Processo nº 0005933-19.2015.4.01.3603
ID: 323940651
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 16 - DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JARDIM
Classe: AGRAVO INTERNO CíVEL
Nº Processo: 0005933-19.2015.4.01.3603
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PERSIO OLIVEIRA LANDIM
OAB/MT XXXXXX
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VERA CARLA NELSON CRUZ SILVEIRA
OAB/DF XXXXXX
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PEDRO ULISSES COELHO TEIXEIRA
OAB/DF XXXXXX
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JOSEMIR MARTINS DOS SANTOS
OAB/MT XXXXXX
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MACGVEYVER SANTOS ROCHA
OAB/MT XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0005933-19.2015.4.01.3603 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005933-19.2015.4.01.3603 CLASSE: AGRAVO INTERNO CÍVEL (1208) POLO ATIVO: INSTITUTO BRA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0005933-19.2015.4.01.3603 PROCESSO REFERÊNCIA: 0005933-19.2015.4.01.3603 CLASSE: AGRAVO INTERNO CÍVEL (1208) POLO ATIVO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA POLO PASSIVO:ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: PERSIO OLIVEIRA LANDIM - MT12295-A RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO INTERNO CÍVEL (1208) Nº 0005933-19.2015.4.01.3603 RELATÓRIO Transcrevo o relatório da sentença: "Trata-se de ação anulatória proposta por ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO e JESSICA APARECIDA PERINOTO SOTTI, em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, visando anular o auto de infração nº 738815-D e o Termo de Embargo nº 658610-C, lavrados em nome da primeira, bem como o auto de infração nº 9062855-E e o termo de embargo nº 12654-E, lavrados em nome da segunda. As demandantes alicerçam seus pedidos nas seguintes teses: a) a fração de terra embargada foi desmatada antes de 22 de julho de 2008, enquadrando-se na previsão dos §§ 40 e 5°, artigo 59, da Lei n. 12.651/2012, de modo que, até a implantação do Programa de Regularização Ambiental, a propriedade das demandantes não poderá ser autuada; b) o Código Florestal permite a continuidade das atividades agrossilvipastoris em área de preservação permanente consolidada, ou seja, desmatada antes de 22 de julho de 2008; c) o artigo 42 do Código Florestal permite a conversão das multas impostas em razão de desmatamento sem autorização, ocorrido antes de 22 de julho de 2008. A liminar foi deferida sob o fundamento de que “pela análise das imagens juntadas pela parte autora, é possível concluir, ao menos em análise superficial, que as frações de terra vistoriadas pelo IBAMA foram abertas antes de 22/07/2008 e assim se mantiveram nos anos seguintes, salvo melhor juízo, sendo essa também a conclusão do laudo técnico de fls. 37/38. Nesse contexto, é aplicável ao caso o entendimento acima esposado, não sendo possível o embargo da área pela destruição de vegetação nativa anterior a 22/07/2008.” Diante dessa decisão, o IBAMA comunicou a interposição do agravo de instrumento nº 30140-90.2016.4.01.0000, e postulou a retratação da decisão recorrida. Em sua contestação, alegou que, ao contrário da alegada consolidação da propriedade, trata-se de desmate recente. Existem vários indivíduos, em elevado estágio de regeneração, abatidos e as imagens, datadas de 2015, revelam ser recente o desmate, inclusive os autos de infração e os termos de embargo foram lavrados em 2015. Portanto, ainda que se admita válida a aplicabilidade do art. 59 da Lei 12.651/2012, esta não é a hipótese dos autos. Além de contestar, o réu opôs reconvenção, requerendo a condenação da parte reconvinda a diversas prestações de ordem reparatória e compensatória em decorrência do dano ambiental que lhe é imputado, sendo que a demanda reconvencional foi extinta sem resolução de mérito. Após, a parte autora peticionou, pretendendo aditar a causa de pedir, para acrescer aos argumentos de defesa da sua pretensão, o fato de que a SEMA/MT ter, supostamente, autuado o mesmo perímetro objeto da autuação perpetrada pelo IBAMA, devendo prevalecer os atos do órgão ambiental licenciador, nos termos do art. 17 da LC 140/2011. Sobre tal ponto, o IBAMA manifestou-se pela ausência de bis in idem, e aduziu que a LC 140/2011, em nenhum momento, impediu o exercício de atividades típicas de fiscalização por parte dos demais entes federados, que não o competente para o licenciamento da atividade ou empreendimento. Pelo contrário, a hipótese tem regulamentação específica (artigo 17, §3°), estabelecendo, tão-somente, norma de convivência entre os entes, evitando-se conflitos práticos de atribuições. Além disso, comunicou a interposição do agravo de instrumento nº 33565-91.2017.4.01.0000, em face da decisão que extinguiu sem resolução de mérito a reconvenção, e postulou a retratação da decisão recorrida. A fim de elucidar as questões de fato da lide, foi deferida a produção da prova pericial requerida pelas autoras, em sua petição inicial. Após, as autoras foram intimadas e deixaram transcorrer in albis o prazo para indicar assistentes técnicos e formular quesitos. Também não se manifestaram acerca da proposta de honorários periciais, bem como, uma vez arbitrados os honorários, quedaram-se inertes quanto ao recolhimento da despesa. Intimadas as partes para apresentar alegações finais, o IBAMA repisou os termos da sua defesa, enquanto que as autoras, mais uma vez quedaram-se inertes, tendo decorrido o prazo em 21/07/2020. Por fim, de forma extemporânea, em 05/11/2021, peticionaram requerendo a declaração da prescrição da pretensão punitiva estatal, bem como o reconhecimento de que os atos administrativos vergastados seriam nulos por incidirem sobre a mesma área autuada pela SEMA/MT. É o relatório. Decido". A ação foi julgada improcedente. As partes autoras interpuseram apelação. Deferi medida cautelar remetendo os autos à conciliação. Deu-se notícia acerca do levantamento administrativo dos termos de embargo. A discussão ficou adstrita aos autos de infração. Deferi liminar para suspender a exigibilidade dos autos de infração por considerar que a sentença se equivocou ao recusar a análise da prescrição. A sentença entendeu que a prescrição administrativa não pode ser reconhecida de ofício. O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005933-19.2015.4.01.3603 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. II. A sentença, proferida em 8.11.2021, no que interessa: "2.1. PRELIMINARES 2.1.1. Da alegação de fato superveniente As autoras postularam a procedência do feito aduzindo ter ocorrido a prescrição endoprocessual da pretensão punitiva estatal, tanto pelo decurso do prazo aplicável à lei penal quanto em decorrência da prescrição intercorrente do processo administrativo. Tais alegações não devem ser conhecidas. Segundo o art. 493, caput, do Novo CPC, cabe ao juiz no momento da prolação da decisão considerar fatos constitutivos, modificativos, ou extintivos do direito, ocorridos após o momento da propositura da ação. Não obstante, conforme leciona Daniel Amorim Assumpção Neves, “no tocante aos fatos modificativos ou extintivos, matéria de defesa do réu, a interpretação do dispositivo não proporciona maiores debates. De fato, não seria justo, por exemplo, que, sendo a dívida paga na constância do processo, o juiz desconsiderasse esse fato no momento de julgar o pedido condenatório a pagar, elaborado pelo autor. Por outro lado, no tocante aos fatos constitutivos do direito do autor, a aplicação gera controvérsias em razão da regra da estabilização objetiva da demanda, consagrada no art. 329, I e II, do Novo CPC.[1]” O art. 329 do CPC consagra regra de estabilização objetiva do processo, segundo o qual, depois da citação válida, o autor só pode alterar o seu pedido ou causa de pedir com a anuência do réu, e em nenhuma hipótese poderá fazê-lo após o saneamento do processo. Por essa razão, de acordo com a doutrina e jurisprudência majoritárias, harmonizando-se ambos os dispositivos, prevalece o entendimento de que os fatos supervenientes, cuja apreciação é admitida pelo art. 493 do CPC, são apenas os fatos simples, que não alteram a causa de pedir, mas apenas a confirmam, ou seja, os fatos que se conformam à causa petendi alegada na inicial. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR PRÓXIMA. ESTABILIZAÇÃO DA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO RECORRIDA NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SANEAMENTO DO PROCESSO. MOMENTO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Segundo jurisprudência desta Corte Superior, "os fundamentos jurídicos do pedido a que faz referência o art. 282 do CPC são os fundamentos de fato, ou os fatos constitutivos do direito do autor - aos quais corresponde a causa de pedir remota -, e os fundamentos de direito - aos quais correspondem a causa de pedir próxima" (REsp n. 1.322.198/RJ, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 4/6/2013, DJe 18/6/2013). 2. No caso dos autos, conforme consta na petição inicial, a causa de pedir remota da ação de nunciação de obra nova é a construção da abertura feita na extremidade das propriedades, e a causa de pedir próxima seria o abuso de direito, de forma que a alegação de desobediência das normas edilícias do Município constitui modificação da causa de pedir próxima. 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, "descabe a emenda da petição inicial após o oferecimento da contestação e o saneamento do processo, quando essa providência importar alteração do pedido ou da causa de pedir (art. 264, parágrafo único, CPC/73)" (REsp 1678947/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 20/03/2018). 4. É pacífico o entendimento de que "o fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes da inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da lide" (AgInt no AREsp 1437753/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 09/10/2019). 5. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos (Súmula n. 7/STJ). 6. No caso concreto, a reforma do acórdão recorrido, quanto ao momento em que houve o saneamento do processo, demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório, vedado em sede de recurso especial. 7. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 831.729/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020). Embora as autora tenham aduzido não haver óbice ao conhecimento do pedido incidental porque a prescrição seria matéria de ordem pública e que poderia ser conhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, convém sublinhar que a prescrição que pode ser arguida a qualquer tempo é aquela deduzida por meio de exceção (defesa processual indireta), ou seja, alegada pelo réu para impedir o curso da ação judicial. Trata-se, aqui, da prescrição da pretensão deduzida em juízo. É uma questão prejudicial de mérito, porque a sua ocorrência impede que o juiz adentre no conhecimento do pedido formulado pelo autor na ação, porque tal pretensão foi deduzida extemporaneamente. Não se nega que a prescrição do processo administrativo possa ser alegada a qualquer tempo ou até conhecida de ofício, mas isto tão somente no âmbito do próprio processo administrativo. Em tal hipótese, a prescrição (do processo administrativo) novamente se manifesta como defesa processual indireta, porque é invocada pelo administrado dentro do próprio processo administrativo para impedir o seu curso. Mas não é isso o que pretende a parte autora: a prescrição que ela alega ser passível de conhecimento a qualquer tempo no curso deste processo judicial é a prescrição ocorrida no curso do processo administrativo. Veja-se que não se trata da prescrição como defesa processual indireta, cujo acolhimento impediria o conhecimento do próprio pedido do autor (eis que é uma questão prejudicial de mérito), o que levaria à extinção desta ação sem seu julgamento de mérito. Em verdade, tratando-se de autêntica nova causa de pedir (não de exceção), somente pode ser integrada à lide até a fase de saneamento, com o consentimento do réu (art. 329), mas não a qualquer tempo, como alegou o autor. Entender que a prescrição enquanto nova causa de pedir poderia ser alegada a qualquer tempo importaria na vulneração do próprio núcleo daquele instituto, qual seja, a segurança jurídica, eis que admitiria a ampliação do objeto da lide mesmo após a estabilização do processo. Indo avante, vale frisar que o fato superveniente constitutivo do direito do autor que o juiz deve levar em consideração ao tempo da sentença é aquele que confirma (comprova) a causa de pedir narrada na petição inicial. Em outras palavras, se na inicial o autor narra a existência de um direito e, ao longo do processo, vem a ocorrer o pressuposto fático que dá nascimento àquele direito afirmado, o juiz deverá levá-lo em consideração quando da sentença, ainda que o fato constitutivo do direito do autor não estivesse presente ao tempo da petição inicial. Novamente não se trata da possibilidade de alegação superveniente de fato constitutivo de um direito novo, mas sim de fato superveniente que comprove a ocorrência do suporte fático do direito invocado na petição inicial. Diante disso, dado ao momento processual em que alegado o fato superveniente, o conhecimento da questão encontra óbice no art. 329, II, do CPC, que veda quaisquer ampliações do objeto da demanda após o saneamento do feito. Por todo o exposto, não conheço da alegação de prescrição endoprocessual, ressalvada a possibilidade de alegação da matéria por meio de ação autônoma, caso assim se entenda pertinente. 2.1.2. Da ampliação objetiva da demanda Após a resposta do réu, a parte autora peticionou, pretendendo aditar a causa de pedir, para acrescer aos argumentos de defesa da sua pretensão, o fato de que a SEMA/MT ter, supostamente, autuado o mesmo perímetro objeto da autuação perpetrada pelo IBAMA, devendo prevalecer os atos do órgão ambiental licenciador, nos termos do art. 17 da LC 140/2011. Como dito no item anterior, é possível ao autor alterar a causa de pedir e o pedido, até a citação sem o consentimento do demandado; com o seu consentimento é possível alterá-los até o saneamento do processo (art. 329, I e II, do CPC). No presente caso, tendo a parte ré apresentado defesa de mérito com relação à alegação de bis in idem, tem-se a anuência tácita do réu com a ampliação objetiva da demanda proposta pelas autoras. Assim, conheço da tese de bis in idem, cujo mérito será enfrentado em tópico próprio. 2.1.3. Da renúncia tácita à prova pericial Como se sabe, a produção da prova constitui-se de um ônus da parte, razão pela qual, a inexistência de depósito dos honorários periciais, a despeito das sucessivas intimações para esse fim, acarreta a preclusão do direito à produção prova pericial. Deixe-se em evidência que não há que se falar na necessidade de intimação pessoal neste caso, seja para o pagamento dos honorários, seja para a declaração de preclusão, eis que a hipótese não foge à regra de que a intimação das partes será feita por meio do seu patrono devidamente constituído nos autos (AgInt no AREsp 1113020/SC, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2020, DJe 28/05/2020). Superada essa questão processual, e não havendo outras preliminares pendentes, passo ao exame do mérito da demanda. 2.2. MÉRITO De acordo com o art. 225, § 3º da Constituição Federal, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. O artigo 70 da Lei 9.605/1998 trata da infração administrativa ambiental, classificando-a como toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. Portanto, não somente aquelas atividades lesivas ao meio ambiente classificadas como crime, enumeradas nos arts. 29 a 69 da Lei dos Crimes Ambientais, representam infração administrativa, mas também a afronta a qualquer outra regra jurídica que regule ou proíba o uso de recursos naturais. Portanto, a Lei n. 9.605/1998, em seu conceito de infração administrativa ambiental, adota um conceito amplo ou aberto, remetendo ao poder regulamentar a explicitação dos casos típicos. No presente caso, a requerente JESSICA PERINOTO SOTTI foi autuada, em 16/06/2015, por desmatar 483,94 hectares de vegetação nativa, de forma, supostamente, ilegal. Por sua vez, a requerente APARECIDA ALEXANDRA PERINOTO foi autuada em 05/06/2013, pelo suposto desmate ilegal de 688,276 hectares. As condutas narradas se subsomem ao disposto nos artigos 70 da Lei 9.605/1998 e 50 do Decreto 6.514/2008, portanto, as autuações atendem aos critérios formais de imputação. 2.2.1. Da materialidade dos ilícitos Com a finalidade de desconstituir as autuações lavradas em seus nomes, as autoras alegaram que os desmatamentos que deram causa às supostas infrações se consumaram anteriormente ao marco de julho de 2008. Sendo assim, ao presente caso se aplicar-se-ia o teor dos §§ 4° e 5º do art. 59 da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal). O IBAMA, em sua defesa, alegou que alegou que a autuação não teria por fato gerador a suposta limpeza de área consolidada, mas sim, desmate recente, evidenciado pela presença de várias árvores adultas no local. Firmou-se, assim, ponto controvertido para cujo deslinde seria necessária a produção de prova pericial, sendo das autoras o ônus da prova dos fatos constitutivos do direito alegado na inicial. Isso porque, o art. 373 do CPC distribuiu o ônus da prova de acordo com a natureza da alegação de fato a provar, sendo que ao autor cumpre provar a alegação que concerne ao fato constitutivo do direito por ele afirmado. Demais disso, deve-se ter em mente que os atos da Administração Pública gozam de presunção de legitimidade, veracidade e legalidade, até como forma que de fazer prevalecer a tutela do interesse público, fim maior do Estado. Desse modo, em caso de inconformismo do administrado, recai sobre este o ônus da desconstituição da mencionada presunção. Nesse sentido, na doutrina, a lição precisa de José dos Santos Carvalho Filho: Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normas legais. Essa característica não depende de lei expressa, mas deflui da própria natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente integrante da estrutura do Estado. Vários são os fundamentos dados a essa característica. O fundamento precípuo, no entanto, reside na circunstância de que se cuida de atos emanados de agentes detentores de parcela do Poder Público, imbuídos, como é natural, do objetivo de alcançar o interesse público que lhes compete proteger. Desse modo, inconcebível seria admitir que não tivessem a aura de legitimidade, permitindo-se que a todo momento sofressem algum entrave oposto por pessoas de interesses contrários. Por esse motivo é que se há de supor que presumivelmente estão em conformidade com a lei (Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo.30. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. p. 192) A questão é também pacífica na jurisprudência : PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ANÁLISE DE LEI LOCAL EM FACE DE LEI FEDERAL. COMPETÊNCIA DO STF. VALIDAÇÃO DE ATO DE GOVERNO LOCAL, EM DETRIMENTO DE LEI FEDERAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO ORDINÁRIA VISANDO A ANULAÇÃO DE MULTAS DECORRENTES DAS LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELAS REGRAS DO RODÍZIO MUNICIPAL E DA ZONA MÁXIMA DE RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO. REVISÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO E INTERPRETAÇÃO DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7/STJ E 280/STF. 1. Quanto à interposição do Recurso Especial pela alínea "b", cabe destacar que a competência para a análise de norma local em face de lei federal, após a Emenda Constitucional 45/2004, deslocou-se para o STF (art. 102, I, "d", CF/1988). Ao STJ cabe apenas os casos em que se julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal (art. 105, III, "b", CF/1988). 2. Na hipótese, a parte recorrente aponta como atos de governo local as Leis Municipais 12.490/1997 e 14.751/2008. Contudo, o referidos atos normativos não se confundem com ato de governo local. 3. No enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem lançou os seguintes fundamentos (fls. 114-116, e-STJ): "Pese embora os fundamentos do apelo, a r. sentença deu ao caso a justa solução, que fica neste acórdão ratificada, nos termos do art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo: 'A controvérsia diz respeito ao alcance das limitações impostas pelo rodízio municipal de veículos e pela zona máxima de restrição de circulação, nos termos do Decreto Municipal nº 45.273/04 e do Decreto Municipal nº 37.085/97, tendo em vista atividade da autora. Nesse desiderato, primeiramente saliento que é notório e incontroverso o caráter essencial dos serviços prestados pela requerente, pertinentes ao fornecimento de energia elétrica. A própria Lei Municipal nº 14.751/08, que autorizou a implantação do programa de restrição ao trânsito de veículos pesados, excepciona as hipóteses de 'veículos pesados empregados em serviços essenciais e de emergência'. Outrossim, o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 29, VIII, estipula que 'os veículos prestadores de serviços de utilidade pública, quando em atendimento na via, gozam de livre parada e estacionamento no local da prestação de serviço, desde que devidamente sinalizados, devendo estar identificado na forma estabelecida pelo Contran'. Além disso, a Resolução nº 268/2008 do Contran estipula que os veículos destinados à manutenção e reparo na rede elétrica são considerados 'de utilidade pública'. Contudo, a autora se limitou a afirmar que, em todas as ocasiões em que foi multada, se encontrava prestando serviços de manutenção ou emergenciais, na sua atividade fim. Note-se que a requerente não indicou elementos a demonstrar que seus veículos estavam prestando serviços dessa natureza, não se desincumbindo, portanto, do seu ônus probatório. Ademais, de rigor lembrar que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade e veracidade, decorrentes do princípio da estrita legalidade, inerente à Administração Pública, motivo pelo qual se transfere o ônus da prova a quem os impugna. (...) Em suma, a autora não demonstrou os fatos constitutivos do direito alegado, deixando de afastar a presunção de legalidade e veracidade das autuações, motivo pelo qual sua pretensão não pode ser acolhida' (fls. 178744/178747)." 4. Nesse caso, não há como alterar o entendimento do Tribunal de origem, que consignou não estar comprovado que a parte recorrente estava exercendo prestação de serviços essenciais "de manutenção ou emergenciais, na sua atividade fim" nos locais e horários em que foi autuada a respeito do descumprimento do rodízio municipal de veículos na capital paulista, sem que se proceda a nova análise do conjunto probatório dos autos. A pretensão de simples reexame de provas, além de escapar da função constitucional do STJ, encontra óbice em sua Súmula 7, cuja incidência é induvidosa no caso sob exame. 5. Outrossim, a controvérsia foi dirimida com base na análise de Direito local (Lei Municipal 14.751/2008 e Decretos Municipais 45.273/2004 e 37.085/1997), revelando-se incabível a via recursal especial para rediscussão da matéria, ante a incidência da Súmula 280 do STF. 6. Recurso Especial não conhecido. (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1734496 2018.00.73037-6, HERMAN BENJAMIN - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:16/11/2018). ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INFRAÇÃO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO IBAMA. ANULAÇÃO. INVIABILIDADE. DESMATAMENTO E QUEIMADA SEM AUTORIZAÇÃO. PENA DE MULTA FIXADA NO MÁXIMO LEGAL. FALTA DE PROPORCIONALDIADE E MOTIVAÇÃO. REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Legalidade da aplicação de multa ambiental pelo IBAMA tendo em vista seu Poder de Polícia na qualidade de ente de proteção ao meio ambiente. 2. Possibilidade de adequação de Auto de Infração declarado nulo sem a necessidade de nova averiguação in loco, mediante nova lavratura com a correção do vício sanável. Inteligência da Instrução Normativa IBAMA nº 08/2003, art. 7º, § 1º. 3. Desmatamento sem a devida autorização do órgão ambiental competente e em desacordo com previsão legal sobre desmatamento. Presunção de legalidade e veracidade do ato administrativo não desconstituída por provas robustas. Manutenção dos Autos de Infração. 4. O ônus da prova incumbe ao autor, cabendo ao administrado desconstituir a autuação, especialmente em respeito ao princípio da precaução e da responsabilidade objetiva, que guarnecem as questões de direito ambiental. 5. É viável a redução do valor da multa fixada administrativamente, diante da ausência de proporcionalidade e motivação na sua fixação no máximo legal. 6. Apelações e remessa oficial desprovidas. (AC 0024723-72.2011.4.01.3900, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 25/07/2019 PAG.) Contudo, as autoras quedaram-se inertes e, mesmo tendo sido intimadas repetidas vezes, não formularam quesitos, não se manifestaram sobre a proposta de honorários apresentada e, tampouco procederam ao recolhimento da referida despesa processual. Embora tenham colacionado ao feito laudo particular com a finalidade de reforçar a tese de que a área objeto deste feito seria consolidada, essa questão é justamente o ponto nodal da ação, e é preciso conceber que tal manifestação técnica foi produzida à ordem da própria parte interessada, de modo que apresenta força probatória mitigada, não podendo ser a figura central do convencimento do juízo, até porque, o IBAMA apresentou documentos igualmente técnicos e com conteúdo totalmente divergente daqueles produzidos pelas demandantes. Portanto, as provas documentais apresentadas pelas autoras não são suficientes para infirmar os atos administrativos hostilizados. Com efeito, em situação similar, assim se manifestou o e. Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA COMPROVAÇÃO ACERCA DA REALIZAÇÃO DE "ATIVIDADES INDUSTRIAIS" POR EMPRESA COMERCIAL. MANDAMUS INSTRUÍDO COM LAUDO PERICIAL CONFECCIONADO UNILATERALMENTE. DOCUMENTO QUE, POR SI SÓ, NÃO É APTO A COMPROVAR O DIREITO ALEGADO. 1. A prova documental contida nos autos (laudo técnico de fls. 58/64, faturas de energia elétrica e estatuto social da impetrante) não é apta a comprovar que parte da energia elétrica consumida pela impetrante é utilizada em processo de industrialização. No que se refere ao laudo técnico de fls. 58/64, verifica-se que ele foi produzido unilateralmente pela impetrante. Assim, tal laudo, por si só, não constitui prova pré-constituída suficiente para afastar a presunção de legitimidade do ato administrativo de fl. 69, que reconheceu como indevido o aproveitamento de créditos de ICMS, na forma efetuada pela impetrante Nesse sentido: RMS 20.494/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 11.12.2006. 2. Tratando-se de mandado de segurança, cuja finalidade é a proteção de direito líquido e certo, não se admite dilação probatória, porquanto não comporta a fase instrutória, sendo necessária a juntada de prova pré-constituída apta a demonstrar, de plano, o direito alegado. 3. Ademais, cumpre registrar que a Primeira Seção/STJ, ao apreciar o REsp 1.117.139/RJ (Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 18.2.2010), aplicando a sistemática prevista no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 - Presidência/STJ, firmou entendimento no sentido de que as atividades de panificação e congelamento de alimentos, realizadas por estabelecimento comercial, não se caracterizam como processo de industrialização, razão pela qual inexiste direito ao creditamento do ICMS recolhido em relação à energia elétrica consumida na realização de tais atividades. 4. Recurso ordinário não provido. (RMS 27.635/GO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 27/04/2011). Além disso, veja-se que, o referido laudo particular aponta que os indigitados desmates de 688,276ha e 438,94ha, que deram origem às autuações combatidas, teriam ambos ocorrido no ano de 2007, contudo, entre 2008 e 2014 não houve interferência nas áreas desmatadas. Assim, as premissas do laudo pericial apresentado pela parte autora são, elas próprias, destoantes da conclusão de que a área em questão seria consolidada. Isso porque, área rural consolidada é apenas aquela com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio (art. 3º, IV, da Lei 12.651/2012). Nesse sentido, ficam afastadas do beneplácito das disposições transitivas as áreas que tenham sofrido degradação por queimada florestal, exploração eventual de recursos ou que, tendo sido convertidas para uso alternativo do solo foram abandonadas por período superior ao pousio, apresentando avançado estágio de regeneração natural. Esse entendimento é também encampado pelo órgão ambiental estadual que, por meio da Instrução Normativa SEMA-MT nº 11, de 29 de setembro de 2015, esclarece: Art. 29. §1º. Não será considerada área consolidada aquela que tenha sofrido degradação florestal por queimada ou exploração florestal eventual, conforme classificação utilizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. §2º. Não será considerada área consolidada aquela que tenha sido convertida para uso alternativo do solo antes de 22 de julho de 2008, mas que tenha sido abandonada ou se encontre em regeneração natural. No mesmo sentido, prevê o art. 48, do Decreto estadual nº 1.031/2017: Art. 48. Para a validação das áreas consolidadas apresentadas na inscrição do CAR será avaliado se as mesmas foram antropizadas antes de 22 de julho de 2008 e se continuam sendo utilizadas, ressalvado o regime de pousio. Parágrafo único. Não será considerada área consolidada aquela que tenha sofrido apenas degradação florestal por queimada ou exploração florestal eventual, conforme classificação utilizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE. Portanto, conclui-se que as áreas, cuja autuação se discute no caso vertente, não podem ser consideradas consolidadas, pois, ainda que, em tese, tenham sido desmatadas em período anterior a 22 de julho de 2008, conforme afirma o laudo particular apresentado, permaneceram abandonadas por período superior ao do pousio. 2.2.2. Da tese de bis in idem As autoras alegaram que os atos administrativos vergastados também devem ser cancelados em razão da autuação pela SEMA, que é o órgão competente para fiscalizar o bem, pelos mesmos fatos e no mesmo período, devendo prevalecer os atos deste último órgão, nos termos do art. 17 da LC 140/2011. Com efeito, embora os entes federativos tenham competência para zelar pelo meio ambiente, não se pode conceber que essa atuação comum resulte em penalidades sobrepostas. Algum critério haveria de ser encontrado pelo legislador para resolver esse tipo de problema que inevitavelmente surgiria em decorrência da amplitude de atribuição conferida pelo texto constitucional. O que a Constituição quis foi proteger o meio ambiente de agressões indevidas, não a instituição de penalidades sucessivas e superpostas, incidentes sobre o mesmo fato ilícito. Tal problema ficou sem disciplina durante muito tempo. Com a edição da Lei Complementar n. 140/2011, pelo menos parte dele foi solucionada. De fato, o artigo 17 do referido diploma diz que compete ao órgão responsável pelo licenciamento, entre outras medidas, “lavrar auto de infração e instaurar processo administrativo para apurar infrações à legislação ambiental”. E, para harmonizar o disposto no caput com o que diz a Constituição, o parágrafo terceiro é claro ao afirmar que a atribuição de competência punitiva ao órgão responsável pelo licenciamento “não impede o exercício comum de fiscalização pelos entes federativos”. A redação final do parágrafo, no entanto, diz que, em caso de autuações sobrepostas, “prevalecerá o auto de infração lavrada pelo órgão que detenha atribuição de licenciamento.” Ocorre que, uma interpretação literal do supracitado dispositivo parece esvaziar completamente a competência ambiental do ente federal tão só pela atuação tardia do órgão ambiental do ente subnacional. Em meu sentir, a melhor solução para o caso em debates é aquela fornecida por Édis Milaré, para quem, tratando-se de autuação de empreendimento licenciado, deve prevalecer o auto de infração lavrado pelo ente licenciador, até como forma de evitar indevidas ingerências nas razões discricionárias invocadas pelo órgão investido de competência para licenciar. A propósito do tema: (...) Ademais, insta reconhecer que tal interpretação não vai de encontro às razões que justificam o critério de prevalência a ser observado em atividades efetivamente licenciadas. Isso porque, se há razão de mérito administrativo que demanda o exercício primário da fiscalização pelo órgão efetivamente licenciador, tal justificativa não prevalece em caso de atividade não licenciada, em que a ausência de licença garante iguais condições fiscalizatórias das três esferas de Governo. (...) De toda sorte, deflagrado procedimento de regularização ambiental pelo órgão licenciador, a expedição de licenças que permitam a operação da atividade ou empreendimento não tem reflexo no processo de autuação realizado pelo órgão fiscalizador supletivo – este segue, até porque a infração se reporta a um momento no tempo e no espaço, e a regularização não a desconstitui – senão para eventual levantamento de medida administrativa de embargo[1]. Por outro lado, tratando-se de atividade não licenciada, desenvolvida ao arrepio da lei e sem exame prévio da potencialidade lesiva ao meio ambiente pelo órgão licenciador, deve se empregar o critério cronológico, prevalecendo o ato decorrente do exercício do poder de polícia pelo ente federado que primeiro agiu, em homenagem aos princípios que orientam a aplicação das normas ambientais, notadamente da prevenção e da precaução. Nesse sentido: Mesmo sobrevindo ato fiscalizatório de órgão que seria, em tese, competente para licenciar, este não poderá prevalecer sobre o primeiro auto lavrado e não terá aptidão para obstar o andamento do respectivo processo administrativo. Existe, como premissa à exegese de prevalência cronológica do primeiro auto lavrado, uma operação lógica jurídica, a se justificar por diferentes razões: (i) impossibilidade de se admitir a movimentação inútil da máquina administrativa e o desperdício de recursos públicos, nos casos em que já lavrado, e em processo instrutório avançado, auto de infração ambiental; (ii) impossibilidade de retrocesso e de fragilização da competência fiscalizatória efetivamente exercida em caso concreto, garantindo-se a proteção do direito fundamental ao meio ambiente; (iii) exigência de que a sistemática de ações fiscalizatórias envolva cooperação e coordenação efetiva entre os entes federativos; (iv) manutenção do primeiro ato administrativo fiscalizatório que, em virtude da celeridade com que exarado, teve mais preservas as condições materiais em que praticadas o ilícito[2]; destaquei. No caso em tela, as autuações perpetradas pela SEMA/MT foram levadas a efeito no ano de 2016, ao passo que o IBAMA autuou as requerentes nos anos de 2013 e 2016, em razão dos desmates não autorizados. Portanto, tratando-se de atividade não licenciada, por aplicação do critério cronológico devem prevalecer os atos do IBAMA. Além disso, como as autoras desistiram da produção da prova pericial, também não lograram êxito em demonstrar que os perímetros autuados pela autarquia federal e pelo órgão ambiental do ente subnacional seriam os mesmos. Assim, resta desacolhida a tese de nulidade dos atos administrativos vergastados, por suposta ofensa à vedação ao bis in idem. 3. DISPOSITIVO Diante do exposto, EXTINGO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, com fulcro no artigo 487, inciso I, do CPC/2015, e JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS deduzidos na inicial. REVOGO A LIMINAR deferida e determino a imediata restauração dos efeitos dos autos de infração nº 738815-D e nº 9062855-E, bem como dos Termos de Embargo nº 658610-C e nº 12654-E. Intime-se o Gerente Executivo do IBAMA em Sinop/MT, para imediata restauração dos embargos e autos de infração supracitados. Custas e honorários de sucumbência pela parte autora, estes últimos fixados no percentual mínimo previsto nas alíneas I a V, § 3º, artigo 85, do CPC/2015, escalonados na forma do §5º do mesmo dispositivo legal e a serem calculados sobre o proveito econômico da demanda. Comunique-se ao e. Relator dos agravos de instrumento nº 30140-90.2016.4.01.0000 e nº 33565-91.2017.4.01.0000, acerca da presente sentença". II. Prescrição - matéria cognoscível de ofício Em primeiro lugar, é válido destacar que não subsiste discussão rem relação aos termos de embargo ambiental lavrados nos autos, uma vez que houve o seu levantamento administrativo. No curso dos autos, deferi medida cautelar para suspender a exigibilidade dos autos de infração, por considerar que a prescrição administrativa é matéria de ordem pública, de modo que pode ser reconhecida até mesmo de ofício, diferentemente do que considerado pela sentença, que se negou a analisar a matéria por considerar que ela não foi arguida na petição inicial: "Com efeito, não houve, na petição inicial, pedido de reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do IBAMA ou da prescrição intercorrente no curso do processo administrativo. As alegações foram apresentadas em sede de alegações finais. O Juízo de Primeiro Grau não conheceu dos pedidos, ao argumento de que eles não constavam da petição inicial (r.ú. 1.056-1.057): "Não se nega que a prescrição do processo administrativo possa ser alegada a qualquer tempo ou até conhecida de ofício, mas isto tão somente no âmbito do próprio processo administrativo. Em tal hipótese, a prescrição (do processo administrativo) novamente se manifesta como defesa processual indireta, porque é invocada pelo administrado dentro do próprio processo administrativo para impedir o seu curso. Mas não é isso o que pretende a parte autora: a prescrição que ela alega ser passível de conhecimento a qualquer tempo no curso deste processo judicial é a prescrição ocorrida no curso do processo administrativo. Veja-se que não se trata da prescrição como defesa processual indireta, cujo acolhimento impediria o conhecimento do próprio pedido do autor (eis que é uma questão prejudicial de mérito), o que levaria à extinção desta ação sem seu julgamento de mérito. Em verdade, tratando-se de autêntica nova causa de pedir (não de exceção), somente pode ser integrada à lide até a fase de saneamento, com o consentimento do réu (art. 329), mas não a qualquer tempo, como alegou o autor. Entender que a prescrição enquanto nova causa de pedir poderia ser alegada a qualquer tempo importaria na vulneração do próprio núcleo daquele instituto, qual seja, a segurança jurídica, eis que admitiria a ampliação do objeto da lide mesmo após a estabilização do processo". Entretanto, uma vez que os autos de infração foram impugnados judicialmente e que eles representam o exercício do poder punitivo do Estado contra o particular, há de se considerar que é possível analisar o argumento de que também a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição intercorrente constituem matéria de ordem pública, de forma que poderiam ser analisadas supervenientemente, desde que a Administração fosse intimada para se manifestar quanto ao tema, de modo a não se proferir decisão surpresa. A respeito do tema, esta 6ª Turma firmou entendimento de que "[e]m sede de Direito Administrativo Sancionador, é admitida a apresentação tardia de prova documental que comprove a inocência do administrado, desde que a Administração tenha oportunidade de se manifestar sobre o conteúdo da prova" (ApCiv 1002205-90.2019.4.01.3900, Rel. Des. Flávio Jardim, Sexta Turma, j. 28.8.2024). A razão subjacente à conclusão foi a de que "[a] desídia não pode ser confundida com má-fé. E a desídia, enquanto for processualmente possível, não pode ser invocada para permitir a prevalência do arbítrio estatal sobre as garantias dos particulares. As garantias dos administrados perante o Estado são a base do nosso processo civilizatório; representam a fronteira decisiva entre o Estado de Direito e a barbárie". Da mesma maneira, a Administração "está autorizada a exercer o poder de autotutela, para retirar do mundo jurídico os seus próprios atos, quando constatada a sua ilegalidade. Isso porque, a administração pública possui a prerrogativa anular/revogar seus próprios atos, consoante as súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal" (AgInt no RMS n. 70.703/BA, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 12/6/2023, DJe de 15/6/2023)". Então, se a Administração pode rever até mesmo de ofício suas ilegalidades, no que se inclui a execução de pretensão punitiva fulminada pela prescrição, há aparência de que andou mal a sentença ao se negar a analisar os argumentos de prescrição. Daí a probabilidade do direito. Em face do exposto, acolho os embargos de declaração para, sanando a omissão apontada, provê-los, de forma a deferir a tutela requerida para suspender a exigibilidade dos autos de infração discutidos neste processo, até o julgamento do mérito desta apelação". Partindo da premissa de que a prescrição administrativa é matéria de ordem pública, que pode ser analisada de ofício, passo ao seu exame. No ponto, é válido destacar que a matéria já foi amplamente debatida nos autos, inclusive em sentença e pelo IBAMA, mais recentemente, em sede de agravo interno à decisão liminar proferida nesses autos, de modo que não há decisão surpresa. Há três espécies de prescrição em relação ao poder de polícia da Administração. A primeira é a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, que ocorre quando a Administração é morosa no sentido de exercitar o poder de polícia, que, no caso, manifesta-se com a lavratura do auto de infração (art. 1º, Lei nº 9.873/1999). A segunda é a prescrição intercorrente, que ocorre quando o processo administrativo, iniciado com a lavratura do auto de infração, fica parado por mais de três anos, sem que, nesse intervalo, tenha sido tomado um ato efetivamente instrutório (art. 1º, § 1º, Lei nº 9.873/1999). A terceira é a prescrição executória, que representa o prazo que a Administração tem para executar a condenação administrativa definitivamente constituída, isto é, transitada em julgado administrativamente (art. 1º-A, Lei nº 9.873/1999). No caso, é possível verificar a prescrição intercorrente no PA 02054.000451/2015-31. Isso, porque a intimação de Jéssica Perinoto Sotti para a apresentação de defesa ocorreu em 22.6.2015, conforme se extrai do recibo aposto ao auto de infração (229928864 - Pág. 2). A defesa foi apresentada em 8.7.2015. O ato instrutório que se seguiu foi a análise instrutória de primeira instância, ocorrida em 14.9.2018 (229928868 - Pág. 32). Nesse intervalo - intimação para a defesa e análise instrutória de primeira instância -, as únicas movimentações nos autos foram despachos de remessa interna e a juntada de uma decisão judicial, proferida nestes autos, que suspendeu não o processo administrativo, mas os efeitos dos autos de infração e dos termos de embargo ambiental, já levantados administrativamente. Em relação à alegação de prescrição da pretensão punitiva do PA 02054.000451/2015-31, a alegação não deve ser acolhida, uma vez que não se demonstrou que a Administração, ciente dos atos ilícitos praticados pela particular, demorou mais do que cinco anos para proceder à lavratura do auto de infração. Mesmo se assim não fosse, o relatório de fiscalização do IBAMA apontava ação antrópica recente. IV. Mérito No mérito, a sentença não merece reforma. IV.I Prevalência da fiscalização do IBAMA Conforme destacado na decisão de ID 420036927, o STF, ao julgar a ADI 4.757/DF, dando interpretação conforme à Constituição ao art. 17, § 3º, da LC nº 140/2011, decidiu que "a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória". No caso dos autos, os autos de infração lavrados pelo IBAMA são anteriores àqueles lavrados pelo órgão estadual. Com efeito, o IBAMA lavrou contra ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO, no dia 05/06/2013, o Auto de Infração nº 738815-D e o Termo de Embargo nº 658610-C, por destruição de 688,276 hectares de vegetação nativa sem autorização ou licença, na Fazenda Formoso (ID 229928839 - Págs. 29/30). Posteriormente, no dia 16/06/2015, lavrou contra JESSICA PERINOTO SOTTI o Auto de Infração nº 9062855-E e o Termo de Embargo nº 12654-E, por destruir vegetação nativa, objeto de especial preservação (ID 229928839 - Págs. 31/32). A SEMA/MT apenas autuou as apelantes em 26.4.2016 (ID 229928842 - Págs. 4/16). Sendo assim, havendo omissão do órgão competente para o licenciamento na fiscalização de desmatamento ilegal, surge a possibilidade de outros órgãos ambientais atuarem supletivamente. Isso, porque o dever de fiscalizar não se confunde com o poder de licenciar. Nesta perspectiva, no caso dos autos, em que houve omissão da SEMAT, prevalecerá o auto de infração lavrado pelo primeiro órgão ambiental que atuou (no caso, o IBAMA), por força do entendimento do STF na ADI 4757/DF. A propósito, tal entendimento se coaduna com o federalismo cooperativo, previsto nos art. 23, III, VI e VII, art. 24, VI, VII e VII, e art. 225, da Constituição, que rege a matéria ambiental. Entender de modo contrário, dando interpretação apenas literal ao art. 17, § 3º, da LC nº 140/2011, para que prevalecesse sempre e em todos os casos o auto de infração do órgão ambiental licenciador, afrontaria a decisão do STF na ADI nº 4757/DF. Além disso, geraria uma situação completamente inadequada: implicaria a desconsideração de todas as atuações de fiscalização e supervisão do IBAMA nos casos em que o órgão ambiental competente foi, até então, omisso. Isso viola a diretriz protetiva em matéria ambiental traçada pela Constituição, na dicção do STF. IV.I Desistência da prova pericial A parte autora, intimada a apresentar quesitos após a determinação de produção de perícia judicial, permaneceu inerte. Isso levou o Juízo a descartar a perícia. Diante disso, deu-se prevalência aos laudos do IBAMA, que apontavam ação antrópica recente sobre a área, e não a consolidação dos danos ambientais, que tem aplicação para as áreas em que a violação ao meio ambiente foi anterior ao dia 22.7.2008, nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 12.651/2012. As autoras alegaram que não o fizeram porque o Juízo proferiu sentenças, em outros processos, reconhecendo a sobreposição entre as autuações do IBAMA e da SEMA/MT; e que havia decisão liminar ao seu favor nestes autos. O argumento, com a vênia devida, não pode prosperar. Decisões proferidas em processos distintos não representam a constituição de direito adquirido nem sequer para as partes daqueles processos, na medida em que podem ser, a posteriori, reformadas pelas instâncias superiores. O que dirá de quem não é parte nos autos? O mesmo raciocínio se aplica ao deferimento da medida cautelar. O próprio nome já indica a precariedade do provimento, de modo que a parte não pode, ou não deveria, abrir mão de comprovar seu direito somente com base em decisão de cognição sumária. A aposta da parte ao desistir da produção de prova pericial não pode socorrê-la nesta altura, tendo sido operada a preclusão sobre o seu direito de produzir a prova. Assim, há de prevalecer o auto de infração do IBAMA, que goza de presunção de legitimidade, IV. Em face do exposto, dou parcial provimento à apelação para reconhecer, de ofício, a prescrição intercorrente do PA 02054.000451/2015-31. Condeno o IBAMA em custas e honorários sucumbenciais em relação a Jessica Perinoto, que fixo no patamar mínimo das faixas do art. 85, § 3º, do CPC. O referencial é o valor do auto de infração respectivo. Mantida a condenação de Alexandra Perinoto em custas e honorários, com referência no art. 85, § 3º, do CPC, sendo o referencial o valor do auto de infração respectivo. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO INTERNO CÍVEL (1208) Nº 0005933-19.2015.4.01.3603 Processo Referência: 0005933-19.2015.4.01.3603 AGRAVANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA AGRAVADO: JESSICA PERINOTO SOTTI, ALEXANDRA APARECIDA PERINOTO EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. IBAMA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. BIS IN IDEM. ÔNUS DA PROVA. ÁREA NÃO CONSOLIDADA. DESISTÊNCIA DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Apelação interposta por particulares contra sentença que julgou improcedente ação anulatória de autos de infração lavrados pelo IBAMA, nos quais se imputava a prática de desmatamento ilegal em áreas de vegetação nativa. 2. A sentença reconheceu a preclusão da alegação de prescrição por ausência de previsão na petição inicial e julgou improcedente o pedido, ao fundamento de que as autoras não produziram prova pericial e não lograram demonstrar que os desmatamentos ocorreram antes do marco temporal de 22.7.2008 (área rural consolidada). 3. A controvérsia envolve: (i) a possibilidade de reconhecimento da prescrição intercorrente no processo administrativo ambiental, de ofício, pelo Poder Judiciário; (ii) a validade dos autos de infração lavrados pelo IBAMA, em face da alegada consolidação da área nos termos da legislação florestal; (iii) a alegação de bis in idem, diante da existência de autuações da SEMA/MT referentes à mesma área; e (iv) os efeitos da desistência tácita das autoras quanto à produção da prova pericial. 4. A prescrição administrativa é matéria de ordem pública e, por isso, pode ser conhecida de ofício. No caso, ficou caracterizada a prescrição intercorrente no processo administrativo instaurado contra uma das autoras, diante da inércia da Administração por mais de três anos no curso do processo administrativo, sem a tomada de qualquer ato de natureza instrutória, conforme prevê o art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.873/1999. 5. O auto de infração lavrado pelo IBAMA, por ser anterior ao da SEMA/MT, deve prevalecer, conforme interpretação conferida ao art. 17, § 3º, da LC nº 140/2011, pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4757/DF. 6. A desistência da produção de prova pericial pelas autoras faz prevalecer a presunção de legitimidade do ato fiscalizatório do IBAMA, que apontava ação antrópica recente sobre a área. a 7. Recurso parcialmente provido para reconhecer, de ofício, a prescrição intercorrente no processo administrativo nº 02054.000451/2015-31, mantendo-se, no mais, a improcedência dos demais pedidos. Redesignação dos honorários sucumbenciais. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
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