Resultados para "1036645-32.2022.8.11.0041" – Página 9 de 11

Processo nº 1024326-32.2022.8.11.0041

ID: 292855002

Tribunal: TJMT Órgão: 5ª VARA ESP. DA FAZENDA PÚBLICA DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1024326-32.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

METALURGICA MS LTDA

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

MARIA ANTONIA NUNES MACHADO

OAB/SC XXXXXX Desbloquear

ESTEPHAN EUSTASIO FOLLE

OAB/SC XXXXXX Desbloquear

MARIANA MENDES DE ALMEIDA

OAB/SC XXXXXX Desbloquear

PROCEDIMENTO COMUM (PJE 03) PROCESSO Nº 1024326-32.2022.8.11.0041 SENTENÇA Vistos, etc. Trata-se de Ação pelo Procedimento Comum com pedido de tutela provisória de urgência proposta por METALURGICA M… PROCEDIMENTO COMUM (PJE 03) PROCESSO Nº 1024326-32.2022.8.11.0041 SENTENÇA Vistos, etc. Trata-se de Ação pelo Procedimento Comum com pedido de tutela provisória de urgência proposta por METALURGICA MS LTDA. em face do ESTADO DE MATO GROSSO, todos devidamente qualificados, objetivando a concessão do provimento antecipatório para que seja determinado ao Requerido que se abstenha de cobrar da Autora o diferencial de alíquota do ICMS relativo as ferramentas/insumos/materiais/equipamentos provenientes de outros Estados que serão utilizados na prestação dos serviços da Autora. Aduz, em síntese, que presta serviços de manutenção e reparação de máquinas e equipamentos para uso industrial, serviços de engenharia mecânica, serviços especializados para construção entre outros serviços para diversos estados do país, estando sujeita ao recolhimento do ISSQN, sendo que em muitos casos é necessário produzir materiais específicos que serão utilizados no local da prestação como insumos, além de ferramentas igualmente específicas que, após utilização, retornaram para sua sede. Relata que encontra enorme dificuldade em postos de fiscalização do Requerido que, não obstante apresentar tanto a nota fiscal de remessa, contrato de prestação de serviços e devidas explicações, é forçada a recolher o diferencial de alíquota – DIFAL – do ICMS, quando não é o tributo integralmente, além de multas. Pontua que bus recuperar os tributos e penalidades cobrados indevidamente, bem como buscar uma solução definitiva para continuar operando sem o receio de, a cada transporte, ter o risco de ver sua carga bloqueada para forçar o pagamento do tributo, não lhe restando alternativa senão a propositura da presente demanda para resguardar os seus direitos. Ampara a sua pretensão à vista dos requisitos da tutela provisória de urgência, previstos nos arts. 300 e seguintes do CPC. Instruiu a inicial com documentos acostados eletronicamente. Foi indeferida a medida liminar (ID nº 89114198). O Estado de Mato Grosso prestou informações nos autos (ID nº 116995322), afirmando que houve modulação de efeitos no julgamento que tornou inconstitucional a incidência do ICMS sobre as operações de transporte de bens ou mercadorias entre estabelecimentos da mesma titularidade, sendo que a eficácia seria válida tão somente a partir do início do exercício financeiro de 2024. Parecer Ministerial acostado aos autos (ID nº 175481317). Os autos me vieram conclusos. Em síntese, é o necessário relato. Fundamento e Decido. Primeiramente, entendo que no caso sub examine a questão de mérito é unicamente de direito e de fato, sendo desnecessária a produção de novas provas, uma vez que os elementos imprescindíveis para a análise do pleito já estão à disposição deste Juízo, razão pela qual passo ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC. Como relatado, busca a parte Autora a procedência da ação para que seja determinado ao Requerido que se abstenha de cobrar da Autora o diferencial de alíquota do ICMS relativo as ferramentas/insumos/materiais/equipamentos provenientes de outros Estados que serão utilizados na prestação dos serviços da Autora. Analisando detidamente a fundamentação despendida, somado à documentação apresentada, não vislumbro o direito líquido certo da parte Autora. Ao que me afigura, o pedido formulado pela parte autora, consistente na proibição do Fisco Estadual de exigir o recolhimento do ICMS nas operações de transferência de insumos entre estabelecimentos de sua titularidade, não merece guarida, uma vez que não houve comprovação de que o impetrado realizou alguma cobrança do referido tributo em operações de tal natureza no exercício financeiro de 2024. Neste sentido, cabe destacar que o requerido reconheceu que ante a ADC nº 49, não poderia proceder com a cobrança do ICMS nas operações de remessa de mercadoria entre estabelecimentos da mesma titularidade a partir do exercício de 2024. Imperioso asseverar, ainda, que não basta para a propositura de demanda o mero receio subjetivo de sofrer coação por parte da autoridade administrativa, sendo deveras necessário, para que se justifique a utilização do remédio constitucional, a demonstração de ameaça real e objetiva, traduzida em atos concretos da Administração Pública, sejam eles preparatórios ou indicativos da prática do ato ilegal. O fato é que, aqui, existe a pretensão de utilizar a ordem preventiva como um salvo conduto genérico para casos futuros, não havendo insurgência contra qualquer ato certo ou certificável por parte da Administração Pública estadual. Nesse sentido, mister transcrever a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, senão vejamos: “RECURSO DE APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – SEGURANÇA CONCEDIDA PELO JUÍZO A QUO – ICMS – TRANSFERÊNCIA DE GADO BOVINO ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO CONTRIBUINTE – EVENTO FUTURO E INCERTO – PRETENSÃO DE SALVO CONDUTO – IMPOSSIBILIDADE – CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA CONCRETA NÃO DEMONSTRADA – RECURSO PROVIDO – SENTENÇA RETIFICADA. Não deve o Poder Judiciário expedir salvo-conduto para o contribuinte com o escopo de inibir, genericamente, o Fisco Estadual do exercício de seu poder-dever de fiscalização, sob pena de criar obstáculo ao desempenho da sua atuação para evitar eventuais ilegalidades e lesão ao erário.”. (N.U 1034773-21.2018.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA APARECIDA RIBEIRO, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 23/02/2021, Publicado no DJE 08/03/2021) – Destacamos. “RECURSO DE APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – SEGURANÇA CONCEDIDA PELO JUÍZO A QUO – ICMS – TRANSFERÊNCIA DE GADO BOVINO ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO CONTRIBUINTE – EVENTO FUTURO E INCERTO – PRETENSÃO DE SALVO CONDUTO – IMPOSSIBILIDADE – CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA CONCRETA NÃO DEMONSTRADA – RECURSO PROVIDO – SENTENÇA RETIFICADA. Não deve o Poder Judiciário expedir salvo-conduto para o contribuinte com o escopo de inibir, genericamente, o Fisco Estadual do exercício de seu poder-dever de fiscalização, sob pena de criar obstáculo ao desempenho da sua atuação para evitar eventuais ilegalidades e lesão ao erário.”. (N.U 1037773-63.2017.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, GILBERTO LOPES BUSSIKI, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 03/05/2022, Publicado no DJE 16/05/2022). Além disso, considerando que houve a modulação de efeitos no julgamento da ADC 49, faz-se necessário esclarecer que as cobranças do ICMS realizadas até o início do exercício financeiro de 2024 são devidas, ressalvados os casos em que as partes tenham buscado o judiciário antes de 29/04/2021, sendo que tal hipótese não se aplica ao presente caso, considerando que a demanda foi proposta no dia 01 de julho de 2022, de modo que não assiste razão a parte autora. Na mesma toada, trago aos autos o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso: EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ICMS. ISENÇÃO NA OPERAÇÃO INTERNA COM INSUMOS AGROPECUÁRIOS (ART. 115, III E XIX, § 3º, DO RICMS/MT). INAPLICÁVEL EM OPERAÇÃO INTERESTADUAL. COBRANÇA DE ICMS SOBRE TRANSFERÊNCIAS INTERESTADUAIS ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO CONTRIBUINTE. INCONSTITUCIONALIDADE A PARTIR DE 2024 (ADC 49 STF). INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO. REJEIÇÃO. I. Caso em exame 1. Embargos de Declaração opostos contra acórdão que reconheceu a ilegalidade da cobrança de ICMS sobre transferência de grãos entre estabelecimentos do mesmo titular, com efeitos modulados a partir de 01/01/2024, bem como a legalidade do regime cautelar e o afastamento da penalidade de suspensão da inscrição estadual. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se o acórdão embargado incorreu em omissão ou contradição ao não reconhecer a isenção de ICMS em transferências interestaduais de milho e/ou ração com fundamento em contrato de produção integrada, à luz do art. 115, § 3º, do RICMS/MT. III. Razões de decidir 3. A decisão embargada examinou expressamente as alegações da parte embargante, afastando a aplicação da isenção do art. 115, § 3º, do RICMS/MT a operações interestaduais. 4. Constatou-se que o benefício fiscal previsto é aplicável apenas a operações internas, não se estendendo à remessa de insumos para outro Estado, ainda que entre matriz e filial da mesma titularidade. 5. A cobrança de ICMS sobre transferências interestaduais entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, sem mudança de titularidade, é inconstitucional, conforme entendimento consolidado no STF (Tema 1099 e ADC 49). CONTUDO, A SUPREMA CORTE, AO JULGAR OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA ADC 4 MODULOU OS EFEITOS DA DECISÃO PARA VIGORAR A PARTIR DE 2024, COM EXCEÇÃO DE PROCESSOS INICIADOS ANTES DE 29/04/2021 O QUE NÃO É O CASO DOS AUTOS. 6. Os embargos buscam reabrir discussão sobre matéria já decidida, finalidade que extrapola os limites do recurso. IV. Dispositivo e tese 7. Embargos de declaração rejeitados. Tese de julgamento: "1. A isenção prevista no art. 115, § 3º, do RICMS/MT é restrita a operações internas, não se aplicando a transferências interestaduais de insumos agropecuários, ainda que entre estabelecimentos do mesmo titular. 2. É incabível rediscutir matéria já decidida em sede de embargos de declaração, salvo vícios do art. 1.022 do CPC." Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.022; RICMS/MT, art. 115, caput e § 3º. Jurisprudência relevante citada: STF, ADC 49 e ED na ADC 49, Rel. Min. Edson Fachin. (N.U 1002432-39.2023.8.11.0049, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 20/05/2025, Publicado no DJE 30/05/2025) Daí porque se impõe a improcedência dos pedidos. DISPOSITIVO ISTO POSTO, consoante a fundamentação supra, afasto as preliminares arguidas, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS vindicados na exordial, e, via de consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do art. 487, I e 332, II do CPC. Condeno a Requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo no percentual de 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do § 2º, § 3º e § 8º do art. 85 do CPC. Intimem-se. Decorrido o prazo recursal e não havendo interposição de recurso voluntário, certifique-se o trânsito em julgado da decisão e arquivem-se os autos com todas as baixas. Cumpra-se. Cuiabá/MT, 5 de junho de 2025. ROBERTO TEIXEIRA SEROR JUIZ DE DIREITO

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1044017-32.2022.8.11.0041

ID: 306287052

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL Nº Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 24/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

SADI OLIVEIRA DOS SANTOS

Intimação

Advogados:

PAULOSALEM PEREIRA GONCALVES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS SENTENÇA Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041. AUTOR(A): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA REPRESENTANTE: CRISTIANO CAIXE… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS SENTENÇA Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041. AUTOR(A): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA REPRESENTANTE: CRISTIANO CAIXETA UMBELINO REU: ONG AMIGOS DO BEM, SADI OLIVEIRA DOS SANTOS Vistos, Trata-se de ação civil pública cumulada com obrigação de não fazer, com pedido de tutela antecipada de urgência, ajuizada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO em face da ONG Amigos do Bem, tendo por objeto a cessação de práticas irregulares de atendimento à saúde ocular por pessoa não habilitada, com a consequente vedação do exercício ilegal da medicina e do uso indevido de marca registrada. A parte autora alega, em síntese, que a requerida vem oferecendo exames de vista gratuitos e prescrevendo lentes de grau à população de Cuiabá/MT e região, por meio de profissionais não médicos, em especial optometristas, o que configura exercício ilegal da medicina e representa risco à saúde pública, tendo em vista a possibilidade de diagnósticos equivocados de doenças oculares. Sustenta, ainda, que a entidade ré utiliza indevidamente o nome da ONG nacionalmente reconhecida “Amigos do Bem”, com marca registrada no INPI, de modo a induzir a erro a população. Requer, em caráter de urgência, a abstenção de atos privativos de médicos por parte da requerida, a proibição do uso da marca “Amigos do Bem” e a fiscalização sanitária do estabelecimento. Foi deferido parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência (Id. 104755380), nos seguintes termos: “À vista do exposto, uma vez presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, DEFIRO parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, o que faço para o fim de determinar que a parte requerida, sem possuir profissional optometrista com formação de nível superior (curso tecnológico ou graduação bacharelado), se abstenha de realizar: 1) a instalação de consultórios isoladamente (art. 38 do Decreto 20.931/32); 2) a confecção e venda de lentes de grau sem prescrição médica (art. 39 do Decreto 20.931/32); 3) a escolha, permissão de escolha, indicação ou aconselhamento sobre o uso de lentes de grau (art. 13 do Decreto 24.492/34); e 4) o fornecimento de lentes de grau sem a apresentação da prescrição médica (art. 14 do Decreto 24.492/34).” Citada, a parte requerida apresentou contestação no Id. 151654171, oportunidade em que arguiu as preliminares de concessão da justiça gratuita e de ilegitimidade passiva da ONG Amigos do Bem e de Sadi Oliveira dos Santos, alegando que ambos não mais exercem qualquer atividade relacionada aos fatos narrados na inicial, estando a ONG inativa desde 2018 por determinação judicial. No mérito, a parte requerida sustenta, em síntese, que não realiza atendimentos optométricos nem prescreve lentes de grau, sendo indevidas e infundadas as acusações que motivaram a presente ação. Alega que os documentos acostados à inicial referem-se a publicações antigas, de 2017, e que desde então as atividades da ONG foram encerradas por força de decisão judicial. Afirma, ainda, que os réus não têm qualquer relação com eventuais atendimentos feitos por terceiros e que o Ministério Público já reconheceu a atipicidade das condutas investigadas em procedimento criminal anterior, que resultou em arquivamento. Por fim, alega que a presente demanda seria motivada por perseguição institucional e litígio mercadológico entre médicos oftalmologistas e optometristas. Em réplica (Id. 154646221), a parte autora apresentou impugnação à contestação, na qual refutou as preliminares arguídas e os argumentos de mérito deduzidos pela parte requerida. Em síntese, a parte autora sustenta que (i) o pedido de justiça gratuita formulado pela requerida ONG Amigos do Bem carece de comprovação da alegada hipossuficiência, devendo ser indeferido por ausência de prova idônea; (ii) o Sr. Sadi Oliveira dos Santos detém legitimidade passiva, uma vez que persistem indícios de continuidade das atividades da entidade, mesmo após sua inaptidão formal; (iii) restam comprovadas a prática de atos privativos de médico por optometristas vinculados à requerida, notadamente a prescrição de lentes de grau e a realização de exames oculares, condutas vedadas conforme a legislação vigente, a Lei do Ato Médico e o entendimento consolidado do STF na ADPF 131. No mérito, a parte autora rechaça a alegação de reserva de mercado, reafirmando que a demanda visa resguardar a saúde pública contra o exercício ilegal da medicina por profissionais não habilitados. Defende a plena aplicabilidade dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, recepcionados pela Constituição, e sustenta que a modulação dos efeitos da ADPF 131 não autorizou optometristas a diagnosticar ou prescrever. Requer, ao final, o julgamento procedente da ação, com a expedição de ofício à Vigilância Sanitária para fiscalização dos estabelecimentos envolvidos. Foi dada a oportunidade para as partes se manifestarem e especificarem que provas pretendem produzir (Id. 154828936). Determinada a intimação do Ministério Público Estadual, na forma do art. 178 do Código de Processo Civil, foi ofertado parecer no Id. 162085034, no qual o Parquet opinou pela parcial procedência da demanda, para que os requeridos se abstenham de realizar atos privativos de médicos, nos termos dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, quando não houver acompanhamento por profissional optometrista com formação de nível superior. O parecer fundamentou-se na decisão do STF na ADPF 131 e ressaltou que as vedações legais não se aplicam aos optometristas graduados em curso superior. Eis a suma do essencial. Fundamento e decido. A alegação de ilegitimidade passiva da ONG e de seu administrador não encontra respaldo, pois os elementos constantes dos autos evidenciam que ambos estão diretamente vinculados às atividades impugnadas na inicial, mesmo que estas tenham sido praticadas antes da suposta inatividade formal da entidade. A alegação de encerramento de atividades não afasta a legitimidade passiva para responder pelos efeitos jurídicos de condutas lhe imputadas. Quanto ao pedido de justiça gratuita, registro que, na presente fase, a sua apreciação mostra-se desnecessária a priori, tendo em vista a isenção legal de custas e honorários prevista no art. 18 da Lei n.º 7.347/85. Assim, a análise do requerimento poderá ser realizada em momento oportuno, caso venha a se justificar em eventual fase de cumprimento de sentença ou interposição de recurso. Pois bem. A pretensão deduzida na inicial merece parcial acolhimento. Com base nos elementos probatórios constantes nos autos, especialmente as provas documentais que evidenciam a realização de "exames de vista gratuitos" e prescrição de lentes oftálmicas por pessoas não habilitadas legalmente à prática da medicina, constata-se, com suficiente grau de convencimento, a verossimilhança das alegações autorais quanto à prática de atos privativos de médicos por parte dos requeridos. A Constituição Federal (art. 5º, XIII) assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. No âmbito da saúde, essa reserva legal é particularmente rigorosa. A Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), que regula o exercício da medicina, estabelece como atos privativos do médico, entre outros, o diagnóstico de doenças, a indicação de terapias, a prescrição de órteses, próteses e tratamentos, e a formulação de hipóteses diagnósticas. A atuação demonstrada nos autos, com a realização de atendimentos visuais em estrutura similar à de consultório, exames de acuidade visual e posterior prescrição de lentes, configura nítida invasão da esfera de atuação profissional exclusiva dos médicos oftalmologistas. Tais atividades não podem ser realizadas por optometristas ou profissionais não habilitados, sob pena de configurar exercício ilegal da medicina, tipificado no art. 282 do Código Penal. Embora o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 131, tenha decidido que os Decretos nº 20.931/32 e nº 24.492/34 não podem ser interpretados de forma a impedir o livre exercício da atividade de optometria por profissionais com formação de nível superior, o próprio julgado assentou limites claros: tais profissionais não estão autorizados a praticar atos que caracterizem diagnóstico nosológico, prescrição terapêutica ou substituam a atuação médica. No caso concreto, não há qualquer comprovação nos autos de que os atendimentos tenham sido conduzidos por optometristas graduados em instituição reconhecida pelo MEC ou que se restringissem a práticas permitidas à categoria. Ao contrário, as publicações nas redes sociais e os materiais publicitários revelam oferta genérica de “exames de vista gratuitos” com prescrição de óculos, sem qualquer referência à habilitação profissional dos responsáveis técnicos. Isso revela risco concreto à saúde coletiva, notadamente pela possibilidade de omissão ou mascaramento de doenças oftalmológicas relevantes, como glaucoma, retinopatia diabética, degenerações maculares, entre outras, que demandam diagnóstico precoce e abordagem terapêutica médica. O fato de a atividade ter se dado no âmbito de entidade sem fins lucrativos não afasta a ilicitude da conduta, tampouco legitima o descumprimento das normas regulatórias da atividade sanitária e do exercício profissional. Ressalte-se, ainda, que a jurisprudência tem admitido a validade dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, recepcionados pela Constituição de 1988, como normas complementares à legislação sanitária e à regulação de atividades profissionais, mormente naquilo que não conflita com a ADPF 131. Dessa forma, impõe-se reconhecer a irregularidade da conduta dos requeridos, devendo ser vedada a realização de atendimentos oculares, diagnósticos, prescrição de lentes e quaisquer outras condutas que dependam de formação médica ou de optometrista legalmente habilitado de nível superior, dentro dos limites delineados pela legislação e jurisprudência constitucional. No tocante ao uso da marca “Amigos do Bem”, também assiste razão à parte autora. Restou comprovado nos autos que o nome está registrado por entidade beneficente diversa junto ao INPI, com amplitude nacional, e que houve uso indevido da denominação pelos requeridos, inclusive após notificação extrajudicial, o que configura violação ao direito marcário e justifica a proibição de uso indevido do nome, nos termos do art. 129 da Lei nº 9.279/96. Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação civil pública, para: Determinar que os requeridos, na ausência de profissional optometrista com formação de nível superior (curso tecnológico ou graduação bacharelado), se abstenham de praticar as seguintes condutas: a) instalar consultórios de forma isolada, nos termos do art. 38 do Decreto nº 20.931/32; b) confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, conforme dispõe o art. 39 do Decreto nº 20.931/32; c) proceder à escolha, permitir a escolha, indicar ou aconselhar sobre o uso de lentes de grau, nos termos do art. 13 do Decreto nº 24.492/34; d) fornecer lentes de grau sem apresentação de prescrição médica válida, nos termos do art. 14 do Decreto nº 24.492/34. Determinar que os requeridos cessem imediatamente o uso da denominação “Amigos do Bem”, em quaisquer meios de divulgação, plataformas digitais, materiais institucionais, publicidade e redes sociais, por configurar uso indevido de marca registrada por terceiro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Confirmo a liminar outrora concedida. Sem condenação em custas e honorários, ante a isenção prevista no art. 18 da Lei n.º 7.347/85. Após o trânsito em julgado e procedidas as anotações necessárias, ao arquivo. P.R.I. (datado e assinado digitalmente) PORTARIA CGJ N. 81/2025-GAB-CGJ

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou o que procurava? Faça login para ver mais resultados e detalhes completos.

Fazer Login para Ver Mais

Processo nº 1044017-32.2022.8.11.0041

ID: 306287066

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL Nº Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 24/06/2025

Polo Ativo:

CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

LORENA CONTE AZEVEDO DE FREITAS

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

DIOGO WALTER SOUSA

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

JULIANA DE ALBUQUERQUE OZORIO BULLON

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

JOSE ALEJANDRO BULLON SILVA

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

ROBERTA MONTEIRO DE PAULA GUERRA

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

DANIELE QUEIROZ DE SOUZA

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS SENTENÇA Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041. AUTOR(A): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA REPRESENTANTE: CRISTIANO CAIXE… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS SENTENÇA Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041. AUTOR(A): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA REPRESENTANTE: CRISTIANO CAIXETA UMBELINO REU: ONG AMIGOS DO BEM, SADI OLIVEIRA DOS SANTOS Vistos, Trata-se de ação civil pública cumulada com obrigação de não fazer, com pedido de tutela antecipada de urgência, ajuizada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO em face da ONG Amigos do Bem, tendo por objeto a cessação de práticas irregulares de atendimento à saúde ocular por pessoa não habilitada, com a consequente vedação do exercício ilegal da medicina e do uso indevido de marca registrada. A parte autora alega, em síntese, que a requerida vem oferecendo exames de vista gratuitos e prescrevendo lentes de grau à população de Cuiabá/MT e região, por meio de profissionais não médicos, em especial optometristas, o que configura exercício ilegal da medicina e representa risco à saúde pública, tendo em vista a possibilidade de diagnósticos equivocados de doenças oculares. Sustenta, ainda, que a entidade ré utiliza indevidamente o nome da ONG nacionalmente reconhecida “Amigos do Bem”, com marca registrada no INPI, de modo a induzir a erro a população. Requer, em caráter de urgência, a abstenção de atos privativos de médicos por parte da requerida, a proibição do uso da marca “Amigos do Bem” e a fiscalização sanitária do estabelecimento. Foi deferido parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência (Id. 104755380), nos seguintes termos: “À vista do exposto, uma vez presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, DEFIRO parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, o que faço para o fim de determinar que a parte requerida, sem possuir profissional optometrista com formação de nível superior (curso tecnológico ou graduação bacharelado), se abstenha de realizar: 1) a instalação de consultórios isoladamente (art. 38 do Decreto 20.931/32); 2) a confecção e venda de lentes de grau sem prescrição médica (art. 39 do Decreto 20.931/32); 3) a escolha, permissão de escolha, indicação ou aconselhamento sobre o uso de lentes de grau (art. 13 do Decreto 24.492/34); e 4) o fornecimento de lentes de grau sem a apresentação da prescrição médica (art. 14 do Decreto 24.492/34).” Citada, a parte requerida apresentou contestação no Id. 151654171, oportunidade em que arguiu as preliminares de concessão da justiça gratuita e de ilegitimidade passiva da ONG Amigos do Bem e de Sadi Oliveira dos Santos, alegando que ambos não mais exercem qualquer atividade relacionada aos fatos narrados na inicial, estando a ONG inativa desde 2018 por determinação judicial. No mérito, a parte requerida sustenta, em síntese, que não realiza atendimentos optométricos nem prescreve lentes de grau, sendo indevidas e infundadas as acusações que motivaram a presente ação. Alega que os documentos acostados à inicial referem-se a publicações antigas, de 2017, e que desde então as atividades da ONG foram encerradas por força de decisão judicial. Afirma, ainda, que os réus não têm qualquer relação com eventuais atendimentos feitos por terceiros e que o Ministério Público já reconheceu a atipicidade das condutas investigadas em procedimento criminal anterior, que resultou em arquivamento. Por fim, alega que a presente demanda seria motivada por perseguição institucional e litígio mercadológico entre médicos oftalmologistas e optometristas. Em réplica (Id. 154646221), a parte autora apresentou impugnação à contestação, na qual refutou as preliminares arguídas e os argumentos de mérito deduzidos pela parte requerida. Em síntese, a parte autora sustenta que (i) o pedido de justiça gratuita formulado pela requerida ONG Amigos do Bem carece de comprovação da alegada hipossuficiência, devendo ser indeferido por ausência de prova idônea; (ii) o Sr. Sadi Oliveira dos Santos detém legitimidade passiva, uma vez que persistem indícios de continuidade das atividades da entidade, mesmo após sua inaptidão formal; (iii) restam comprovadas a prática de atos privativos de médico por optometristas vinculados à requerida, notadamente a prescrição de lentes de grau e a realização de exames oculares, condutas vedadas conforme a legislação vigente, a Lei do Ato Médico e o entendimento consolidado do STF na ADPF 131. No mérito, a parte autora rechaça a alegação de reserva de mercado, reafirmando que a demanda visa resguardar a saúde pública contra o exercício ilegal da medicina por profissionais não habilitados. Defende a plena aplicabilidade dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, recepcionados pela Constituição, e sustenta que a modulação dos efeitos da ADPF 131 não autorizou optometristas a diagnosticar ou prescrever. Requer, ao final, o julgamento procedente da ação, com a expedição de ofício à Vigilância Sanitária para fiscalização dos estabelecimentos envolvidos. Foi dada a oportunidade para as partes se manifestarem e especificarem que provas pretendem produzir (Id. 154828936). Determinada a intimação do Ministério Público Estadual, na forma do art. 178 do Código de Processo Civil, foi ofertado parecer no Id. 162085034, no qual o Parquet opinou pela parcial procedência da demanda, para que os requeridos se abstenham de realizar atos privativos de médicos, nos termos dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, quando não houver acompanhamento por profissional optometrista com formação de nível superior. O parecer fundamentou-se na decisão do STF na ADPF 131 e ressaltou que as vedações legais não se aplicam aos optometristas graduados em curso superior. Eis a suma do essencial. Fundamento e decido. A alegação de ilegitimidade passiva da ONG e de seu administrador não encontra respaldo, pois os elementos constantes dos autos evidenciam que ambos estão diretamente vinculados às atividades impugnadas na inicial, mesmo que estas tenham sido praticadas antes da suposta inatividade formal da entidade. A alegação de encerramento de atividades não afasta a legitimidade passiva para responder pelos efeitos jurídicos de condutas lhe imputadas. Quanto ao pedido de justiça gratuita, registro que, na presente fase, a sua apreciação mostra-se desnecessária a priori, tendo em vista a isenção legal de custas e honorários prevista no art. 18 da Lei n.º 7.347/85. Assim, a análise do requerimento poderá ser realizada em momento oportuno, caso venha a se justificar em eventual fase de cumprimento de sentença ou interposição de recurso. Pois bem. A pretensão deduzida na inicial merece parcial acolhimento. Com base nos elementos probatórios constantes nos autos, especialmente as provas documentais que evidenciam a realização de "exames de vista gratuitos" e prescrição de lentes oftálmicas por pessoas não habilitadas legalmente à prática da medicina, constata-se, com suficiente grau de convencimento, a verossimilhança das alegações autorais quanto à prática de atos privativos de médicos por parte dos requeridos. A Constituição Federal (art. 5º, XIII) assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. No âmbito da saúde, essa reserva legal é particularmente rigorosa. A Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), que regula o exercício da medicina, estabelece como atos privativos do médico, entre outros, o diagnóstico de doenças, a indicação de terapias, a prescrição de órteses, próteses e tratamentos, e a formulação de hipóteses diagnósticas. A atuação demonstrada nos autos, com a realização de atendimentos visuais em estrutura similar à de consultório, exames de acuidade visual e posterior prescrição de lentes, configura nítida invasão da esfera de atuação profissional exclusiva dos médicos oftalmologistas. Tais atividades não podem ser realizadas por optometristas ou profissionais não habilitados, sob pena de configurar exercício ilegal da medicina, tipificado no art. 282 do Código Penal. Embora o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 131, tenha decidido que os Decretos nº 20.931/32 e nº 24.492/34 não podem ser interpretados de forma a impedir o livre exercício da atividade de optometria por profissionais com formação de nível superior, o próprio julgado assentou limites claros: tais profissionais não estão autorizados a praticar atos que caracterizem diagnóstico nosológico, prescrição terapêutica ou substituam a atuação médica. No caso concreto, não há qualquer comprovação nos autos de que os atendimentos tenham sido conduzidos por optometristas graduados em instituição reconhecida pelo MEC ou que se restringissem a práticas permitidas à categoria. Ao contrário, as publicações nas redes sociais e os materiais publicitários revelam oferta genérica de “exames de vista gratuitos” com prescrição de óculos, sem qualquer referência à habilitação profissional dos responsáveis técnicos. Isso revela risco concreto à saúde coletiva, notadamente pela possibilidade de omissão ou mascaramento de doenças oftalmológicas relevantes, como glaucoma, retinopatia diabética, degenerações maculares, entre outras, que demandam diagnóstico precoce e abordagem terapêutica médica. O fato de a atividade ter se dado no âmbito de entidade sem fins lucrativos não afasta a ilicitude da conduta, tampouco legitima o descumprimento das normas regulatórias da atividade sanitária e do exercício profissional. Ressalte-se, ainda, que a jurisprudência tem admitido a validade dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, recepcionados pela Constituição de 1988, como normas complementares à legislação sanitária e à regulação de atividades profissionais, mormente naquilo que não conflita com a ADPF 131. Dessa forma, impõe-se reconhecer a irregularidade da conduta dos requeridos, devendo ser vedada a realização de atendimentos oculares, diagnósticos, prescrição de lentes e quaisquer outras condutas que dependam de formação médica ou de optometrista legalmente habilitado de nível superior, dentro dos limites delineados pela legislação e jurisprudência constitucional. No tocante ao uso da marca “Amigos do Bem”, também assiste razão à parte autora. Restou comprovado nos autos que o nome está registrado por entidade beneficente diversa junto ao INPI, com amplitude nacional, e que houve uso indevido da denominação pelos requeridos, inclusive após notificação extrajudicial, o que configura violação ao direito marcário e justifica a proibição de uso indevido do nome, nos termos do art. 129 da Lei nº 9.279/96. Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação civil pública, para: Determinar que os requeridos, na ausência de profissional optometrista com formação de nível superior (curso tecnológico ou graduação bacharelado), se abstenham de praticar as seguintes condutas: a) instalar consultórios de forma isolada, nos termos do art. 38 do Decreto nº 20.931/32; b) confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, conforme dispõe o art. 39 do Decreto nº 20.931/32; c) proceder à escolha, permitir a escolha, indicar ou aconselhar sobre o uso de lentes de grau, nos termos do art. 13 do Decreto nº 24.492/34; d) fornecer lentes de grau sem apresentação de prescrição médica válida, nos termos do art. 14 do Decreto nº 24.492/34. Determinar que os requeridos cessem imediatamente o uso da denominação “Amigos do Bem”, em quaisquer meios de divulgação, plataformas digitais, materiais institucionais, publicidade e redes sociais, por configurar uso indevido de marca registrada por terceiro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Confirmo a liminar outrora concedida. Sem condenação em custas e honorários, ante a isenção prevista no art. 18 da Lei n.º 7.347/85. Após o trânsito em julgado e procedidas as anotações necessárias, ao arquivo. P.R.I. (datado e assinado digitalmente) PORTARIA CGJ N. 81/2025-GAB-CGJ

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1044017-32.2022.8.11.0041

ID: 306287124

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL Nº Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 24/06/2025

Polo Ativo:

CRISTIANO CAIXETA UMBELINO

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

DANIELE QUEIROZ DE SOUZA

OAB/DF XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS SENTENÇA Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041. AUTOR(A): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA REPRESENTANTE: CRISTIANO CAIXE… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS SENTENÇA Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041. AUTOR(A): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA REPRESENTANTE: CRISTIANO CAIXETA UMBELINO REU: ONG AMIGOS DO BEM, SADI OLIVEIRA DOS SANTOS Vistos, Trata-se de ação civil pública cumulada com obrigação de não fazer, com pedido de tutela antecipada de urgência, ajuizada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO em face da ONG Amigos do Bem, tendo por objeto a cessação de práticas irregulares de atendimento à saúde ocular por pessoa não habilitada, com a consequente vedação do exercício ilegal da medicina e do uso indevido de marca registrada. A parte autora alega, em síntese, que a requerida vem oferecendo exames de vista gratuitos e prescrevendo lentes de grau à população de Cuiabá/MT e região, por meio de profissionais não médicos, em especial optometristas, o que configura exercício ilegal da medicina e representa risco à saúde pública, tendo em vista a possibilidade de diagnósticos equivocados de doenças oculares. Sustenta, ainda, que a entidade ré utiliza indevidamente o nome da ONG nacionalmente reconhecida “Amigos do Bem”, com marca registrada no INPI, de modo a induzir a erro a população. Requer, em caráter de urgência, a abstenção de atos privativos de médicos por parte da requerida, a proibição do uso da marca “Amigos do Bem” e a fiscalização sanitária do estabelecimento. Foi deferido parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência (Id. 104755380), nos seguintes termos: “À vista do exposto, uma vez presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, DEFIRO parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, o que faço para o fim de determinar que a parte requerida, sem possuir profissional optometrista com formação de nível superior (curso tecnológico ou graduação bacharelado), se abstenha de realizar: 1) a instalação de consultórios isoladamente (art. 38 do Decreto 20.931/32); 2) a confecção e venda de lentes de grau sem prescrição médica (art. 39 do Decreto 20.931/32); 3) a escolha, permissão de escolha, indicação ou aconselhamento sobre o uso de lentes de grau (art. 13 do Decreto 24.492/34); e 4) o fornecimento de lentes de grau sem a apresentação da prescrição médica (art. 14 do Decreto 24.492/34).” Citada, a parte requerida apresentou contestação no Id. 151654171, oportunidade em que arguiu as preliminares de concessão da justiça gratuita e de ilegitimidade passiva da ONG Amigos do Bem e de Sadi Oliveira dos Santos, alegando que ambos não mais exercem qualquer atividade relacionada aos fatos narrados na inicial, estando a ONG inativa desde 2018 por determinação judicial. No mérito, a parte requerida sustenta, em síntese, que não realiza atendimentos optométricos nem prescreve lentes de grau, sendo indevidas e infundadas as acusações que motivaram a presente ação. Alega que os documentos acostados à inicial referem-se a publicações antigas, de 2017, e que desde então as atividades da ONG foram encerradas por força de decisão judicial. Afirma, ainda, que os réus não têm qualquer relação com eventuais atendimentos feitos por terceiros e que o Ministério Público já reconheceu a atipicidade das condutas investigadas em procedimento criminal anterior, que resultou em arquivamento. Por fim, alega que a presente demanda seria motivada por perseguição institucional e litígio mercadológico entre médicos oftalmologistas e optometristas. Em réplica (Id. 154646221), a parte autora apresentou impugnação à contestação, na qual refutou as preliminares arguídas e os argumentos de mérito deduzidos pela parte requerida. Em síntese, a parte autora sustenta que (i) o pedido de justiça gratuita formulado pela requerida ONG Amigos do Bem carece de comprovação da alegada hipossuficiência, devendo ser indeferido por ausência de prova idônea; (ii) o Sr. Sadi Oliveira dos Santos detém legitimidade passiva, uma vez que persistem indícios de continuidade das atividades da entidade, mesmo após sua inaptidão formal; (iii) restam comprovadas a prática de atos privativos de médico por optometristas vinculados à requerida, notadamente a prescrição de lentes de grau e a realização de exames oculares, condutas vedadas conforme a legislação vigente, a Lei do Ato Médico e o entendimento consolidado do STF na ADPF 131. No mérito, a parte autora rechaça a alegação de reserva de mercado, reafirmando que a demanda visa resguardar a saúde pública contra o exercício ilegal da medicina por profissionais não habilitados. Defende a plena aplicabilidade dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, recepcionados pela Constituição, e sustenta que a modulação dos efeitos da ADPF 131 não autorizou optometristas a diagnosticar ou prescrever. Requer, ao final, o julgamento procedente da ação, com a expedição de ofício à Vigilância Sanitária para fiscalização dos estabelecimentos envolvidos. Foi dada a oportunidade para as partes se manifestarem e especificarem que provas pretendem produzir (Id. 154828936). Determinada a intimação do Ministério Público Estadual, na forma do art. 178 do Código de Processo Civil, foi ofertado parecer no Id. 162085034, no qual o Parquet opinou pela parcial procedência da demanda, para que os requeridos se abstenham de realizar atos privativos de médicos, nos termos dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, quando não houver acompanhamento por profissional optometrista com formação de nível superior. O parecer fundamentou-se na decisão do STF na ADPF 131 e ressaltou que as vedações legais não se aplicam aos optometristas graduados em curso superior. Eis a suma do essencial. Fundamento e decido. A alegação de ilegitimidade passiva da ONG e de seu administrador não encontra respaldo, pois os elementos constantes dos autos evidenciam que ambos estão diretamente vinculados às atividades impugnadas na inicial, mesmo que estas tenham sido praticadas antes da suposta inatividade formal da entidade. A alegação de encerramento de atividades não afasta a legitimidade passiva para responder pelos efeitos jurídicos de condutas lhe imputadas. Quanto ao pedido de justiça gratuita, registro que, na presente fase, a sua apreciação mostra-se desnecessária a priori, tendo em vista a isenção legal de custas e honorários prevista no art. 18 da Lei n.º 7.347/85. Assim, a análise do requerimento poderá ser realizada em momento oportuno, caso venha a se justificar em eventual fase de cumprimento de sentença ou interposição de recurso. Pois bem. A pretensão deduzida na inicial merece parcial acolhimento. Com base nos elementos probatórios constantes nos autos, especialmente as provas documentais que evidenciam a realização de "exames de vista gratuitos" e prescrição de lentes oftálmicas por pessoas não habilitadas legalmente à prática da medicina, constata-se, com suficiente grau de convencimento, a verossimilhança das alegações autorais quanto à prática de atos privativos de médicos por parte dos requeridos. A Constituição Federal (art. 5º, XIII) assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. No âmbito da saúde, essa reserva legal é particularmente rigorosa. A Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), que regula o exercício da medicina, estabelece como atos privativos do médico, entre outros, o diagnóstico de doenças, a indicação de terapias, a prescrição de órteses, próteses e tratamentos, e a formulação de hipóteses diagnósticas. A atuação demonstrada nos autos, com a realização de atendimentos visuais em estrutura similar à de consultório, exames de acuidade visual e posterior prescrição de lentes, configura nítida invasão da esfera de atuação profissional exclusiva dos médicos oftalmologistas. Tais atividades não podem ser realizadas por optometristas ou profissionais não habilitados, sob pena de configurar exercício ilegal da medicina, tipificado no art. 282 do Código Penal. Embora o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 131, tenha decidido que os Decretos nº 20.931/32 e nº 24.492/34 não podem ser interpretados de forma a impedir o livre exercício da atividade de optometria por profissionais com formação de nível superior, o próprio julgado assentou limites claros: tais profissionais não estão autorizados a praticar atos que caracterizem diagnóstico nosológico, prescrição terapêutica ou substituam a atuação médica. No caso concreto, não há qualquer comprovação nos autos de que os atendimentos tenham sido conduzidos por optometristas graduados em instituição reconhecida pelo MEC ou que se restringissem a práticas permitidas à categoria. Ao contrário, as publicações nas redes sociais e os materiais publicitários revelam oferta genérica de “exames de vista gratuitos” com prescrição de óculos, sem qualquer referência à habilitação profissional dos responsáveis técnicos. Isso revela risco concreto à saúde coletiva, notadamente pela possibilidade de omissão ou mascaramento de doenças oftalmológicas relevantes, como glaucoma, retinopatia diabética, degenerações maculares, entre outras, que demandam diagnóstico precoce e abordagem terapêutica médica. O fato de a atividade ter se dado no âmbito de entidade sem fins lucrativos não afasta a ilicitude da conduta, tampouco legitima o descumprimento das normas regulatórias da atividade sanitária e do exercício profissional. Ressalte-se, ainda, que a jurisprudência tem admitido a validade dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, recepcionados pela Constituição de 1988, como normas complementares à legislação sanitária e à regulação de atividades profissionais, mormente naquilo que não conflita com a ADPF 131. Dessa forma, impõe-se reconhecer a irregularidade da conduta dos requeridos, devendo ser vedada a realização de atendimentos oculares, diagnósticos, prescrição de lentes e quaisquer outras condutas que dependam de formação médica ou de optometrista legalmente habilitado de nível superior, dentro dos limites delineados pela legislação e jurisprudência constitucional. No tocante ao uso da marca “Amigos do Bem”, também assiste razão à parte autora. Restou comprovado nos autos que o nome está registrado por entidade beneficente diversa junto ao INPI, com amplitude nacional, e que houve uso indevido da denominação pelos requeridos, inclusive após notificação extrajudicial, o que configura violação ao direito marcário e justifica a proibição de uso indevido do nome, nos termos do art. 129 da Lei nº 9.279/96. Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação civil pública, para: Determinar que os requeridos, na ausência de profissional optometrista com formação de nível superior (curso tecnológico ou graduação bacharelado), se abstenham de praticar as seguintes condutas: a) instalar consultórios de forma isolada, nos termos do art. 38 do Decreto nº 20.931/32; b) confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, conforme dispõe o art. 39 do Decreto nº 20.931/32; c) proceder à escolha, permitir a escolha, indicar ou aconselhar sobre o uso de lentes de grau, nos termos do art. 13 do Decreto nº 24.492/34; d) fornecer lentes de grau sem apresentação de prescrição médica válida, nos termos do art. 14 do Decreto nº 24.492/34. Determinar que os requeridos cessem imediatamente o uso da denominação “Amigos do Bem”, em quaisquer meios de divulgação, plataformas digitais, materiais institucionais, publicidade e redes sociais, por configurar uso indevido de marca registrada por terceiro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Confirmo a liminar outrora concedida. Sem condenação em custas e honorários, ante a isenção prevista no art. 18 da Lei n.º 7.347/85. Após o trânsito em julgado e procedidas as anotações necessárias, ao arquivo. P.R.I. (datado e assinado digitalmente) PORTARIA CGJ N. 81/2025-GAB-CGJ

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1044017-32.2022.8.11.0041

ID: 306287151

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL Nº Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 24/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ONG AMIGOS DO BEM

Intimação

Advogados:

PAULOSALEM PEREIRA GONCALVES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS SENTENÇA Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041. AUTOR(A): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA REPRESENTANTE: CRISTIANO CAIXE… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ESPECIALIZADA EM AÇÕES COLETIVAS SENTENÇA Processo: 1044017-32.2022.8.11.0041. AUTOR(A): CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA REPRESENTANTE: CRISTIANO CAIXETA UMBELINO REU: ONG AMIGOS DO BEM, SADI OLIVEIRA DOS SANTOS Vistos, Trata-se de ação civil pública cumulada com obrigação de não fazer, com pedido de tutela antecipada de urgência, ajuizada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO em face da ONG Amigos do Bem, tendo por objeto a cessação de práticas irregulares de atendimento à saúde ocular por pessoa não habilitada, com a consequente vedação do exercício ilegal da medicina e do uso indevido de marca registrada. A parte autora alega, em síntese, que a requerida vem oferecendo exames de vista gratuitos e prescrevendo lentes de grau à população de Cuiabá/MT e região, por meio de profissionais não médicos, em especial optometristas, o que configura exercício ilegal da medicina e representa risco à saúde pública, tendo em vista a possibilidade de diagnósticos equivocados de doenças oculares. Sustenta, ainda, que a entidade ré utiliza indevidamente o nome da ONG nacionalmente reconhecida “Amigos do Bem”, com marca registrada no INPI, de modo a induzir a erro a população. Requer, em caráter de urgência, a abstenção de atos privativos de médicos por parte da requerida, a proibição do uso da marca “Amigos do Bem” e a fiscalização sanitária do estabelecimento. Foi deferido parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência (Id. 104755380), nos seguintes termos: “À vista do exposto, uma vez presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, DEFIRO parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, o que faço para o fim de determinar que a parte requerida, sem possuir profissional optometrista com formação de nível superior (curso tecnológico ou graduação bacharelado), se abstenha de realizar: 1) a instalação de consultórios isoladamente (art. 38 do Decreto 20.931/32); 2) a confecção e venda de lentes de grau sem prescrição médica (art. 39 do Decreto 20.931/32); 3) a escolha, permissão de escolha, indicação ou aconselhamento sobre o uso de lentes de grau (art. 13 do Decreto 24.492/34); e 4) o fornecimento de lentes de grau sem a apresentação da prescrição médica (art. 14 do Decreto 24.492/34).” Citada, a parte requerida apresentou contestação no Id. 151654171, oportunidade em que arguiu as preliminares de concessão da justiça gratuita e de ilegitimidade passiva da ONG Amigos do Bem e de Sadi Oliveira dos Santos, alegando que ambos não mais exercem qualquer atividade relacionada aos fatos narrados na inicial, estando a ONG inativa desde 2018 por determinação judicial. No mérito, a parte requerida sustenta, em síntese, que não realiza atendimentos optométricos nem prescreve lentes de grau, sendo indevidas e infundadas as acusações que motivaram a presente ação. Alega que os documentos acostados à inicial referem-se a publicações antigas, de 2017, e que desde então as atividades da ONG foram encerradas por força de decisão judicial. Afirma, ainda, que os réus não têm qualquer relação com eventuais atendimentos feitos por terceiros e que o Ministério Público já reconheceu a atipicidade das condutas investigadas em procedimento criminal anterior, que resultou em arquivamento. Por fim, alega que a presente demanda seria motivada por perseguição institucional e litígio mercadológico entre médicos oftalmologistas e optometristas. Em réplica (Id. 154646221), a parte autora apresentou impugnação à contestação, na qual refutou as preliminares arguídas e os argumentos de mérito deduzidos pela parte requerida. Em síntese, a parte autora sustenta que (i) o pedido de justiça gratuita formulado pela requerida ONG Amigos do Bem carece de comprovação da alegada hipossuficiência, devendo ser indeferido por ausência de prova idônea; (ii) o Sr. Sadi Oliveira dos Santos detém legitimidade passiva, uma vez que persistem indícios de continuidade das atividades da entidade, mesmo após sua inaptidão formal; (iii) restam comprovadas a prática de atos privativos de médico por optometristas vinculados à requerida, notadamente a prescrição de lentes de grau e a realização de exames oculares, condutas vedadas conforme a legislação vigente, a Lei do Ato Médico e o entendimento consolidado do STF na ADPF 131. No mérito, a parte autora rechaça a alegação de reserva de mercado, reafirmando que a demanda visa resguardar a saúde pública contra o exercício ilegal da medicina por profissionais não habilitados. Defende a plena aplicabilidade dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, recepcionados pela Constituição, e sustenta que a modulação dos efeitos da ADPF 131 não autorizou optometristas a diagnosticar ou prescrever. Requer, ao final, o julgamento procedente da ação, com a expedição de ofício à Vigilância Sanitária para fiscalização dos estabelecimentos envolvidos. Foi dada a oportunidade para as partes se manifestarem e especificarem que provas pretendem produzir (Id. 154828936). Determinada a intimação do Ministério Público Estadual, na forma do art. 178 do Código de Processo Civil, foi ofertado parecer no Id. 162085034, no qual o Parquet opinou pela parcial procedência da demanda, para que os requeridos se abstenham de realizar atos privativos de médicos, nos termos dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, quando não houver acompanhamento por profissional optometrista com formação de nível superior. O parecer fundamentou-se na decisão do STF na ADPF 131 e ressaltou que as vedações legais não se aplicam aos optometristas graduados em curso superior. Eis a suma do essencial. Fundamento e decido. A alegação de ilegitimidade passiva da ONG e de seu administrador não encontra respaldo, pois os elementos constantes dos autos evidenciam que ambos estão diretamente vinculados às atividades impugnadas na inicial, mesmo que estas tenham sido praticadas antes da suposta inatividade formal da entidade. A alegação de encerramento de atividades não afasta a legitimidade passiva para responder pelos efeitos jurídicos de condutas lhe imputadas. Quanto ao pedido de justiça gratuita, registro que, na presente fase, a sua apreciação mostra-se desnecessária a priori, tendo em vista a isenção legal de custas e honorários prevista no art. 18 da Lei n.º 7.347/85. Assim, a análise do requerimento poderá ser realizada em momento oportuno, caso venha a se justificar em eventual fase de cumprimento de sentença ou interposição de recurso. Pois bem. A pretensão deduzida na inicial merece parcial acolhimento. Com base nos elementos probatórios constantes nos autos, especialmente as provas documentais que evidenciam a realização de "exames de vista gratuitos" e prescrição de lentes oftálmicas por pessoas não habilitadas legalmente à prática da medicina, constata-se, com suficiente grau de convencimento, a verossimilhança das alegações autorais quanto à prática de atos privativos de médicos por parte dos requeridos. A Constituição Federal (art. 5º, XIII) assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. No âmbito da saúde, essa reserva legal é particularmente rigorosa. A Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), que regula o exercício da medicina, estabelece como atos privativos do médico, entre outros, o diagnóstico de doenças, a indicação de terapias, a prescrição de órteses, próteses e tratamentos, e a formulação de hipóteses diagnósticas. A atuação demonstrada nos autos, com a realização de atendimentos visuais em estrutura similar à de consultório, exames de acuidade visual e posterior prescrição de lentes, configura nítida invasão da esfera de atuação profissional exclusiva dos médicos oftalmologistas. Tais atividades não podem ser realizadas por optometristas ou profissionais não habilitados, sob pena de configurar exercício ilegal da medicina, tipificado no art. 282 do Código Penal. Embora o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 131, tenha decidido que os Decretos nº 20.931/32 e nº 24.492/34 não podem ser interpretados de forma a impedir o livre exercício da atividade de optometria por profissionais com formação de nível superior, o próprio julgado assentou limites claros: tais profissionais não estão autorizados a praticar atos que caracterizem diagnóstico nosológico, prescrição terapêutica ou substituam a atuação médica. No caso concreto, não há qualquer comprovação nos autos de que os atendimentos tenham sido conduzidos por optometristas graduados em instituição reconhecida pelo MEC ou que se restringissem a práticas permitidas à categoria. Ao contrário, as publicações nas redes sociais e os materiais publicitários revelam oferta genérica de “exames de vista gratuitos” com prescrição de óculos, sem qualquer referência à habilitação profissional dos responsáveis técnicos. Isso revela risco concreto à saúde coletiva, notadamente pela possibilidade de omissão ou mascaramento de doenças oftalmológicas relevantes, como glaucoma, retinopatia diabética, degenerações maculares, entre outras, que demandam diagnóstico precoce e abordagem terapêutica médica. O fato de a atividade ter se dado no âmbito de entidade sem fins lucrativos não afasta a ilicitude da conduta, tampouco legitima o descumprimento das normas regulatórias da atividade sanitária e do exercício profissional. Ressalte-se, ainda, que a jurisprudência tem admitido a validade dos Decretos nº 20.931/32 e 24.492/34, recepcionados pela Constituição de 1988, como normas complementares à legislação sanitária e à regulação de atividades profissionais, mormente naquilo que não conflita com a ADPF 131. Dessa forma, impõe-se reconhecer a irregularidade da conduta dos requeridos, devendo ser vedada a realização de atendimentos oculares, diagnósticos, prescrição de lentes e quaisquer outras condutas que dependam de formação médica ou de optometrista legalmente habilitado de nível superior, dentro dos limites delineados pela legislação e jurisprudência constitucional. No tocante ao uso da marca “Amigos do Bem”, também assiste razão à parte autora. Restou comprovado nos autos que o nome está registrado por entidade beneficente diversa junto ao INPI, com amplitude nacional, e que houve uso indevido da denominação pelos requeridos, inclusive após notificação extrajudicial, o que configura violação ao direito marcário e justifica a proibição de uso indevido do nome, nos termos do art. 129 da Lei nº 9.279/96. Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação civil pública, para: Determinar que os requeridos, na ausência de profissional optometrista com formação de nível superior (curso tecnológico ou graduação bacharelado), se abstenham de praticar as seguintes condutas: a) instalar consultórios de forma isolada, nos termos do art. 38 do Decreto nº 20.931/32; b) confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, conforme dispõe o art. 39 do Decreto nº 20.931/32; c) proceder à escolha, permitir a escolha, indicar ou aconselhar sobre o uso de lentes de grau, nos termos do art. 13 do Decreto nº 24.492/34; d) fornecer lentes de grau sem apresentação de prescrição médica válida, nos termos do art. 14 do Decreto nº 24.492/34. Determinar que os requeridos cessem imediatamente o uso da denominação “Amigos do Bem”, em quaisquer meios de divulgação, plataformas digitais, materiais institucionais, publicidade e redes sociais, por configurar uso indevido de marca registrada por terceiro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Confirmo a liminar outrora concedida. Sem condenação em custas e honorários, ante a isenção prevista no art. 18 da Lei n.º 7.347/85. Após o trânsito em julgado e procedidas as anotações necessárias, ao arquivo. P.R.I. (datado e assinado digitalmente) PORTARIA CGJ N. 81/2025-GAB-CGJ

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Cinthia Stroher e outros x Antônio Frange Júnior

ID: 281203070

Tribunal: TJMT Órgão: 7ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: MONITóRIA Nº Processo: 1042950-32.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 27/05/2025

Polo Ativo:

CINTHIA STROHER DP CONSTRUTORA LTDA

Polo Passivo:

ANTÔNIO FRANGE JÚNIOR

Sentença

Advogados:

WISTON CRISTALDO GOMES CHAVES

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ANTÔNIO FRANGE JÚNIOR

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

Processo nº 1042950-32.2022.8.11.0041 (h) VISTOS, DP CONSTRUTORA LTDA representada por CINTHIA STROHER propôs AÇÃO MONITÓRIA em desfavor de ANTÔNIO FRANGE JÚNIOR. Narra a empresa autora, que é empres… Processo nº 1042950-32.2022.8.11.0041 (h) VISTOS, DP CONSTRUTORA LTDA representada por CINTHIA STROHER propôs AÇÃO MONITÓRIA em desfavor de ANTÔNIO FRANGE JÚNIOR. Narra a empresa autora, que é empresa atuante no construção civil, mais especificamente artefatos de cimento. Ocorre que formulou negócio jurídico de venda com o requerido no montante de R$60.016,00 (sessenta mil e dezesseis reais) a serem pagos por meio de duas duplicatas, respectivamente com vencimentos para 19/09/2022 e 18/10/2022, cada uma no montante de R$ 30.008,00 (trinta mil e oito reais). Assevera que por diversas vezes a parte autora pleiteou em caráter amigável a liquidação do débito, contudo, as tentativas foram infrutíferas. Por fim, requer a condenação do Requerido ao pagamento da importância de R$ 60.016,00 (sessenta mil e dezesseis reais), bem como, a condenação ao pagamento do ressarcimento dos honorários contratuais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), custas e honorários de sucumbência. Despacho inicial de ID. 108776227, determinando a citação da Requerida. A Requerida apresentou Embargos Monitórios de ID. 127138892, arguindo a preliminar de ilegitimidade passiva, falta de interesse processual, e no mérito a improcedência dos pedidos. Impugnação aos embargos monitórios de ID. 133841043. As partes foram intimadas a especificar as provas que pretendiam produzir, ocasião em que o Requerido pugnou produção de prova oral, com depoimento pessoal e oitiva de testemunhas (ID. 142822966) e a Autora, manifestou-se pelo julgamento antecipado da lide, alegando suficiência das provas (ID 143185190). Decisão de ID. 167386794, deferindo a produção de prova oral. Audiência de instrução realizada no dia 13/11/2024, a qual restou prejudicada devido a ausência injustificada das testemunhas arroladas, bem como pela inexistência de pedido do depoimento pessoal das partes (ID. 175474020). O Requerido apresentou seus memoriais (ID 177803753), reiterando todas as suas teses defensivas. E a Autora apresentou suas alegações finais (ID 177816393), reforçando seus argumentos e a validade de sua pretensão. Vieram os autos conclusos. É O NECESSÁRIO. DECIDO PRELIMINARES DA PRECLUSÃO CONSUMATIVA A parte Requerida arguiu, em sua petição de ID 176367573, a ocorrência de preclusão consumativa em relação à manifestação da parte Autora de ID 174473676. Analisando os autos, verifica-se que a parte Autora apresentou sua impugnação aos embargos monitórios em 08/11/2023 (ID 133841043), em resposta à intimação específica para tal fim (ID 131948617). Posteriormente, em 04/11/2024, a parte Autora protocolou a manifestação de ID 174473676, acompanhada de diversos documentos. Embora a intimação que precedeu essa manifestação (ID 167386794) tenha sido para que a Autora se manifestasse sobre os documentos e requerimentos juntados pelo Requerido (IDs 142822966 e 142822989), a peça de ID 174473676 extrapolou significativamente esse escopo. Nela, a Autora não apenas respondeu aos documentos do Requerido, mas também reiterou e complementou seus próprios argumentos de mérito, apresentou uma nova base de cálculo para o débito (R$ 61.076,50, em contraste com os R$ 60.016,00 da inicial), e buscou desconstituir a Ata Notarial apresentada pelo Requerido. A preclusão consumativa, instituto processual de suma importância para a organização e celeridade do processo, impede a prática de um ato processual já realizado, ainda que dentro do prazo legal. Uma vez praticado o ato, a faculdade processual se exaure. No caso em tela, a parte Autora já havia exercido seu direito de impugnar os embargos monitórios. A apresentação de uma nova peça com conteúdo de impugnação, quase um ano após a primeira, configura clara violação à preclusão consumativa. A permissão para a repetição desordenada de atos processuais comprometeria a segurança jurídica, a lealdade processual e a razoável duração do processo, princípios basilares do ordenamento jurídico pátrio. A parte Autora teve sua oportunidade de impugnar os embargos e o fez. A manifestação posterior, que se reveste de caráter de segunda impugnação, não pode ser admitida. Dessa forma, acolho a preliminar de preclusão consumativa arguida pelo Requerido. Consequentemente, a manifestação de ID 174473676 e os documentos a ela vinculados que não se refiram estritamente à Ata Notarial ou aos documentos do Requerido (IDs 142822966 e 142822989) devem ser desconsiderados para fins de análise meritória, mantendo-se válidos apenas os argumentos e provas apresentados na impugnação original (ID 133841043). DA ILEGITIMIDADE PASSIVA O Requerido arguiu sua ilegitimidade passiva, sustentando que a dívida em questão é de responsabilidade do Sr. Samuel dos Santos Vasconcelos, empreiteiro contratado para a obra em sua propriedade, sob a modalidade de empreitada mista. A análise da legitimidade passiva em ações de cobrança decorrentes de contratos de empreitada exige a verificação da cadeia de responsabilidades. No contrato de empreitada, a relação obrigacional se estabelece entre o empreitante (dono da obra) e o empreiteiro. Em caso de subempreitada, o vínculo se forma entre o empreiteiro e o subempreiteiro. A responsabilidade do dono da obra perante o subempreiteiro, ou perante fornecedores contratados pelo empreiteiro, não se presume, exigindo-se previsão legal ou contratual expressa, ou, ainda, a comprovação de que o dono da obra participou diretamente da relação contratual com o subcontratado ou fornecedor, assumindo a obrigação. No caso em tela, a parte Autora fundamenta sua pretensão nas Notas Fiscais emitidas em nome do Requerido (ID 103381934) e nos boletos de cobrança (ID 108636902). Contudo, o Requerido apresentou elementos probatórios que lançam sérias dúvidas sobre a sua responsabilidade direta pela dívida. A Ata Notarial de ID 127138897, apresentada pelo Requerido, transcreve conversas de WhatsApp entre a secretaria do Requerido e o Sr. Samuel dos Santos Vasconcelos, bem como entre o próprio Requerido e Samuel. Nessas conversas, Samuel assume a responsabilidade pelo débito e reconhece ter adquirido os materiais em nome do Requerido sem sua anuência prévia. Mais relevante ainda é o áudio do Sr. Bruno Torres, representante da própria Autora, transcrito na Ata Notarial de ID 142825641, onde ele afirma: "o serviço aí, ele contratou você pra fazer aí, a mão de obra e o produto junto né? Beleza? Ele só me ligou pra me justificar aí. E você consegue me dar um cheque aí, do restante aí?". Essa declaração, proferida por um preposto da Autora, corrobora a tese do Requerido de que o Sr. Samuel foi contratado para uma empreitada mista, que incluía tanto a mão de obra quanto o fornecimento dos materiais. Ainda, a sentença de ID 142822989, proferida em processo diverso (nº 1015335-84.2022.8.11.0003), mas envolvendo o mesmo Requerido (Antonio Frange Junior) e a mesma obra (Haras), reconheceu a ilegitimidade passiva do Requerido sob o fundamento de que a empresa Autora daquele feito havia sido subcontratada pelo empreiteiro (Bolivar), sem vínculo direto com o dono da obra. Embora não vincule este Juízo por res judicata, a referida sentença serve como forte indício da cadeia de responsabilidades na execução da obra do Requerido, onde a aquisição de materiais e serviços era de incumbência dos empreiteiros contratados. A partir disso, é possível verificar que o contrato entabulado entre as partes e objeto desta monitória é de empreitada mista, porque a autora se obrigou a fornecer materiais e serviços. Como tal, a sua obrigação é qualificada pelo resultado, a teor da conjugação dos art. 611 e 612 do CC: “Art. 611. Quando o empreiteiro fornece os materiais, correm por sua conta os riscos até o momento da entrega da obra, a contento de quem a encomendou, se este não estiver em mora de receber. Mas se estiver, por sua conta correrão os riscos. Art. 612. Se o empreiteiro só forneceu mão-de-obra, todos os riscos em que não tiver culpa correrão por conta do dono.” Nesse sentido, é o empreiteiro quem assume os riscos do empreendimento, distinguindo-se inclusive do prestador de serviços, conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves: “b) na primeira [prestação de serviços], a execução do serviço é dirigida e fiscalizada por quem contratou o prestador, a quem este fica diretamente subordinado, ao passo que, na empreitada, a direção compete ao próprio empreiteiro; c) na prestação de serviço o patrão assume os riscos do negócio, mas na empreitada é o empreiteiro que assume os riscos do empreendimento, sem estar subordinado ao dono da obra” (in ‘Contratos e Atos Unilaterais’, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, pág. 369). Dessa maneira, não há que se falar em solidariedade entre o dono da obra e a empreiteira, visto que é a última quem arca com os riscos do empreendimento, recebendo a sua contraprestação para entregar a obra tal como acordado. A solidariedade, por sua vez, não se presume, resultando apenas da lei ou da vontade das partes (art. 265 do Código Civil). No presente caso, a Autora não logrou demonstrar a existência de um vínculo contratual direto e expresso com o Requerido para a aquisição dos materiais objeto da lide, que pudesse afastar a responsabilidade do empreiteiro. A emissão de notas fiscais em nome do Requerido, por si só, não é suficiente para configurar sua responsabilidade direta, especialmente quando há indícios de que a compra foi realizada por terceiro sem autorização expressa para aquela transação específica, e com a ciência da própria Autora sobre a natureza da contratação do empreiteiro. A própria conduta da Autora, ao cobrar o Sr. Samuel diretamente, conforme Ata Notarial de ID 127138897, e a declaração de seu preposto (ID 142825641), demonstram que a Autora tinha conhecimento da participação do Sr. Samuel como responsável pela aquisição dos materiais no âmbito da empreitada. Diante do conjunto probatório, conclui-se que a parte Autora não demonstrou a existência de uma relação jurídica direta e primária com o Requerido para a aquisição dos materiais que originaram a dívida, mas sim uma relação com o empreiteiro, Sr. Samuel dos Santos Vasconcelos, que atuava na obra do Requerido. A responsabilidade pelo débito, portanto, recai sobre o empreiteiro, que assumiu a obrigação de fornecer os materiais. Assim, a preliminar de ilegitimidade passiva do Requerido merece acolhimento. ANTE O EXPOSTO, nos termos dos artigos 487, I c/c art. 701, §2º do CPC, ACOLHO a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Requerido ANTONIO FRANGE JUNIOR e, por conseguinte, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO em relação a ele, com fundamento no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil. CONDENO a parte Autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, atento aos vetores previstos no artigo 85 do CPC. Transitado em julgado, arquive-se. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá/MT, data da assinatura digital. YALE SABO MENDES Juiz de Direito

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000460-84.2021.8.11.0055

ID: 310859400

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000460-84.2021.8.11.0055

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

BANCO C6 CONSIGNADO S.A.

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000460-84.2021.8.11.0055 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Indenização por Dano Materi… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000460-84.2021.8.11.0055 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [BANCO C6 CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 61.348.538/0001-86 (APELANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), BANCO C6 S.A. - CNPJ: 31.872.495/0001-72 (APELANTE), EDI ALVES DA SILVA - CPF: 912.376.101-68 (APELADO), NAIRON CESAR DINIZ DE SOUSA - CPF: 003.253.121-41 (ADVOGADO), ANDRE FERREIRA DA SILVA - CPF: 008.636.471-54 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE. ASSINATURA INAUTÊNTICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL CONFIGURADO. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por Banco C6 Consignado S.A. contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por Edi Alves da Silva, na ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com indenização por danos morais, para: (i) declarar a inexistência do contrato de empréstimo consignado firmado entre as partes e (ii) condenar a instituição financeira ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, além da liberação de valores consignados em juízo. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se há responsabilidade da instituição financeira pela contratação fraudulenta; (ii) verificar se está configurado o dever de indenizar por danos morais; (iii) analisar se é possível a redução do valor arbitrado e a compensação dos valores efetivamente recebidos pela autora. III. RAZÕES DE DECIDIR A perícia grafotécnica realizada conclui que há significativa probabilidade de que a assinatura aposta na cédula de crédito bancário não tenha sido realizada pela autora, configurando fraude na contratação. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos decorrentes de fraudes praticadas no âmbito de operações bancárias, conforme Súmula 479 do STJ e consolidada jurisprudência do STJ no REsp nº 1.199.782/PR. O dano moral resta configurado em razão dos descontos indevidos realizados no benefício previdenciário da autora, sendo desnecessária a demonstração de efetivo abalo, por se tratar de dano in re ipsa. Contudo, o valor fixado na sentença (R$ 10.000,00) se revela excessivo diante das circunstâncias do caso concreto, impondo-se sua redução para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A compensação dos valores recebidos é medida que se impõe, uma vez que, apesar de não ter ocorrido contratação válida, houve efetivo repasse de numerário à conta da autora, cuja devolução é necessária para evitar enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 884 e seguintes do Código Civil. Quanto aos encargos, mantém-se o termo inicial dos juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) e da correção monetária desde a data do arbitramento (Súmula 362/STJ). IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A instituição financeira responde objetivamente pelos danos decorrentes de contratação fraudulenta, ainda que também figure como vítima do golpe, nos termos da Súmula 479 do STJ. A contratação indevida de empréstimo consignado gera dano moral in re ipsa, dispensada a comprovação de prejuízo concreto. O valor da indenização por danos morais deve ser fixado de forma proporcional à gravidade do dano, ao porte econômico das partes e às circunstâncias do caso concreto. É admissível a compensação dos valores efetivamente creditados ao consumidor, mesmo na hipótese de anulação do contrato, para evitar enriquecimento sem causa. Dispositivos relevantes citados: CC, art. 944. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmulas 54, 362 e 479; STJ, REsp 1.199.782/PR; STJ, AgInt no AREsp 2.060.422/SP; TJMT, ApCiv 1008828-76.2023.8.11.0002; TJMT, ApCiv 1029467-32.2022.8.11.0041; TJMT, ApCiv 1040925-46.2022.8.11.0041; TJMT, ApCiv 1068087-45.2024.8.11.0041; STJ, Tema 1059. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO C6 CONSIGNADO S.A. (“C6 CONSIG”) contra sentença proferida pela MMª Juíza de Direito Lílian Bartolazzi Laurindo Bianchini, da 5ª Vara Cível da Comarca de Tangará da Serra, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por Edi Alves da Silva na presente ação declaratória de inexistência de relação jurídica, para declarara inexistência do contrato de empréstimoequalquer dívida dele proveniente e o levantamento dos valores depositados aos autos em ID n. 48234696, assim como para condenar a instituição financeira ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais. Em suas razões, a Apelante argumenta que a sentença merece reforma, pois a Recorrida não carreou aos autos provas suficientes a embasar sua fundamentação de que tenha sofrido transtornos por culpa da instituição financeira, tampouco que estes pudessem configurar dano indenizável. Alega, ainda, desproporcionalidade no valor fixado em danos morais, sobretudo considerando a complexidade do caso. Diante disso, requer o provimento do recurso, para que seja afastado o dever de indenizar e autorizada a compensação. Subsidiariamente, pugna pela redução do quantum indenizatório em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com juros e correção monetária a incidir a partir do arbitramento, nos termos da Súmula 362/STJ. Embora intimada para apresentar as contrarrazões (ID 291470986), a parte apelada se manteve inerte. Cumpridos os requisitos de admissibilidade, submeto o recurso ao julgamento colegiado. É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Egrégia Câmara: Extrai-se dos autos que, inicialmente, trata-se de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c.c Reparação Civil e Consignação em Pagamento do Valor Creditado Indevidamente movida por Edi Alves da Silva contra Banco C6 Consignado S.A., na qual a Autora alega ter sido depositado em sua conta bancária valor não solicitado à instituição financeira. Colhe-se da inicial que a Autora propôs a presente ação visando o acolhimento do pedido, para que autorizado o depósito em juízo do montante equivalente a R$ 2.118,82 (dois mil e cento e dezoito reais e oitenta e dois centavos) creditado indevidamente em sua conta bancária. Por fim, pleiteou a condenação da Ré à indenização por danos morais em R$ 15.000,00. A Ré, por sua vez, em sede de contestação, defendeu a regularidade da contratação, coligindo ao feito a Cédula de Crédito Bancário assinada pela autora. Ao impugnar a defesa do banco, a Autora aduziu não reconhecer a assinatura presente na Cédula de Crédito Bancário trazida pela instituição financeira. Determinou-se, assim, a realização de perícia grafotécnica, constando do Laudo pericial a seguinte conclusão: “nos exames, denotando que tal assinatura questionada TEM GRANDE TENDÊNCIA DE NÃO TER SIDO EXARADA POR SEU PUNHO ESCRITURADOR. Trata-se, portanto, de ASSINATURA COM SIGNIFICATIVA PROBABILIDADE DE SER INAUTÊNTICA”. (ID 141792832). Na sequência, o MM. Juiz de Direito prolatou sentença, sendo os seguintes pontos os que importam à discussão: “(...) 9. Analisando o conjunto probatório carreado aos autos, verifico que ao contrário do que foi sustentado pela parte requerida, não merecem prosperar os fundamentos da defesa. 10. Isso porque, embora apresente no corpo da contestação a tese de legalidade das cobranças e negue quaisquer irregularidades na contratação do consórcio, por certo que tal tese não subsiste face das provas produzidas nos autos, evidenciando a ausência de relação jurídica entre as partes quanto a contratação do consórcio. 11. Destaque-se que diante do laudo pericial juntado aos autos, conclui-se que “nos exames, denotando que tal assinatura questionada TEM GRANDE TENDÊNCIA DE NÃO TER SIDO EXARADA POR SEU PUNHO ESCRITURADOR. Trata-se, portanto, de ASSINATURA COM SIGNIFICATIVA PROBABILIDADE DE SER INAUTÊNTICA”. 12. Compulsando o feito verifica-se quehá uma infinidade de consumidores lesados por atos praticados pela requerida no âmbito nacional, mediante um modus operandi que se replica em várias pessoas. 13. Assim, consoante preceitua o art. 112 do CC/2002, “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.” Desta forma, o contrato escrito, assim como a gravação eletrônica existem, e não são negados pela parte autora, no entanto, a causa de pedir se funda na abordagem requerida por ocasião da oferta do negócio, mediante publicidade enganosa, oferecendo contemplação imediata. 14. Nesse sentido é a jurisprudência: [...] 15. Outrossim, com base na farta prova documental coligida aos autos, constato a conduta perpetrada pela requerida em desfavor do requerente consubstanciada na falha da prestação dos serviços e a patente relação de causalidade entre sua conduta e o dano moral suportado pelo requerente, sendo oportuno destacar que a possibilidade de indenização dos danos morais é questão que hodiernamente não mais se discute, havendo a Carta Republicana de 1988 pacificado a temática ao prever, expressamente, a indenizabilidade no seu artigo 5º, incisos V e X, embora jamais tivesse o Código Civil de 1916 restringido tal pretensão. 16. Ressalto, no entanto, que o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor atribui ao fornecedor dos serviços a reparação dos danos decorrentes de defeitos relativos à prestação dos serviços, independente de culpa, sendo que só terá a sua responsabilidade eximida se provar a inexistência do defeito ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 17. Assim, consigno que ocorrência do dano moral nos presentes autos é indiscutível, visto que ficou demonstrado nos autos que o consumidor foi levado a erro. Tal condição foi essencial para a concretização do negócio. Desse modo, entendo que a conduta da ré se afigurou ilícita, porquanto prestou informações inverídicas que induziram o autor a erro na contratação. 18. Superada, portanto, a discussão acerca do dever de indenizar, resta agora ser discutido o valor da indenização a ser fixada a título de dano moral em favor da parte requerente. 19. Nesta linha de ideias, considerando-se o porte financeiro da causadora do dano, o caráter compensatório e inibidor da condenação, a situação econômica e social do autor, bem como os reflexos danosos do ato ilícito praticado pela parte requerida, entendo que a indenização deve ser fixada em R$10.000,00 (dez mil reais), valor este que considero adequadoaos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. 20. Em se tratando de responsabilidade civil extrapatrimonial, os juros moratórios fluem a partir da data da ocorrência do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça). Por outro lado, correção monetária incidentes do arbitramento da indenização (Súmula 362 Superior Tribunal de Justiça). 21. Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados pelo requerente para: I) DECLARAR a inexistência do contrato de empréstimoequalquer dívida dele proveniente eis que não contratado pelo autor, bem como DETERMINO para que o requerido informe dados bancários da conta para levantamento dos valores depositados aos autos em ID n. 48234696; II) CONDENAR a parte requerida ao pagamento a título de danos morais o montante de R$10.000,00 (dez mil reais); IV) CONDENAR a requerida ainda ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais, arbitrados no patamar de 10% do valor da causa. 22. Por fim, JULGO EXTINTO O PROCESSO, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.(...)” Contra a sentença se insurge a Apelante, afirmando que não houve demonstração mínima, por parte da Autora, da ocorrência de dano moral indenizável. Assevera, também, que “ciente do resultado da perícia realizada nos autos, o requerido reforça que o dano moral, mesmo em situações de fraude constatada, não deve ser aplicado. Isto porque não seria razoável a aplicação de dever indenizatório em situações em que a Instituição assume também o papel de vítima.” Assegura que “não se trata de interesse da Instituição a ocorrência de contratações do tipo, pois estas também geram ônus financeiro e reputacional para a empresa. No mais, inexistia qualquer suspeita quanto à formalização realizada, não tendo como a presente Instituição adivinhar pela irregularidade.” Pois bem. Inobstante a força argumentativa da instituição financeira, entendo que subsiste o dever de indenizar. Como é cediço, as fraudes praticadas por terceiros não têm o condão de eximir a responsabilidade da Apelante. Isso porque a instituição financeira, diante da atividade de risco que desenvolve, responde pelas disfunções de seus serviços, absorvendo os danos daí decorrentes, os quais não podem ser repassados ao consumidor. Tal matéria, inclusive, foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio do Enunciado n. 479, in verbis: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.” Portanto, incide, no caso em exame, a teoria da responsabilidade objetiva, razão pela qual deve o banco recorrente responder pelos danos que vier a causar ao consumidor, independentemente da configuração da culpa. A propósito, cito o seguinte julgado do c. STJ: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido.” (STJ - REsp: 1199782 PR 2010/0119382-8, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 24/08/2011, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 12/09/2011 RSSTJ vol. 43 p . 179 RSTJ vol. 224 p. 306, grifo nosso) Embora a Apelante sustente que a sentença, se mantida, resultaria em enriquecimento ilícito da parte apelada, sob o argumento de que não foi comprovado qualquer abalo psicológico ou dano moral decorrente das ações da instituição financeira, tal alegação não afasta o dever de indenizar. Ademais, no caso em questão, considerando que os descontos indevidos realizados no benefício previdenciário da autora resultam de um contrato fraudulento, tal fato, por si só, é suficiente para caracterizar o dano moral, dispensando a necessidade de comprovação específica de abalo psicológico ou constrangimento. Assim, não há possibilidade de se afastar o dever de indenizar pelos danos causados à Autora. Quanto ao pedido subsidiário de redução da indenização devida por danos morais, este merece guarida, sobretudo porque entendo se tratar de ônus excessivo em comparação ao dano causado à demandante. Cumpre ressaltar que não existe uma tabela com valores pré-fixados para cada tipo de dano moral, mormente pelo fato deste ser imensurável. Nesta ótica, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação. Devem-se observar os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito à vítima. Ao mesmo tempo, o valor deve ser significativo para que não passe despercebido, coibindo a conduta negligente do agente causador. Com isso, entendo que o valor arbitrado pelo juízo a quo em R$ 10.000,00 (dez mil reais) se mostra excessivo frente à gravidade do fato. Consigna-se que não se trata aqui de minimizar o sofrimento experimentado pelo Apelado, mas de adequar a indenização aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, conforme estabelece o art. 944, parágrafo único, do Código Civil, que dispõe que a indenização deve ser proporcional à extensão do dano. “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. A análise dos autos demonstra que a situação vivenciada, embora grave, não atingiu níveis que justifiquem uma indenização tão elevada. A Autora experienciou constrangimento decorrente da necessidade de se impugnar os descontos fraudulentos e de participar de perícia grafotécnica para comprovar suas alegações, fato este que, sem dúvida, gera abalo emocional e estresse, especialmente considerando que os descontos realizados incidiam sobre verba de natureza alimentar. Todavia, não há indícios de que esse constrangimento tenha causado danos permanentes ou de extrema gravidade, a ponto de justificar uma indenização no patamar estabelecido na sentença. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal tem reiteradamente defendido que o valor da indenização por danos morais deve ser fixado com moderação, observando-se as circunstâncias do caso concreto, a gravidade do dano e a situação econômica das partes, de forma a evitar o enriquecimento sem causa. Nesse sentido: “Em geral recomenda-se evitar o enriquecimento sem causa do beneficiário e, ao mesmo tempo, repreender o agressor de modo perceptível no seu patrimônio. A ideia que se aceita hodiernamente é de se afastar o estímulo ao ilícito(STJ - AgInt no AREsp: 2060422 SP 2022/0021989-2, Relator.: FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 27/09/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/09/2022) Deve ser reduzido o valor da indenização decorrente de dano moral para atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes.” (N.U 1008828-76.2023.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/09/2024, Publicado no DJE 10/09/2024) Assim, diante das peculiaridades do caso, penso que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para atender aos objetivos compensatórios e punitivos da indenização, sem desproporcionalidade. No tocante ao termo inicial de incidência dos juros de mora sobre o montante arbitrado pelo dano moral, convém esclarecer ao recorrente que o dever de indenizar foi reconhecido em face da inexistência de débito, que fora gerado mediante fraude, de modo que o termo inicial para a incidência dos juros moratórios, tratando-se de responsabilidade civil extracontratual, deve ocorrer a partir do evento danoso, consoante o disposto na súmula 54 do STJ, razão pela qual mantenho a r. sentença neste particular. No que concerne ao termo inicial da correção monetária, verifico que a determinação do magistrado no ato sentencial já foi no sentido de que seja considerada a data do arbitramento, consoante Súmula 362 do STJ, de tal forma que deixo de analisar o pedido neste ponto. Outrossim, quanto ao pedido de autorização de eventual compensação, tenho que este também merece acolhimento, pois, ainda que o negócio jurídico em questão tenha sido declarado inexistente, o que afastaria a sua validade desde o início, não se pode ignorar que houve, de fato, o envio de valores à conta da parte consumidora, conforme comprovado pelos documentos juntados, incluindo o TED apresentado. Tal circunstância demonstra que, embora o contrato tenha sido invalidado, houve um repasse de recursos que beneficiou a parte consumidora, ainda que não tenha sido solicitado, configurando uma relação de recebimento efetivo de numerário. Dessa forma, é adequado o acolhimento do pedido de compensação, uma vez que não seria razoável permitir o enriquecimento sem causa da parte apelada. O princípio do enriquecimento sem causa, consagrado no ordenamento jurídico nacional, impõe a necessidade de se evitar que uma das partes obtenha vantagem indevida com a invalidade do contrato, de modo que, havendo prova inequívoca de que o autor recebeu valores, esses devem ser devidamente compensados com a condenação imposta à requerida. Assim, acolhe-se o pedido de compensação, nos exatos termos acima delineados, como forma de assegurar a equidade entre as partes e a justa aplicação do direito. Ressalta-se que é pacífico o entendimento desta Quinta Câmara no sentido de que a compensação de valores entre as partes é admissível para evitar o enriquecimento sem causa, conforme se depreende dos seguintes julgados: “Admitida a compensaçãodosvaloresefetivamente depositados na conta da autora, a serem apurados em liquidação de sentença, paraevitarenriquecimentosemcausa.” (N.U 1029467-32.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/06/2025, Publicado no DJE 13/06/2025) “É devida a indenização por danos morais e materiais em razão da contratação viciada, sendo possível acompensaçãodosvaloresefetivamente repassados ao consumidor para evitar enriquecimento indevido.” (N.U 1040925-46.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/06/2025, Publicado no DJE 13/06/2025) “ É admissível acompensaçãoentrevaloresdevidos pela instituição financeira a título de repetição de indébito e montantes devidos pela parte devedora em razão do inadimplemento contratual.” (N.U 1068087-45.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 08/06/2025, Publicado no DJE 08/06/2025) Por fim, visando evitar a oposição de embargos declaratórios, saliento que reputo prequestionados todos os dispositivos legais invocados. Ressalta-se que os pedidos formulados foram examinados com base na legislação pertinente e jurisprudência dominante, sendo desnecessário exame pontual de cada artigo suscitado no recurso. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para reduzir o quantum indenizatório à importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária a incidir desde a data do arbitramento e taxa de juros a contar a partir do evento danoso, nos termos das Súmulas 54 e 362, do STJ, e autorizar eventual possibilidade de compensação de valores, mantendo o restante da sentença inalterado, por estes e seus próprios fundamentos. Deixo de majorar os honorários recursais (art. 85, §11, do CPC), uma vez que condicionado ao não conhecimento do recurso ou seu desprovimento, sendo incabível quando for provida a apelação, ainda que parcialmente, como na espécie (STJ, Tema n. 1.059, REsp n. 1.864.633/RS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Corte Especial, j. 09/11/2023, DJe 21/12/2023). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000460-84.2021.8.11.0055

ID: 310859428

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000460-84.2021.8.11.0055

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

EDI ALVES DA SILVA

Acórdão

Advogados:

NAIRON CESAR DINIZ DE SOUSA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ANDRE FERREIRA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000460-84.2021.8.11.0055 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Indenização por Dano Materi… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000460-84.2021.8.11.0055 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Indenização por Dano Material, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [BANCO C6 CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 61.348.538/0001-86 (APELANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), BANCO C6 S.A. - CNPJ: 31.872.495/0001-72 (APELANTE), EDI ALVES DA SILVA - CPF: 912.376.101-68 (APELADO), NAIRON CESAR DINIZ DE SOUSA - CPF: 003.253.121-41 (ADVOGADO), ANDRE FERREIRA DA SILVA - CPF: 008.636.471-54 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE. ASSINATURA INAUTÊNTICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL CONFIGURADO. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por Banco C6 Consignado S.A. contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por Edi Alves da Silva, na ação declaratória de inexistência de relação jurídica cumulada com indenização por danos morais, para: (i) declarar a inexistência do contrato de empréstimo consignado firmado entre as partes e (ii) condenar a instituição financeira ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, além da liberação de valores consignados em juízo. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se há responsabilidade da instituição financeira pela contratação fraudulenta; (ii) verificar se está configurado o dever de indenizar por danos morais; (iii) analisar se é possível a redução do valor arbitrado e a compensação dos valores efetivamente recebidos pela autora. III. RAZÕES DE DECIDIR A perícia grafotécnica realizada conclui que há significativa probabilidade de que a assinatura aposta na cédula de crédito bancário não tenha sido realizada pela autora, configurando fraude na contratação. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos decorrentes de fraudes praticadas no âmbito de operações bancárias, conforme Súmula 479 do STJ e consolidada jurisprudência do STJ no REsp nº 1.199.782/PR. O dano moral resta configurado em razão dos descontos indevidos realizados no benefício previdenciário da autora, sendo desnecessária a demonstração de efetivo abalo, por se tratar de dano in re ipsa. Contudo, o valor fixado na sentença (R$ 10.000,00) se revela excessivo diante das circunstâncias do caso concreto, impondo-se sua redução para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A compensação dos valores recebidos é medida que se impõe, uma vez que, apesar de não ter ocorrido contratação válida, houve efetivo repasse de numerário à conta da autora, cuja devolução é necessária para evitar enriquecimento sem causa, nos termos dos artigos 884 e seguintes do Código Civil. Quanto aos encargos, mantém-se o termo inicial dos juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) e da correção monetária desde a data do arbitramento (Súmula 362/STJ). IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A instituição financeira responde objetivamente pelos danos decorrentes de contratação fraudulenta, ainda que também figure como vítima do golpe, nos termos da Súmula 479 do STJ. A contratação indevida de empréstimo consignado gera dano moral in re ipsa, dispensada a comprovação de prejuízo concreto. O valor da indenização por danos morais deve ser fixado de forma proporcional à gravidade do dano, ao porte econômico das partes e às circunstâncias do caso concreto. É admissível a compensação dos valores efetivamente creditados ao consumidor, mesmo na hipótese de anulação do contrato, para evitar enriquecimento sem causa. Dispositivos relevantes citados: CC, art. 944. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmulas 54, 362 e 479; STJ, REsp 1.199.782/PR; STJ, AgInt no AREsp 2.060.422/SP; TJMT, ApCiv 1008828-76.2023.8.11.0002; TJMT, ApCiv 1029467-32.2022.8.11.0041; TJMT, ApCiv 1040925-46.2022.8.11.0041; TJMT, ApCiv 1068087-45.2024.8.11.0041; STJ, Tema 1059. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO C6 CONSIGNADO S.A. (“C6 CONSIG”) contra sentença proferida pela MMª Juíza de Direito Lílian Bartolazzi Laurindo Bianchini, da 5ª Vara Cível da Comarca de Tangará da Serra, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por Edi Alves da Silva na presente ação declaratória de inexistência de relação jurídica, para declarara inexistência do contrato de empréstimoequalquer dívida dele proveniente e o levantamento dos valores depositados aos autos em ID n. 48234696, assim como para condenar a instituição financeira ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de danos morais. Em suas razões, a Apelante argumenta que a sentença merece reforma, pois a Recorrida não carreou aos autos provas suficientes a embasar sua fundamentação de que tenha sofrido transtornos por culpa da instituição financeira, tampouco que estes pudessem configurar dano indenizável. Alega, ainda, desproporcionalidade no valor fixado em danos morais, sobretudo considerando a complexidade do caso. Diante disso, requer o provimento do recurso, para que seja afastado o dever de indenizar e autorizada a compensação. Subsidiariamente, pugna pela redução do quantum indenizatório em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com juros e correção monetária a incidir a partir do arbitramento, nos termos da Súmula 362/STJ. Embora intimada para apresentar as contrarrazões (ID 291470986), a parte apelada se manteve inerte. Cumpridos os requisitos de admissibilidade, submeto o recurso ao julgamento colegiado. É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Egrégia Câmara: Extrai-se dos autos que, inicialmente, trata-se de Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c.c Reparação Civil e Consignação em Pagamento do Valor Creditado Indevidamente movida por Edi Alves da Silva contra Banco C6 Consignado S.A., na qual a Autora alega ter sido depositado em sua conta bancária valor não solicitado à instituição financeira. Colhe-se da inicial que a Autora propôs a presente ação visando o acolhimento do pedido, para que autorizado o depósito em juízo do montante equivalente a R$ 2.118,82 (dois mil e cento e dezoito reais e oitenta e dois centavos) creditado indevidamente em sua conta bancária. Por fim, pleiteou a condenação da Ré à indenização por danos morais em R$ 15.000,00. A Ré, por sua vez, em sede de contestação, defendeu a regularidade da contratação, coligindo ao feito a Cédula de Crédito Bancário assinada pela autora. Ao impugnar a defesa do banco, a Autora aduziu não reconhecer a assinatura presente na Cédula de Crédito Bancário trazida pela instituição financeira. Determinou-se, assim, a realização de perícia grafotécnica, constando do Laudo pericial a seguinte conclusão: “nos exames, denotando que tal assinatura questionada TEM GRANDE TENDÊNCIA DE NÃO TER SIDO EXARADA POR SEU PUNHO ESCRITURADOR. Trata-se, portanto, de ASSINATURA COM SIGNIFICATIVA PROBABILIDADE DE SER INAUTÊNTICA”. (ID 141792832). Na sequência, o MM. Juiz de Direito prolatou sentença, sendo os seguintes pontos os que importam à discussão: “(...) 9. Analisando o conjunto probatório carreado aos autos, verifico que ao contrário do que foi sustentado pela parte requerida, não merecem prosperar os fundamentos da defesa. 10. Isso porque, embora apresente no corpo da contestação a tese de legalidade das cobranças e negue quaisquer irregularidades na contratação do consórcio, por certo que tal tese não subsiste face das provas produzidas nos autos, evidenciando a ausência de relação jurídica entre as partes quanto a contratação do consórcio. 11. Destaque-se que diante do laudo pericial juntado aos autos, conclui-se que “nos exames, denotando que tal assinatura questionada TEM GRANDE TENDÊNCIA DE NÃO TER SIDO EXARADA POR SEU PUNHO ESCRITURADOR. Trata-se, portanto, de ASSINATURA COM SIGNIFICATIVA PROBABILIDADE DE SER INAUTÊNTICA”. 12. Compulsando o feito verifica-se quehá uma infinidade de consumidores lesados por atos praticados pela requerida no âmbito nacional, mediante um modus operandi que se replica em várias pessoas. 13. Assim, consoante preceitua o art. 112 do CC/2002, “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.” Desta forma, o contrato escrito, assim como a gravação eletrônica existem, e não são negados pela parte autora, no entanto, a causa de pedir se funda na abordagem requerida por ocasião da oferta do negócio, mediante publicidade enganosa, oferecendo contemplação imediata. 14. Nesse sentido é a jurisprudência: [...] 15. Outrossim, com base na farta prova documental coligida aos autos, constato a conduta perpetrada pela requerida em desfavor do requerente consubstanciada na falha da prestação dos serviços e a patente relação de causalidade entre sua conduta e o dano moral suportado pelo requerente, sendo oportuno destacar que a possibilidade de indenização dos danos morais é questão que hodiernamente não mais se discute, havendo a Carta Republicana de 1988 pacificado a temática ao prever, expressamente, a indenizabilidade no seu artigo 5º, incisos V e X, embora jamais tivesse o Código Civil de 1916 restringido tal pretensão. 16. Ressalto, no entanto, que o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor atribui ao fornecedor dos serviços a reparação dos danos decorrentes de defeitos relativos à prestação dos serviços, independente de culpa, sendo que só terá a sua responsabilidade eximida se provar a inexistência do defeito ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 17. Assim, consigno que ocorrência do dano moral nos presentes autos é indiscutível, visto que ficou demonstrado nos autos que o consumidor foi levado a erro. Tal condição foi essencial para a concretização do negócio. Desse modo, entendo que a conduta da ré se afigurou ilícita, porquanto prestou informações inverídicas que induziram o autor a erro na contratação. 18. Superada, portanto, a discussão acerca do dever de indenizar, resta agora ser discutido o valor da indenização a ser fixada a título de dano moral em favor da parte requerente. 19. Nesta linha de ideias, considerando-se o porte financeiro da causadora do dano, o caráter compensatório e inibidor da condenação, a situação econômica e social do autor, bem como os reflexos danosos do ato ilícito praticado pela parte requerida, entendo que a indenização deve ser fixada em R$10.000,00 (dez mil reais), valor este que considero adequadoaos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. 20. Em se tratando de responsabilidade civil extrapatrimonial, os juros moratórios fluem a partir da data da ocorrência do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça). Por outro lado, correção monetária incidentes do arbitramento da indenização (Súmula 362 Superior Tribunal de Justiça). 21. Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados pelo requerente para: I) DECLARAR a inexistência do contrato de empréstimoequalquer dívida dele proveniente eis que não contratado pelo autor, bem como DETERMINO para que o requerido informe dados bancários da conta para levantamento dos valores depositados aos autos em ID n. 48234696; II) CONDENAR a parte requerida ao pagamento a título de danos morais o montante de R$10.000,00 (dez mil reais); IV) CONDENAR a requerida ainda ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais, arbitrados no patamar de 10% do valor da causa. 22. Por fim, JULGO EXTINTO O PROCESSO, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.(...)” Contra a sentença se insurge a Apelante, afirmando que não houve demonstração mínima, por parte da Autora, da ocorrência de dano moral indenizável. Assevera, também, que “ciente do resultado da perícia realizada nos autos, o requerido reforça que o dano moral, mesmo em situações de fraude constatada, não deve ser aplicado. Isto porque não seria razoável a aplicação de dever indenizatório em situações em que a Instituição assume também o papel de vítima.” Assegura que “não se trata de interesse da Instituição a ocorrência de contratações do tipo, pois estas também geram ônus financeiro e reputacional para a empresa. No mais, inexistia qualquer suspeita quanto à formalização realizada, não tendo como a presente Instituição adivinhar pela irregularidade.” Pois bem. Inobstante a força argumentativa da instituição financeira, entendo que subsiste o dever de indenizar. Como é cediço, as fraudes praticadas por terceiros não têm o condão de eximir a responsabilidade da Apelante. Isso porque a instituição financeira, diante da atividade de risco que desenvolve, responde pelas disfunções de seus serviços, absorvendo os danos daí decorrentes, os quais não podem ser repassados ao consumidor. Tal matéria, inclusive, foi sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio do Enunciado n. 479, in verbis: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.” Portanto, incide, no caso em exame, a teoria da responsabilidade objetiva, razão pela qual deve o banco recorrente responder pelos danos que vier a causar ao consumidor, independentemente da configuração da culpa. A propósito, cito o seguinte julgado do c. STJ: “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido.” (STJ - REsp: 1199782 PR 2010/0119382-8, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 24/08/2011, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 12/09/2011 RSSTJ vol. 43 p . 179 RSTJ vol. 224 p. 306, grifo nosso) Embora a Apelante sustente que a sentença, se mantida, resultaria em enriquecimento ilícito da parte apelada, sob o argumento de que não foi comprovado qualquer abalo psicológico ou dano moral decorrente das ações da instituição financeira, tal alegação não afasta o dever de indenizar. Ademais, no caso em questão, considerando que os descontos indevidos realizados no benefício previdenciário da autora resultam de um contrato fraudulento, tal fato, por si só, é suficiente para caracterizar o dano moral, dispensando a necessidade de comprovação específica de abalo psicológico ou constrangimento. Assim, não há possibilidade de se afastar o dever de indenizar pelos danos causados à Autora. Quanto ao pedido subsidiário de redução da indenização devida por danos morais, este merece guarida, sobretudo porque entendo se tratar de ônus excessivo em comparação ao dano causado à demandante. Cumpre ressaltar que não existe uma tabela com valores pré-fixados para cada tipo de dano moral, mormente pelo fato deste ser imensurável. Nesta ótica, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação. Devem-se observar os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito à vítima. Ao mesmo tempo, o valor deve ser significativo para que não passe despercebido, coibindo a conduta negligente do agente causador. Com isso, entendo que o valor arbitrado pelo juízo a quo em R$ 10.000,00 (dez mil reais) se mostra excessivo frente à gravidade do fato. Consigna-se que não se trata aqui de minimizar o sofrimento experimentado pelo Apelado, mas de adequar a indenização aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, conforme estabelece o art. 944, parágrafo único, do Código Civil, que dispõe que a indenização deve ser proporcional à extensão do dano. “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. A análise dos autos demonstra que a situação vivenciada, embora grave, não atingiu níveis que justifiquem uma indenização tão elevada. A Autora experienciou constrangimento decorrente da necessidade de se impugnar os descontos fraudulentos e de participar de perícia grafotécnica para comprovar suas alegações, fato este que, sem dúvida, gera abalo emocional e estresse, especialmente considerando que os descontos realizados incidiam sobre verba de natureza alimentar. Todavia, não há indícios de que esse constrangimento tenha causado danos permanentes ou de extrema gravidade, a ponto de justificar uma indenização no patamar estabelecido na sentença. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal tem reiteradamente defendido que o valor da indenização por danos morais deve ser fixado com moderação, observando-se as circunstâncias do caso concreto, a gravidade do dano e a situação econômica das partes, de forma a evitar o enriquecimento sem causa. Nesse sentido: “Em geral recomenda-se evitar o enriquecimento sem causa do beneficiário e, ao mesmo tempo, repreender o agressor de modo perceptível no seu patrimônio. A ideia que se aceita hodiernamente é de se afastar o estímulo ao ilícito(STJ - AgInt no AREsp: 2060422 SP 2022/0021989-2, Relator.: FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 27/09/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/09/2022) Deve ser reduzido o valor da indenização decorrente de dano moral para atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes.” (N.U 1008828-76.2023.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/09/2024, Publicado no DJE 10/09/2024) Assim, diante das peculiaridades do caso, penso que o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para atender aos objetivos compensatórios e punitivos da indenização, sem desproporcionalidade. No tocante ao termo inicial de incidência dos juros de mora sobre o montante arbitrado pelo dano moral, convém esclarecer ao recorrente que o dever de indenizar foi reconhecido em face da inexistência de débito, que fora gerado mediante fraude, de modo que o termo inicial para a incidência dos juros moratórios, tratando-se de responsabilidade civil extracontratual, deve ocorrer a partir do evento danoso, consoante o disposto na súmula 54 do STJ, razão pela qual mantenho a r. sentença neste particular. No que concerne ao termo inicial da correção monetária, verifico que a determinação do magistrado no ato sentencial já foi no sentido de que seja considerada a data do arbitramento, consoante Súmula 362 do STJ, de tal forma que deixo de analisar o pedido neste ponto. Outrossim, quanto ao pedido de autorização de eventual compensação, tenho que este também merece acolhimento, pois, ainda que o negócio jurídico em questão tenha sido declarado inexistente, o que afastaria a sua validade desde o início, não se pode ignorar que houve, de fato, o envio de valores à conta da parte consumidora, conforme comprovado pelos documentos juntados, incluindo o TED apresentado. Tal circunstância demonstra que, embora o contrato tenha sido invalidado, houve um repasse de recursos que beneficiou a parte consumidora, ainda que não tenha sido solicitado, configurando uma relação de recebimento efetivo de numerário. Dessa forma, é adequado o acolhimento do pedido de compensação, uma vez que não seria razoável permitir o enriquecimento sem causa da parte apelada. O princípio do enriquecimento sem causa, consagrado no ordenamento jurídico nacional, impõe a necessidade de se evitar que uma das partes obtenha vantagem indevida com a invalidade do contrato, de modo que, havendo prova inequívoca de que o autor recebeu valores, esses devem ser devidamente compensados com a condenação imposta à requerida. Assim, acolhe-se o pedido de compensação, nos exatos termos acima delineados, como forma de assegurar a equidade entre as partes e a justa aplicação do direito. Ressalta-se que é pacífico o entendimento desta Quinta Câmara no sentido de que a compensação de valores entre as partes é admissível para evitar o enriquecimento sem causa, conforme se depreende dos seguintes julgados: “Admitida a compensaçãodosvaloresefetivamente depositados na conta da autora, a serem apurados em liquidação de sentença, paraevitarenriquecimentosemcausa.” (N.U 1029467-32.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/06/2025, Publicado no DJE 13/06/2025) “É devida a indenização por danos morais e materiais em razão da contratação viciada, sendo possível acompensaçãodosvaloresefetivamente repassados ao consumidor para evitar enriquecimento indevido.” (N.U 1040925-46.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/06/2025, Publicado no DJE 13/06/2025) “ É admissível acompensaçãoentrevaloresdevidos pela instituição financeira a título de repetição de indébito e montantes devidos pela parte devedora em razão do inadimplemento contratual.” (N.U 1068087-45.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 08/06/2025, Publicado no DJE 08/06/2025) Por fim, visando evitar a oposição de embargos declaratórios, saliento que reputo prequestionados todos os dispositivos legais invocados. Ressalta-se que os pedidos formulados foram examinados com base na legislação pertinente e jurisprudência dominante, sendo desnecessário exame pontual de cada artigo suscitado no recurso. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para reduzir o quantum indenizatório à importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária a incidir desde a data do arbitramento e taxa de juros a contar a partir do evento danoso, nos termos das Súmulas 54 e 362, do STJ, e autorizar eventual possibilidade de compensação de valores, mantendo o restante da sentença inalterado, por estes e seus próprios fundamentos. Deixo de majorar os honorários recursais (art. 85, §11, do CPC), uma vez que condicionado ao não conhecimento do recurso ou seu desprovimento, sendo incabível quando for provida a apelação, ainda que parcialmente, como na espécie (STJ, Tema n. 1.059, REsp n. 1.864.633/RS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Corte Especial, j. 09/11/2023, DJe 21/12/2023). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1036645-12.2023.4.01.3500

ID: 318744786

Tribunal: TRF1 Órgão: 10ª Vara Federal de Execução Fiscal da SJGO Classe: EMBARGOS à EXECUçãO FISCAL Nº Processo: 1036645-12.2023.4.01.3500

Data de Disponibilização: 08/07/2025

Polo Ativo:

LATICINIOS BELA VISTA LTDA

Polo Passivo:

Sentença Tipo A

Advogados:

CRISTINA LUZIA MACHADO PIMENTA BUENO NOGUEIRA

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

SAMI ABRAO HELOU

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

HENRIQUE CASTRO SANTOS

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 10ª Vara Federal de Execução Fiscal da SJGO PROCESSO: 1036645-12.2023.4.01.3500 CLASSE: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL (1118) POLO ATIVO: LATICI… PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 10ª Vara Federal de Execução Fiscal da SJGO PROCESSO: 1036645-12.2023.4.01.3500 CLASSE: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL (1118) POLO ATIVO: LATICINIOS BELA VISTA LTDA REPRESENTANTES POLO ATIVO: HENRIQUE CASTRO SANTOS - GO52384, SAMI ABRAO HELOU - SP114132 e CRISTINA LUZIA MACHADO PIMENTA BUENO NOGUEIRA -GO33600 POLO PASSIVO:DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES SENTENÇA Relatório Laticínios Bela Vista Ltda opõe-se à execução fiscal nº 1051922-39.2021.4.01.3500, contra si ajuizada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT, a fim de obter o provimento jurisdicional que declare extinto o aludido processo, sob os argumentos de prescrição e nulidade do título executivo. Argumenta, em resumo, que: a) a mencionada execução foi ajuizada para a cobrança de multas no valor total de R$ 33.896,40, referentes a oitenta e um (81) autos de infração por excesso de peso nos eixos, nos termos do art. 231, V, do Código de Trânsito Brasileiro; b) o DNIT ficou com todos os oitenta e um Autos de Infração paralisados por lapso temporal superior a 05 (cinco) anos, sem sequer dar andamento aos procedimentos necessários, sendo forçoso reconhecer a incidência da prescrição executória; c) houve dupla penalidade em relação aos Autos de Infração nºs B048041396 e B047057441, B017008850 e B019005092, B047057740, B048041669 e B045070963, já que as multas foram aplicadas no mesmo dia e para a mesma carga; d) a embargante possui como atividade principal a industrialização de produtos lácteos e contrata diversas transportadoras para realizar a captação de leite e distribuição dos produtos finais; e) não estão presentes os requisitos necessários, previstos no art. 257, §4º, do CTB, para responsabilizar a embargante, na qualidade de embarcadora, pelo pagamento das multas em discussão; f) os veículos de transporte de carga possuem a obrigação legal de indicar, em local visível, a inscrição de tara, lotação e peso bruto total (art. 117 do CTB e art. 2º da Resolução CONTRAN nº 290/08); g) a embargada, no exercício do poder de fiscalização, possui a obrigação de aferir com exatidão o peso efetivo da mercadoria transportada e compará-lo com o peso declarado na nota fiscal, a fim de se verificar a responsabilidade da embarcadora pelo excesso de peso; h) o peso das mercadorias descritas nas Notas Fiscais, à evidência, será muito menor do que o peso aferido no ato da fiscalização, pela metodologia de aferição adotada pela Autoridade Fiscalizadora, que considera o PBT AFERIDO, ou seja, o valor da carga (lotação) somada ao peso do veículo (tara); i) a embargante não pode ser responsabilizada pelo pagamento de multa por excesso de peso nos eixos se declarou na nota fiscal o peso bruto da carga e a administração considerou o peso bruto total do veículo (tara mais mercadoria); j) os autos de infração contêm vício formal insanável (art. 50, II, §1º, da Lei nº 9.784/99), na medida em que sequer descrevem o peso declarado na nota fiscal, o que exime a responsabilidade da embargante, na qualidade de embarcadora. Pede a condenação do embargado no pagamento dos ônus da sucumbência. Atribui à causa o valor de R$ 37.920,07. Mediante contestação de id. nº 1783255140, o embargado sustenta, em síntese, que: a) a alegação de prescrição é indevida, pois a contagem do prazo prescricional deve considerar os cento e oitenta (180) dias previstos no art. 2º, § 3º, da Lei 6.830/80, que suspendem a prescrição a partir da inscrição em dívida ativa até o ajuizamento da execução; b) a responsabilidade da parte autora pelas infrações está prevista no art. 257, § 4º, do Código de Trânsito Brasileiro, por ser a única embarcadora identificada nos documentos fiscais e nos autos de infração em análise; c) os autos de infração foram lavrados em conformidade com os parâmetros legais e regulamentares, inclusive quanto à metodologia de pesagem e à aferição dos equipamentos utilizados, os quais são certificados pelo INMETRO; d) não há exigência legal de que conste dos autos de infração o peso declarado na nota fiscal ou a tara do veículo, sendo suficientes os dados mínimos exigidos pelo art. 280 do CTB e pela Portaria DENATRAN nº 59/2007; e) as autuações não configuram bis in idem, pois os autos foram lavrados em locais, horários e condições distintas, conforme registros individualizados dos equipamentos e agentes fiscalizadores; f) as infrações foram devidamente fundamentadas, sendo aplicadas com base em legislação específica e atos administrativos dotados de presunção de legalidade e veracidade, não havendo vício formal ou material que justifique a nulidade dos autos em questão. Pede sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. Houve réplica (id. nº 2016697155), mediante a qual a embargante reitera os argumentos expendidos na petição inicial e acrescenta que é encargo do DNIT a comprovação do excesso de peso, a partir da verificação do peso da carga a maior do que o declarado na nota fiscal, além do permitido. Na fase de especificação de provas, as partes nada requereram. Fundamentação A execução fiscal nº 1051922-39.2021.4.01.3500 foi ajuizada pelo DNIT-Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes contra Laticínios Bela Vista Ltda, a fim de cobrar dívida consubstanciada na Certidão de Dívida Ativa nº 4.073.008262/21-27, decorrente de multas por excesso de peso nos eixos, nos termos do art. 231, V, do Código de Trânsito Brasileiro-CTB, verbis: Art. 231. Transitar com o veículo: (...) V - com excesso de peso, admitido percentual de tolerância quando aferido por equipamento, na forma a ser estabelecida pelo CONTRAN: Infração - média; Penalidade - multa acrescida a cada duzentos quilogramas ou fração de excesso de peso apurado, constante na seguinte tabela: (...) Medida administrativa - retenção do veículo e transbordo da carga excedente. A embargante instruiu a petição inicial destes embargos com cópia dos autos de infração que deram origem às multas em discussão, os quais revelam que a empresa Laticínios Bela Vista Ltda figura na qualidade de embarcadora. Nesse caso, estabelece o art. 257, §4º, do CTB, que o embarcador é responsável pela infração relativa ao transporte de carga com excesso de peso nos eixos ou no peso bruto total, quando simultaneamente for o único remetente da carga e o peso declarado na nota fiscal, fatura ou manifesto for inferior àquele aferido {original sem grifos}. Verifica-se que o primeiro requisito para a responsabilidade da ora embargante pelo pagamento das multas encontra-se presente, já que é a única empresa identificada no campo “embarcador” dos autos de infração em análise. No tocante ao segundo requisito (peso declarado na nota fiscal inferior àquele aferido), alega a embargante que a forma utilizada pelo DNIT para constatar o peso da carga impede a análise do aludido requisito, pelo que a autora não pode ser responsabilizada pelo pagamento das multas em questão. Afirma a embargante que pela metodologia de aferição adotada pela Autoridade Fiscalizadora, que considera o PBT AFERIDO, ou seja, o valor da carga (lotação) somada ao peso do veículo (tara), o peso das mercadorias descritas nas Notas Fiscais, à evidência, será muito menor do que o peso aferido no ato da fiscalização, ensejando a aplicação da penalidade à embarcadora das mercadorias. Consoante estabelece a Resolução nº 290, de 29/08/2008 do CONTRAN, todo o veículo de carga deve ter indicação de tara, lotação, peso bruto total e capacidade máxima de tração, sendo essa exigência imposta para fins de registro, licenciamento e circulação de veículos de carga. Para saber se a carga transportada supera o peso constante da nota fiscal, deve-se subtrair do peso bruto total (PTB) a tara do veículo (afixado no caminhão ou no seu manual de fábrica), ou seja, o seu peso sem a mercadoria. O embarcador não pode ser responsabilizado pelo excesso de peso se o auto de infração não informa de maneira clara e precisa o peso da carga existente no momento da atuação, já que sem essa informação é impossível realizar o confronto com o peso declarado na nota fiscal. No caso, os documentos que instruem a exordial demonstram que foram lavrados autos de infração em dois formatos: o primeiro (ex: AI nº B045070339) descreve como infração “transitar com o veículo com excesso de peso Por Eixo” e contém os campos “Medição Realizada”, “Limite Regulamentado” e “Valor Considerado”; enquanto o segundo modelo (ex: AI nº B047056924) aponta a infração com base no art. 231, V, do CTB e descreve o peso aferido, limite e excesso de cada eixo, bem como o PBT aferido, limite PTB e excesso PTB. É possível observar, ainda, que no primeiro modelo sequer há indicação do número da nota fiscal e do peso da mercadoria declarado na nota. Por outro lado, o segundo modelo descreve o número das notas fiscais, mas a grande maioria não indica o peso declarado nas notas. Verifica-se, portanto, que nos dois modelos de auto de infração impugnados o DNIT indica apenas o peso total aferido, o que corresponde à somatória da tara e da mercadoria transportada. Ou seja, não há nos autos de infração um campo destinado à identificação específica do peso da carga transportada, que, por óbvio, é menor do que o peso bruto total (valor da carga somada ao peso do veículo), pelo que não se pode afirmar que a embargante tenha declarado na nota fiscal pesagem a menor que a constatada na autuação. Nesse sentido, confira os seguintes precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, verbis: ADMINISTRATIVO. DNIT. COMPETÊNCIA. MULTA POR EXCESSO DE PESO POR EIXO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO EMBARCADOR. 1. O DNIT é competente para impor multas e outras medidas administrativas relativas a infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos (CTB, artigo 21, inc. VIII). 2. O peso declarado na nota fiscal diz respeito ao peso da carga a ser transportada pelo embarcador, sendo indevido, para fins de imputação de responsabilidade por excesso de peso, cotejar-se o valor declarado da carga com o valor do peso bruto total do caminhão (no qual se somam carga e tara). Precedentes deste Regional. (TRF4, AC 5062139-41.2016.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 30/05/2018) EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. AUTOS DE INFRAÇÃO. TRANSPORTE DE MERCADORIA. CAMINHÃO. EXCESSO DE PESO. EMBARCADOR. RESPONSABILIDADE. ART. 257, § 4º, CTB. PESO DECLARADO. AFERIÇÃO. INSUBSISTÊNCIA DAS AUTUAÇÕES. PROVIMENTO. 1. A configuração da responsabilidade do embarcador quanto à infração por excesso de peso, o § 4º do art. 257, do CTB exige o atendimento simultâneo de duas condicionantes: 1) o embarcador deve ser o único remetente da carga; e 2) o peso declarado na nota fiscal, fatura ou manifesto deve ser inferior àquele aferido pela fiscalização. 2. O embarcador não tem o dever de declarar na nota fiscal da mercadoria o peso do veículo que irá transportar o produto. E, se o peso do veículo (tara) não é computado no peso declarado em nota fiscal, o embarcador não pode ser penalizado por ter declarado peso a menor se a aferição administrativa considera o peso total (carga somada à tara). 3. Tem a administração, no exercício do poder de fiscalização, o dever de aferir com exatidão o peso efetivo da mercadoria transportada e compará-lo com o peso declarado na nota fiscal, não podendo se eximir desta responsabilidade. Precedentes desta Corte. 4. In casu, os autos de infração não indicam o peso da mercadoria existente no momento da atuação fiscal, resultante da subtração do valor da tara do valor do peso bruto, que permitiria o cotejo com o peso declarado em nota fiscal. Nesse contexto, não se pode concluir que a embargante tenha declarado pesagem a menor que a constatada pela fiscalização. 5. Ausente um dos pressupostos de responsabilização do embarcador, conforme art. 257, § 4º do CTB, não deve subsistir a cobrança das multas aplicadas, impondo-se o reconhecimento da nulidade das CDAs exequendas e, por conseguinte, a extinção da execução fiscal (nulla executio sine titulo). 6. Recurso de apelação provido. Invertidos os ônus sucumbenciais. (TRF4, Primeira Turma, AC 50013255320184047110, Relator Roger Raupp Rios, em 07.10.2020) Por isso mesmo, não sendo possível extrair dos autos de infração em análise requisito legal indispensável à responsabilização do embarcador da mercadoria, qual seja, a diferença a menor do peso declarado em nota fiscal em relação ao aferido por ocasião da autuação (art. 257, §4º, do CTB), são nulas as autuações questionadas nos presentes embargos, lavradas em face da empresa Laticínios Bela Vista Ltda. Resta prejudicada a análise dos demais argumentos apresentados pela parte autora. Dispositivo Pelo exposto, julgo procedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para reconhecer a nulidade da CDA nº 4.073.008262/21-27 e, de consequência, declarar extinta a execução fiscal nº 1051922-39.2021.4.01.3500, em curso perante este Juízo. Condeno o embargado no pagamento dos honorários advocatícios, que arbitro em dez por cento (10%) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 3º, I, do CPC. Considerando o aumento significativo de embargos de declaração claramente protelatórios perante este Juízo, o que retarda substancialmente a prestação jurisdicional, advirto que a interposição desse recurso com finalidade diversa de esclarecer ou integrar os pronunciamentos judiciais implicará na condenação da parte embargante ao pagamento da multa prevista no §2º do art. 1.026 do CPC. Importa registrar que o juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar o seu decisório, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e, tampouco a responder um a um todos os seus argumentos (STJ, AgRg no REsp n. 2.044.863/RS, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024). Sem custas finais, por isenção legal. Publique-se. Intimem-se. Arquivem-se oportunamente. Traslade-se cópia para o processo principal. Goiânia-GO, (data e assinatura digitais). Abel Cardoso Morais JUIZ FEDERAL

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Condominio Chapada Dos Sabias e outros x Samira Ibrahim Khargy Gomes

ID: 297720115

Tribunal: TJMT Órgão: 6ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: EMBARGOS à EXECUçãO Nº Processo: 1042756-32.2022.8.11.0041

Data de Disponibilização: 13/06/2025

Polo Ativo:

CONDOMINIO CHAPADA DOS SABIAS MARLOS WALDECLESON FERREIRA DE MENEZES

Polo Passivo:

SAMIRA IBRAHIM KHARGY GOMES

Sentença

Advogados:

LUCIANE BORDIGNON DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

GETULIO ANTONIO DE OLIVEIRA JUNIOR

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

RODOLFO COELHO RIBEIRO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 6ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Gabinete: e-mail - cba.gab6varacivel@tjmt.jus.br - telefone/whatsapp - (65) 3648-6334 Secretaria: e-mail - cba.6civel@tjmt.jus.br - tele… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 6ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Gabinete: e-mail - cba.gab6varacivel@tjmt.jus.br - telefone/whatsapp - (65) 3648-6334 Secretaria: e-mail - cba.6civel@tjmt.jus.br - telefone - (65) 3648-6327 Processo nº 1042756-32.2022.8.11.0041 Processo associado: 1037353-82.2022.8.11.0041 Vistos, em correição. Condomínio Chapada dos Sabiás, representado por seu síndico, propôs embargos à execução em face de Samira Ibrahim Khargy Gomes (MS Terceirizações e Serviços), sustentando, em síntese, a inexistência dos requisitos legais para a constituição de título executivo extrajudicial referente à multa contratual objeto da execução. Alegou que a rescisão do contrato de prestação de serviços foi motivada por reiterados descumprimentos contratuais da embargada, devidamente notificados e documentados, os quais, inclusive, ensejariam a aplicação da cláusula de rescisão motivada prevista no instrumento contratual. Apontou tentativa da embargada de imputar ao síndico do condomínio supostos atos de assédio com o intuito de eximir-se de sua responsabilidade pela quebra contratual, apresentando vasta documentação comprobatória, incluindo notificações, registros de reclamações, declarações de empregados e registros audiovisuais. Requereu, liminarmente, a suspensão da execução, nos termos do art. 919, §1º, do CPC, e, ao final, a procedência dos embargos com a extinção da execução por ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do título, com pedido subsidiário de reconhecimento de culpa concorrente, revisão da cláusula penal e condenação da embargada por litigância de má-fé. Com a petição inicial de ID 103247332, vieram os documentos de ID 103247334 a 103249611. Na decisão de ID 103490312, foi indeferido o pedido liminar de atribuição de efeito suspensivo aos embargos à execução, sob fundamento de que não foram preenchidos os requisitos do art. 919, §1º, do CPC, notadamente a ausência de demonstração da probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, bem como pela inexistência de garantia da execução por meio de penhora, depósito ou caução suficiente. Determinou, ainda, a intimação da parte embargada para apresentar manifestação no prazo legal de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 920, I, do CPC. A embargada Samira Ibrahim Khargy Gomes (MS Terceirizações e Serviços) apresentou impugnação aos embargos à execução no ID 109600515, sustentando, em síntese, a inexistência de arguição de preliminares relevantes na petição inicial e a plena validade do título executivo extrajudicial, representado por contrato de prestação de serviços assinado com duas testemunhas. Alegou que a cláusula contratual de multa por rescisão antecipada justifica o valor executado, detalhando o cálculo com base na cláusula 7.2. do contrato. Afirmou que a rescisão contratual decorreu de ato do síndico do condomínio, equivalente a assédio sexual, devidamente documentado, o que autorizaria a cobrança da multa. Argumentou que as notificações apresentadas pelo embargante referem-se a questões alheias ao objeto do contrato e foram atendidas, inexistindo provas de que a rescisão partiu da embargante. Contestou a alegação de litigância de má-fé, requerendo, ao final, a improcedência dos embargos à execução com condenação da parte embargante ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Juntou documentos de ID 109601137 a 109601344. O Condomínio Chapada dos Sabiás apresentou manifestação sobre a impugnação aos embargos à execução, sustentando que a parte embargada, MS Terceirizações e Serviços, deixou de impugnar especificamente os fatos e documentos juntados à inicial, atraindo a presunção de veracidade das alegações, nos termos do art. 341 do CPC. Destacou que diversas notificações formais por descumprimentos contratuais, registros de reclamações e declarações de funcionários da própria empresa comprovam a culpa exclusiva da embargada pela rescisão antecipada do contrato. Alegou ainda que os documentos trazidos pela embargada, como extratos bancários e trocas de e-mails, não infirmam os fundamentos dos embargos e, em verdade, corroboram as falhas contratuais alegadas. Por fim, reiterou o pedido de procedência dos embargos e requereu a designação de audiência de instrução para colheita de prova oral. Intimadas as partes sobre as provas que ainda pretende produzir, a embargante requereu a produção de prova oral, com a oitiva de testemunhas, para demonstrar que a rescisão do contrato decorreu exclusivamente de falhas na prestação dos serviços pela embargada. Indicou sete testemunhas, entre elas o síndico e moradores do condomínio, e requereu também o depoimento pessoal das partes, bem como a designação de audiência de instrução. Por sua vez, a embargada, igualmente requereu a produção de prova oral, indicando duas testemunhas com o objetivo de comprovar a ocorrência de ato ilícito praticado pelo síndico do condomínio, que teria motivado a rescisão contratual e, por consequência, a constituição do título executivo extrajudicial. Também pleiteou a designação de audiência de instrução. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Fundamento e decido. Do julgamento antecipado da lide O julgamento antecipado da lide encontra respaldo no art. 355, I, do Código de Processo Civil, quando não houver necessidade de produção de outras provas. No presente caso, a questão controvertida é eminentemente de direito, relacionada à exigibilidade do título executivo extrajudicial diante da controvérsia sobre as causas da rescisão contratual. A produção de prova oral pretendida pelas partes visa demonstrar as circunstâncias que motivaram o término do contrato. Contudo, tal dilação probatória é incompatível com a natureza dos embargos à execução e com o próprio fundamento da decisão que se impõe. A questão central dos autos não reside na apuração fática de quem efetivamente deu causa à rescisão contratual, mas sim no reconhecimento de que essa controvérsia, por si só, compromete a exigibilidade do título executivo. A existência de versões contraditórias sobre os motivos da rescisão, evidenciada pelas alegações das partes e pela documentação apresentada, já é suficiente para demonstrar que a cobrança da multa contratual demanda prévia cognição exauriente em processo de conhecimento. Assim, indefiro os pedidos de produção de prova oral formulados pelas partes, por desnecessários ao julgamento da causa, procedendo-se ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC. Da preliminar de ausência de certeza, liquidez e exigibilidade do título O presente feito cuida de embargos à execução opostos pelo Condomínio Chapada dos Sabiás em face de Samira Ibrahim Khargy Gomes (MS Terceirizações e Serviços), questionando a validade do título executivo extrajudicial que embasa a execução de multa contratual. Assim, primeiramente, cumpre analisar a questão preliminar arguida pelo embargante quanto à ausência dos requisitos essenciais do título executivo extrajudicial, especificamente no que tange à certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação executada. O título executivo extrajudicial deve atender aos requisitos previstos no art. 784 do Código de Processo Civil, sendo imprescindível que contenha obrigação certa, líquida e exigível. A certeza refere-se à precisão quanto à existência da obrigação e à identificação das partes; a liquidez diz respeito à determinação do quantum devido; e a exigibilidade relaciona-se à possibilidade de cobrança imediata da prestação. No caso em análise, verifica-se que o contrato de prestação de serviços firmado entre as partes efetivamente constitui título executivo extrajudicial, nos termos do art. 784, III, do CPC, uma vez que se trata de documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas e contém cláusula específica de multa por rescisão antecipada (cláusula 7.2), estabelecendo o percentual de 50% dos valores dos serviços até o prazo final, caso ocorra rescisão antes do período inicial de 24 meses. Contudo, a análise da exigibilidade da obrigação revela questão de maior complexidade. A cláusula penal objeto da execução tem sua exigibilidade condicionada à verificação de qual parte deu causa à rescisão contratual. Conforme dispõe a cláusula 7.2 do contrato, a multa é devida "na hipótese de rescisão contratual por ambas as partes antes do período inicial de 24 meses", senão vejamos: 7.2. Na hipótese de rescisão contratual por ambas as partes antes do período inicial de 24 meses, fica estipulada a multa prevista pelo art. 603 do código civil (50% dos valores dos serviços até o prazo final). Após o prazo inicial de 24 meses, não havendo manifestação pelas partes, o contrato passará a vigorar por prazo indeterminado, podendo ser rescindido a qualquer tempo, mediante notificação prévia de 30 (trinta) dias. A exigibilidade da multa contratual pressupõe, necessariamente, a demonstração de que a rescisão decorreu de culpa da parte que deve arcar com a penalidade. Nos autos, verifica-se controvérsia fundamental sobre as causas que motivaram o término do contrato, pois enquanto o embargante sustenta que a rescisão decorreu de descumprimentos contratuais reiterados da embargada, esta alega que a extinção da avença resultou de ato ilícito praticado pelo síndico do condomínio. Essa divergência quanto ao fato gerador da obrigação executada impede a caracterização da exigibilidade do título, uma vez que a determinação da responsabilidade pela rescisão contratual demanda dilação probatória incompatível com o procedimento executivo. A cláusula penal, embora validamente pactuada, somente se torna exigível após a apuração das circunstâncias que motivaram o término da relação contratual. O Código Civil, em seu art. 408, estabelece que a cláusula penal tem função de fixar previamente o valor das perdas e danos em caso de inadimplemento. Contudo, sua cobrança pressupõe a configuração do inadimplemento por parte do devedor, o que, no presente caso, constitui o próprio objeto da controvérsia. Assim, no caso a exigibilidade da obrigação depende da apuração de fatos controvertidos, fazendo com que o título perdesse sua eficácia executiva, sendo necessário o processo de conhecimento para a definição da questão. Nesse sentido, a via executiva mostra-se inadequada para a cobrança de multa contratual quando há disputas sobre os motivos da rescisão. Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial: RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - EMBARGOS À EXECUÇÃO. Título executivo extrajudicial. Contrato de prestação de serviços. Execução de multa contratual. Impossibilidade. Inexistência de título líquido e certo a embasar a presente execução, posto que fundamentada em cláusula contratual que não prevê a penalidade exigida pela exequente embargada. Decreto de extinção do processo de execução. Admissibilidade . Sentença Mantida. Recurso de apelação não provido. (TJ-SP - APL: 00003669420118260538 SP 0000366-94.2011 .8.26.0538, Relator.: Marcondes D'Angelo, Data de Julgamento: 03/03/2016, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/03/2016) Execução - contrato de prestação de serviços - ausência do requisito da certeza e exigibilidade do título executivo - necessidade de dilação probatória acerca do cumprimento das cláusulas contratuais - inexistência de título executivo extrajudicial - art. 783 do CPC - recurso provido. (TJ-SP - Apelação Cível: 1001334-02.2021 .8.26.0007 São Paulo, Relator.: Coutinho de Arruda, Data de Julgamento: 23/02/2023, 16ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/02/2023) A complexidade da questão fática, evidenciada pela necessidade de produção de prova oral requerida por ambas as partes, confirma a impossibilidade de se proceder à execução sem prévia cognição exauriente sobre as causas da rescisão contratual. A dilação probatória pretendida pelas partes demonstra que a questão central dos autos - a identificação de quem deu causa à rescisão - não pode ser resolvida de plano no âmbito dos embargos à execução. Assim, reconhece-se que, embora o contrato constitua formalmente título executivo extrajudicial, a controvérsia sobre o fato gerador da obrigação compromete sua exigibilidade, sendo necessário o processo de conhecimento para apurar as responsabilidades pela rescisão e, consequentemente, a exigibilidade da multa contratual. Quanto ao pedido de condenação por litigância de má-fé, não se verifica a presença dos pressupostos previstos no art. 80 do Código de Processo Civil. A conduta processual das partes, embora divergente quanto aos fatos, não caracteriza dolo processual ou má-fé objetiva, mas sim exercício regular do direito de defesa e contraditório. Do dispositivo Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes os embargos à execução opostos pelo Condomínio Chapada dos Sabiás em face de Samira Ibrahim Khargy Gomes (MS Terceirizações e Serviços), para reconhecer a ausência de exigibilidade do título executivo extrajudicial, em razão da necessidade de prévia apuração, em processo de conhecimento, de quem deu causa à rescisão contratual que fundamenta a cobrança da multa. Condeno a embargada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da execução, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Após o trânsito em julgado, arquive-se com baixa na distribuição. Luis Otávio Pereira Marques Juiz de Direito

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou 107 resultados. Faça login para ver detalhes completos e mais informações.

Fazer Login para Ver Detalhes