Processo nº 5000869-05.2024.4.03.6340
ID: 259419078
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Gabinete JEF de Guaratinguetá
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5000869-05.2024.4.03.6340
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NATHALIA DA SILVA IGLESIAS FERREIRA
OAB/RJ XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5000869-05.2024.4.03.6340 / 1ª Vara Gabinete JEF de Guaratinguetá AUTOR: ADRIANA FLORIANO ALVES …
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) Nº 5000869-05.2024.4.03.6340 / 1ª Vara Gabinete JEF de Guaratinguetá AUTOR: ADRIANA FLORIANO ALVES CURADOR: ANDRE FLORIANO ALVES Advogados do(a) AUTOR: NATHALIA DA SILVA IGLESIAS FERREIRA - RJ245554, REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS S E N T E N Ç A Dispensado o relatório, na forma do art. 38 da Lei n. 9.099/1995 c/c art. 1º da Lei n. 10.259/2001. Trata-se de ação em que ADRIANA FLORIANO ALVES postula, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a concessão do benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência ou idosa (BPC/LOAS). Fundamento e decido. Da prescrição quinquenal Em caso de procedência do pedido, estão prescritas as eventuais parcelas que antecedem ao quinquênio do ajuizamento da ação (v. Súmula 85 do STJ). Do direito ao benefício assistencial O benefício assistencial (BPC/LOAS) é devido à pessoa com deficiência e ao idoso maior de 65 anos de idade, que não tenha condições de prover a própria subsistência nem de tê-la provida por sua família (artigo 203 da Constituição Federal). A regulamentação do benefício deu-se por meio da Lei n. 8.742/1993, que, em seu artigo 20, caput e parágrafos, na redação dada pelas Leis n. 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, exige o preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: a) idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência, sendo considerada deficiência aquela que causa impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas; b) renda per capita do grupo familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo (como se verá, este requisito foi considerado relativo, pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Turma Nacional de Uniformização). Pessoa com deficiência Segundo a redação original da Lei n. 8.742/93 (§ 2º do art. 20), é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. A interpretação desse dispositivo legal que prevaleceu na jurisprudência foi a de que a incapacidade para o trabalho é suficiente para a concessão do benefício (Súmula 29 da TNU: 'Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento'). Na atual redação, introduzida pelas Leis n. 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, é aquela que tem impedimentos de longo prazo (aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. No entanto, a TNU firmou o entendimento no sentido de que 'o magistrado, ao analisar as provas dos autos sobre as quais formará sua convicção, e deparando-se com laudos que atestem incapacidade temporária, deve levar em consideração as condições pessoais da parte requerente para a concessão de benefício assistencial. Malgrado não ser a incapacidade total e definitiva, pode ser considera da como tal quando assim o permitirem as circunstâncias socioeconômicas do Requerente, ou na medida em que este não possuir condições financeiras de custear tratamento especializado. Mesmo porque o critério de definitividade não fora adotado pelo § 2º, do art. 20, da Lei 8.742/93, e um dos pressupostos para a manutenção do benefício assistencial é a avaliação periódica a cada dois anos. A transitoriedade da incapacidade, portanto, não é óbice à sua concessão' (PEDILEF 0505792-88.2010.4.05.8102, Rel. WILSON JOSÉ WITZEL, julgado em 11/03/2015). Nesse sentido, o Enunciado n. 48 da Súmula da TNU, cuja redação foi alterada em 25/04/2019: “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.” Nesse cenário, mesmo nos casos em que exista lei que reconheça a condição de pessoa com deficiência (´Lei n. 12.764/2012, Transtorno do Espectro Autista´, ´Lei n. 14.126/2021, visão monocular´ etc.), a concessão do benefício assistencial de prestação continuada exige a comprovação do impedimento de longo prazo no caso concreto. Finalmente, a ausência de perícia social não caracteriza cerceamento de defesa, conforme estabelece a Súmula 77 da TNU, quando o julgador não constatar a presença de impedimento de longo prazo. Confira-se: DIREITO PREVIDENCIÁRIO E ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) EM GRAU LEVE. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso interposto contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada a pessoa portadora de deficiência, formulado por parte autora diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA) em nível 1 de suporte. A parte recorrente alega enquadramento como pessoa com deficiência para fins legais e cerceamento de defesa devido à ausência de perícia social. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) determinar se a ausência de perícia social configura cerceamento de defesa; (ii) avaliar se a condição de pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) em grau leve atende aos requisitos legais para concessão do benefício assistencial. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A ausência de perícia social não caracteriza cerceamento de defesa, conforme estabelece a Súmula 77 da TNU, uma vez que, no caso, o julgador não constatou a presença de impedimento de longo prazo. 4. O benefício assistencial de prestação continuada exige, nos termos do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 (LOAS), conjugado com o artigo 203 da Constituição Federal, o cumprimento de dois requisitos: condição de deficiência (com impedimentos de longo prazo que obstruam a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições) e hipossuficiência econômica. 5. O Supremo Tribunal Federal, nos Recursos Extraordinários n. 567985 e 580963, declarou inconstitucional o critério de renda familiar mensal inferior a ¼ do salário-mínimo previsto no § 3º do artigo 20 da LOAS, reconhecendo a necessidade de critérios mais flexíveis para aferir a miserabilidade. Contudo, a inexistência de impedimentos de longo prazo inviabiliza o preenchimento do requisito da deficiência. 6. O laudo pericial médico anexado aos autos constatou que a parte autora, diagnosticada com TEA em grau leve, não apresenta impedimentos de longo prazo, conforme definido pelo artigo 20, § 2º, da LOAS, e pela Lei n. 12.764/2012. A avaliação pericial concluiu que a autora possui plenas condições de desenvolver atividades que garantam seu sustento. 7. Apesar de o artigo 1º, inciso II, § 2º da Lei n. 12.764/2012 prever que pessoas com TEA são consideradas deficientes para todos os efeitos legais, o entendimento da TRU e da TNU é no sentido de que a análise da deficiência para fins de concessão do benefício assistencial deve ser baseada na avaliação biopsicossocial, não bastando o simples enquadramento legal. 8. Analogamente, julgados recentes sobre visão monocular reconhecem que o enquadramento legal como deficiência não prescinde da análise concreta de impedimentos e barreiras enfrentadas pelo requerente. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A ausência de perícia social não caracteriza cerceamento de defesa quando não constatados impedimentos de longo prazo. 2. O enquadramento legal como pessoa com deficiência não é suficiente para concessão de benefício assistencial, sendo imprescindível a comprovação de impedimentos de longo prazo que obstruam a participação plena e efetiva na sociedade, conforme avaliação biopsicossocial. 3. O diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) em grau leve, sem comprometimento funcional ou incapacidade laborativa, não atende aos requisitos do artigo 20, caput, e § 2º da LOAS. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 203; Lei n. 8.742/1993, art. 20, §§ 2º e 3º; Lei n. 12 .764/2012, art. 1º, inciso II, § 2º; Súmula 77 da TNU. Jurisprudência relevante citada: STF, RE n. 567985 e RE n. 580963, ambos com repercussão geral; TRU, PUR n. 0001876-49.2021 .4.03.6332, sessão de 27/05/2024. (TRF-3 - RecInoCiv: 50010916020244036311, Relator.: JUIZ FEDERAL RICARDO GERALDO REZENDE SILVEIRA, Data de Julgamento: 14/02/2025, 8ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 20/02/2025) Requisito econômico a) Conceito de família De acordo com o entendimento já uniformizado pela TNU, o conceito de grupo familiar para fins de concessão de benefício assistencial deve ser obtido mediante a interpretação restritiva das disposições contidas no § 1º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993 e no art. 16 da Lei n. 8.213/1991, com as alterações posteriores. A Lei n. 12.435/2011 ampliou o conceito de família previsto na Lei 8.742/1993, para abranger também a madrasta ou o padrasto, na ausência de um dos pais, os irmãos solteiros (de qualquer idade), os filhos e enteados solteiros (de qualquer idade), desde que vivam sob o mesmo teto. Nos termos da Lei, a “família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.” Os filhos casados/em união estável que vivam sob o mesmo teto continuam excluídos do conceito legal, conforme já se interpretava quando vigente a legislação anterior. Não é suficiente que a pessoa não consiga prover sua própria subsistência. Também a família deve ser desprovida de possibilidades, ideia que se coaduna com o disposto nos artigos 229 e 230 da Constituição Federal, de modo que a atuação do Estado deve ser subsidiária. b) Renda per capita e aferição da miserabilidade. A relativização do critério objetivo Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93: “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo (Redação dada pela Lei 12.435/2011).” A verificação objetiva do requisito econômico é apenas um parâmetro, dentre outros, a fim de verificar a situação do requerente. Nessa linha, decidiu o STF, conforme voto do Ministro Gilmar Mendes ao indeferir liminar que pretendia a suspensão do pagamento do benefício, afirmando que: 'O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de ¼ do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição' (STF, Rcl 4374 MC/PE, Medida Cautelar na Reclamação, Min. Gilmar Mendes, Julgamento 01/02/2007, DJ 06/02/2007). Portanto, a miserabilidade, e não necessariamente a renda per capita, deve ser tida como elemento de mais importante na análise nos pedidos de benefício assistencial. Tanto que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 567985, com repercussão geral, decidiu pela inconstitucionalidade do critério econômico, entendendo que não cabia ao Supremo estabelecer novos requisitos para o deferimento de benefícios assistenciais, mas, sim, reconhecer a proteção insuficiente do requisito atualmente em vigor. Consta do Extrato de Ata do referido RE 567985/MT: Decisão: (...) Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 18.04.2013. O Plenário do STF declarou expressamente a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993). Portanto, resta inconstitucional o critério econômico objetivo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes (renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo). Na decisão do Supremo, não houve modulação de efeitos e não houve fixação de prazo para nova regulamentação pelo legislador. Considerou-se, também, que não cabia ao Supremo estabelecer novos requisitos para o deferimento de benefícios assistenciais, mas, sim, reconhecer a proteção insuficiente do requisito atualmente em vigor. (grifei) Estabeleceu a ementa do referido julgado: (...) O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critério objetivo. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013 RAC-MIN-GILMAR MENDES). (grifei) Não houve, em verdade, alteração substancial da interpretação jurisprudencial que vinha sendo adotada pela TNU e pelo STJ: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MENOR DEFICIENTE. RENDA FAMILIAR PER CAPITA SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. MISERABILIDADE AFERIDA NO CASO CONCRETO. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 576.985/MT, RE 580.963/PR E RECL 4.374/PE. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI 8.742/93 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DO ESTATUTO DO IDOSO. ENTENDIMENTO DO STJ EM PROCESSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (RESP N. 1.112.557/MG). INCIDENTE PROVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESTABELECIDA. 1. (...) 2. Com razão o autor. A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial repetitivo (REsp 1.112.557/MG, DJ 20-11-2009), uniformizou o entendimento de que é possível a aferição da condição de hipossuficiência econômica do idoso ou do portador de deficiência, por outros meios que não apenas a comprovação da renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Assim, é permitido ao julgador, dada as peculiaridades de cada caso, fazer uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a hipossuficiência da parte autora e de sua família. 3. Ademais, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Reclamação 4.374/PE e dos Recursos Extraordinários 567.985/MT e 580.963/PR, concluído em 18-4-2013, declarou a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93 e do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso. Dessa forma, não havendo mais critério legal para aferir a incapacidade econômica do assistido, a miserabilidade deverá ser analisada em cada caso concreto. 4. No caso em exame, é de se constatar que o acórdão recorrido, ao reformar os termos da sentença, divergiu do posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, já que desconsiderou a condição de miserabilidade do autor, negando, por conseguinte, o pagamento do benefício assistencial, simplesmente em razão de a renda familiar ter superado o limite estabelecido no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93. Frisa-se que o aresto impugnado, ao contrário do que fez a sentença monocrática, ignorou a presença de outros fatores caracterizadores da condição de hipossuficiência. 5. (...) (PEDILEF 05023602120114058201, JUIZ FEDERAL GLÁUCIO FERREIRA MACIEL GONÇALVES, DOU 21/06/2013). No STJ, em julgamento de recurso representativo da controvérsia (art. 543-C do CPC), ratificando 'que a renda per capita familiar não é a única forma de aferir a incapacidade de uma pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família’: REsp 1392528/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 17/09/2013; STJ, AgRg no AREsp 380.922/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 18/09/2013. Adequando a legislação à jurisprudência pacificada, a Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), alterou a redação do § 11, do art. 20 da Lei n. 8.742/1991, para fixar que poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. Em termos práticos, o juiz, em cada caso concreto, poderá verificar, por outros meios, e não apenas pelo critério objetivo de renda, o preenchimento do requisito econômico. Feita esta análise geral do atual quadro jurisprudencial, para aferição da miserabilidade, adoto o seguinte raciocínio: 1. Se a renda per capita for zero ou inferior a 1/4 do salário mínimo, há, em princípio, direito subjetivo ao benefício, ressalvadas situações excepcionalíssimas de prova indubitável de desnecessidade. Isso porque, conforme consolidado pela TNU, não há presunção absoluta de miserabilidade, de modo que a renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo gera uma presunção relativa, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova (PEDILEF: 5000493-92.2014.4.04.7002, julgado em 14.04.2016). Nesta hipótese, o indeferimento do benefício desafia argumentação concreta e explícita, exigindo-se do julgador um maior ônus argumentativo. 2. Renda igual ou superior a ¼ demandará, para o deferimento, a demonstração da condição concreta da miserabilidade, em harmonia com o mais recente entendimento do STF. Lembro que do inteiro teor do acórdão lavrado no RE 567.985/MT, extrai-se que o STF não estabeleceu um novo critério de aferição da miserabilidade, tampouco o fixou em ½ salário mínimo. A Corte superou a tese da intransponibilidade do requisito financeiro fixado objetivamente pelo art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, cuja inconstitucionalidade fora declarada. c) Composição da renda. Verbas a serem excluídas Para fins de apuração da renda bruta familiar, devem ser desconsiderados da base de cálculo da renda bruta familiar: c.1. O BPC/LOAS recebido por idoso/pessoa com deficiência e o benefício previdenciário de valor mínimo recebido por idoso/pessoa com deficiência Importa referir parte do voto do Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do RE 567.985 e do RE 580963, em que assentou a necessidade de superação do critério restritivo do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, que prevê a exclusão do cômputo da renda 'per capita' do grupo familiar de outro LOAS recebido por idoso, como forma de afastar a quebra da isonomia inserta na lei ao impedir a exclusão de outros rendimentos de valor mínimo decorrentes de benefícios previdenciários ou de outro LOAS recebido por pessoas com deficiência: Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. (...) 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013). (grifei) Assim, embora a norma mencionada faça menção apenas à hipótese do benefício referido em seu caput (assistencial), em atenção ao princípio da isonomia, deve ser também observada nos casos de qualquer benefício de valor mínimo, seja assistencial seja previdenciário, pago a idoso ou deficiente. Cabe registrar, porém, que, conforme entendimento da TNU, se a renda no valor de um salário mínimo auferida por determinado membro do grupo não deve ser incluída no montante global para fins de cálculo do valor per capita, este membro deve ser excluído do número de membros do grupo familiar, que constituirá o divisor da renda restante, porquanto seu sustento se encontra garantido pelo benefício percebido (PEDILEF 2008.70.51.002814-8/PR, DJ 25.5.2010). Quanto à percepção de benefício por idoso ou deficiente em valor superior a um salário mínimo, o entendimento jurisprudencial não admite sua exclusão, nem quando o benefício tem valor muito próximo ao mínimo. Por fim, cabe aqui reiterar o entendimento da TNU no sentido de que a renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo gera presunção relativa de miserabilidade, que deve ser afastada caso se verifique no caso concreto a ausência de vulnerabilidade social. Este é o entendimento que mais se coaduna à jurisprudência do STF, que afastou a intransponibilidade do requisito objetivo, atribuindo maior relevância à existência efetiva da miserabilidade, que deve ser aferida caso a caso. Assim, com ainda mais razão, a renda per capita ficta (decorrente da aplicação do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso) inferior a ¼ do salário mínimo não assegura, por si só, o direito ao benefício. Porém, repise-se, nesses casos de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, o indeferimento do benefício desafia argumentação concreta e específica, exigindo-se do julgador um maior ônus argumentativo. c.2. Bolsa Família Os valores provenientes do programa Bolsa Família não devem ser computados para fins de cálculo da renda familiar por pessoa no caso de pedido de benefício assistencial BPC/LOAS (art. 4º, VI e § 2º, II, do Decreto n. 6.214/2007). c.3. Auxílio eventual de terceiros A TNU já decidiu que não é razoável descaracterizar o estado de miserabilidade para fins de concessão de benefício assistencial com base no auxílio econômico voluntário, eventual e incerto, recebido de terceiros não pertencentes ao núcleo familiar (na concepção da Lei 8.742/93); a não ser que se trate de parente obrigado a prestar alimentos por força de lei e em condições de fazê-lo (binômio necessidade-possibilidade). A Lei n. 8.742/1993 enumera as pessoas que devem ser consideradas integrantes do núcleo familiar para efeitos da composição da renda do grupo, e o dispositivo deve ser interpretado de forma restritiva. Justamente por não integrarem o núcleo familiar, também não se pode computar a ajuda excepcional feita por parentes, à exceção daqueles que estão obrigados a prestar alimentos por força de lei, como componente regular da renda familiar, para fins de aferição da miserabilidade, sob pena de se desnaturar o conceito de família estabelecido na legislação vigente. O fato de a parte autora estar recebendo ajuda de parentes/amigos, em vez de contrariar a presunção de miserabilidade, na verdade, a confirma. De uma maneira geral, somente aquele que efetivamente está em situação financeira precária é que aceita ajuda de parentes e amigos para prover suas necessidades mais básicas, pois, à toda evidência, se possuísse meios de manter-se por si só, até por uma questão de dignidade, não recorreria a ajuda terceiros. Portanto, deve ser analisada a forma como o auxílio é prestado, bem como a sua regularidade (PEDILEF5001403-91.2011.4.04.7013). Caso concreto O impedimento de longo prazo da parte autora foi reconhecido pelo INSS na esfera administrativa. Intimado (ID345846814), o INSS não apresentou impugnação específica e fundamentada quanto ao preenchimento do requisito da "deficiência" neste processo judicial. Logo, está preenchido o requisito "deficiência". Quanto ao requisito "econômico", faço as seguintes considerações. Foi realizado estudo socioeconômico (ID 340382789). A família em análise tem a seguinte composição: parte autora, genitora e irmão. A renda familiar mensal bruta declarada foi de R$ 2.872,00. Ainda que seja desconsiderado o benefício da genitora da parte autora, por ser pessoa idosa com mais de 65 anos e receber benefício de 1 salário mínimo, o valor do benefício do irmão da parte autora deve ser considerado. Desse modo, a renda familiar mensal bruta por pessoa é superior a 1/4 do salário mínimo. Diante dessa renda superior, não há presunção de miserabilidade. A família reside em imóvel alugado. As fotografias anexas ao laudo socioeconômico ilustram que a família vive com muita simplicidade. No entanto, como a renda familiar mensal per capita alcança 1/2 salário mínimo (considerando apenas a remuneração do irmão e dividido entre ele e a irmã), não se mostra possível o reconhecimento da miserabilidade. Não vislumbro, dessa maneira, a possibilidade de outorgar o benefício assistencial, visto que a família da parte autora, que tem a obrigação lhe de prestar alimentos, nos termos do art. 203 da CF e arts. 1.696 e 1697 do Código Civil, ao que consta dos autos, possui condições de fazê-lo. Assim, embora o Estado brasileiro esteja comprometido com o amparo às pessoas necessitadas, o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal consiste em responsabilidade estatal subsidiária: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Ainda, o benefício pleiteado nos autos não se destina à complementação da renda familiar ou a trazer maior conforto ao beneficiário. Veja-se: (...) o benefício de prestação continuada não se dirige àqueles que se encontram em posição de pobreza, mas aos submetidos à condição de miséria, indigência ou extrema pobreza. Isto porque, o benefício de prestação continuada serve para resgatar a pessoa da miséria e não para complementar sua renda (RECURSO INOMINADO CÍVEL N. 5001625-82.2022.4.03.6340, sessão realizada em 17/06/2024) A generosidade estatal desenfreada, conquanto vazada em decisões judiciais, tem um elevado custo social: alimenta sem justa causa o déficit orçamentário previdenciário, o qual, por sua vez, ou se transforma em vetor inflacionário ou em elevação da carga tributária. Qualquer desses resultados atinge negativamente a todos, mas principalmente aos menos favorecidos, que passam a viver num país em que viceja a mentalidade de “encostar no Estado”, em detrimento do dinamismo econômico (que não precisa ser sinônimo de injustiça social). Não se está a dizer que o Estado não deve assistir os desvalidos. Muito ao contrário: deve fazê-lo, e de uma forma muito melhor do que a atual. Mas muito diferente disto é distribuir benefícios sem maior critério ou elastecendo além da conta juridicamente possível seus requisitos. A concessão indiscriminada prejudica justamente os mais necessitados, que recebem uma assistência minguada e de baixa qualidade. (André Mendes – Procurador da República). (Recurso Inominado, Processo n. 0000073-17.2015.4.03.6340, Rel. Juiz Federal Márcio Rached Millani, j. 17/02/2016) (...) mas, sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei” (AC 200303990319762, DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, TRF3 - NONA TURMA, DJU DATA:26/01/2006 PÁGINA: 545) Sendo assim, a parte autora não tem direito ao benefício assistencial buscado na presente demanda. DISPOSITIVO Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido (artigo 487, I, do CPC). Sem custas e honorários advocatícios nesta instância judicial, a teor do art. 1º da Lei n. 10.259/2001 c/c. o art. 55, caput da Lei n. 9.099/1995. Após o trânsito em julgado, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Intimem-se. Guaratinguetá/SP, data da assinatura eletrônica do(a) magistrado(a).
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