Augusto Felipe Da Silva e outros x Augusto Felipe Da Silva e outros
ID: 325443467
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0005094-19.2020.8.11.0042
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO SILVEIRA GUIMARAES JUNIOR
OAB/MT XXXXXX
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THELMA APARECIDA GARCIA GUIMARAES
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0005094-19.2020.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Associação para a …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0005094-19.2020.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA Turma Julgadora: [DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). GILBERTO GIRALDELLI] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), AUGUSTO FELIPE DA SILVA - CPF: 053.338.601-22 (APELADO), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (REPRESENTANTE), KAIC SILVA LIMA - CPF: 044.379.431-63 (APELADO), MATEUS DA SILVA - CPF: 055.100.211-52 (APELADO), GILVAN OLIVEIRA MACENA - CPF: 520.739.472-04 (APELADO), ANTONIO SILVEIRA GUIMARAES JUNIOR - CPF: 022.639.401-89 (ADVOGADO), THELMA APARECIDA GARCIA GUIMARAES - CPF: 134.625.801-59 (ADVOGADO), WESLEN HENRIQUE DE LIMA RAMOS - CPF: 063.902.821-76 (APELADO), PABLA MELO KLAUSS - CPF: 051.708.711-12 (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (VÍTIMA), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0003-06 (REPRESENTANTE), A SOCIEDADE (VÍTIMA), DOUGLAS CRISTIANO ALVES LOPES - CPF: 357.495.248-17 (ADVOGADO), AUGUSTO FELIPE DA SILVA (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), ANTONIO SILVEIRA GUIMARAES JUNIOR - CPF: 022.639.401-89 (ADVOGADO), AUGUSTO FELIPE DA SILVA (APELANTE), DOUGLAS CRISTIANO ALVES LOPES - CPF: 357.495.248-17 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), GILVAN OLIVEIRA MACENA - CPF: 520.739.472-04 (APELANTE), KAIC SILVA LIMA - CPF: 044.379.431-63 (APELANTE), MATEUS DA SILVA - CPF: 055.100.211-52 (APELANTE), PABLA MELO KLAUSS - CPF: 051.708.711-12 (APELANTE), THELMA APARECIDA GARCIA GUIMARAES - CPF: 134.625.801-59 (ADVOGADO), WESLEN HENRIQUE DE LIMA RAMOS - CPF: 063.902.821-76 (APELANTE), AUGUSTO FELIPE DA SILVA - CPF: 053.338.601-22 (APELANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A Direito Penal. Apelação Criminal. Organização Criminosa. Associação ao Narcotráfico e Tráfico de Drogas. Operação Reditus. Recurso ministerial e defensivo (seis apelantes). Preliminares: Preliminar alegada pelo Ministério Público nas contrarrazões recursais. ausência de dialeticidade do recurso da defesa de um apelante. Preliminares de nulidade suscitadas pelas defesas. nulidade da oitiva das testemunhas apresentadas pelo ministério público a destempo. incompetência territorial da 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT. Ofensa às regras da conexão, continência e prevenção. Inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017/TP-TJMT. preliminares rejeitadas. Mérito: Recurso do Ministério Público de 1º grau. Condenação de uma ré pelo crime de Organização Criminosa. Condenação de quatro réus pelo crime de Tráfico de Drogas. Recursos das defesas. Pedidos de absolvição dos crimes de Organização Criminosa e de Associação ao Narcotráfico por fragilidade da prova. Ocorrência do inadmissível bis in idem na condenação dos crimes de Organização Criminosa e de Associação ao Narcotráfico. Concessão de Justiça Gratuita. Providência ex offício de não conhecimento parcial de pedidos defensivos inócuos, por ausência de interesse recursal. E na parte conhecida, preliminares do Ministério Público de 1º grau e das defesas rejeitadas. No mérito, recurso ministerial parcialmente provido para condenar uma ré pelo crime de Organização Criminosa. Recursos das defesas desprovidos. I. Caso em exame 1. Trata-se da chamada Operação Reditus, deflagrada para apurar a atuação de células da facção Comando Vermelho na região de Rondonópolis/MT e em outros locais. Com base em interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, desarticulou-se o núcleo criminoso, evidenciando a prática dos crimes de organização criminosa, associação para o narcotráfico e tráfico de drogas até o ano de 2019. 2. As defesas interpuseram apelações criminais alegando nulidades relacionadas à oitiva de testemunhas por iniciativa do juízo, à competência da 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT e à inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017/TP-TJMT, além de ofensa às regras de conexão, continência e prevenção. 3. No mérito, buscaram, de modo geral: absolvição dos crimes de organização criminosa e associação para o narcotráfico por insuficiência probatória; reconhecimento de bis in idem nas condenações; e isenção do pagamento das custas processuais. 4. O Ministério Público, nas contrarrazões, arguiu a preliminar de não conhecimento do recurso de um dos réus e, nas razões de apelação, pleiteou a condenação de uma ré pelo crime de organização criminosa e de quatro réus por tráfico de drogas. II. Questão em discussão 5. A controvérsia cinge-se em saber: a) Preliminares: (i) se procede a preliminar de ausência de dialeticidade arguida pelo Ministério Público quanto ao recurso de um dos réus; (ii) se é nula a oitiva de testemunhas por iniciativa do Juízo, ante eventual preclusão ministerial e violação ao princípio da paridade de armas; (iii) se há inconstitucionalidade na Resolução nº 11/2017/TP-TJMT que criou a 7ª Vara Criminal com competência especializada em crimes de Organização Criminosa, e (iv) se a 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT seria territorialmente incompetente, (v) e se ocorreu desrespeito às regras da conexão, continência e prevenção, sendo estas três últimas preliminares, arroladas pelas defesas. b) Mérito: (vi) se é cabível a condenação de uma ré pelo crime de Organização Criminosa e (vii) se quatro, dos seis réus devem ser condenados pelo crime de Tráfico de Drogas (pedido ministerial); (viii) se devem ser absolvidos os réus condenados por Organização Criminosa e (ix) aqueles condenados pelo crime de Associação ao Narcotráfico; (x) se ocorreu bis in idem nas condenações dos crimes de Organização Criminosa e Associação ao Narcotráfico, e (xi) se os réus devem ser isentos do pagamento das custas processuais (pedidos defensivos). III. Razões de decidir 6. Preliminar do Ministério Público nas contrarrazões: (i) A alegação de ausência de dialeticidade quanto ao recurso do quarto réu Mateus foi rechaçada. O recurso impugnou os fundamentos da sentença, com argumentação suficiente para a análise desta instância revisora. 7. Preliminares das defesas: (ii) Iniciativa probatória do Juízo (Augusto, Kaic, Mateus, Pabla e Weslen): A oitiva de testemunhas por iniciativa do Juízo é admissível, desde que fundamentada e realizada com estrita observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, como no caso, o que não resultou em cerceamento da defesa, e, além disso, não houve demonstração de prejuízo aos réus (CPP, art. 563). (iii) Alegação de inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017/TP-TJMT (Augusto, Kaic, Mateus, Gilvan, Pabla e Weslen): A Resolução nº 11/2017/TP-TJMT, ao ampliar a competência da 7ª Vara Criminal, visa ao enfrentamento da criminalidade organizada, em conformidade com o art. 74 do CPP e o art. 96, I, “a”, da CF. (iv) Incompetência decorrente da especialização das varas (Augusto, Kaic, Mateus, Gilvan, Pabla e Weslen): A fixação da competência territorial com fundamento na especialização por matéria é plenamente válida, legitimando a atuação da 7ª Vara Criminal nos feitos envolvendo organização criminosa, ainda que os delitos tenham ocorrido fora de sua sede. (v) Conexão, continência e prevenção (Augusto, Kaic, Mateus, Gilvan, Pabla e Weslen): As regras de conexão e continência dos arts. 69, 76 e 78 do CPP têm natureza relativa e podem ser afastadas diante da existência de vara especializada, cuja competência se firma pela matéria. Da mesma forma, a prevenção, prevista no art. 83 do CPP como critério subsidiário, não é absoluta e cede diante das normas de organização judiciária que instituem varas com competência especializada. 8. Do mérito – recurso do Ministério Público: (vi) Condenação pelo crime de Organização criminosa (Pabla): Impõe-se a reforma da sentença para condenar a ré, diante da comprovação de que exercia função permanente na estrutura financeira da facção Comando Vermelho, atuando como braço direito de um dos réus — seu companheiro e destacado líder — na função de tesoureira, responsável pela arrecadação de valores provenientes das mensalidades dos faccionados (denominada ‘camisa’), mensalidades de comerciantes para a ‘proteção’ contra crimes na região, desempenhando papel essencial ao funcionamento da organização criminosa. (vii) Condenação pelo crime de Tráfico de Drogas (Gilvan, Mateus, Pabla e Weslen): Apesar da vinculação dos réus à facção criminosa Comando Vermelho, não houve apreensão de drogas nem elementos probatórios suficientes para comprovar a materialidade do crime de tráfico, nos termos do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. 9. 4. Do mérito – recursos das defesas: (viii) Organização Criminosa (Augusto, Kaic, Gilvan, Mateus, Pabla e Weslen): As provas coligidas aos autos, notadamente as interceptações telefônicas, evidenciam a existência de uma estrutura hierarquizada, com divisão de funções, atuação estável e caráter permanente, preenchendo os requisitos típicos do crime de Organização Criminosa, conforme dispõe o art. 2º da Lei nº 12.850/2013. (ix) Associação para Narcotráfico (Gilvan, Mateus, Pabla e Weslen): As provas evidenciaram que os réus mantinham vínculo associativo estável e duradouro, voltado à prática reiterada do Tráfico de Entorpecentes, configurando a conduta prevista no art. 35 da Lei nº 11.343/2006. (x) Bis in idem (Augusto, Kaic, Gilvan, Mateus, Pabla e Weslen): Os crimes de Organização Criminosa e Associação ao Narcotráfico possuem elementos normativos e objetivos distintos, com previsão legal autônoma e núcleos de condutas específicos, não havendo que se falar na aplicação do instituo invocado. (xi) Isenção de custas (Kaic, Weslen, Mateus, Pabla e Augusto): A condenação ao pagamento das custas processuais decorre de previsão legal (art. 804 do CPP), sendo consequência automática da condenação. A análise sobre a eventual hipossuficiência do réu deve ser realizada pelo Juízo da Execução Penal. 11. Providência de ofício: Providência de ofício: Não conhecimento dos seguintes pedidos por ausência de interesse recursal: (i) de Pabla quanto à absolvição por organização criminosa; (ii) de Augusto, Kaic e Pabla quanto ao bis in idem entre os crimes de organização criminosa e associação ao narcotráfico porquanto não foram condenados pelo Juízo de 1º grau por esses crimes de forma simultânea; (iii) e de Kaic e Weslen quanto à isenção de custas, já beneficiados pela gratuidade. IV. Dispositivo e tese 10. Providência de ofício para o não conhecimento parcial de pedidos defensivos, por ausência de interesse recursal. Na parte conhecida, preliminares do Ministério Público de 1º grau e das defesas rejeitadas. No mérito, recurso do Ministério Público parcialmente provido para condenar a ré Pabla pela prática do crime de Organização Criminosa. Recursos das defesas desprovidos. Tese de julgamento: “1. A oitiva de testemunhas por iniciativa do juízo é válida, desde que fundamentada e respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 563 do CPP). 2. A Resolução nº 11/2017/TP-TJMT é constitucional, pois visa à especialização e eficiência jurisdicional. 3. A competência territorial pode ser definida por ato normativo do Tribunal, conforme o art. 96, I, ‘a’, da CF. 4. As regras de conexão e continência são relativas e cedem ante a existência de vara especializada. Igualmente, a prevenção é critério subsidiário, não sendo aplicável na existência de vara com competência especializada. 5. A atuação funcional e permanente no grupo criminoso justifica a condenação por organização criminosa. 7. A ausência de apreensão de drogas impede a condenação por tráfico. 9. Interceptações telefônicas e depoimentos colhidos com contraditório são aptos a comprovar autoria e materialidade dos crimes de organização criminosa e associação para o narcotráfico. 8. Os delitos de organização criminosa e associação para o narcotráfico são autônomos e cumuláveis. 9. A condenação às custas é automática, cabendo ao juízo da execução verificar eventual hipossuficiência. 10. não se conhece de pedidos de absolvição ou isenção de custas quando ausente interesse recursal.” Legislação e jurisprudência relevantes citadas: CF/88, arts. 5º, 96, I, a, e 125, §1º; CPP, arts. 69, 78, 108, 113, 156, 563, 804; Lei nº 11.343/2006, arts. 33, caput, e 35; Lei nº 12.850/2013, art. 2º; CPC, art. 98, §3º; Resolução nº 11/2017/TP-TJMT. Jurisprudência relevante citada: TJMT - N.U 0001747-73.2013.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 07/02/2024, Publicado no DJE 09/02/2024; APELAÇÃO CRIMINAL: 1001112-56.2022.8.11.0091, Relator.: LUIZ FERREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 29/05/2024, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 31/05/2024; RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: 10018344320228110042, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 25/07/2023, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 01/08/2023; 1009401-45.2022.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 02/10/2024, Publicado no DJE 15/10/2024; 0000665-54.2019.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 10/07/2024, Publicado no DJE 11/07/2024; 1001340-51.2022.8.11.0052, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 10/04/2024, Publicado no DJE 16/04/2024; 1005727-19.2023.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 26/11/2024, Publicado no DJE 28/11/2024; 1006040-66.2023.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025; 1001826-95.2023.8.11.0021, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, Vice-Presidência, Julgado em 28/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025; APR: 00057197120198110015, Relator: PEDRO SAKAMOTO, Data de Julgamento: 28/02/2023, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 03/03/2023; 1003625-26.2021.8.11.0028, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 04/10/2023, Publicado no DJE 06/10/2023; APELAÇÃO CRIMINAL: 10114435020228110042, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 20/08/2024, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 26/08/2024; TJ-DF 0733272-03.2022.8.07 .0001 1832416, Relator.: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Data de Julgamento: 21/03/2024, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: 23/03/2024; STJ - AgRg no HC: 907404 BA 2024/0138687-4, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 10/06/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/06/2024; AgRg no AgRg no AREsp n . 2.006.684/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 19/5/2022; AgRg no RHC: 154203 MT 2021/0302570-0, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 20/03/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2023; AgRg no REsp nº 1611615/MT).” (...)”. (N.U 1006040-66.2023.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025; AgRg no REsp n. 1.611.615/MT, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 16/4/2018; AgRg no REsp: 1948410 TO 2021/0214187-6, Relator: Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Data de Julgamento: 22/03/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2022; AgRg no HC: 835970 ES 2023/0230420-3, Relator.: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 13/05/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2024; STF - HC: 243717 BA, Relator.: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 26/08/2024, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30-08-2024 PUBLIC 02-09-2024; HC: 113018 RS, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 29/10/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-225, Divulgado em 13/11/2013, Publicado em 14/11/2013. R E L A T Ó R I O Augusto Felipe da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima Ramos interpuseram a tempo e modo recurso de Apelação Criminal em face da sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT, nos autos da Ação Penal nº 0005094-19.2020.8.11.0042, em que Gilvan, Mateus e Weslen foram condenados pelos crimes de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) e Associação ao Narcotráfico (art. 35, caput, da Lei 11.343/2006); Augusto e Kaic pelo crime de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), e Pabla, pelo crime de Associação ao Narcotráfico (art. 35, caput, da Lei 11.343/2006), ao passo que Pabla foi absolvida dos crimes de Tráfico de Drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006), e de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), enquanto Gilvan, Mateus e Weslen foram absolvidos do crime de Tráfico de Drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006). Aplicada a detração penal (art. 387, §2º do CPP), eis as penas impostas a cada um dos réus: Augusto Felipe da Silva: 3 anos e 6 meses de reclusão em regime semiaberto e 15 dias-multa; Gilvan Oliveira Macena: 6 anos e 7 meses de reclusão em regime semiaberto e 710 dias multa; Kaic Silva Lima: 3 anos de reclusão em regime aberto e 10 dias-multa, substituída por duas restritivas de direitos; Mateus da Silva: 6 anos de reclusão em regime semiaberto e 10 dias-multa; Pabla Melo Klauss: 3 anos de reclusão em regime aberto e 10 dias-multa, substituída por duas restritivas de direitos e Weslen Henrique de Lima Ramos: 7 anos e 6 meses de reclusão em regime fechado e 790 dias-multa (ID 187526663 - Pág. 261/ 345). Após a prolação da sentença, a defesa dos réus Kaic e Weslen opuseram Embargos de Declaração apontando omissão no julgado quanto à análise da alegada hipossuficiência econômica, em relação à condenação ao pagamento das custas processuais. Os aclaratórios foram acolhidos pelo douto Magistrado que reconheceu a condição econômica dos embargantes e os isentou do referido pagamento (ID 187526669). Em suas razões, o Parquet requer a reforma parcial da sentença, para que sejam condenados pelo crime de Tráfico de Drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) os réus Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Weslen Henrique de Lima Ramos e Pabla Melo Klauss e a condenação de Pabla Melo Klauss também pelo crime de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) (ID 187526690). Representados pela Defensoria Pública, Augusto Felipe da Silva, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima Ramos, enquanto Gilvan Oliveira Macena, assistido por advogado constituído, alegam preliminarmente, a nulidade das oitivas de testemunhas por iniciativa do juízo, sob o argumento de preclusão do Ministério Público para arrolá-las, ofendendo o princípio da igualdade. Alegam, ainda, a nulidade da competência territorial da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, bem como de todos os atos processuais subsequentes, requerendo a remessa dos autos ao Juízo da Comarca de Rondonópolis/MT, seja em razão da inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017/TP do TJMT, seja por incompetência decorrente da especialização das varas, ou, seja por violação dos critérios da conexão, continência ou prevenção. No mérito, os réus Augusto Felipe da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima Ramos buscam a absolvição quanto ao crime de Organização Criminosa, tipificado no art. 2º da Lei nº 12.850/2013, sob a alegação de insuficiência de provas, enquanto Gilvan Oliveira Macena, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima Ramos também pleiteiam a absolvição da imputação relativa à Associação ao Narcotráfico, prevista no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, igualmente sob o argumento de fragilidade do acervo probatório. Todos os apelantes defendem, ainda, a ocorrência de bis in idem nas condenações simultâneas dos crimes de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) e de Associação ao Narcotráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006), enquanto, por fim, Kaic Silva Lima, Weslen Henrique de Lima Ramos, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Augusto Felipe da Silva pretendem a isenção das custas processuais (ID 187526713, 187526685, 187526733 e 187526729). As contrarrazões oferecidas pelas defesas dos réus são pelo desprovimento do recurso ministerial (ID 187526713, 187526733 e 187526735). As contrarrazões oferecidas pelo douto Promotor de Justiça são pelo não conhecimento do recurso interposto pelo apelante Mateus da Silva, por ofensa ao princípio da dialeticidade recursal, e no mérito, pelo não acolhimento das preliminares defensivas e pelo desprovimento dos apelos (ID 187526722, 187526723, 187526734 e 263225262). A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela rejeição das preliminares aventadas pelos apelantes, e no mérito, pelo desprovimento dos recursos defensivos, e pelo provimento do recurso ministerial, sem, contudo, se manifestar sobre a preliminar suscitada pelo Ministério Público de 1º grau de não conhecimento do recurso defensivo de Mateus (ID 263846784), conforme sumário respectivo que segue transcrito: “Apelação Criminal: Organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o narcotráfico. DOS RECURSOS DEFENSIVOS: PRELIMINARES: 1) Requestado reconhecimento da nulidade das oitivas das testemunhas do juízo - Preclusão para a acusação - Violação do devido processo legal e ao princípio da igualdade – Inocorrência - À luz da regra expressa no art. 209 do CPP, é facultado ao Juiz, como presidente do processo, ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes, sempre que lhe auxiliar no deslinde da causa, sem que tal medida constitua violação ao devido processo legal e ao princípio acusatório - "(…) consoante disposto no artigo 209 do CPP, ocorrendo a preclusão no tocante ao arrolamento de testemunhas, é permitido ao Magistrado, uma vez entendendo ser imprescindível à busca da verdade real, proceder à oitiva como testemunhas do Juízo, contudo, tal providência não constitui direito subjetivo da parte" (AgRg no AREsp n. 1.937.337/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 29/11/2021). (…).” (STJ - AgRg no REsp n. 2.044.646/RS). 2) Pretendido reconhecimento da nulidade do processo por incompetência territorial do Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT, bem como de todos os atos e provas produzidas, com a consequente devolução dos autos ao Juízo da Vara Única da Comarca de Tabaporã/MT - Suscitada inconstitucionalidade e ilegalidade da Resolução nº 11/2017 do Tribunal Pleno, violação do art. 5º, LV, art. 22, inc. I, e art. 24, §3º, todos da Constituição Federal, bem como dos arts. 70, 78 e 83, todos do Código de Processo Penal – Vilipêndio ao princípio do Juiz Natural – Declaração da nulidade da prova ilícita produzida por ordem de autoridade judicial sabidamente incompetente, afastando a teoria do Juízo aparente – Não acolhimento - “(...) tanto o STF, como o STJ, firmaram o entendimento quanto a competência dos tribunais para disporem, por meio de ato normativo próprio, sobre especialização de varas do crime organizado, inclusive quanto à extensão territorial, como ocorreu com a especialização da 7º Vara Criminal de Cuiabá-MT, competente para processar e julgar crimes de organização criminosa e seus incidentes, em todo o território do Estado de Mato Grosso. [.. .].” (Parecer da PGJ nº 000111- 034/2018 - Amarildo Cesar Fachone, promotor de Justiça designado) “A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria. ” (STJ, AgRg no REsp nº 1611615/MT)” (TJ-MT - CJ: 00002142820188110050) - Segundo a interpretação do artigo 399, §2º, da Lei Instrumental Penal, o princípio do juiz natural é vilipendiado apenas quando ocorre alteração do órgão julgador após a instrução processual, hipótese que não é a dos autos – Deveras, a declaração de incompetência de natureza relativa não acarreta a nulidade dos atos decisórios, subsistindo, portanto, a validade desses até a apreciação pelo juízo competente, podendo a ratificação dos atos praticados pelo Juízo incompetente, inclusive, ser implícita, ou seja, por meio da prática de atos que impliquem a conclusão de que o Magistrado validou os referidos atos – Prevalência do princípio pas de nulitte sans grief, já que nenhuma nulidade há de ser declarada sobre ato, cuja prática não resulte em prejuízo às partes. MÉRITO : 1) Pleitos absolutórios: a) Requerida absolvição do crime de organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/13), em favor de A ugusto Felipe da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva e Weslen Henrique de Lima Ramos , face à insuficiência probatória – Inadmissibilidade - Plexo probatório constante do feito é robusto e maciço a comprovar a materialidade e autoria do delito de organização criminosa imputado aos insurgentes - As investigações, contando com diálogos interceptados, obtidos por meio de interceptação telefônica judicialmente autorizada, confirmados por agentes públicos em juízo, permitiram a conclusão de que os referidos apelantes, de fato, são integrantes ativos e atuantes da organização criminosa em comento, amplamente estruturada, com hierarquia e clara divisão de tarefas, valendo-se, naturalmente, de todos os meios para praticar crimes. b) Almejada absolvição do delito de associação para o narcotráfico (art. 35 da Lei 11.343/06), em benefício de M ateus da Silva, Pabla Melo Klauss, Weslen Henrique de Lima Ramos e Gilvan Oliveira Macena, diante da fragilidade do arcabouço probatório para comprovar o vínculo permanente e estável formado pelos réus e os demais acusados, a descaracterizar a infração penal em questão- Inconcessibilidade – Materialidade e autoria delitiva devidamente comprovadas - Conjunto probatório é robusto, harmônico e suficiente a imprimir certeza e os apelantes encontravam-se associados entre si ou com terceiras pessoas para a prática do comércio ilícito de entorpecente - Comprovação do vínculo associativo permanente (societas sceleris). c) Objetivada absorção do crime de organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/13) pelo delito de associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/06), em benefício de M ateus da Silva, Weslen Henrique de Lima Ramos e Gilvan Oliveira Macena – Sustentado bis in idem – Inadmissibilidade - Existência de liame subjetivo autônomo, com vistas a realizar a traficância de maneira permanente e estável entre si e terceiras pessoais (art. 35, Lei n.º 11.343/06) e, paralelamente, também com vistas a praticar outras infrações graves em conluio perene com terceiros (art. 2.º Lei n.º 12.850/13). DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO: 1. Súplica pela condenação da apelada Pabla Melo Klauss pelo cometimento do delito de integrar organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/13) – Requerida condenação dos apelados Pabla Melo Klauss, Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena e Weslen Henrique de Lima Ramos pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/06) – Viabilidade - “Esta Corte já se manifestou no sentido de que a ausência de apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outras provas capazes de comprovarem o crime, como no caso, as interceptações telefônicas e os depoimentos das testemunhas.” (AgRg no AREsp 1471280/SC) - Diante de interceptação telefônica composta de informativos que denotem a relevância dos áudios captados, é possível a responsabilização criminal dos acusados de tráfico, ainda que não tenha havido a apreensão das drogas por eles negociadas, figurando a interceptação telefônica, nesses casos, como um exame de corpo de delito indireto, isto é, uma prova documental que demonstraria a prova da materialidade do delito - Na espécie, foi o que aconteceu em relação aos apelados, onde a farta prova documental e os conteúdos oriundos das interceptações telefônicas formaram conjunto probatório suficiente à demonstração da materialidade do crime de tráfico de drogas pelos agentes acima citados – Por sua vez, as investigações, contando com diálogos interceptados, obtidos por meio de interceptação telefônica judicialmente autorizada, confirmados por agentes públicos em juízo, permitem a conclusão de que a apelada Pabla Melo Klauss , de fato, também é integrante ativa e atuante da organização criminosa “Comando Vermelho”, amplamente estruturada, com hierarquia e clara divisão de tarefas, valendo-se, naturalmente, de todos os meios para praticar crimes, não se limitando a sua conduta apenas à associação para o tráfico de drogas com seu companheiro Weslen - O parecer é pelo não acolhimento das preliminares suscitadas e, no mérito, pelo desprovimento dos apelos interpostos pelos apelantes Augusto Felipe da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss, Weslen Henrique de Lima Ramos. E, por outro lado, pelo provimento do recurso ministerial, a fim de que os apelados Pabla Melo Klauss, Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena e Weslen Henrique de Lima Ramos sejam condenados pelo cometimento do delito de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343), bem como para que a recorrida Pabla Melo Klauss seja condenada nas sanções do crime de integrar organização criminosa (art. 2º da Lei 12.850/13)”. É o relatório. À douta revisão. V O T O R E L A T O R VOTO PRELIMINAR 1. PRELIMINAR SUSCITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS CONTRARRAZÕES PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO DE MATEUS DA SILVA Nas contrarrazões ministeriais constantes do ID 187526734, foi suscitada preliminar de não conhecimento do recurso interposto por Mateus da Silva, sob a alegação de afronta ao princípio da dialeticidade recursal, em razão de argumentos genéricos e da referência equivocada ao corréu Weslen, em trecho da peça defensiva. Sem razão a preliminar. O equívoco mencionado configura mero erro material, facilmente identificável e incapaz de comprometer a compreensão do pedido recursal ou de causar prejuízo ao contraditório e à ampla defesa. Ressalte-se que Mateus e Weslen foram denunciados por condutas análogas no âmbito da mesma organização criminosa, sendo plenamente aplicáveis a Mateus os argumentos lançados na apelação. Os fundamentos recursais dirigem-se à contestação da autoria e à fragilidade probatória, circunstâncias compatíveis com a situação fática de Mateus. A própria manifestação ministerial, ao rebater os argumentos com base nos elementos probatórios relacionados especificamente ao réu, demonstra inequívoca compreensão do objeto do recurso, evidenciando a regularidade da insurgência. Quanto à alegada genericidade dos argumentos, verifica-se que a defesa expressa, de forma clara, sua inconformidade com a condenação, postulando a absolvição por ausência de provas suficientes quanto à autoria, tese sustentada desde a fase inicial do processo e reiterada nas Alegações Finais. O princípio da dialeticidade não exige impugnação minuciosa de todos os fundamentos da sentença, bastando que o recurso confronte, de modo claro e coerente, os motivos da condenação — o que ocorre no caso em apreço. Ainda que conciso, o recurso atende aos pressupostos de admissibilidade, possibilitando o reexame da matéria fático-jurídica, nos limites da devolutividade. Destaca-se que o contraditório foi plenamente observado, tendo a tese absolutória sido amplamente debatida ao longo da instrução processual, afastando qualquer hipótese de surpresa decisória. Inexistindo vício relevante ou prejuízo ao exercício da ampla defesa, deve ser afastada a preliminar arguida pelo Ministério Público, garantindo-se o regular processamento e julgamento da apelação criminal interposta por Mateus da Silva. “Não há falar em ofensa ao princípio da dialeticidade quando a defesa expõe, ainda que de forma sucinta, as razões do seu inconformismo, sendo possível extrair os fundamentos de fato e de direito pelos quais se busca a reforma da decisão recorrida, permitindo, assim, o efetivo exercício do contraditório, sem qualquer prejuízo à reanálise de fatos e provas por esta i. instância revisora, com vistas à concretização do direito do acusado à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição”. (N.U 0001747-73.2013.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 07/02/2024, Publicado no DJE 09/02/2024). Diante desse cenário, conheço o recurso defensivo do apelante Mateus da Silva de ID 187526729. 2. PRELIMINARES SUSCITADAS PELAS DEFESAS 2.1. NULIDADE DA OITIVA DAS TESTEMUNHAS REALIZADAS EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO – RÉUS AUGUSTO, KAIC, MATEUS, PABLA E WESLEN Sustentam os apelantes Augusto Felipe da Silva, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima Ramos a nulidade das oitivas das testemunhas Santiago Rozendo Sanches e Silva, Delegado de Polícia Civil responsável pelas investigações, e Iurg Vitor Toledo Lima Rosa, então chefe do Núcleo de Inteligência da DERF de Rondonópolis/MT, realizadas na audiência de instrução e julgamento de 25.3.2022 (ID 187526661 – págs. 135/145). Alegam que os depoimentos foram indevidamente admitidos, uma vez que o Ministério Público deixou de requerê-los no momento processual oportuno, incorrendo em preclusão (art. 564, IV, do CPP), o que tornaria a denúncia inepta e a posterior oitiva pelo Juízo indevida, não se legitimando apenas pela sua qualificação como testemunhas do Juízo. As alegações, contudo, não merecem acolhimento. Cuida-se de ação penal originada do Inquérito Policial nº 434/2018, que investigou a atuação de 67 pessoas, sendo oferecidas 11 denúncias distintas pelo Ministério Público, com cisão processual determinada pelo Juízo para garantir maior celeridade (ID 89699097 – autos originais). As testemunhas em questão foram requeridas pelo Ministério Público por sua relevância na elucidação dos fatos, nos termos do art. 156, II, do CPP, sendo que já haviam sido ouvidas como testemunhas do Juízo em ações penais conexas da Operação Reditus. Apesar disso, o pedido foi indeferido com fundamento no art. 396-A, §1º, do CPP, em razão da preclusão (ID 187526661 - Pág. 135/145). Noutro giro, nessa mesma audiência, a mesma audiência, o Juízo, fundamentadamente e com base no art. 209 do CPP, determinou a oitiva das referidas testemunhas como testemunhas do Juízo, diante da relevância de seus depoimentos para o esclarecimento dos fatos. A medida é legítima, prevista no ordenamento jurídico e compatível com o sistema acusatório, não implicando afronta ao contraditório, à ampla defesa ou à imparcialidade judicial. A preclusão do direito de indicação das testemunhas pelo Ministério Público não impede a atuação supletiva do Juízo, nos termos da legislação processual, desde que respeitado o contraditório. No caso, a decisão de produção da prova foi devidamente motivada, ressaltando que os depoimentos visaram esclarecer aspectos já existentes nos autos, e não inaugurar nova linha de investigação. Ademais, inexiste qualquer vício capaz de comprometer a validade do ato processual em questão. A prova produzida decorreu de decisão devidamente motivada, no exercício legítimo da função jurisdicional. E mais: oportunizou-se à defesa a sua manifestação quanto ao pedido ministerial. Consabido que no processo penal não há nulidade sem demonstração de prejuízo — exigência positivada no art. 563 do Código de Processo Penal, sob a égide do princípio do pas de nullité sans grief. O simples descontentamento com a condução do feito ou a tentativa de anular validamente provas colhidas, não se presta à decretação de nulidade, sobretudo quando ausente qualquer demonstração concreta de violação às garantias processuais. Ilustra bem esse posicionamento os julgados abaixo reproduzidos: “(...) 1 . Como é de conhecimento, esta Corte Superior possui entendimento de que mesmo as supostas nulidades absolutas exigem a demonstração do prejuízo para a parte, o qual não pode ser presumido em razão apenas da prolação de sentença condenatória, mas deve ser demonstrado de modo efetivo. 2. Somado a isso, cumpre destacar que: A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que não configura nulidade a ouvida de testemunha indicada extemporaneamente pela acusação, como testemunha do Juízo, conforme estabelece o art. 209 do Código de Processo Penal, em observância ao princípio da busca da verdade real (STJ - AgRg no AgRg no AREsp n . 2.006.684/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 19/5/2022). “(...) 3 . Na hipótese, conforme fundamentadamente destacado pela Corte de origem, não restou evidenciada a aventada quebra da incomunicabilidade em razão da oitiva de César de Almeida Cruz como testemunha do juízo, o qual foi conduzido até a sessão de julgamento pelo oficial de justiça e não assistiu pessoalmente qualquer depoimento. Além disso, foi consignado que César foi ouvido sem prestar o compromisso a que alude o art. 203 do Código de Processo Penal, pois fora admitido como assistente de acusação. Portanto, a defesa não cumpriu demonstrar o efetivo prejuízo suportado pela parte, à luz do art . 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief, deixando de comprovar que a nulidade apontada, acaso não tivesse ocorrido, ensejaria sua absolvição. (...). 5. Agravo regimental a que se nega provimento (...)”. (STJ - AgRg no HC: 907404 BA 2024/0138687-4, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 10/06/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/06/2024). “(...) II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Discute-se a legalidade da oitiva de testemunha. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. De acordo com o entendimento desta SUPREMA CORTE, “Nos termos do art. 209 do Código de Processo Penal, não configura nulidade a oitiva de testemunha indicada extemporaneamente pela acusação, como testemunha do Juízo”, assim como “Não prevê a legislação processual momento próprio para inquirição das testemunhas indicada pelo Juízo na forma dos arts. 156 e 209 do CPP” (HC 95319, Relator (a): Min . DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJ de 21/2/2011). Ainda: HC 175330, Relator (a): MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 21/10/2021. 4. Além disso, sem a demonstração de efetivo prejuízo causado à parte, em atenção ao disposto no art . 563 do Código de Processo Penal, não se reconhece nulidade no processo penal. E, no particular, o impetrante nem sequer indicou de que modo a renovação do julgamento beneficiaria o paciente, razão por que não se revela viável a esta SUPREMA CORTE, nesta via processual, valorar o suporte probatório para mensurar a relevância ou não de ato processual suscitado pela defesa, com vistas a invalidar a instrução criminal. (...)”. (STF - HC: 243717 BA, Relator.: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 26/08/2024, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30-08-2024 PUBLIC 02-09-2024). Em conclusão, a decisão judicial que determinou a oitiva das testemunhas Santiago Rozendo Sanches e Silva e Iurg Vitor Toledo Lima Rosa é válida, não havendo nulidade a ser decretada. 2.2. PRELIMINAR DE NULIDADE DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO - RÉUS AUGUSTO, KAIC, GILVAN, MATEUS, PABLA E WESLEN Augusto Felipe da Silva, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Pabla Melo Klaus e Weslen Henrique de Lima Ramos suscitam a nulidade da competência territorial da 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT e de todos os atos subsequentes, requerendo a remessa dos autos à Comarca de Rondonópolis/MT, com fundamento na inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017/TP-TJMT, na alegada incompetência decorrente da especialização das varas e na violação às regras de conexão, continência, prevenção. 2.2.1. Alegação de Inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017/TP do TJMT Quanto à alegação de inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017/TP, carecendo de respaldo jurídico consistente e não demonstrando qualquer prejuízo concreto à regularidade do processo ou ao exercício do direito de defesa, não merece acolhimento. Após o encerramento do Inquérito Policial, o Ministério Público ofereceu denúncia em 6.2.2020 contra os réus pela suposta prática dos crimes de organização criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013), tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006) e associação para o tráfico (art. 35, caput, da mesma lei), a qual foi recebida pelo Juízo da 7ª Vara Criminal em 2.3.2020 (ID 187526656). A Resolução nº 11/2017/TP, ao atribuir à 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT competência especializada para o julgamento de crimes praticados por organizações criminosas em todo o território estadual, foi editada em estrita consonância com a competência constitucional conferida aos Tribunais de Justiça para dispor sobre sua estrutura e funcionamento interno. Conforme o art. 125, §1º, da Constituição Federal, cabe aos Estados legislar sobre a organização judiciária local, sendo legítimo que o Tribunal de Justiça, no exercício de sua autonomia administrativa, implemente a especialização de varas como forma de racionalizar a jurisdição e de responder com maior eficiência à criminalidade organizada e complexa. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já pacificou o entendimento de que a criação de varas especializadas, como é o caso da 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, voltadas ao julgamento de delitos atribuídos a organizações criminosas, está em plena conformidade com o texto constitucional. Tal estruturação encontra amparo no art. 96, I, “a”, da Constituição Federal, que confere aos tribunais a prerrogativa de organizar suas jurisdições e disciplinar o funcionamento de seus órgãos. Em paralelo, o art. 74 do Código de Processo Penal dá respaldo infraconstitucional à medida, ao prever que a competência em razão da natureza da infração será definida pelas leis de organização judiciária. Portanto, a instituição de varas com competência específica, como ocorre no presente caso, revela-se não apenas legítima, mas também necessária à adequada e eficiente prestação jurisdicional. “(...) são apurados delitos de corrupção ativa, fraudes à licitação, lavagem de dinheiro e de suposta organização criminosa, que dispõe de vara especializada criada pela Resolução n. 11/2017 no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Mato Grosso, o que, de acordo com o entendimento desta Corte Superior de Justiça é autorizado pelo art. 96, inc. I, a, da Constituição Federal e, pelo art. 74 do Código de Processo Penal - CPP, pois trata-se de matéria que se insere no âmbito da organização judiciária dos Tribunais. (...)” (STJ - AgRg no RHC: 154203 MT 2021/0302570-0, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 20/03/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2023). Ademais, a mera inserção da expressão “com jurisdição em todo o Estado” não configura vício formal, tampouco implica alteração substancial da competência material atribuída à 7ª Vara Criminal. A delimitação territorial das varas pode ser legitimamente redefinida por ato administrativo do Tribunal, desde que observados os princípios da legalidade, razoabilidade e eficiência, como efetivamente se verificou no caso concreto. A especialização por matéria, notadamente em delitos envolvendo organizações criminosas, não afronta o princípio do juiz natural. Ao contrário, confere-lhe concretude, ao assegurar que o julgamento seja realizado por órgão jurisdicional previamente instituído, dotado de imparcialidade funcional, critérios objetivos de designação e qualificação técnica compatível com a complexidade da matéria. A definição da competência da vara especializada não resulta de escolha arbitrária ou discricionária, mas decorre de ato normativo válido, geral e impessoal, editado no regular exercício da competência constitucional conferida ao Tribunal de Justiça para dispor sobre sua organização interna. A inobservância da competência relativa só enseja nulidade se oportunamente argüida e desde que demonstrado o efetivo prejuízo à parte, (pas de nullité sans grief – art. 563 do CPP) — o que não se verifica na hipótese. Nesse aspecto: “(...) 1.1. É competente o Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá para processar e julgar a ação penal em que se apura crime de organização criminosa, cometido na Comarca de Nova Monte Verde, por força do que dispõe a Resolução n . 11/2017, do Tribunal Pleno, sendo certo que “A especialização de varas consiste em alteração de competência territorial em razão da matéria, e não alteração de competência material, regida pelo art. 22 da Constituição Federal” (Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 113018). 1 .2. A jurisprudência dos tribunais superiores, por força do disposto no art. 96, I, a, da Constituição Federal, entende cabível a designação de competência territorial em razão da matéria por deliberação dos tribunais; e, por consequência, os processos penais que apuram a prática de crimes praticados por organizações criminosas, mesmo que ocorridos em outras comarcas, no interior do Estado, devem ser submetidos à apreciação do Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, em razão da sua especialização, de forma que inexiste violação das regras e critérios de competência previstas no Código de Processo Penal. Ademais, a inobservância de competência em razão da matéria decorrente da especialização das varas enseja nulidade relativa, de modo que não vicia todos os atos praticados pelo juízo incompetente, uma vez que podem ser convalidados pelo juízo considerado competente para o processamento do feito, conforme precedente deste Tribunal de Justiça exteriorizado no Habeas Corpus n. 1005060-56.2020.8.11 .0000). (...)”. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 1001112-56.2022.8.11.0091, Relator.: LUIZ FERREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 29/05/2024, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 31/05/2024). Para além, não se demonstrou qualquer prejuízo concreto ao exercício da ampla defesa que justificasse a nulidade pretendida. A alegação de que as audiências se realizaram por cartas precatórias não é suficiente, por si só, para gerar nulidade, mormente porque tal prática é corriqueira no processo penal e amparada legalmente, diante da necessidade de oitiva de testemunhas residentes em comarcas diversas. Destarte, considerando a legitimidade constitucional da especialização da vara processante, da validade formal da Resolução nº 11/2017/TP, da ausência de prejuízo demonstrado e da regularidade da instrução penal, impõe-se a rejeição da preliminar suscitada. 2.2.3. Incompetência decorrente da especialização das varas A alegação de nulidade decorrente da especialização das varas igualmente não merece prosperar. A competência da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT decorre da especialização jurisdicional instituída pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, conforme disposto no Provimento nº 04/2008 do Conselho da Magistratura e na Resolução nº 23/2004, posteriormente modificada pela Resolução nº 11/2017-TP/TJMT. Tal organização traduz o exercício legítimo da autonomia administrativa do Tribunal, que, por meio de atos normativos internos, pode disciplinar a divisão e especialização de suas unidades judiciais, com vistas ao aprimoramento da prestação jurisdicional, sem que isso importe em violação à competência material prevista na Constituição Federal. Por possuir competência especializada em razão da matéria, o Juízo da 7ª Vara Criminal prevalece sobre os demais, ainda que os fatos tenham ocorrido em outras comarcas. Trata-se de competência funcional que se sobrepõe ao critério territorial, autorizando o processamento e julgamento de ações penais relacionadas à criminalidade organizada por unidade jurisdicional criada especificamente para tal finalidade. Essa organização busca conferir maior eficiência repressiva e uniformidade na condução de processos de alta complexidade. A propósito, colhe-se da jurisprudência os seguintes excertos: “(...) II. Não há violação aos princípios constitucionais da legalidade, do juiz natural e do devido processo legal, visto que a leitura interpretativa do art. 96, I, "a", da Constituição Federal admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação dos Tribunais. Precedentes. III. A especialização de varas consiste em alteração de competência territorial em razão da matéria, e não alteração de competência material, regida pelo art. 22 da Constituição Federal. (...)” (STF - HC: 113018 RS, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 29/10/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-225, Divulgado em 13/11/2013, Publicado em 14/11/2013). “(..) O c. STF e STJ firmaram entendimento de que os Tribunais podem definir a especialização de varas em razão da matéria, a despeito da competência do lugar do fato criminoso (STF, HC 113018; STJ, AgRg no REsp nº 1 .611.615/MT; STJ, AgRg no RHC nº 115.811/ES). (TJ-MT - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: 10018344320228110042, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 25/07/2023, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 01/08/2023). “(...) Por força do Provimento n.º 004/2008/CM e da Resolução n.º 11/2017/TP, expedidos por este Tribunal de Justiça dentro da sua prerrogativa de auto-organização, compete ao Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Cuiabá/MT processar e julgar infrações penais envolvendo organizações criminosas, com jurisdição em todo o território estadual, de modo que inexiste ilegalidade ou inconstitucionalidade na tramitação de persecução penal deflagrada inicialmente no interior do Estado e, depois, remetida para o Juízo Especializado, que prevalece sobre os demais. “(...) A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria.’ (STJ, AgRg no REsp nº 1611615/MT).” (...)”. (N.U 1006040-66.2023.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025). 2.2.2. Afronta aos critérios da conexão, continência e prevenção A alegação de nulidade baseada em suposta violação às regras de conexão, continência e prevenção não se sustenta. As normas previstas nos arts. 69, 76, 78 e 83 do Código de Processo Penal, que tratam da conexão, continência e prevenção, não possuem natureza absoluta, podendo ser relativizadas diante da existência de norma local de organização judiciária que institua competência especializada. A flexibilização se justifica pela necessidade de conferir racionalidade à tramitação de processos complexos e assegurar maior efetividade no combate à criminalidade organizada. Ainda que os delitos tenham ocorrido em comarca distinta, a competência funcional da 7ª Vara Criminal, por força de sua especialização na matéria — conforme estabelece a Resolução nº 11/2017-TP/TJMT — prevalece sobre o critério territorial fixado no art. 70 do CPP, bem como sobre a prevenção, instituto de natureza subsidiária e relativa, que não possui força para afastar a atribuição conferida à unidade especializada. Nos termos do art. 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, é legítimo que os tribunais disciplinem, por meio de atos normativos internos, a organização de sua jurisdição, inclusive quanto à definição de competência territorial fundada na matéria. Tal prerrogativa se revela especialmente importante em contextos que demandam estrutura jurisdicional especializada, como forma de garantir maior eficiência e uniformidade na atuação judicial. Sobre o tema: “(...) A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria. Precedentes. (...)”. (AgRg no REsp n. 1.611.615/MT, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 16/4/2018). “(...) 7. As regras de conexão e continência previstas nos artigos 69, 76 e 78 do CPP não são absolutas e podem ser flexibilizadas em casos que envolvem varas especializadas. 8. A competência por prevenção, prevista no art. 75, parágrafo único, do CPP, é critério subsidiário para a fixação da competência territorial, sendo utilizada quando há mais de um juízo igualmente competente. No caso em questão, a especialização da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, criada para julgar crimes de organização criminosa, prevalece sobre a regra de prevenção, dada a competência em razão da matéria. 9. Conforme já decidido pelos tribunais superiores, a designação de competência territorial em razão da matéria é válida, nos termos do art. 96, I, "a", da Constituição Federal, sendo plenamente legítima a especialização da 7ª Vara Criminal para julgar crimes de organização criminosa, independentemente do local da prática delitiva. O art. 70 do CPP, que regula a competência pelo local da consumação da infração, não se aplica quando há competência especializada. 10. A prevenção, embora prevista no art. 83 do CPP como critério subsidiário para fixação de competência, não é absoluta. Ela pode ser afastada em face de normas de organização judiciária que estabeleçam competências especializadas. 11. A jurisprudência dos tribunais superiores, incluindo o STJ e o STF, reconhece que a especialização de varas para o julgamento de determinadas matérias, como crimes de organização criminosa, é legítima e prevalece sobre a competência por prevenção, conforme disposto no art. 96, I, "a", da Constituição Federal. 12. A competência por prevenção, sendo relativa, não prevalece sobre a competência absoluta em razão da matéria, especialmente em situações que envolvem varas especializadas, como a 7ª Vara Criminal de Cuiabá. 13. A teoria do juízo aparente, amplamente aceita pela jurisprudência pátria, preserva a validade dos atos processuais praticados por autoridade que, à época da decisão, se apresentava como aparentemente competente. A mera menção ao envolvimento em organização criminosa, por si só, não afasta a competência do juízo de origem até que haja elementos concretos suficientes para a redistribuição (...)”. (N.U 1009401-45.2022.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 02/10/2024, Publicado no DJE 15/10/2024). Diante de todo o exposto, não há que se reconhecer qualquer das nulidades alegadas, tampouco se verifica prejuízo concreto à Defesa. Dessa maneira, rejeito as preliminares suscitadas. É como voto. 3. VOTO MÉRITO Extrai-se dos autos que, a partir da denominada “Operação Red Money”, voltada à desarticulação do braço financeiro da facção Comando Vermelho em Mato Grosso, restou evidenciado que a organização criminosa operava de forma estruturada tanto no ambiente externo quanto interno ao sistema prisional, inclusive na Cadeia Pública de Rondonópolis/MT. As investigações demonstraram o envolvimento de seus membros em delitos patrimoniais e no tráfico de drogas, com a finalidade de fortalecer financeiramente e estruturalmente a organização. Identificados 22 suspeitos vinculados a esse núcleo, a autoridade policial requereu, de forma fundamentada, a interceptação de comunicações. Das interceptações telefônicas resultaram indícios concretos de tratativas intensas relacionadas ao comércio ilícito de entorpecentes, ensejando a instauração do Inquérito Policial nº 434/2018, que deu origem à “Operação Reditus”, voltada à apuração da existência de estrutura criminosa composta por mais de 67 integrantes. Na denúncia inicial, detalhou-se que o Comando Vermelho – CV-MT surgiu a partir do modelo estabelecido no Rio de Janeiro, embora atuasse de forma autônoma em Mato Grosso. A facção foi inicialmente identificada na década de 1990, nas cadeias públicas de Cuiabá, e, com o tempo, expandiu sua atuação para outras cidades do Estado. Em Rondonópolis/MT, consolidou-se com rapidez, favorecida pela localização estratégica da cidade nas rotas do tráfico de drogas. A organização criminosa passou a controlar o comércio local de entorpecentes, implementando um sistema próprio de normas e arrecadação financeira, mediante cobrança de mensalidades, taxas para a operação de pontos de venda e valores exigidos de comerciantes a título de “segurança”. Todos os recursos arrecadados eram revertidos para o fortalecimento da facção. Os valores eram utilizados para beneficiar integrantes, inclusive mediante o fornecimento de armas para a prática de crimes. Para manter sua operacionalidade, o Comando Vermelho estruturou-se hierarquicamente, com funções definidas e setores especializados, incluindo liderança, conselho decisório, disciplina interna, gestão financeira, cadastro de membros, logística do tráfico e controle do ingresso de novos integrantes. Os cargos e funções recebiam denominações próprias, como “Voz”, “Conselho”, “Disciplina”, “Espelho”, “Tesoureiro”, “Cadastro”, “Gerente”, “Padrinho”, “Afilhado” e “Companheiro”. Consta na denúncia, que entre o período compreendido entre data inicial não apurada, mas até dezembro de 2019, em Rondonópolis/MT, Augusto Felipe da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima integraram organização criminosa denominada “Comando Vermelho”, os quais exerciam liderança coletiva com o objetivo de obter vantagem mediante a prática de crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, crimes patrimoniais e crime contra a vida. Cada um dos réus exercia função específica na estrutura da organização, além de manter vínculo estável para a prática reiterada do Tráfico de Drogas em diversas localidades, incluindo Pedra Preta-MT e o distrito de Garça Branca, em Tatuapé-SP. Após regular trâmite processual, o Juízo singular recebeu parcialmente a denúncia e condenou Gilvan, Mateus e Weslen pelos crimes de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) e Associação ao Narcotráfico (art. 35, caput, da Lei 11.343/2006); Augusto e Kaic pelo crime de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), e Pabla, pelo crime de Associação ao Narcotráfico (art. 35, caput, da Lei 11.343/2006), ao passo que Pabla foi absolvida dos crimes de Tráfico de Drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006), e de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013), enquanto Gilvan, Mateus e Weslen foram absolvidos do crime de Tráfico de Drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006). Após a aplicação da detração penal, estabeleceram-se as penas definitivas de cada réu, conforme o relatório. Por zelo, no que se refere ao regime inicial de cumprimento da pena imposta ao réu Mateus, embora a sentença condenatória não o tenha indicado expressamente, trata-se de erro material, considerando a pena fixada em 6 anos de reclusão e 710 dias-multa, bem como a expedição de alvará de soltura nos autos, infere-se que o regime semiaberto foi o adotado pelo Juízo sentenciante, ainda que não tenha sido formalmente consignado na parte dispositiva da decisão. A omissão não configura nulidade, podendo ser suprida com base nos demais elementos constantes nos autos, por se tratar de falha meramente formal que não compromete a validade do julgado (a considerar que nenhuma das partes opôs embargos de declaração ou se manifestou a respeito do assunto nos recursos interpostos). Tanto o Ministério Público quando as defesas de todos os réus interpuseram recurso de Apelações Criminais. Superadas as questões preliminares, passo à análise do mérito. 3.1. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM FACE DE MATEUS, GILVAN, WESLEN E PABLA O Ministério Público requer a reforma parcial da sentença para condenar os réus Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Weslen Henrique de Lima Ramos e Pabla Melo Klauss pelo crime de Tráfico de Drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006), bem como Pabla Melo Klauss pelo crime de Organização Criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013). 3.1.1. Quanto ao pleito de condenação de Pabla Melo Klaus pela prática do crime de Organização Criminosa, vejo que razão lhe assiste. A Lei nº 12.850/2013 define organização criminosa como aquela composta por quatro ou mais pessoas, com estrutura ordenada e divisão de funções, ainda que informal, voltada à prática de infrações penais graves com o propósito de obtenção de vantagem ilícita. Para a configuração do delito, não basta a simples união de indivíduos. É indispensável a existência de uma estrutura organizada, com hierarquia interna e atribuição de funções específicas, cuja atuação se dê de forma contínua, coordenada e voltada a objetivos comuns, em moldes análogos a uma organização empresarial. O art. 2º da referida lei tipifica como crime as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa, pessoalmente ou por interposta pessoa. Trata-se de tipo penal formal e de perigo abstrato, cuja consumação independe da prática efetiva das infrações pretendidas pelo grupo. Basta a adesão estável e consciente à estrutura delitiva. É, ainda, infração de natureza comum, forma livre e caráter permanente, consumando-se enquanto houver participação ativa na organização. No aspecto subjetivo, exige-se dolo específico: o agente deve integrar a organização com vontade livre e consciente, buscando, direta ou indiretamente, favorecer a prática de crimes e auferir vantagem ilícita. Essa figura não se confunde com a mera coautoria ou com o concurso eventual de agentes. A organização criminosa se caracteriza por sua permanência e vocação à prática de múltiplas infrações futuras e indeterminadas. No caso em exame, a materialidade do delito previsto no art. 2º da Lei nº 12.850/2013 está suficientemente comprovada por meio de relatórios investigativos e interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, e a autoria, respaldada nos depoimentos colhidos em juízo (ID 187526654 e seguintes). Longe de se tratar de colaboradora eventual ou de agente influenciada pelo companheiro Weslen — identificado como liderança regional da facção Comando Vermelho —, a ré Pabla apresentou atuação estável, consciente e relevante dentro da estrutura criminosa, especialmente no núcleo logístico-financeiro da célula instalada em Rondonópolis e Pedra Preta/MT. O Delegado Santiago Rozendo Sanches e Silva, responsável pela investigação, declarou em juízo que Pabla atuava como “braço direito e financeiro” de Weslen, desempenhando papel essencial na manutenção das atividades da facção. Segundo ele, o estabelecimento comercial “Cris Variedades”, de propriedade do casal, era utilizado como meio de recebimento e lavagem de valores oriundos do tráfico de drogas e das demais práticas ilícitas da organização. Integrantes da facção dirigiam-se ao local para efetuar pagamentos da chamada “camisa” — contribuição obrigatória para membros — inclusive via cartão, simulando transações comerciais legítimas. Pabla era a responsável pelo controle dessas finanças, tanto da organização criminosa quanto da associação para o tráfico. Durante as diligências, foram apreendidos documentos, anotações e dados bancários que comprovam essa atuação, com destaque para o relatório técnico do Laboratório de Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil, que identificou expressiva movimentação financeira incompatível com a renda declarada. Adicionalmente, foi relatado que Pabla e seu companheiro foram alvos de pelo menos outras duas operações policiais, sendo que, em uma delas, a ré foi flagrada com R$ 45.000,00 em espécie em sua residência, o que resultou em nova autuação em flagrante. Interceptações telefônicas demonstram que, após a prisão de Weslen, Pabla assumiu integralmente a responsabilidade pela arrecadação dos valores ilícitos. Em diálogo transcrito nos autos, uma interlocutora afirma: “vou deixar com a mulher dele... ela que arrecada agora”, confirmando a transferência de função. O Relatório de Análise nº 031/2019 corroborou esse conteúdo, identificando Pabla como figura de referência no recolhimento de contribuições mensais de integrantes e comerciantes locais (ID 187526244 - Pág. 136 e ss). Sua vinculação à estrutura também é evidenciada pela gestão da loja “Cris Variedades”, registrada em seu nome e utilizada como instrumento de lavagem de capitais, com movimentações bancárias provenientes de contribuições de membros e valores pagos por comerciantes em troca de “proteção” contra crimes patrimoniais. As transações, inclusive eletrônicas, revelam o grau de sofisticação da estrutura criminosa e a clara divisão de tarefas (ID 187526247 – Pág. 111 e ID 187526655 - Pág. 171). A jurisprudência deste Tribunal reconhece que o integrante encarregado do setor financeiro da organização — mesmo sem participação direta em ações executivas — responde pelo delito do art. 2º da Lei nº 12.850/2013. O núcleo financeiro é essencial à manutenção da organização criminosa e, por isso, seu operador responde de forma plena e autônoma. Veja-se: “(...) 1. As conversas captadas através de interceptação telefônica judicialmente deferida, de natureza não repetível, nos moldes do art. 155, caput, in fine, CPP, são suficientes para atestar que, imbuída com ânimo associativo permanente e estável, a apelada ANDRESSA exercia a função de ‘tesoureira’ de uma célula do Comando Vermelho em Cáceres, cobrando dos revendedores o repasse do dinheiro ilícito oriundo do narcotráfico, fazendo a contabilidade dos proventos e prestando contas a faccionado preso, tudo a justificar a sua condenação pelo delito do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. (...)”. (N.U 0000665-54.2019.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 10/07/2024, Publicado no DJE 11/07/2024). Não se trata, portanto, de imputação fundada em presunções ou em relação conjugal, mas sim de uma leitura objetiva e funcional da prova: interceptações que a apontam como destinatária de repasses; reconhecimento de sua função por interlocutores internos e externos; continuidade de sua atuação após prisões de lideranças; e ausência de qualquer indício de coação, ignorância ou simples tolerância conivente. Diante de tais elementos, impõe-se a reforma da sentença absolutória, acolhendo-se o pleito recursal ministerial para condenar Pabla Melo Klaus pela prática do crime de Organização Criminosa, nos exatos termos do artigo 2º da Lei nº 12.850/2013, reconhecendo sua posição estratégica e funcional no setor logístico da célula regional do Comando Vermelho, no setor financeiro, como tesoureira. 3.1.2. No que se refere à imputação do crime de Tráfico de Drogas previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, observa-se que não houve apreensão de qualquer substância entorpecente durante as diligências, tampouco em poder de qualquer dos corréus — circunstância que, à luz da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, enfraquece significativamente a pretensão condenatória. Embora a jurisprudência admita, em hipóteses excepcionais, a responsabilização penal pelo delito de tráfico mesmo na ausência de apreensão direta da droga, tal possibilidade exige prova consistente de atuação coordenada entre indivíduos que exerçam funções típicas da narcotraficância — como negociação, transporte ou armazenamento do entorpecente. Nessas situações, a materialidade pode ser suprida por outros elementos, como interceptações telefônicas e diligências de inteligência, desde que revelem de forma clara o vínculo funcional e consciente do agente com a prática delitiva. De fato, os diálogos interceptados por meio de escutas telefônicas, especialmente quando considerados no contexto de atuação de organização criminosa, sugerem indícios de eventual envolvimento dos réus com atividades ilícitas, inclusive relacionadas ao tráfico. Todavia, no âmbito penal, a prova indiciária, isoladamente, não é suficiente para suprir a ausência de materialidade, sendo imprescindível, para a configuração do delito de tráfico de drogas, a demonstração concreta da existência da substância entorpecente. A jurisprudência é pacífica ao afirmar que a interceptação telefônica, embora relevante como instrumento de investigação, não possui eficácia probatória autônoma para embasar uma condenação, sobretudo quando desacompanhada de elementos complementares, como apreensões, laudos periciais ou testemunhos que corroborem as alegações da acusação. Adotar entendimento diverso implicaria violação ao princípio da segurança jurídica e representaria perigoso precedente, ao admitir condenações fundadas em meras conjecturas ou presunções, em afronta às garantias fundamentais do processo penal, especialmente ao devido processo legal e à presunção de inocência. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a ausência de apreensão da droga compromete a subsunção ao tipo penal do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, sobretudo quando inexiste prova robusta de que os interlocutores efetivamente integravam um esquema estruturado de distribuição de entorpecentes. Diante da inexistência de apreensão da substância ilícita e da insuficiência dos demais elementos probatórios para demonstrar, de forma inequívoca, a prática do tráfico, impõe-se a manutenção da absolvição quanto ao referido delito, em respeito ao princípio do in dubio pro reo e às garantias constitucionais do processo penal. A lição é endossada pelo Superior Tribunal de Justiça: “(...) 1. "É imprescindível para a demonstração da materialidade do crime de tráfico a apreensão de drogas" ( REsp 1865038/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 25/8/2020, DJe 4/9/2020). 2. Encontrando-se a sentença condenatória lastreada apenas em mensagens telefônicas sobre a negociação da droga e anotações referentes à sua distribuição, ainda que corroboradas por depoimento de policiais afirmando ser a residência do acusado conhecida como boca de fumo, deve ser o agravante absolvido por ausência de materialidade do crime de tráfico de entorpecentes. 3. Provimento do agravo regimental. Absolvição do réu em relação à imputação prevista no art. 33 da Lei 11.343/2006 (art. 386, VII , do CPP)”. (STJ - AgRg no REsp: 1948410 TO 2021/0214187-6, Relator: Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Data de Julgamento: 22/03/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/03/2022). “(...) 2. Em recente julgado, a Terceira Seção desta Corte Superior reiterou o posicionamento pela impossibilidade de condenação, pelo crime do art . 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, quando não há apreensão de droga, ainda que sejam mencionadas outras provas a indicar a dedicação do acusado à venda de entorpecentes. Na oportunidade, concluiu-se que, "embora os depoimentos testemunhais e as provas oriundas das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas tenham evidenciado que a paciente e os demais corréus supostamente adquiriam, vendiam e ofereciam 'drogas' a terceiros - tais como maconha, cocaína e crack -, não há como subsistir a condenação pela prática do delito descrito no art . 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, se, em nenhum momento, houve a apreensão de qualquer substância entorpecente, seja em poder dela, seja em poder dos corréus ou de terceiros não identificados" (HC n. 686 .312/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 19/4/2023) . 3. Agravo regimental não provido (...)”. (STJ - AgRg no HC: 835970 ES 2023/0230420-3, Relator.: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 13/05/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2024). A prolação de sentença condenatória desacompanhada de provas materiais não apenas contraria o devido processo legal, como também compromete a credibilidade do sistema de justiça penal, ao admitir que decisões de tamanha gravidade se sustentem unicamente em hipóteses ou suposições. Dessa forma, a fundamentação ora adotada reafirma o compromisso com uma aplicação rigorosa, justa e equilibrada da norma penal, em estrita observância aos princípios da legalidade, da segurança jurídica e da preservação das garantias constitucionais conferidas ao acusado. Por tais razões, mantenho a absolvição dos réus Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Weslen Henrique de Lima Ramos e Pabla Melo Klaus pela prática do crime de Tráfico de Drogas. 3.2. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DOS RÉUS AUGUSTO, GILVAN, KAIC, MATEUS, PABLA E WESLEN Augusto Felipe da Silva, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Pabla Melo Klaus e Weslen Henrique de Lima Ramos buscam a absolvição quanto ao crime de Organização Criminosa, tipificado no art. 2º da Lei nº 12.850/2013, sob a alegação de insuficiência probatória. Inicialmente, embora a defesa da ré Pabla Melo Klaus tenha pleiteado sua absolvição quanto ao crime de Organização Criminosa, tal pedido é juridicamente incabível, uma vez que ela foi absolvida da referida imputação, inexistindo, portanto, qualquer sucumbência a justificar o manejo do recurso. Nessa hipótese, impõe-se, DE OFÍCIO, o não conhecimento do apelo, por ausência de interesse recursal, uma vez que inexiste utilidade ou necessidade na modificação de uma decisão que já acolheu integralmente a pretensão da parte. Sobre o tema: “(...) 1. “(...) “Carece de interesse de agir o apelante que postula a concessão de provimentos que já lhe foram conferidos na sentença” (...)” (TJ-MT - APR: 00081449720138110042, Relator: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 02/05/2023, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 08/05/2023) (...)”. (N.U 1001340-51.2022.8.11.0052, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 10/04/2024, Publicado no DJE 16/04/2024). As pretensões de Augusto Felipe da Silva, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena, e Weslen Henrique de Lima Ramos não encontram amparo. A materialidade e a autoria do crime do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, restou demonstrada pelos Relatórios de nº. 031/2019 e nº. 023/2020 (ID 187526244 - Pág. 136 e ss.), corroboradas pelas declarações em juízo dos policiais civis que participaram das investigações, o Delegado de Polícia Civil, Santiago Rozendo Sanches e Silva, e o Investigador de Polícia Civil - Iurg Vitor Toledo Lima Rosa. Augusto Felipe da Silva: conhecido no meio criminoso como “Babal”, a narrativa acusatória aponta sua atuação na organização criminosa autodenominada “Comando Vermelho”, ocupando a posição de “Disciplina”, na função de regulação interna da conduta dos membros da facção, arrecadação de valores da organização criminosa e do Tráfico de Drogas. Augusto negou a autoria do crime na fase policial e ficou em silencio em juízo (ID 187526652 - Pág. 214/216 e ID 187526661 - Pág. 135 e ss). Em juízo, o Delegado de Polícia Civil confirmou que Augusto exercia a função de “Disciplina” da facção criminosa, sendo o responsável por gerir as ações do grupo na região do bairro Iguaçu, em Rondonópolis. Como disciplina, incumbia-lhe solucionar conflitos internos, arrecadar valores oriundos das chamadas “caixinhas” — contribuições regulares recolhidas junto a membros ou comerciantes sob coação da facção —, bem como zelar pelo cumprimento das ordens e normas impostas pela cúpula da organização, sobretudo no que se refere ao Tráfico de Drogas local. O Delegado destacou que Augusto já possuía antecedente recente pela prática de Tráfico de Drogas, tendo sido preso em flagrante em 2019 (IP nº. 233/2019/DERF/ROO), evidenciando um histórico de envolvimento com a criminalidade organizada. Além disso, ele foi alvo de ao menos outras duas operações policiais deflagradas pela Polícia Civil, uma delas no curso da presente investigação, que igualmente apontaram sua participação ativa tanto no Tráfico de Drogas, quanto na estrutura de comando da facção. Durante o cumprimento de mandados judiciais, foram apreendidas anotações em poder de outros membros da organização, especialmente do tesoureiro da facção, Marcos Vinícius Magela, e de José Filipe dos Santos, anotações da traficância que indicavam uma intensa movimentação financeira atribuída a Augusto, reforçando a tese de que ele também participava da gestão patrimonial e econômica da célula criminosa local. As declarações prestadas pelo investigador de polícia Iurg Victor Toledo Lima Rosa também apontam a vinculação de Augusto à organização criminosa. Conforme o relato da testemunha, o nome do réu foi reiteradamente citado por outros membros da facção como ocupante de uma posição de liderança dentro da estrutura criminosa. Essa circunstância levou os investigadores a direcionarem esforços para identificá-lo por meio de terminais telefônicos. Destacou que Augusto possui histórico de envolvimento com facção criminosa, tendo figurado como alvo em investigações antecedentes, demonstrando movimentação financeira expressiva, envolvimento na aplicação de disciplina interna, com influência sobre comunidades vulneráveis da região metropolitana de Rondonópolis/MT e de outras localidades do Estado. Consta nas interceptações telefônicas que no dia 6.10.2018, pessoa Maria Marta de Carvalho, proprietária de estabelecimentos comerciais na cidade, informa à Fernanda Borges dos Santos (integrante da facção), que estava com dificuldades para efetuar o pagamento da “Caixinha” a Augusto (Babal), vez que após a prisão de Ana Maria Tavera, as taxas passaram a ser recolhidas por Augusto, ocasião em que contatou Weslen para solucionar a questão (áudio 27287181.WAV – 02/09/2018 – 16:01:15 – ID 187526245 - Pág. 287). Tais elementos evidenciam que Augusto não era um agente periférico, mas sim alguém com papel relevante e estável dentro da estrutura organizacional da facção, preenchendo, portanto, os requisitos legais e fáticos do tipo penal descrito no art. 2º da Lei nº 12.850/2013, que define o crime de organização criminosa. Desse modo, a narrativa da autoridade policial corrobora, com riqueza de detalhes, o papel de liderança operacional exercido por Augusto, caracterizando-se como figura essencial para o funcionamento e a sustentação financeira da organização criminosa em sua área de atuação. A prova, portanto, não é isolada, mas sim convergente e confirmada em juízo, com testemunhos prestados sob o crivo do contraditório. Kaic Silva Lima: identificado com o apelido de “Capivara”, também teve a sua participação comprovada na ORCRIM do Comando Vermelho, exercendo a função de “Disciplina” na região central de Rondonópolis/MT. Kaic negou a prática do crime na fase policial, e em juízo, permaneceu em silêncio (ID 187526653 - Pág. 135/136 e ID 187526661 - Pág. 135 e ss). Em juízo, o Delegado de Polícia ressaltou que Kaic era integrante do grupo criminoso e atuava especialmente em associação com outros membros, desenvolvendo atividades relacionadas ao Tráfico de Entorpecentes, e que possuía conexão direta com um dos núcleos internos da facção, supostamente liderado por indivíduo de nome Maurício Gonçalves da Silva (integrante da organização), o que demonstrou a existência de subdivisões operacionais dentro da própria estrutura criminosa. Pontuou que Kaic explorava a atividade da traficância de forma associada com demais integrantes, estando, inclusive, entre os alvos presos durante a deflagração da operação policial. Segundo o relato do Investigador de Polícia Civil Iurg Victor Toledo Lima Rosa, Kaic exercia a função de disciplina dentro da facção, atuando na gerência do tráfico de entorpecentes e na coleta de valores exigidos de comerciantes e outros indivíduos, a título de “caixinha” — cobrança extorsiva travestida de pagamento por suposta proteção aos comércios da localidade prestada pela facção. Nesse ponto, consta nas interceptações que no dia 29.8.2018, Kaic foi abordado por Mateus da Silva sobre a eventual aquisição de um aparelho celular da marca Zenfone. Segundo Mateus, o referido objeto havia sido furtado por um usuário de entorpecentes (“noiado”) na região central da cidade, motivo pelo qual solicitava a colaboração de Kaic para localizar o autor do delito (ID 187526246 - Pág. 125/126). A narrativa das testemunhas, aliada à interceptação telefônica demonstram a vinculação de Kaic à estrutura organizada da facção, evidenciando que sua participação se dava em colaboração com outros agentes na organização, em consonância com a dinâmica funcional típica das organizações criminosas previstas na Lei n.º 12.850/2013. A atuação de Kaic, portanto, não é ocasional ou eventual, mas reiterada e vinculada à função específica, o que afasta qualquer dúvida razoável quanto à configuração do tipo penal. Mateus da Silva: integrava a ORCRIM Comando Vermelho na região do Bairro Vila Rica, em Rondonópolis/MT, na função de “Disciplina”, conhecido pelo apelido de “Mateuzinho”. Suas atribuições incluíam a aplicação de punições, autorização de execuções, gerência dos assuntos relacionados à organização. Na fase policial, Mateus negou a sua participação no crime, em juízo, permaneceu em silêncio (ID 187526652 - Pág. 190/192 e ID 187526661 - Pág. 135 e ss). O Delegado de Polícia Civil responsável pela condução das investigações, Santiago Rozendo Sanches e Silva, prestou esclarecimentos específicos sobre a atuação de Matheus evidenciando sua posição estratégica dentro da facção. Segundo relatado, Matheus exercia a função de Disciplina da organização criminosa no bairro Vila Rica, função essa que, à semelhança dos demais “Disciplinas” envolvia a gestão local das atividades ilícitas da facção, com especial destaque para o controle do Tráfico de Drogas e o recolhimento das denominadas “caixinhas”, contribuições obrigatórias impostas a integrantes e simpatizantes, gerir conflitos na facção. O Delegado destacou que Matheus não apenas executava ordens, mas também assumia condutas de comando, sendo o responsável por resolver conflitos internos, aplicar sanções disciplinares e exercer autoridade em nome da facção na região sob sua influência. Disse, ainda, que Mateus utilizava-se da estrutura e do poder intimidatório da facção para benefício próprio, chegando a ameaçar diretamente um desafeto, afirmando, em conversa interceptada no curso da investigação, que era integrante da organização criminosa e possuía poder para decretar a morte de pessoas contrárias a seus interesses. Tal afirmação foi registrada em interceptação telefônica judicialmente autorizada e devidamente acostada aos autos, o que robustece o seu envolvimento ativo nas práticas delitivas atribuídas ao grupo criminoso, e que inclusive, relevam que Mateus foi contatado e designado por um presidiário identificado como Dheyton Nunes dos Santos Souza, para uma missão destinada a recebimento de dívidas de atraso de outros membros da ORCRIM, e, no caso de negativa de pagamento, os devedores estariam sujeitos à sanção disciplinar – denominada “salve”. Ainda constam conversas indicando que Mateus era procurado para providenciar “fechamento” – contabilidade da facção (taxas, mensalidades e “caixinhas”) e valia-se do adolescente Júlio César Gonçalves Borges para a prática de crimes (ID 187526246 - Pág. 14/16). As declarações prestadas pelo IPC Iurg Victor Toledo Lima Rosa confirmam as declarações do Delegado de Polícia, no sentido de que Mateus atuava como auxiliar direto dos responsáveis pela gerência regional do Tráfico de Drogas, prestando suporte operacional às atividades ilícitas desenvolvidas em diversas localidades, incluindo a cidade de Rondonópolis e municípios vizinhos, como Pedra Preta e o distrito de Garça Branca. A testemunha destacou que Mateus mantinha constante contato com os demais membros da organização, tratando de assuntos diretamente relacionados à traficância, à formulação de estratégias voltadas à evasão da ação policial. A conduta de Mateus revela sua inserção no núcleo estrutural da facção, não apenas como executor de ordens, mas como partícipe consciente e ativo dos interesses do grupo. Assim, sua atuação se revelou estável, funcionalmente delimitada e voltada à consolidação dos objetivos da organização criminosa, preenchendo, portanto, os requisitos típicos do tipo penal em análise, restou comprovado que Matheus não apenas integrava a organização criminosa, mas ocupava posição de liderança local, com papel operacional e disciplinar, e usava seu papel de Disciplina na facção como instrumento de dominação e ameaça, circunstâncias que agravam sua conduta e reforçam sua vinculação estável e estruturada ao grupo investigado. Gilvan Oliveira Macena: conhecido com o apelido de “Branquinho”, também restou demonstrado que exercia a função de “Disciplina” na facção criminosa do Comando Vermelho, atuando nos bairros Jardim Ananias e Alfredo de Castro, em Rondonópolis/MT. Além de atuar de forma conjunta com sua companheira, Thaíza A. Fernandes, no Tráfico de Entorpecentes, em sintonia com os interesses da ORCRIM. A prova judicializada aponta que Gilvan era figura de referência regional para a manutenção da ordem entre os membros da facção. Nesse ponto, o depoimento do Delegado de Polícia Civil (Santiago Rozendo Sanches e Silva) colhido em juízo, indicou Gilvan como agente disciplinador, e relatórios de inteligência policial o identificam como responsável pela execução de ordens e cumprimento das diretrizes internas da organização. Segundo a autoridade policial, Gilvan exercia a função de “disciplina de bairro”, figura responsável por determinadas áreas geográficas sob domínio da organização criminosa. Essa posição lhe conferia autoridade hierárquica dentro da facção, o que lhe permitia não apenas participar ativamente do Tráfico de Drogas, mas também coordenar e gerenciar condutas internas da organização, com o auxílio direto de ao menos três a quatro comparsas, além de ser responsável pelo recolhimento das chamadas “caixinhas” —contribuição compulsória arrecadada junto a membros e comerciantes —, bem como a aplicação de sanções e punições disciplinares a outros integrantes, sempre de acordo com os ditames internos da facção. Disse, ainda, que Gilvan, assim como os demais réus apontados como lideranças intermediárias, valia-se do prestígio associado à sua condição de membro ativo da organização criminosa para praticar diversos crimes, aproveitando-se da estrutura hierarquizada e da sensação de impunidade que sua posição lhe conferia. Segundo relatado pelo IPC Iurg Victor Toledo Lima Rosa, Gilvan foi identificado como integrante da facção a partir do monitoramento de comunicações telefônicas interceptadas durante a apuração envolvendo outro investigado, conhecido como “Doutorzinho” (Adelino Messias de Sousa). As conversas interceptadas e os dados obtidos evidenciaram que Gilvan exercia funções internas típicas de membro estruturado de organização criminosa, dentre elas a atuação como disciplina local, função que compreendia o controle comportamental de faccionados e a imposição de normas da facção em sua área de atuação, situada nas imediações do Parque de Exposição, na cidade de Rondonópolis/MT. A testemunha foi enfática ao afirmar, ainda, que Gilvan e os demais corréus, levavam uma vida dedicada à atividade criminosa, com movimentação financeira compatível com o tráfico e envolvimento em estrutura funcional voltada à consolidação de um verdadeiro “Estado paralelo”, operado pela facção tanto em Rondonópolis quanto em outras regiões do estado de Mato Grosso. As interceptações anexadas aos autos revelam conversa de Gilvan mantida com o denunciado Adelino Messias de Souza (vulgo “Doutorzinho”), que lhe expõe os dados relativos à prestação de contas da área sob sua responsabilidade funcional. Consta, também, nas interceptações, que Gilvan se dedicava, de forma reiterada e habitual, à prática do crime de Tráfico Ilícito de Entorpecentes, mantendo vínculo associativo estável e permanente com sua companheira Thaíza Araújo Fernandes e com Mauro Almeida. E que o casal trocava informações sobre a movimentação policial na região em que atuavam, com o claro propósito de evitar a apreensão de substâncias entorpecentes e a consequente responsabilização penal dos envolvidos. Gilvan confessou fazer parte da ORCRIM em depoimento prestado no dia 19.12.2019, ao ser preso mediante cumprimento de mandado de prisão de nº. 0009573-23.2019.8.11.0064 (ID 187526652 - Pág. 143/145), que disse em suas palavras: “alega que sempre foi membro comum do Comando Vermelho”, embora tenha permanecido em silêncio em juízo (ID 187526661 - Pág. 135 e ss). Nesse ponto, necessário destacar que a teor do Enunciado de n. 11, TCCR/TJMT: “A confissão feita no inquérito policial, embora retratada em juízo, tem valor probatório sempre que confirmada por outros elementos de prova”, como na hipótese. Weslen Henrique de Lima Ramos:, vulgo “Todynho ou Mago”, foi identificado como liderança relevante dentro da ORCRIM do Comando Vermelho, exercendo as funções acumuladas de “Disciplina” (“espécie de poder de polícia da facção”) e “Gerente” (repassa as informações ao Conselho Final da ORCRIM – para os casos de julgamento) na cidade de Rondonópolis/MT. Sua atuação se estendia desde a coordenação direta de integrantes até a gestão dos pontos de venda de entorpecentes, além de deliberação sobre sanções internas. Weslen negou a autoria do crime nas duas fases do processo (ID 187526653 - Pág. 261/266 e ID 187526661 - Pág. 135 e ss). Em juízo, Delegado de Polícia Civil destacou com ênfase o papel desempenhado por Weslen, como uma das principais lideranças da facção criminosa à época dos fatos, exercendo a função de “disciplina” no âmbito do Comando Vermelho. Essa posição, conforme esclarecido, lhe conferia atribuições de comando regional, abrangendo áreas de significativa relevância para o tráfico de drogas, como a região central de Rondonópolis, o bairro Vila Canaã, o município de Pedra Preta e o distrito de Garça Branca/Tatuapé-SP. No desempenho dessa função, Weslen era responsável por todas as atividades relacionadas à organização criminosa nessas localidades, o que incluía o controle e a centralização do comércio ilícito de entorpecentes. Relatou-se, inclusive, que os traficantes locais somente poderiam adquirir drogas diretamente com ele, evidenciando sua posição de destaque na hierarquia da facção. Weslen também era o responsável pelo recolhimento das chamadas “caixinhas”, contribuições exigidas de comerciantes e integrantes da facção, utilizadas para financiar as atividades da organização. Nesse contexto, foi mencionado que ele realizava visitas regulares à cidade de Pedra Preta para a coleta dos valores, sendo auxiliado diretamente por sua companheira, Pabla identificada como seu braço direito e gestora financeira. O casal utilizava, como fachada, um estabelecimento comercial denominado “Cris Variedades” — cujo nome, segundo o Delegado, aludia à sigla da facção criminosa (CV) —, local esse empregado para o recebimento e a dissimulação de valores oriundos tanto do tráfico de drogas quanto das contribuições internas da organização. As investigações revelaram que o ponto comercial era utilizado para facilitar o pagamento de mensalidades por parte de integrantes da facção, inclusive por meio de transações eletrônicas com cartão de crédito ou débito. Por fim, o Delegado relatou um episódio ilustrativo do grau de inserção de Weslen na dinâmica criminosa local. Em certa ocasião, após o roubo de uma caminhonete por três adolescentes — supostamente cooptados pela facção —, verificou-se que a vítima, ao perceber o assalto, alertou os autores de que contribuía financeiramente com a organização. Ao tomar ciência do ocorrido, Weslen teria providenciado a devolução do veículo, articulando logisticamente a entrega do bem, em razão da “quebra de regra” interna da facção. A vítima, inclusive, pagou uma espécie de recompensa a Weslen pelo retorno do automóvel, fato confirmado em seu termo de declarações. As declarações prestadas pelo investigador de polícia Iurg Victor Toledo Lima Rosa, são no sentido de que Weslen exercia funções de elevada relevância dentro do esquema criminoso, destacando-se como responsável pela gerência do tráfico de drogas em diversas localidades — não apenas na região central da cidade de Rondonópolis/MT, mas também em municípios satélites, como Pedra Preta e o distrito de Garça Branca. Além da atividade voltada à mercancia de entorpecentes, Weslen exercia a função de disciplina na facção incumbindo-se de regular a conduta dos membros, solucionar conflitos internos, aplicar sanções e preservar a ordem interna da organização. A testemunha destacou, ainda, que o volume expressivo de diálogos interceptados envolvendo Weslen decorre de sua posição de comando e influência, sendo ele um dos principais articuladores locais da facção. Tal protagonismo, somado à sua atuação reiterada, funcionalmente definida e vinculada à manutenção das atividades ilícitas do grupo, configura de forma robusta os elementos caracterizadores do crime de organização criminosa, nos moldes previstos no art. 2º da Lei nº 12.850/2013. A partir desse conjunto de elementos, a autoridade policial reforçou a posição de liderança de Weslen no âmbito da organização criminosa, apontando sua atuação não apenas como gestor local das atividades ilícitas, mas também como figura de comando dotada de poder disciplinar e de articulação logística e financeira no seio da facção. De acordo com o conteúdo das interceptações telefônicas, Weverson Silva Brito (“Bê”) procurou o denunciado Weslen para relatar uma situação de cunho pessoal que ganhou relevância no âmbito da facção. Conforme noticiado, um vizinho identificado apenas pelo apelido de “Maranhense” teria assediado sua esposa e estaria armado com uma pistola calibre .22, com o intuito de enfrentá-lo. Diante disso, o “Disciplina” local, conhecido como “Nana” foi mobilizado, mas não localizou o indivíduo. Em razão da ausência de resolução, Weslen comprometeu-se a acionar os responsáveis pela área para adoção das medidas internas previstas pela organização criminosa. Em outra conversa interceptada, Weslen dialoga com um interlocutor identificado como “Lukinha” sobre um episódio envolvendo um casal que, durante uma discussão, causou danos a um ônibus do transporte coletivo. Na ocasião, Weslen determinou o ressarcimento do prejuízo ao motorista. A autora dos danos foi posteriormente identificada e “obrigada” a pagar R$ 150,00, valor este aceito pela empresa de transporte, que sequer formalizou a ocorrência policial. Ainda nas interceptações, verifica-se diálogo entre Weslen e uma mulher identificada como Larissa, em que o denunciado a adverte quanto às sanções previstas pela facção em caso de invasão do território de tráfico sob sua responsabilidade, o que revela sua posição de comando e o controle territorial que exerce em nome da organização criminosa. Em outro trecho, Weslen comunica ao integrante Gabriel Dias da Silva (“Biel”) que havia encaminhado ao “Conselho Final” um relatório referente ao descumprimento de suas obrigações internas, para deliberação e eventual punição. Por fim, destaca-se também conversa interceptada entre Weslen e Maria Marta de Carvalho, proprietária de um bar situado na Rua Poxoréo, região sob domínio da facção, na qual tratam sobre o pagamento da taxa mensal de “proteção” exigida pelo grupo criminoso em troca de suposta segurança no funcionamento do estabelecimento (ID 187526246 - Pág. 128 e ss). Nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013, considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cuja pena máxima seja superior a quatro anos, ou que tenham caráter transnacional. À luz dessa definição legal, e com base na análise do conjunto probatório constante dos autos, verifica-se que restou cabalmente comprovada a vinculação dos apelantes — Augusto Felipe da Silva, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Gilvan Oliveira Macena (que confessou a sua participação no crime) e Weslen Henrique de Lima Ramos — à mencionada ORCRIM. Embora todos tenham negado a prática do delito ou permanecido em silêncio na fase judicial (com exceção de Gilvan que confessou fazer parte da ORCRIM na fase policial), tais negativas apresentam-se como meramente genéricas e dissociadas da prova judicializada, e em afronta ao art. 156 do CPP. Isso porque, com base nas informações detalhadamente individualizadas e na atuação concreta de cada réu no contexto da organização criminosa, é possível afirmar, com segurança, que todos eles integravam a facção de maneira estável, consciente e funcional, exercendo funções específicas de relevância para a manutenção e o fortalecimento de sua estrutura ilícita. A robustez do acervo probatório — composto por relatórios de inteligência, depoimentos firmes de agentes públicos envolvidos nas investigações, elementos extraídos de apurações pretéritas e, sobretudo, comunicações telefônicas interceptadas com autorização judicial — permite a configuração do tipo penal previsto no art. 2º da Lei nº 12.850/2013. Longe de se tratar de presunções ou ilações frágeis, o conjunto de provas revela a atuação coordenada, reiterada e funcional de cada um dos réus dentro da cadeia de comando da facção. Cumpre destacar que para a configuração do crime de organização criminosa, não se exige prova direta de cada conduta isoladamente, tampouco flagrante da prática de infrações específicas. O que se requer é a demonstração de vínculo estável com o grupo criminoso, mediado por divisão de tarefas e voltado à prática de crimes graves — elementos que se encontram plenamente caracterizados nos autos. As funções atribuídas aos réus — como “Disciplina” e “Gerente” — não são meras denominações, mas sim posições de confiança e comando que envolvem o exercício de autoridade interna, tomada de decisões estratégicas, resolução de conflitos, arrecadação de valores ilícitos e, em alguns casos, até a aplicação de sanções a outros membros. Essas atribuições revelam o grau de inserção dos acusados na estrutura organizacional da ORCRIM, indicando seu efetivo engajamento nas práticas criminosas do grupo. A negativa de autoria, portanto, não encontra respaldo nos elementos probatórios carreados aos autos. Ao contrário, a prova coligida em juízo, produzida sob o crivo do contraditório, demonstra de forma inconteste a participação ativa dos réus, sua hierarquia funcional e sua inserção consciente nas engrenagens operacionais da facção criminosa. O acervo probatório, sólido e detalhado, demonstra a adesão voluntária e funcional dos acusados à organização criminosa Comando Vermelho, legitimando, com amparo legal e jurisprudencial, a manutenção das condenações proferidas, nos exatos termos do art. 2º da Lei nº 12.850/2013. Nesse sentido, colaciono arestos de julgados deste e. Tribunal: (...) 3. Negativa de autoria: A alegação de negativa de autoria não encontra respaldo nas provas dos autos. O conjunto probatório, incluindo interceptações telefônicas e documentos apreendidos, evidencia a participação ativa e consciente dos réus na organização criminosa Comando Vermelho, comprovando a prática de atividades ilícitas em função estruturada e hierarquizada. A negativa apresentada pelos recorrentes, sem amparo em elementos probatórios robustos, mostra-se dissociada do acervo probatório colhido em sede policial e ratificado em juízo. (...)”. (N.U 1005727-19.2023.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 26/11/2024, Publicado no DJE 28/11/2024). “(...) É improcedente o pedido de absolvição, por falta de provas, se a materialidade delitiva e a autoria dos apelantes estiverem amplamente comprovadas, como se deu na espécie, em que o conteúdo captado através dos depoimentos prestados em juízo pelos policiais que investigaram o caso implicam o apelante como membro da organização criminosa ‘Comando Vermelho’, em prol da qual exercia funções de ‘gerente’ na região de Primavera do Leste/MT. (...)”. (N.U 1006040-66.2023.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 22/04/2025, Publicado no DJE 25/04/2025). “(...) 5. A materialidade do crime de organização criminosa está amplamente demonstrada nos autos por meio de laudos periciais, relatórios de investigações e extração de dados telemáticos, que evidenciam a participação ativa do apelante na estrutura da facção criminosa Comando Vermelho. 6. O conteúdo dos laudos periciais e as transcrições de diálogos interceptados indicam que o apelante não apenas integrava a organização criminosa, mas também exercia funções específicas dentro da hierarquia do grupo, coordenando a distribuição de entorpecentes e realizando cobranças relacionadas ao tráfico de drogas. 7. As declarações testemunhais, especialmente de investigadores de polícia, corroboram as provas documentais, demonstrando que o apelante era responsável pelo controle de atividades ilícitas na região. 8. Diante da robustez do acervo probatório, não há margem para absolvição do apelante pelo crime de organização criminosa, uma vez que restaram evidenciadas a estruturação e a divisão de tarefas dentro da facção, onforme exige o art. 2º da Lei nº 12.850/2013. (...) IV. Dispositivo e tese: 11. RECURSO DESPROVIDO. Sentença mantida. 12. Teses de julgamento: "1. A materialidade e a autoria do crime de organização criminosa restam comprovadas quando evidenciadas por laudos periciais, transcrições de comunicações interceptadas e testemunhos de agentes policiais. (...)”. (N.U 1001826-95.2023.8.11.0021, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, Vice-Presidência, Julgado em 28/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025). 3.3. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO DOS RÉUS GILVAN, MATEUS, PABLA E WESLEN Gilvan Oliveira Macena, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima Ramos também pleiteiam a absolvição da imputação relativa à Associação ao Narcotráfico, igualmente sob o argumento de fragilidade do acervo probatório. Sem razão. A materialidade e a autoria do crime do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, restou demonstrada pelos Relatórios de nº. 031/2019 e nº. 023/2020 (ID 187526244 - Pág. 136 e ss.), corroboradas pelas declarações em juízo dos policiais civis que participaram das investigações - Delegado de Polícia Civil, Santiago Rozendo Sanches e Silva, e do Investigador de Polícia Civil, Iurg Vitor Toledo Lima Rosa. Todos os réus negaram a prática do crime de Associação ao Narcotráfico na fase policial e permaneceram em silencio em juízo (ID 187526653 e ss. ID 187526661 e ss.). Gilvan Oliveira Macena (“Branquinho”): se associou de forma estável e permanente à sua companheira Thaíza A. Fernandes e com o investigado Mauro Almeida para a prática reiterada do tráfico de entorpecentes na cidade de Rondonópolis/MT. A atuação conjunta não se deu de modo eventual ou acidental, mas se desenvolveu com estabilidade e permanência. Explico. Em juízo, o Delegado de Polícia Civil, responsável pela condução das investigações, traçou um panorama preciso da atuação de Gilvan, o qual exercia a função de disciplina nos bairros Jardim Ananias e Alfredo de Castro, em Rondonópolis-MT e gerenciava a dinâmica do tráfico de drogas em conjunto com outros três ou quatro integrantes, que atuavam sob sua supervisão direta. As declarações prestadas pelo investigador de polícia Iurg Victor Toledo Lima Rosa, colhidas durante a instrução processual, revelam sua participação ativa no crime de Associação para o Tráfico de Drogas. Segundo a testemunha, as interceptações telefônicas realizadas no bojo da investigação permitiram evidenciar que Gilvan exercia função de redistribuição de entorpecentes, recebendo drogas e repassando-as a outros traficantes atuantes na base da cadeia. Além disso, ficou demonstrado que ele exercia atribuições compatíveis com a função de disciplina dentro da estrutura faccionada, especificamente em uma região da cidade situada nas imediações do Parque de Exposição. A testemunha ainda destacou que Gilvan contava com o apoio direto de sua companheira Thaíza nas atividades ilícitas, o que denota a existência de uma atuação coordenada e reiterada, voltada à manutenção do tráfico na localidade em que exercia influência, o que demonstra atuação estável na associação ao tráfico de drogas. Os relatórios investigativos que instruem o feito apontam que Gilvan e Thaíza, compartilhavam a rotina operacional do tráfico nos bairros Jardim Ananias e Alfredo de Castro. Nesse ponto, em ligações interceptadas, Jânio Rocha Fabiano entrou em contato com Thaiza e com Gilvan para solicitar a entrega de determinada quantidade de entorpecentes, evidenciando o envolvimento direto de ambos na comercialização de drogas. Por meio de mensagens SMS trocadas com Mauro Almeida, Gilvan reclamou do recebimento incompleto de entorpecente, apontando a falta de 2 gramas, e ajustou o repasse da diferença para a próxima entrega, o que reforça sua atuação no tráfico de drogas, no dia 10.10.2018. No dia 16.10.2018, novamente, Mauro pede mais droga a Gilvan. Logo, a prova evidencia que Gilvan estava associado para a prática do crime de Tráfico se Drogas. Mateus da Silva (“Mateuzinho”): foi denunciado como integrante ativo da facção Comando Vermelho, exercendo a função de “Disciplina” na região do bairro Vila Rica, em Rondonópolis/MT. Ele associava-se de forma estável e permanente a outros membros da organização com o propósito de comercializar entorpecentes, fiscalizar a conduta de demais integrantes, resolver conflitos internos e garantir a execução das diretrizes da facção. As investigações demonstram que Mateus não atuava de forma isolada. Ao contrário, integrava um núcleo estável com demais réus, cooperando de forma organizada na prática de crime de Tráfico de Drogas, o que afasta qualquer alegação de episódio isolado ou ausência de dolo específico. Segundo depoimento do Delegado de Polícia Civil, Santiago Rozendo Sanches e Silva, Mateus exercia a função de disciplina da facção no bairro Vila Rica e ao seu engajamento nos mecanismos de arrecadação e controle típicos da dinâmica associativa voltada à traficância. As declarações prestadas pelo investigador de polícia Iurg Victor Toledo Lima Rosa — responsável pela apuração dos fatos no âmbito da Operação Réditos —, são no sentido de que Mateus mantinha vínculo associativo com demais integrantes da organização criminosa voltada ao tráfico de entorpecentes, exercendo papel de auxílio direto nas atividades ilícitas conduzidas pelo grupo. Segundo a testemunha, Mateus participava das tratativas relacionadas não apenas à mercancia de drogas em si, mas também às estratégias de difusão da ideologia faccionada e de autoproteção contra a atuação policial. Destacou-se que ele se comunicava regularmente com os demais membros da organização, demonstrando sintonia com os interesses do coletivo criminoso e contribuindo para a estabilidade e permanência do grupo voltado ao tráfico. As interceptações evidenciaram que Mateus atuava no tráfico de drogas, valendo-se da participação do adolescente Júlio César Gonçalves Borges para a prática criminosa. Apurou-se que ambos operavam na região do bairro Vila Rica, onde Mateus exercia a traficância As interceptações telefônicas confirmam a associação ao tráfico, revelando diálogos em que Mateus e o adolescente discutiam sobre a localização de uma balança de precisão, a ocultação e a comercialização de entorpecentes, além de evidenciarem que ambos guardavam, vendiam e mantinham em depósito substâncias ilícitas. Há registro de conversa no dia 11.10.2018, em que Mateus foi procurado por um indivíduo identificado como “Robson”, que inicialmente tratou sobre dívidas de droga pendentes com Mateus, mas, em seguida, solicitou a aquisição de nova quantidade de entorpecentes, revelando a continuidade da atividade ilícita. Esses elementos demonstram não apenas a estabilidade da conduta, mas a inserção de Mateus em uma dinâmica funcional compatível com a estrutura da facção criminosa (ID 187526246 - Pág. 112 e ss). O conjunto probatório evidencia que Mateus exercia a função de “Disciplina” na região do bairro Vila Rica, o que, além de representar posição hierárquica na organização criminosa, também traduz atuação funcional no tráfico de drogas, sendo responsável por garantir a regularidade da atividade ilícita na área sob sua influência. Tais atribuições implicam, necessariamente, articulação constante com outros agentes, reafirmando a natureza associativa de sua conduta. Weslen Henrique de Lima Ramos (“Todynho” ou “Mago”): associava-se de forma estável e permanente a outros membros da facção com o fim específico de praticar o tráfico ilícito de entorpecentes, vez que atuava no papel de coordenação da distribuição de drogas, controle das vendas e arrecadação de valores. A prova aponta que Weslen exercia de maneira reiterada e contínua funções de “Gerente” e “Disciplina” da facção Comando Vermelho em Rondonópolis/MT, com atuação direta na distribuição de entorpecentes, no controle das vendas, o que pressupõe a articulação permanente com outros integrantes e a divisão de tarefas para viabilizar a prática do tráfico em escala organizada. Durante seu depoimento, o Delegado de Polícia destacou o papel desempenhado por Weslen, no contexto da associação voltada à traficância, vez que foi identificado como um dos principais alvos da operação, ocupando posição de destaque dentro da facção criminosa do Comando Vermelho, com reconhecida liderança operacional nas regiões da Vila Canaã, município de Pedra Preta, distrito de Tatuapé e área central de Rondonópolis-MT. Na condição de disciplina, ele exercia não apenas a função de coordenador das atividades do tráfico, mas também a de autoridade regional da facção, sendo o responsável por decisões estratégicas, controle de território e supervisão de condutas dos demais integrantes. De acordo com as apurações, os traficantes atuantes nessas localidades só podiam comercializar drogas sob seu comando direto, o que revela o grau de concentração de poder que exercia, bem como Weslen comandava ao menos trinta pessoas envolvidas diretamente com o tráfico de entorpecentes nas localidades, sob sua responsabilidade, demonstrando a existência de uma estrutura verticalizada com divisão de tarefas e organização interna, elementos característicos da do crime na espécie. Outro dado relevante foi a constatação de que Weslen recrutava e comandava adolescentes em suas atividades criminosas que atuavam como verdadeiros “soldados do tráfico”, executando ordens diretas de Weslen na distribuição de drogas a mando da facção, o que evidencia sua capacidade de articulação e o uso da estrutura associativa para expandir o domínio territorial e operacional do grupo e que ele possuía uma loja com a sua companheira – Cris Variedades – usada para o recebimento de valores provenientes do tráfico de drogas. Conforme narrativa prestada pela testemunha Iurg Victor Toledo Lima Rosa, Weslen exercia papel de destaque dentro da organização, sendo apontado como responsável pela gerência do tráfico em diversas regiões, além de manter articulação permanente com outros integrantes da facção, e à adoção de estratégias de vigilância contra a atuação policial. A testemunha também mencionou que Weslen, juntamente com a corré Pabla Melo Klaus, utilizava um estabelecimento comercial identificado como “Cris Variedades” — cujas iniciais fazem alusão à facção “Comando Vermelho” — como fachada para encobrir as atividades ilícitas de tráfico de entorpecentes, pois utilizavam a maquina de cartão da loja para receber esses valores. Destacou que a atuação delitiva de Weslen estava inserida em um contexto mais amplo de profissionalização do crime, uma vez que o ele se dedicava integralmente às práticas ilícitas, bem como havia vasta quantidade de registros de comunicações e interceptações telefônicas envolvendo Weslen, o que evidenciava sua posição estratégica no organograma criminoso, justificando a ênfase da investigação sobre sua conduta. Corroborando as declarações testemunhais colhidas em juízo, as interceptações telefônicas revelam que Weslen exercia papel de liderança em uma complexa rede voltada ao tráfico de drogas, composta por diversos colaboradores, incluindo adolescentes, os quais atuavam na venda direta de entorpecentes sob sua coordenação. Segundo os registros interceptados, cabia a Weslen não apenas organizar a distribuição, mas também controlar os lucros provenientes da traficância. Como estratégia para dificultar ações policiais e minimizar eventuais apreensões, ele evitava manter estoques significativos de drogas, optando por repassá-las diretamente a intermediários. As interceptações telefônicas evidenciaram o uso de uma fachada comercial para a dissimulação da origem ilícita dos recursos oriundos do tráfico. Trata-se do estabelecimento “Cris Variedades”, administrado por sua companheira e também ré, Pabla Melo Klaus, que exercia função essencial no esquema criminoso. Além de gerenciar o fluxo financeiro, ela era responsável pela estocagem e distribuição dos entorpecentes. Embora o comércio seja conhecido como “Cris Variedades”, está formalmente registrado sob o nome fantasia “JG Variedades”, CNPJ nº 31.068.660/0001-38, tendo Pabla como responsável legal — o que reforça o vínculo entre o empreendimento e as atividades ilícitas desenvolvidas sob o comando de Weslen. Essa prova revelou, ainda, que Weslen exercia a função de gerente do tráfico nas regiões da Vila Ipanema e do Centro, enquanto seu irmão, Wercules de Lima Ramos, conhecido como “Sapeca”, era responsável pela Vila Canaã, especialmente na área chamada de “Faixa de Gaza”. As conversas captadas indicam o uso do termo “ativa” para designar pessoas disponíveis para atuar na venda de drogas, fossem elas distribuidores autorizados pela facção ou usuários envolvidos no microtráfico para sustento do próprio vício. Também se constatou a intermediação da venda de entorpecentes por “Lukinha” e Weslen no centro da cidade, evidenciando a divisão de funções na associação (ID 187526246 - Pág. 165 e ss., ID 187526246 - Pág. 194 e ss. ). Pabla Melo Klauss: Vinculou-se de forma estável e permanente ao convivente e corréu Weslen Henrique de Lima Ramos (Todynho ou Mago – que ocupava posição de destaque na liderança da ORCRIM), bem como a diversos outros indivíduos, para a prática reiterada do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Nas duas fases do processo, Pabla permaneceu em silêncio (ID 187526653 - Pág. 72/74 e ID 187526661 - Pág. 135 e ss., 187526246 – Pág. 230 e ss. 18752644 – Pág. 42). Durante as investigações, restou evidenciado que Weslen contava com o auxílio direto e indispensável de sua convivente Pabla, na qual a participação se mostrava ativa e estratégica no contexto criminoso. Ela não apenas sabia das práticas delituosas desempenhadas por seu companheiro, como também se associou de maneira estável e permanente a ele e a outros indivíduos para a prática reiterada da mercancia. Apurou-se que ela se apresentava como proprietária formal do estabelecimento comercial denominado “Cris Variedades” (nome fantasia), localizado na cidade de Rondonópolis. Entretanto, os elementos informativos colhidos ao longo da investigação revelaram que o referido comércio era, na realidade, utilizado como fachada para a lavagem de dinheiro oriundo do Tráfico de Drogas (ID 187526247 - Pág. 111). De acordo com as declarações do Delegado de Polícia Civil na fase policial, Santiago Rozendo Sanches e Silva, Pabla exercia o papel de verdadeiro braço direito — especialmente no aspecto financeiro — de Weslen no contexto das atividades ilícitas por eles praticadas. Juntos, administravam o estabelecimento comercial “Cris Variedades”. Esse comércio, embora formalmente constituído, era utilizado como instrumento de operacionalização e dissimulação dos valores obtidos também do tráfico de entorpecentes. O local servia como ponto de arrecadação das chamadas “contribuições” de membros da facção — inclusive permitindo o pagamento via cartão, como em uma operação comercial comum. Essa dinâmica evidenciou a integração de Pabla ao tráfico de drogas, desempenhando papel ativo na arrecadação de valores, na lavagem de dinheiro e no suporte financeiro às atividades ligadas a traficância nas cidades de Rondonópolis, Pedra Preta e no distrito de Garça Branca/Tatuapé. O IPC Iurg Vitor Toledo Lima Rosa confirmou em seu depoimento que Pabla atuava diretamente na gerência da distribuição de entorpecentes, exercendo o controle de estoque para viabilizar essa logística, além de ser a responsável pelo repasse das substâncias aos traficantes intermediários, demonstrando pleno envolvimento com a dinâmica operacional do tráfico. As interceptações confirmam a narraria, demonstrando que ela era responsável pela contabilidade, controle de estoque, distribuição e venda dos entorpecentes, demonstrando plena integração ao núcleo organizacional da atividade criminosa. No dia 13 de outubro de 2018, ela entrou em contato com Weslen para tratar da entrega de drogas ao indivíduo Wanderbrim Pereira Alves, que havia solicitado uma nova remessa de droga. Diante da possibilidade de escassez do produto, Pabla buscou a autorização de Weslen para, se necessário, adquirir os entorpecentes com outros fornecedores, evidenciando sua autonomia e envolvimento direto nas decisões logísticas da organização. No dia seguinte, Weslen voltou a contatá-la, determinando que retirasse uma nova quantidade de droga. Momentos depois, a questionou sobre a demora na entrega, pois o comprador aguardava em Paranatinga-MT. A cobrança reforça o caráter estruturado e comercial da atividade, com atendimento a “clientes” e prazos a cumprir. Em nova ligação, no dia 17 de outubro de 2018, Weslen informou sobre várias “encomendas” de drogas e, quando Pabla questionou sobre a separação da remessa para Pedra Preta, ele ordenou que priorizasse os pedidos dos traficantes mais próximos, com entrega posterior para aquela cidade. Em diversos outros diálogos interceptados, observa-se que ambos realizavam juntos uma espécie de contabilidade informal dos lucros oriundos do tráfico, sendo Pabla a responsável pelo registro e controle dos valores arrecadados. Também há diálogo em que o casal teria transportado para Pedra Preta-MT, 400g de pasta base de cocaína, destinadas à distribuição. Na sequência, ele orienta Pabla a deixar tudo devidamente preparado para a conferência do material posteriormente (ID 187526655 - Pág. 171 e ss., 187526663 – Pág. 8 e ss., ID 187526655 – Pág. 126 e ss., ID 187526247 – Pág. 36 e ss.). Diante desses elementos, restou clara a participação de Pabla na associação ao tráfico de drogas. Para a configuração do delito de associação para o tráfico de drogas, previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, exige-se a presença de dolo específico, consubstanciado na vontade livre e consciente de associar-se a terceiros de maneira estável, duradoura e coordenada, com ao menos uma divisão mínima de tarefas, tendo como objetivo comum a prática reiterada do tráfico de entorpecentes. Nesse contexto, a jurisprudência consolidada estabelece a necessidade de prova robusta quanto à existência de um vínculo associativo permanente, estruturado como uma verdadeira societas sceleris, voltada à execução reiterada — ou, ao menos, com expectativa de continuidade — de atividades ilícitas relacionadas a substâncias proibidas. Assim, não prospera a alegação de ausência de dolo ou fragilidade probatória. No caso em apreço, os elementos dos autos demonstram que: Gilvan integrava de forma estável e coordenada uma rede de tráfico nos bairros Jardim Ananias e Alfredo de Castro, exercendo a função de “disciplina”, arrecadando valores, supervisionando subordinados e operando em conjunto com sua companheira e outro investigado nas práticas de narcotraficância. Depoimentos e interceptações revelam que redistribuía drogas a outros traficantes da base da cadeia, exercendo papel gerencial e operacional com o apoio direto de Thaíza A. Fernandes, evidenciando vínculo estável com a estrutura criminosa. Mateus, por sua vez, atuava como “disciplina” da facção Comando Vermelho no bairro Vila Rica, mantendo vínculo contínuo com a associação e agindo de forma articulada com um adolescente na comercialização de entorpecentes. Weslen exercia posição de liderança, acumulando funções de “gerente” e “disciplina”, sendo responsável pela coordenação da distribuição de drogas, controle territorial e arrecadação de valores ilícitos em diversas regiões. Atuava com diversos subordinados, inclusive adolescentes, e utilizava um estabelecimento comercial como fachada para dissimulação de recursos provenientes do tráfico, evidenciando envolvimento contínuo em estrutura organizada. Pabla desempenhava papel fundamental e permanente na associação criminosa voltada ao tráfico, atuando como braço direito financeiro de Weslen. Era responsável pela contabilidade, controle de estoque e repasse de entorpecentes a intermediários nas regiões de Rondonópolis, Pedra Preta e Garça Branca/Tatuapé. Utilizava a loja “Cris Variedades” como instrumento de lavagem de dinheiro e para a arrecadação de valores provenientes da traficância. Dessa forma, restou amplamente demonstrado que Pabla, Weslen, Mateus e Gilvan integravam de maneira estável e permanente uma estrutura criminosa voltada ao tráfico de drogas, exercendo funções essenciais à manutenção de suas atividades ilícitas, razão pela qual se impõe a manutenção da condenação pelo crime de associação para o tráfico de drogas. Colhe-se da jurisprudência: “(...) Comprovado, de forma indene de dúvidas, o animus associativo de caráter estável e duradouro entre os agentes para o fim de praticar o crime de tráfico de drogas, não há falar em absolvição quanto ao ilícito descrito no art. 35, caput, da Lei n. 11.343/06. (...)” (TJ-MT - APR: 00057197120198110015, Relator: PEDRO SAKAMOTO, Data de Julgamento: 28/02/2023, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: 03/03/2023). “(...) 2. Demonstrada a estabilidade e a permanência, quanto à associação para o tráfico de drogas, com distribuição de tarefas e cooperação de todos, não há reparos na condenação dos réus pelo crime de associação para o tráfico de drogas. 2 .2. Os elementos colhidos por meio das interceptações telefônicas, confirmados em juízo pelos depoimentos de policiais, foram aptos a demonstrar a existência de vínculo associativo, estável e permanente para a prática do crime de tráfico de drogas pelos apelantes. 3. No que diz respeito à apelante, o acervo probatório evidencia que ela possuía conhecimento, auxiliava o companheiro na difusão ilícita dos entorpecentes e o substituía na sua ausência . Assim, o conjunto probatório é firme no sentido de que a ré cometeu o crime de tráfico de drogas (...)”. (TJ-DF 0733272-03.2022.8.07 .0001 1832416, Relator.: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Data de Julgamento: 21/03/2024, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: 23/03/2024). Importa destacar que a condição de agente policial da testemunha não compromete, por si só, a credibilidade de suas declarações, especialmente quando estas se mostram firmes, coerentes e em consonância com os demais elementos probatórios constantes dos autos, como se verifica no presente caso.A propósito, vide Enunciado nº. 8 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas: “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. Com efeito, “o valor do depoimento testemunhal de servidores policiais - especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal" (STF, (STF - RHC: 225939 RO, Relator.: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 04/04/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05/04/2023 PUBLIC 10/04/2023). Acresça-se por fim, que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (CPP, art. 156), tendo as Defesas se limitado a negar a autoria do delito, sem produzir, em contrapartida, prova convincente apta a desconstituir o conjunto probatório e harmônico dos autos. 3.4. BIS IN IDEM Todos os apelantes defendem que ocorreu bis in idem entre as condenações pelos crimes de Organização Criminosa (art. 2º da Lei 12.850/2013) e de Associação ao Narcotráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006). Primeiro, DE OFÍCIO, não conheço da alegação de bis in idem entre os crimes de Organização Criminosa e Associação para o Tráfico de Drogas, vez que a ré Pabla Melo Klaus foi condenada apenas pelo crime de Associação ao Narcotráfico em primeira instância, enquanto os réus Kaic Silva Lima e Augusto Felipe da Silva foram condenados apenas pelo crime de Organização Criminosa, não havendo falar em sucumbência nem em interesse recursal quanto a esse ponto (Vide: N.U 1001340-51.2022.8.11.0052, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 10/04/2024, Publicado no DJE 16/04/2024). Segundo, não há falar em bis in idem na condenação concomitante pelo crime de integrar Organização Criminosa e Associação ao Narcotráfico, quanto aos demais réus. É pacífico o entendimento de que a facção criminosa denominada Comando Vermelho não se limita à prática do tráfico de entorpecentes, operando como uma estrutura multifuncional voltada à execução de diversas atividades ilícitas — inclusive delitos patrimoniais, homicídios e controle territorial armado. No caso em apreço, essa distinção de finalidades está claramente delineada. As provas colhidas revelam que os apelantes atuavam de forma estável e coordenada tanto na estrutura do tráfico de drogas quanto no seio da organização criminosa mais ampla, à qual se vinculavam funcionalmente. Assim, diante da existência de núcleos distintos de conduta e de objetivos criminosos autônomos, não há qualquer sobreposição de tipos penais, mas sim cumulação legítima e juridicamente admissível de responsabilizações penais por fatos igualmente relevantes e comprovados. Ilustrando o assunto: “(...) 2.3. “Não se constata bis in idem na condenação do recorrente como incurso nas sanções dos artigos 2º, caput, §§ 2º, 3º e 4º, da Lei n. 12.850/2013 e 35, caput, da Lei n. 11.343/2006, tratando-se de circunstâncias diversas que levaram as instâncias ordinárias a concluírem pela sua participação na associação para o tráfico de drogas e na organização criminosa – a qual, segundo consta, tem ligações com facção criminosa”. (Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.969.578/SC), daí por que não tem consistência tese do terceiro apelante (...)”. (N.U 1003625-26.2021.8.11.0028, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 04/10/2023, Publicado no DJE 06/10/2023). “(...) Não há bis in idem pela condenação do apelante tanto por organização criminosa quanto por associação para o tráfico de drogas, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes contextos fáticos e com condutas distintas. O c. STJ firmou entendimento de que é possível a imputação de organização criminosa e associação para o tráfico de drogas, sem que configure bis in idem, por serem “tipos penais autônomos” (AgRg no HC 491153/SC; AgRg no AREsp: 1593941/TO) ... (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 10114435020228110042, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 20/08/2024, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 26/08/2024). 3.5. ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS Kaic Silva Lima, Weslen Henrique de Lima Ramos, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Augusto Felipe da Silva pretendem a isenção das custas processuais. Após a prolação da sentença condenatória, os réus Kaic e Weslen opuseram Embargos de Declaração apontando omissão quanto à análise da alegada hipossuficiência econômica, especificamente em relação à condenação ao pagamento das custas processuais. Os embargos foram acolhidos, e o Magistrado reconheceu a condição de hipossuficiência dos réus, isentando-os do pagamento das custas (ID 187526669). Desse modo, inexiste qualquer prejuízo que justifique a interposição do recurso, impondo-se, DE OFÍCIO, o não conhecimento desse pedido, por ausência de interesse recursal, tendo em vista a falta de utilidade prática ou necessidade de revisão de uma decisão que já atendeu integralmente à pretensão da parte recorrente. Acerca do assunto, colaciono julgado desta Corte de Justiça: “APELAÇÃO CRIMINAL (...) AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL - RECURSO NÃO CONHECIDO Carece de interesse de agir o apelante que postula a concessão de provimentos que já lhe foram conferidos na sentença”. (N.U 1005414-96.2022.8.11.0037, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 16/05/2023, Publicado no DJE 26/05/2023). Dessa forma, não é possível apreciar a pretensão recursal da Defesa, uma vez que já foi integralmente acolhida em primeiro grau, o que torna o recurso desnecessário e contraria os princípios da unicidade, economia e celeridade processual. Embora se conheça do recurso por respeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, impõe-se sua extinção sem resolução do mérito, por ausência de interesse recursal. Em relação aos réus Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Augusto Felipe da Silva vejo que não há como acolher o pedido. O pleito de justiça gratuita não merece acolhimento, seja em razão do comando normativo expresso no art. 804 do Código de Processo Penal, seja porque inexiste previsão legal que autorize o afastamento automático dessa obrigação com fundamento exclusivo na alegada hipossuficiência econômica do sentenciado. Frise-se que a verificação de eventual alteração na condição econômico-financeira do condenado é atribuição exclusiva do Juízo da Execução Penal, a quem compete, no momento da execução da sentença, avaliar a real capacidade do apenado de cumprir com as obrigações pecuniárias impostas. Aliás, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), admite-se, nos casos de comprovada hipossuficiência econômica do sentenciado, que o pagamento das custas processuais seja suspenso por até 5 anos, conforme previsto no art. 98, §3º, do referido diploma legal. Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência o seguinte excerto, que bem ilustra o raciocínio exposto: “... o momento de se aferir a situação do condenado para eventual suspensão da exigibilidade do pagamento das custas processuais é a fase de execução e, por tal razão, ‘nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal, mesmo que beneficiário Da justiça gratuita o vencido deverá ser condenado nas custas processuais’ (AgRg no AREsp n. 394.701/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI, SEXTA TURMA, DJe 4/9/2014) [...] (AgRg no AREsp 1880906/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 29/03/2022, DJe 01/04/2022)(...)”. (N.U 1000454-83.2024.8.11.0019, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 18/03/2025, Publicado no DJE 21/03/2025). 3.6. DOSIMETRIA DA PENA DA APELADA PABLA MELO KLAUSS CRIME: ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º. DA LEI 12.850/2013). PENA: RECLUSÃO DE 3 A 8 ANOS E MULTA. Na primeira fase do cálculo dosimétrico, nota-se que a culpabilidade é normal à espécie; não há condenações pretéritas aptas a serem consideradas como antecedentes criminais (ID 187526244 - Pág. 95 – Antecedentes Criminais, e consoante pesquisa no sistema SEEU – PEP 2000336-86.2023.8.11.0064, a ré possui duas condenações penais com datas dos fatos praticados após o caso em análise – Vide: STJ - AgRg no HC: 866362 AL 2023/0399731-0); ausentes elementos probatórios para aferir a conduta social e a personalidade da agente; o motivo do crime é inerente ao tipo penal; ausentes elementos concretos para desabonar as circunstâncias do crime; as consequências do crime não foram juridicamente relevantes; tratando-se de crime vago, o comportamento da vítima não deve ser considerado. Diante desse cenário, estabeleço a pena basilar em 3 anos de reclusão e 10 dias-multa. Na segunda fase do cálculo dosimétrico, não há circunstâncias atenuantes e nem agravantes a serem consideradas, razão pela qual mantenho a pena intermediária no patamar de 3 anos de reclusão e 10 dias-multa. Na terceira fase do cálculo dosimétrico, inexistem causas especiais de aumento e de diminuição da pena. Com isso, torno a pena da apelada Pabla Melo Klauss em 3 anos de reclusão, mais o pagamento de 10 dias-multa, estes arbitrados unitariamente na mínima fração legal de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES (ART. 69 DO CP) Somo as penas fixadas para os crimes de Organização Criminosa (art. 2º da Lei nº 12.850/2013), arbitrada neste voto em 3 anos de reclusão e 10 dias-multa, e de Associação para o Tráfico de Drogas (art. 35, caput, da Lei nº 11.343/2006), com pena fixada na sentença em 3 anos de reclusão e 700 dias-multa (ID 187526663 – pág. 335), totalizando, em concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal), a pena definitiva de 6 anos de reclusão e 710 dias-multa. REGIME DE PENA Considerando que não se trata de ré com circunstância judicial negativada ou portadora de reincidência, e que a pena definitiva foi estabelecida em 6 anos de reclusão e 710 dias-multa, estabeleço o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, em atenção à alínea “b”, do parágrafo 2º, do art. 33 do Código Penal. Confira-se jurisprudência relevante sobre o tema: “(...) Se o réu é primário, de bons antecedentes e quase todas circunstâncias judiciais são favoráveis, cabível é a fixação do regime semiaberto para o cumprimento da pena de 8 (oito) anos de reclusão(...)”. (TJ-MG - Apelação Criminal: 31524784220148130024 1.0000.24.012205-1/001, Relator.: Des .(a) Marco Antônio de Melo, Data de Julgamento: 30/07/2024, 6ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 31/07/2024). Como consequência lógica, afasto a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos anteriormente determinada na sentença, nos termos do art. 44 do Código Penal. Isso porque, à época, a condenação restringia-se ao crime de Associação ao Narcotráfico, preenchendo os requisitos legais para a substituição. Com a superveniência da condenação pelo delito de Organização Criminosa, tais pressupostos deixam de ser atendidos, inviabilizando a aplicação da medida substitutiva. DETRAÇÃO PENAL Ressalte-se que, embora o douto Magistrado tenha procedido à aplicação da detração penal na sentença, com fundamento no art. 387, §2º, do Código de Processo Penal, entendo que sua consideração nesta instância não se revela necessária, uma vez que o tempo de prisão preventiva já cumprido pela ré — 1 ano, 10 meses e 1 dia, entre 19.12.2019 e 29.10.2021 (ID 187526663 – pág. 341) — não interfere na fixação do regime inicial de cumprimento da pena estabelecido (semiaberto). Assim, deixo de aplicar a detração neste momento, recomendando que o referido período seja oportunamente considerado pelo Juízo da Execução Penal, por se mostrar mais vantajoso à ré, especialmente para fins de eventual progressão de regime. Nesse sentido, confira-se: “(...) 1. “O período de prisão provisória deve ser computado como tempo de pena cumprida e extinta, de modo que o decréscimo deve se dar do lapso temporal correspondente à fração que configura o requisito objetivo indispensável à progressão de regime, haja vista se mostrar situação mais benéfica ao reeducando e que melhor se amolda aos conceitos contidos no art . 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 7.210/84 e ao art . 42 do Código Penal, o que foi adotado pelo MM. Juízo da Execução Penal, sendo de rigor a ratificação da decisão objurgada.” (TJMT, 1002656-27.2023 .8.11.0000) 2. Recurso provido. (...)”. (TJ-MT - AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL: 1019680-68.2023.8.11 .0000, Relator.: LUIZ FERREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 22/11/2023, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 27/11/2023). 4. DISPOSITIVO Isto posto, em sintonia parcial com o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça: 1. Afasto a preliminar suscitada pelo Ministério Público de 1º grau, nas contrarrazões constantes do ID 187526734, que pugnou pelo não conhecimento do recurso defensivo interposto por Mateus da Silva. Decido conhecê-lo, por não vislumbrar qualquer ilegalidade ou irregularidade nas razões recursais apresentadas. 2. DE OFÍCIO, deixo de conhecer: (i) o pedido formulado pela defesa de Pabla Melo Klauss quanto à absolvição do crime de organização criminosa, por ausência de interesse recursal, uma vez que a ré não foi condenada por tal delito em primeiro grau; (ii) o pedido das defesas de Augusto Felipe da Silva, Pabla Melo Klauss e Augusto Felipe da Silva para reconhecimento de bis in idem entre os crimes de organização criminosa e associação para o tráfico, pois não houve condenação simultânea por ambos os delitos em relação à eles; e (iii) os pedidos de isenção de custas formulados pelas defesas de Kaic Silva Lima e Weslen Henrique de Lima Ramos, tendo em vista que ambos já foram contemplados com a gratuidade da justiça na instância de origem. 3. Afasto as preliminares arguidas pelas defesas de Augusto Felipe da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima Ramos, relativas à nulidade das oitivas das testemunhas, bem como à alegada nulidade da competência do Juízo — seja por suposta inconstitucionalidade da Resolução nº 11/2017/TP do TJMT, seja por incompetência decorrente da especialização das varas, seja ainda por pretensa violação às regras de conexão, continência ou prevenção. 4. Dou parcial provimento ao recurso do Ministério Público de 1º grau para condenar a ré Pabla Melo Klauss pela prática do crime de Organização Criminosa, tipificado no art. 2º da Lei nº 12.850/2013, fixando-lhe a pena de 3 anos de reclusão e 10 dias-multa. Considerando o concurso material com a pena anteriormente aplicada pelo crime de Associação ao Narcotráfico (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), nos termos do art. 69 do Código Penal, estabeleço a pena definitiva em 6 anos de reclusão, em regime semiaberto, e pagamento de 710 dias-multa. 5. Por fim, nego provimento aos recursos defensivos interpostos por Augusto Felipe da Silva, Gilvan Oliveira Macena, Kaic Silva Lima, Mateus da Silva, Pabla Melo Klauss e Weslen Henrique de Lima Ramos. Oficie-se ao Juízo das Execuções para ciência da alteração da dosimetria da pena imposta à ré Pabla Melo Klauss. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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