Processo nº 5030990-03.2025.4.04.7100
ID: 280556327
Tribunal: TRF4
Órgão: Turma Recursal Suplementar de Equalização do Rio Grande do Sul
Classe: RECURSO DE MEDIDA CAUTELAR CíVEL
Nº Processo: 5030990-03.2025.4.04.7100
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO FILIPPON JACINTO
OAB/RS XXXXXX
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RECURSO DE MEDIDA CAUTELAR Nº 5030990-03.2025.4.04.7100/RS
RECORRENTE
: LUCCA FOFONKA GUERRA
ADVOGADO(A)
: THIAGO FILIPPON JACINTO (OAB RS127705)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento i…
RECURSO DE MEDIDA CAUTELAR Nº 5030990-03.2025.4.04.7100/RS
RECORRENTE
: LUCCA FOFONKA GUERRA
ADVOGADO(A)
: THIAGO FILIPPON JACINTO (OAB RS127705)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela parte autora contra decisão de magistrado de primeira instância que indeferiu pedido de antecipação de tutela em demanda que objetiva o fornecimento do produto Canabidiol 1 Pure isolado 3.000 mg/30 ml, para o tratamento de autismo infantil (F84.0), distúrbios da atividade e da atenção (F90.0) e epilepsia (G40).
Em suas razões recursais, a parte afirma comprovar nos autos o diagnóstico das patologias acima descritas, e que já fez uso de praticamente todo o arsenal medicamentoso de receituário controlado, que não trouxe resultados significativos com aumento progressivo de dose, não havendo sentido em administrar mais drogas convencionais, bem como as disponíveis no SUS. Destaca que a agitação psicomotora pode ser agravada com o uso de novos medicamentos — que não o aqui pretendido —, colocando ainda mais em risco sua integridade física e das pessoas ao seu redor. Requer a antecipação dos efeitos da tutela recursal para a imediata concessão do produto Canabidiol 1 Pure isolado 3.000 mg/30 ml.
Inicialmente, cabe referir que o sistema recursal dos juizados especiais federais é notavelmente restrito e informal, não dispondo dos mesmos recursos admissíveis no rito ordinário. Nesse microssistema não há agravo de instrumento, de modo que são inaplicáveis os arts. 1.015 a 1.020 do CPC. No âmbito dos juizados, ainda, não cabem recursos dirigidos a tribunal regional federal.
De todo modo,
recebo o recurso de agravo de instrumento como recurso de medida cautelar
, em face da aplicação do princípio da fungibilidade, visto que os requisitos específicos de interposição do recurso cabível foram atendidos.
Pois bem.
Sabe-se que o deferimento do pedido de tutela de urgência (art. 300 do CPC) exige a comprovação de dois requisitos essenciais: a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
No presente caso, no entanto, neste juízo de cognição sumária, entendo não estarem presentes os elementos autorizadores da medida. A fim de evitar repetições desnecessárias, registro as bem lançadas razões da decisão recorrida (evento 50 dos autos principais):
(...)
Na medida em que a urgência é inerente à espécie da tutela jurisdicional almejada pela parte autora, passo a discorrer sobre a probabilidade do direito vindicado no caso, a fim de verificar o preenchimento dos requisitos dispostos no art. 300 do CPC.
O direito à saúde é um direito social previsto no art. 6º da Constituição Federal. Mais adiante, o art. 196, da mesma carta, estabelece que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
E, ainda, o art. 198, II, do texto constitucional, preceitua que "as ações e serviços públicos integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes (…) II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;”.
Dos dispositivos constitucionais supramencionados não se pode concluir que o direito à saúde engloba toda e qualquer ação tendente à promoção ou a recomposição da saúde. Os recursos do SUS são limitados, de maneira que o dever do Estado nessa seara se direciona à formulação e execução de políticas públicas igualitárias e universais. A saber, a assistência terapêutica integral a que se refere a legislação (art. 6º, I, "d", da Lei n. 8.080/90) consiste primordialmente na dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, com prescrição em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença a ser tratada, tudo na forma esmiuçada no art. 19-M e seguintes da lei acima aludida.
Partindo desse pressuposto, na judicialização da saúde é imprescindível levar-se em consideração a política pública existente traçada pelo SUS, a qual deve partir de uma medicina baseada em evidências na repartição de recursos escassos da forma mais eficiente possível. Nessa ótica, obrigar a rede pública a financiar qualquer tratamento médico receitado, ainda que sob o legítimo argumento do dever constitucional de assistência, implicaria, ao fim, por comprometer o próprio SUS como sistema, prejudicando ainda mais o atendimento prestado à população.
Isto posto, o STJ, no julgamento do REsp 1.657.156, cujo relator foi o Ministro Benedito Gonçalves, fixou os seguintes requisitos para que possa haver a concessão judicial de tecnologia em saúde não prevista no SUS:
(i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência.
Doravante, o STF julgou o recurso extraordinário de nº 657.718 (tema 500), em que foi firmada a seguinte tese:
“1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.
2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.
3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:
(i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
(iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.”
Com a nova decisão do STF, supera-se o entendimento original da STA 175, e o registro na ANVISA não é mais requisito inflexível para deferimento judicial de pleitos em saúde, desde que sejam atendidas as condicionantes fixadas na tese acima. E o próprio tema 500, nesse aspecto do registro, também foi relativizado pela inovação legislativa da Lei nº 14.313, de 2022, que atribuiu à CONITEC competência para autorizar uso off label (fora do registro/bula) no SUS, ao incluir o inciso I do parágrafo único do art. 19-T da Lei nº 8.080/90.
Assim, o tema 500, quando elenca exceções ao requisito de registro na ANVISA para deferimento dos pedidos em juízo, deve ser lido com mais uma exceção, justamente esta da Lei nº 14.313, de 2022, que permite uso off label (fora do registro/bula) no SUS de tecnologias autorizadas pela CONITEC.
Prosseguindo, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.366.243 (tema 1.234), o Supremo Tribunal Federal, ao homologar acordo interfederativo, traçou balizas que devem ser observadas pelo julgador ao apreciar demandas que tratem sobre o questionamento do ato administrativo que indefere a dispensação de medicamento no âmbito do Sistema Único de Saúde, todas consolidadas na Súmula Vinculante n. 60:
II – Definição de Medicamentos Não Incorporados 2.1) Consideram-se medicamentos não incorporados aqueles que não constam na política pública do SUS; medicamentos previstos nos PCDTs para outras finalidades; medicamentos sem registro na ANVISA; e medicamentos off label sem PCDT ou que não integrem listas do componente básico.
…………………………………………………………………………………………………….
IV – Análise judicial do ato administrativo de indeferimento de medicamento pelo SUS
4) Sob pena de nulidade do ato jurisdicional (art. 489, § 1º, V e VI, c/c art. 927, III, §1º, ambos do CPC), o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo da não incorporação pela Conitec e da negativa de fornecimento na via administrativa, tal como acordado entre os Entes Federativos em autocomposição no Supremo Tribunal Federal.
4.1) No exercício do controle de legalidade, o Poder Judiciário não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se o ato administrativo específico daquele caso concreto está em conformidade com as balizas presentes na Constituição Federal, na legislação de regência e na política pública no SUS.
4.2) A análise jurisdicional do ato administrativo que indefere o fornecimento de medicamento não incorporado restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato de não incorporação e do ato administrativo questionado, à luz do controle de legalidade e da teoria dos motivos determinantes, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvada a cognição do ato administrativo discricionário, o qual se vincula à existência, à veracidade e à legitimidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos.
4.3) Tratando-se de medicamento não incorporado, é do autor da ação o ônus de demonstrar, com fundamento na Medicina Baseada em Evidências, a segurança e a eficácia do fármaco, bem como a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS.
4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra respaldo em evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise.
Como se vê, tendo havido análise administrativa negativa sobre a inclusão de determinado medicamento na política pública de saúde, é necessário dialogar com o que foi deliberado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), órgão de assessoramento técnico do Ministério da Saúde, quando de seu exercício da competência administrativa prevista no art. 19-Q da Lei n. 8.080/90. Nesse panorama, não é possível invadir o mérito administrativo para substituir a decisão tomada pela autoridade competente, salvo para correção de vício de legalidade.
No ponto, restou consolidado no precedente vinculante que somente a Medicina Baseada em Evidências pode embasar qualquer pleito referente à concessão de medicamentos não incorporados pelo SUS, incumbindo ao autor o ônus de trazer aos autos evidências científicas de alto grau de confiabilidade (ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise) que respaldem a sua pretensão. Aqui, cabe a citação de trecho do voto condutor do acórdão do precedente vinculante em referência, que descarta a utilização de outras espécies de estudos para esse finalidade:
Para fins de interpretação autêntica e para que não pairem dúvidas quanto à expressão “evidências científicas de alto nível, tais como ensaios clínicos randomizados, estudos de coorte, estudos de caso-controle, revisão sistemática ou meta-análise”, do item 4.1.1 acima, deve ser considerada como a comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, da acurácia, da efetividade, da segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, apenas por meio de ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise. Isso porque, no nível hierárquico de evidências científicas, são os estudos mais adequados do ponto de vista de fortalecimento da política pública de saúde, por meio das instâncias de validação e de incorporação devidas. Dessa forma, excluem-se os estudos de coorte e estudos de caso-controle, não homologando o acordo quanto a tal aspecto.
Outrossim, mantém-se a exigência ao autor de que comprove que inexiste outro medicamento fornecido pelo SUS igualmente eficaz para o tratamento de que necessita.
Por fim, há que se apurar se a tecnologia demandada é custo-efetiva. É o que exige a lei orgânica do SUS (após alteração trazida pela Lei nº 12.401/2011) ao determinar que a CONITEC, órgão responsável pela incorporação de novas tecnologias, realize estudos econômicos de modo a avaliar a custo-efetividade em seus relatórios de recomendação (art. 19-Q, §2º, II, da Lei nº 8.080/90). Também esse aspecto faz parte do mérito administrativo em relação ao qual o Poder Judiciário não pode se imiscuir, na linha do decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o Tema 1.234.
Todo o exposto foi ratificado e sintetizado no julgamento do Tema 6 (sem os grifos no original):
“1.
A ausência de inclusão de medicamento nas listas
de dispensação do Sistema Único de Saúde - SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras)
impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial
,
independentemente do custo.
2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde,
desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação
:
(a) negativa de fornecimento
do medicamento na via administrativa,
nos termos do item '4' do Tema 1234
da repercussão geral;
(b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação
, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;
(c) impossibilidade de substituição por outro medicamento
constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;
(d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências
, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;
(e) imprescindibilidade clínica do tratamento
, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e
(f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento
.
3. Sob pena de nulidade da decisão judicial,
nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados,
deverá obrigatoriamente: (a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa
, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo;
(b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS
), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área,
não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação
; e (c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS”.
Dito isso, passo à análise do caso concreto.
Caso concreto
Verifico que o produto canabidiol não possui registro na ANVISA. Sinalo que a tecnologia pleiteada é categoria regulatória à parte na Anvisa (produtos de Cannabis da RDC 327/19), não sujeita a registro, mas à autorização de uso, e assemelhada a medicamento (nada obstante a agência reguladora não atestar nem segurança nem eficácia do produto).
Ainda que goze de autorização de uso da ANVISA, não se encontra incorporado à política pública do SUS para o tratamento de qualquer doença (
evento 16, NOTATEC2
):
Descrição da Tecnologia
Tipo da Tecnologia:
Produto
Registro na ANVISA?
Não
Descrição:
Canabidiol 1 PURE ISOLADO 3.000 mg/30 ml
O produto está inserido no SUS?
Não
No que toca à hipossuficiência para a aquisição da tecnologia por recursos próprios, os elementos documentais trazidos ao feito corroboram o preenchimento do requisito em apreço, em especial diante do custo elevado do produto frente aos rendimentos auferidos pelo grupo familiar da parte autora (
evento 1, CHEQ8
).
Quanto à eficácia da tecnologia almejada e à ineficácia do tratamento disponibilizado pela rede pública de saúde, reporto-me ao conteúdo da Nota Técnica juntada ao evento
evento 16, NOTATEC2
, que aponta a ausência de evidências científicas de eficácia e segurança. Confira-se:
Evidências e resultados esperados
Tecnologia:
Canabidiol 1 PURE ISOLADO 3.000 mg/30 ml
Evidências sobre a eficácia e segurança da tecnologia:
O transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits significativos na interação e na comunicação social, além de comportamentos restritivos e repetitivos que podem variar na gravidade. Classifica-se atualmente em 3 níveis, a depender da gravidade dos sintomas, necessidade de suporte, além como capacidade de comunicação e presença de comportamentos restritivos e estereotipados. É comum vir associado a outras comorbidades psiquiátricas, especialmente quando associado a déficit intelectual, com sintomas como irritabilidade, auto-agressividade, comportamentos desafiadores, desatenção e hiperatividade. A abordagem não farmacológica com intervenções educacionais e comportamentais, por meio de terapia multidisciplinar, constitui a base terapêutica.
Não há tratamento medicamentoso específico para o transtorno do espectro autista (TEA). Entretanto, na presença de comorbidades psiquiátricas se faz necessária o uso de medicamentos, visando controle de sintomas alvo. Para comportamento agressivo, os tratamentos recomendados são com risperidona e aripiprazol, dois antipsicóticos utilizados com segurança na infância, porém com efeitos adversos bem frequentes. A risperidona possui indicação para o tratamento de irritabilidade associada ao TEA e é o medicamento com maior volume de evidência científica e de maior experiência de uso no transtorno. O aripiprazol, um agente mais novo que a risperidona, também apresenta evidências de eficácia e indicação no TEA aprovada em bula por outras agências sanitárias. O protocolo do Ministério da Saúde (PCDT-CA-TEA) recomenda o uso de risperidona, um antipsicótico atípico, justamente pelo maior volume de evidências e experiência de uso no tratamento da agressividade em pessoas com TEA. A resposta ao tratamento medicamentoso com a risperidona ocorre de forma gradual, geralmente em 30 a 60 dias de tratamento, podendo em casos específicos ocorrer antes ou mesmo após este período.
Os canabinóides foram propostos como candidatos a opção terapêutica em pacientes com TEA. Há várias publicações com amostras pequenas e heterogêneas de pacientes, demonstrando efeitos do canabidiol em redução de comportamento agressivo, na hiperatividade, em transtorno do sono e em crises epilépticas. Entretanto, há pouca evidência de melhora em sintomas centrais, como efeitos na capacidade de comunicação, em estereotipias e em comportamentos restritivos, como demonstrada na revisão de Fusa-Poli et al, 2020.
MINELLA, et al (2021) através de uma revisão sistemática sobre o uso de CBD em quadros do espectro autista, encontrou 12 artigos, contudo somente quatro que preenchiam critérios de elegibilidade para inclusão no estudo. A autora conclui em transcrição direta: "A partir do uso do CBD, as pesquisas analisadas mostram significativa melhora nos aspectos comportamentais, apresentando melhora no estudo placebo-comparativo (Aran, et al., 2021) de 28% no comportamento disruptivo (diferença entre dados da extrato da planta inteira versus placebo), até a melhora de mais de 90% nas categorias de inquietação e ataques de raiva (Schleider, et al., 2019)."
MOSTAFAVI,et al (2020) em um estudo revisão e descrição de experiência clínica do grupo de pesquisa conclui em tradução direta: "no momento, os dados de estudos pré-clínicos e clínicos sugerem um potencial benefício terapêutico do CBD entre algumas pessoas com TEA, além de ser de modo geral bem tolerado. São necessárias mais pesquisas identificar melhor os pacientes que podem se beneficiar do tratamento sem efeitos adversos."
HOLDMAN, et al (2021),através de uma revisão sistemática sobre o uso de CBD em quadros do espectro autista, publicada em agosto de 2021, conclui em tradução direta: "No momento deste estudo, não foram encontrados ensaios clínicos publicados controlados por placebo sobre o uso de cannabis medicinal para TEA e os estudos observacionais têm limitações. A cannabis medicinal rica em CBD parece ser uma opção eficaz, tolerável e relativamente segura para muitos sintomas associados ao TEA; no entanto, a segurança em longo prazo é desconhecida no momento."
Deste modo,
o uso de CBD em quadros de TEA ainda carece de evidências científicas sólidas, de modo que sua prescrição rotineira não deve ser encorajada em detrimento de opções medicamentosas com evidências científicas mais significativas em relação a eficácia e segurança.
Benefício/efeito/resultado esperado da tecnologia:
Melhor controle dos sintomas alvo / comportamento
PORTARIA CONJUNTA Nº 7, de 12 de ABRIL de 2022. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Comportamento Agressivo no Transtorno do Espectro do Autismo.Consta no documento: "Em relação ao canabidiol, foram encontrados 1 estudo clínico (incluindo duas publicações e um registro de protocolo)93– 95 e 09 estudos observacionais60,96–104. Para o estudo clínico, os resultados ainda são preliminares, e os estudos observacionais apresentam limitações inerentes ao seu desenho que não permitem preconizar o uso de canabidiol no tratamento do comportamento agressivo no TEA."
Recomendações da CONITEC para a situação clínica do demandante:
Não avaliada
Conclusão
Tecnologia:
Canabidiol 1 PURE ISOLADO 3.000 mg/30 ml
Conclusão Justificada:
Não favorável
Conclusão:
CONSIDERANDO o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista constante nos relatórios médicos acostados ao processo.
CONSIDERANDO que, de acordo com o PCDT específico, ainda não existe tratamento medicamentoso para os sintomas principais do TEA, como dificuldades na comunicação social e comportamentos repetitivos, e que os medicamentos com benefícios comprovados são usados apenas para tratar sintomas associados ou comorbidades.
CONSIDERANDO que não estão descritas na documentação apensa ao processo informações detalhadas sobre medicamentos previamente utilizados, incluindo doses empregadas, tempo de uso, efeitos colaterais ou critérios de falência terapêutica empregados para troca ou descontinuação dos mesmos, particularmente das medicações disponibilizadas pelo SUS.
CONSIDERANDO que a medicação pleiteada carece de estudos robustos para sua utilização como no caso concreto e que não parece ter havido esgotamento das possibilidades terapêuticas segundo inferência do relatório médico.
CONSIDERANDO que o diagnóstico supracitado representa patologia crônica, não tendo sido evidenciado nos autos razão para considerar risco iminente de vida ou perda irreversível de órgão ou função
CONCLUI-SE que não há elementos técnicos suficientes para sustentar a indicação do medicamento pleiteado
O parecer técnico afirma que
"o uso de CBD em quadros de TEA ainda carece de evidências científicas sólidas"
e que
"a segurança em longo prazo é desconhecida no momento"
,
não preenchendo, assim, o requisito elencado no item 4.4 da tese fixada pelo STF no julgamento do Tema 1234, que repiso:
4.4) Conforme decisão da STA 175-AgR, não basta a simples alegação de necessidade do medicamento, mesmo que acompanhada de relatório médico, sendo necessária a demonstração de que a opinião do profissional encontra
respaldo em evidências científicas de alto nível,
ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados, revisão sistemática ou meta-análise.
Em assim sendo, não é de se reconhecer o acolhimento da tutela jurisdicional buscada pela parte autora.
Nesse sentido, já se decidiu:
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE.
CANABIDIOL. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA).
MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.
VANTAGEM TERAPÊUTICA NÃO EVIDENCIADA.
ALTERNATIVAS DISPONÍVEIS. 1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item 4 do Tema 1.234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei n° 8.080 e no Decreto n° 7.646/2011; (c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo técnico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento. 2. Deve o requerente suportar o ônus probatório, em razão de sua condição clínica, mediante a demonstração da existência de evidência científica quanto ao resultado pretendido na afirmação do direito à saúde. 3.
É indevido o fornecimento de tratamento cuja vantagem terapêutica não está comprovada. A concessão de tutela é condicionada, ainda, à demonstração do esgotamento ou da ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde.
(TRF4, AC 5038819-06.2023.4.04.7100, 5ª Turma , Relator para Acórdão OSNI CARDOSO FILHO , julgado em 25/02/2025) (grifei)
Quanto à informação de que o autor padece de nova patologia - epilepsia - constante na petição do
evento 43, PET1
, observo que há parecer emitido pela CONITEC pela não recomendação da incorporação do canabidiol ao SUS para crianças e adolescentes com epilepsia refratária a medicamentos antiepilépticos no SUS. Trata-se do Relatório de Recomendação nº 621
1
, de maio/2021. A decisão foi tornada pública pela Portaria SCTIE/MS nº 25, de 28 de maio de 2021.
Nessa linha, tendo havido parecer emitido pela CONITEC pela não recomendação da incorporação do produto pleiteado ao SUS para tratamento da epilepsia, não se sustenta a pretensão requerida pela parte autora. Com efeito, não está demonstrado qualquer vício de legalidade no procedimento administrativo, tampouco subsistindo evidências científicas de grau hierárquico elevado que possam afastar a higidez dos motivos técnicos que deram suporte à decisão pela não inclusão do fármaco na política pública de saúde.
1. Isto posto,
indefiro a concessão da tutela de urgência pleiteada
.
2. Defiro o benefício da gratuidade de justiça. Anote-se.
3. Considerando que o valor atribuído à causa (R$ 77.890,06) é inferior ao limite estabelecido no caput do art. 3º da Lei nº 10.259/01, bem como tendo em vista que a competência definida no art. 3º da referida lei é absoluta – não se incluindo, o presente caso, em nenhuma das hipóteses previstas no §1º de tal norma legal –, retifique-se a autuação do presente feito para que passe a constar, como ‘Procedimento do Juizado Especial Cível’.
4. Citem-se os réus.
(...)
Apenas acrescento que, nos pleitos que envolvem o fornecimento de tratamentos de saúde e medicamentos, a 5ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul compartilha do entendimento de que, em regra, se os medicamentos ou tratamentos fornecidos pelo SUS são adequados, não há direito do indivíduo de optar por outro medicamento à custa da administração. Nesse caso, deve ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento da opção escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.
No entanto, caso demonstrado que os tratamentos ou fármacos ofertados pelo poder público não são eficazes para a moléstia, a administração deve viabilizar outros com o objetivo de assegurar o fim pretendido. Dessa forma, sendo
"demonstrado que os meios (medicamentos) escolhidos pela Administração são ineficazes, no caso concreto, à promoção do fim pretendido (saúde/vida), seja por não serem eficientes para o tratamento da moléstia por alguma singularidade, seja por gerarem efeitos colaterais severos, deve a Administração lançar mão de outro meio, apto ao atendimento dos fins pretendidos"
(TRSC, recurso cível 5002147- 95.2011.404.7204/SC, 3ª Turma Recursal, j. 10/7/2012).
No presente caso, a parte recorrente postula o fornecimento do medicamento Canabidiol 1 Pure isolado 3.000 mg/30 ml, para o tratamento de autismo infantil (F84.0), distúrbios da atividade e da atenção (F90.0) e epilepsia (G40).
Tratando-se de medicamento que não conta com registro na Anvisa, impõe-se, em princípio, a observância da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1161.
Nesses termos, constato que a imprescindibilidade clínica do tratamento postulado não está fortemente demonstrada nos autos, na medida em que (evento 16, notatec2):
Assim sendo, à míngua de elementos probatórios demonstrando a ineficácia das alternativas encontradas no SUS ou sólidas evidências científicas no uso contínuo do produto postulado, nada há a alterar na decisão tomada pelo juízo de primeira instância.
Ante o exposto,
INDEFIRO
o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal.
Intimem-se as partes — os recorridos para, querendo, oferecer contrarrazões.
Com ou sem resposta, voltem os autos conclusos para inclusão em pauta de julgamento.
1
. Disponível em: <https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/relatorios/2021/20210602_relatorio_621_canabidiol_epilepsiarefrataria.pdf>. Acessado nesta data.
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