Processo nº 1011141-70.2024.8.11.0003
ID: 261522650
Tribunal: TJMT
Órgão: 3ª VARA CRIMINAL DE RONDONÓPOLIS
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1011141-70.2024.8.11.0003
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DIEGO ATILA LOPES SANTOS REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO DIEGO ATILA LOPES SANTOS
OAB/MT XXXXXX
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Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso Polo VII - Comarca de Rondonópolis – 3ª Vara Criminal R. Barão do Rio Branco, nº 2299, Jd. Guanabara, 78.710-100 Rondonópolis – MT, Telefone (66) 3410-6100 /…
Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso Polo VII - Comarca de Rondonópolis – 3ª Vara Criminal R. Barão do Rio Branco, nº 2299, Jd. Guanabara, 78.710-100 Rondonópolis – MT, Telefone (66) 3410-6100 / 3410-6152. SENTENÇA Autos: 1011141-70.2024.8.11.0003 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Réu: EDMILSON ARAUJO DA FONSECA Visto. 1. Relatório Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de Edmilson Araújo da Fonseca, qualificado(a/s), imputando-lhe(s) a prática do crime previsto no art. 304 c/c art. 297 e art. 299, todos do Código Penal. Em síntese, narra a peça inicial acusatória: I – USO DE DOCUMENTO FALSO No dia 14 de fevereiro de 2022, nas dependências do 3º Tabelionato de Registro de Documentos desta Comarca de Rondonópolis, o denunciado EDMILSON Araújo da Fonseca fez uso de documento público falso, consistente em uma procuração pública lavrada pelo Serviço Notarial da Comarca de Amaporã/PR II – FALSIDADE IDEOLÓGICA Em decorrência do fato precedente, o denunciado EDMILSON Araújo da Fonseca fez inserir declaração falsa em escritura pública de compra e venda de imóvel, lavrada pelo 3º Tabelionato de Registro de Documentos, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação e alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. III – HISTÓRICO DOS FATOS S egundo consta, o casal Maria Angelita Piccinelli e Rogério Amaral eram proprietários, desde o ano de 2001, do lote de terreno localizado na Rua A-26, nº 09, quadra nº 42, bairro Sagrada Família, neste município, registrado no Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca sob a matrícula nº 24950. Ocorre que, no dia 10 de dezembro de 2021, em circunstâncias não esclarecidas com precisão, agentes não identificados, utilizando documentos falsos do supracitado casal, lavraram uma procuração pública no Serviço Notarial da Comarca de Amaporã/PR, na qual Maria Angelita e Rogério Amaral outorgavam poderes para o denunciado EDMILSON realizar a alienação do imóvel. De posse desse documento contrafeito, o denunciado EDMILSON ofereceu o terreno de propriedade das vítimas para o corretor Reydner Roberto Souza e Silva, que decidiu adquiri-lo, pagando R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao acusado e quitando as multas e dívidas tributárias do imóvel. Mesmo antes de transferir a propriedade para o seu nome, Reydner decidiu repassar o terreno para Everton Machado de Lima, como forma de quitação de uma dívida. Então, no dia 14 de fevereiro de 2022, o denunciado foi até o 3º Tabelionato de Registro de Documentos desta cidade e apresentou a falsa procuração pública, solicitando a lavratura de escritura pública de compra e venda do imóvel em favor de Everton, viabilizando a transferência da propriedade do terreno. Após a transferência mediante a utilização da escritura ideologicamente falsa, Everton vendeu o imóvel para a empresa Finc Incorporadora, Construtora e Imobiliária Ltda., pelo valor de R$ 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil reais), ocorrendo nova sucessão na cadeia de domínio do bem. Vale ressaltar que, a princípio, as investigações apontam que Reydner, Everton e a empresa Finc Incorporadora, Construtora e Imobiliária Ltda. agiram de boa-fé, pois desconheciam que a procuração pública que outorgava poderes ao denunciado era falsa. As vítimas, legítimos proprietários do imóvel, tomaram conhecimento de toda a fraude e acionaram a Polícia Civil. Em interrogatório policial, o denunciado EDMILSON apresentou versão vaga, alegando que “comprou” a referida procuração pública de uma pessoa conhecida por “Gaúcho”, pelo valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), mas que não tem mais o contado dele. No mais, alegou que não conhece o casal Maria Angelita e Rogério Amaral. Em 13/06/2024, recebeu-se a denúncia (Id. 158895533). Regularmente citado(a), o(a) denunciado(a) apresentou resposta à acusação (Id. 166472136). O Juízo afastou as alegações da Defesa, confirmando o recebimento da denúncia e incluindo o feito em pauta (Id. 169372207). Em sede de Instrução e Julgamento, inquiriu-se a vítima Maria Angelita Piccinelli Amaral, a testemunha Reydner Roberto Souza e Silva e, ao final, procedeu o interrogatório. Na ocasião, Ministério Público e assistente de acusação apresentaram as derradeiras alegações, postulando pela procedência da exordial (Id. 188521367. A seu turno, a Defesa do(a) acusado(a) postula pela absolvição do acusado, argumentando a ausência de provas para embasamento dos fatos narrados na exordial (Id. 189948272) É o relatório. Fundamento e Decido. 2. Da Regularidade Processual O processo está formalmente em ordem, inexistindo nulidades ou vícios a sanar. As provas foram coligidas sob o crivo dos princípios norteadores do devido processo legal, mormente o contraditório e a ampla defesa, nos termos constitucionais e processuais. Presentes às condições necessárias ao exercício do direito de ação, bem como os pressupostos legalmente exigidos. Não existem preliminares pendentes a serem apreciadas. Passo doravante à análise do mérito. 3. Mérito Diante do conjunto probatório, a denúncia deve ser julgada procedente. 3.1. Tipificação legal Dispõe o artigo 304, do Código Penal, in verbis: Art. 304 – Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. O tipo penal previsto no artigo 304 do Código Penal tutela a fé pública, bem jurídico essencial à segurança jurídica das relações sociais e administrativas. A conduta típica consiste no uso de documento falsificado ou alterado, previamente descrito nos artigos 297 a 302 do mesmo diploma legal. A pena cominada é a mesma do crime de falsificação (ex: art. 297, se documento público), por força do texto legal. O simples ato de exibição, apresentação ou entrega do documento já caracteriza o núcleo do tipo penal. Trata-se de crime formal, de perigo abstrato, e independente de resultado naturalístico. Ressalta-se que o uso de documento falso configura infração penal autônoma em relação ao crime de falsificação, ainda que o agente não tenha sido o responsável pela falsificação originária. Feitas essas considerações, passa-se à análise de subsunção do fato à norma. A materialidade do delito restou devidamente comprovada pelos documentos constantes dos autos, mormente a própria matrícula do imóvel e a procuração pública utilizada para a transferência, bem como pelas declarações colhidas em ambas as fases do processo aliada a confissão judicial do denunciado. Por seu turno, a autoria delitiva restou incontroversa nos autos. A vítima Maria Angelita, em seu depoimento, de forma clara e objetiva, relatou que jamais outorgou procuração a quem quer que seja para a venda de seu imóvel, o qual se encontrava registrado em seu nome, só tendo tomado ciência da alienação irregular após o recebimento de multa ambiental em razão de incêndio ocorrido na propriedade. Informou que, ao buscar esclarecimentos, foi surpreendida com a informação de que o imóvel não mais constava em seu nome, tendo sido transferido através de uma procuração falsificada. Informou que a assinatura e a foto constantes do documento utilizados para lavratura da procuração eram completamente diferentes das suas, e que nunca autorizou tal operação. Disse que, após orientação, registrou boletim de ocorrência e contratou advogada para tentar reverter judicialmente a situação. Por fim, Maria Angelita declarou que já residia em São Paulo desde 2006 e que não teve qualquer contato com o réu Edmilson Araújo da Fonseca ou com terceiros que participaram da venda. Afirmou também não conhecer a pessoa de Everton Machado de Lima, nem a empresa Finc Incorporadora. Já a testemunha Reydner, comprador do imóvel, declarou que, em 2022, foi procurado por Cláudio Rezende para tratar sobre a venda de um terreno, qual lhe apresentou a oportunidade de adquirir o imóvel, no qual demonstrou interesse. Cláudio teria informado o preço e, algum tempo depois, Edmilson, que trabalhava com Cláudio, também entrou em contato sobre o mesmo terreno. Reydner afirmou que Cláudio veio a falecer em meio às tratativas e, posteriormente, Edmilson deu continuidade às negociações. Edmilson o procurou perguntando se ainda havia interesse no terreno, ao que respondeu afirmativamente, mantendo as condições anteriormente discutidas. A testemunha relatou que foi informado que a documentação precisava ser regularizada e que existia um intermediário, referido como "gaúcho", que enviaria a procuração, sendo que quando recebeu a documentação, que foi encaminhada ao cartório para verificação. O cartório informou que estava tudo correto, momento em que efetuou o pagamento das diferenças, bem como quitou tributos e multas pendentes no imóvel. O declarante ressaltou que o imóvel tinha muitas dívidas municipais e que, inclusive, ingressou com ação judicial para pleitear a prescrição de uma multa elevada. Ele mencionou que o terreno foi utilizado como garantia em uma operação de crédito com Everton, seu amigo de longa data. Posteriormente, vendeu o imóvel para Vinícius. Sobre o papel de Edmilson, Reydner esclareceu que ele atuou como uma espécie de corretor, inicialmente junto a Cláudio Rezende, e que não houve qualquer pressão de Edmilson durante o processo de checagem documental. Reydner também afirmou que o valor de cerca de R$ 110.000,00 (somando pagamento do imóvel, tributos e honorários) estava compatível com o valor de mercado da região, e que posteriormente vendeu o imóvel por aproximadamente R$ 125.000,00 a R$ 128.000,00, pagando ainda 5% de comissão ao corretor pela venda. Declarou, ainda, que não teve contato com os proprietários registrados do imóvel (Rogério e Maria Angelita) e que toda a negociação foi realizada com Cláudio e, depois, com Edmilson. Confirmou que verificou a validade da documentação no cartório antes de concluir a negociação, negando ter conhecimento de qualquer falsificação envolvendo a procuração e afirmou ter agido de boa-fé em toda a negociação. Por fim, o acusado ao ser interrogado, o acusado relatou que Cláudio, conhecido como "Boca", seria seu amigo há bastante tempo e que já haviam trabalhado juntos com venda de carros, sendo que em determinada dia disse que tinha um terreno, mas não queria colocar no nome dele, pois estava com muitas dívidas. Disse que, se colocasse no nome dele, podiam tomar o bem, razão qual pediu para que colocasse em seu nome, dizendo que depois, pagaria uma comissão. Edmilson, afirmou que concordou com a solicitação de Claudio, o qual lhe informou que um rapaz do Paraná iria entrar em contato para pegar seus dados, o que ocorreu conforme informado. Posteriormente, ambos contraíram COVID-19, sendo que Claudio faleceu em decorrência de tal doença. Informou que depois que recuperou, o rapaz que teria feito a procuração entrou em contato dizendo que ela estava pronta e que precisava pagar a quantia de R$ 20.000,00, sendo que devido a condição de desemprego e dificuldades financeiras decidiu seguir com o processo de transferência do terreno. Dito isso, pagou os R$ 20.000,00 a um terceiro e posteriormente, com a venda do terreno, recebeu R$ 30.000,00 pela operação. Afirmou, por fim, que não conhecia os reais proprietários do imóvel, nem tinha ciência de que a procuração fosse falsa, alegando que todas as tratativas ocorreram com base na confiança que possuía em Claudio Rezende. Pois bem. O conjunto probatório constante nos autos é apto a confirmar a narrativa acusatória. Anoto que, embora a alegação da defesa, de inexistência de provas, a jurisprudência pátria é pacífica no sentido de que a realização de exame pericial em casos de falsificação documental não é imprescindível, quando outros elementos constantes nos autos são suficientes para formar a convicção do juízo acerca da materialidade e da autoria delitivas. Nesse sentido: HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. EXAME PERICIAL. OUTROS ELEMENTOS DE PROVA . DESNECESSIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART . 115 DO CÓDIGO PENAL. IDADE DE 70 ANOS ATINGIDA APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA. ORDEM DENEGADA. 1 . No crime de uso de documento falso é prescindível a realização de exame pericial quando for possível comprovar a falsidade do documento através de outros meios de prova. 2. A Corte de origem, após análise do acervo fático-probatório, conclui pela falsidade da certidão cartorária e da procuração ad judicia utilizadas pelo Paciente. Desse modo, a revisão desta premissa fática exigiria incursão probatória incompatível com a via estreita do habeas corpus . 3. A redução do prazo prescricional prevista no art. 115 do Código Penal somente é aplicável ao réu que completa 70 (setenta) anos até a data do primeiro provimento jurisdicional condenatório. 4 . Ordem denegada. (STJ - HC: 455267 SC 2018/0149857-3, Relator.: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 09/10/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/10/2018) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. RECEPTAÇÃO, USO DE DOCUMENTO FALSO E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO . AUSÊNCIA DE OMISSÃO RELEVANTE. MATERIALIDADE DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO DEVIDAMENTE COMPROVADA. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO. EXISTÊNCIA DE PROVA JUDICIAL SUFICIENTE . REGIME PRISIONAL SEMIABERTO E VEDAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. QUANTUM DE PENA. RÉU FORAGIDO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA . AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O agravante foi condenado pela prática dos delitos tipificados no art. 180 do Código Penal ? CP (receptação) às penas de 1 ano de reclusão e 10 dias-multa, à razão mínima; no art . 304 c/c art. 297 do CP (uso de documento falso e falsificação de documento público), às penas de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, à razão mínima; e, no art. 12 da Lei n. 10 .826/2003 (posse irregular de arma de fogo de uso permitido), às penas de 1 ano de detenção e 10 dias-multa, à razão mínima, todos na forma do art. 69 do CP (concurso material). Foi fixado o regime semiaberto para início do cumprimento da pena. O acórdão recorrido manteve a condenação . 2. Ao contrário do alegado pela defesa, não há omissão relevante quanto à fundamentação apresentada pelo Tribunal de Justiça ?TJ para a manutenção da condenação pelo delito de receptação.Apontou-se que o agravante foi encontrado na posse de coisa ilícita e não se desincumbiu do ônus que lhe cabia de demonstrar posse legítima.Ainda, observa-se que a sentença apontou a existência, nos autos, do boletim de ocorrência reportando o crime antecedente . 3. Sobre a condenação pelo crime de uso de documento falso, o TJ reconheceu que o depoimento dos policiais e a confissão judicial do acusado serviram para demonstrar, de forma segura, a materialidade do delito, sendo desnecessária a produção da prova pericial. De fato, no que tange ao delito em questão, a perícia pode ser dispensada quando a materialidade do crime puder ser atestada por outros meios de prova.Precedente . 4. Quanto ao delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, a Corte estadual considerou suficientemente comprovado pelos depoimentos dos policiais, pela confissão judicial do réu e pela perícia confirmatória da potencialidade lesiva da arma apreendida. Diversamente do aduzido pela defesa, verifica-se que não foram apenas elementos extrajudiciais que demonstraram a autoria e a materialidade do crime. 5 . Por fim, o Tribunal de origem manteve o regime inicial semiaberto para cumprimento de pena e a inviabilidade da substituição de pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, tendo em vista a quantidade de pena aplicada, bem como a condição de o acusado ser foragido da Justiça. Com efeito, o fato de o acusado ostentar a condição de foragido da Justiça quando da prática delitiva justifica a imposição de regime prisional mais gravoso, bem como o indeferimento da substituição da reprimenda, por ausência de preenchimento dos requisitos do art. 4 4, III, do CP. Precedentes . 6. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 2282872 SP 2023/0015153-0, Relator.: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 03/09/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2024) No presente caso, verifica-se que a falsidade da procuração restou sobejamente demonstrada por meio de robusto conjunto probatório, composto especialmente: 1. Pelo depoimento da vítima Maria Angelita, que declarou nunca ter outorgado poderes a qualquer pessoa para alienação do imóvel, e que a assinatura e a fotografia constantes do documento utilizado para lavratura na procuração não correspondem às suas (fato visualmente detectável pelo Juízo, eis que o documento que instruiu para lavratura da procuração apresenta, inclusive, dados de filiação divergentes); 2. Pela ausência de qualquer contato entre a vítima e o acusado, ou com quaisquer dos envolvidos na suposta venda do terreno; 3. Pelo depoimento de Reydner Souza, que, embora tenha afirmado ter feito diligência junto ao cartório para verificar a regularidade formal da procuração, nunca teve qualquer contato com os legítimos proprietários, limitando-se a negociar diretamente com o réu e terceiros; 4. Pelo próprio interrogatório de Edmilson Araújo da Fonseca, que admitiu a negociação e venda do imóvel, sem ter verificado a origem legítima do documento. Sabe-se que o exame pericial é meio de prova, e não requisito essencial à formação do convencimento, sobretudo quando os fatos já se encontram suficientemente esclarecidos nos autos por outros meios idôneos de prova. Além do mais, no presente caso, o acusado não apenas utilizou a procuração falsa para viabilizar a transferência do imóvel, como também se beneficiou diretamente da transação, recebendo valores pela venda, como ele próprio afirmou. Logo, o standard probatório se encontra plenamente satisfeito, à luz do artigo 155 do CPP, autorizando o decreto condenatório. DA CONSUNÇÃO Por conseguinte, entendo ser o caso de reconhecimento do princípio da consunção entre os delitos do art. 299 e 304 do CP. Isso porque, conforme consolidado na doutrina e na jurisprudência, a falsidade ideológica é, em casos que tais, meio para permitir o uso de documento que contenha informação falsa. Assim, partido do principio da consunção, em contexto no qual se verificam as duas práticas delitivas, o autor deve responder pelo crime consuntivo, qual seja, o uso de documento falso, uma vez que o crime meio é absorvido pelo crime-fim. Nesse sentido: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. CONSUNÇÃO. REINCIDÊNCIA. AÇÕES PENAIS EM CURSO. ILEGALIDADE. NOVA DOSIMETRIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Para aplicação do princípio da consunção pressupõe-se a existência de ilícitos penais chamados de consuntos, que funcionam apenas como estágio de preparação ou de execução, ou como condutas, anteriores ou posteriores de outro delito mais grave, nos termos do brocardo lex consumens derogat legi consumptae. 2. A partir do quadro fático-probatório firmado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, extrai-se que a falsificação do documento foi apenas um ato preparatório para o seu uso perante órgão público; a ação final do Paciente era a obtenção de uma identidade pública com informação errada. Assim, caracterizado o desdobramento causal de uma única ação, motivo pelo qual o delito tipificado no art. 299 do Código Penal deve ser absorvido pelo crime descrito no art. 304 do Código Penal. (…) 4 Ordem parcialmente concedida para, reconhecida a consunção do crime de falsidade ideológica pelo delito de uso de documento falso e afastada a reincidência, reduzir a reprimenda para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, mais 15 (quinze) dias-multa, no mínimo legal. (HC n. 464.045/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz , Sexta Turma, julgado em 26/2/2019, DJe de 15/3/2019.). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. REJEIÇÃO. (…) 3. Em face do princípio da consunção, os crimes de falsificação das procurações, reconhecimento de firmas e documentos do Banco Central do Brasil encontram-se subsumidos ao crime-fim (negociação do título falso). 4. O ato de apresentar à instituição bancária falsas notas promissórias, objetivando conferir aparência de veracidade a negócios jurídicos não realizados, caracteriza o delito insculpido no art. 304, com as penas do art. 299, ambos do Estatuto Repressivo. (...) Embargos de declaração REJEITADOS. (AI 854295 AgR-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 06-12-2012 PUBLIC 07-12-2012) Acerca do tema, leciona Guilherme de Souza Nucci: “Quando o fato previsto por uma lei está, igualmente, contido em outra de maior amplitude, aplica-se somente esta última. Em outras palavras, quando a infração prevista na primeira norma constituir simples fase de realização da segunda infração, prevista em dispositivo diverso, deve-se aplicar apenas a última. Conforme esclarece Nicás, ocorre a consunção quando determinado tipo penal absorve o desvalor de outro, excluindo-se este da sua função punitiva. A consunção provoca o esvaziamento de uma das normas, que desaparece subsumida pela outra (El concurso de normas penales, p. 157). Trata-se da hipótese do crime-meio e do crime[1]fim. É o que se dá, por exemplo, no tocante à violação de domicílio com a finalidade de praticar furto a uma residência. A violação é mera fase de execução do delito patrimonial. O crime de homicídio, por sua vez, absorve o porte ilegal de arma, pois esta infração penal constitui-se simples meio para a eliminação da vítima. O estelionato absorve o falso, fase de execução do primeiro (ver, nesse caso, o disposto na Súmula 17, do Superior Tribunal de Justiça: ‘Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido’). (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 102 ) Visto que o delito de uso de documento falso absorve o de falsidade ideológica, é incabível a imputação de ambos os crimes aos agentes, permanecendo apenas a de uso de documento falso (art. 304,CP). 4. Dispositivo Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES o(s) pedido(s) formulado(s) na denúncia, o que faço para condenar Edmilson Araújo da Fonseca, qualificado(a/s), como incurso nas disposições do artigo 304 c/c art. 297, ambos do Código Penal, ABSOLVENDO-O quanto ao tipo penal descrito no art. 299 do CP, nos termos do art. 386, III do CPP. 5. Dosimetria da Pena Em atenção às diretrizes do artigo 59 e ao critério trifásico previsto no artigo 68, ambos do Código Penal, e considerando o princípio da individualização da pena previsto no art. 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988, passa-se a dosimetria da pena. A sanção cominada varia de 02 a 06 anos de reclusão, e multa. (i) Circunstâncias Judiciais: A culpabilidade do réu é normal à espécie, nada tendo a valorar; a ré não registra maus antecedentes. Nada existe de palpável nos autos sobre sua conduta social, além do que não existem elementos para aferir sua personalidade; o motivo do delito se constitui pelo desejo de obter lucro fácil, o que caracteriza a própria tipicidade da figura delitiva do crime; as circunstâncias são normais a espécie; consequências devem ser valoradas negativamente, dado ao expressivo prejuízo causado pela conduta do réu, que ultrapassou os R$ 100.000,00. Anote-se que o elevado prejuízo patrimonial suportado pela vítima, é fundamento idôneo capaz de exasperar a pena-base, sobre o assunto vejamos: “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE INCÊNDIO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. PREJUÍZO DA VÍTIMA. POSSIBILIDADE. AUMENTO DA PENA. PROPORCIONALIDADE. 1. A primeira etapa de fixação da reprimenda, como é cediço, tem como objetivo estabelecer a pena-base, partindo do preceito secundário simples ou qualificado do tipo incriminador, sobre o qual incidirão as circunstâncias judiciais descritas no art. 59 do Código Penal. As circunstâncias judiciais são valores positivos; para inverter essa polaridade, é imperioso ao prolator da sentença apresentar elementos concretos de convicção presentes no bojo do processo. Sendo assim, é inadmissível o aumento da pena-base com fundamento em meras suposições ou em argumento de autoridade. Não atende à exigência do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal a simples menção aos critérios enumerados no art. 59 do Código Penal, sem anunciar os dados objetivos e subjetivos que a eles se amoldam, ou a invocação de fórmulas imprecisas em prejuízo do condenado. 2. As consequências do delito são os desdobramentos derivados da conduta do agente, que transcendem o resultado típico, evidenciando maior dano ou perigo de dano ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Logo, o elevado prejuízo patrimonial causado à vítima é suficiente para aumentar a pena-base. Precedente. 3. No que diz respeito ao quantum de aumento da pena-base, segundo a jurisprudência desta Corte, em razão da inexistência de determinação legal específica, é razoável e proporcional a fração de 1/6 (um sexto) calculada da pena mínima abstratamente prevista para cada vetorial negativa. O aumento superior a tal quantum necessita de fundamentação concreta. Precedente. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC: 644068 SP 2021/0036490-5, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 04/05/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2021); comportamento das vítimas entendo que não contribuíram para a atividade criminosa. Após análise das circunstâncias judiciais, considero que elas são parcialmente desfavoráveis a ré, tendo em mira as consequências do crime, portanto, utilizando-me do quantum de 1/8 do intervalo das penas, pois “(...) No que diz respeito ao quantum de aumento da pena-base, diante do silêncio do legislador, a jurisprudência e a doutrina passaram a reconhecer como critério ideal para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador. (...)” (HC 646.844/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2021, DJe 09/04/2021) e, considerando que o intervalo entre as penas mínima e máxima no presente crime, é de 04 (quatro) anos (48 meses), que divididos por 8, resulta em 06 meses, para cada circunstância negativa, assim, fixo a pena base do delito definido em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. (ii) Circunstâncias Legais [agravantes e atenuantes]. Não vislumbradas circunstâncias agravantes e atenuantes a serem consideradas. (iii) Causas de Aumentos e Diminuição. Inexistem causas de aumento ou diminuição da pena a serem consideradas. Logo, fixo a pena final em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. (iv) Pena de Multa: Consoante entendimento firmado pelo e. TJMT, “a quantidade dos dias-multa deve ser aplicada conforme o critério trifásico da dosimetria penal, guardando proporção com a pena privativa de liberdade imposta e a condição econômico-financeira” do réu”.[1] (grifei) Em atenção aos parâmetros já apreciados do artigo 59 do Código Penal, delimito a pena de multa em 20 dias-multa (CP, artigo 49). Diante da inexistência de provas nos autos que demonstrem que o condenado desfrute se situação econômica privilegiada, delimito o valor do dia-multa em 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente. (v) Pena Definitiva Não há outras circunstâncias fáticas ou legais a serem analisadas. Destarte, fica o réu condenado à pena definitiva de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, fixado no importe de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente, considerada a situação econômica do réu. 5.1. Providências Finais (i) Regime de Pena: A fixação do regime inicial de pena pressupõe, a teor do artigo 33, §3º do Código Penal, a análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do mesmo diploma legal. O Réu deverá cumprir a pena inicialmente em REGIME ABERTO, em observância ao artigo 33, §2º, alínea “c”, do Código Penal. (ii) Benefícios Legais [Substituição de Pena, Suspensão Condicional da Pena] Considerando o disposto nos incisos I, II e III, e § 2° do artigo 44 do Código Penal, entendo que os requisitos autorizadores da aplicação da medida socialmente adequada estão presentes, motivo pelo qual, após analisadas as condições socioeconômicas do réu, substituo a pena privativa de liberdade por DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO, a ser fixada pelo Juízo da Vara da Execução Penal. (iii) Mínimo para Reparação dos Danos [CPP, artigo 387, IV] No mais, nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, CONDENO o acusado ao pagamento de indenização pelos danos causados às vítimas. No entanto, deixo de fixar o valor mínimo devido nesta oportunidade, devendo a quantificação dos danos materiais ser apurada em liquidação de sentença no Juízo cível competente, com a devida correção monetária e aplicação dos juros de mora, vez que, diante do que consta nos autos, não verifico, neste âmbito, elementos instrutórios que permitam aferir o quantum a ser ressarcido, o que demanda procedimento competente na seara apropriada. (iv) Custas e Despesas Processuais Condeno o réu ao pagamento das despesas e custas processuais [CPP, artigo 804]. Consigno que o momento de se aferir a situação do condenado para eventual suspensão da exigibilidade do pagamento das custas processuais é a fase de execução.[2] (v) Destinação da Coisa Apreendida (Fiança, Arma, objetos) Os bens ou objetos apreendidos nos autos que não sejam instrumentos ou produto do crime, deverão ser restituídos à parte interessada, a qual deverá ser intimada, sob pena de perdimento. Quanto aos instrumentos ou produtos do crime, declaro o seu perdimento em favor da União, considerando-se tratar-se de efeito automático da condenação (CP, art. 91, II). Vinculem-se os valores pagos a título de fiança à guia de execução penal, cabendo ao Juízo da Execução Penal decidir sobre sua destinação (CPP, arts. 336 e 804). 6. Cumpra a Secretaria Judicial às seguintes providências: a) Cientifique(m)-se o(a) Representante Ministerial e a Defesa do(a/s) acusado(a/s). b) Desnecessária a intimação (pessoal ou ficta) do réu solto, conforme regra prevista no artigo 392, inciso II, do CPP e o entendimento jurisprudencial do STJ [em se tratando de réu solto, a intimação da sentença condenatória pode se dar apenas na pessoa do advogado constituído, ou mesmo do defensor público designado (...)].[3] c) Expeça-se o necessário para a devida destinação da(s) coisa(s) apreendida(s)e vinculação da fiança paga (Id. 106134899, pág. 55/56). Após o trânsito em julgado desta sentença: a) INSIRA-SE no sistema conveniado ao TRE-MT (SIEL), o teor desta condenação (CF, art. 15, inc. III; CE, art. 71, §2º). b) OFICIEM-SE aos Institutos de Identificação Criminal, bem como ao Cartório Distribuidor desta Comarca e de residência e nascimento do réu, para as anotações pertinentes. c) EXPEÇA-SE Guia de Execução Penal Definitiva, encaminhando-se à Vara de Execuções Penais competente. d) Cumpridas todas essas providências, arquivem-se os autos, com as anotações e baixas de estilo, inclusive, com baixa na distribuição. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se, expedindo-se o necessário. Rondonópolis/MT, datado e assinado digitalmente. CRISTHIANE TROMBINI PUIA BAGGIO Juíza de Direito [1] (TJMT, AP NU 0013983-45.2009.8.11.0042). [2] AgRg no AREsp n. 394.701/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti, 6ª Turma, DJe 4/9/2014; AgRg no AREsp 1880906/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, julgado em 29/03/2022. [3] STJ: AgRg nos EDcl no HC n. 680.575/SC; AgRg no HC n. 844.848/RO; AgRg no RHC 156.273/PB; TJMT: N.U 1007049-58.2024.8.11.0000 e N.U 1002000-36.2024.8.11.0000.
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