Processo nº 1005086-79.2019.8.11.0003
ID: 327929649
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1005086-79.2019.8.11.0003
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JANAINA DE FRANCA BORGES
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1005086-79.2019.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Petição de Herança, Inventário e Partilha, Rei…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1005086-79.2019.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Petição de Herança, Inventário e Partilha, Reivindicação] Relator: Des(a). MARCIO APARECIDO GUEDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO APARECIDO GUEDES, DES(A). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, DES(A). MARILSEN ANDRADE ADDARIO] Parte(s): [ESPÓLIO DE MAURICIO PAVAN - CPF: 049.333.588-93 (APELADO), JANAINA DE FRANCA BORGES - CPF: 424.346.531-20 (ADVOGADO), MARILEIA LILIANE PAVAN (APELANTE), MICHELL JOSE GIRALDES PORTELA - CPF: 998.626.201-10 (ADVOGADO), MARCIA PAVAN - CPF: 049.333.508-09 (APELANTE), MARCOS ROBERTO PAVAN (APELANTE), ESPÓLIO DE MAURÍCIO PAVAN (APELADO), EMMYLIN DE BRITO PAVAN - CPF: 067.756.121-09 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MARILEIA LILIANE PAVAN SAVEGNAGO - CPF: 183.296.008-07 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A Ementa: Apelação cível. ação reivindicatória de semoventes e bens de herança c/c cobrança de arrendamento rural. Espólio. herdeiros. Rejeição das preliminares de carência de interesse de agir e impugnação à justiça gratuita. no mérito, comprovação da propriedade dos semoventes pelo de cujus e posse injusta dos herdeiros. ata notarial insuficiente para desconstituir a prova. compensação de despesas com animais condicionada à comprovação. manutenção da sentença. recurso desprovido. honorários recursais majorados. I. Caso em exame 1. Cuida-se de recurso de Apelação Cível interposto contra a sentença que na ação "Reivindicatória de Semoventes com Pedido de Tutela de Urgência c/c Cobrança de Arrendamento Rural", julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, determinando a reintegração da posse dos semoventes e bens de herança não doados ou vendidos, além de autorizar a compensação das despesas comprovadas com os animais. II. Questão em discussão 2. A controvérsia central reside na validade da posse dos apelantes sobre os bens do espólio, especialmente os semoventes, e na necessidade de sua reintegração ao acervo hereditário. Discute-se, ainda, a existência de decisões conflitantes que impactariam o presente feito, a carência de interesse de agir do espólio, a validade da ata notarial como prova, e a correção da compensação de despesas e da concessão da justiça gratuita. III. Razões de decidir 3. Preliminares: a) A preliminar de litispendência foi rejeitada, as ações (reivindicatória e prestação de contas) não são idênticas em pedidos e causas de pedir, configurando, no máximo, continência parcial. b) A preliminar de carência de interesse de agir e ilegitimidade ativa também foi rejeitada. A inventariante possui legitimidade para defender o espólio, nos termos do art. 75, VII, do CPC. c) A impugnação à justiça gratuita foi afastada. A benesse foi corretamente deferida com base na situação econômica da inventariante/apelada. 4. A propriedade dos semoventes pelo de cujus foi robustamente demonstrada por financiamentos rurais e registros do INDEA/MT. 5. A posse dos apelantes foi considerada injusta, já que a alienação de bens ocorreu sem anuência da inventariante e com base em informações parciais, não sendo a ata notarial suficiente para desconstituir as provas do espólio. 6. A compensação das despesas com os animais foi mantida, condicionada à sua efetiva comprovação. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso de apelação desprovido. Tese de julgamento: Em ação reivindicatória movida por Espólio contra herdeiros, a comprovação do domínio do de cujus sobre os bens (como semoventes, por meio de financiamento rural e registros de órgãos oficiais) e a demonstração de posse injusta dos herdeiros (por alienação sem anuência do inventariante ou em desconformidade com as quantidades reais do acervo) autorizam a reintegração da posse, sendo a ata notarial insuficiente para desconstituir as provas robustas do espólio e a compensação de despesas condicionada à efetiva comprovação. R E L A T Ó R I O Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por MARCOS ROBERTO PAVAN E OUTRAS, contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Rondonópolis – MT, que nos autos da ação "Reivindicatória de Semoventes com Pedido de Tutela de Urgência c/c Cobrança de Arrendamento Rural", ajuizada contra a apelante por ESPÓLIO DE MAURÍCIO PAVAN, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para determinar a reintegração da posse dos semoventes e dos bens de herança que não foram objeto de doação ou os já vendidos, bem como a compensação pelos requeridos das despesas oriundas do trato com os animais, desde que devidamente comprovadas. Julgou extinto o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, além de condenar as partes de forma recíproca ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a concessão de gratuidade. Os apelantes suscitam, preliminarmente, a carência de interesse de agir do Espólio de Maurício Pavan, sob o argumento de que as questões relativas aos semoventes e demais bens do espólio já foram objeto de discussão em outros feitos, notadamente no processo de inventário (nº 1001908-25.2019.8.11.0003) e na ação de prestação de contas (nº 1023990-16.2020.8.11.0003), este último com as contas aprovadas. Aduzem que deve ser revogado o benefício da assistência judiciária gratuita concedido ao apelado. No mérito, alegam a existência de decisões conflitantes, salientando que o Espólio apelado foi condenado em ação por ele mesmo movida (Processo nº 1023990-16.2020.8.11.0003), referente à prestação de contas da venda dos semoventes levantados no processo de inventário nº 1001908-25.2019.8.11.0003. Ressaltam que r. sentença proferida no processo de prestação de contas (Processo nº 1023990-16.2020.8.11.0003) aprovou expressamente as contas dos requeridos, ora apelantes, reconhecendo que "não restou cabalmente comprovado qualquer desvirtuamento cometido pelos requeridos", e que as diferenças entre as declarações foram justificadas pelo lapso temporal e o acréscimo de animais. Relatam que a venda dos semoventes foi autorizada judicialmente no processo de inventário (Processo nº 1001908-25.2019.8.11.0003), com depósito judicial dos valores arrecadados e posterior prestação de contas ao Juízo, sem que houvesse qualquer impugnação ou discordância da Inventariante, representante do Espólio, quanto às quantidades ou preços à época. Defendem a plena validade da ata notarial (não impugnada a tempo e modo pelo apelado), ressaltando sua presunção juris tantum de veracidade. Aduz que o documento público, lavrado por tabelião, goza de fé pública, autenticando o fato presenciado e que o apelado não produziu prova em contrário capaz de desconstituir as informações contidas na ata notarial, que comprova a real quantidade de semoventes. O apelante requer o provimento do recurso para reformar in totum a sentença, julgando totalmente improcedentes os pedidos iniciais e condenando o apelado ao pagamento exclusivo das despesas comprovadas com a manutenção do espólio, bem como das custas e honorários advocatícios sucumbenciais. Cuiabá, data registrada no sistema. MARCIO APARECIDO GUEDES Relator V O T O R E L A T O R Trata-se de ação reivindicatória ajuizada por Espólio de Maurício Pavan, representado por sua inventariante, com o objetivo de reaver a posse de bens móveis (semoventes, maquinário agrícola e tanques de peixes) e imóveis integrantes do acervo hereditário deixado pelo de cujus, os quais teriam sido indevidamente retidos pelos réus, MARCOS ROBERTO PAVAN, MÁRCIA PAVAN e MARILEIA LILIANE PAVAN, também herdeiros. A autora sustenta que, com o falecimento do titular da herança, os réus passaram a exercer posse direta sobre os bens comuns, negando à inventariante o acesso e gestão sobre os ativos rurais, inclusive impedindo a percepção de frutos do arrendamento e promovendo, unilateralmente, a alienação de parte dos semoventes. A ação tem fundamento no artigo 1.228 do Código Civil, que assegura ao proprietário o direito de reaver o bem injustamente possuído por outrem, desde que demonstrado o domínio, a individualização da coisa e a posse injusta do réu. Além da reintegração de posse, a autora também formulou pedidos acessórios de ressarcimento, extinção de usufruto vitalício, apuração de rendimentos oriundos de arrendamento rural, e reconhecimento da titularidade exclusiva sobre parte dos bens herdados. O feito foi contestado pelos requeridos, que suscitaram preliminar de litispendência com base em ação de prestação de contas ajuizada posteriormente pela própria autora (Proc. nº 1023990-16.2020.8.11.0003), na qual as contas dos réus foram aprovadas. A sentença, em um primeiro momento, acolheu tal preliminar e extinguiu o feito sem julgamento de mérito. Entretanto, em sede de apelação, esta Colenda Câmara reformou a decisão, reconhecendo que não se verifica a tríplice identidade exigida pelo art. 337, §§ 1º e 2º do CPC, afastando, portanto, a litispendência e determinando o retorno dos autos à origem para julgamento do mérito, ao menos no tocante aos pedidos relativos aos bens móveis e imóveis não abrangidos pela ação de prestação de contas. Destaco a ementa e parte do voto proferido pelo Des. João Ferreira Filho: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – REIVINDICATÓRIA – EXTINÇÃO – RECONHECIMENTO DA LITISPÊNCIA – LITISPENDENCIA PARCIAL – ABRANGENCIA DOS PEDIDOS – ANALISE QUANTO AO PLEITO SUBSIDIÁRIO – SENTENÇA ANULADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. De acordo com o art. 337, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil, deve ser reconhecida a litispendência quando se reproduzir uma ação idêntica a outra que está em curso com as mesmas partes, causa de pedir e pedido. 2. No caso dos autos, não se verifica concomitantemente os mesmos pedidos, haja vista a abrangência dos pedidos constantes nestes autos quanto ao pleito subsidiário da Ação de Prestação de Contas, razão pela qual há de se afastar parcialmente o reconhecimento da litispendência. Voto: O art. 337, §§1º e 2º, do CPC dispõe que se verifica “a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada” (§1º) e que uma “ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. O eg. STJ já decidiu que somente “se verifica a litispendência nas hipóteses em que haja a tríplice identidade entre as ações, vale dizer, mesmas partes, causa de pedir e pedido” (Quarta Turma - REsp 302.142/MG - Rel. Ministro RAUL ARAÚJO - Julgado em 11/10/2011 - DJe 22/11/2011). A primeira e crucial questão que deve ser enfrentada e respondida é, obviamente, se há identidade entre os elementos essenciais das duas ações de modo a configurar a relação de litispendência identificada pela douta juíza, ou então, conforme o circunlóquio posto no recurso, se o que há é relação de conexão ou continência entre ambos os objetos, para que, de todo modo, os dois processos sejam reunidos sob a autoridade processante e decisória do mesmo Juízo. Na presente ação “Reivindicatória” (Proc. nº1005086-79.2019.8.11.0003), ajuizada em 04.03.2019 pela apelante contra os apelados, tem como causa de pedir a retomada da posse dos seguintes Bens “Bens imóveis: Parte ideal do IMOVEL RURAL, Matriculado de nº 171 com área total de 110 alqueires (266,20 ha), denominado “FAZENDA SÃO FRANCISCO” localizado na BR 364 – KM 222 ao 225, nesta comarca de Rondonópolis-MT., pertencendo 66,55 ha ao de cujus (...) Parte ideal do IMOVEL RURAL, Matriculado de nº 12.183 com área total de 58,59 Ha, desmembrada da Gleba denominada " MARILIANÓPOLIS " localizado na nesta comarca de Rondonópolis-MT., pertencendo 14,6475 há ao de cujus (...) Bens móveis: 01(Hum) TRATOR da marca Massey Ferguson – Mod 265 (...)Bens Semoventes: 318 cabeças de Gado/bovino (...)7000 peixes/adulto ( tanques de produção)” (cf. Id. nº 149149740). Por sua vez, em 14/12/2020 a apelante ajuizou contra os apelados ação de “Exigir Contas” (Proc. nº 1023990-16.2020.8.11.0003), tendo como causa de pedir à prestação de contas da venda dos semoventes. Assim, malgrado o entendimento do juízo a quo, não há razão de se reconhecer a litispendência total no presente caso. Isso porque, não se trata de ações idênticas, visto que não se verifica concomitantemente os mesmos pedidos, haja vista a abrangência dos pedidos constantes nestes autos quanto ao pleito subsidiário da Ação de Prestação de Contas. Assim, considerando que os autos nº 1023990-16.2020.8.11.0003, objetivam tão somente à prestação de contas da venda dos semoventes, já está em grau recursal, não há que se falar em extinção do feito, devendo os presentes autos (nº 1005086-79.2019.8.11.0003) serem analisados tão somente quanto ao pleito subsidiário aos Bens Moveis e aos Bens Imóveis. Assim, diante da existência de pedidos diversos, há de se afastar parcialmente o reconhecimento da litispendência. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, a fim de anular a sentença, determinando-se o retorno dos autos e o conhecimento da demanda apenas e tão somente quanto ao pedido subsidiário quanto aos Bens Moveis e aos Bens Imóveis. Após o retorno dos autos a origem e instrução complementar, o juízo de origem julgou parcialmente procedentes os pedidos, determinando a reintegração da posse dos bens móveis não alienados e autorizando o abatimento das despesas comprovadamente realizadas pelos réus, além de condenar as partes de forma recíproca ao pagamento de custas e honorários. Transcrevo trecho da sentença: “[...] Quanto as preliminares arguidas pelos requerido na mov. 229592270, decido: Assistência Judiciária Gratuita – em conformidade com o artigo 98 do CPC, estando manifestamente demonstrados as formulações quanto a gratuidade requerida através de documentos e outras formulações que se enquadram na formulação legal, tenho que a requerente merece decisão favorável, haja vista que não se tem renda para alocar em face do processo judicial, haja vista ser estudante e dependia exclusivamente do de cujus, neste sentido merece ser deferida. Quanto aos reclamados, estes mantem-se regularmente atividades lucrativas, como a pecuária, com vastas propriedades, inclusive demonstradas nestes autos, neste sentido, a justiça gratuita não se amoldaria as formulações legais, neste sentido indefiro quanto aos requeridos. Carência da ação por falta de interesse de agir – da impossibilidade jurídica do pedido e da ilegitimidade passiva – no sentido pleiteia a autora exclusão do usufruto quanto a pessoa de Joana Lolezin Pavan, esta preliminar se confunde com o próprio mérito da demanda e nele será decidida. Do mérito As partes têm legitimidade e estão bem representadas, inexistindo irregularidades ou questões pendentes de solução, pelo que passamos diretamente ao exame do meritum causae. A presente ação reivindicatória esta prevista no artigo 1.228 do CC, que assim dispõe: “Artigo 1228 – O proprietário tem a faculdade de usar, gozar, e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detinha.” Alguns requisitos devem ser observados neste tocante, tais como a comprovação da propriedade, o que neste caso esta bem assinalada e não há contrariedade quanto a este ponto, tendo em vista a ação de inventário e a discussão quanto a quantidade e não a posse, bem como ainda objetivamente se identifica o bem a ser reivindicado, já que consta nos autos após decisão do Egrégio Tribunal que se discute somente os bens móveis. Neste sentido, haja vista que não há controvérsia quanto a posse do bem e sim a quantidade, e que não se encontra no poder do reinvindicante, lastrea-se o direito a presente ação. Os requisitos indispensáveis da ação reivindicatória são: prova do domínio, individualização da coisa pretendida, demonstrando os limites e quantidades no caso movel, identificando-o minuciosamente e a posse injusta dos réus. Cumpre ao autor, na reivindicação de imóvel, descrever os limites externos, e neste caso concreto a quantidade reivindicada, o que fez documentalmente, conforme faz probatório a mov. 20005381. Quanto a Ata Notarial juntada aos autos diverge claramente da quantidade registrada no INDEA, órgão oficial do Governo do Estado, porém, foram efetuadas em datas diferentes, principalmente que a ata notarial somente fora efetua na data de 13 de maio de 2019, três dias após a distribuição destes autos, o que demonstra que quando do passamento do de cujus, poderia não ser condizente a quantidade com o narrado pelo cartorário. Bem como também no instrumento público não consta como fora efetuado a referida contagem, nem mesmo se foi totalmente levantada a propriedade, na sua integralidade, neste sentido, pautou ainda depoimentos nos autos 1023990-16.2020.8.11.0003. No depoimento do Sr. Valdemiro Pavan Junior, que participou da audiência como informante, o mesmo informou que passou a tomar conta da propriedade com o falecimento do Sr. Mauricio, a pedido dos irmãos dele, e que assim ficou por aproximadamente 10 dias até que retornassem a cidade. Manifestou que acordado com os irmãos do falecido cuidou da fazenda por 12 meses. Que quando chegou na propriedade tinha 178 cabeças de gado e cerca de 1100 peixes, que chegou a vender 1252 kg, de pescado. Que ele que fazia as compras e tirava nota, que adquiriu vacinas para 380 cabeças, já que era obrigado por causa do registro no INDEA, desta quantidade, que não lembra se descartou ou registrou o descarte no referido órgão. Quanto a testemunha Sr. Ademilson de Jesus, narrou que fora funcionário do Sr. Mauricio na propriedade até 19 de dezembro de 2018, ocupando a função de serviços gerais. Na propriedade contados em dezembro de 2018, tinha 380 cabeças de gado e de sete a oito mil kg de peixes, que Mauricio tomava conta de tudo, os irmãos só falavam com ele por telefone. Diante dessas informações, prestadas em depoimento, tal como documentos juntados, tenho que a ação deve ser procedente em parte, haja vista que não há provas contrárias robustas quanto a quantidade de gado que tinha quando do falecimento do Sr. Mauricio, porém, há documentos públicos registrando esse número, tanto que o informante foi bem claro a dizer que foi obrigado a adquirir quantidade de vacinas para a quantidade registrada e informada nos autos, mesmo assim, não informou o descarte ao referido órgão fiscalizador. Noutro ponto, a testemunha informou que haviam 380 cabeças de gado e cerca de sete a oito mil kg. de peixes, porém não há nenhuma GTA ou guia de transporte demonstrando a saída dos animais da fazenda, assim, não se tem formulação ainda de morte de semoventes ou qualquer outro tipo de situação que demonstre claramente o número reduzido de animais explicitado pela defesa. De outro lado ainda ficou demonstrado claramente que as despesas para o tratamento dos animais eram custeadas pelos requeridos, portanto, é direitos destes ao recebimento, tendo em vista os semoventes pertencerem exclusivamente a herdeira. Considerando os fundamentos acima, tenho que a procedência parcial da presente ação é medida que se impõe. Por tais considerações, por tudo o mais que nos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, determinando a entrega pelos requeridos de 380 (trezentos e oitenta) cabeças de gado, e 7.000 Kg de peixes, desta quantidade subtrai-se os já vendidos. Determino, ainda, a compensação pelos requeridos das despesas oriundas do trato com os animais, desde que devidamente comprovadas. JULGO EXTINTO o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil. DEFIRO os benefícios da Assistência Judiciária às partes requeridas, com fundamento no artigo 99, § 3º do Código de Processo Civil, a teor do pedido expresso formulado oportunamente. Condeno de forma reciproca as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, observada a concessão de gratuidade. Decorrido o prazo recursal, arquivem-se os autos, procedendo-se às baixas de estilo e anotações de praxe. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. Diante disso, os réus interpuseram o presente recurso de apelação. DA PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA Como salientado, o feito chegou a ser extinto sem resolução de mérito por litispendência, sob o fundamento de que haveria identidade entre esta ação reivindicatória e a posterior ação de prestação de contas. Contudo, essa extinção foi afastada por esta Câmara, ao reconhecer que as ações não são idênticas, pois, embora envolvam as mesmas partes, os pedidos e as causas de pedir são distintos, uma vez que esta ação versa sobre reintegração da posse de bens diversos — incluindo imóveis, trator, peixes e frutos do arrendamento — ao passo que a ação de prestação de contas trata exclusivamente da apuração da venda dos semoventes. Verificou-se, no máximo, hipótese de continência parcial, sendo inadequada a extinção do feito. Assim, superada a preliminar, passa-se à análise do mérito. DA PRELIMINAR DE INTERESSE DE AGIR E DA LEGITIMIDADE ATIVA Reiteram os apelantes a tese de ausência de interesse de agir, mas, conforme já reconhecido por esta Corte, há pertinência lógica entre os fatos narrados e a pretensão deduzida, sendo a inventariante legítima para a propositura da ação, nos termos do art. 75, VII, do CPC. Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: [...] VII - o espólio, pelo inventariante; A controvérsia remanescente sobre a posse e destinação dos bens herdados exige, de fato, a atuação jurisdicional para solução adequada, estando presentes os requisitos processuais e as condições da ação. DA IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA Questionam os apelantes a concessão da justiça gratuita ao espólio, argumentando que há patrimônio suficiente para arcar com as despesas processuais. Todavia, a sentença corretamente deferiu a benesse com base na situação econômica da inventariante, que, conforme declarado e não desmentido por prova robusta, é estudante sem fonte própria de renda. A jurisprudência já assentou que, nesses casos, a análise da capacidade financeira pode recair sobre a pessoa da inventariante. Nos termos do art. 99, §3º, do CPC, a alegação de hipossuficiência presume-se verdadeira se não infirmada por elementos idôneos, o que não ocorreu. Assim, mantenho o deferimento da gratuidade. DO MÉRITO Passando ao mérito recursal, cinge-se na legitimidade da posse exercida pelos apelantes sobre os bens móveis do espólio, em especial os semoventes, cuja titularidade, quantidade e destinação são contestadas. A autora, na condição de inventariante do Espólio de Maurício Pavan, alega que, com o falecimento do de cujus, os bens pertencentes exclusivamente ao espólio permaneceram na posse dos herdeiros Marcos, Márcia e Marileia, os quais passaram a dispor dos mesmos sem partilha ou autorização judicial, inclusive alienando parte do rebanho e apropriando-se de seus frutos, como a produção de peixes e receitas de arrendamento da propriedade rural. A ação reivindicatória é o instrumento jurídico conferido ao proprietário não possuidor para reaver a posse da coisa de quem a possua injustamente, nos termos do art. 1.228 do Código Civil. Para seu sucesso, exige-se a comprovação do domínio da coisa pelo autor, a individualização do bem e a posse injusta do réu. - Domínio da coisa A titularidade dos bens (em especial os semoventes) foi robustamente demonstrada por meio de documentos constantes dos autos do inventário e reproduzidos nesta ação. Consta nos autos a existência de financiamento rural contratado em nome do falecido, com destinação expressa à aquisição de matrizes bovinas, cuja garantia foi constituída por meio da própria fração ideal dos imóveis e outros bens pessoais do de cujus (Cf. Id’s. 149149748, 149148900 - 149148906). Além disso, foram juntadas declarações e relatórios do INDEA/MT, órgão oficial de fiscalização sanitária agropecuária, indicando a presença de rebanho com quantidade superior a 300 cabeças sob o registro do falecido, conforme histórico de exploração agropecuária emitido antes do óbito. Esses elementos são suficientes para atribuir ao espólio a propriedade exclusiva dos semoventes, até que se ultimem os atos de partilha, nos termos do art. 1.791 do Código Civil e art. 618, II, do CPC, sendo a inventariante a única pessoa legitimada a administrar e reivindicar judicialmente o acervo hereditário indiviso. - Da individualização dos bens A individualização pode ocorrer por quantidade, espécie, número de registro ou localização. No caso, a autora indicou com precisão os bens reivindicados: 318 cabeças de gado, 7.000 kg de peixe adulto em tanques escavados, um trator Massey Ferguson modelo 265, além de direitos sobre arrendamento da propriedade rural. As notas fiscais de aquisição, guias de transporte animal (GTA), comprovantes de vacinação e controle do INDEA permitem a delimitação quantitativa dos semoventes, bastando para o preenchimento desse requisito. A eventual divergência quanto ao número exato, dada a natureza fungível e multiplicável dos semoventes, não afasta o direito à reivindicação, desde que demonstrada a posse ilegítima e a origem comum. - Da posse injusta Os réus/apelantes alegam que exerceram a posse de forma legítima, por autorização judicial, no contexto do inventário. No entanto, os documentos colacionados revelam que a alienação dos semoventes se deu sem anuência da inventariante, tendo sido requerida pelos próprios réus, que estavam na posse dos bens, em desconformidade com a função que lhes cabia como herdeiros, e não como representantes do espólio. A alegada autorização judicial para venda, embora formalmente deferida, decorreu de representação parcial da realidade, com número de cabeças inferior ao efetivamente existente, conforme reconhecido posteriormente pelo próprio juízo que determinou a apuração detalhada por meio de ação de prestação de contas. A prova testemunhal, na ação de Prestação de Contas, corrobora o relato da autora. O Sr. Aldemiro Pavan Júnior, administrador do imóvel, afirmou que o número de animais ultrapassava 300 cabeças antes do falecimento, sendo que parte foi comercializada ao longo do tempo pelos ora apelantes, sem controle conjunto da inventariante. Ademais, a ata notarial apresentada pelos apelantes, datada de três dias após a distribuição da presente ação, relata apenas a situação visível à época, sem técnica pericial ou inspeção contábil e, portanto, não se sobrepõe à prova material idônea constante dos autos, tampouco prevalece sobre os documentos oficiais. A conduta dos réus, portanto, caracteriza posse injusta, com ausência de título válido ou exercício legítimo de co-herdeiro autorizado à administração do bem comum. Nos termos do art. 1.791 do Código Civil, “a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”. Até a partilha, o espólio é titular exclusivo dos bens da herança, e a inventariante detém a legitimidade para defendê-los judicialmente. Por outro lado, os apelantes, para sustentar a alegação de que os bens não pertenciam ao de cujus ou que foram por eles adquiridos, trouxeram apenas uma declaração de Imposto de Renda que demonstra a existência de condomínio. Tal documento, por si só, mostra-se frágil para infirmar o robusto conjunto probatório apresentado pelo Espólio. A mera existência de um condomínio, sem provas claras de aquisição dos semoventes pelos apelantes ou de que os animais em questão não integravam o acervo do de cujus no momento do falecimento, não é suficiente para desconstituir o direito reivindicatório. Em relação à alegação de que a autorização judicial para venda dos bens e a aprovação da prestação de contas no inventário impediriam a presente ação, imperioso destacar alguns pontos. A autorização judicial para venda de bens em processo de inventário, por si só, não atesta a propriedade dos vendedores sobre os bens, mas sim a permissão para aliená-los no curso do inventário, em conformidade com as regras sucessórias. Além disso, a aprovação de prestação de contas, sem que haja elementos que vinculem diretamente os semoventes reivindicados a essa prestação de contas de forma a comprovar a aquisição ou a não pertence ao de cujus, não pode servir de óbice à ação reivindicatória. A alegada decisão sobre a autorização de venda, sem a prestação de contas detalhada ou a expressa identificação dos semoventes objeto da venda e sua relação com os reivindicados, não possui o condão de reverter o juízo de propriedade formado em primeiro grau. No tocante à compensação das despesas com o trato dos animais, a sentença determinou que fosse feita, desde que devidamente comprovadas. Os apelantes afirmam que as despesas foram "comprovadas nos autos e não impugnadas". Contudo, a ausência da prestação de contas específica ou de outros documentos detalhados que justifiquem tais despesas impede uma análise mais aprofundada neste momento processual. A manutenção da sentença nesse ponto, condicionada à efetiva comprovação, mostra-se prudente e em consonância com a lógica processual. Dessa forma, diante da sólida prova da propriedade dos semoventes pelo de cujus, evidenciada pelo financiamento rural, pelos registros do INDEA/MT e pela prova testemunhal, e ante a fragilidade das provas apresentadas pelos apelantes para desconstituir tal direito, a r. sentença de primeiro grau merece ser mantida. Pelo exposto, e com base nos fundamentos acima alinhados, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo-se íntegra a r. sentença de primeiro grau. Em observância ao art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro os honorários advocatícios de sucumbência devidos pelos apelantes para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, mantida a observância da gratuidade de justiça concedida. É o voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/07/2025
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