Processo nº 1017481-43.2023.4.01.3700
ID: 277648057
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 32 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS
Classe: REMESSA NECESSáRIA CíVEL
Nº Processo: 1017481-43.2023.4.01.3700
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIEL JOSE GONCALVES FONTES
OAB/MA XXXXXX
Desbloquear
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1017481-43.2023.4.01.3700 PROCESSO REFERÊNCIA: 1017481-43.2023.4.01.3700 CLASSE: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) POLO ATIVO: FUNDACAO U…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1017481-43.2023.4.01.3700 PROCESSO REFERÊNCIA: 1017481-43.2023.4.01.3700 CLASSE: REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) POLO ATIVO: FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHAO POLO PASSIVO:IAN GABRIEL LUCCHESE DE SA CRUZ REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: DANIEL JOSE GONCALVES FONTES - MA10857-A RELATOR(A):NEWTON PEREIRA RAMOS NETO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 32 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) 1017481-43.2023.4.01.3700 JUIZO RECORRENTE: FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHAO RECORRIDO: IAN GABRIEL LUCCHESE DE SA CRUZ Advogado do(a) RECORRIDO: DANIEL JOSE GONCALVES FONTES - MA10857-A RELATÓRIO O Exmo. Sr. Desembargador Federal NEWTON RAMOS (Relator): Trata-se de remessa necessária de sentença que confirmou a liminar e concedeu a segurança, determinando que os impetrados apliquem, de forma definitiva, a bonificação regional de 5% sobre a nota obtida pelo impetrante no ENEM, garantindo, assim, sua matrícula no curso de Medicina no Campus São Luís. Ante a ausência de recurso voluntário das partes, os autos foram remetidos a este e. Tribunal, conforme determina o art. 14 da Lei nº 12.016/2009. Parecer do MPF pela desnecessidade de sua intervenção nestes autos. É o relatório. Desembargador Federal NEWTON RAMOS Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 32 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) 1017481-43.2023.4.01.3700 JUIZO RECORRENTE: FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHAO RECORRIDO: IAN GABRIEL LUCCHESE DE SA CRUZ Advogado do(a) RECORRIDO: DANIEL JOSE GONCALVES FONTES - MA10857-A VOTO O Exmo. Sr. Desembargador Federal NEWTON RAMOS (Relator): Nos termos do art. 14 da Lei nº 12.016/2009, a sentença que concede a segurança em mandado de segurança está sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição. Inicialmente, convém esclarecer que, em outras demandas envolvendo a validade do critério de inclusão regional criado por universidade federal, orientei-me no sentido de que a aludida política afirmativa de inclusão encontrava amparo no ordenamento jurídico pátrio, sendo, portanto, constitucional. Contudo, esse parece não ser o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o qual, em diversas Reclamações Constitucionais, tem afastado a aplicação desses critérios de bonificação regional, sob o fundamento de violação ao princípio constitucional da isonomia e ofensa reflexa às teses vinculantes firmadas na ADI 4.868 e no RE 614.873 (leading case do Tema 474 da sistemática da repercussão geral). Nesse sentido: Rcl nº 67.039 AgR/AM, rel. Ministro Cristiano Zanin, j. 12/08/2024, DJe 27/08/2024; Rcl nº 66.882, rel. Ministro Flávio Dino, j. 03/05/2024, DJe 06/05/2024; Rcl nº 65.976, rel. Ministra Cármen Lúcia, j. 21/05/2024, Dje 21/08/2024. Assim, prezando pela uniformização da jurisprudência – bem como pelo dever de mantê-la estável, íntegra e coerente – adoto o posicionamento externado pelo STF, no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade dos critérios de bonificação regional para acesso a cursos de ensino superior, por promoverem tratamento diferenciado entre brasileiros em razão da origem. Feitas tais considerações, passo à análise da remessa necessária. A Resolução CONSEPE nº 2.648, de 27 de outubro de 2022, estabelece o critério de inclusão regional para o ingresso nos cursos de Medicina, na modalidade de ampla concorrência, por meio do ENEM/SiSU, nos campus de Imperatriz, Pinheiro e São Luís da Universidade Federal do Maranhão (Id 398532682). Especificamente em relação ao curso de Medicina oferecido no Campus de São Luís, a norma dispõe que: Art. 7º O critério de inclusão regional será aplicado no Sistema de Seleção Unificada (SiSU), na modalidade de ampla concorrência para o curso de Medicina ofertado no Campus de São Luís. Parágrafo Único. Fica estabelecido um bônus de 5% (cinco por cento) aos candidatos que concluíram todo o Ensino Médio (1º, 2º e 3º ano) em escolas regulares e presenciais no Estado do Maranhão Por sua vez, o Edital nº 11/2023 PROEN-UFMA, que regulamentou o processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação da UFMA no 1º semestre de 2023, estabeleceu, no item 6.9, a concessão de um bônus de 5% (cinco por cento), não cumulativo, aos candidatos que tenham concluído integralmente o Ensino Médio (1º, 2º e 3º ano) em escolas regulares e presenciais localizadas no Estado do Maranhão (Id 398532681). Com efeito, não se desconhece a prerrogativa assegurada às universidades de elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos, a qual decorre de sua autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, cuja proteção encontra guarida no art. 207 da Constituição Federal. Contudo, essa autonomia não é ilimitada, de modo que quaisquer políticas institucionais, incluindo os critérios de seleção de candidatos, devem encontrar respaldo na legislação vigente e nos princípios que regem a igualdade de acesso ao ensino superior. Na esteira do que vem decidindo o STF, a adoção desses critérios viola as teses vinculantes firmadas pela Corte no julgamento ADI 4.868 e no RE 614.873, afetado ao Tema 474 da Repercussão Geral. Por oportuno, registre-se que, na ADI nº 4868/DF, proposta contra a expressão “do Distrito Federal” constante do art. 1º da Lei Distrital nº 3.361/2004, que instituiu sistema de cotas para ingresso nas universidades e faculdades públicas distritais, na proporção mínima de 40% (quarenta por cento) por curso e por turno, exclusivamente para alunos oriundos de escolas públicas do próprio Distrito Federal, o e. Supremo Tribunal Federal decidiu nos seguintes termos: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei Distrital 3361/2004. Sistema de cotas para ingresso nas Universidades e faculdades públicas do Distrito Federal. 3. Reserva de 40% das vagas para alunos que comprovem ter cursado integralmente os ensinos fundamental e médio em escolas públicas do Distrito Federal. 4. Discriminação em razão da origem. Critério espacial que não se justifica em razão da política de ação afirmativa que busca garantir igualdade de oportunidade aos oriundos da escola pública. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “do Distrito Federal”, constante do artigo 1º da Lei Distrital 3.361/2004. Modulação de efeitos. (ADI 4868, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 27-03-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 14-04-2020 PUBLIC 15-04-2020) Acrescente-se que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 614.873, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 2.894/2004 do Estado do Amazonas, que reservava 80% das vagas do vestibular da universidade estadual a estudantes que houvessem cursado integralmente o ensino médio em instituições de ensino públicas ou privadas situadas no estado. Assim, restou ementado o referido julgado: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESERVA DE VAGAS EM VESTIBULAR DE UNIVERSIDADE ESTADUAL PARA EGRESSOS DE ESCOLAS DE ENSINO MÉDIO DA RESPECTIVA UNIDADE FEDERATIVA. LEI DO ESTADO DO AMAZONAS 2.894/2004, QUE CRIA SISTEMA DE COTAS PARA PREENCHIMENTO DE VAGAS EM UNIVERSIDADE ESTADUAL PARA CANDIDATOS EGRESSOS DE ESCOLAS LOCALIZADAS NO RESPECTIVO ENTE FEDERATIVO. NÃO PODE O ENTE FEDERATIVO CRIAR DISCRIMINAÇÕES REGIONAIS INFUNDADAS, DE FORMA A FAVORECER APENAS OS RESIDENTES EM DETERMINADA REGIÃO, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 3º, IV; 5º, CAPUT ; E 19, III, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE OS ENTES DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA ESTABELECEREM RELAÇÕES DE PREFERÊNCIAS ENTRE BRASILEIROS EM RAZÃO DE SUA ORIGEM OU PROCEDÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Discute-se no Recurso Extraordinário interposto pela UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS a compatibilidade, com o artigo 5º, caput e incisos I e II, da Constituição Federal, da previsão contida na Lei estadual 2.894/2004, que estabelece a reserva de 80% das vagas destinadas a vestibulares da supracitada instituição de ensino superior a candidatos egressos de escolas situadas naquele ente federado, desde que nelas tenham cursado os três anos do ensino médio. 2. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, ante seu rompimento com o regime ditatorial até então vigente, foi a que mais se preocupou com a igualdade de direitos, o que pode ser notado tanto no Preâmbulo, como em diversos dispositivos ao longo da Carta (ex: artigos 3º, III; 4º, V; 5º, caput ; 14, caput ; 19, III; 43, caput ; 150, II; 165, §7º; 170, VII, entre outros). Logo, todos os cidadãos têm o direito constitucionalmente assegurado de receber tratamento igualitário. 3. O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito. 4. Assim, a despeito da nobre hipótese de se corrigirem distorções socioeconômicas, como se pode observar, por exemplo, da reserva de vagas para alunos egressos de escolas públicas, não pode o ente federativo criar discriminações regionais infundadas, de forma a favorecer apenas os residentes em determinada região, sob pena de violação aos artigos 3º, IV; 5º, caput ; e 19, III, todos da Constituição Federal. 5. Na ADI 4382 (Plenário, DJ de 30/10/2018), o PLENÁRIO do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu que, como corolário do princípio da isonomia posto em seu art. 5º, caput, a Constituição Federal enuncia expressamente, no inciso III do art. 19, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si . 6. A jurisprudência da CORTE firmou-se no sentido de inibir que sejam estabelecidas pelos entes da federação brasileira relações de preferências entre brasileiros em razão de sua origem ou procedência. 7. Tema 474 da repercussão geral cancelado. Recurso Extraordinário desprovido, julgando-se inconstitucional a Lei 2.894/2004 do Estado do Amazonas . (RE 614873, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 19-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - ADMISSIBILIDADE DJe-s/n DIVULG 01-02-2024 PUBLIC 02-02-2024) No voto condutor do acórdão, o Ministro Alexandre de Moraes destacou que “a despeito da nobre hipótese de se corrigirem distorções socioeconômicas, como se pode observar, por exemplo, da reserva de vagas para alunos egressos de escolas públicas, não pode o ente federativo criar discriminações regionais infundadas, de forma a favorecer apenas os residentes em determinada região, sob pena de violação aos artigos 3º, IV; 5º, caput; e 19, III, todos da Constituição Federal”. Como dito, em decorrência desses precedentes, o STF, em diversas Reclamações Constitucionais, tem afastado a aplicação de critérios de bonificação regional para acesso a cursos de ensino superior que promovam distinção entre brasileiros em razão da origem, por entender que a distinção entre brasileiros com base na origem geográfica nos processos seletivos viola o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput). Nesse sentido, no julgamento da Reclamação nº 65.976/MA, o STF reconheceu a impossibilidade de discriminação em razão da origem na concessão de bonificação para o curso de Medicina da Universidade Federal do Maranhão. Confira-se a ementa do julgado: EMENTA: RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL BÔNUS DE INCLUSÃO REGIONAL A ESTUDANTES QUE TENHAM CONCLUÍDO O ENSINO MÉDIO NAS IMEDIAÇÕES DE MUNICÍPIO. DEFERIMENTO DE BONIFICAÇÃO DE 20% SOBRE A NOTA DO ENEM PARA O CURSO DE MEDICINA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA ORIGEM: IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AFASTAMENTO DO ÓBICE DE CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO EM LOCALIDADE PRÓXIMA AO CAMPUS DA UNIVERSIDADE MARANHENSE PARA OBTENÇÃO DA PONTUAÇÃO ADICIONAL. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (STJ, Primeira Turma, Rcl 65976, rel. Ministra Cármen Lúcia, julgado em 21/05/2024, DJe 21/082024). Na mesma linha, a decisão monocrática proferida pelo Ministro Flávio Dino, na Reclamação nº 66.882, a qual tinha por objeto ato da Universidade de Pernambuco. Tal medida instituía a concessão de um “bônus regional” de 10% na pontuação final do ENEM para candidatos provenientes das Regiões Metropolitanas do Recife e da Mata Pernambucana. Quanto aos aspectos relevantes da decisão, transcreve-se o seguinte trecho: Na ADI 7.458/PB, o STF declarou inconstitucional a bonificação para candidatos residentes em uma região específica do estado, afirmando que tais políticas devem ser orientadas por critérios que promovam a igualdade efetiva, e não que segreguem ou criem privilégios baseados em localidade. No caso da ADI 4868/DF, o STF julgou inconstitucional a reserva de vagas para estudantes que comprovadamente cursaram todo o ensino médio em escolas públicas do Distrito Federal. O Tribunal entendeu que tal reserva baseada em critérios geográficos promovia discriminação injustificada entre brasileiros, contrariando o art. 19, III, da Constituição Federal, que proíbe distinções entre brasileiros ou preferências entre si. As circunstâncias fáticas do presente caso — em que a UPE determina a concessão de um bônus exclusivamente aos estudantes de certas regiões geográficas — estão em estrita aderência aos precedentes invocados, evidenciando uma situação fática semelhante àquelas já consideradas inconstitucionais por esta Corte. Ressalvo meu entendimento pessoal no sentido de que são constitucionais medidas que buscam equilibrar desigualdades regionais sob determinadas condições. Porém, como Ministro desta Corte, devo aderir à jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, que rejeita a validade de critérios puramente geográficos como justificativa para concessão de bonificação de pontuação em processos seletivos de acesso ao ensino superior.” (Rcl 66.882, rel. Min. FLÁVIO DINO, j. 03/05/2024, DJe 07/05/2024). Seguindo esse entendimento, assim decidiu esta 11ª Turma, em processo que discutia a aplicação de bonificação regional para estudantes que tivessem concorrido pelo sistema de cotas para ingresso no ensino superior e não apenas para aqueles que participaram na categoria de “ampla concorrência”: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. BONIFICAÇÃO REGIONAL. RESOLUÇÃO CONSEPE 1653/2017. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO ACESSO À EDUCAÇÃO E DA PROCEDÊNCIA GEOGRÁFICA. PRETENSÃO DE DUPLA INCIDÊNCIA DAS COTAS. LIMINAR CONCEDIDA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. 1. A controvérsia instaurada nestes autos gira em torno do efetivar a matrícula do Impetrante no curso de Medicina, para o qual foi aprovado pelo SISU, com o acréscimo da Bonificação Estadual de 20% (vinte por cento), benefício concedido através da Resolução n.º 1653/2017 do CONSEPE aos alunos que cursaram os últimos quatro anos escolares em instituições situadas no Estado do Maranhão. 2. O EDITAL PROEN Nº 30/2021 restringiu a aplicação do bônus somente aos candidatos que optarem pelas vagas destinadas à ampla concorrência. 3. A questão posta em discussão trata da pretensão de se conceder referida bonificação, de acréscimo de 20% na nota do ENEM, para os estudantes que tenham concorrido pelo sistema de cotas para ingresso no curso superior, e não somente àqueles que tenham concorrido na categoria de "ampla concorrência". 4. Este Tribunal, ao apreciar a matéria, consignou que o critério utilizado para o acesso à universidade pública, por meio de resolução interna e de edital, dando prioridade aos inscritos que residirem em determinado Estado da Federação, geralmente naquele em que sediada a instituição de ensino superior, ofende os princípios da isonomia e da legalidade, o que viola a Constituição Federal também por estabelecer diferenciação baseada na origem geográfica e federativa do candidato. Precedentes. 5. Considerando-se, no entanto, que houve concessão de medida liminar à impetrante em 09.04.2021, permitindo a sua participação no SISU concorrendo às vagas da UFMA pelo critério cumulativo das ações afirmativas previstas na Lei 12.711/2012 e da Resolução 1.653/2017-CONSEPE, consolidou-se a situação fática cuja desconstituição não se recomenda, devendo ser mantida, nos termos em que proferida a sentença. 6. Apelação e remessa necessária a que se nega provimento. (AMS 1015025-91.2021.4.01.3700, DESEMBARGADOR FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO, TRF1 - DÉCIMA-PRIMEIRA TURMA, PJe 13/06/2024 PAG.) Confira-se, ainda, os seguintes julgados: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ENSINO. AÇÃO MANDAMENTAL. SISTEMA DE COTAS. AÇÕES AFIRMATIVAS. CUMULAÇÃO COM CRITÉRIOS DE BONIFICAÇÃO INSTITUÍDA EM FAVOR DOS ALUNOS EGRESSOS DE ESCOLAS LOCAIS. IMPOSSIBILIDADE. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA. OFENSA AOS PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE E DA ISONOMIA. RECURSO NÃO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. 1. A questão controvertida diz respeito à possibilidade de cumulação de ações afirmativas instituídas por intermédio da Lei 12.711/2012 com os critérios de bonificação disciplinado pela Resolução 1.653/2017. 2. Na concreta situação dos autos, a pretensão foi rejeitada sob o fundamento de que a parte impetrante já foi alcançada por ação afirmativa, ao disputar uma das vagas do curso de Medicina destinadas aos candidatos autodeclarados pretos ou pardos, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 (um e meio) salário mínimo que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas não sendo admissível a cumulação com a desejada bonificação instituída em favor dos alunos egressos de escolas locais. 3. A instituição de ensino superior possui autonomia didático-científica para estabelecer os critérios mínimos necessários ao ingresso de estudantes no âmbito acadêmico, tal como autoriza o art. 207 da CF/88. No entanto, a prerrogativa deve estar em sintonia com outros princípios igualmente consagrados pelo ordenamento jurídico constitucional. 4. Na espécie, verifica-se que a universidade federal deixou de levar em consideração a isonomia entre os candidatos, ao editar a Resolução 1.653/2017 e instituir uma bonificação de 20% (vinte por cento) em favor do estudante que tenha cursado ensino fundamental e médio no Estado do Maranhão. Ao assim proceder, a parte ré criou uma aparente desigualdade ilegítima entre os candidatos e ao mesmo tempo violou o art. 19, inciso III, da CF/88, segundo o qual, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. 5. o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.868/DF, da ADPF 186/DF e do RE 614.873/AM, em sede de repercussão geral (Tema 474), assentou a orientação da existência de vedação constitucional a que entes da federação estabeleçam vantagens entre brasileiros em razão de sua origem ou procedência (cf. respectivamente: Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Gilmar Mendes, DJ 15/04/2020; Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, DJ 20/10/2014; Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Marco Aurélio, DJ 29/09/2011). 6. Nessa vertente intelectiva, a Suprema Corte adota o entendimento no sentido de afastar critérios de bonificação regional para o acesso a curso de ensino superior que promovam a distinção entre brasileiros em razão da origem. (Cf. ADI 7.458/PB, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Gilmar Mendes, DJ 09/01/2024). Daí a compreensão de que a concessão de pontuação adicional na nota final do Enem para candidatos oriundos de determinada região ou que tenham concluído o ensino médio nas públicas do Estado em que sediada a Universidade pretendida viola os precedentes vinculantes anteriormente mencionados. (Cf. Rcl 66.882/PE decisão monocrática do ministro Flávio Dino, DJ 07/05/2024; Rcl 67.039-MC/AM, decisão monocrática do ministro Cristiano Zanin, DJ 15/04/2024.) 7. Nessa mesma linha de intelecção, este Tribunal pontificou o posicionamento de que o critério utilizado para o acesso à universidade pública, por meio de resolução interna e edital, dando prioridade aos inscritos que residirem em determinados Estados, ofende o princípio da isonomia. (Cf. AC 1028988-69.2021.4.01.3700, Quinta Turma, da relatoria da desembargadora federal Daniele Maranhão Costa, PJe 25/05/2023; AC 1026230-36.2020.4.01.3900, Quinta Turma, da relatoria do desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, PJe 05/05/2022; REENEC 1003397-47.2017.4.01.3700, Quinta Turma, da relatoria do juiz federal convocado Ilan Presser, PJe 29/11/2021.) 8 Apelação não provida. Agravo interno provido para reformar a decisão que antecipou os efeitos da tutela recursal e cassar a medida liminar. 9. Honorários advocatícios recursais incabíveis (Lei 12.016/2009, art. 25, c/c o art. 85, § 11, do CPC/2015). (Cf. STF, Súmula 512; ARE 1.386.048-AgR/SE, Segunda Turma, da relatoria do ministro Edson Fachin, DJ 1.º/03/2023; STJ, Súmula 105; AgInt no AREsp 1.124.937/SP, Primeira Turma, da relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/08/2019.) (AC 1006578-14.2021.4.01.3701, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO CARLOS MAYER SOARES, TRF1 - SEXTA TURMA, PJe 14/01/2025 PAG.) ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA. BONIFICAÇÃO. CRITÉRIO REGIONAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. 1. O sistema de cotas destinado aos alunos de escolas públicas visa a diminuir a exclusão e a desigualdade social, democratizando o acesso ao ensino superior. No caso presente, no entanto, a Universidade Federal, além da reserva de vagas para o sistema de cotas para alunos egressos de instituições públicas de ensino, fundamentada na Lei n. 12.711/12, criou uma bonificação de 10% (dez por cento) sobre a nota obtida no Enem, utilizando critério regional. 2. Embora se reconheça a autonomia didático-científica das Instituições de Ensino Superior, prevista no art. 207 da CF/1988, e a legitimidade da adoção de critérios para ingresso no ensino superior, tais regras devem observar os critérios da legalidade e da razoabilidade. O critério utilizado para o acesso à universidade pública, por meio de Resolução interna e edital, dando prioridade aos inscritos que residirem em determinados Estados, ofende o princípio da isonomia. 3. Considere-se, na hipótese dos autos, que a situação fática foi consolidada devido a liminar concedida em 03/10/2020, efetuando a matrícula do impetrante no curso superior de Medicina em 15/10/2020. Desse modo, impõe-se a aplicação da teoria do fato consumado, haja vista que o decurso do tempo consolidou situação fática, amparada por decisão judicial, cuja desconstituição não é recomendada. 4. Honorários advocatícios incabíveis ao caso por força da Lei nº 12.016/2009. 5. Apelação e remessa oficial desprovidas. (AC 1026230-36.2020.4.01.3900, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 05/05/2022) Por fim, registra-se que a preservação do fato consumado deve ser aplicada apenas em situações excepcionais, não podendo ser utilizada como mecanismo de consolidação de situações jurídicas decididas em caráter precário. No caso em questão, não há como reconhecer a existência de uma situação fática consolidada, uma vez que a parte impetrante está cursando Medicina - curso com duração de 12 períodos - exclusivamente em razão de medida liminar concedida em março de 2023. Contudo, isso não impede que a parte, a seu critério, busque administrativamente o aproveitamento dos créditos obtidos ao longo do período em que frequentou o curso, observadas as normas institucionais aplicáveis. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que “a medida liminar respalda determinada situação de urgência, a fim de garantir a eficácia da tutela jurisdicional ao final concedida. Contudo, a persistência de seus efeitos dependem de sua confirmação a posteriori, pois é de sua essência a precariedade” (AgInt no REsp 1667151/RJ, Ministro OG Fernandes, Segunda Turma, julgado em 15/09/2020, DJe 30/09/2020). Com tais razões, voto por dar provimento à remessa necessária. Desembargador Federal NEWTON RAMOS Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 32 - DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) 1017481-43.2023.4.01.3700 JUIZO RECORRENTE: FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHAO RECORRIDO: IAN GABRIEL LUCCHESE DE SA CRUZ Advogado do(a) RECORRIDO: DANIEL JOSE GONCALVES FONTES - MA10857-A EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. BONIFICAÇÃO REGIONAL PARA INGRESSO NO CURSO DE MEDICINA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRECEDENTES DO STF. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. REMESSA NECESSÁRIA PROVIDA. I. CASO EM EXAME 1. Remessa necessária de sentença que confirmou a liminar e concedeu a segurança para determinar que os impetrados aplicassem a bonificação regional de 5% sobre a nota obtida pelo impetrante no ENEM, garantindo sua matrícula no curso de Medicina do Campus São Luís da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 2. Constatada a ausência de recurso voluntário pelas partes, os autos foram remetidos ao Tribunal para reexame obrigatório, nos termos do art. 14 da Lei nº 12.016/2009. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A controvérsia consiste em verificar se a sentença objeto de remessa necessária observou a legislação aplicável, justificando sua manutenção em sede de remessa necessária. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A Resolução CONSEPE nº 2.648/2022 e o Edital nº 11/2023 da UFMA estabeleceram um critério de inclusão regional que concede bonificação de 5% sobre a nota do ENEM para candidatos que tenham concluído integralmente o ensino médio no Estado do Maranhão. 5. A autonomia universitária garantida pelo art. 207 da Constituição Federal não é ilimitada, devendo ser compatível com os princípios da legalidade e da isonomia. 6. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 4.868 e o RE 614.873, declarou inconstitucional a concessão de bonificação regional em processos seletivos de universidades públicas, por representar discriminação injustificada em razão da origem. 7. Em diversos julgados recentes (Rcl nº 67.039/AM, Rcl nº 66.882/PE, Rcl nº 65.976/MA), o STF reafirmou a inconstitucionalidade da bonificação regional, impedindo sua aplicação em seleções para o ensino superior. 8. Na espécie, não se aplica a teoria do fato consumado, pois a matrícula do impetrante foi concedida por decisão liminar precária, sendo possível a revisão dos efeitos da medida judicial. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Remessa necessária provida. Tese de julgamento: "1. É inconstitucional a concessão de bonificação regional para ingresso em instituições de ensino superior públicas, por violar o princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988). 2. A autonomia universitária (art. 207 da CF/1988) não autoriza a instituição de critérios seletivos que estabeleçam distinção entre brasileiros em razão da origem geográfica. 3. A teoria do fato consumado não se aplica a situações derivadas de decisões liminares precárias em processos de ingresso no ensino superior". Legislação relevante citada: CF/1988, art. 5º, caput; art. 19, III; art. 207. Lei nº 12.016/2009, art. 14. Jurisprudência relevante citada: STF, ADI 4.868, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 27/03/2020; STF, RE 614.873, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 19/10/2023 (Tema 474/RG); STF, Rcl 67.039/AM, Rel. Min. Cristiano Zanin, j. 12/08/2024; STF, Rcl 66.882/PE, Rel. Min. Flávio Dino, j. 03/05/2024; STF, Rcl 65.976/MA, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 21/05/2024; TRF1, AMS 1015025-91.2021.4.01.3700, Rel. Des. Federal Rafael Paulo Soares Pinto, j. 13/06/2024; TRF1, AC 1026230-36.2020.4.01.3900, Rel. Des. Federal Carlos Augusto Pires Brandão, j. 05/05/2022. ACÓRDÃO Decide a 11ª Turma, por unanimidade, dar provimento à remessa necessária, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF. Desembargador Federal NEWTON RAMOS Relator
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear