Processo nº 1013729-25.2025.8.11.0000
ID: 322700716
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1013729-25.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
11/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1013729-25.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Estupro de vulnerável, Habeas Corpus - Cabimento]…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1013729-25.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Estupro de vulnerável, Habeas Corpus - Cabimento] Relator: Des(a). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA Turma Julgadora: [DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), JUÍZO DA 3ª VARA DA COMARCA DE NOVA MUTUM (IMPETRADO), JONAS HENRIQUE MELDOLA DA SILVA - CPF: 002.215.791-33 (ADVOGADO), M. V. S. S. - CPF: 091.340.981-27 (VÍTIMA), TARYANNE OLIVEIRA SAMPAIO - CPF: 031.359.891-60 (ADVOGADO), GERSON DO NASCIMENTO SILVA - CPF: 055.615.683-88 (PACIENTE), JONAS HENRIQUE MELDOLA DA SILVA - CPF: 002.215.791-33 (IMPETRANTE), ANA HELENA ALVES PORCEL (IMPETRADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DENEGOU A ORDEM. E M E N T A Direito Penal. Habeas Corpus. Prisão Preventiva decretada na origem. Estupro de vulnerável. Alegada fundamentação inidônea. ausência de contemporaneidade. Visada à aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Alegada presença de predicados pessoais favoráveis. Negativa de autoria. Ordem denegada. I. Caso em exame 1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado contra decisão que decretou a prisão preventiva de paciente acusado da prática de crime de Estupro de Vulnerável, supostamente cometido de forma reiterada, no âmbito familiar, contra menor com quem possuía vínculo de convivência. Sustenta-se a ausência de contemporaneidade, fundamentação deficiente, negativa de autoria e a viabilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, diante da presença de predicados pessoais favoráveis. II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em saber: (i) se a decisão que decretou a prisão preventiva apresenta fundamentação concreta e idônea, conforme o art. 312 do Código de Processo Penal; (ii) se há contemporaneidade entre os fundamentos da prisão e a atualidade da medida cautelar; (iii) avaliar a possibilidade de substituição da prisão por medidas cautelares menos gravosas, à luz do art. 319 do Código de Processo Penal; (iv) considerar se os predicados pessoais do paciente são suficientes para afastar a segregação cautelar e, (v) considerar a negativa de autoria. III. Razões de decidir 3. A prisão preventiva encontra-se suficientemente fundamentada na gravidade concreta dos fatos, evidenciada pelo modus operandi da conduta, praticada de forma reiterada, no ambiente doméstico e contra vítima em condição de especial vulnerabilidade, elementos que revelam risco à ordem pública e justificam a medida extrema, para que se evite a reiteração delitiva. 4. A alegada ausência de contemporaneidade não se sustenta, uma vez que os fundamentos da prisão permanecem atuais, refletindo risco concreto e persistente de reiteração delitiva e abalo à instrução criminal, ainda que os fatos tenham sido iniciados em momento pretérito. 5. As condições pessoais favoráveis do paciente, tais como primariedade, residência fixa e ocupação lícita, não impedem a decretação ou a manutenção da custódia preventiva, quando presentes elementos concretos que demonstrem sua necessidade, como na hipótese. 6. Medidas cautelares diversas da prisão mostram-se inadequadas e insuficientes diante da gravidade dos fatos e da necessidade de resguardar a integridade psíquica da vítima. 7. A tese de negativa de autoria demanda reexame aprofundado do conjunto fático-probatório, providência incompatível com a via estreita do habeas corpus, conforme jurisprudência consolidada. IV. Dispositivo e tese 5. Ordem denegada. Tese de julgamento: “1. A prisão preventiva é justificada pela gravidade concreta dos fatos e pelo risco de reiteração delitiva, especialmente em casos de abuso reiterado contra vítima vulnerável no ambiente doméstico. 2. A ausência de contemporaneidade não se verifica quando os fundamentos da prisão permanecem atuais e evidenciam riscos concretos. 3. Condições pessoais favoráveis não afastam a custódia preventiva diante da presença de elementos que demonstrem sua imprescindibilidade. 4. Medidas cautelares diversas da prisão são inadequadas quando não garantem a proteção da vítima nem a ordem pública. 5. A negativa de autoria exige análise probatória aprofundada, incabível na via do Habeas Corpus.”. Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 282, I e II; 312; 319; CF/1988, art. 227. Jurisprudência relevante citada: STJ- AgRg no HC: 808180 CE 2023/0080347-0, Relator.: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 26/06/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2023, RHC: 200601 GO 2024/0245160-9, Relator.: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 22/10/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2024, AgRg no RHC n. 183.394/GO, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 5/3/2024, AgRg no RHC n. 126.955/PA, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 8/9/2020, DJe de 15/9/2020., TJMT- N.U 1012247-76.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 24/06/2024, Publicado no DJE 02/07/2024, N.U 1013152-47.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 20/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025, N.U 1010543-91.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 20/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025. R E L A T Ó R I O Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Gerson do Nascimento Silva, contra ato supostamente ilegal do MM. Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Nova Mutum-MT, que decretou a prisão preventiva do paciente. Em linhas gerais, narra-se que o mandado de prisão preventiva foi expedido, e posteriormente cumprido no dia 16.4.2025, nos autos da Medida Cautelar nº 1002011-64.2025.8.11.0086, em decorrência de representação do Ministério Público, instaurada para apuração da possível responsabilidade penal do paciente pela prática do crime de Estupro de Vulnerável (art. 217-A do Código Penal), supostamente cometido contra a vítima M.V.S.S., de 13 anos de idade. Sustenta que a prisão preventiva está eivada de ilegalidade, seja porque embasada em fundamentos genéricos e abstratos, seja por não atender ao requisito da contemporaneidade, e destaca que o paciente apresentaria condições pessoais favoráveis que, em tese, afastariam a necessidade de sua segregação. Aduz que o laudo pericial realizado na vítima indicou “rotura himenal antiga”, o que, por si só, não permite afirmar a autoria do delito, diante da ausência de nexo causal ou de indicação precisa quanto ao momento do suposto abuso. Aponta-se, ainda, que não foram identificados sinais de violência física recente, demonstrando a ausência de autoria. Ressalta, por fim, que o comportamento da vítima seria marcado por insubordinação familiar, revelado por conduta rebelde e tendência a “inventar histórias”, o que, segundo a defesa, reforçaria a necessidade de concessão da liberdade ao paciente. Com base nesses argumentos, requereu-se a concessão liminar da ordem, com a revogação da custódia preventiva diante da deficiência de respaldo probatório mínimo para a manutenção do cárcere do paciente, mediante aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, pleiteando-se a confirmação da tutela de urgência no mérito (ID 283619388). Instruiu a inicial com documentos (ID 283619389 e ss.). O pedido liminar foi indeferido (ID 283781855). A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, por meio de parecer subscrito pela Procuradora Ana Cristina Bardusco Silva, opinou pela denegação da ordem, conforme sumário que segue transcrito (ID 287735370): “Sumário: Habeas Corpus – Estupro de Vulnerável, em continuidade delitiva – art. 217-A, do CP – decretação da prisão preventiva – alegação de ausência de indícios de autoria – impossibilidade de análise na via estreita do habeas corpus – Enunciado nº. 42/TCCR-TJMT – Paciente denunciado na origem – análise de mérito do fato que deve ser reservada às vias ordinárias - Requisitos da prisão preventiva (CPP, art. 312, c/c art. 313, I) - necessidade de assegurar a ordem pública - delitos contra a dignidade sexual de 01 (uma) infante - Delitos de natureza grave – Paciente que teria abusado da vítima, neta de sua esposa, com apenas 09 (nove) anos de idade na época do fato, praticando com ela atos libidinosos e conjunção carnal, por reiteradas vezes – fatos que perduraram por quase 04 (quatro) anos, até a ofendida completar 13 (treze) anos de idade - Risco de reiteração delitiva, diante do contexto familiar em que os fatos ocorreram – necessidade de resguardar, também, a integridade psíquica da vítima, que necessitou se submeter a acompanhamento psicológico após tomar coragem para relatar os abusos a que foi submetida - fator que também justifica a necessidade de manutenção da custódia para que a colheita de provas ocorra sem percalços e de forma segura e tranquila –Decreto prisional contemporâneo com os motivos que o justificam – insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão - Pelo CONHECIMENTO e DENEGAÇÃO da ordem”. É o relatório. Em pauta. V O T O R E L A T O R Infere-se dos autos que o Ministério Público, após ser notificado pelo Projeto Luz (SIMP n. 001788-030/2025) acerca de relato envolvendo a adolescente M.V.S.S., de 13 anos, informou à autoridade judicial que, em 7.4.2025, a vítima teria confidenciado à Daniele de Souza Silva, professora da Escola Virgílio Corrêa Filho, situada no município de Nova Mutum-MT, a suspeita de que estaria gestante. Consta que, ao ser indagada por sua professora, a vítima revelou que vinha sofrendo abusos praticados pelo companheiro de sua avó (o paciente), acrescentando que “não seria a primeira vez” e que os episódios teriam se iniciado no ano de 2020, quando ainda tinha 9 anos de idade. Diante da gravidade da revelação, a educadora comunicou os fatos ao Conselho Tutelar, que prontamente os encaminhou à autoridade policial, a qual determinou a realização de exame pericial na criança, com vistas à apuração da veracidade das alegações. Na sequência, o Ministério Público representou pela decretação da prisão preventiva do paciente nos autos da medida cautelar, pedido este que foi acolhido pelo Juízo apontado como coator, resultando na expedição do respectivo mandado, posteriormente cumprido em 16.4.2025 (ID 283619394), conforme registrado nos autos: “(...) A materialidade do crime restou comprovada pelo boletim de ocorrência, laudo de constatação de violência sexual, e os indícios de autoria repousam nas declarações prestadas pela vítima perante a sua professora e o Conselho Tutelar, evidenciando, portanto, o fumus comissi delicti. (...) Assim, os depoimentos das pessoas que ouviram informalmente os seus relatos já formam indícios suficientes da autoria delitiva do crime que se imputa ao representado. Outrossim, para a decretação da prisão preventiva, não se exige prova concludente de autoria delitiva, reservada à condenação criminal, mas apenas indícios suficientes desta, que, pelo cotejo dos elementos que instruem o feito, se fazem presentes. (...). O periculum libertatis, por sua vez, externa-se na gravidade concreta do crime, já que o representado, aproveitando-se da proximidade advinda do seio familiar, teria abusado sexualmente da vítima, que é neta de sua esposa, e contava com apenas 09 anos de idade quando os atos se iniciaram, e teriam continuado até ela completar 13 anos. Os atos libidinosos, de extrema gravidade dentro do espectro abrangido pelo delito (toques lascivos, penetração de dedos e ejaculação na genitália da vítima, que chegaram a causar rotura himenal e até a desconfiança de uma possível gravidez), teriam ocorrido enquanto a vítima e sua irmã estavam sob os cuidados da avó e do requerido, e enquanto todos dormiam no mesmo quarto, a demonstrar a total audácia e periculosidade do investigado. (...). O laudo ainda concluiu que: “A pericianda apresenta rotura himenal cicatrizada às 05 horas, podendo corresponder a conjunção carnal ou ato libidinhoso com introdução de dedos/objeto na vagina. Possui nexo temporal compatível com o relato apresentado (ocorrido há mais de 20 dias).” Tais circunstâncias evidenciam a gravidade concreta da conduta, porquanto extrapolam a mera descrição dos elementos próprios do tipo penal em questão, além de evidenciarem o risco palpável de reiteração delitiva, pois teriam sido perpetrados por anos, de modo que medidas cautelares alternativas evidentemente não seriam suficientes, havendo grandes chances de que a própria mãe as desrespeite (...)”. Destaque original. Os fundamentos invocados na decisão impugnada são adequados e revestidos de idoneidade, por evidenciarem a gravidade concreta dos fatos, o elevado grau de reprovabilidade da conduta e da periculosidade social, em tese, do paciente, especialmente no tocante à integridade física e psíquica da neta de sua companheira, circunstâncias que legitimam uma resposta mais enérgica por parte do Poder Judiciário. Segundo os elementos informativos reunidos nos autos, os abusos teriam se iniciado no ano de 2020 quando a vítima contava apenas nove anos de idade, ocasião em que o paciente, em tese, passou a acariciar suas partes íntimas — notadamente a região vaginal e os seios —, condutas que eram acompanhadas da entrega de presentes, como roupas e um telefone celular, em aparente tentativa de aliciamento e de seu silêncio. Relatam-se, ainda, episódios de tentativa de conjunção carnal, frustrada pela dor e pelo choro da menor, além da introdução de dedos na vagina e de ejaculação na genitália, que em tese, teriam causado rotura himenal. O laudo pericial realizado na criança teria indicado “rotura himenal cicatrizada às 05 horas, podendo corresponder a conjunção carnal ou ato libidinhoso com introdução de dedos/objeto na vagina. Possui nexo temporal compatível com o relato apresentado” (ID 283619394 - Pág. 26/30). Os indícios firmam que o paciente, valendo-se da condição de convivente da avó da vítima, teria, no ambiente doméstico e de forma reiterada, ao longo de aproximadamente quatro anos, submetido a menor a sucessivos atos libidinosos distintos da conjunção carnal, os quais, posteriormente, teriam evoluído para práticas que indicam possível consumação do coito. Com efeito, ainda que o laudo de exame de corpo de delito (ID 190268121) tenha apontado a presença de “rotura himenal antiga”, trata-se de elemento que, embora não conclusivo por si só quanto à autoria, tempo ou nexo direto com os abusos denunciados, também não exclui a ocorrência dos fatos, especialmente quando se está diante de crime de natureza clandestina, com dinâmica muitas vezes marcada pela repetição e coação moral no ambiente doméstico. Se não bastasse, nas informações prestadas de ID 284797387, o Magistrado asseverou que “a vítima já foi ouvida em caráter de produção antecipada de prova, por meio de depoimento especial, nos autos de n. 1002012-49.2025.8.11.0086, cuja prova já foi homologada pelo Juízo, ocasião em que a ofendida confirmou os abusos sofridos”. Ademais, a alegação de ausência de elementos que individualizem a conduta do paciente não se sustenta diante do conjunto probatório constante nos autos, notadamente os relatos coerentes da vítima, que, em diferentes momentos, apontam, em tese, a reiteração de atos libidinosos praticados pelo acusado. Ademais, o fato de o paciente ter permanecido em liberdade por certo período de tempo, até o cumprimento do mandado de prisão, não é suficiente para afastar o perigo concreto à ordem pública e a presunção de risco à integridade psíquica da vítima. Nesse ponto, como bem destacado pelo douto parecerista, o impacto emocional provocado na vítima é elemento que reforça a necessidade da segregação cautelar, tanto, que após romper o silêncio que manteve por mais de 4 anos, a ofendida passou a necessitar de acompanhamento psicológico, evidenciando o abalo profundo em sua saúde mental (ID 287735370). Se é assim, a colocação do paciente em liberdade, nessas circunstâncias, representa risco não apenas à ordem pública, mas também à tranquilidade e ao processo de recuperação da vítima, que ainda se encontra em fase de desenvolvimento . Por fim, convém sublinhar que a proteção da vítima e a preservação da credibilidade da jurisdição penal exigem atuação firme diante de indícios robustos de abuso sexual no seio familiar. A jurisprudência é pacífica ao reconhecer que a gravidade concreta da conduta, especialmente quando perpetrada em contexto de confiança e contra pessoa vulnerável, justifica a imposição da prisão preventiva como meio necessário para interromper o ciclo de violência, preservar a paz social e assegurar a efetividade da persecução penal. Tais circunstâncias, diante da gravidade concreta dos fatos narrados e da natureza das condutas atribuídas ao paciente —, em tese, praticadas de forma reiterada no ambiente doméstico, contra vítima em situação de especial vulnerabilidade e ao longo de um extenso lapso temporal —, evidenciam indícios de acentuado desvio de personalidade e elevado grau de periculosidade, aptos a justificar a adoção da medida extrema como forma de proteção à ordem pública. Esse quadro, somado ao fundado receio de reiteração delitiva, justifica a necessidade da custódia cautelar como medida imprescindível à garantia da ordem pública, como também para resguardar a integridade psíquica da vítima e da própria coletividade. Vejamos, aliás, como o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo em casos semelhantes: “(...) 1. Agravante preso em flagrante, convertido em prisão preventiva, como incurso no art. 217-A do Código Penal, por supostamente praticar atos libidinosos contra vítima de quatro anos de idade, aproveitando-se de seu relacionamento com a avó da menor. 2. A prisão preventiva está satisfatoriamente fundamentada na garantia da ordem pública, com base na gravidade do delito, consubstanciado no modus operandi do crime, o que evidencia a perniciosidade social e o desvio da personalidade do Acusado. 3. Anote-se que, consoante a jurisprudência da Suprema Corte, "a periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi, e a probabilidade concreta de reiteração na prática criminosa constituem fundamentação idônea para a decretação da custódia cautelar" (HC 137.131/RS-AgR, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, PRIMEIRA TURMA, DJe 16/05/2017). 4. Saliento que "[a] presença de circunstâncias pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa, não tem o condão de garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese. Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão" (AgRg no HC 608.528/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 19/10/2020). (...) 6. Agravo regimental desprovido (...)”.(AgRg no RHC n. 183.394/GO, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 5/3/2024.). “(...) I - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. II - Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, que evidenciam de maneira inconteste a necessidade da prisão para garantia da ordem pública, notadamente em razão do modus operandi empregado, consubstanciado em estupro de vulnerável, cometido em ambiente familiar, contra a neta de sua companheira, de forma reiterada, tudo a revelar a periculosidade do agente e a gravidade concreta da conduta, e a justificar a imposição da medida extrema na hipótese. Precedentes. (...) Agravo regimental desprovido (...)”. (AgRg no RHC n. 126.955/PA, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 8/9/2020, DJe de 15/9/2020.). Ademais, cumpre esclarecer que o requisito da contemporaneidade, no âmbito da prisão preventiva, não se confunde com a mera proximidade temporal entre a data da suposta infração penal e a decretação da medida cautelar extrema. Essa exigência deve ser compreendida à luz da atualidade dos fundamentos fáticos e jurídicos que evidenciem a imprescindibilidade da segregação cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Em outras palavras, a contemporaneidade diz respeito à subsistência dos riscos concretos que a liberdade do investigado ou réu representa à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, e não ao marco cronológico da conduta delitiva. Nesse sentido, a eventual defasagem temporal entre o fato investigado e a decisão judicial não descaracteriza, por si só, a legitimidade da prisão preventiva, especialmente quando persistem elementos que indicam a probabilidade de reiteração criminosa, risco à coleta probatória ou abalo à credibilidade do sistema de justiça penal. No caso em apreço, embora o suposto delito tenha se iniciado em 2020, conforme relato da vítima, há indicativos de que as condutas ilícitas se prolongaram no tempo, vindo a ser efetivamente reveladas apenas em 2025, o que afasta qualquer alegação de perda da contemporaneidade, confira-se jurisprudência acerca do tema: “(...) A contemporaneidade está relacionada aos motivos que ensejaram a prisão preventiva, e não, com o suposto momento da prática dos delitos a que o paciente está sendo acusado, o que se quer dizer é que, “é desimportante que o fato ilícito tenha sido praticado há lapso temporal longínquo, sendo necessária, no entanto, a efetiva demonstração de que, mesmo com o transcurso de tal período, continuam presentes os requisitos (i) do risco à ordem pública ou (ii) à ordem econômica, (iii) da conveniência da instrução ou, ainda, (iv) da necessidade de assegurar a aplicação da lei penal'. (...)”. (STJ. RHC n. 174.360/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 9/3/2023). 4. Uma vez que a manutenção da custódia preventiva está fundamentada na presença dos requisitos e pressupostos autorizadores da medida, não há se falar que no decisum se deixou de apreciar a possibilidade de aplicação do art. 319, CPP, dada a evidente incompatibilidade das cautelares mais brandas com a necessidade de garantir a ordem pública. (N.U 1012247-76.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 24/06/2024, Publicado no DJE 02/07/2024). Para além disso, comportamentos considerados inadequados da vítima pela defesa — como atos de rebeldia, consumo de bebidas alcoólicas, uso de cigarro, relacionamentos com adolescentes da mesma faixa etária ou mesmo fugas do ambiente doméstico — não possuem qualquer relevância jurídico-penal capaz de comprometer a credibilidade dos relatos prestados nos presentes autos, tampouco autorizam a banalização de condutas abusivas. Acresça-se que a tentativa de rotular a vítima como mentirosa, manipuladora ou pessoa de “conduta desviada” mostra-se incompatível com o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, previsto no art. 227 da Constituição Federal. De igual modo, eventual declaração da genitora da vítima no sentido de que “não mais suportaria a convivência com a menina” não descaracteriza a materialidade nem os indícios de autoria em casos dessa natureza. Tais alegações, de cunho subjetivo, descontextualizadas e desprovidas de respaldo técnico, não têm o condão de fragilizar a manutenção da prisão preventiva, sobretudo porque a tutela penal incide justamente sobre o desenvolvimento sexual seguro e saudável da vítima, independentemente de seu comportamento social ou familiar. Ressalte-se, ademais, que o objeto da investigação é o suposto crime atribuído ao paciente, e não a eventuais comportamentos de rebeldia da vítima, os quais a defesa, de forma sugestiva, tenta utilizar como fundamento para a soltura do acusado — pretensão inadmissível na via estreita do Habeas Corpus. Desenhado esse quadro, não se vislumbra qualquer evidência de desnecessidade da medida constritiva, tampouco se reconhece a ausência de risco concreto decorrente da liberdade do paciente ou a suposta nulidade dos fundamentos jurídicos que embasaram a decretação da prisão preventiva. Prosseguindo na análise do presente writ, verifica-se que a tese de negativa de autoria demanda reexame aprofundado do conjunto fático-probatório, providência que se revela incabível na estreita via do Habeas Corpus, como bem ilustra o Enunciado nº. 42 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas: “Não se revela cabível na via estreita do habeas corpus discussão acerca da autoria do delito”. Colaciona-se julgado nesse sentido: “(...)... a negativa de autoria demandaria a incursão no conjunto fático-probatório, inadmissível na via eleita, dada a natureza do mandamus, o qual, como é sabido, não admite exame aprofundado de provas ou valoração dos elementos de convicção coligidos nos autos, análise essa reservada à via ordinária da ação penal. (Enunciado Orientativo n. 42 do TJMT) (...)”. (N.U 1013152-47.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 20/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025). Ainda nesse contexto, embora as condições pessoais favoráveis do paciente mereçam registro, é certo que, isoladamente, não se revelam suficientes para obstar a segregação cautelar, sobretudo quando presentes os pressupostos e requisitos legais que legitimam a medida extrema, como parece evidenciado na hipótese em análise. Sobre o tema, segue excerto de julgado do Superior Tribunal de Justiça: “O fato de o acusado possuir bons predicados pessoais, como residência fixa e trabalho lícito, por si só, não afasta a necessidade da prisão preventiva, conforme pacífico entendimento desta Corte (...)”. (STJ - RHC: 200601 GO 2024/0245160-9, Relator.: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 22/10/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2024). Seguindo essa mesma orientação, o Enunciado nº. 43 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas pontua que: “As condições pessoais favoráveis não justificam a revogação, tampouco impedem a decretação da custódia cautelar, quando presente o periculum libertatis”. A propósito, confira-se jurisprudência deste Tribunal de Justiça: “(...) 5. Condições pessoais favoráveis, como primariedade, residência fixa e bons antecedentes, não são suficientes para afastar a prisão preventiva quando presentes os demais requisitos legais. 6. Medidas cautelares diversas da prisão mostram-se inadequadas e insuficientes frente ao contexto de tráfico em larga escala e à estrutura criminosa evidenciada.(...)”. (N.U 1010543-91.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 20/05/2025, Publicado no DJE 23/05/2025). Por fim, em sede de juízo preliminar de cognição, não se mostra viável a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas, porquanto estas se revelam inadequadas e insuficientes para assegurar os objetivos da custódia, nos termos do que dispõe o art. 282, incisos I e II, do Código de Processo Penal. Em reforço, colhe-se da Corte Cidadã: “Esta Corte entende que havendo fundamentos concretos para justificar a custódia cautelar, por consequência lógica, torna-se incabível sua substituição por medidas cautelares alternativas à prisão, por serem insuficientes” (STJ - AgRg no HC: 808180 CE 2023/0080347-0, Relator.: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 26/06/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/06/2023). DISPOSITIVO Isto posto, em sintonia com o parecer ministerial, denego a ordem intentada pela defesa do paciente Gerson do Nascimento Silva. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025
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