Processo nº 0259105-39.2024.8.06.0001
ID: 310489822
Tribunal: TJCE
Órgão: 17ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0259105-39.2024.8.06.0001
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ELIDA CRISTINA DE LIMA MARTINS
OAB/PB XXXXXX
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GABINETE DA 17ª VARA CÍVEL DE FORTALEZA (SEJUD 1º Grau)Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, nº 220, Água Fria - CEP 60811-690, Fone: (85) 3108-0396, Fortaleza-CE - E-mail: for.17civel@tjce…
GABINETE DA 17ª VARA CÍVEL DE FORTALEZA (SEJUD 1º Grau)Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, nº 220, Água Fria - CEP 60811-690, Fone: (85) 3108-0396, Fortaleza-CE - E-mail: for.17civel@tjce.jus.br SENTENÇA Processo nº: 0259105-39.2024.8.06.0001 Apensos: [] Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Assunto: [Práticas Abusivas] Requerente: KAIQUE SOUZA DA ROCHA Requerido: PROMOVE ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA Vistos em inspeção. I. RELATÓRIO Trata-se de ação de rescisão contratual movida por KAIQUE SOUZA DA ROCHA em face de PROMOVE ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA. Na petição inicial, o autor alegou em síntese, que: a) procurou a requerida para contratar um consórcio; b) o preposto da ré apresentou o produto como uma carta contemplada de consórcio, afirmando que a autora seria contemplada na primeira assembleia, bastando efetuar o depósito de R$ 2.591,06 (dois mil, quinhentos e noventa e um reais e seis centavos); c) o requerente foi enganado, pois assinou o contrato 1547897, mas foi enganado, já que não recebeu o valor prometido e não conseguiu recuperar a quantia paga de entrada. Requereu a rescisão do contrato, a devolução imediata de todo o valor pago pela parte autora, bem como o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Com a inicial vieram cópias dos seguintes documentos: declaração de hipossuficiência financeira, documentos pessoais, boletim ocorrência, comprovante de transferência e proposta de participação em grupo de consórcio (ID's 122763496 à 122763501). Contestação da parte requerida (ID 122763483), alegando em síntese, que: a) preliminarmente, o benefício da gratuidade judiciária não deve ser concedido ao promovente, pois não foi comprovada a sua hipossuficiência financeira para o custeio das despesas processuais; b) preliminarmente, o valor da causa deve ser fixado na quantia de R$ 41.396,50 (quarenta e um mil, trezentos e noventa e três reais e cinquenta centavos); c) preliminarmente, o autor não possui interesse de agir, pois os consorciados desistentes participarão do sorteio mensal para ressarcimento dos valores pagos, bem como não buscou resolver extrajudicialmente o problema; d) no mérito, o autor consentiu com todas as informações recebidas, deixando claro sua vontade de contratar uma conta de consórcio junto a empresa; e) não há vício no consentimento; f) não praticou ato ilícito capaz de causar dano moral; f) a parte autora litiga de má-fé ao tentar alterar a verdade dos fatos. Requereu o acolhimento das preliminares e/ou a total improcedência dos pedidos formulados na peça inicial. Com a contestação vieram cópias dos seguintes documentos: atos constitutivos, procuração, carta de preposto, proposta de participação em grupo de consórcio, tela sistêmica, link de arquivo, transcrição de arquivo e certidão do BCB (ID's 122763489 à 122763482). Réplica do autor (ID 129730337), reiterando os termos da peça inicial. Intimadas as partes para especificarem as provas que pretendiam produzir, a parte requerida apresentou interesse na realização de audiência de instrução (ID 130927054). A parte autora requereu o julgamento antecipado da lide e o acolhimento dos pedidos iniciais em sua integralidade (ID 157190981). É o relatório. Passo a decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO DA PRELIMINAR DE IMPUGNAÇÃO A GRATUIDADE JUDICIÁRIA AUTORAL Argumenta o promovido que a parte autora não faz jus aos benefícios da gratuidade judiciária, haja vista possuir rendimentos que lhe retiram da qualidade de pobre nos termos da lei. Sobre o tema, o art. 99, §3º, do CPC, garante presunção de veracidade a declaração de hipossuficiência deduzida por pessoas naturais: "Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. § 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural." No caso concreto, inexistem elementos nos autos que façam prova em contrário da hipossuficiência financeira deduzida pelo demandante, ônus que incumbia ao promovido, razão pela qual o benefício da gratuidade judiciária concedido deve ser mantido. Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada. DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR A promovida aduz que a autora não buscou a resolução da questão discutida nos presentes autos pela via administrativa, sendo necessário reconhecer a inépcia da peça inicial, para determinar a extinção do processo sem resolução de mérito pelo acolhimento da respectiva preliminar, com fulcro no art. 485, VI, do CPC/2015. Outrossim, aduz que o autor não possui interesse de agir, pois a desistência do consorciado incide na devolução dos valores pagos ao final do grupo. Primeiramente, destaco que a inicial foi instruída corretamente, com todos os documentos necessários e indispensáveis para propositura da demanda (procuração, carteira de identidade, etc), nos termos do art. 319 e 320 do CPC/2015, de modo que a prévia tentativa de resolução do conflito é completamente prescindível e não constitui requisito para propositura da demanda, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/1988). Ademais, a forma de restituição dependerá da análise do próprio mérito da demanda, sendo cristalino o interesse de agir do autor. Por conseguinte, indefiro a preliminar suscitada. DA PRELIMINAR DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA O valor da causa foi fixado com base na quantia que o autor pretende obter a título de danos materiais e danos morais, nos termos do art. 292, V e VI, do CPC, inexistindo irregularidade a ser sanada. Isto posto, indefiro a preliminar suscitada. DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE É caso de julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do CPC/15, na medida em que a demanda não exige maiores esforços probatórios além daqueles já repousantes nos autos. DO MÉRITO O requerente pleiteia a rescisão do contrato de consórcio pactuado entre as partes (Grupo 198, Cota 382, contrato nº 1547897), com o reconhecimento de que houve propaganda enganosa por parte da ré e a consequente condenação da promovida a restituir o valor de R$ 2.591,06 (dois mil, quinhentos e noventa e um reais e seis centavos), devidamente corrigido, bem como a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais.). Primeiramente, é imprescindível destacar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, uma vez que o autor e a requerida ocupam, respectivamente, a posição de consumidor e prestadora de serviços, nos termos dos arts. 2º e 3º do CDC. Não obstante isso, a inversão do ônus probatório previsto no art. 6º, VIII, do diploma consumerista, não é aplicável ao caso vertente, eis que somente caberia a referida inversão ope judicis, quando verificada a presença da verossimilhança das alegações ou sua hipossuficiência para a produção da referida prova, o que não se depreende do caso em tela. Ademais, no caso dos autos, a parte promovente juntou nos ID's 122763497 à 122763501, documentação referente ao consórcio aderido. Por sua vez, a parte promovida juntou a documentação ID's 122763488 e 122763487, também referente ao negócio jurídico. Pelo que consta dos autos, é incontroverso que as partes celebraram contrato de consórcio. O autor afirma que aderiu ao contrato em razão da promessa da vendedora de que seria contemplado na primeira assembleia, tendo sido essa proposta crucial para a sua adesão, segundo sua versão. A requerida, por seu turno, afirma que proporcionou ao autor o mais amplo acesso a todas as informações concernentes ao objeto pactuado, em consonância com a legislação consumerista. Aduz que "Naquele contato, a funcionária da empresa repassou com à parte autora as principais características do contrato de consórcio, informando-a da forma de liberação do crédito (sorteio ou lance) e da impossibilidade de garantir a data da contemplação dentre outros pontos relevantes do contrato, tendo a parte autora consentido com todas as informações recebidas, deixando claro sua vontade expressa de contratar uma cota de consórcio junto a empresa. (fl. 10 do ID 122763483)". Sustenta que o demandante não pode se valer da ignorância das cláusulas que orientam o contrato de adesão por ele pactuado. Isto posto, é imprescindível destacar a ausência de indícios de que a vendedora tenha prometido a contemplação na forma narrada na inicial. A parte autora não fez sequer uma única prova de suas meras alegações, deixando de fazer prova de conversas com o preposto da requerida para demonstrar que recebeu a proposta nos termos que narra na peça exordial. Pelo contrário, a única prova que se tem nos autos de conversas entre o autor e um preposto da requerida, qual seja, a transcrição de ID 122763487, revela que em momento algum foi prometido ao autor a contemplação na primeira assembleia do grupo. A mensagem da vendedora sobre a questão da contemplação no consórcio segue abaixo: FUNCIONÁRIA: Sua cota poderá ser contemplada desde a primeira assembleia, assim como nas assembleias no decorrer do grupo, e não temos como garantir a data exata que ocorrerá essa contemplação. Está ciente? KAIQUE: Sim. Outrossim, há previsão expressa na cláusula 16 da proposta assinada pelo promovente: "16. 16. O CONSORCIADO DECLARA QUE RECEBEU UMA VIA DA PROPOSTA E O REGULAMENTO POR E-MAIL, E UMA VEZ QUE LHE FORAM FRANQUEADOS OS ESCLARECIMENTOS NECESSÁRIOS, NÃO RESTANDO QUALQUER DÚVIDA PENDENTE, MANIFESTA NESTA OPORTUNIDADE SUA CONCORDÂNCIA COM TODOS OS SEUS TERMOS. 17. O consorciado declara que foi devidamente informado que as únicas formas de contemplação são SORTEIO ou LANCE, e que NÃO RECEBEU QUALQUER PROMESSA DE CONTEMPLAÇÃO ANTECIPADA. - ID 122763488. As cláusulas 8.1 à 8.4 tratam da desistência e restituição dos valores pagos: 8.1. O CONSORCIADO SERÁ EXCLUÍDO DO GRUPO: a) se deixar de cumprir com suas obrigações financeiras correspondentes a 2 (duas) prestações mensais, consecutivas ou não, ou montante equivalente, desde que não contemplado; e b) se desistir de participar do Grupo, mediante requerimento à ADMINISTRADORA. 8.2. Na hipótese de exclusão do CONSORCIADO, ACORDAM OS CONTRATANTES que o CONSORCIADO pagará uma multa por infração contratual à ADMINISTRADORA, no valor de 10%(Dez por cento) deduzida da quantia a lhe ser restituída, referente à indenização prevista no Código de Defesa do Consumidor, art. 52, § 2º. 8.3. O CONSORCIADO excluído não terá restituídas as quantias pagas relativas ao prêmio de seguro, taxa de administração e taxa de administração antecipada, mas sim e somente o valor pago ao FUNDO COMUM, e se for o caso, ao FUNDO DE RESERVA, deduzida a multa prevista no item anterior, quando de sua contemplação, respeitada a disponibilidade de caixa e na forma do disposto nos ítens seguintes. 8.4. O crédito do CONSORCIADO excluído será apurado aplicando-se o percentual amortizado relativo ao valor da carta de crédito, vigente na data da Assembléia Geral em que ocorrer a contemplação, cujo montante apurado será acrescido dos rendimentos obtidos da respectiva aplicação financeira até a data anterior a restituição. Quanto à contemplação o regulamento do consórcio assim prevê na cláusula 11.2 (ID 122763488): 11.2. A CONTEMPLAÇÃO SÓ SERÁ EFETUADA POR LANCE E SORTEIO PARA OS CONSORCIADOS ATIVOS, E EXCLUSIVAMENTE POR SORTEIO PARA OS CONSORCIADOS EXCLUÍDOS. Assim, considerando que o regulamento prevê expressamente somente a contemplação por sorteio ou lance, não se vislumbra qualquer expectativa, promessa ou garantia de contemplação na forma que o demandante narra em sua pretensão. A preposta da ré não confirma expressamente qualquer garantia de contemplação. Com efeito, ainda que fosse o caso de incorrer em suposta promessa de imediata contemplação exarada pela preposta da demandada, o que teria, em tese, induzido o promovente em erro, bastaria o demandante simplesmente confrontar a informação então repassada com as cláusulas previstas no contrato assinado, cujas assertivas são diametralmente opostas, não se olvidando o pleno conhecimento pelo autor, eis que juntadas pelo próprio promovente aos autos. Ora, havendo discrepâncias entre aquilo que foi informado verbalmente e as cláusulas contratuais expressamente previstas no termo contratual, caberia ao consorciado, no mínimo, questionar à preposta da administradora do consórcio sobre as distorções percebidas entre o que foi informado e o que realmente constou no contrato antes de assinar o termo de adesão e efetuar o pagamento. Destaco que a parte autora sabe ler e escrever, tendo em vista a ausência de prova em sentido contrário, sendo capaz, portanto, de compreender o conteúdo claro e expresso do contrato que aderiu. Destarte, não pode o autor alegar desconhecimento do contrato, quando era sua obrigação de conhecê-lo antes de assiná-lo, visto que a ele se obrigaria. Em casos análogos, colho da jurisprudência pátria: Apelação cível. Ação de rescisão contratual. Contrato de consórcio. Vício de consentimento. Não comprovado. Cláusulas expressas. Na ausência de provas suficientes a comprovar que o consorciado somente aderiu ao contrato em razão de promessa de contemplação imediata ou antecipada, não há que se falar em vício de consentimento, mormente quando o consumidor tinha plena ciência das cláusulas contratuais. APELAÇÃO CÍVEL, Processo nº 7011467-47 .2023.822.0005, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Cível, Relator (a) do Acórdão: Juiz Jorge Luiz de Moura Gurgel do Amaral, Data de julgamento: 15/10/2024 (TJ-RO - APELAÇÃO CÍVEL: 70114674720238220005, Relator.: Juiz Jorge Luiz de Moura Gurgel do Amaral, Data de Julgamento: 15/10/2024, Gabinete Des. Raduan Miguel) APELANTE: ALEXANDRE FRANCISCO DOS SANTOS APELADO: MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS POR PRÁTICA DE PUBLICIDADE ENGANOSA CUMULADA COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO - CONSÓRCIO - PROMESSA/GARANTIA DE CONTEMPLAÇÃO IMEDIATA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - PUBLICIDADE ENGANOSA PRATICADA PELA DEMANDADA - MERAS ALEGAÇÕES - INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO - RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES PAGOS - IMPOSSIBILIDADE - DANO MORAL - INOCORRÊNCIA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O contratante de consórcio não pode alegar que houve promessa de contemplação imediata, pois, esse ato violaria a norma que dispõe sobre o Sistema de Consórcio, portanto, existem apenas duas formas de contemplação em consórcio - lance ou sorteio, conforme previsão do § 1º do art. 22 da Lei 11 .795/2008. 3. Quando não demonstrada, ainda que minimamente, que houve prática de publicidade enganosa, vício de consentimento e nem falha na prestação dos serviços contratados, fica afastado o dever de indenizar. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10077158420238110003, Relator.: SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Data de Julgamento: 18/06/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/06/2024) Assim, pelos documentos juntados à inicial, não há como concluir pela culpa da administradora requerida pela não contemplação imediata do requerente quando não há qualquer elemento a corroborar a referida alegação. Quanto aos valores pleiteados a título de restituição, a parte autora não é obrigada a permanecer no grupo de consórcio, sendo possível a sua retirada e a rescisão do contrato, nos termos a seguir. Na proposta e no contrato há previsão expressa de restituição dos valores. No caso em tela, o contrato foi celebrado após o advento da Lei nº 11.795/2008. Com efeito, não se vislumbra qualquer determinação legal no sentido de que o consorciado desistente ou excluído do grupo terá tratamento preferencial no recebimento das parcelas eventualmente pagas. Seria incongruente proceder a devolução das parcelas pagas àquele que desistiu ou foi excluído do consórcio, enquanto pendente de contemplação outros consorciados que ainda permanecem no grupo aguardando serem contemplados. No contrato em tela, há possibilidade de restituição ao desistente por contemplação em sorteio ou após o encerramento do grupo. Assim, não vislumbro a eventual abusividade, ilegalidade ou irregularidade da administradora do consórcio em proceder a devolução dos valores pagos pelo consorciado, após a sua contemplação por sorteio ou após o encerramento do grupo, conforme previsto na lei de regência e consoante entendimento sedimentado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONSÓRCIO. DESISTÊNCIA. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS PELO CONSORCIADO.ENCERRAMENTO DO GRUPO. APLICAÇÃO DA TESE FIXADA EM SEDE DE REPETITIVOSINCLUSIVE EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS CELEBRADOS SOB A VIGÊNCIA DA LEI11.795/08. PRECEDENTE (RCL 16.390/BA). 1. "É devida a restituição de valores vertidos por consorciado desistente ao grupo de consórcio, mas não de imediato, e sim em até trinta dias a contar do prazo previsto contratualmente para o encerramento do plano." (REsp 1.119.300/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe27/08/2010) 2. Pretensos defeitos na prestação dos serviços. Ausência de clara indicação das referidas falhas desde a inicial. Pretensão de mero desligamento. Atração do enunciado 7/STJ. 3. Atualização. Ausência de prequestionamento do quanto disposto no art. 30 da Lei 11.795/08. Atração do enunciado 282/STF. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO'. (STJ, AgInt no REsp1689423/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2019, DJe 30/08/2019) Dessa maneira, improcede o pedido do autor para condenar o réu ao pagamento imediato de suas cotas consorciais diante de sua desistência. Por sua vez, a parte promovida alega que são devidas a taxa de administração, taxa de administração antecipada, o fundo de reserva e a cobrança de seguro. Também alega que faz jus ao pagamento da cláusula penal. Necessário, pois, definir o valor devido a título de restituição. O desligamento, por óbvio, impõe à administradora o dever de restituir ao consorciado as parcelas pagas (observando-se, conforme será abordado, as deduções cabíveis). Isso porque a saída do consorciado do grupo a que aderiu acarreta a dissolução da relação jurídica que se estabeleceu entre as partes; sendo necessário o restabelecimento do status quo, sob pena, em última instância, de enriquecimento sem causa por parte da administradora. Quanto às deduções, cumpre inicialmente observar que o consórcio consubstancia uma reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas, em um grupo fechado - intermediada por uma administradora - objetivando proporcionar a cada um dos integrantes a obtenção dos recursos necessários para aquisição de bem, por meio de autofinanciamento. Nos termos da Lei 8.177/91, compete ao Banco Central do Brasil a responsabilidade pela autorização e fiscalização das administradoras de consórcio que operam no país, bem como pela normatização de suas operações. No exercício de tal incumbência, o BACEN editou a Circular2.766/97, que estabelece em seu artigo 12: "Os consorciados obrigam-se a pagar prestação cujo valor será a soma das importâncias referentes ao fundo comum e a taxa de administração, observado que esses valores devem ser identificados também em percentual do preço do bem, conjunto de bens ou serviço turístico referenciado no contrato de adesão, e demais obrigações financeiras previstas naquele contrato, na forma estabelecida no mesmo". No que diz respeito a cobrança de multa contratual com base em cláusula penal compensatória, a jurisprudência do STJ estabelece que na hipótese de desistência do consumidor, compete à administradora de consórcios a prova de que a saída do consorciado acarretou prejuízo aos demais participantes, sob pena de não poder descontar, dos valores a serem restituídos, a cláusula penal: "a possibilidade de se descontar dos valores devidos percentual a título de reparação pelos prejuízos causados ao grupo (art. 53 , § 2º , do CDC ) depende da efetiva prova do prejuízo sofrido, ônus que incumbe à administradora do consórcio." ( REsp 871.421/SC , Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 11/3/2008, DJe de 1º/4/2008). No caso concreto, a promovida deixou de produzir arcabouço probatório mínimo de que a saída do promovente acarretou prejuízo ao grupo de consórcio, ônus que lhe incumbia (art. 373, II, do CPC), tornando inviável a cobrança da multa pela de desistência do consorciado. Ainda quanto à taxa de administração, conforme o disposto na Sumula 538 do STJ: "As administradoras de consórcio têm liberdade para fixar a respectiva taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei nº 8.177/91 e da Circular nº 2.766/97 do Banco Central, não havendo falar em ilegalidade ou abusividade da taxa contratada superior a 10%"(REsp 1114604/PR e REsp 1114606/PR, Rel.Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em13/06/2012, DJe 20/06/2012) Embora o art. 27, § 3º, da Lei 11.795/08, autorize a cobrança da taxa de administração de forma antecipada, o valor total devido pelo consorciado deve ser proporcional ao tempo de sua permanência. Nesse sentido: APELAÇÃO CONSÓRCIO PEDIDO DE DESISTÊNCIA DECLARAÇÃO DOS EFEITOS 1. MULTA CONTRATUAL. ABUSIVIDADE PARCIAL JÁ DECLARADA PELA SENTENÇA. MEDIDA SUFICIENTE PARA RESGUARDAR OS DIREITOS DA AUTORA AO TEMPO DO ENCERRAMENTO DO GRUPO E PAGAMENTO DOS VALORES DEVIDOS À DESISTENTE. 2. A DESISTÊNCIA DA CONSORCIADA CONDUZ À POSSIBILIDADE DE RETENÇÃO DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO PROPORCIONAL AO TEMPO EM QUE ESTEVE VINCULADO AO GRUPO, E NÃO INTEGRAL E ANTECIPADAMENTE, POIS SE TRATA DE RECEITA VINCULADA À EFETIVA ADMINISTRAÇÃO DO GRUPO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Cível 1002037-29.2018.8.26.0009; Rel.Edgard Rosa; 22a Câmara de Direito Privado; j. 13/11/2020) Irrelevante que o consorciado tenha se afastado do grupo, de maneira voluntária ou involuntária. O que importa é que os serviços de administração foram realizados, favorecendo o consorciado até a sua desistência. O Consórcio, por ocasião da devolução dos valores pagos pelo autor, deve proceder, portanto, o cálculo proporcional da taxa de administração em relação ao período de efetiva vinculação do consorciado. Ademais, ao proceder a devolução, não poderá a ré reter quaisquer valores a título de multa contratual. O percentual de retenção deverá ser incidente sobre a quantia efetivamente paga e não sobre o valor total do bem objeto do contrato, pois fixar o valor do bem como parâmetro para incidência da taxa é criar condição excessivamente onerosa, desproporcional e abusiva ao consumidor. Quanto ao pedido de dedução do valor referente ao seguro prestamista, a jurisprudência é pacífica no sentido de sua possibilidade. Nesse sentido: Ação de rescisão contratual c.c. restituição de parcelas pagas. Improcedência. Consórcio. Desistência. Contrato posterior à Lei 11.795/2008. Ausência de culpa das rés pela desistência da autora. Devolução das parcelas pagas, descontado o valor correspondente à taxa de administração e ao seguro. Cláusula penal. Multa compensatória. Indevida. Ausente comprovação de prejuízo. Incidência de correção monetária nos termos da Súmula nº 35 do E. STJ pelos índices da Tabela Prática do TJSP, desde cada desembolso. Juros moratórios devidos a partir do momento em que exigível a devolução das prestações. Recurso provido em parte". (TJSP; Apelação Cível 1003355-79.2019.8.26.0666; Relator (a): Cauduro Padin; Órgão Julgador: 13a Câmara de Direito Privado; Foro de Artur Nogueira - Vara Única; Data do Julgamento: 25/11/2020; Data de Registro: 25/11/2020). CONSÓRCIO Seguro Valor que deve ser abatido do total a ser devolvido ao consorciado Recursos nesta parte providos. [...](Ap. Civel nº 1001398-39.2016.8.26.0572; Relator (a): J. B. Franco de Godoi; Comarca: São Joaquim da Barra; Órgão julgador: 23a Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 23/02/2017; Data de registro: 23/02/2017) Por fim, a correção monetária é devida desde cada desembolso, nos moldes da Súmula 35 do STJ, "incide correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição, em virtude da retirada ou exclusão do participante de plano de consórcio". Nessa esteira, inexiste óbice ao reconhecimento da rescisão do contrato, com a restituição dos valores na forma acima explicitada. No que diz respeito ao pedido do promovente de condenação da requerida ao pagamento de indenização por dano moral, destaco o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho: "(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (...)" (in Programa de Responsabilidade Civil - 13. Ed. - São Paulo: Atlas, 2017, p. 93). Nessa esteira, não há prova de que o autor sofreu abalo psicológico apto a caracterizar o dano extrapatrimonial, quando ausente provas concretas da suposta aflição, angústia e desequilíbrio ao bem-estar suportados pelo requerente. Sequer restou demonstrada a prática de um ato ilícito capaz de resultar no dano. Isto posto, não há que se falar em condenação da promovida ao pagamento de indenização por danos morais, pois o autor não desincumbiu-se minimamente do seu ônus probatório (art. 373, I, do CPC). Por fim, deixo de condenar o autor ao pagamento de multa por litigância de má-fé, pois não demonstrada conduta maliciosa do demandante capaz de caracterizar ato contrário a boa-fé esperada pelo participante do processo judicial. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar a ré a restituir o autor, no prazo de até 30 dias contados do encerramento do grupo de consórcio ao qual estava vinculado, caso ele não seja contemplada em sorteio, os valores por ele pagos, deduzindo-se apenas a taxa de administração proporcional e o prêmio de seguro. O valor de cada parcela deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC, desde cada desembolso e computando-se os juros moratórios no valor de 1%, a partir do 31º dia após o encerramento do grupo, data em que o Consórcio será constituído em mora, caso o grupo ainda esteja em andamento. JULGO IMPROCEDENTES os demais pedidos, e extingo o presente feito. Considerando a sucumbência recíproca, devem repartidas as despesas processuais na proporção de 1/2 para cada parte, nos termos do art. 86 do CPC, ficando suspensa a exigibilidade em face do autor, na forma do art. 98, §3º, do CPC. Condeno o autor ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez) por cento sobre o valor do pedido de indenização por danos morais, ficando suspensa a exigibilidade em face da gratuidade judiciária deferida, na forma do art. 98, §3º, do CPC. Condeno o promovido ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez) por cento sobre o valor da condenação, que devem revertidos em favor do FAADEP. Ficam as partes advertidas, desde já, que a oposição de embargos de declaração manifestamente protelatórios, isto é, com o intuito de rediscussão/reforma do entendimento aqui firmado sem que haja, efetivamente, algum dos vícios previstos no artigo 1.022 do CPC, poderá ser penalizada por meio da aplicação da multa prevista no §2º, do artigo 1.026, do CPC, haja vista que o meio cabível para eventual modificação do julgado se dá por meio do recurso de ampla cognição. P. R. I. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Fortaleza, data da assinatura eletrônica. FABIANA SILVA FÉLIX DA ROCHAJuíza de Direito
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