COMPRADOR. RESTITUIÇÃO PARCIAL. DEVOLUÇÃO AO PROMISSÁRIO COMPRADOR DOS VALORES PAGOS COM A RETENÇÃO DE 25% POR PARTE DA VENDEDORA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO. PRECEDENTE FIRMADO EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO. 1. A despeito do caráter originalmente irretratável da compra e venda no âmbito da incorporação imobiliária (Lei 4.591/1964, art. 32, § 2º), a jurisprudência do STJ, anterior à Lei 13 .786/2018, de há muito já reconhecia, à luz do Código de Defesa do Consumidor, o direito potestativo do consumidor de promover ação a fim de rescindir o contrato e receber, de forma imediata e em pagamento único, a restituição dos valores pagos, assegurado ao vendedor sem culpa pelo distrato, de outro lado, o direito de reter parcela do montante (Súmula 543/STJ). 2. Hipótese em que, ausente qualquer peculiaridade, na apreciação da razoabilidade da cláusula penal estabelecida em contrato anterior à Lei 13.786/2018, deve prevalecer o parâmetro estabelecido pela Segunda Seção no julgamento dos EAg 1 .138.183/PE, DJe 4.10.2012, sob a relatoria para o acórdão do Ministro Sidnei Beneti, a saber o percentual de retenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos pelos adquirentes, reiteradamente afirmado por esta Corte como adequado para indenizar o construtor das despesas gerais e desestimular o rompimento unilateral do contrato . Tal percentual tem caráter indenizatório e cominatório, não havendo diferença, para tal fim, entre a utilização ou não do bem, prescindindo também da demonstração individualizada das despesas gerais tidas pela incorporadora com o empreendimento. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, firmada pela Segunda Seção em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos, "nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei n. 13 .786/2018, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão" (REsp 1.740.911/DF, DJe 22.8 .2019). 4. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ - REsp: 1723519 SP 2018/0023436-5, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 28/08/2019, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/10/2019 RSTJ vol . 256 p. 496) No caso em apreço, a sentença fixou a devolução de 80% dos valores pagos, com retenção de 20%. Contudo, diante do pedido subsidiário da parte apelante, e à luz da jurisprudência acima, é possível reconhecer que o percentual de 25% atende ao critério da razoabilidade, observando-se o equilíbrio contratual, sem necessidade de demonstração específica de prejuízo pelo fornecedor. Por fim, quanto à devolução dos valores pagos a título de IPTU, não há como manter a condenação imposta na sentença. Em contratos dessa natureza — promessa de compra e venda de lote urbano com pagamento parcelado — é comum que a posse seja transmitida ao comprador desde a celebração contratual, salvo estipulação expressa em sentido contrário, o que não se verifica no presente caso. Some-se a isso o fato de que os próprios autores relataram, na petição inicial, que iniciaram a construção de uma residência no lote 39, circunstância que evidencia a fruição econômica do bem e, portanto, o exercício da posse. Ademais, não houve comprovação de que os autores tenham restituído a posse do imóvel à vendedora antes do encerramento do vínculo contratual. A carta manuscrita de desistência é datada de junho de 2021 (do Id. 294037363 – pág. 5) e até então não se extrai dos autos qualquer indício de que a requerida tenha reassumido a posse ou impedido sua utilização pelos compradores. Nesse contexto, e à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é cabível reconhecer a legitimidade da cobrança de IPTU durante o período em que os autores permaneceram na posse do bem. Veja-se: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. (...). 6. A jurisprudência desta Corte de Justiça é no sentido de que o promitente comprador passa a ser responsável pelo pagamento das despesas condominiais e do IPTU a partir da entrega das chaves, tendo em vista ser o momento em que tem a posse do imóvel. Precedentes.” (STJ - Quarta Turma - AgInt no REsp n. 1.953.733/SP, relator Ministro Marco Buzzi, julgado em 21/3/2022, DJe de 24/3/2022) “PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA EXCLUSIVA DO PROMITENTE-VENDEDOR. OBSERVÂNCIA DA SÚMULA 543/STJ. RESPONSABILIDADE PELO IPTU. NECESSIDADE DE IMISSÃO NA POSSE DO IMÓVEL. AGRAVO INTERNO PROVIDO. DECISÃO RECONSIDERADA. AGRAVO CONHECIDO PARA CONHECER EM PARTE DO RECURSO ESPECIAL E, NESSA PARTE, NEGAR-LHE PROVIMENTO. (...). 2. Segundo o entendimento do STJ, o IPTU é de responsabilidade da construtora, ora recorrente, até a entrega do imóvel ao adquirente, tendo em vista que, se os recorridos não deram causa para o não recebimento do imóvel, não podem ser obrigados a pagar o citado imposto referente ao período em que não haviam sido imitidos na posse, como no caso. 3. Agravo interno provido. Decisão reconsiderada. Agravo conhecido para conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento.” (STJ - Quarta Turma - AgInt no AREsp n. 1.738.148/GO, relator Ministro Raul Araújo, julgado em 24/5/2021, DJe de 30/6/2021) “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO CUMULADA COM DANOS MORAIS E MATERIAIS. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS DESPESAS CONDOMINIAIS E DANOS MATERIAIS. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Segundo o entendimento do STJ, ‘as despesas de condomínio e IPTU são de responsabilidade da construtora até a entrega do imóvel ao adquirente", tendo em vista que, "apesar do IPTU ter como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel (CTN, art. 32), se os recorridos não deram causa para o não recebimento do imóvel, não podem ser obrigados a pagar as despesas condominiais nem o citado imposto referente ao período em que não haviam sido imitidos na posse’ (...). (STJ - Quarta Turma - AgInt no REsp n. 1.829.925/SP, relator Ministro Raul Araújo, julgado em 8/2/2021, DJe de 23/2/2021) Assim, reforma-se a sentença para afastar a condenação à restituição dos valores pagos a título de IPTU, porquanto demonstrado que os autores exerceram a posse ou a fruição do lote durante o período a que se refere a cobrança. Diante do exposto, DOU parcial provimento ao recurso de apelação, para majorar o percentual de retenção dos valores pagos pelos autores de 20% para 25%, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, mantendo-se a restituição do percentual remanescente de 75%, com incidência de correção monetária e juros de mora conforme os critérios fixados na sentença, bem como para afastar a condenação à restituição dos valores pagos a título de IPTU, durante o período em que os autores permaneceram na posse do bem. Em razão da modificação parcial do conteúdo decisório da sentença, reajustam-se os ônus sucumbenciais, atribuindo-se às rés o pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios, e aos autores os 50% restantes, nos termos do art. 86, caput, do CPC. Mantêm-se os critérios da sentença quanto à forma de apuração dos honorários: honorários do patrono da parte autora fixados em 15% sobre o valor da condenação, e honorários do patrono das rés em 10% sobre o proveito econômico obtido, vedada a compensação, conforme os §§ 8º e 14 do art. 85 do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025

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Processo nº 1025969-45.2022.8.11.0002

ID: 330678500

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1025969-45.2022.8.11.0002

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

EVANDRO APARECIDO DOS SANTOS SUELLEN LAIS DE AQUINO FERREIRA SANTOS

Acórdão

Advogados:

ANA FLAVIA UCHOA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025969-45.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Compra e Venda, Indenização por Dano Moral, Inde… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025969-45.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Compra e Venda, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [BRDU URBANISMO S/A - CNPJ: 12.484.905/0001-63 (APELANTE), HENRIQUE WILLIAN RODRIGUES BEZERRA DE MENEZES - CPF: 046.293.201-05 (ADVOGADO), CARLOS EDUARDO CAMPOS RESENDE - CPF: 033.093.581-00 (ADVOGADO), JULIANA MACHADO RIBEIRO - CPF: 018.771.571-80 (ADVOGADO), SUELLEN LAIS DE AQUINO FERREIRA SANTOS - CPF: 030.422.361-10 (APELADO), ANA FLAVIA UCHOA - CPF: 044.995.351-31 (ADVOGADO), EVANDRO APARECIDO DOS SANTOS - CPF: 848.421.641-15 (APELADO), ELBER RIBEIRO COUTINHO DE JESUS - CPF: 013.265.885-24 (ADVOGADO), ADRIANA MAIA ARRUDA - CPF: 025.605.471-12 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. GRUPO ECONÔMICO. CARTA DE DESISTÊNCIA. CLÁUSULA ABUSIVA. RETENÇÃO DE PARCELAS PAGAS. IPTU. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença, que julgou parcialmente procedente a Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais e declarou rescindido o contrato, condenou a requerida à restituição de 80% dos valores pagos, bem como à devolução dos valores pagos a título de IPTU. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há cinco questões em discussão: (i) definir se uma das possui legitimidade para figurar no polo passivo; (ii) verificar se a carta manuscrita de desistência configura distrato válido e impede a restituição de valores; (iii) estabelecer se é aplicável a Lei nº 9.514/97 à avença, mesmo sem o devido registro; (iv) determinar o percentual de retenção admissível dos valores pagos; e (v) decidir sobre a responsabilidade pela restituição dos valores pagos a título de IPTU. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A legitimidade passiva da segunda requerida é reconhecida com fundamento nos arts. 7º, parágrafo único, 25, § 1º, e 34 do CDC, em razão de sua atuação conjunta com a primeira requerida na cadeia de fornecimento, sendo ambas integrantes do mesmo grupo econômico e ostentando logomarca conjunta nos documentos contratuais. 4. A carta de desistência redigida unilateralmente pelo autor não constitui distrato bilateral válido e não afasta o direito à restituição dos valores pagos, pois a cláusula de renúncia integral revela-se abusiva à luz dos arts. 6º, V, e 51, IV e § 1º, do CDC, conforme entendimento consolidado do STJ (REsp 1.412.662/RS). 5. É válida a retenção de até 25% dos valores pagos pelo comprador em caso de rescisão por sua iniciativa, conforme precedentes do STJ (REsp 1.723.519/SP e REsp 1.300.418/SC), não sendo exigida comprovação individualizada de prejuízo pelo vendedor. 6. A restituição dos valores pagos a título de IPTU deve ser afastada, pois comprovada a posse do imóvel pelos autores durante o período de exigência tributária, sendo estes os responsáveis pelo tributo nos termos do CTN (arts. 32 e 34) e da jurisprudência do STJ (AgInt no REsp 1.953.733/SP). 7. A redistribuição dos ônus sucumbenciais é determinada diante do parcial provimento do recurso, fixando-se responsabilidade proporcional entre as partes, nos termos do art. 86 do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A empresa integrante do mesmo grupo econômico e com participação na cadeia de consumo possui legitimidade passiva em ação de rescisão contratual. 2. É nula, por abusiva, a cláusula contratual que prevê a perda total das parcelas pagas em caso de rescisão por iniciativa do consumidor. 3. A retenção de até 25% das parcelas pagas pelo comprador é admitida em caso de desistência, como cláusula penal proporcional e razoável. 4. A responsabilidade pelo IPTU recai sobre o adquirente que exerce a posse do imóvel, ainda que o contrato venha a ser rescindido posteriormente. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, V, 7º, parágrafo único, 25, § 1º, 34 e 51, IV e § 1º; CTN, arts. 32 e 34; CPC, arts. 85 e 86. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.412.662/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 01/09/2016; STJ, Súmula 543; STJ, REsp 1.300.418/SC (Tema 577), Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13/11/2013; STJ, REsp 1.723.519/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 28/08/2019; STJ, EREsp 1.866.844/SP, j. 10/11/2021; STJ, AgInt no REsp 1.953.733/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. 21/03/2022. R E L A T Ó R I O RAC 1025969-45.2022.8.11.0002 BRDU URBANISMO S/A X SUELLEN LAIS DE AQUINO FERREIRA SANTOS e EVANDRO APARECIDO DOS SANTOS Eminentes pares: Trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto por BRDU SPE VÁRZEA GRANDE LTDA e BRDU URBANISMO S/A, com o fito de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande/MT que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais, proposta por SUELLEN LAIS DE AQUINO FERREIRA SANTOS e EVANDRO APARECIDO DOS SANTOS, julgou parcialmente procedente a demanda, para “a) Declarar rescindido o contrato firmado entre as partes;b) Condenar a requerida a restituir à parte autora, em parcela única o valor equivalente a 80% dos valores pagos (prestações e arras/sinal), devendo incidir correção monetária pelo INPC a partir do desembolso de cada parcela e juros de mora de 1% ao mês, a partir a partir do trânsito em julgado da decisão (REsp. nº 1.740.911/DF. Tema 1002). c) Condenar de condenar a requeria a restituir à parte autora os valores pagos a título de IPTU, referente ao lote 39 da quadra 37, devidamente comprovado nos autos, de forma simples mediante correção monetária pelo INPC desde o pagamento e juros de mora a contar da citação” (Id. 294037889). A parte apelante, BRDU SPE Várzea Grande Ltda. e BRDU Urbanismo S/A, inicia suas razões recursais alegando que a sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau merece reforma. Sustenta, inicialmente, que a Recorrente BRDU Urbanismo S/A não integrou a relação contratual discutida nos autos, sendo parte ilegítima para figurar no polo passivo, uma vez que não firmou contrato, não participou das tratativas e não recebeu valores dos autores, motivo pelo qual requer sua exclusão da lide, nos termos do art. 485, VI, do CPC. No mérito, argumenta que os próprios recorridos descumpriram o parágrafo décimo quinto da cláusula décima sétima do contrato, que lhes impunha o dever de registrar o instrumento no prazo de 90 dias contados da assinatura. Alegam que essa omissão não pode ser posteriormente invocada pelos autores para afastar cláusulas expressamente pactuadas ou para fundamentar a inaplicabilidade da Lei nº 9.514/97. Paralelamente, sustentam que, ainda que o contrato de alienação fiduciária não tenha sido registrado no cartório de imóveis, tal fato não compromete sua validade e eficácia entre as partes. Afirmam que, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (EREsp 1.866.844/SP), o registro é necessário apenas para a eficácia perante terceiros e para a deflagração da execução extrajudicial, mas não invalida os efeitos do pacto firmado entre credor fiduciário e devedor fiduciante, inclusive quanto à possibilidade de consolidação da propriedade em caso de inadimplemento. Contesta a condenação à restituição dos valores pagos a título de IPTU, sob o argumento de que os autores detiveram a posse do imóvel e, portanto, atraíram para si a obrigação tributária, conforme previsto no contrato e na legislação tributária (CTN, arts. 32 e 34). Afirmam que os autores elaboraram carta manuscrita de desistência e exerceram posse jurídica e fática do lote, sendo indevida a condenação à devolução dos valores de IPTU. Ainda, requerem a inversão dos ônus sucumbenciais, uma vez que, caso provido o recurso e julgados improcedentes os pedidos iniciais, a parte autora deverá suportar integralmente as custas e honorários advocatícios, nos termos dos arts. 85 e 86 do CPC. Subsidiariamente, caso mantida a rescisão contratual, pleiteiam o reconhecimento da culpa exclusiva dos autores pelo desfazimento do negócio, com a fixação da cláusula penal de retenção de 25% dos valores pagos, conforme jurisprudência consolidada do STJ (REsp 1.723.519/SP e outros), como forma de compensar os custos operacionais e desestimular a ruptura unilateral imotivada do contrato. Ao final, requerem: (a) o reconhecimento da ilegitimidade passiva da BRDU Urbanismo S/A, com a extinção do feito sem resolução do mérito em relação a ela; (b) a reforma integral da sentença, julgando-se improcedentes os pedidos iniciais e reconhecendo-se a aplicabilidade da Lei nº 9.514/97; (c) o afastamento da condenação à restituição do IPTU; (d) a inversão do ônus da sucumbência; e (e) subsidiariamente, a fixação do percentual de retenção em 25% dos valores pagos pelos autores (Id. 294037903) Contrarrazões foram apresentadas no Id. 294037910, pugnando pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO PRELIMINAR Eminentes pares: A preliminar suscitada refere-se à alegação de ilegitimidade passiva ad causam da BRDU Urbanismo S/A, sob o fundamento de que a empresa não teria figurado no contrato de compra e venda celebrado com os autores, tampouco recebido quaisquer valores, não sendo parte da relação jurídica contratual. Contudo, tal alegação não merece prosperar. Nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, e 25, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, todos os integrantes da cadeia de fornecimento e da prestação de serviços respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor. No caso em exame, está comprovado nos autos que os documentos firmados pelas partes ostentam a logomarca da empresa BRDU Urbanismo S/A, a qual integra o mesmo grupo econômico da empresa vendedora BRDU SPE Várzea Grande Ltda. Cumpre esclarecer, inicialmente, que é inegável que se trata de relação de consumo, já que autor e ré insere-se, respectivamente, no conceito de consumidor e de fornecedor de serviços ( CDC, art. 2º e 3º), a lide é analisada sob a ótica do CDC, que prevê a responsabilidade solidária de todos aqueles que participaram na cadeia de consumo, o que, no caso em análise, inclui a participação da ré/apelante e, de todo modo, a legitimidade da apelante decorreria simplesmente pela aplicabilidade da Teoria da Aparência ao caso ( CDC, art. 34), que é aplicável nos casos em que empresas integrantes do mesmo grupo econômico, não obstante tenham personalidades jurídicas distintas, apresentam-se para o público como se fossem a mesma e única sociedade. Nesses casos, resta evidente a confusão entre as citadas empresas, tornando extremamente difícil para o consumidor/contratante a identificação da empresa com a qual ele contrata, bem como a compreensão da estrutura do conglomerado econômico em que as empresas se inserem. Sob essa perspectiva, confiram-se os apontamentos desta Câmara Julgadora: “APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL – PRELIMINARES DE PERDA DE OBJETO E ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEITADAS - DANO MORAL – CONFIGURADO – QUANTUM – ADEQUADO – CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA – MANTIDA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Não há falar-se em perda do objeto recursal, em razão da entrega do imóvel, já que o recurso também diz respeito ao cabimento ou não da obrigação de indenizar e a imposição de multa moratória, por fatos ocorridos antes da entrega do imóvel. Ambas as empresas requeridas fazem parte do mesmo grupo econômico e, nessa condição, participaram da relação de consumo logo, são responsáveis pelas consequências decorrentes da contratação e legitimadas para a causa. Configurado o dano moral, porquanto embora o descumprimento contratual, em regra, não implique em indenização por danos morais, no caso resta evidente a angústia e o sofrimento experimentados pelos autores não só pelo atraso na entrega da obra, mas pela completa falta de previsão de conclusão da obra. No que se refere ao arbitramento do valor indenizatório, levam-se em conta as circunstâncias do caso concreto, as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é a de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva. “No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor.” (REsp repetitivo n. 1614721/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 25-6-2019). (TJ-MT - EMBDECCV: 10128783820178110041 MT, Relator: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 04/03/2020, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/03/2020) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PERDAS E DANOS - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - RELAÇÃO DE CONSUMO - ATUAÇÃO DE AMBAS AS CONSTRUTORAS NO CICLO DE PRODUÇÃO - LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA - RECURSO NÃO PROVIDO. Configurada a relação de consumo e a atuação de ambas as construtoras no processo de produção dos imóveis, as duas são partes legítimas para figurar no polo passivo da demanda que visa o ressarcimento por perdas e danos decorrentes do inadimplemento contratual”. (TJMT – Quarta Câmara de Direito Privado – Recurso de Apelação Cível nº 24.74/2018 – Rel. Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO - Julgado em 01/08/2018, Publicado no DJE 03/08/2018). “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL E ADESIVO – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS E REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS –PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – REQUERIDAS QUE FAZEM PARTE DO MESMO GRUPO ECONÔMICO - REJEITADA – ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DA OBRA – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO –RESSARCIMENTO INTEGRAL DE VALORES PAGOS – POSSIBILIDADE - DANO MORAL CARACTERIZADO – QUANTUM INDENIZATÓRIO PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não se verifica a ilegitimidade passiva das empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, porquanto todas estão envolvidas na cadeia de consumo, logo responsáveis pelos danos causados ao consumidor. Demonstrado que o atraso na entrega da obra decorreu de culpa exclusiva das requeridas, ora apelantes, incumbe-lhes restituir integralmente os valores pagos pelos autores, sem qualquer retenção. A jurisprudência do STJ já se pronunciou no sentido de cabimento da condenação ao pagamento de indenização por danos morais pelo descumprimento do prazo para entrega do imóvel residencial, objeto do compromisso de compra e venda, porque tal situação atinge a esfera íntima da vítima, principalmente os seus direitos de personalidade. Não comporta redução o quantum fixado a título de indenização por danos morais fixado com observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como das circunstâncias da causa, em especial o tempo de atraso do empreendimento e as frustrações suportadas pela parte autora”. (TJ-MT - AC: 00571187120138110041 MT, Relator: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 03/04/2019, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/04/2019) Inclusive, a configuração de grupo econômico entre as requeridas/apelantes já foi abordada e dirimida por este Sodalício, da seguinte forma: “APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIA PAGA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRELIMINARES – AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE – ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEITADAS - AQUISIÇÃO DE IMÓVEL URBANO – DESCUMPRIMENTO DO PRAZO DE ENTREGA – ATRASO EXCESSIVO – INCIDÊNCIA DO CDC – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO PARA OS PEDIDOS DE RESCISÃO CONTRATUAL, DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS E CONDENAÇÃO EM DANO MORAL – SÚMULA 543 DO STJ – ABALO EMOCIONAL E PSÍQUICO EVIDENCIADO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA “MEROS DISSABORES DO COTIDIANO” – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS DESPROVIDOS . O CDC estabelece a responsabilidade solidária de todos aqueles que integram a cadeia de negócios do produto fornecido ou serviço contratado, sendo evidente, portanto a legitimidade da BRDU Urbanismo para responder pelas obrigações decorrentes. Não há falar em ofensa ao princípio da dialeticidade quando as razões recursais impugnam especificamente as questões decididas na sentença e apresentam as razões da inconformidade. Havendo rescisão do contrato por culpa exclusiva da construtora, que deixou de entregar o imóvel na data máxima aprazada, deve a mesma proceder com a devolução imediata e integral das parcelas pagas pelo consumidor, nos termos da Súmula 543/STJ. O mero descumprimento contratual não enseja condenação em dano moral, todavia, se o caso concreto denota excessivo atraso na entrega do imóvel, surge fato suficiente a ensejar compensação por dano extrapatrimonial, pois ultrapassa a esfera dos “meros dissabores do cotidiano”. Quanto à repetição de indébito, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente somente tem procedência se caracterizada má-fé do fornecedor do serviço.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10215876920238110003, Relator.: MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Data de Julgamento: 02/10/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/10/2024) Assim, presentes os elementos que indicam participação direta ou indireta na cadeia de consumo e nos contratos celebrados, correta a manutenção da empresa BRDU Urbanismo S/A no polo passivo da demanda. Diante do exposto, REJEITO a preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelas rés/apelantes. VOTO Eminentes pares: O presente recurso submete à apreciação desta Câmara a controvérsia sobre: (i) a validade da carta manuscrita de renúncia à restituição de valores pagos; (ii) a aplicação do CDC e da Lei nº 9.514/97; (iii) a possibilidade de revisão da cláusula de renúncia por abusividade; e (iv) a definição do percentual de retenção admissível no caso de rescisão por iniciativa do comprador. Na origem, trata-se de Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais proposta por Suellen Laís de Aquino Ferreira Santos e Evandro Aparecido dos Santos em desfavor de BRDU Urbanismo S/A, alegando que adquiriram três lotes (36, 38 e 39) no empreendimento "Parque das Águas", por meio de contrato particular com pacto de alienação fiduciária. Posteriormente, solicitaram o distrato dos lotes 36 e 38, com retenção de 25% do valor pago e utilização do remanescente como abatimento do lote 39. Alegaram que, diante de dificuldades financeiras, foram orientados pela requerida a redigir, de próprio punho, carta de desistência do lote 39, com ciência de que não haveria devolução de qualquer quantia. Sustentam, contudo, que essa exigência foi abusiva, que não houve formalização válida do distrato e que o não reembolso configura enriquecimento ilícito. Pleitearam indenização por danos materiais no valor de R$ 79.017,41, incluindo os valores pagos pelo imóvel e a título de IPTU, além de danos morais de R$ 20.000,00. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para declarar rescindido o contrato do lote 39, condenar a requerida à restituição de 80% dos valores pagos (com juros e correção) e ao reembolso dos valores comprovadamente pagos de IPTU. Irresignadas, as rés/apelante interpuseram o presente recurso, alegando, em síntese, que houve distrato com renúncia expressa à restituição dos valores pagos, o qual deveria ser considerado ato jurídico perfeito, obstando a revisão judicial. Requereram a aplicação da Lei 9.514/97, mesmo na ausência de registro da alienação fiduciária, e alegaram que a ausência do registro decorreu de conduta dos próprios apelados. Esclarecido o contexto fático-processual, passo à análise do mérito recursal. No que se refere à existência de distrato, cumpre reconhecer que os distratos dos lotes 36 e 38 foram formalizados por instrumentos escritos e assinados bilateralmente (Id. 294037365 e 294037366). Contudo, em relação ao lote 39, não houve distrato contratual bilateral, mas tão somente carta manuscrita de desistência redigida pelo autor Evandro, conforme consta do Id. 294037363 – pág. 5. Tal declaração evidencia a manifestação de vontade do consumidor em resilir o contrato, mas não contém cláusulas recíprocas nem definição clara de obrigações da empresa, tampouco qualquer contrapartida financeira acordada. Ainda que não se afirme que a empresa tenha condicionado expressamente a rescisão à redação da carta, os documentos colacionados, notadamente a notificação extrajudicial enviada pelos autores, evidenciam que a iniciativa e o conteúdo da carta partiram de orientação da própria empresa requerida, e que a anuência do consumidor ocorreu em situação de vulnerabilidade econômica, como admitido na petição inicial e na notificação (Id. Id. 294037363). Nessas circunstâncias, ainda que se reconheça a existência de manifestação unilateral do consumidor, a cláusula que prevê a renúncia total à restituição dos valores pagos é nula, por violar os arts. 6º, V, e 51, IV e §1º, do CDC, que vedam cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que é cabível a revisão judicial de distrato, mesmo com quitação ampla, quando constatada cláusula abusiva, especialmente quando há perda total ou substancial dos valores pagos. Nesse sentido, colhe-se do julgamento do REsp 1.412.662/RS, relator Ministro Luís Felipe Salomão: “É cabível a revisão de distrato de contrato de compra e venda de imóvel, ainda que consensual, em que, apesar de ter havido a quitação ampla, geral e irrevogável, se tenha constatado a existência de cláusula de decaimento (abusiva), prevendo a perda total ou substancial das prestações pagas pelo consumidor, em nítida afronta aos ditames do CDC e aos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual.”(STJ, REsp 1.412.662/RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 01/09/2016, DJe 28/09/2016) Esse entendimento está em perfeita harmonia com a Súmula n. 543 do STJ, que estabelece: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”. (Súmula 543, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 31/08/2015) No mesmo sentido, foi decidido no Tema 577/STJ (REsp 1.300.418/SC), julgado sob o rito dos recursos repetitivos: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. MOMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. 2. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1300418 SC 2012/0000392-9, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 13/11/2013, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/12/2013 RSSTJ vol. 45 p . 169 RSTJ vol. 240 p. 405) Assim, verifica-se que o entendimento consolidado do STJ é no sentido de que, mesmo havendo culpa do comprador pela resolução do contrato, não se admite cláusula de perda total das parcelas pagas, devendo ser devolvida a quantia devida de forma imediata e proporcional. Quanto ao percentual de retenção, é igualmente consolidado o entendimento do STJ de que a cláusula penal deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo 25% o limite frequentemente reputado como justo e adequado, conforme decidido no seguinte julgado: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CONTRATO ANTERIOR À LEI 13.786/2018. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. DESISTÊNCIA IMOTIVADA DO PROMISSÁRIO COMPRADOR. RESTITUIÇÃO PARCIAL. DEVOLUÇÃO AO PROMISSÁRIO COMPRADOR DOS VALORES PAGOS COM A RETENÇÃO DE 25% POR PARTE DA VENDEDORA. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO. PRECEDENTE FIRMADO EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO. 1. A despeito do caráter originalmente irretratável da compra e venda no âmbito da incorporação imobiliária (Lei 4.591/1964, art. 32, § 2º), a jurisprudência do STJ, anterior à Lei 13 .786/2018, de há muito já reconhecia, à luz do Código de Defesa do Consumidor, o direito potestativo do consumidor de promover ação a fim de rescindir o contrato e receber, de forma imediata e em pagamento único, a restituição dos valores pagos, assegurado ao vendedor sem culpa pelo distrato, de outro lado, o direito de reter parcela do montante (Súmula 543/STJ). 2. Hipótese em que, ausente qualquer peculiaridade, na apreciação da razoabilidade da cláusula penal estabelecida em contrato anterior à Lei 13.786/2018, deve prevalecer o parâmetro estabelecido pela Segunda Seção no julgamento dos EAg 1 .138.183/PE, DJe 4.10.2012, sob a relatoria para o acórdão do Ministro Sidnei Beneti, a saber o percentual de retenção de 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos pelos adquirentes, reiteradamente afirmado por esta Corte como adequado para indenizar o construtor das despesas gerais e desestimular o rompimento unilateral do contrato . Tal percentual tem caráter indenizatório e cominatório, não havendo diferença, para tal fim, entre a utilização ou não do bem, prescindindo também da demonstração individualizada das despesas gerais tidas pela incorporadora com o empreendimento. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, firmada pela Segunda Seção em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos, "nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei n. 13 .786/2018, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão" (REsp 1.740.911/DF, DJe 22.8 .2019). 4. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ - REsp: 1723519 SP 2018/0023436-5, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 28/08/2019, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/10/2019 RSTJ vol . 256 p. 496) No caso em apreço, a sentença fixou a devolução de 80% dos valores pagos, com retenção de 20%. Contudo, diante do pedido subsidiário da parte apelante, e à luz da jurisprudência acima, é possível reconhecer que o percentual de 25% atende ao critério da razoabilidade, observando-se o equilíbrio contratual, sem necessidade de demonstração específica de prejuízo pelo fornecedor. Por fim, quanto à devolução dos valores pagos a título de IPTU, não há como manter a condenação imposta na sentença. Em contratos dessa natureza — promessa de compra e venda de lote urbano com pagamento parcelado — é comum que a posse seja transmitida ao comprador desde a celebração contratual, salvo estipulação expressa em sentido contrário, o que não se verifica no presente caso. Some-se a isso o fato de que os próprios autores relataram, na petição inicial, que iniciaram a construção de uma residência no lote 39, circunstância que evidencia a fruição econômica do bem e, portanto, o exercício da posse. Ademais, não houve comprovação de que os autores tenham restituído a posse do imóvel à vendedora antes do encerramento do vínculo contratual. A carta manuscrita de desistência é datada de junho de 2021 (do Id. 294037363 – pág. 5) e até então não se extrai dos autos qualquer indício de que a requerida tenha reassumido a posse ou impedido sua utilização pelos compradores. Nesse contexto, e à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é cabível reconhecer a legitimidade da cobrança de IPTU durante o período em que os autores permaneceram na posse do bem. Veja-se: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. (...). 6. A jurisprudência desta Corte de Justiça é no sentido de que o promitente comprador passa a ser responsável pelo pagamento das despesas condominiais e do IPTU a partir da entrega das chaves, tendo em vista ser o momento em que tem a posse do imóvel. Precedentes.” (STJ - Quarta Turma - AgInt no REsp n. 1.953.733/SP, relator Ministro Marco Buzzi, julgado em 21/3/2022, DJe de 24/3/2022) “PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA EXCLUSIVA DO PROMITENTE-VENDEDOR. OBSERVÂNCIA DA SÚMULA 543/STJ. RESPONSABILIDADE PELO IPTU. NECESSIDADE DE IMISSÃO NA POSSE DO IMÓVEL. AGRAVO INTERNO PROVIDO. DECISÃO RECONSIDERADA. AGRAVO CONHECIDO PARA CONHECER EM PARTE DO RECURSO ESPECIAL E, NESSA PARTE, NEGAR-LHE PROVIMENTO. (...). 2. Segundo o entendimento do STJ, o IPTU é de responsabilidade da construtora, ora recorrente, até a entrega do imóvel ao adquirente, tendo em vista que, se os recorridos não deram causa para o não recebimento do imóvel, não podem ser obrigados a pagar o citado imposto referente ao período em que não haviam sido imitidos na posse, como no caso. 3. Agravo interno provido. Decisão reconsiderada. Agravo conhecido para conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento.” (STJ - Quarta Turma - AgInt no AREsp n. 1.738.148/GO, relator Ministro Raul Araújo, julgado em 24/5/2021, DJe de 30/6/2021) “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO CUMULADA COM DANOS MORAIS E MATERIAIS. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS DESPESAS CONDOMINIAIS E DANOS MATERIAIS. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Segundo o entendimento do STJ, ‘as despesas de condomínio e IPTU são de responsabilidade da construtora até a entrega do imóvel ao adquirente", tendo em vista que, "apesar do IPTU ter como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel (CTN, art. 32), se os recorridos não deram causa para o não recebimento do imóvel, não podem ser obrigados a pagar as despesas condominiais nem o citado imposto referente ao período em que não haviam sido imitidos na posse’ (...). (STJ - Quarta Turma - AgInt no REsp n. 1.829.925/SP, relator Ministro Raul Araújo, julgado em 8/2/2021, DJe de 23/2/2021) Assim, reforma-se a sentença para afastar a condenação à restituição dos valores pagos a título de IPTU, porquanto demonstrado que os autores exerceram a posse ou a fruição do lote durante o período a que se refere a cobrança. Diante do exposto, DOU parcial provimento ao recurso de apelação, para majorar o percentual de retenção dos valores pagos pelos autores de 20% para 25%, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, mantendo-se a restituição do percentual remanescente de 75%, com incidência de correção monetária e juros de mora conforme os critérios fixados na sentença, bem como para afastar a condenação à restituição dos valores pagos a título de IPTU, durante o período em que os autores permaneceram na posse do bem. Em razão da modificação parcial do conteúdo decisório da sentença, reajustam-se os ônus sucumbenciais, atribuindo-se às rés o pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios, e aos autores os 50% restantes, nos termos do art. 86, caput, do CPC. Mantêm-se os critérios da sentença quanto à forma de apuração dos honorários: honorários do patrono da parte autora fixados em 15% sobre o valor da condenação, e honorários do patrono das rés em 10% sobre o proveito econômico obtido, vedada a compensação, conforme os §§ 8º e 14 do art. 85 do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025

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