Processo nº 1013479-65.2022.8.11.0042
ID: 261289631
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1013479-65.2022.8.11.0042
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PITAGORAS PINTO DE ARRUDA
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1013479-65.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Injúria, Ameaça, Violência Doméstica Contra a Mulher,…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1013479-65.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Injúria, Ameaça, Violência Doméstica Contra a Mulher, Contra a Mulher] Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), WILLIAN JHONY DELGADO DE CARVALHO - CPF: 038.744.061-56 (APELANTE), PITAGORAS PINTO DE ARRUDA - CPF: 012.105.911-11 (ADVOGADO), WALDEMIR RODRIGUES DE MATOS - CPF: 571.007.481-00 (TERCEIRO INTERESSADO), RYAN KELVIM PINHO DE SOUZA - CPF: 030.291.091-35 (TERCEIRO INTERESSADO), JENNIFER SOARES DA SILVA - CPF: 701.435.951-72 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1013479-65.2022.8.11.0042 APELANTE: WILLIAN JHONY DELGADO DE CARVALHO APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO EMENTA: DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL E VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. PROVA SUFICIENTE. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Apelação criminal contra sentença que condenou o réu à pena de 3 anos, 9 meses e 15 dias de reclusão, em regime semiaberto, pela prática de dois crimes de lesão corporal (art. 129, § 13º do CP) e um de violência psicológica contra a mulher (art. 147-B do CP), todos cometidos no contexto de violência doméstica e familiar. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em saber se a prova constante dos autos é suficiente para sustentar a condenação pelos crimes de lesão corporal e violência psicológica, e, em caso positivo, se é cabível a desclassificação da conduta ou a redução da pena. III. Razões de decidir A palavra da vítima, coerente e corroborada por prova testemunhal, laudo pericial e depoimentos de policiais, revela com segurança a ocorrência dos delitos e a autoria. As lesões corporais estão comprovadas pela prova testemunhal, por exames e fotografias, sendo inviável a desclassificação para vias de fato. A violência psicológica mostrou-se caracterizada por humilhações, controle da rotina e constrangimentos continuados. A pena foi corretamente fixada acima do mínimo legal, em razão de maus antecedentes e da reincidência, com fundamento em condenações distintas, afastando-se alegação de bis in idem IV. Dispositivo e tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. Restando comprovada a ocorrência de lesões corporais por meio de laudo e demais provas, é incabível a absolvição ou a desclassificação para vias de fato. 2. É admissível a condenação por violência psicológica contra a mulher com base em prova testemunhal e depoimento da vítima, ainda que ausente laudo pericial. 3. A existência de condenações anteriores distintas permite a consideração de uma como maus antecedentes e outra como reincidência, sem caracterizar bis in idem." Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 129, § 13º; 147-B; 59; 61, I; CPP, art. 386, VII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 2.062.933/PR; STJ, AgRg no AREsp 1.495.616/AM; TJMT, N.U 0028023-85.2016.8.11.0042; STJ, AgRg no AREsp 2.689.990/RS. ESTADO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1013479-65.2022.8.11.0042 APELANTE: WILLIAN JHONY DELGADO DE CARVALHO APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RELATÓRIO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por Willian Jhony Delgado de Carvalho, contra sentença que o condenou à pena de 3 (três) anos, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de reclusão em regime semiaberto, por infração aos artigos 129, § 13º (duas vezes) e 147-B do Código Penal, com as implicações da Lei n. 11.340/2006 (lesão corporal e violência psicológica, no contexto de violência doméstica e familiar). Em suas razões, assevera que é caso de “decretar a absolvição do recorrente [...] em relação a todas as condutas descritas na denúncia, com fundamento no artigo 386 VII do Código de Processo Penal”. Alternativamente, “pugna seja operada a desclassificação do delito de lesão corporal para o de vias de fato, bem como seja fixada a reprimenda em seu mínimo legal” (Id. 270617415 - Pág. 1-13). Contrarrazões pela manutenção do decisum (Id. 270617418 - pág. 1-11). A Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo desprovimento do apelo (Id. 276520887 - pág. 1-11). É o relatório. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1013479-65.2022.8.11.0042 VOTO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR) Egrégia Câmara: A denúncia imputou ao réu os crimes de lesão corporal e de violência psicológica, no contexto de violência doméstica e familiar, e encontra-se vazada nos seguintes termos: DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA O denunciado tem 29 anos e a vítima 42 anos e ele costuma constrangê-la e humilhá-la no âmbito privado e público chamando-a de “velha, feia, vagabunda, piranha”. Além disso isola a vítima e controla sua vida, ou seja, com quem anda, não permite que encontre seus amigos e exige que todas os telefonemas sejam por vídeochamada na presença dele, causando prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação, tanto que, apesar de vir sofrendo violência, ela não conseguia sozinha tomar a iniciativa de pedir ajuda. FATO 1 No dia 28/08/2022, fazia um mês que o denunciado saíra da cadeia e na via pública nesta Capital, ele estava embriagado e dirigindo sua moto, quando iniciou uma discussão com a vítima e empurrou-a da moto, causando-lhe lesões corporais. A vítima procurou a UPA do Verdão, pois estava com muitas dores no peito, resultado das agressões sofridas, porém, temerosa, não registrou ocorrência. FATO 2 No dia 04/09/2022, na residência onde o casal residia, na Av. Central 609, Bairro Santa Izabel, nesta Capital, a vítima queria sair e o denunciado a impediu, vindo a agredi-la com tapas, lesionando sua boca, conforme fotografia constante dos autos. FATO 3 No dia 07 de setembro de 2022 por volta de 00:35 hs., o denunciado estava reunido com os amigos no Campo do Areão, tomando uísque e falando de outras mulheres na frente da vítima, ao que foi repreendido por um dos seus amigos e ele respondeu dizendo “Eu não quero essa velha não, eu quero novinha” e jogou o líquido do seu copo no rosto da vítima. Com o incentivo do filho maior, pois o denunciado estava no encalço da vítima, ela acionou a Polícia Militar e foi até sua residência retirar alguns de seus pertences, quando o denunciado compareceu ao local e foi detido. Dentro da viatura e na presença dos policiais o denunciado ameaçou a vítima dizendo: “eu tenho dinheiro, amanhã eu saio, mas você não sua vagabunda, você vai morrer amanhã, disso você não passa”. [...] (Id. 270617366 - pág. 1-3). A ação penal foi julgada parcialmente procedente, pois o réu foi absolvido “dos crimes de ameaça (art. 147 do Código Penal) e injúria real (art. 140, § 2º do Código Penal), com fundamento no princípio da consunção” (Id. 270617409 - pág. 3). Esquadrinho as provas produzidas. Na fase investigativa, a vítima descreveu o acontecido nos termos transcritos: Que a declarante se relaciona com o suspeito Willian (apelido Willian Bunda) há aproximadamente um ano e dez meses, e estão casados no papel há 5 meses; Que da relação não possuem filhos, e a declarante possui filhos de outro casamento, sendo que uma filha é independente e outro filho tem 16 anos e vive com a declarante; Que é a primeira vez que a declarante registra ocorrência em desfavor do suspeito, porém o suspeito estava recluso cumprindo pena, e no dia 28/08 completou um mês que ele saiu da cadeia; Que desde então o suspeito começou a controlar a declarante, com quem anda, não permite que a declarante encontre seus amigos, somente conversa por vídeochamada na presença dele; Que o suspeito também não deixa a declarante sair sem a companhia dele; Que é a primeira vez que a declarante solicita medida protetiva; Que o suspeito possui uma arma de fogo do tipo pistola, e compartilha a arma com o amigo de nome "Cabral"; Que o suspeito agride a declarante verbalmente todos os dias, xingando a declarante de "velha, feia, vagabunda, piranha"; Que as agressões físicas aconteceram três vezes; Que no dia 28/08/2022 o suspeito havia bebido e estava pilotando a moto com a declarante, e durante uma discussão o suspeito empurrou a declarante da moto, e a declarante caiu; Que a declarante procurou atendimento médico na UPA do verdão, pois sentia muita dor no peito; Que a declarante ainda está lesionada da última agressão ocorrida no domingo 04/09/2022, pois o suspeito queria sair a e declarante o impediu, e o suspeito machucou a declarante pelo corpo, tentando segurá-la, e deu um tapa no rosto da declarante, lesionando a boca; Que hoje a declarante estava no campo do Areão bebendo com o suspeito e outras pessoas ; Que o suspeito estava bebendo uísque com amigos, e para se aparecer começou a perguntar de outras mulheres; Que um dos amigos pediu que ele respeitasse a declarante, e o suspeito disse "eu não quero essa velha não, eu quero novinha, e jogou o líquido do copo no rosto da declarante; Que depois disso, o suspeito, não satisfeito, jogou o copo com bebida no rosto da declarante; Que doeu no local, porém não ficou lesão; Que a declarante saiu do ambiente com seu filho, e antes de chegar em casa tomou conhecimento que o suspeito estava lhe procurando, com outros homens em um carro; Que a declarante ia para casa de sua mãe, porém viu o automóvel que o suspeito estava parado em frente à casa e desistiu; Que por convencimento de seu filho a declarante resolveu buscar a base da PM; Que a Polícia Militar acompanhou a declarante até sua residência, pois iria tirar algumas roupas e pousar em outro lugar; Que ao chegar no local o suspeito ligou para a declarante perguntando porque tinha chamado a polícia; Que o suspeito disse que iria para o local, e logo chegou; Que quando os policiais avistaram o suspeito o renderam, e ele começou a dizer que não tinha feito nada; Que dentro da viatura o suspeito começou ameaçar a declarante, dizendo "eu tenho dinheiro, amanhã eu saio, mas você não sua vagabunda, você vai morrer amanhã, disso você não passa; Que o suspeito chegou a se referir aos PM´s "amanhã eu já tô na rua"; Que a declarante deseja medida protetiva; Que deseja representar em desfavor do suspeito [...] (Id. 270616885 - pág. 1-2). O PM Ryan Kelvin Pinho de Souza relatou: Que o depoente é policial militar e nesta data compunha a GUPM da VTR 5145, a qual foi acionada para deslocar até a sede do 10º BPM, onde se encontrava a vítima solicitando apoio, pois teria sido agredida pelo seu convivente e queria deslocar até sua casa para pegar alguns pertences; Que a GUPM deslocou com a vítima até sua casa, sendo que a vítima retirou alguns pertences e quando estava saindo para ir até a casa da sua genitora, o suspeito lá chegou e passou a fazer ameaças de morte na presença da guarnição, dizendo: "vou mandar matar você, de amanhã não passa"; Que a vítima informou que no dia 04/09/2022(domingo) fora agredida fisicamente pelo seu convivente e que está com lesões pelo corpo, mas que não teve coragem para denunciar; Que diante dos fatos, o suspeito e a vítima foram conduzidos até ao plantão da delegacia da mulher para registro e demais providencias legais, suspeito entregue sem lesão corporal e com uso de algemas por receio de fuga e para resguardar a integridade da guarnição e de terceiros [...] (Id. 270616882 - Pág. 1-2). Na delegacia de polícia, o réu permaneceu em silêncio (Id. 270616891 - pág. 1-3) Na instrução processual, Jennifer Soares da Silva confirmou a ocorrência dos delitos e atribuiu ao réu a autoria: MP: [...] a senhora lembra o que aconteceu? V: Não ‘sei me recordar’ muito bem não, porque já tem tempo, né? [...] MP: Então, a senhora não se recorda, mas a senhora se recorda de ter ido na UPA? V: Sim. MP: A senhora foi por quê? V: Porque eu fiquei meio machucada, né? MP: Machucada por quê? V: Por causa do tombo que eu tomei. MP: Tá, esse tombo ele foi voluntário, ele derrubou a senhora de propósito? V: Sim, ele me empurrou. MP: Ele empurrou? V: É. MP: A senhora estava na garupa, a senhora caiu e ficou caída no chão, ele socorreu a senhora, a senhora ficou caída ali, o que aconteceu? V: Não, ele foi embora. MP: Ele foi embora, e a senhora ficou caída no chão. V: Sim. MP: A senhora lembra que lugar que a senhora estava, qual era a rua que a senhora estava trafegando nesse dia? V: Não, não me lembro, só sei que era ali no... perto do Tijucal, por ali. [...] MP: Vocês estavam fazendo o que lá tem algum parente, alguém que mora lá, alguma coisa que estavam fazendo lá no Tijucal? V: Era um amigo dele que estava lá, numa festa lá. MP: Tá, estava numa festa, e depois que a senhora caiu lá no Tijucal, a senhora foi lá para o Verdão no mesmo dia? V: Foi, eu só fui na parte da noite que eu estava sentindo muita dor e palpitação no meu peito. [...] MP: No dia 4 de setembro, isso aqui foi em 28 de agosto, dia 4 de setembro, seis dias depois, lá no bairro Santa Isabel, a senhora queria sair e ele proibiu a senhora de sair, a senhora lembra desse fato? V: Como? MP: Ele proibiu a senhora de sair e bateu na senhora, a senhora lembra? V: Não, não foi isso, não. MP: O que foi que aconteceu, então [...]? V: A última vez que ele foi preso agora? MP: Não, foi dia 4 de setembro de 2022, tem um ano e meio, foi logo depois, uma semana depois do tombo na moto, a senhora lembra dele ter batido na senhora, a senhora juntou até foto da senhora com a boca machucada. V: Ah não, isso aí foi lá na Areão. MP: Tá, o que que aconteceu [...]? V: A gente brigou lá, ele veio com gracinha de jogar uísque na minha cara e tal, aí veio pra cima de mim, entendeu?, o amigo dele segurou ele, aí eu saí de lá com o meu filho. MP: Então não foi na sua casa isso, foi numa festa. V: Não, foi lá na Areão, mas terminou aqui em casa. MP: Tá, esse Areão, o que que é esse Areão, é um bairro, mas na rua, numa festa, o que era? V: É um jogo, era jogo. MP: Jogo de futebol? V: Sim. MP: Na quadra do Areão? V: Sim. MP: Aí vocês foram para casa? V: Não, eu saí de lá, ele ficou lá. MP: Certo. V: Aí na hora que eu vim aqui para casa, ele estava aqui, diz que xingando, aí os vizinhos me ligando, falando para mim não voltar pra casa, essas coisas. MP: Tá, no dia 7 de setembro, feriado, três dias depois desse episódio, consta que a meia-noite e meia, é essa que é a história do Areão, dia 7 de setembro [...], está aqui descrito na denúncia, no dia 7 de setembro, meia-noite e meia, ele estava com os amigos no campo do Areão, tomando uísque e falando com outras mulheres na frente da senhora, então é esse aí, que jogou líquido do copo no seu rosto, isso foi um fato, esse outro que eu estou perguntando, foi na sua casa três dias antes? V: Ah, tá, foi no dia que ele queria sair, aí eu tomei a chave da mão dele [...]. MP: Ele ou a senhora que queria sair? V: Ele queria sair escondido, aí eu tomei a chave, ele veio correndo atrás de mim, querendo bater. [...] MP: Ele tem um filho mais velho que mora com vocês, ou estava lá no dia? V: Não, é meu filho. [...] MP: Aí você chamou a polícia? V: Isso, eu chamei a polícia para minha segurança, não para levar ele, ele que apareceu aqui em casa. MP: Aí a senhora queria ir embora para retirar suas coisas, é isso? V: Não, para pegar meus documentos [...], ir lá na minha mãe. [...] MP: Seu filho que chamou a polícia? V: Não, foi eu e ele, a gente foi lá, porque ele estava aqui rodando, rodeando aqui em casa. MP: Aí o que aconteceu, ele foi preso e aí? V: Ele veio aqui para pegar as coisas dele, a polícia levou ele. MP: Tá, ele ameaçou a senhora nesse dia? V: Ameaçou na frente da polícia, falou que ia me matar. MP: A senhora teve medo? V: Com certeza. MP: Esses ferimentos que a senhora apresentava aqui, foi dessa...foi de qual agressão física? V: Desde a primeira. MP: Desde a primeira: V: É que sou branca, então é difícil sumir rápido. MP: Certo, seu filho presenciava tudo isso? V: Presenciou. MP: Qual foi a sequela disso na sua vida? Porque tem uma acusação aqui de violência psicológica, o que ele costumava fazer com a senhora durante o relacionamento? V: Durante o relacionamento? MP: É, ele constrangia a senhora, o que ele fazia com a senhora, que deixava a senhora perturbada [...]? V: Bom, na última ele começou a me ameaçar que ia me matar, entendeu? MP: Sim, fora a ameaça que a senhora já relatou, que foi na frente dos policiais, a senhora lembra o que ele fazia? V: Ele gostava de ficar me humilhando, entendeu? MP: Como que ele humilhava a senhora? V: Ah, palavras ofensivas, me chamava de velha, que ninguém ia ficar comigo se largasse de mim, um monte de coisa. MP: Certo, o que a senhora sentia quando ele falava isso? V: Ah, eu ficava triste, né?, porque eu fiquei casada com ele dois anos. [...] Defesa: Sempre foi assim? V: Não, só quando ele saiu. MP: Aqui consta que ele isolava a senhora, não permitia que a senhora visitasse os amigos? V: Sim. MP: É verdade, como que ele fazia, o que ele falava, como ele fazia para impedir a senhora de fazer isso? V: Ele não deixava eu sair, ele falava para eu usar só calça e camiseta, não podia nem vestir uma roupa normal, nem nada. MP: E a senhora obedecia? V: Sim. MP: Por que a senhora obedecia? V: Porque eu tinha medo dele. MP: Medo dele por quê, o que ele fazia que causava medo na senhora? V: Ah, porque as coisas que ele falava [...], que ele já aprontou, né? MP: O que ele falava que tinha aprontado? V: Não, não é isso, ele é... MP: Diz que ele obrigava a senhora a fazer vídeochamada na presença dele, é verdade? V: Sim. MP: Como que era isso? V: Até quando eu estava trabalhando, até quando eu estava trabalhando ele fazia eu atender, se eu não atendesse ele já começava a me ameaçar, a brigar comigo, aí eu tinha que atender e mostrar quem que eu estava atendendo aqui, que eu sou cabeleireira. [...] MP: A senhora não percebia que isso era uma forma de dominação? V: Não. MP: A senhora percebia isso como? V: Por respeito a ele, porque ele estava preso e eu estou na rua. MP: Sim eu entendo, mas o fato dele exigir que a senhora ande de camiseta e calça comprida, a senhora não percebia que isso era uma invasão na sua esfera de liberdade? V: Nem passava pela minha cabeça isso. [...] MP: Quando ele estava preso ele não telefonava para a senhora? V: De vez em quando. MP: E quando ele ligava de vez em quando, ele exigia que a senhora mostrasse no vídeo onde a senhora estava? V: Sim. MP: Certo, ele falava de maneira agressiva ou ele só falava que queria ver a senhora, o que ele alegava? V: Queria me ver, queria ver o que eu estava fazendo. MP: Tá, ele falava que queria ver o que você estava fazendo, certo, a senhora tinha que mostrar as pessoas ao redor ou mostrar só a senhora? V: Sim, com quem estava aqui. MP: [...] a senhora sentia vergonha dessa situação de ter que fazer isso com as suas clientes? V: Sim. MP: E por que a senhora obedecia? V: Por respeito, porque ele queria ver, eu mostrava, se eu não atendesse, ele achava que estava fazendo alguma coisa de errado. MP: Certo, então sempre na cabeça dele a senhora estava fazendo alguma coisa de errado, é isso? V: Sim. MP: Ele falava isso para a senhora? V: Falava. [...] MP: Aquele dia que ele jogou líquido no seu rosto, foi na presença de várias pessoas? V: Sim. MP: A senhora se sentiu humilhada? V: Sim. [...] Defesa: [...] é o seguinte, naquela época que a senhora caiu da moto, que a senhora fala que ele empurrou a senhora da moto, a senhora estava indo para onde, estava vindo de onde, a senhora lembra? V: Ele me empurrou da moto, porque ele estava lá na casa dos amigos dele, na festinha lá, daí eu cheguei lá com meu filho, montei na moto para ir embora com ele, ele pegou e me jogou da moto [...]. [...] Defesa: [...]a senhora chegou a ficar naquela festinha com ele? V: Não, quando ele me viu, ele saiu, aí eu montei na moto para ir embora com ele, ele pegou e me jogou. Defesa: A senhora foi lá atrás dele porque ele estava na festinha? V: Sim. [...] Defesa: Dessa vez que a senhora foi nesse Areão, num jogo de futebol que teve lá, vocês dois foram juntos [...]? V: Sim, foi junto, eu não queria ir, ele não insistiu para ir, entendeu?, e a gente foi. Defesa: [...] a senhora chegou a beber naquele dia? V: Eu não bebo moço. Defesa: A senhora foi com seu filho também lá? V: Sim, meu filho apareceu lá depois. Defesa: Vocês estavam em duas motos, uma moto? V: Não, meu filho estava na minha Biz, eu estava lá com ele [...]. [...] Juiz: Só para complementar, no dia que você tomou a chave dele, que ele veio para te bater, ele chegou a te lesionar, chegou a te machucar nesse dia? V: Sim, ele puxou meu cabelo, segurou meu braço forte, fiquei toda roxa. Juiz: O machucado na boca, você lembra se foi nesse dia ou foi outro dia? V: O machucado na boca? Juiz: Um corte na boca? V: Não, foi no dia da moto que eu segurei a chave. [...] (Id. 270617403 - pág. 1-2 – relatório de mídias). O depoimento de Thiago Soares de Moura foi esclarecedor: MP: O senhor conviveu com o senhor William na casa do senhor, com a sua mãe? I: Sim. MP: Como é que era o relacionamento dos dois? I: Ah, tipo, no começo, assim, era normal, depois começou a ficar meio excessivo, né? MP: Por parte de quem, excessivo como, o que você quer dizer, defina excessivo. I: Ah, do William, né?, muita briga, muitas coisas, né? MP: O que o senhor via, que tipo de briga e por quais razões? V: Por causa de nada, motivo besta, né? MP: Certo, a sua mãe também brigava com ele ou não? I: Não, era mais ele. MP: [...] você viu ela ser agredida por ele alguma vez? I: Sim. MP: O que você viu, descreva a situação, você se recorda? I: Foi do dia lá da moto, da chave. MP: Tá, como é que aconteceu isso, foi na sua casa, isso? I: Sim. MP: O que aconteceu? I: Ah, foi lá do dia que ele estava lá saindo escondido, na hora que eu ouvi foi o grito, ele estava puxando o cabelo, segurando na mão forte. MP: Sei, ele bateu nela? I: É, uma agressão já, né?, porque ele estava apertando e puxando o cabelo, já se encaixa em uma agressão. MP: Quem que estava saindo, era ele ou ela que estava saindo de casa? I: Ele. MP: E ela não queria deixar ele sair por quê, o senhor sabe dizer? I: Ué, porque já era uma hora da manhã e da tornozeleira, né?, que ele não podia estar na rua até... sair essa hora, né? MP: Tá, ela queria impedir que ele tivesse problema com a justiça, então? I: Isso. MP: Tá, isso você viu? I: Sim. MP: Ela ficou ferida? I: Sim, ficou roxo o braço dela. MP: E depois disso, lá no campo do Areão, você esteve lá? I: Sim. MP: O que você presenciou lá no campo do Areão? I: Na hora, já estavam os dois, ele já tinha jogado o copo nela, aí foi para pegar a garrafa, aí o amigo dele segurou, aí eu segurei a minha mãe e vim embora com ele, ele ficou lá. MP: Ele jogou o copo ou jogou o líquido do copo na sua mãe? I: Jogou o líquido do copo, ia jogar o copo e o amigo dele segurou, ele foi pegar a garrafa e ele segurou de novo. MP: E ela ficou machucada ou não, ou foi só a questão da humilhação? I: Da humilhação em público, né? MP: Nesse dia, então, você chamaram a polícia ele foi preso. I: Sim. MP: Dentro da viatura, você estava com a sua mãe, você escutou ele falar alguma coisa? I: Eu não estava, eu fui para casa da minha avó, só minha mãe. MP: A tua mãe relatou alguma coisa, se ele disse alguma coisa lá na viatura? I: Só isso mesmo, que ele falou que ia matar ela, o policial escutou tudo, tem até hoje o policial de prova que ele falou que ia matar todo mundo, né? [...] MP: Você sabe dizer se ela obedecia o que ele mandava ela fazer, se ele mandava ela fazer coisas ou deixar de fazer coisas? I: Sim, obedecia. MP: Por exemplo, que tipo de ordem que ela obedecia? I: Na roupa, né?, que ele mandava, o que ela deveria falar, o que ela deve fazer e ela só podia sair com a minha avó. MP: Você escutou ele falando isso para ela? I: Sim. MP: E ela obedecia? I: Sim. MP: Por que ela obedecia, você sabe dizer? I: Porque ela tinha medo, ela tinha respeito e medo, né? MP: Tudo isso durante um mês que ele morou na sua casa? I: Isso. MP: Você sabe dizer se alguma vez ela teve que ir lá na UPA do Verdão? I: Sim. MP: Você sabe dizer por que ela teve que ir na UPA? I: Porque lá no Tijucal. MP: O que aconteceu no Tijucal? I: Ele empurrou ela lá da moto e ela teve ferimentos, né? MP: Ela que foi atrás dele ou ele que foi atrás dela, como que foi essa história lá? I: Ela que foi atrás dele. MP: Por quê? I: Porque ele falou que ia fazer um trem, aí ele já estava em uma festa, falou que ia na casa da mãe dele e ia voltar. MP: A tua mãe, ela tinha ciúme ou cuidado dele? I: Cuidado. [...] MP: Você já presenciou ele ligando para tua mãe? I: Sim, algumas vezes. MP: Como que eram as ligações, era por fone de ouvido, por vídeochamada, era só escutando a voz, como é que era? V: Só escutando a voz. MP: Ele não obrigava ela a abrir a câmera? I: É, na videochamada também. MP: E ela também obrigava ele a abrir a câmera dele? I: Não, era ele que obrigava ela. [...] MP: [...] você teria como definir como é que foi esse um mês de relacionamento da sua mãe com ele? I: Um inferno. [...] MP: Ele gritava com ele ou não? I: Sim. MP: [...] xingava? I: Bastante. MP: Xingava do quê? I: Desgraça, porra, sua ‘véia’, traste inútil [...]. [...] Defesa: [...] nesse dia aí da questão da moto, que vocês dizem que o William empurrou ela da moto, ela chegou nele para poder pegar a chave da moto, isso? I: Não, ela chegou nele para ir embora, aí ele falou que não queria ir embora, aí ele falou vamos, aí na hora que a hora que montou na moto, que minha mãe foi para montar na moto, ele jogou minha mãe da moto e ela caiu. Defesa: E a chave, ela tentou pegar a chave dele? I: Na hora que ele tentou fugir, né? [...] (Id. 270617403 - pág. 1-2 – relatório de mídias). O PM Valdemir Rodrigues de Matos confirmou que prendeu o réu em flagrante delito, porque ele ameaçou a vítima na frente dos policiais. Relatou ainda que ela lhe disse que foi agredida por ele, que queria sair da casa e que estava com medo (Id. 270617403 - pág. 1-2 – relatório de mídias). A inquirição do PM Ryan Kelvin Pinho de Souza foi no mesmo sentido (Id. 270617403 - pág. 1-2 – relatório de mídias). Em juízo, o réu negou o cometimento de todos os crimes. Além disso sustentou que: 1) no dia do jogo foi a vítima que lhe jogou ‘um monte de refrigerante com gelo’; 2) não derrubou ela da moto; 3) a história contada pela vítima é mentira; 4) os machucados dela ‘são de um acidente antigo, sendo que ela usa aparelho e morde a própria boca’; 5) era a vítima quem lhe ligava por vídeochamada para saber com quem estava; 6) a vítima tirou a medida protetiva porque falou que ia voltar com ela, mas como ‘ficou com outra menina do bairro dela’, ela deu outra queixa; 7) teve que pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a vítima para pegar sua moto e outras coisas; 8) ‘a vítima orientou o filho na audiência para lhe complicar’ (Id. 270617403 - pág. 1-2 – relatório de mídias). O pedido de absolvição não prospera. O conjunto probatório demonstra que o réu lesionou a vítima, por duas vezes. A respeito do acontecido, Jennifer explicou para o juiz: “Ele me empurrou da moto, porque ele estava lá na casa dos amigos dele, na festinha lá, daí eu cheguei lá com meu filho, montei na moto para ir embora com ele, ele pegou e me jogou da moto”. Segundo ela, alguns dias depois, “ele queria sair escondido, aí eu tomei a chave, ele veio correndo atrás de mim, querendo bater [...], ele puxou meu cabelo, segurou meu braço forte, fiquei toda roxa”. Acrescentou que, nessa oportunidade, ainda lesionou a boca. O depoimento de Thiago Soares de Moura se agrega aos elementos de convicção angariados. De acordo com o informante, sua mãe “chegou nele [no réu] para ir embora, aí ele falou que não queria ir embora, aí ele falou vamos, aí na hora que a ele montou na moto, que sua mãe foi para montar na moto, ele jogou sua mãe da moto e ela caiu”. Disse ainda que no outro dia, “ele estava lá saindo escondido, na hora que eu ouvi foi o grito, ele estava puxando o cabelo, segurando na mão forte”, sendo que “ficou roxo o braço dela”. O Laudo Pericial n. 1.02.2021.023929-01 corrobora a prova testemunhal produzida, pois registra que a vítima apresentava: “Equimose violácea no terço médio do braço direito; na face medial do punho direito; na face medial do terço superior da perna esquerda. Equimose amarelada no dorso da mão direita e esquerda; no terço inferior e lateral do braço esquerdo; Equimose avermelhada na mucosa do lábio superior direito e inferior direito”. As fotografias que instruem o laudo expõem as lesões sofridas por ela (Id. 270617355 - pág. 1-8). Conforme reiteradamente decidido, nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado, sendo, portanto, hábil para respaldar a condenação, especialmente quando encontra-se em sintonia com outras provas amealhadas, como ocorre neste caso. Nesse sentido: [...] Nos casos que envolve violência doméstica, a palavra da vítima recebe especial atenção. Na hipótese, a compreensão é de que a palavra da vítima foi corroborada por outras evidências produzidas em juízo, o que encontra respaldo na jurisprudência desta Corte Superior, circunstância que enseja a incidência do óbice na Súmula n. 83 do STJ. [...] (AgRg no REsp n. 2.062.933/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 17/8/2023). [...] A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, em se tratando de crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado, desde que corroborada por outros elementos probatórios, tal como ocorrido na espécie. [...] (STJ, AgRg no AREsp n. 1.495.616/AM, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 20/8/2019, DJe de 23/8/2019.) Por outro lado, a alegação do réu, no sentido de que as lesões decorrem de um ‘acidente grave que a vítima sofreu e que os machucados na boca foram auto infringidos’, encontra-se isolada nos autos. Na verdade, a prova técnica refuta o argumento, especialmente porque o perito concluiu que “as lesões apresentadas são “compatíveis com o histórico e foram produzidas por ação contundente”. No contexto, a negativa de autoria é insuficiente para a absolvição pretendida. Confira-se: [...] Descabe falar em absolvição quando as provas produzidas demonstram que o réu cometeu o delito que lhe foi imputado na exordial acusatória, estando a negativa de autoria dissociada de lastro probatório mínimo a evidenciá-la, máxime quando estão demonstradas pelos depoimentos coerentes e harmônicos da vítima – que assume essencial relevância em crimes dessa natureza – e declarações extrajudiciais dos policiais responsáveis por atender a ocorrência. [...] (TJ/MT, N.U 0028023-85.2016.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 24/09/2024, Publicado no DJE 27/09/2024). [...] In casu, não há falar em dúvida sobre a existência do crime, diante da comprovação firme e segura da materialidade e da autoria delitiva, constatados com o relato dos fatos pela ofendida, de modo seguro, harmônico e coerente, além de corroborado pela prova judicializada, não desabonado ou contraposto por qualquer outro elemento probatório, deve, sem dúvida, prevalecer sobre a negativa isolada do réu. (TJ/MT, N.U 0032313-41.2019.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 21/08/2024, Publicado no DJE 23/08/2024). De mais a mais, restando comprovada a prática da lesão corporal, afigura-se inviável a desclassificação da conduta para a contravenção penal de vias de fato. Confira-se: [...] Não há como desclassificar o delito do art. 129, §13º do CP para a Contravenção Penal de Vias de Fato, pois as agressões perpetradas pelo réu contra a vítima foram comprovadas, não somente pelas declarações dela, mas pelo Laudo de Exame Corporal, que comprovou indubitavelmente as lesões por ela sofridas. (TJ/MT, N.U 1000356-68.2023.8.11.0008, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 03/07/2024, Publicado no DJE 05/07/2024). [...] Inviável a desclassificação do crime de lesão corporal para a contravenção penal de vias de fato quando as agressões perpetradas causaram ofensa à integridade física da vítima. (TJ/MT, N.U 1001290-67.2022.8.11.0038, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 30/01/2024, Publicado no DJE 04/02/2024). A violência psicológica também está comprovada. Como é cediço, o crime tipificado no art. 147-B do Código Penal consiste em “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. Sobre o tema, esta é a doutrina de Mauricio Schaun Jalil e Vicente Greco Filho: De acordo com a Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, violência psicológica “é toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui: ameaças, humilhações, chantagem, cobranças de comportamento, discriminação, exploração, crítica pelo desempenho sexual, não deixar a pessoa sair de casa, provocando o isolamento de amigos e familiares, ou impedir que ela utilize o seu próprio dinheiro. Dentre as modalidades de violência, é a mais difícil de ser identificada. Apesar de ser bastante frequente, ela pode levar a pessoa a se sentir desvalorizada, sofrer de ansiedade e adoecer com facilidade, situações que se arrastam durante muito tempo e, se agravadas, podem levar a pessoa a provocar suicídio”. (Código Penal Comentado, Doutrina e Jurisprudência, 6ª edição, Ed. Manole, pág. 615 –e-book). Na instrução processual, a vítima garantiu que o réu lhe humilhava com “palavras ofensivas, chamava de velha, que ninguém ia ficar comigo se largasse de mim, um monte de coisa”. Asseverou que ele “não [a] deixava sair, ele falava para usar só calça e camiseta, não podia nem vestir uma roupa normal, nem nada”. Contou que era coagida por ele a fazer vídeochamada “até quando estava trabalhando ele fazia eu atender, se eu não atendesse ele já começava a me ameaçar, a brigar comigo, aí eu tinha que atender e mostrar quem que eu estava atendendo aqui, que eu sou cabeleireira”. Também fez questão de frisar que obedecia porque tinha ‘medo e respeito por ele’ e que se sentia constrangida pelas exigências dele. Em diversas ocasiões, a agressão psicológica foi presenciada Thiago. No ponto, ele relatou para a Promotora de Justiça: “[o réu mandava na roupa, né?, ele mandava o que ela deveria falar, o que ela devia fazer e ela só podia sair com a minha avó”. No contexto, resta caracterizado o sofrimento emocional que configura o delito. Os arestos colacionados corroboram o entendimento: [...] A narrativa judicial encadeada pela vítima, coesa e harmônica com suas assertivas na etapa extrajudicial, dotada de verossimilhança, atinge o standard de prova necessário para a condenação do crime de violência psicológica contra a mulher, sobretudo quando inexistem indícios de que a ofendida tivesse motivos para incriminar injustamente o réu. [...] (TJ/MT, N.U 1002059-77.2022.8.11.0005, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, HELIO NISHIYAMA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 11/03/2025, Publicado no DJE 14/03/2025). [...] A materialidade do crime de violência psicológica foi devidamente comprovada por esse conjunto probatório robusto. A jurisprudência e doutrina majoritárias admitem que a ausência de laudo pericial técnico não compromete a comprovação da materialidade, desde que os demais elementos de prova sejam suficientes, e são. [...] A materialidade do crime de violência psicológica pode ser comprovada por depoimentos da vítima e outros meios probatórios robustos, não sendo indispensável o laudo pericial técnico." (TJ/MT, N.U 1005747-24.2022.8.11.0045, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 22/01/2025, Publicado no DJE 30/01/2025). Por fim, o pedido de fixação da pena no mínimo legal é descabido. Para ambos os crimes, a pena-base foi distanciada do mínimo legal, em razão dos antecedentes desfavoráveis. Em seguida, a pena-base foi exasperada por causa da reincidência (CP, art. 61, I). Conforme consta no SEEU – Sistema Eletrônico de Execução Unificado, no executivo de pena n. 0017051-61.2013.8.11.0042 o réu ostenta 2 (duas) condenações definitivas e anteriores ao crime em análise (autos n. 0010008-10.2012.8.11.0042 – homicídio qualificado ocorrido em 4-6-2012, com trânsito em julgado em 2-9-2013 e autos n. 0022719-37.2018.8.11.0042 – estelionato e resistência ocorridos em 23-6-2018, com trânsito em julgado em 12-4-2019). Assim, nada obsta que uma delas seja utilizada na primeira fase e a outra para agravar a pena: [...] A jurisprudência do STJ permite a utilização de condenações anteriores para valorar maus antecedentes e reincidência, desde que sejam de fatos diversos, não configurando bis in idem. [...] STJ, AgRg no AREsp n. 2.689.990/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 26/2/2025). [...] "Inexiste bis in idem se a pena-base do paciente foi aumentada por força dos maus antecedentes, fazendo-se referência a determinadas condenações. E, na segunda fase, incidiu a agravante da reincidência em decorrência de outra condenação diversa. A leitura da sentença deixa certo que foram consideradas condenações distintas" (HC n. 328.585/SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 17/9/2015, DJe de 7/10/2015). [...] (STJ, AgRg no HC n. 833.932/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/2/2025, DJEN de 24/2/2025), Com essas considerações, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, desprovejo o recurso, mantendo na íntegra a sentença condenatória. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/04/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear