Processo nº 5000446-19.2020.4.03.6006
ID: 335756749
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. Vice Presidência
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 5000446-19.2020.4.03.6006
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PAULO CESAR MARTINS
OAB/MS XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Vice Presidência APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000446-19.2020.4.03.6006 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: JADSON FERNANDO DA FONSECA Advog…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região Vice Presidência APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000446-19.2020.4.03.6006 RELATOR: Gab. Vice Presidência APELANTE: JADSON FERNANDO DA FONSECA Advogado do(a) APELANTE: PAULO CESAR MARTINS - MS14622-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: D E C I S Ã O Trata-se de RECURSO ESPECIAL interposto por JADSON FERNANDO DA FONSECA, com fulcro no artigo 105, III, “a” da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pela Décima Primeira Turma desse Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado: PENAL E PROCESSO PENAL. ARTIGO 334-A, §1º, IV, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA BUSCA DOMICILIAR AFASTADA. PRÁTICA DE FATO ASSIMILADO À CONTRABANDO NA MODALIDADE "TER EM DEPÓSITO". PERMANÊNCIA E CONSUMAÇÃO QUE SE PROTRAI NO TEMPO. AGENTE QUE, POR DICÇÃO LEGAL, SE ENCONTRA EM FLAGRANTE DELITO ENQUANTO NÃO CESSAR A PERMANÊNCIA. POSSIBILIDADE DE INGRESSO NO DOMICÍLIO SEM O RESPECTIVO MANDADO JUDICIAL. ATITUDE SUSPEITA DECORRENTE DO TRÁFEGO DO VEÍCULO EM ALTA VELOCIDADE, COM OS VIDROS ESCUROS, QUE DEU VAZÃO AO ACOMPANHAMENTO TÁTICO PELOS POLICIAIS, A CULMINAR NA CONSTATAÇÃO DE QUE O VEÍCULO ESTAVA ABARROTADO DE CIGARROS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA IRREGULARMENTE INTERNALIZADOS EM TERRITÓRIO NACIONAL. COMERCIALIZAÇÃO DOS FUMÍGENOS. TERCEIRO QUE, NO MOMENTO DA ABORDAGEM, SE ENCONTRAVA NA RESIDÊNCIA DO ACUSADO PARA COMPRAR CIGARROS CONTRABANDEADOS. FUNDADAS RAZÕES DEMONSTRADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS PRESTADOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E VERACIDADE DOS ATOS PRATICADOS POR AGENTES PÚBLICOS NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ADVERTÊNCIA DO COMPROMISSO DE DIZER A VERDADE, SOB PENA DE FALSO TESTEMUNHO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, PELA DEFESA, DE PROVAS CONCRETAS QUE EVIDENCIAM A PRÁTICA DE FALSO TESTEMUNHO PELOS POLICIAIS. PRELIMINAR AFASTADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS INCONTROVERSAS. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. NEGATIVAÇÃO DOS "ANTECEDENTES" DO RÉU. POSSIBILIDADE. CONCEITO QUE ABRANGE AS CONDENAÇÕES DEFINITIVAS POR FATO ANTERIOR AO DELITO, TRANSITADAS EM JULGADO NO CURSO DA AÇÃO PENAL E AS ATINGIDAS PELO PERÍODO DEPURADOR. PRECEDENTES. MANUTENÇÃO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS "CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME". EXPRESSIVA QUANTIDADE DE CIGARROS APREENDIDA. A INTRODUÇÃO IRREGULAR DE CIGARROS DE ORIGEM ESTRANGEIRA NO MERCADO INTERNO TEM O CONDÃO DE GERAR MALEFÍCIOS CONHECIDOS À SAÚDE. ELEVADO POTENCIAL DE DISSEMINAÇÃO NO COMÉRCIO POPULAR APTO A ATINGIR NÚMERO INDETERMINADO DE CONSUMIDORES. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO A LIMITES FIXOS. MOTIVAÇÃO CONCRETA. DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL MOTIVADA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. MANUTENÇÃO DO INÍCIO DO RESGATE PRISIONAL NO REGIME SEMIABERTO. RÉU REINCIDENTE. MAIORIA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS POSITIVAS. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO DE SÚMULA Nº 269 DO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES APREENDIDOS. PERDIMENTOS DE VALORES PROVENIENTES DO CRIME. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA. CIRCUNSTÂNCIAS DA APREENSÃO QUE INDICAM TRATAR-SE DE PROVEITO DO CRIME. A ALEGAÇÃO DE QUE O RÉU FOI DIAGNOSTICADO COM SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA E QUE PRECISA DE TAIS VALORES PARA O SEU TRATAMENTO NÃO TÊM O CONDÃO DE AFASTAR A APLICAÇÃO DO REFERIDO EFEITO DA CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INSEGURANÇA JURÍDICA. INDEVIDA INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA ESFERA DE ATUAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO. APELO DO RÉU IMPROVIDO. - Da inexistência de nulidade da busca domiciliar. A conduta consistente na prática de contrabando na modalidade “ter em depósito” evidencia permanência e sua consumação se protrai no tempo, de modo que se entende o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência (inteligência do artigo 303 do CPP). Nessa ordem de ideias, não há que se falar em afronta à inviolabilidade domiciliar, posto que o próprio texto constitucional alberga a possibilidade de relativização da garantia em casos de flagrante delito. Conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, a inviolabilidade do domicílio prevista no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal pode ser relativizada em situações de flagrante delito, especialmente em crimes de caráter permanente. No caso concreto, as diligências policiais foram motivadas por fundadas razões, derivadas de atitude suspeita empreendida pelo acusado, consistente no tráfego, em alta velocidade, com os vidros escuros, o qual deu vazão ao acompanhamento tático pelos policiais rodoviários federais, que, por sua vez, culminou na constatação de que o veículo estava abarrotado de cigarros de procedência estrangeira, bem como de que o réu comercializava os itens, uma vez que foi possível verificar a chegada de uma testemunha afirmando que comprava cigarros no local para posterior revenda em seu comércio. Os argumentos que questionam a credibilidade dos depoimentos prestados pelos policiais, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, alegando contradições e a tentativa de justificar suas ações, não merecem acolhimento. Os atos praticados pelos policiais rodoviários federais, enquanto agentes públicos no exercício de suas funções, possuem como atributos a presunção de veracidade (fé pública) e de legitimidade (conformidade com a lei). Embora tal presunção seja relativa, não foi afastada pela ilustre defesa ao longo da instrução processual. Cumpre ressaltar, ainda, que as testemunhas, antes de prestarem suas declarações em Juízo, são devidamente advertidas, nos termos dos artigos 203 e 210 do Código de Processo Penal, acerca do compromisso de dizer a verdade, sob pena de incorrerem no crime de falso testemunho. Assim, salvo se a ilustre defesa apresentar nos autos provas concretas que evidenciem a prática desse delito por parte dos policiais, seus depoimentos devem ser considerados verídicos. - Da autoria e materialidade. Não houve impugnação quanto à materialidade e autoria do aludido delito praticado pelo réu, pelo que incontroversas. Não se verifica, tampouco, a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este E. Tribunal Regional Federal. - Da dosimetria da pena. Antecedentes. O r. juízo valorou negativamente o vetor “antecedentes”, considerando que o réu possui contra si condenação transitada em julgado em 19.09.2011 pela prática do delito previsto no artigo 310 do Código Penal. Tal proceder é albergado pela jurisprudência, uma vez que o vetor dos antecedentes é o que se refere única e exclusivamente ao histórico criminal do agente. Com efeito, “o conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo do que o da reincidência, abrange as condenações definitivas, por fato anterior ao delito, transitadas em julgado no curso da ação penal e as atingidas pelo período depurador, ressalvada casuística constatação de grande período de tempo ou pequena gravidade do fato prévio" (STJ, AgRg no AREsp 924.174/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 06.12.2016, DJe 16.12.2016). A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no bojo do julgamento do RE 593818/SC, de relatoria do Min. Roberto Barroso, fixou tese no sentido de que “não se aplica para o reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal” (Tema 150 da Repercussão Geral). Assim, “apesar de desaparecer a condição de reincidente, o agente não readquire a condição de primário, que é como um estado de virgem, que, violado, não se refaz. A reincidência é como o pecado original: desaparece, mas deixa sua mancha, servindo, por exemplo, como antecedente criminal (art. 59, caput)” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 238). - Da dosimetria da pena. Circunstâncias do crime. Igualmente, não há que se falar na reforma do r. decisum quanto a este ponto, considerando-se que a introdução irregular de cigarros de origem estrangeira no mercado interno, tem o condão de gerar malefícios conhecidos à saúde, ostentando um elevado potencial de disseminação no comércio popular, apto a atingir um número indeterminado de consumidores, em sua grande maioria de baixa renda e sem acesso à informação a respeito da origem e prejudicialidade da mercadoria que consomem. Nesta linha intelectiva, a quantidade de cigarros, por se tratar de aspecto acidental que não constitui elemento normativo do tipo, é fator que pode – e deve – influenciar no processo dosimétrico. - Da dosimetria da pena. Primeira fase. Critérios de aumento. Apesar de respeitável a tese aventada pela douta defesa do corréu, não lhe assiste razão, uma vez que a fração de aumento da pena-base não está vinculada a limites fixos (1/6 ou 1/8), sendo suficiente a motivação concreta, conforme jurisprudência consolidada do STJ. Com efeito, a discricionariedade judicial motivada na dosimetria da pena é reconhecida pelo C. Superior Tribunal de Justiça. Não existe direito subjetivo a critério rígido ou puramente matemático para a exasperação da pena-base. Em regra, afasta-se a tese de desproporcionalidade em casos de aplicação de frações de 1/6 sobre a pena mínima ou de 1/8 sobre o intervalo entre os limites mínimo e máximo do tipo, admitido outro critério mais severo, desde que devidamente justificado. - Do regime inicial de cumprimento da pena. Nessa linha, percebe-se a adequação da argumentação apresentada pelo magistrado para que prevaleça o entendimento consolidado na Súmula 269 do STJ. Isso porque o réu foi condenado a uma pena de 03 (três) anos de reclusão, o que, em tese, permitiria o início do cumprimento da pena em regime aberto. No entanto, há nos autos comprovação de sua reincidência, o que indica que o regime adequado é o SEMIABERTO, uma vez que a situação do caso se enquadra exatamente no entendimento firmado pela súmula mencionada. - Da impossibilidade de restituição dos valores apreendidos. O perdimento de valores provenientes do crime está expressamente previsto no artigo 91, inciso II, b, do Código Penal. Assim, esse efeito da condenação somente poderá ser afastado mediante comprovação da origem lícita dos valores apreendidos, nos termos do artigo 91-A, §2º, do mesmo diploma legal. No entanto, em nenhum momento houve a efetiva demonstração da licitude do montante apreendido. Pelo contrário, as circunstâncias da apreensão indicam tratar-se de proveito do crime, em especial da comercialização de cigarros contrabandeados pelo réu em sua residência. Ademais, a alegação de que o réu possui enfermidade grave e de que os valores seriam destinados ao seu tratamento não é suficiente para afastar a aplicação do efeito da condenação previsto na legislação. Admitir tal exceção geraria insegurança jurídica e representaria indevida interferência do Poder Judiciário na esfera de atuação do Poder Legislativo. - Apelo do réu improvido. Alega-se, em síntese: I) violação do artigo 157 do CPP, diante da ilicitude da prova colhida em busca domiciliar sem mandado judicial, sem consentimento do morador e sem justa causa, baseada exclusivamente em denúncia anônima sobre um veículo que estaria transportando cigarros de procedência estrangeira; II) violação do artigo 59 do CP, pois a pena-base foi majorada em razão dos maus antecedentes decorrentes de uma condenação transitada em julgado em 2011; e também em razão das circunstâncias do crime decorrentes da quantidade de 11.700 maços de cigarros de procedência estrangeira, acomodados em 23 caixas, o que não constitui expressividade em relação ao quantitativo demográfico do local em que o delito foi cometido, não revelando maior dano social. Contrarrazões pela inadmissibilidade do recurso ou, caso admitido, pelo seu desprovimento. DECIDO: Presentes os pressupostos recursais genéricos. Discute-se no presente recurso os critérios utilizados para a exasperação da pena-base. Nesse contexto, assim fundamentou a Turma julgadora: “Procede-se à análise das teses aventadas pela i. defesa, bem como, de ofício, à revisão da dosimetria da pena, a fim de verificar-se a existência de quaisquer ilegalidades a serem corrigidas de ofício por este E. Tribunal Regional Federal. Da primeira fase Nesta etapa do processo dosimétrico, o r. juízo apreciou as circunstâncias judiciais do seguinte modo na r. sentença: “Na primeira fase de aplicação da pena, da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59, caput, do Código Penal, infere-se que: a) quanto à culpabilidade, o grau de reprovabilidade e o dolo apresentam-se normais à espécie; b) quanto à circunstância maus antecedentes, observa-se que o réu ostenta contra si condenação nos autos 0005826-27.2011.8.12.0029, transitada em julgado em 19.09.2011 pela prática do crime previsto no artigo 310 do Código Penal (ID 259928060), de sorte que essa vetorial deve ser valorada negativamente; c) não há elementos que permitam analisar a conduta social e a personalidade do réu; d) os motivos do crime foram o lucro fácil, o que é ínsito ao tipo penal em análise; e) as circunstâncias do crime extrapolam as comuns à espécie, pois o acusado, guardou em depósito com finalidade comercial, o montante expressivo de 11.700 (onze mil e setecentos) maços de cigarros contrabandeados; f) as consequências do crime não foram consideráveis, em razão da apreensão da mercadoria; g) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima. Diante desse quadro, para a necessária e suficiente reprovação e prevenção do crime, sopesando negativamente as vetoriais maus antecedentes e circunstâncias do crime (quantidade de cigarros apreendidos), fixo a pena-base acima do mínimo legal, vale dizer, em 3 (três) anos de reclusão”. Do excerto acima colacionado, denota-se que o r. juízo valorou negativamente o vetor “antecedentes”, considerando que o réu possui contra si condenação transitada em julgado em 19.09.2011 pela prática do delito previsto no artigo 310 do Código Penal. Tal proceder é albergado pela jurisprudência, uma vez que o vetor dos antecedentes é o que se refere única e exclusivamente ao histórico criminal do agente. Com efeito, “o conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo do que o da reincidência, abrange as condenações definitivas, por fato anterior ao delito, transitadas em julgado no curso da ação penal e as atingidas pelo período depurador, ressalvada casuística constatação de grande período de tempo ou pequena gravidade do fato prévio" (STJ, AgRg no AREsp 924.174/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 06.12.2016, DJe 16.12.2016 - grifo nosso). A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no bojo do julgamento do RE 593818/SC, de relatoria do Min. Roberto Barroso, fixou tese no sentido de que “não se aplica para o reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal” (Tema 150 da Repercussão Geral). Assim, “apesar de desaparecer a condição de reincidente, o agente não readquire a condição de primário, que é como um estado de virgem, que, violado, não se refaz. A reincidência é como o pecado original: desaparece, mas deixa sua mancha, servindo, por exemplo, como antecedente criminal (art. 59, caput)” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 238). Assim, não há que se falar em qualquer mácula no procedimento adotado pelo r. juízo a esse respeito. Adiante, constata-se a negativação do vetor “circunstâncias do crime”, sob o fundamento de que a quantidade de cigarros era expressiva (11.700 maços de cigarros). Igualmente, não há que se falar na reforma do r. decisum quanto a este ponto, considerando-se que a introdução irregular de cigarros de origem estrangeira no mercado interno, tem o condão de gerar malefícios conhecidos à saúde, ostentando um elevado potencial de disseminação no comércio popular, apto a atingir um número indeterminado de consumidores, em sua grande maioria de baixa renda e sem acesso à informação a respeito da origem e prejudicialidade da mercadoria que consomem. Nesta linha intelectiva, a quantidade de cigarros, por se tratar de aspecto acidental que não constitui elemento normativo do tipo, é fator que pode – e deve – influenciar no processo dosimétrico. A propósito: “APELAÇÃO CRIMINAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. UTILIZAÇÃO DE RÁDIOS TRANSCEPTORES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO PARCIALMENTE PREJUDICADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE FAVORECIMENTO REAL OU DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO INCONTROVERSOS. DOSIMETRIA. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. CONFISSÃO ESPONTÂNEA DE ALGUNS RÉUS. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REDUÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APELAÇÕES DEFESIVAS PARCIALMENTE PROVIDAS. (...) 7. Na primeira fase da dosimetria de todos os réus, resta mantida a valoração negativa das circunstâncias e consequências do crime. O caso dos autos deveras configura situação que justifica a valoração negativa das circunstâncias do crime, uma vez que vários agentes concorreram para a prática delitiva, atuando com divisão de tarefas, auxílio de batedor, e valendo-se de rádios transceptores para realizar a comunicação entre eles, além de haver planejamento acerca dos itinerários e da forma de distribuição da carga entre os veículos utilizados. Soma-se a isto que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos constitui fator apto a elevar a pena-base. (...)”. (TRF3, Apelação Criminal nº 0001967-98.2017.4.03.6003, Des. Fed. Rel. José Marcos Lunardelli, j. em 07.06.2024, DJEN 12.06.2024 - grifo nosso). “PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. FATO ASSIMILADO. TRANSPORTE DE CIGARROS ESTRANGEIROS. DECRETO-LEI 399/68. DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO. RÁDIO COMUNICADOR. RESISTÊNCIA. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CONCURSO MATERIAL.(...) 5. A quantidade cigarros apreendida justifica a exasperação da pena-base. Precedentes. (...)”. (TRF 3ª Região, Apelação Criminal nº 0000860-19.2017.4.03.6003, Rel. Desembargador Federal Nino Oliveira Toldo, 11ª Turma, julgado em 12.11.2021, Intimação via sistema DATA: 18.11.2021 - grifo nosso). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, "na análise das circunstâncias do crime, é imperioso ao julgador apreciar, com base em fatos concretos, o lugar do crime, o tempo de sua duração, a atitude assumida pelo agente no decorrer da consumação da infração penal, a mecânica delitiva empregada, entre outros elementos indicativos de uma maior censurabilidade da conduta" (HC n. 751.984/RJ, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 29/11/2022). 2. No caso, o modus operandi do delito - "a preparação do veículo, conforme registrado no Laudo de Perícia Criminal Federal (Veículos) [...] foram retirados os bancos intermediário e traseiros, as forrações do assoalho e laterais da parte traseira, incluindo das portas, bem como as chapas de aço internas das portas traseiras, de modo a aumentar consideravelmente a capacidade de carga" -, pode ser considerada para o agravamento da pena-base, pois não constitui circunstância inerente ao tipo penal de contrabando. 3. Do mesmo modo, "válida para os crimes de contrabando, a valoração negativa das circunstâncias [...] com apoio na quantidade de cigarros contrabandeado, sendo o desvalor das consequências alicerçado no significativo valor dos tributos elididos" (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.283.166/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 15/6/2023.). 4. Agravo regimental desprovido”. (STJ, AgRg no AREsp 2580778/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 04.06.2024, DJe 10.06.2024 - grifo nosso). “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA COM BASE NAS CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DO DELITO. QUANTIDADE DE CIGARROS APREENDIDOS. TEMPO DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. ADEQUAÇÃO ÀS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A pena-base restou exasperada com fundamento na quantidade de cigarros apreendidos no crime de contrabando. Tal posicionamento está em consonância com a jurisprudência desta Corte. 2. Quanto à suspensão do direito de dirigir, destaca-se que "[...] a norma não estabelece os critérios a fim de fixar o lapso com objetivo de suspender a habilitação para dirigir, devendo o juiz estabelecer o prazo de duração da medida considerando as peculiaridades do caso concreto" (AgRg no AREsp n. 1.709.618/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 16/11/2020). No caso, tendo sido utilizado veículo automotor para a prática do delito, não se mostra desproporcional o estabelecimento da suspenção do direito de dirigir pelo mesmo período da pena privativa de liberdade como efeito da condenação. 3. Agravo regimental desprovido”. (STJ, AgRg no HC 773990/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. em 26.06.2023, DJe 29.06.2023 - grifo nosso). Dando-se seguimento à análise das razões recursais, apesar de respeitável a tese aventada pela douta defesa do corréu, não lhe assiste razão, uma vez que a fração de aumento da pena-base não está vinculada a limites fixos (1/6 ou 1/8), sendo suficiente a motivação concreta, conforme jurisprudência consolidada do STJ. “DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. FUNDAMENTO VÁLIDO. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do habeas corpus, no qual se questiona o aumento da pena-base em 3 anos de reclusão acima do mínimo legal, em razão da quantidade e natureza da droga apreendida. II. Questão em discussão2. A questão em discussão consiste em saber se a quantidade e a natureza da droga apreendida justificam o aumento da pena-base em 3 anos acima do mínimo legal, conforme estabelecido pelo Tribunal de origem. III. Razões de decidir3. A individualização da pena é vinculada a parâmetros legais, permitindo ao julgador discricionariedade na escolha da sanção penal, desde que motivada e proporcional. 4. A quantidade e a natureza da droga são circunstâncias preponderantes na dosimetria da pena, conforme o art. 42 da Lei de Drogas, justificando a fixação da pena-base acima do mínimo legal. 5. A jurisprudência admite a utilização de frações de aumento, como 1/8 ou 1/6, mas não as torna obrigatórias, desde que o critério utilizado seja proporcional e fundamentado. IV. Dispositivo e tese6. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: "1. A quantidade e a natureza da droga apreendida são circunstâncias preponderantes que justificam a fixação da pena-base acima do mínimo legal. 2. A dosimetria da pena deve ser proporcional e fundamentada, sem obrigatoriedade de frações específicas de aumento” (STJ, AgRg no HC 954020/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 19.02.2025, DJe 25.02.2025 - grifo nosso). “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE E GRANDE QUANTIDADE DE DROGA (282,9KG DE COCAÍNA). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PLEITO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA. VEDAÇÃO LEGAL. PENA DE MULTA. PROPORCIONALIDADE OBSERVADA. ILEGALIDADE INEXISTENTE. PRETENDIDO ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. IMPOSSIBILIDADE. PENA SUPERIOR A 8 ANOS, RÉU REINCIDENTE, PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso especial interposto por FÁBIO JÚNIOR CORREIA DE SOUZA contra acórdão que negou provimento à apelação defensiva, mantendo a condenação por tráfico de drogas, a pena-base fixada acima do mínimo legal, a negativa da minorante do tráfico privilegiado, o regime inicial fechado e a pena de multa proporcional à condenação. Sustenta violação dos arts. 59 e 60 do Código Penal e 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, além de dissídio jurisprudencial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) a legalidade da exasperação da pena-base pela culpabilidade e pela expressiva quantidade e natureza da droga apreendida no patamar de 5 anos; (ii) o afastamento da minorante do tráfico privilegiado em razão da reincidência do réu; e (iii) a proporcionalidade na fixação da pena de multa e do regime inicial de cumprimento de pena. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A pena-base foi exasperada em 5 anos, com fundamento na culpabilidade e na natureza altamente nociva (cocaína) e na quantidade expressiva da droga apreendida (282,9kg), em conformidade com o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, que atribui preponderância a esses fatores. A fundamentação apresentada pelo juízo de origem é idônea e está em consonância com a jurisprudência do STJ, que admite a majoração em maior grau da pena-base em casos de grande quantidade de entorpecentes. 4. A fração de aumento da pena-base não está vinculada a limites fixos (1/6 ou 1/8), sendo suficiente a motivação concreta, conforme jurisprudência consolidada do STJ. 5. O afastamento da minorante do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006) foi devidamente fundamentado, em razão da reincidência do réu, diante da vedação legal da aplicação do benefício a réus reincidentes. 6. A pena de multa foi fixada no patamar mínimo legal (1/30 do salário mínimo vigente à época), proporcional à pena privativa de liberdade, com observância das condições econômicas do réu e da metodologia bifásica para sua aplicação. Não há desproporcionalidade. 7. Mantida a pena definitiva superior a 8 anos, é inviável o abrandamento do regime inicial de cumprimento de pena (regime fechado), nos termos dos arts. 33, § 2º, "a", e 59 do CP, inclusive por se tratar de réu reincidente, cuja pena-base foi fixada acima do mínimo legal. IV. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO” (STJ, REsp 2040506/MT, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 18.02.2025, DJe 25.02.2025 - grifo nosso). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO. PRECLUSÃO DOS CAPÍTULOS DA DECISÃO MONOCRÁTICA NÃO IMPUGNADOS. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONCURSO DE AGENTES. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. FRAÇÃO DE AUMENTO PROPORCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A impugnação, no regimental, de apenas alguns capítulos da decisão agravada, induz à preclusão das demais matérias decididas pelo relator, não refutadas pela parte. 2. Admite-se o deslocamento da causa de aumento relativa ao concurso de agentes para ser sopesada na primeira fase da dosimetria, como na espécie. Precedentes. 3. A discricionariedade judicial motivada na dosimetria da pena é reconhecida por esta Corte. Não existe direito subjetivo a critério rígido ou puramente matemático para a exasperação da pena-base. Em regra, afasta-se a tese de desproporcionalidade em casos de aplicação de frações de 1/6 sobre a pena mínima ou de 1/8 sobre o intervalo entre os limites mínimo e máximo do tipo, admitido outro critério mais severo, desde que devidamente justificado. Precedentes. 4. A instância antecedente atuou dentro da sua discricionariedade e adotou, fundamentadamente, fração que entendeu proporcional e adequada para o aumento da pena-base - 1/8 sobre a pena mínima, em virtude do concurso de agentes, enquadrado nas circunstâncias do crime. 5. Agravo regimental não provido” (STJ, AgRg no AREsp 2799599/RO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 11.02.2025, DJe 21.02.2025 - grifo nosso). Com efeito, a discricionariedade judicial motivada na dosimetria da pena é reconhecida pelo C. Superior Tribunal de Justiça. Não existe direito subjetivo a critério rígido ou puramente matemático para a exasperação da pena-base. Em regra, afasta-se a tese de desproporcionalidade em casos de aplicação de frações de 1/6 sobre a pena mínima ou de 1/8 sobre o intervalo entre os limites mínimo e máximo do tipo, admitido outro critério mais severo, desde que devidamente justificado. No presente caso, reconhece-se a pertinência da fundamentação apresentada pelo eminente juízo, tendo em vista que a pena-base do réu foi fixada em três anos de reclusão, em razão da valoração negativa de duas circunstâncias judiciais. Dessa forma, a r. sentença revela-se irretocável também nesse aspecto, não havendo justificativa para sua reforma”. No âmbito do STJ, essa questão foi afetada pela Terceira Seção sob o Tema 1351, no julgamento do REsp 2174222/AL, pela sistemática dos recursos repetitivos - sem a determinação de sobrestamento dos feitos nas instâncias de origem – motivo pelo qual se mostra plausível a tramitação do recurso interposto. Nesse sentido: PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA-BASE. CRITÉRIO MATEMÁTICO DE AUMENTO DA PENA OU DISCRICIONARIEDADE VINCULADA DO MAGISTRADO. RECURSO ESPECIAL AFETADO PARA JULGAMENTO PELA TERCEIRA SEÇÃO SOB O RITO DOS REPETITIVOS. NÃO SUSPENSÃO. 1. Delimitação da controvérsia: "Definir se a dosimetria da pena-base deve observar critérios determinados de exasperação da pena por circunstância judicial negativa ou se tal atividade insere-se no âmbito da discricionariedade vinculada do magistrado". 2. Não se aplica à hipótese o disposto na parte final do § 1º do art. 1036 do Código de Processo Civil - CPC (suspensão do trâmite dos processos pendentes), porquanto a jurisprudência desta Corte a respeito do tema não se apresenta controvertida, sendo que eventual dilação temporal no julgamento poderá acarretar gravame aos jurisdicionados. 3. Afetação do recurso especial ao rito previsto nos arts. 1.036 ao 1.041, todos do CPC, e 256 ao 256-X, todos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ, para que seja julgado pela Terceira Seção. (ProAfR no REsp n. 2.174.222/AL, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 6/5/2025, DJEN de 2/6/2025) Assim, considerando a afetação realizada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça e pendente de julgamento o Tema 1351, o recurso especial deve ter seu seguimento admitido, possibilitando sua análise pela Corte Superior. Constatada, portanto, a plausibilidade do recurso especial no tocante a um dos aspectos questionados, resta dispensado, em sede de mero juízo de admissibilidade recursal, o exame das demais violações suscitadas, conforme a exegese das Súmulas 292 e 528 do Egrégio Supremo Tribunal Federal. Pelo exposto, admito o recurso especial. Intime-se. São Paulo, 24 de julho de 2025.
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