Processo nº 1006495-17.2024.8.11.0003
ID: 276581010
Tribunal: TJMT
Órgão: 3ª VARA CRIMINAL DE RONDONÓPOLIS
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1006495-17.2024.8.11.0003
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VICTOR GUILHERME MOYA
OAB/MT XXXXXX
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Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso Polo VII - Comarca de Rondonópolis – 3ª Vara Criminal R. Barão do Rio Branco, nº 2299, Jd. Guanabara, 78.710-100 Rondonópolis – MT, Telefone (66) 3410-6100 /…
Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso Polo VII - Comarca de Rondonópolis – 3ª Vara Criminal R. Barão do Rio Branco, nº 2299, Jd. Guanabara, 78.710-100 Rondonópolis – MT, Telefone (66) 3410-6100 / 3410-6152. SENTENÇA Autos: 1006495-17.2024.8.11.0003 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Réu: RAPHAEL DA SILVA OLIVEIRA Visto. 1. Relatório O Ministério Público do Estado de Mato Grosso ofereceu denúncia em face de RAPHAEL DA SILVA OLIVEIRA, qualificado nos autos, como incurso nas disposições do art. 180, caput, e art. 311, § 2°, inciso III, do Código Penal. Narra a denúncia em síntese: I – RECEPTAÇÃO No dia 04 de março de 2024, por volta das 14h30min., na Rodovia BR-136, nesta cidade e comarca de Rondonópolis, o denunciado RAPHAEL da Silva Oliveira adquiriu e conduziu, em proveito próprio, o veículo Honda Civic EXS, de cor prata, placa NUC3F31, ciente de que se tratavam de produto de crime anterior. II – DINÂMICA DOS FATOS No mês de julho de 2021, a vítima Andressa Fernanda da Silva foi vítima de crime de estelionato, uma vez que agentes financiaram o veículo Honda Civic EXS, de cor prata, placa NUC3F31, junto ao Banco BV, utilizando-se dos seus dados e seu o seu conhecimento, conforme boletim de ocorrência n. 2022.185693. No dia 04 de março de 2024, no local e horário supradescritos, a Polícia Rodoviária Federal abordou o veículo em questão sendo conduzido pelo denunciado RAPHAEL, que foi preso em flagrante e encaminhado para a delegacia de polícia. Em interrogatório policial, o denunciado disse que comprou o carro de pessoa desconhecida, por meio de Facebook, pagando a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em espécie, e alegou que sabia que o veículo era “finan”, ou seja, proveniente de golpe anterior. Vale ressaltar, por fim, que o veículo, à época do crime, estava avaliado em R$ 67.213,00 (sessenta e sete mil e duzentos e treze reais). (id. 161675191). A denúncia foi devidamente recebida em 11/07/2024 (Id. 161683182). Citado, o réu apresentou resposta à acusação no Id. 167993214. Decisão mantendo o recebimento da denúncia, bem como designando audiência de instrução e julgamento no Id. 168161811. Durante a instrução processual inquiriu-se a vítima Andressa Fernanda da Silva e a testemunha Hugo Leonildo Sena Santos Filho, ao final, interrogado o acusado. Na ocasião o Ministério Público ofertou aditamento à denúncia, a fim de incluir na capitulação, o art. 311, § 2º, III do CP, qual foi recebido pelo Juízo e em decorrência da ausência de interesse na oitiva de novas testemunhas ou na realização de novo interrogatório do acusado, declarou-se encerrada a instrução processual (Id. 188365001). A assistente de acusação apresentou memorial no Id. 191452331. Por sua vez, a Defesa requereu a absolvição do acusado em ambos os delitos e, subsidiariamente, postulou pela aplicação do princípio da consunção (Id. 193803512). É a síntese do necessário. Fundamento e decido. 2. Fundamentação O processo está formalmente em ordem, inexistindo nulidades ou vícios a sanar. As provas foram coligidas sob o crivo dos princípios norteadores do devido processo legal, mormente o contraditório e a ampla defesa, nos termos constitucionais e processuais. Presentes às condições necessárias ao exercício do direito de ação, bem como os pressupostos legalmente exigidos. Não existem matérias preliminares pendentes a serem apreciadas. Passo doravante à análise do mérito. 2.1. Do crime de receptação (art. 180, caput, do Código Penal) Dispõe o artigo 180, do Código Penal, in verbis: “Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.” Trata-se de crime contra o patrimônio, cujo elemento objetivo do tipo é um tipo misto alternativo e cumulativo. Desse modo, “adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar” coisa originária de crime é conduta alternativa, o mesmo ocorrendo com a influência sobre terceiro para que “adquira, receba ou oculte produto de crime”. Além disso, o tipo é classificado como: comum; material (receptação própria) e formal (receptação imprópria); de forma livre; comissivo; instantâneo, exceto na modalidade ocultar, que se transforma em permanente; unissubjetivo; plurissubsistente. Feitas essas considerações preliminares, passo à análise do caso em tela. A materialidade do delito está devidamente comprovada pelo Boletim de Ocorrência (Id. 147853534), termo de exibição e apreensão (Id. 147853537), bem como pelos depoimentos colhidos em juízo. A autoria é incontroversa. A vítima Andressa Fernanda da Silva afirmou em Juízo que durante o período da pandemia, iniciou um processo de troca de veículo mediante a indicação de um vendedor, o qual realizava os procedimentos diretamente na residência dos clientes. Após assinar toda a documentação pertinente, deixou de receber retorno do vendedor e, acreditando que a negociação não havia sido concretizada, considerou o processo encerrado, uma vez que também não chegou a entregar nenhum valor de entrada. Cerca de trinta dias após a assinatura dos documentos, recebeu, em sua residência, dois boletos bancários referentes a dois veículos distintos, entre eles um Honda Civic. Declarou que não se recordava de ter assinado qualquer documentação referente a esse veículo específico. Procurou o vendedor, identificado como Eric, o qual lhe pediu desculpas e solicitou paciência, afirmando que trabalhava nesse ramo há muitos anos e que providenciaria a retirada dos veículos de seu nome. No entanto, o tempo passou sem qualquer providência efetiva por parte do vendedor. Ao perceber que havia sido vítima de um golpe, Andressa entrou em contato com o banco responsável pelos contratos para entender como duas operações de crédito haviam sido autorizadas em seu nome. Contudo, a instituição financeira não lhe ofereceu respaldo, sob a justificativa de que havia assinatura nos documentos. Informou que, inicialmente, acreditou nas promessas do vendedor e aguardou, mas, após cerca de um ano, diante da inércia e da ausência de resolução, registrou boletim de ocorrência contra Eric. Acrescentou que o veículo que pretendia adquirir inicialmente era um Toyota Corolla, mas não conseguiu efetivar a compra. Esclareceu que o outro veículo mencionado chegou a ser apreendido em Cuiabá. Afirmou, por fim, que não chegou a conhecer ou manter qualquer contato com o réu Rafael da Silva Oliveira, declarando que nunca o viu. A testemunha Hugo Leonildo Sena Santos relatou que, no dia da ocorrência envolvendo o acusado Rafael da Silva Oliveira, sua equipe realizava patrulhamento ostensivo na BR-364, nas proximidades do quilômetro 207. Durante o patrulhamento, avistaram um veículo Honda Civic de cor prata, que transitava sem o para-choque e a placa dianteira — elementos identificadores obrigatórios. Diante dessa irregularidade, a equipe decidiu realizar a abordagem para averiguar os motivos da ausência dos equipamentos mencionados. Durante a abordagem, verificaram que o veículo era conduzido por Rafael, tendo como passageiro um indivíduo identificado como Gregory, o qual afirmou ser amigo do condutor. Ato contínuo, foram solicitados os documentos dos ocupantes e, ao procederem à checagem dos dados do veículo, constatou-se que havia um registro de furto relacionado ao automóvel. Indagado sobre a origem do veículo, Rafael informou que o havia adquirido há cerca de um ano, por meio de uma negociação feita com um rapaz desconhecido em uma rede social, pelo valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). O acusado Rafael declarou que viu o anúncio do veículo em uma rede social, especificamente no Facebook, e que um indivíduo, identificado apenas como “ERICK”, trouxe o carro até Rondonópolis. Segundo relatou, o referido vendedor afirmou que o automóvel estava com a documentação regularizada e que o acusado poderia assumir as parcelas restantes e pagar o licenciamento, continuando assim a utilizá-lo. Informou que resolveu adquirir o veículo e permaneceu com ele por aproximadamente um ano. Disse ter realizado o pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em espécie, após vender um carro mais antigo que possuía, motivado pelo fato de o novo veículo ser mais apresentável. O pagamento foi feito diretamente ao vendedor, também em dinheiro. Rafael afirmou ter sido orientado pelo vendedor a entrar em contato com a “dona” do veículo para que pudesse obter os boletos das parcelas restantes. Tentou estabelecer esse contato, mas não obteve êxito. Disse ainda que conseguiu pagar apenas uma ou duas parcelas e o licenciamento. Ao ser questionado sobre a ausência da placa e do para-choque dianteiro no momento da abordagem policial, explicou que tais itens estavam danificados e haviam sido retirados, encontrando-se no porta-malas do veículo. Acrescentou que o para-choque estava quebrado e que, por dificuldades financeiras, não conseguiu realizar os reparos necessários. Pois bem. Da verificação das provas reunidas durante a instrução, está devidamente comprovado que o acusado possuía plena ciência da procedência espúria do veículo, o que inviabiliza a absolvição do acusado. Além do mais, consoante cediço, no crime de receptação, a simples posse do agente sobre a coisa objeto de crime enseja a presunção da autoria delitiva, invertendo-se o ônus da prova, que passa a pesar sobre o indivíduo flagrado com a res, a quem incumbirá demonstrar que a possui de acordo com a lei, ou que desconhecia a sua procedência espúria. Nesse sentido: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. OMISSÃO INEXISTENTE. VIOLAÇÃO AO ART. 386, VII, DO CPP. PLEITO ABSOLUTÓRIO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 33 E 44 DO CÓDIGO PENAL - CP. REGIME INICIAL MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA NÃO RECOMENDÁVEL. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Não se verifica violação ao art. 619 do CPP quando os apontamentos do recorrente foram analisados de forma suficiente por ocasião do julgamento do recurso de apelação. 2. O Tribunal de origem entendeu que o conjunto probatório dos autos mostrou-se robusto o suficiente para dar suporte à condenação. Para rever esse entendimento, com o fim de absolver o acusado, seria inevitável o revolvimento das provas carreadas aos autos, procedimento inviável na instância especial, conforme Súmula n. 7 do STJ. 2.1. Segundo o entendimento desta Corte, "no crime de receptação, se o bem houver sido apreendido em poder do acusado, cabe à defesa apresentar prova acerca da origem lícita do bem ou de sua conduta culposa, nos termos do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal, sem que se possa falar em inversão do ônus da prova" (AgRg no HC 331.384/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/8/2017, DJe 30/8/2017). Precedentes. (...) (AgRg no REsp n. 1.954.978/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe de 6/5/2022.) APELAÇÃO CRIMINAL – CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DOS CRIMES PREVISTOS NO 180, CAPUT [RECEPTAÇÃO] C/C ART. 307, CAPUT [FALSA IDENTIDADE] C/C ART. 330, CAPUT [DESOBEDIÊNCIA] TODOS DO CÓDIGO PENAL C/C ART. 309, CAPUT DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO [DIRIGIR VEÍCULO SEM PERMISSÃO] - RECURSO DA DEFESA – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE RECEPTAÇÃO, SOB O VIÉS DE QUE DESCONHECIA A ORIGEM ILÍCITA DO BEM – INVIABILIDADE - RÉU FLAGRADO NA POSSE DE OBJETO ESPÚRIO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE EVIDENCIAM A AUTORIA DELITIVA E O DOLO DIRETO DO AGENTE - APELO DESPROVIDO. - No delito de receptação dolosa simples [art. 180, caput, do CP], a posse de coisa objeto de crime inverte o ônus da prova, cabendo ao agente demonstrar que a possuía de acordo com a lei ou que desconhecia a sua procedência espúria (Precedentes). - Logo, se as provas dos autos demonstram que o réu adquiriu veículo oriundo de crime de furto, fazendo-o ciente da origem ilícita por meio das circunstâncias que envolveram a transação comercial, a exemplo da realização de negócio jurídico em um bar e do adimplemento de valor módico para obtenção daquele, incabível acolher a almejada absolvição, com fulcro no 386, incisos II, V e VII do Código de Processo Penal. - Apelo desprovido. (N.U 1002918-05.2021.8.11.0078, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 11/05/2022, Publicado no DJE 16/05/2022) Nessa perspectiva, portanto, caberia ao acusado apresentar justificativa plausível sobre a origem do bem, o que não se verifica no presente, em que o acusado não conseguiu demonstrar de forma convincente a posse lícita e sem dolo criminoso do objeto proveniente de delito patrimonial. Anoto que a aquisição do veículo ocorreu por meio de procedimento absolutamente informal, mediante contado com pessoa desconhecida em rede social (sem maiores informações para viabilizar contato posterior), sem a devida formalização documental para a transação, aliado a isso, tem-se o preço vil praticado na negociação (R$ 20.000,00) para um automóvel notoriamente de valor superior no mercado regular de automóveis usados. Além do mais, verifica-se a ausência de transferência formal do bem, permanecendo o veículo registrado em nome da vítima, conforme se depreende do depoimento da própria ofendida. Consigno, ainda, que a orientação recebida pelo réu para que, após a aquisição, entrasse em contato com a “dona” do veículo para obtenção dos boletos das parcelas restantes, trata-se de circunstância absolutamente atípica em negociações regulares. Assim, em que pese os argumentos defensivos de que não restaria demonstrado nos autos o dolo direto do agente, ou seja, a ciência do acusado quanto à origem ilícita do bem encontrado em seu poder, consigna-se que a tese tampouco enseja a absolvição almejada. E assim afirmo, levando em consideração que não se pode olvidar que, por se referir ao que se passa na consciência do imputado, a prova do dolo é de difícil comprovação, mormente em se tratando de crime de receptação, porquanto, no delito em questão, não há dificuldade para que o agente oculte suas reais intenções quanto ao objeto delituoso. Isso porque, sendo flagrado conduzindo bem de procedência ilícita, basta ofertar qualquer justificativa para que a dúvida da verdade ou não seja instaurada. Desse modo, para se chegar a conclusão da responsabilização criminal, o julgador não deve atentar tão somente para a palavra do denunciado, como quer a defesa nesse caso. Deve ser analisado as demais circunstâncias que permeiam o fato noticiado no presente feito, incluindo as peculiaridades que relacionou-se à descoberta do crime em questão. No caso concreto, a tentativa de fuga empreendida pelo acusado ao avistar a viatura policial, desobedecendo ordem de parada e promovendo uma perseguição por mais de 10 km, constitui forte indício da ciência da ilicitude do bem que transportava, corroborando a tese acusatória. Portanto, as provas produzidas nos autos constituem elemento probatório suficientemente apto a comprovar a autoria delitiva e, consequentemente, impor condenação. 2.1. Do crime de adulteração de sinal identificador (artigo 311, §2º, III, do Código Penal) Dispõe o artigo 311, §2º, III, do Código Penal: “Adulterar, remarcar ou suprimir número de chassi, monobloco, motor, placa de identificação, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, de semirreboque ou de suas combinações, bem como de seus componentes ou equipamentos, sem autorização do órgão competente: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. (...) § 2º Incorrem nas mesmas penas do caput deste artigo: (...) III – aquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado”. A materialidade do delito está devidamente comprovada pelo Boletim de Ocorrência (Id. 147853534), termo de exibição e apreensão (Id. 147853537), bem como pelos depoimentos colhidos em juízo. A autoria é incontroversa, uma vez que o próprio réu admitiu, em seu interrogatório, ter retirado a placa e o para-choque dianteiro do veículo, alegando que tais itens estavam danificados e que os havia acondicionado no porta-malas. O depoimento da testemunha Hugo Sena confirma que o veículo transitava sem o para-choque e a placa dianteira, elementos identificadores obrigatórios, circunstância que motivou a abordagem policial. A justificativa apresentada pelo acusado - de que os itens estavam danificados e, por dificuldades financeiras, não conseguiu realizar os reparos necessários - não elide sua responsabilização penal, vez que o elemento subjetivo do tipo penal se aperfeiçoa com a conduta dolosa de suprimir ou dificultar a identificação do veículo, independentemente da motivação subjacente. A conduta do acusado configura a modalidade equiparada prevista no § 2º, inciso III, do art. 311 do Código Penal, uma vez que utilizava veículo automotor com registro de crime e com parte identificadora suprimida. Anoto que o fato de o acusado circular regularmente com o veículo sem os elementos identificadores obrigatórios, notadamente a placa dianteira, ciente de que tal conduta dificultaria a identificação do automóvel pelas autoridades policiais, incide no delito em apreciação. Neste sentido, trago à baila os seguintes julgados: APELAÇÃO CRIMINAL – RECEPTAÇÃO E ADULTERAÇÃO DE SINAL DE VEÍCULO - SENTENÇA CONDENATÓRIA – PROVAS INSUFICIENTES QUANTO À ADULTERAÇÃO, PENAS EXASPERADAS MEDIANTE FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA – PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO, REDUÇÃO DAS PENAS E FIXAÇÃO DE REGIME “SEMIABERTO OU ABERTO” – ADULTERAÇÃO DE SINAL – VEÍCULO CONDUZIDO PELO APELANTE - PRODUTO DE FURTO - PLACAS ADULTERADAS E DIVERGENTES DA DOCUMENTAÇÃO DO VEÍCULO – REGIÃO DE FRONTEIRA COM A BOLÍVIA – JULGADO DO TJMG E TJMT – DOSIMETRIA DA ADULTERAÇÃO DE SINAL – MAUS ANTECEDENTES – VALORAÇÃO VÁLIDA – VALOR DO BEM TRANSPORTADO – ARESTO DO TJMT- NEGATIVAÇÃO MANTIDA - DOSIMETRIA DA RECEPTAÇÃO – MULTIRREINCIDÊNCIA – ARESTO STJ- FRAÇÃO DE 1/6 PARA AGRAVANTES GENÉRICAS – PENA MANTIDA – REGIME PRISIONAL - REINCIDÊNCIA – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS – PENA IMPOSTA – REGIME FECHADO AUTORIZADO – ENTENDIMENTO DO STJ – RECURSO DESPROVIDO. O crime de adulteração de sinal de veículo automotor caracteriza-se com “a conduta de quem adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado.” (TJMG, AP 0025326-76.2023.8.13.0079). “ [...] o delito do art. 311, §2º, III, do CP, entrou em vigência em recente data e a jurisprudência ainda é muito escassa, mas já da pra perceber a intenção do legislador de que não só aquele que tem ciência inequívoca seja punido, mas também aquele que “devesse saber estar adulterado ou remarcado” (Anderson Fernandes Vieira, juiz de Direito – ID 201215731). “A apreensão de veículo na posse do agente, com as placas originais adulteradas, configura a prática do delito previsto no art. 311 do Código Penal, cabendo ao agente a prova idônea de que não participou da falsificação, mudança ou remarcação dos sinais identificadores do veículo”” (TJMT, RAC 165929/). “[...] é possível o aumento da pena-base do crime [...] em razão do alto valor do bem [...], o que deve ser aferido em face da sua natureza, e não somente à vista do montante isoladamente considerado” (TJMT, AP 1001698-45.2022.8.11.0010). Por ser o apelante “multirreincidente, mostra-se cabível a compensação parcial da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, tal como ocorre na espécie, em que o paciente ostenta três condenações transitadas em julgado, tendo sido utilizada uma para negativar os antecedentes e duas para reconhecer a reincidência” (STJ, AgRg no HC n. 626.637/SC). Recurso desprovido. (TJMT, N.U 1000630-53.2023.8.11.0098, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 28/05/2024, Publicado no DJE 29/05/2024) APELAÇÃO CRIMINAL - RECURSO MINISTERIAL - CONDENAÇÃO - NECESSIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - RES APREENDIDA NA POSSE DO ACUSADO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - DOLO EVIDENCIADO - SUSPENSÃO DAS CUSTAS - NECESSIDADE - HIPOSSUFICIÊNCIA DO AGENTE COMPROVADA. - Havendo nos autos elementos suficientes para se imputar ao acusado a autoria do crime de receptação, a condenação é medida de rigor. - Sendo a res apreendida na posse do acusado, ocorre a inversão do ônus da prova. - Considerando-se que a prova da ciência da origem ilícita da coisa, no crime de receptação, é difícil de ser obtida, as circunstâncias das quais se revestem o fato permitem que seja auferido o dolo na conduta do agente, como ocorreu, in casu. - Faz jus à suspensão do pagamento das custas processuais, nos termos do art. 98, do CPC, o acusado hipossuficiente, assistido por Defensor Dativo. (TJMG - Apelação Criminal 1.0000.24.141868- 0/001, Relator (a): Des.(a) Agostinho Gomes de Azevedo, 7a CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 12/06/2024, publicação da súmula em 12/06/2024) Assim, tratando-se crime formal sua ocorrência independe de dolo específico por parte do réu ou da efetiva demonstração de lucro ou vantagem. Logo, havendo provas contundentes da autoria e da materialidade delitiva, já que o veículo adulterado foi encontrado na posse do réu, que o estava conduzindo com placa substituídas, forçoso a sua condenação pelo delito de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previsto no art. 311, §2º, inciso III, do Código Penal. Em face do exposto, ressalta-se, por fim, que os fatos são típicos, antijurídicos e culpáveis. Logo, estando comprovadas a materialidade e a autoria do delito, outro caminho não resta a não ser julgar procedentes os pedidos formulados na presente ação penal. Do pleito de aplicação do princípio da consunção em relação aos crimes de receptação e adulteração de sinal de identificador de veículo automotor: No que se refere à aplicação do princípio da consunção entre os delitos de receptação e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, não assiste razão a Defesa. A tese defensiva, nesse ponto, dispensa maiores digressões, porquanto os crimes em comento apresentam desígnios autônomos, inexistindo entre eles qualquer relação de instrumentalidade ou finalidade. Não se trata, portanto, de delito-meio e delito-fim, tampouco há entre as condutas vínculo de dependência que autorize a incidência do referido princípio. Com efeito, os bens jurídicos tutelados por cada tipo penal são diversos. O crime de receptação, previsto no art. 180, caput, do Código Penal, tem como objeto jurídico a proteção do patrimônio, além de, conforme parcela da doutrina, tutelar subsidiariamente a administração da justiça. Por sua vez, o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, tipificado no art. 311 do mesmo diploma, visa resguardar a fé pública, assegurando a autenticidade e a credibilidade do sistema de registro e identificação de veículos. O Superior Tribunal de Justiça, em interpretação pacificada, tem assentado que o princípio da consunção somente é aplicável quando demonstrado que um dos delitos constitui fase normal ou meio necessário à prática de outro crime mais gravoso, ainda que os bens jurídicos por eles protegidos não coincidam. A propósito, colhe-se da jurisprudência: O princípio da consunção resolve o conflito aparente de normas penais quando um delito menos grave é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro mais danoso. Nessas situações, o agente apenas será responsabilizado pelo último crime. Para tanto, porém, imprescindível a constatação do nexo de dependência entre as condutas a fim de que ocorra a absorção da menos lesiva pela mais nociva ao meio social. (HC n. 241.666/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 9/3/2017, DJe de 21/3/2017.) Na hipótese vertente, não se vislumbra qualquer elemento que demonstre a existência de vínculo de subordinação ou necessidade entre os comportamentos atribuídos ao acusado. Não se pode afirmar que a adulteração do sinal identificador tenha sido realizada como meio para a receptação, ou vice-versa. Cada infração penal foi perpetrada de forma independente, com objetivos e implicações distintas. Dessa forma, é incabível a aplicação do princípio da consunção, restando inviável a pretendida absorção do delito de receptação pelo de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, ou em sentido inverso. Do concurso material de crimes In casu, a análise pormenorizada dos fatos demonstra que os delitos imputados ao réu possuem autonomia típica, consumando-se em momentos distintos e mediante ações independentes. O crime de receptação consumou-se no momento em que o acusado adquiriu o veículo, sabendo de sua origem ilícita, ou assumindo o risco de tratar-se de produto de crime, conforme restou demonstrado pelas circunstâncias da negociação anteriormente elencadas. Por seu turno, o delito de adulteração de sinal identificador de veículo automotor materializou-se posteriormente, mediante conduta distinta e não necessária à consumação da receptação, consubstanciada na remoção deliberada da placa e do para-choque dianteiro, suprimindo elementos de identificação obrigatórios do automóvel. No caso em tela, verifica-se violação a bens jurídicos distintos: no delito de receptação, tutela-se a propriedade e a posse, coibindo-se o favorecimento a crimes patrimoniais anteriores; já no crime de adulteração de sinal identificador, protege-se a fé pública e a segurança dos registros de identificação veicular, fundamentais para o controle estatal sobre a circulação de veículos. Outrossim, o dolo do acusado manifestou-se distintamente em cada delito: na receptação, direcionou-se à obtenção de vantagem econômica mediante aquisição de bem produto de crime; na adulteração do sinal identificador, voltou-se especificamente para a ocultação da identificação veicular, com intuito de dificultar a fiscalização pelas autoridades competentes. Por tais fundamentos, impõe-se o reconhecimento do concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal. 3. Dispositivo Diante o exposto, com arrimo nos fundamentos acima expostos, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal, consubstanciada pela denúncia para CONDENAR o réu RAPHAEL DA SILVA OLIVEIRA, já qualificado, como incurso nas disposições do art. 180, caput, e art. 311, § 2º, III, na forma do art. 69, todos do Código Penal 4. Dosimetria Passo, por conseguinte, e destacadamente, à dosimetria da reprimenda penal do acusado, em obséquio ao princípio constitucional da individualização da pena (CF, art. 5º, inc. XLVI) e ao critério trifásico estabelecido no artigo 68 do Estatuto Repressivo. 4.1 Do Crime de Receptação Verificando as condições do acusado e do crime, passo a dosimetria da pena atenta as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal. A culpabilidade é normal a espécie; o réu registra condenação nos autos 0006239-83.2016.8.11.0064, contudo, será levado em consideração por ocasião da segunda fase dosimétrica. E nada existe de palpável nos autos sobre sua conduta social, além do que não existem elementos para aferir sua personalidade; o motivo do delito se constitui pelo desejo de obter lucro fácil, o que caracteriza a própria tipicidade da figura delitiva do crime; as circunstâncias são normais a espécie; consequências a meu ver não transcendem da normalidade, notadamente porque o objeto foi recuperado pela vítima; comportamento das vítimas entendo que não contribuíram para a atividade criminosa, fixo a pena base do delito definido em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias multa. Vislumbro a incidência da atenuante da confissão (CP, art. 65, “d”) e da reincidência, dada a condenação nos autos 0006239-83.2016.8.11.0064, de forma que as COMPENSO (CP, art. 67) de forma que encontra a reprimenda em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias multa. De outro giro, inexistem causas de diminuição ou aumento de pena. No que tange a pena de multa, considerando a situação econômica do acusado, atribuo o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, para cada dia multa. 4.2 Do Crime de Adulteração de Sinal Identificador Verificando as condições do acusado e do crime, passo a dosimetria da pena atenta as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal. A culpabilidade é normal a espécie; o réu registra condenação nos autos 0006239-83.2016.8.11.0064, contudo, será levado em consideração por ocasião da segunda fase dosimétrica. E nada existe de palpável nos autos sobre sua conduta social, além do que não existem elementos para aferir sua personalidade; o motivo do delito se constitui pelo desejo de obter lucro fácil, o que caracteriza a própria tipicidade da figura delitiva do crime; as circunstâncias são normais a espécie; consequências a meu ver não transcendem da normalidade, notadamente porque o objeto foi recuperado pela vítima; comportamento das vítimas entendo que não contribuíram para a atividade criminosa, fixo a pena base do delito definido em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias multa. Vislumbro a incidência da atenuante da confissão (CP, art. 65, “d”) e da reincidência, dada a condenação nos autos 0006239-83.2016.8.11.0064, de forma que as COMPENSO (CP, art. 67) de forma que encontra a reprimenda em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias multa. De outro giro, inexistem causas de diminuição ou aumento de pena. No que tange a pena de multa, considerando a situação econômica do acusado, atribuo o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, para cada dia multa. PENA DEFINITIVA Nos termos do art. 69 do CP, promovo a somatória das reprimendas fixadas, encontrando apena definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão e 20 (vinte) dias multa. No que tange a pena de multa, considerando a situação econômica do acusado, atribuo o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, para cada dia multa. Do regime de Pena Nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “b” e §3º, do Código Penal, fixo o regime inicial semiaberto Benefícios Legais [Substituição de Pena, Suspensão Condicional da Penal] Deixo de substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, visto que o acusado não preenche os requisitos do artigo 44, II, do Código Penal, diante do reconhecimento da reincidência. Valor Mínimo para Reparação dos Danos (CPP, art. 387, IV): Deixo de arbitrar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, a teor do inciso IV do artigo 387 do Código de Processo Penal, considerada ausência de pedido explícito nesse sentido. Manutenção ou Imposição de Prisão Preventiva ou outra Medida Cautelar: Observando o quantum e o regime inicial diverso do fechado aplicado para o cumprimento da reprimenda, e em observância ao disposto no artigo 387, § 1º, do Código de Processo Penal, em caso de recurso, DEFIRO ao réu o direito de recorrer em liberdade. Custas e Despesas Processuais e Honorários Advocatícios: Condeno o réu ainda ao pagamento das custas e despesas processuais, conforme dispõe o art. 804, do CPP, salientando que eventual pleito de Justiça gratuita poderá ser concedido na fase de execução e pelo juízo competente, porquanto este é o momento adequado para aferir a sua real situação financeira, uma vez que existe a possibilidade de alteração desta, após a data da condenação. Destinação da Coisa Apreendida (Fiança, objetos) Anoto que quanto ao pleito de restituição do veículo à vítima, consigne-se que a Autoridade Policial já havia o feito ainda em fase administrativa, entregando o bem à advogada com procuração para tanto. Outrossim, o pleito de item “c” já foi objeto de deliberação do Juízo, com expedição de ofício correspondente. Promova-se a destruição dos objetos inservíveis ainda apreendidos nos autos. Declaro a perda da fiança, de modo que determino a vinculação dos valores relacionados à fiança à guia de execução penal, cabendo ao Juízo da Execução Penal decidir sobre sua destinação (CPP, arts. 336 e 804). 5. Disposições finais Cumpra a Secretaria Judicial às seguintes providências: a) Desnecessária a intimação (pessoal ou ficta) do réu solto, conforme regra prevista no artigo 392, inciso II, do CPP e o entendimento jurisprudencial do STJ [em se tratando de réu solto, a intimação da sentença condenatória pode se dar apenas na pessoa do advogado constituído, ou mesmo do defensor público designado (...)].[1] b) Cientifiquem-se o Representante Ministerial e a Defesa Técnica. Após o trânsito em julgado desta sentença: a) INSIRA-SE no sistema conveniado ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Mato Grosso (SIEL), o teor desta condenação, nos termos do artigo 71, § 2º, do Código Eleitoral c/c artigo 15, inciso III, da Constituição Federal. b) OFICIEM-SE aos Institutos de Identificação Criminal Nacional e Estadual, bem como aos Cartórios Distribuidores desta Comarca e de residência e nascimento do réu, para as anotações pertinentes. c) EXPEÇA-SE Guia de Execução Penal Definitiva, encaminhando-se à Vara de Execuções Penais competente. Cumpridas todas essas providências, arquivem-se os autos, com as anotações e baixas de estilo, inclusive, com baixa na distribuição. Rondonópolis/MT, datado e assinado digitalmente. CRISTHIANE TROMBINI PUIA BAGGIO Juíza de Direito [1] STJ: AgRg nos EDcl no HC n. 680.575/SC; AgRg no HC n. 844.848/RO; AgRg no RHC 156.273/PB; TJMT: N.U 1007049-58.2024.8.11.0000 e N.U 1002000-36.2024.8.11.0000.
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