Processo nº 5034161-14.2024.8.24.0018
ID: 321937731
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5034161-14.2024.8.24.0018
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALFREDO PATRICK MONTEIRO
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5034161-14.2024.8.24.0018/SC
APELANTE
: PAULO CEZAR GOMES (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: ALFREDO PATRICK MONTEIRO (OAB SC044038)
DESPACHO/DECISÃO
PAULO CEZAR GOMES
interpôs recurso de apelação (
…
Apelação Nº 5034161-14.2024.8.24.0018/SC
APELANTE
: PAULO CEZAR GOMES (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: ALFREDO PATRICK MONTEIRO (OAB SC044038)
DESPACHO/DECISÃO
PAULO CEZAR GOMES
interpôs recurso de apelação (
28.1
) contra sentença proferida nos autos da ação declaratória de inexistência de débito c/c repetição de indébito e indenização por danos morais n. 5034161-14.2024.8.24.0018, ajuizada contra AMAR BRASIL CLUBE DE BENEFICIOS, cujo dispositivo foi exarado nos seguintes termos (
22.1
):
3) JULGAMENTO
Por todo o exposto:
I)
com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para:
1)
DECLARAR a inexistência da relação jurídica impugnada na petição inicial;
2)
DETERMINAR a cessação do desconto impugnado na petição inicial;
3)
CONDENAR o(a)(s) ré a restituir o valor descontado, impugnado na inicial, na forma simples, atualizado(s) monetariamente (IPCA) e acrescido(s) de juros (taxa Selic, deduzido o IPCA, vedado resultado inferior a zero) a partir de cada desconto;
II)
CONDENO, em razão da sucumbência mínima do(a)(s) ré (CPC, art. 86, parágrafo único):
1)
o(a)(s) autora ao pagamento das custas e das despesas processuais;
2)
o(a)(s) autora ao pagamento dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação (CPC, art. 85, § 2.º), em favor do(a)(s) procurador(a)(s) do(a)(s) ré.
Quanto ao(à)(s) autora, MANTENHO o deferimento do benefício da Justiça Gratuita (ev(s). 05) e DETERMINO a suspensão da cobrança dos encargos da sucumbência, na forma da Lei (CPC, art. 98, §§ 2.º e 3.º).
Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se.
Arquivem-se oportunamente.
Nas razões, a parte apelante sustenta, em síntese: i) que é devida a indenização por danos morais; ii) a necessidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor; iii) a repetição do indébido deve ser realizada na forma dobrada, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça e; iv) os ônus sucumbenciais devem ser integralmente suportados pela apelada.
Sem as contrarrazões, os autos ascenderam a este Tribunal.
É o relatório.
DECIDO.
Os pressupostos intrínsecos estão devidamente preenchidos, pois o recurso é cabível, e a parte recorrente possui legitimidade e interesse recursal, ao menos de forma parcial, inexistindo fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer.
Da mesma forma, quanto aos pressupostos extrínsecos, o reclamo é tempestivo (eventos 23 e 28 - eproc 1G), apresenta regularidade formal e a parte está dispensada do recolhimento do preparo recursal, por ser beneficiária da justiça gratuita (
5.1
).
Em atenção ao disposto nos arts. 5º, inciso LXXVIII, da CRFB/1988 e 4º do CPC, que consagram o direito fundamental à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação, e com fundamento nos arts. 932, inciso VIII, do CPC, e 132, inciso XV e XVI, do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça, promove-se o julgamento monocrático do presente recurso.
Art. 932. Incumbe ao relator:
[...]
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.
Art. 132. São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual:
[...]
XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou
quando esteja em confronto com
enunciado ou
jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça
; (grifei)
XVI – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento a recurso nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça
Registra-se que a adoção do julgamento monocrático, além de expressamente autorizado pelo ordenamento jurídico e pelo regimento interno desta Corte, revela-se medida compatível com os princípios da eficiência processual e da duração razoável do processo, notadamente em razão da consolidada orientação jurisprudencial desta Colenda 5ª Câmara de Direito Civil e deste Egrégio Tribunal de Justiça sobre a matéria debatida.
A adoção dessa técnica processual configura uma salutar abreviação procedimental, decorrente da necessidade de assegurar a tempestividade da prestação jurisdicional, e seu fundamento repousa na "
percepção de que é inútil levar o recurso ao colegiado, dada a imediata percepção judicial de existência ou ausência de razão pelo recorrente
"
1
.
Importa igualmente ressaltar que o art. 932 do CPC não confere ao relator uma mera faculdade, mas impõe-lhe um verdadeiro dever de proferir julgamento monocrático nas hipóteses expressamente previstas.
Trata-se, portanto, de um "dever-poder" atribuído ao relator, e não de simples faculdade discricionária, de modo a viabilizar significativa economia processual e, por conseguinte, assegurar a razoável duração do processo, patrocinando-se assim uma "
sensível economia processual, promovendo por essa via um processo com duração razoável
"
2
.
Desse modo, considerando que a submissão do presente recurso ao julgamento colegiado conduziria, de forma inexorável, à mesma conclusão jurídica ora adotada, eventual remessa ao órgão colegiado configuraria ato meramente protelatório, incompatível com os princípios da racionalidade processual, da eficiência e da economia processual, além de contrariar a própria garantia constitucional da razoável duração do processo.
Por tais razões, passo ao julgamento monocrático deste recurso.
Preliminarmente, cumpre assinalar que, diversamente do que constou na sentença, a relação jurídica mantida entre as partes ostenta, de maneira inequívoca, natureza consumerista, razão pela qual se revela inadequada a conclusão adotada pelo juízo de origem ao afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto.
A jurisprudência consolidada dos tribunais superiores tem reiteradamente reconhecido que as normas do CDC são plenamente aplicáveis às relações firmadas entre o associado e a associação, especialmente quando esta, ainda que sob a roupagem de entidade sem fins lucrativos, oferece serviços mediante contraprestação pecuniária. Nesses moldes, não obstante a existência formal de vínculo associativo, evidencia-se típica relação de consumo, na qual o associado figura como destinatário final dos serviços ofertados, e a associação, como fornecedora, sujeita às disposições protetivas da legislação consumerista.
Note-se que "
o reconhecimento de uma pessoa física ou jurídica ou de um ente despersonalizado como fornecedor de serviços atende aos critérios puramente objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza jurídica, a espécie dos serviços que prestam e até mesmo o fato de se tratar de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico, bastando que desempenhem determinada atividade no mercado de consumo mediante remuneração
" (REsp n. 519.310/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/4/2004, DJ de 24/5/2004, p. 262.).
Neste sentido, são os seguintes precedentes desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRIBUIÇÃO ASSOCIATIVA. DESCONTOS OPERADOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. RELAÇÃO TRAVADA ENTRE AS PARTES QUE SE SUBMETE AO CDC. PARTE RÉ QUE EMBORA FIGURE COMO ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS, OFERECE SERVIÇOS NO MERCADO DE CONSUMO MEDIANTE REMUNERAÇÃO. LEGISLAÇÃO PROTETIVA APLICÁVEL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. (...). (TJSC, Apelação n. 5003668-69.2023.8.24.0089, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 06-05-2025).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DESCONTOS REALIZADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS (ABRAPPS). RÉ QUE FIGURA COMO FORNECEDORA E AUTORA CONSUMIDORA POR EQUIPARAÇÃO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. (...) (Apelação Cível n. 5001424-71.2020.8.24.0058, rel. Des. Renato Luiz Carvalho Roberge, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 01.08.2023; destaquei).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO DA AUTORA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA PRESCRIÇÃO TRIENAL APLICADA EM SENTENÇA, INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL E RETORNO DOS AUTOS PARA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. MÉRITO. DESCONTOS REALIZADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS (ABRAPPS). RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA RELAÇÃO CONSUMERISTA ENTRE AS PARTES. ART. 3º, §2º DO CDC. APLICABILIDADE DO CDC ÀS ASSOCIAÇÕES QUE É MATÉRIA PACÍFICA NA JURISPRUDÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. REQUERIDA QUE FIGURA COMO FORNECEDORA E AUTORA CONSUMIDORA POR EQUIPARAÇÃO. (...) (TJSC, Apelação n. 5007841-74.2023.8.24.0045, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Denise Volpato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 18-02-2025).
Por tais fundamentos, mostra-se inarredável a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em análise.
No que tange ao pleito de indenização por danos morais, cumpre destacar que esta Corte de Justiça firmou entendimento, por ocasião do julgamento do Tema 25 no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR n. 5011469-46.2022.8.24.0000), no sentido de que o abalo anímico decorrente da realização de descontos indevidos em benefício previdenciário, em razão de contratação fraudulenta, não se presume, sendo imprescindível a comprovação do dano pela parte autora.
Dos autos, observa-se que, no caso em exame, embora tenha havido cobrança indevida, os valores descontados mensalmente eram de pequena monta (entre R$ 30,30 e R$ 35,30 -
1.8
) não se verificando, ademais, qualquer comprovação de que o nome do autor tenha sido indevidamente inscrito em cadastros de inadimplentes.
Não obstante realmente deva ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor ao caso, com a respectiva inversão do ônus da prova, é de se aplicar, no caso, a teoria da carga dinâmica da prova, segundo a qual cada parte deve produzir as provas que razoavelmente estejam ao seu alcance. Nesse contexto, o autor não se desobrigava de apresentar documentos acessíveis, como uma certidão que comprovasse eventual inscrição de seu nome em cadastros restritivos de crédito — circunstância que, além de não comprovada, sequer foi afirmada nos autos.
Assim, ausente qualquer prova de negativação, afasta-se a possibilidade de presumir-se o dano moral, sendo necessário, portanto, que a parte autora demonstrasse, de forma concreta e específica, os fatos que teriam ensejado o alegado abalo moral. Tal demonstração, no entanto, não ocorreu, limitando-se a demandante a alegar a ilicitude do desconto como fundamento do pedido indenizatório, o que, por si só, configura mero dissabor ou contratempo, insuficiente para gerar reparação por dano extrapatrimonial.
Cumpre destacar que os valores descontados foram repassados diretamente pelo órgão previdenciário e debitados de forma automática, sem que disso decorresse qualquer restrição ao nome do autor em cadastros de inadimplentes. Além disso, inexiste prova de que tenha havido tentativa da parte autora de resolver administrativamente o equívoco junto à instituição financeira ré, tampouco há qualquer protocolo, requerimento ou outro documento que evidencie diligência nesse sentido — ônus que lhe competia, pois tais providências estavam a seu alcance.
Importa ressaltar, ainda, que não há nos autos elementos que demonstrem a adoção de meios excessivos, constrangedores ou ilegítimos por parte da instituição apelada no intuito de realizar a cobrança, a qual se deu por meio do simples encaminhamento ao INSS para desconto no benefício previdenciário.
Nessa linha, cumpre mencionar o entendimento consolidado nesta Corte por meio do Enunciado 29 de sua Súmula:
"O descumprimento contratual não configura dano moral indenizável, salvo se as circunstâncias ou as evidências do caso concreto demonstrarem a lesão extrapatrimonial".
Quanto ao ônus da prova, mesmo nos casos em que se aplica a inversão prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, permanece o dever da parte autora de comprovar os fatos constitutivos de seu direito. Não se pode impor à parte contrária o dever de provar a inexistência de dano moral — o que configuraria prova de natureza impossível ou "prova diabólica" —, sob pena de violação ao princípio da paridade de armas.
Na mesma linha, estabelece a Súmula 55 deste Tribunal de Justiça: "
A inversão do ônus da prova não exime o consumidor de trazer aos autos indícios mínimos do direito alegado na inicial quando a prova lhe diga respeito".
Já decidiu esta Corte, em casos semelhantes:
PROCESSUAL CIVIL - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - CONTRATAÇÃO - INEXISTÊNCIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - JULGAMENTO ANTECIPADO - NULIDADE AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA. Não há que se falar em cerceamento de defesa quando a produção de provas se mostra absolutamente inócua, notadamente quando o juízo acata a pretensão autoral relativa à inexistência de contratação. RESPONSABILIDADE CIVIL -DANOS MORAIS E RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO -EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - DÉBITO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA - ATO ILÍCITO CONFIGURADO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DESCABIMENTO - ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO. Não demonstrado pela parte ré que o autor anuiu com o desconto em seu benefício previdenciário de valores inerentes a mútuo consignado, resta caracterizado o ato ilícito praticado, impondo-se, por consequência, a declaração de inexigibilidade da cobrança e de devolução dos valores pagos.
Contudo, os descontos indevidos promovidos por entidade financeira no benefício previdenciário do aposentado, sem que tenha este demonstrado forte perturbação ou afetação à sua honra ou tranquilidade de vida, não configuram danos morais indenizáveis. Afinal, consoante entende este Tribunal, "embora não se elimine o aborrecimento sofrido pela demandante, por conta do desconto indevido em seu benefício previdenciário, tal fato, por si só, não faz presumir a existência de dano moral indenizável, sobretudo à falta de prova de evento grave que possa expor a vítima à humilhação, vexame ou abalo psicológico significativo"
(AC n. 0301583-51.2015.8.24.0074, Des. João Batista Góes Ulysséa).
REPETIÇÃO DE INDÉBITO - AFRONTA À BOA-FÉ OBJETIVA - DEVOLUÇÃO EM DOBRO. Aquele que falta com a boa-fé na cobrança de valores já liquidados ou que se mostram indevidos deverá restitui-los em dobro ao lesado, a teor do que dispõem os arts. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor e 940 do Código Civil, em consonância com o mais recente posicionamento da Corte Superior de Justiça (EAREsp 600.663/RS, Min. Herman Benjamin). (Apelação nº 5007455-96.2021.8.24.0018/SC, Relator: Desembargador Luiz Cézar Medeiros, julgada em 26-10-2021).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. PRETENDIDA A REPARAÇÃO POR ABALO ANÍMICO. REJEIÇÃO.
DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA INDEVIDA. SITUAÇÃO QUE, POR SI SÓ, NÃO GERA O DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. ABALO MORAL NÃO PRESUMIDO. NÃO EVIDENCIADA A IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DE BENS ESSENCIAIS À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. AUSÊNCIA DE DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES ORDINÁRIAS OU DE INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. ONUS PROBANDI QUE COMPETIA À REQUERENTE E DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, I, DO CPC/2015. DISSABOR COTIDIANO NÃO INDENIZÁVEL.
PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ARBITRAMENTO EM FAVOR DO PROCURADOR DA RÉ. SUSPENSA A EXIGIBILIDADE POR LITIGAR A AUTORA SOB O PÁLIO DA JUSTIÇA GRATUITA (ART. 98, §3º DO CPC). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação nº 0300822-59.2019.8.24.0048/SC, Relator: Desembargador Ricardo Fontes, julgada em 9-9-2021).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO E DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA CASA BANCÁRIA. DEFENDIDA A LICITUDE DA NEGOCIAÇÃO. TESE DESCABIDA. (...) EMPRÉSTIMO NÃO CONTRATADO. IRREGULARIDADE DOS DESCONTOS VERIFICADA. ATO ILÍCITO EVIDENCIADO. MANUTENÇÃO DA ORDEM DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. PEDIDO DE AFASTAMENTO DA DEVOLUÇÃO EM DOBRO. SENTENÇA QUE JÁ DETERMINOU A RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DA PRETENSÃO. PLEITO DE DEVOLUÇÃO DO SUPOSTO CRÉDITO DEPOSITADO NA CONTA DO AUTOR. REJEIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO À EFETIVA TRANSFERÊNCIA DO VALOR. DANOS MORAIS. AFASTAMENTO.
COBRANÇA INDEVIDA DA DÍVIDA QUE NÃO CARACTERIZA, POR SI SÓ, O ABALO ANÍMICO. AUTOR QUE NÃO DEMONSTROU QUE OS DESCONTOS NO SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPROMETERAM A SUA SAÚDE FINANCEIRA A PONTO DE FICAR IMPOSSIBILITADO DE ADIMPLIR ALGUMA DÍVIDA OU QUE HOUVE ALGUM IMPACTO FINANCEIRO EM SEU ORÇAMENTO. SITUAÇÃO QUE NÃO REPERCUTIU NA SUA ESFERA ÍNTIMA A PONTO DE OFENDER A HONRA E A DIGNIDADE. MERO DISSABOR. DEVER DE INDENIZAR NÃO CARACTERIZADO
(Apelação nº 5007643-78.2020.8.24.0033/SC, Relatora: Desembargadora Cláudia Lambert de Faria, julgada em 17-8-2021).
Nessa toada, não há que se falar em fixação de indenização por danos morais pela efetivação de descontos indevidos no benefício previdênciário do autor, razão pela qual não devem ser acolhidos os argumentos apresentados na peça recursal.
No que tange ao pedido de restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, o recurso deve ser provido, haja vista o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
DEVOLUÇÃO EM DOBRO
. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA.
1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em
dobro
da quantia cobrada indevidamente.
2. Eis o dispositivo do CDC em questão: 'O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao
dobro
do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.' (art. 42, parágrafo único, grifo acrescentado).
[...]
TESE
FINAL
28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese:
A REPETIÇÃO EM
DOBRO
, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS.
29.
Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão.
[...]. (EAREsp 600.663/RS, Rel. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21-10-2020, DJe 30-3-2021).
Seguindo essa linha de entendimento, considerando que os descontos impugnados na petição inicial foram declarados indevidos e ocorreram entre dezembro de 2022 e setembro de 2024 (
1.1
- pgs. 11e 12), a sentença deve ser reformada para reconhecer o direito do autor à restituição em dobro dessas parcelas, em conformidade com o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça e com a modulação dos seus efeitos.
Este Órgão Julgador, inclusive, já decidiu de forma unânime pela aplicabilidade do entendimento fixado pelo STJ, determinando o reembolso em dobro das deduções realizadas após o marco modulatório, qual seja, 30 de março de 2021:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PARCIAL PROCEDÊNCIA À ORIGEM. RECURSO DO AUTOR. DUPLA INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. NÃO CONHECIMENTO DA SEGUNDA INSURGÊNCIA. PLEITO DE
DEVOLUÇÃO
DA QUANTIA UTILIZADA PARA QUITAÇÃO DE CONTRATO REFINANCIADO. PRETENSÃO NÃO SUBMETIDA AO CONHECIMENTO DO JUÍZO DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. TENTATIVA DE ALTERAÇÃO DO PEDIDO FORMULADO NA PETIÇÃO INICIAL. INOVAÇÃO RECURSAL CARACTERIZADA. ALEGADA A IMPOSSIBILIDADE DE ACRESCER JUROS DE MORA À QUANTIA A SER DEVOLVIDA PELO AUTOR. NÃO CONHECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL NESSE SENTIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. MÉRITO. ALEGADA A INVIABILIDADE DE COMPENSAR VALORES. REJEIÇÃO. AUTORA E RÉU DEVEDORES E CREDORES SIMULTANEAMENTE. DÍVIDA LÍQUIDA E VENCIDA. COMPENSAÇÃO VIÁVEL. ARTIGOS 368 E 369 DO CC.
REEMBOLSO EM
DOBRO
DEVIDO APENAS EM RELAÇÃO ÀS DEDUÇÕES QUE PRECEDERAM O MARCO MODULATÓRIO ESTABELECIDO NO (EARESP 600.663/RS). ATUAL ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
PRETENSA CONDENAÇÃO À REPARAÇÃO POR ABALO ANÍMICO. NÃO ACOLHIMENTO. ABATIMENTOS IRREGULARES QUE, ANTE A AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE FORTE PERTURBAÇÃO OU AFETAÇÃO À HONRA, OU TRANQUILIDADE DE VIDA DA PARTE AUTORA, NÃO CONFIGURAM DANO MORAL. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5001539-96.2022.8.24.0034, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 12-03-2024).
Neste sentido também é o julgamento de outros órgãos colegiados desta Corte:
(...)
ERRO INESCUSÁVEL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
DEVOLUÇÃO
EM
DOBRO
DOS PAGAMENTOS INDEVIDOS REALIZADOS DESDE 30 DE MARÇO DE 2021. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS INDÉBITOS ANTERIORES. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SEDE DE EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA (EARESP N. 600.663/RS). SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
(...) (TJSC, Apelação n. 5013227-63.2023.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Franco, Primeira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 26-02-2025).
(...)
REPETIÇÃO DO INDÉBITO. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. MAGISTRADO QUE GUARDOU OBSERVÂNCIA À MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANTO A DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ A PARTIR DO JULGAMENTO DO EARESP NO 676.608/RS. RESTITUIÇÃO QUE DEVE OCORRER EM
DOBRO
SOMENTE EM RELAÇÃO ÀS COBRANÇAS EFETUADAS POSTERIORMENTE À DATA DE 30/03/2021, TAL COMO DEFINIDO NA SENTENÇA. MODIFICAÇÃO TÃO SOMENTE DO TERMO DE INCIDÊNCIA DOS JUROS MORATÓRIOS, A PARTIR DO EVENTO DANOSO, EM ATENÇÃO À RELAÇÃO EXTRACONTRATUAL ENTRE AS PARTES (SÚMULA 54 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA). É devida a restituição em
dobro
dos valores indevidamente cobrados do consumidor, a partir de 30.3.2021, em atenção à modulação dos efeitos da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do EARESP NO 676.608/RS, quando passou a ser dispensável a comprovação da má-fé. Em caso de relação extracontratual, os juros de mora incidem sobre a repetição do indébito a partir do evento danoso. (...)
RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (TJSC, Apelação n. 5001448-76.2022.8.24.0043, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Volnei Celso Tomazini, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 25-01-2024).
Por fim, no que se refere à redistribuição dos ônus sucumbenciais, entendo que a insurgência merece parcial provimento.
Com efeito, tendo em vista o acolhimento parcial dos pedidos formulados na petição inicial, bem como o parcial provimento do recurso interposto, impõe-se a readequação da sucumbência, a ser distribuída de forma proporcional entre as partes. Assim, arbitro o rateio das custas processuais em 50% para cada litigante.
Quanto aos honorários advocatícios, considerando o reduzido valor da condenação, nos termos do § 8º do art. 85 do Código de Processo Civil, fixo a verba honorária devida tanto ao patrono da parte autora quanto ao da parte ré em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, vedada a compensação, conforme o disposto no § 14 do mesmo dispositivo legal.
Todavia, mantenho suspensa a exigibilidade das verbas sucumbenciais em relação à parte autora, nos termos do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, em razão da concessão do benefício da Justiça Gratuita.
Ante o exposto, com fundamento no art. 932, V, do CPC, e no art. 132, XVI, do RITJSC,
CONHEÇO DO RECURSO E DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO
para determinar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso e condenar a parte requerida à restituição, em dobro, das parcelas indevidamente descontadas do benefício previdenciário percebido pela parte autora.
Determino a redistribuição dos encargos sucumbenciais, com o rateio das custas processuais em igual proporção entre as partes, atribuindo-se 50% a cada litigante.
Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, devidos de forma recíproca aos patronos das partes, vedada a compensação.
Ressalvo, contudo, que a exigibilidade das verbas sucumbenciais permanece suspensa em relação à parte autora, em razão da concessão do benefício da gratuidade da justiça.
Inviável a fixação de honorários recursais consoante definido pelo STJ (Tema 1059).
Custas de lei.
Publique-se.
Intimem-se.
1
. MITIDIERO, Daniel. Precedentes [livro eletrônico]: da persuasão à vinculação. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
2
. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]: artigos 926 ao 975. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme e MITIDIERO, Daniel. Coleção Comentários ao Código de Processo Civil, v. 15.
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