Processo nº 1025903-65.2022.8.11.0002
ID: 315998895
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1025903-65.2022.8.11.0002
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025903-65.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Compra e Venda, Defeito, nulidade ou anulação] R…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1025903-65.2022.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Compra e Venda, Defeito, nulidade ou anulação] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [MARILIA GABRIELA PEDROSO DE ARAUJO - CPF: 986.582.391-87 (APELANTE), ARMANDO CAMARGO PENTEADO NETO - CPF: 730.907.271-53 (ADVOGADO), WILMA FERREIRA DA SILVA - CPF: 209.568.191-68 (APELADO), ELIAS MARCELO RODRIGUES DA SILVA - CPF: 570.137.051-87 (APELADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): MARILIA GABRIELA PEDROSO DE ARAUJO APELADO(S): WILMA FERREIRA DA SILVA e ELIAS MARCELO RODRIGUES DA SILVA EMENTA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA. DUPLA ALIENAÇÃO DE IMÓVEL. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO. POSTERIOR ALIENAÇÃO A TERCEIRO POR ESCRITURA PÚBLICA E REGISTRO NA MATRÍCULA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E BOA-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE MÁ-FÉ. MPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente ação declaratória de nulidade de escritura pública, referente à venda de imóvel adquirido por contrato particular não registrado e posteriormente alienado, mediante escritura pública, a terceiro que promoveu o registro do título. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) nulidade da sentença por ausência de fundamentação; (ii) prevalência do contrato particular não registrado sobre a escritura pública registrada; (iii) eventual violação à paridade de tratamento, distribuição dinâmica do ônus da prova e devido processo legal. III. RAZÕES DE DECIDIR A sentença contém fundamentação suficiente, analisando as questões essenciais do caso. O contrato particular de compra e venda não registrado só gera efeitos obrigacionais entre as partes, não se sobrepondo à escritura pública registrada por terceiro. O terceiro adquirente, ao registrar a escritura, adquire direito real amparado pela presunção de boa-fé e legitimidade, não comprovada má-fé nos autos. A ausência de decisão judicial sobre a distribuição dinâmica do ônus da prova mantém a incidência da regra geral do art. 373 do CPC. O processo observou o contraditório, ampla defesa e paridade, sendo a limitação probatória resultado de opção da própria autora. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: A propriedade imobiliária somente se transfere com o registro do título no cartório competente, razão pela qual o contrato particular não registrado não pode prevalecer sobre a escritura pública devidamente registrada em nome de terceiro de boa-fé. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV, e art. 93, IX; CC, arts. 1.227 e 1.245, § 1º; CPC, arts. 7º, 373, § 1º e 489; Lei 6.015/73. Jurisprudência relevante citada: TJMT, 1001519-56.2020.8.11.0051, 1012392-51.2023.8.11.0006, 1012974-63.2023.8.11.0002, 0000308-56.2014.8.11.0004, 0013995-95.2017.8.11.0004 e 0000568-56.2013.8.11.0041 R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de Apelação interposta por MARÍLIA GABRIELA PEDROSO DE ARAÚJO contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande/MT, que julgou improcedente o pedido formulado na ação declaratória de nulidade de escritura pública cumulada com pedido de tutela antecipada, ajuizada em face de WILMA FERREIRA DA SILVA e ELIAS MARCELO RODRIGUES DA SILVA, referente a compra e venda do imóvel 9.873 do 1º CRI de Várzea Grande/MT, nos seguintes termos: Vistos, etc... Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA proposta por MARÍLIA GABRIELA PEDROSO DE ARAÚJO, devidamente qualificada, em face de WILMA FERREIRA DA SILVA E ELIAS MARCELO RODRIGUES DA SILVA, em que alega e requer o seguinte: A autora relata que adquiriu, em 23 de abril de 2018, o imóvel localizado na Rua nº 15, Quadra nº 08, Loteamento Asa Bela, com área total de 260,97 m², pelo valor de R$ 24.000,00, conforme contrato particular de compra e venda firmado com a primeira requerida, Wilma Ferreira da Silva. Afirma que mantém a posse do imóvel de forma justa, mansa e pacífica e que celebrou contrato de locação do bem com terceira pessoa, pelo prazo de dois anos, iniciado em 16 de julho de 2020 e com término previsto para 16 de julho de 2022. Alega que, ao solicitar certidão de inteiro teor da matrícula do imóvel no Cartório do 1º Ofício Notarial e Registral da Comarca de Várzea Grande/MT, foi surpreendida pela existência de escritura pública de compra e venda registrada no 2º Serviço Notarial e Registral da mesma comarca. Tal escritura, datada de 24 de fevereiro de 2022, indica que a primeira ré alienou o imóvel ao segundo réu, Elias Marcelo Rodrigues da Silva, pelo valor de R$ 90.000,00. A autora sustenta que o ato de venda posterior configura grave vício jurídico, uma vez que o imóvel já havia sido anteriormente alienado a ela. Alega, ainda, que tal conduta pode caracterizar o crime de estelionato, previsto no artigo 171, do Código Penal, imputando à primeira ré o aproveitamento indevido de vantagem em detrimento da autora. Assevera, por fim, que não conhece o segundo réu, o qual nunca esteve no imóvel objeto da controvérsia. A autora fundamenta sua pretensão nos dispositivos da Lei 6.015/73, destacando a possibilidade de nulidade do registro em caso de máculas e vícios formais. Invoca, ainda, os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da inafastabilidade da jurisdição como garantias que respaldam a proteção do direito de propriedade. Com base nos fatos narrados, requer, em sede de tutela antecipada, o bloqueio da matrícula nº 9.873 do imóvel, impedindo novos registros, bem como a manutenção de sua posse até o julgamento final da lide. No mérito, pleiteia a procedência da ação para declarar a nulidade da escritura pública firmada entre os requeridos, com o cancelamento do respectivo registro, além da condenação dos réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Adicionalmente, solicita a remessa de peças processuais ao Ministério Público para que apure eventual prática de estelionato pela primeira requerida. Por fim, pleiteia os benefícios da justiça gratuita, alegando não possuir condições financeiras de arcar com as custas processuais sem prejuízo de sua mantença. Junta documentos. No Id. 92624106 meu antecessor legal concedeu em parte a tutela para determinar a averbação da existência desta ação às margens da matrícula do imóvel. Citados os réus não compareceram na audiência conciliatória, sendo-lhes aplicada multa por ato atentatório à dignidade da justiça e decretada sua revelia, conforme decisão de Id. 126966357, e no Id. 134203370 foi declinada na competência para associação ao feito n.º 1025870-55.2022.8.11.0041, em trâmite neste juízo. Intimada a autora quanto ao interesse na dilação probatória pediu o julgamento antecipado da lide, vindo-me os autos conclusos. É O RELATÓRIO.FUNDAMENTO E DECIDO. Julgo esta ação antecipadamente por entender, em melhor análise dos autos, desnecessárias outras provas além das que constam nos autos, além do que a autora pediu o julgamento antecipado da lide ou, subsidiariamente, a oitiva da corré revel. Trata-se de Ação Anulatória a corré Wilma vendeu o imóvel litigioso duas vezes e como adquiriu inicialmente, deve ser anulado o registro em favor do corréu Elias. DOS FATOS A matéria posta em discussão limita-se a aquilatar quem é o titular do melhor direito sobre o imóvel e se a pretensão da autora deve ser acolhida. Conforme narrado anteriormente, aponta a autora que a corré Wilma vendeu ao corréu Elias o imóvel anos depois dela o ter comprado mediante instrumento particular de compra e venda. A autora funda seu direito na alegação de que ela adquiriu a coisa nos idos de 2018 e que o corréu comprou-a em 2022. Da análise da inicial observo que de fato o corréu Elia comprou da corré Wilma o Lote n.º 15, Quadra 08, localizado no Loteamento Asa Bella, com área de 260,97 m², pela importância de R$ 90.000,00, conforme Escritura Pública juntada no Id. 89815255 do feito n.° 1025870-55.2022.8.11.0041. Apesar da compra ao autor ter sido realizada anos antes da compra pela autora, ela não providenciou a transferência do imóvel para seu nome. Ao contrário, o corréu Elias Marcelo foi diligente e assim providenciou, lavrando a escritura pública às margens da matrícula e, assim, tornou-se proprietário, o que lhe outorga, em sentido amplo, o domínio, possibilitando-lhe “...usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”[1] Ou seja, ainda que a autora alegue a aquisição de terreno, não se acautelou quanto ao registro de documento útil na matrícula para consolidar domínio e propriedade e dar ciência a terceiros, o que possibilitou que o corréu comprasse o lote 04 (quatro) anos depois e, agindo com seu poder de proprietário, registrasse a escritura pública. Por consequência, não tendo a autora providenciado o registro da escritura em seu favor, não há que se falar em desconstituição da posterior alienação devidamente registrada no CRI em razão do princípio da anterioridade, ante a preteunção de boa-fé do adquirente e por possuir expectativa de direito ao domínio, situação pacificada nos tribunais pátrios, cujo entendimento faço questão de citar: CIVIL. VENDA DE IMÓVEL A DUAS PESSOAS DISTINTAS. ANULAÇÃO DE ESCRITURA E DO REGISTRO. IMPROCEDÊNCIA. A só e só circunstância de ter havido boa-fé do comprador não induz a que se anule o registro de uma outra escritura de compra e venda em que o mesmo imóvel foi vendido a uma terceira pessoa que o adquiriu também de boa-fé. Se duas distintas pessoas, por escrituras diversas, comprarem o mesmo imóvel, a que primeiro levar a sua escritura a registro é que adquirirá o seu domínio. É o prêmio que a lei confere a quem foi mais diligente. (REsp 104.200/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 24/05/2000, DJ 04/09/2000, p. 155). Consequentemente, resta à autora exercer eventual direito de regresso contra a vendedora que, sem qualquer sombra de dúvida, causou a situação dos autos, vendendo duas vezes o mesmo imóvel. DIANTE DISSO,JULGO IMPROCEDENTESos pedidos desta Ação de Nulidade de Negócio Jurídico. Em consequência, REVOGO a tutela outrora concedida. Considerando que os réus não se defenderam, tão pouco, constituíram advogados, isento a autora do pagamento de honorários advocatícios. Feito sem custas finais por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita. Em suas razões recursais (ID. 291967376), a parte Recorrente invoca os seguintes argumentos fático-jurídicos: 1. Preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação; 2. Evidência de venda a non domino e higidez do contrato firmado pela Apelante que deve ser reconhecida; 3. Paridade de tratamento, teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, estado democrático de direito e devido processo legal. Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para que seja reconhecida a nulidade da sentença por vício na fundamentação. Subsidiariamente, pelo provimento do recurso para, em sendo reconhecida a validade do contrato particular de compra e venda de imóvel, declarar na nulidade do negócio jurídico firmado entre os réus. Recurso tempestivo (Aba Expedientes – Sentença (37698036) – PJE 1º Grau) e preparo dispensado ante o deferimento da justiça gratuita (ID. 292879893). Intimada a apresentar contrarrazões, os recorridos deixaram transcorrer o prazo in albis (Aba Expedientes – Intimação (39757307) e Intimação (39757306) – PJE 1º Grau). Não houve manifestação da Procuradoria de Justiça em razão da matéria. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): MARILIA GABRIELA PEDROSO DE ARAUJO APELADO(S): WILMA FERREIRA DA SILVA e ELIAS MARCELO RODRIGUES DA SILVA VOTO – PRELIMINAR EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Nulidade da sentença por ausência de fundamentação A apelação sustenta a nulidade da sentença por ausência de fundamentação, em afronta ao art. 489 do Código de Processo Civil e ao art. 93, IX, da Constituição Federal. Aduz, ainda, que as razões de decidir se dissociaram das questões fáticas, requerendo a anulação da sentença recorrida. Inicialmente, impende afastar a preliminar relativa à suposta nulidade da sentença de primeiro grau por ausência de fundamentação. A apelante afirma que a decisão combatida carece de motivação suficiente, contrariando os preceitos legais e constitucionais, os quais impõem ao julgador o dever de explicitar as razões jurídicas de seu convencimento. Todavia, a leitura da sentença revela que o juízo monocrático enfrentou as questões centrais da lide, ainda que de forma sucinta, com respaldo na legislação civil e na jurisprudência. De forma clara, a sentença reconhece que a autora celebrou contrato particular de compra e venda com a primeira ré, mas não promoveu o registro do título aquisitivo na matrícula do imóvel e que em contrapartida, o segundo réu, Elias, providenciou a lavratura da escritura pública e seu registro, formalizando assim o domínio registral. Nesse sentido: “(...) Inexistência de nulidade da sentença por ausência de fundamentação, uma vez que as questões essenciais ao deslinde da controvérsia foram enfrentadas com a devida motivação jurisdicional. Preliminar rejeitada. (...) (N.U 1001519-56.2020.8.11.0051, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/04/2025, Publicado no DJE 30/04/2025) “(...) A preliminar de ausência de fundamentação recursal foi rejeitada, tendo em vista o efetivo enfrentamento dos fundamentos da sentença pelo recorrente, revelando-se admissível a apelação. (...) (N.U 1012392-51.2023.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 16/06/2025, Publicado no DJE 16/06/2025) (...) A alegação de nulidade da sentença por ausência de fundamentação não procede, pois os elementos probatórios essenciais foram analisados e valorados na sentença, ainda que de forma contrária à tese da apelante. (...) (N.U 1012974-63.2023.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, TATIANE COLOMBO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/06/2025, Publicado no DJE 10/06/2025) O julgador expressamente fundamenta sua decisão nos princípios da fé pública registral e da anterioridade do registro, inclusive citando julgado paradigmático do STJ (REsp 104.200/SP), que assevera que, “havendo venda do mesmo imóvel a pessoas diversas, prevalece a que primeiro registrar seu título”. Outrossim, digo que não há que se falar em erro na utilização de jurisprudência exarada em período bem anterior ao da propositura da ação em comento. A idade do julgado não os descaracteriza enquanto parâmetros para julgamento ou utilização desta como fundamentação, bem como que a nulidade exige prejuízo jurídico concreto– não basta a mera percepção de antiguidade da base jurídica utilizada, sendo que estando a fundamentação juridicamente correta, não há que se falar em nulidade. Portanto, não se trata de decisão arbitrária ou desprovida de fundamentos, mas de aplicação objetiva de preceitos legais consolidados, corroborada por precedentes jurisprudenciais. O fato de a sentença não ter examinado todos os argumentos expendidos pela parte, um a um, não implica nulidade, desde que tenha enfrentado as questões essenciais à solução da controvérsia, como de fato ocorreu. Logo, a preliminar recursal deve ser rejeitada. É como voto. VOTO – MÉRITO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: De proêmio, consigno que o presente comporta juízo de admissibilidade positivo, em relação aos requisitos extrínsecos e intrínsecos da espécie recursal. Reitero tratar-se de Apelação Cível interposta por MARÍLIA GABRIELA PEDROSO DE ARAÚJO contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Várzea Grande/MT, que julgou improcedente o pedido formulado na ação declaratória de nulidade de escritura pública cumulada com pedido de tutela antecipada, ajuizada em face de WILMA FERREIRA DA SILVA e ELIAS MARCELO RODRIGUES DA SILVA, referente à compra e venda do imóvel 9.873 do 1º CRI de Várzea Grande/MT, sob argumento que a ausência de registro público da compra e venda realizada pela apelante e a possibilidade de boa-fé do terceiro adquirente, não haveria como se decretar nulidade. A parte apelante, em suma, defende a necessidade de decretação da nulidade da segunda alienação, alegando fraude, simulação e má-fé por parte dos réus. Assevera que a sentença recorrida, não obstante a anterioridade do contrato particular, considerou a ausência de registro do título aquisitivo em nome da autora como fator impeditivo para o reconhecimento da propriedade. Aponta a existência de má-fé na conduta dos réus na realização de um segundo contrato de compra e venda posterior ao por ela realizado, bem como a necessidade de prevalência da posse e da primeira avença em detrimento da escritura pública registrada. Pontua sobre a ineficácia do título do réu, argumentando a ausência de legítima origem dominial do imóvel, pedindo, ao fim, o provimento recursal. Passo à análise das teses recursais. 2. Evidência de venda a non domino e higidez do contrato firmado pela Apelante que deve ser reconhecida; A controvérsia gira em torno da alegação de que a autora adquiriu, em 2018, por contrato particular, o imóvel situado na Rua nº 15, Quadra nº 08, Loteamento Asa Bela, com área de 260,97 m², da primeira ré, Wilma Ferreira da Silva, e desde então exerce posse sobre o bem, porém que esta teria alienado novamente o referido imóvel ao segundo réu, Elias Marcelo Rodrigues da Silva, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Por questão de coerência e transparência, aponto que a posse do imóvel foi enfrentada por esta Câmara em ação conexa sob o número 1025903-65.2022.8.11.0002, sendo que o fundamento decisório se baseou nos mesmos fatos materiais e jurídicos que originaram a presente demanda, qual seja a aquisição do imóvel por escritura pública registrada pelo réu Elias Marcelo Rodrigues da Silva e a posse exercida pela autora com base em contrato particular não levado a registro. A relação de fatos subjacentes é idêntica: imóvel situado no Loteamento Asa Bela, objeto de anterior alienação informal à autora e de posterior alienação formal ao réu, com registro regular no Cartório de Registro de Imóveis. A decisão deste Tribunal naquela ação embora versando sobre objeto processual distinto (posse), examina o mesmo imóvel, as mesmas partes e os mesmos títulos de aquisição, razão pela qual é relevante como elemento de reforço jurisprudencial e sistemático. De toda sorte, digo que no mérito da presente demanda, não há razão jurídica suficiente para infirmar os fundamentos da sentença. Com efeito, o art. 1.245, §1º, do Código Civil estabelece que a transmissão da propriedade imóvel entre vivos depende do registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis competente. Até que tal registro ocorra, o alienante continua a ser considerado proprietário perante terceiros. De igual forma, o art. 1.227 do mesmo diploma legal dispõe que os direitos reais sobre imóveis somente se constituem mediante o registro. A recorrente, ao deixar de registrar o contrato particular de 2018, manteve posição jurídica precária, detendo mero direito obrigacional, não oponível a terceiros. O recorrido Elias, por sua vez, ao registrar a escritura pública celebrada com a recorrida Wilma Ferreira da Silva, tornou-se titular de um direito real, revestido da presunção legal de veracidade, legitimidade e boa-fé, assegurada pelos princípios da publicidade e da fé pública registral previstos na Lei nº 6.015/73. Tal presunção somente pode ser afastada por prova robusta e inequívoca de má-fé, o que não se extrai do conjunto probatório dos autos. A apelante limita-se a apresentar boletim de ocorrência, sem qualquer outra prova documental ou testemunhal de que o segundo réu tinha ciência do negócio anterior. Ademais, a própria autora requereu o julgamento antecipado da lide, prescindindo da produção de provas que pudessem conferir maior densidade probatória à sua versão dos fatos. A jurisprudência é pacífica em reconhecer a superioridade do título registrado, como condição para aquisição do domínio, conforme : RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA C/C NULIDADE DE ATO JURÍDICO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – VENDA DE IMÓVEL EM DUPLICIDADE – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA ORIGINÁRIO NÃO REGISTRADO – DIREITO PESSOAL – AUSÊNCIA DE VÍCIOS NO NEGÓCIO JURÍDICO SUBSEQUENTE – BOA-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE – PRIORIDADE DO REGISTRO – IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO ESPECÍFICO DA OBRIGAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS – VERIFICADOS – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. “I - O compromisso de compra e venda não levado à averbação à margem do registro imobiliário competente reveste-se de natureza de direito pessoal, sem qualquer eficácia real. II - Não registrada a promessa de compra e venda, seus efeitos obrigacionais vinculam apenas os sujeitos concretamente envolvidos, não ensejando, portanto, o desfazimento de alienação posterior a terceiros de boa-fé, sobretudo à míngua de demonstração de quaisquer das situações de anulabilidade previstas na legislação de direito material. III - Pratica ato ilícito o promitente vendedor que aliena a terceiro a coisa previamente vendida a outrem, razão pela qual deve ser responsabilizado pelo retorno da parte prejudicada ao 'status quo ante'. IV - Na linha da jurisprudência dominante do STJ, revelando-se a tutela específica postulada de impossível cumprimento, em decorrência de fato superveniente à pactuação imputável ao devedor, como no caso dos autos, impõe-se a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, mesmo de ofício, 'ex vi' do art. 497 do CPC. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO – Apelação Cível: 04403828220158090174 SENADOR CANEDO, Relator: Des(a). REINALDO ALVES FERREIRA, Data de Julgamento: 27/01/2021, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 27/01/2021) “O comportamento negligente da Ré extrapolou o mero aborrecimento e provocou dano moral passível de reparação. (TJ-RJ - APL: 01714857020178190001, Relator: Des(a). HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA, Data de Julgamento: 28/01/2020, QUINTA CÂMARA CÍVEL) (N.U 0000308-56.2014.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 16/11/2023, Publicado no DJE 16/11/2023) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO. DIREITO PESSOAL. IMÓVEL VENDIDO EM DUPLICIDADE. ANULAÇÃO DA SEGUNDA VENDA. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A aquisição da propriedade imobiliária, por ato intra vivos, dá-se mediante registro do título translativo no cartório de registro de imóveis competente. Em decorrência do princípio da obrigatoriedade, que informa o sistema registral imobiliário, o registro é indispensável à aquisição da propriedade de bens imóveis e, contudo tem força probatória relativa, presumindo-se como titular dos direitos reais até prova em contrário, àquele em cujo nome estiver registrado no imóvel. Inteligência dos art. 1.125, inc. I, art. 1.226 e art. 1.245 todos do Código Civil, e artigos 167 e 176 caput ambos da Lei de Registros Públicos. 2. Não registrada a promessa de compra e venda, produzindo eficácia apenas entre as partes, não se pode desfazer a segunda alienação em obediência à boa-fé do segundo adquirente, cuja presunção não foi afastada pelo lesado. 3. O sofrimento humano causado pelo ato ilício, magoando e menosprezando valores imensuráveis da pessoa honesta perante a sociedade. Os autores não se desincumbiram de seu ônus de prova (art. 373, inc. I do CPC), devendo a sentença recorrida permanecer em seu teor e fundamentação. (N.U 0013995-95.2017.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 11/11/2022, Publicado no DJE 11/11/2022) Importante asseverar que ao tempo da venda em favor do terceiro adquirente e recorrido (Elias) o imóvel ainda constava, em 2022, como pertencente à vendedora recorrida (Wilma), sendo ela formalmente titular do domínio perante o cartório. Logo, não se trata de alienação por quem nunca foi proprietário, mas por pessoa que, registralmente, detinha essa titularidade. Ou seja, não há que se falar em ocorrência de venda a non domino na medida em que o bem, ao tempo da segunda venda, se encontrava registrado em nome da recorrida, revelando a regularidade da aquisição por terceiros. Sobre isso: (...) Ausente o registro, a propriedade plena do imóvel permanecerá com o vendedor, de modo que a venda do mesmo bem a terceiro não se caracterizará como venda a non domino, circunstância que obstará a adjudicação compulsória, máxime se a transferência de propriedade para o novo comprador já tiver sido efetivada no Registro de Imóveis. (N.U 0000568-56.2013.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Vice-Presidência, Julgado em 25/06/2024, Publicado no DJE 25/06/2024) Não sendo esse o caso, não há como invalidar o registro imobiliário efetivado pelo réu Elias. É oportuno o destaque que a validade do título de propriedade apresentado pelo réu, inclusive, já foi objeto de reconhecimento judicial no bojo da ação de imissão na posse anteriormente proposta pelo ora recorrido contra a apelante. No julgamento colegiado, restou assentado que: “A posse exercida com base em contrato particular não registrado é considerada injusta para os fins da ação reivindicatória.” A ementa do acórdão é igualmente esclarecedora: "Recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedente a ação de imissão na posse, determinando a imissão do autor no imóvel descrito, com base em escritura pública registrada (...). A posse das apelantes, fundada em contrato particular não registrado, é considerada injusta à luz da jurisprudência consolidada (...). Recurso conhecido e desprovido." Tal julgado, embora não vinculante, é altamente persuasivo, pois reconhece expressamente a legitimidade dominial do ora recorrido com base no mesmo título cuja validade se questiona nesta demanda. A apelante aponta, também, que o contrato firmado com a Recorrida referente a aquisição do imóvel é válido e deve ser oponível a terceiros. O contrato particular de compra e venda celebrado em 2018, conquanto legítimo sob a perspectiva obrigacional, não tem o condão de operar a transferência da propriedade, como já assentado. Trata-se de título que confere ao promitente comprador apenas expectativa de direito, não gerando efeitos perante terceiros sem o devido registro. Em reforço a tal conclusão, o julgamento da mencionada ação de imissão na posse (proc. nº 1025903-65.2022.8.11.0002) considerou que o contrato particular invocado pela ora apelante não se qualifica como título hábil à oposição ao domínio regularmente registrado. Naquela ocasião, a câmara julgadora enfatizou que: “O documento apresentado pela Sra. Marília Gabriela, ora recorrente, representa apenas aquisição da posse e não é suficiente para invalidar o título apresentado pelo autor, que é, de fato, o legítimo proprietário do imóvel.” Esse entendimento é absolutamente compatível com a regra do art. 1.245, §1º, do Código Civil e com a doutrina registral dominante, além de ressoar com firme jurisprudência desta Corte Estadual em casos análogos. 3. Paridade de tratamento, teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, estado democrático de direito e devido processo legal A apelante invoca, em seu arrazoado recursal, os princípios da paridade de tratamento entre as partes, da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, bem como os fundamentos do Estado Democrático de Direito e o devido processo legal, na tentativa de infirmar a sentença e demonstrar suposto desequilíbrio processual que teria prejudicado sua pretensão inicial. Todavia, tais argumentos, apesar de revestidos de linguagem constitucional e principiológica, não se sustentam no caso concreto, carecendo de respaldo fático-jurídico nos autos. A começar pela paridade de tratamento, insculpida no art. 7º do Código de Processo Civil de 2015, é inequívoco que o processo tramitou de forma regular, observando-se a mais estrita isonomia entre os sujeitos processuais, sendo que o contraditório e a ampla defesa foram assegurados em todas as fases do feito, não havendo qualquer prova de favorecimento ou preterição da parte autora. Com efeito, a própria autora foi quem, ao ser intimada, expressamente requereu o julgamento antecipado da lide, o que evidencia que a escolha de prescindir de instrução probatória foi da própria parte. A consequência processual dessa escolha é assumida por quem a formula, não podendo, a posteriori, utilizar-se da ausência de provas como fundamento para suscitar quebra da paridade ou alegar cerceamento de defesa. Quem requer julgamento com base no estado do processo assume os riscos decorrentes da ausência de contraditório pleno sobre as provas. Assim, não havendo pedido de dilação probatória, tampouco produção de provas contundentes, não se pode imputar ao juízo de origem qualquer vício processual, tampouco se acolher pretensão recursal fundada na omissão da própria parte. No caso, a apelante alegou a existência de simulação e fraude entre os recorridos, porém não apresentou prova nesse sentido, sendo o boletim de ocorrência documento insuficiente para tanto. No que concerne à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, consagrada no §1º do art. 373 do CPC, é preciso assinalar que essa técnica de inversão não se opera automaticamente, tampouco decorre da simples invocação genérica da hipossuficiência ou da desigualdade entre as partes. A aplicação desse critério de distribuição do ônus probatório demanda expressa determinação judicial, fundamentada na análise concreta da aptidão probatória das partes, o que não se verifica nos autos. Não houve qualquer decisão judicial que atribuísse ao réu o ônus de provar a ausência de má-fé, tampouco requerimento processual idôneo nesse sentido formulado pela autora, ou seja, ausente esse comando judicial, prevalece a regra geral: incumbe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito (art. 373, I, CPC), e ao réu, os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos (art. 373, II, CPC). O processo civil moderno, em sua vertente constitucional, é estruturado sobre o modelo cooperativo e paritário, que impõe tanto ao magistrado quanto às partes o dever de lealdade, clareza e boa-fé. Neste processo, o julgador respeitou a iniciativa das partes, observou os limites do pedido e decidiu com base no conjunto probatório disponível nos autos, não havendo qualquer violação ao Estado Democrático de Direito, tampouco à cláusula do devido processo legal substantivo ou formal, prevista no art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal. É oportuno destacar que o devido processo legal não assegura resultado favorável, mas sim o respeito aos ritos legais, à ampla defesa e à imparcialidade da jurisdição, o que foi plenamente observado no trâmite da presente ação. A sentença proferida atendeu aos ditames do art. 93, IX da Constituição, estando suficientemente motivada, analisando os pontos principais da controvérsia, sem omissões ou contradições relevantes. De igual modo, não se pode imputar à parte ré a responsabilidade por eventual deficiência instrutória da autora, tampouco transferir-lhe o ônus de provar fato negativo (ausência de má-fé), sobretudo quando sequer houve contraditório sobre as provas alegadas. Ao contrário do que sustenta a apelante, o respeito aos princípios do devido processo legal, da paridade de tratamento e da isonomia processual também foi objeto de reconhecimento judicial no processo conexo acima citado, ocasião em que o Colegiado confirmou a validade da condução processual e da sentença, rechaçando alegações de nulidade ou desigualdade de armas entre as partes. Assim, os argumentos relacionados a eventual afronta à paridade de armas, ao Estado de Direito ou ao devido processo legal não encontram respaldo nos autos, configurando tentativa retórica de reabrir debate já adequadamente encerrado pela via da cognição exauriente. Conclusão. Por essas razões, conheço do recurso de Apelação, rejeitando suas preliminares, e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo-se, na integralidade, a r. sentença fustigada. Deixo de majorar os honorários ante a não fixação no 1º grau. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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