Processo nº 5001572-14.2024.4.03.6120
ID: 334856035
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 5001572-14.2024.4.03.6120
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LIDIANE ALVES MACIEL
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001572-14.2024.4.03.6120 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: CESAR AMADOR RUIZ Advogado do(…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001572-14.2024.4.03.6120 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: CESAR AMADOR RUIZ Advogado do(a) APELANTE: LIDIANE ALVES MACIEL - SP505932-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001572-14.2024.4.03.6120 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: CESAR AMADOR RUIZ Advogado do(a) APELANTE: LIDIANE ALVES MACIEL - SP505932-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL ORIGEM: 2ª Vara Federal de Araraquara R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Trata-se de apelação criminal interposta por CESAR AMADOR RUIZ (nascido aos 06.05.1998) em face da sentença (ID 315190126) que o condenou como incurso nas penas, em concurso material (art. 69, CP), do: artigo 33, "caput", c.c. o art. 40, I, da Lei 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e à pena pecuniária de 500 (quinhentos) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato cada dia-multa; artigo 304 c.c. o art. 297 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e à pena pecuniária de 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato cada dia-multa. Em razão do reconhecimento do concurso material de crimes (art. 69, CP), as penas foram aplicadas cumulativamente, o que resultou na pena final de 07 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto (CP, art. 33, § 2º, letra b), e 510 (quinhentos e dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia-multa, vedada a substituição da pena corporal por restritivas de direitos. Na sentença, ainda, foi mantida a prisão preventiva do réu. Narra a denúncia, em síntese, que em 12/09/2024, por volta das 16h, na Rodovia SP-318, Km 278, sentido norte, município de Rincão, SP, o denunciado CESAR AMADOR RUIZ foi surpreendido quando transportava e trazia consigo 909,39 gramas da substância entorpecente cocaína, acondicionados em 70 (setenta) comprimidos por ele ingeridos, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Consta ainda que, na mesma data, CESAR AMADOR RUIZ fez uso de carteira de identidade boliviana materialmente falsa, em nome de Luiz Miguel Lopez Condori, tendo revelado seu nome verdadeiro apenas no interrogatório produzido no auto de prisão em flagrante (ID 315189639). A denúncia foi recebida em 05/12/2024 e a sentença condenatória foi publicada em 11/01/2025 (ID 315190126), transitando em julgado para o Ministério Público Federal em 24/01/2025 (ID 350155002). Após a prolação da sentença, foi expedida a guia de recolhimento provisória em nome do réu, conforme certidão em ID 315190251. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação (ID 315190259). Em suas razões de apelo, a defesa requer I) a absolvição por insuficiência de elementos probatórios, e, subsidiariamente; II) a redução da pena imposta pela aplicação das atenuantes da confissão espontânea e do reconhecimento da coação e vulnerabilidade do apelante; III) a exclusão da causa de aumento de pena em virtude da transnacionalidade do delito. Foram apresentadas contrarrazões pelo MPF (ID 315190264). A Procuradoria Regional da República opina pelo desprovimento do recurso defensivo, mantendo-se integralmente a sentença recorrida (ID 319538046). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001572-14.2024.4.03.6120 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: CESAR AMADOR RUIZ Advogado do(a) APELANTE: LIDIANE ALVES MACIEL - SP505932-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL ORIGEM: 2ª Vara Federal de Araraquara V O T O O SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO FÁBIO MÜZEL: Trata-se de apelação criminal interposta por CESAR AMADOR RUIZ (nascido aos 06.05.1998) contra sentença (ID 315190126) que o condenou como incurso nas penas, em concurso material (art. 69, CP), do: artigo 33, "caput", c.c. o art. 40, I, da Lei 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e à pena pecuniária de 500 (quinhentos) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato cada dia-multa; artigo 304 c.c. o art. 297 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão e à pena pecuniária de 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato cada dia-multa. Em razão do reconhecimento do concurso material de crimes (art. 69, CP), as penas foram aplicadas cumulativamente, o que resultou na pena final de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto (CP, art. 33, § 2º, letra b), e 510 (quinhentos e dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia-multa, vedada a substituição da pena corporal por restritivas de direitos. Na sentença, ainda, foi mantida a prisão preventiva do réu. A denúncia narra, em síntese, que em 12.09.2024, por volta das 16h, na Rodovia SP-318, Km 278, sentido norte, município de Rincão, SP, o denunciado CESAR AMADOR RUIZ foi surpreendido quando transportava e trazia consigo 909,39 gramas da substância entorpecente cocaína, acondicionados em 70 (setenta) comprimidos por ele ingeridos, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Consta ainda que, na mesma data, CESAR AMADOR RUIZ fez uso de carteira de identidade boliviana materialmente falsa, em nome de Luiz Miguel Lopez Condori, tendo revelado seu nome verdadeiro apenas no interrogatório produzido no auto de prisão em flagrante (ID 315189639). A denúncia foi recebida em 05.12.2024 e a sentença condenatória foi publicada em 11.01.2025 (ID 315190126), transitando em julgado para o Ministério Público Federal em 24.01.2025 (ID 350155002). Após a prolação da sentença, foi expedida a guia de recolhimento provisória em nome do réu, conforme certidão em ID 315190251. A Defesa apelou, requerendo a absolvição por insuficiência de elementos probatórios, e, subsidiariamente, a redução da pena imposta pela aplicação das atenuantes da confissão espontânea e do reconhecimento da coação e vulnerabilidade do apelante e a exclusão da causa de aumento de pena em virtude da transnacionalidade do delito. Passo à análise do recurso defensivo. Verifico que a materialidade, autoria delitiva e dolo são incontestes pelas provas encartadas aos autos. A materialidade delitiva do tráfico de drogas restou amplamente demonstrada pelo auto de prisão em flagrante (ID 338737432, pp. 1-12), pelo Termo de Apreensão n. 3799164/2024, pp. 13-14), pelo Laudo de Constatação n. 3799690/2024 (ID 338737432, pp. 25-27), pelo Laudo n. 628/2024-NUTEC/DPF/RPO/SP (ID 341260200, pp. 16-22), pelo Laudo documentoscópico n. 624/2024-NUTEC/DPF/RPO/SP (ID 341260200, pp. 7-13), pelo Laudo de informática n. 641/2024-NUTEC/DPF/RPO/SP (ID 341260200, pp. 30-33) e Informação de Polícia Judiciária (ID 341260200, pp. 35-42). A materialidade do delito de uso de documento falso, por sua vez, também está comprovada pelo laudo que constatou algumas simulações e a ausência de elementos de segurança conforme legislação específica e que o suporte do documento questionado é inautêntico ante a presença de elementos simulados impressos em jato de tinta; a ausência de 9 (nove) microtextos pré-impressos, com trechos de hinos dos nove departamentos da Bolívia; a ausência de microtexto pré-impresso referente à reivindicação marítima; a ausência de microtexto pré-impresso "A UNIÃO FAZ A FORÇA" em três línguas indígenas originárias; que a leitura do QRCODE indicou o endereço: https://www.indicioseditores.com/ , página que oferece eBooks; a data de expedição do documento (01/02/2023) é anterior à publicação do Decreto Supremo n. 4924, publicado em 26 de abril de 2023. (Num. 341260200 - pp. 7-13). A autoria de ambos os delitos está comprovada pelo auto de prisão em flagrante (ID 338737432, pp. 1-12) bem como pela própria confissão do denunciado (ID 5001572-14.403.6120, pp. 9-12) feita durante a instrução criminal. Conforme constou da sentença, a prova oral foi a seguinte: "(...) Quanto à prova oral, DANILO SOARES RIBEIRO, policial militar, disse que estavam realizando operação ônibus na SP 318 e foi abordado o ônibus onde o réu estava; que a rota é a que costumam abordar Campo Grande Ribeirão Preto usada por traficantes; na entrevista dos passageiros, o réu apresentou documento e, se não se engana, deu o nome de Luiz sendo indagado o motivo da viagem; ele tinha uma mochila com uma troca de roupa e disse que ia passar uns 15 dias na casa de um amigo em Franca/SP; que acharam estranha a bagagem pequena para 15 dias e o questionaram; que ele então mudou a versão dizendo que ia comprar sapatos em Franca, então pediram para descer do ônibus para fazer a busca pessoal; que quando o questionaram sobre a posse de alguma droga, viram que ele ficou nervoso; na busca pessoal, não foi localizado nada e perguntaram se havia ingerido algo e aí ele ficou branco e muito nervoso, demorou para responder; então suspeitaram que ele havia engolido algo e ele concordou em ir para a UPA sem algemas sem nada; na UPA do Melhado, foi feito exame no raio x e deu para ver as cápsulas; ele foi indagado sobre os entorpecentes e confessou que os tinha engolido numa cidade da Colômbia cujo nome não se lembra; que ele disse que não sabia ao certo que droga era, mas sabia que era entorpecente e que receberia 500 dólares para levar para Franca; dada voz de prisão, foi esperado expelir todas as cápsulas e o conduziram para a DPF; que na primeira vez, ele se apresentou com outro nome; na Polícia Federal acabaram identificando que a identidade era falsa e aí ele deu o nome verdadeiro e viram que ele estava com mandado de prisão em aberto; durante o contato ele compreendia o que era falado e as respostas dele eram claras, tinham dificuldade com algumas palavras, mas conseguiram compreender o que era dito. Às perguntas da defesa, disse que ele compreendia o que era dito e na DPF e na UPA havia quem falasse bem o espanhol, ele foi informado dos direitos e teve total compreensão. Às perguntas do juízo, disse que a questão da identidade somente na Polícia Federal é que foi verificada; confirma que ele concordou em ir à UPA e que foi sem algemas. A testemunha WENDEL WESLEY DA MOTTA, policial militar, disse que no dia 12/09 estavam fazendo operação na rodovia SP318, km 273 e pararam um ônibus da Viação Mota para fiscalização, porque a rota desse ônibus é conhecida pelo tráfico de drogas; ele se apresentou como Luiz o que acharam estranho por ser estrangeiro eis que a bagagem não correspondia à versão de que ia passar 15 dias na casa de um amigo; que aí ele mudou a versão ainda na poltrona e disse que ia comprar calçados para revender na Bolívia; que dada se tratar de rota conhecida, resolveram fazer uma busca mais minuciosa, com o passageiro desembarcado, nada foi encontrado na busca pessoal; quando perguntaram se havia ingerido algo na viagem, notaram que ele ficou desconfortável; falaram de ir até o hospital; foi conduzido à UPA do Melhado em Araraquara, onde feito raio x e constatadas as cápsulas no estômago dele; daí ele confessou que trouxe os entorpecentes da Bolívia e levaria para Franca por 500 dólares; foi esperado que fossem expelidas as cápsulas e o levaram para a DPF; ele apresentou uma carteira de identidade da Bolívia, no nome de Luiz Miguel e na DPF, por inconsistência de dados, viram que era Cesar Amador Ruiz e que ele estava com mandado de prisão no estado de São Paulo em aberto. Na conversa com ele dava para entender quase a totalidade, procuraram usar palavras de fácil entendimento nas duas línguas, não houve resistência, só o desconforto emocional quando questionado do tráfico de droga. (...) Em seu interrogatório, o réu reconhece que veio da Bolívia com a droga e que apresentou o documento falso, mas disse que foi obrigado a fazê-lo para pagar sua dívida com os chefes e que foram eles que providenciaram o documento falso. Assim, CÉSAR disse que é solteiro, não tem filhos, tem família, mas vive sozinho; estava trabalhando em construção civil; estudou até o quinto ano (início do fundamental 2); também trabalhou como agricultor com sua família, produzindo soja e milho e depois largou a escola; seus pais tinham uma casa com um terreno pequeno na área rural na fronteira com a Argentina; estava vivendo em Quijaro desde fevereiro quando foi sequestrado; estava em prisão domiciliar com tornozeleira em janeiro e estava trabalhando com a família que mora no Brás, em São Paulo; que então as pessoas para quem trabalhou como mula da outra vez o pegaram na rua e o levaram de volta para a Bolívia em ônibus ilegal, porque perdeu a droga e tinha que pagar 2000 dólares; eram três pessoas e estavam armadas; quando levado à Bolívia foi forçado a trabalhar para pagar a dívida, mas não era suficiente; que tiraram uma foto dele e fizeram o documento falso por cinquenta dólares e o mandaram de volta ao Brasil para pagar a dívida; disse que não foi processado outras vezes, além do caso de Ourinhos, nem aqui, nem na Bolívia; quanto às testemunhas ouvidas, disse somente que o documento falso não foi ele quem fez. Disse que estava trazendo a droga sim; que a abordagem foi exatamente como os policiais disseram, o levaram ao hospital e lá confessou; disse que estava de algemas desde que entrou na viatura, isso durou uns 15 minutos; disse que apresentou o documento dentro do ônibus, mas confessou que não era verdadeiro; acrescentou que tudo ocorreu por conta da dívida que tinha que acertar; perguntado sobre quem é Zakari (contato do celular) disse que é um dos ajudantes dos chefes do tráfico na Bolívia; Lino trabalhava na construção civil; sobre a conversa destacada na análise da Polícia Federal sobre o preço “da amarela” disse que não sabe do que se trata; Carlos Trabajo é outro chefe do tráfico e o outro Antonio é a pessoa que ia pagá-lo em Franca; Carlos Corumbá e Carlos Trabajo é a mesma pessoa; Jair Antonio é o Antonio e falam sobre calçados porque era orientado que devia falar sobre isso se fosse perguntado. Às perguntas do MPF, disse que o celular foi entregue pelos chefes na fronteira; as conversas no celular foram feitas por ele com os tais chefes. Às perguntas da defesa, disse que fez a primeira viagem em que foi preso porque seus pais são agricultores e perderam a colheita por conta da seca e precisaram comprar sementes, também porque sua mãe fez uma cirurgia na vesícula; quando foi sequestrado, havia uma pressão e o obrigaram a trabalhar, limpando, construção, serviço e havia esse constante contato dessas pessoas com seus pais dizendo que tinha que trabalhar para pagar a dívida e que para isso teria que levar a droga; disse que além de pagar a dívida, receberia os 500 dólares e com isso o convenceram a vir. Disse que quando foi preso ligou para sua irmã, mas ela não atendeu." Por fim, o dolo também está bem evidenciado, já que o acusado tinha plena ciência do transporte da droga, bem com do uso do documento falso. A sentença está alicerçada em elementos idôneos que apontaram firmemente para a autoria e o dolo do apelante na prática dos crimes pelos quais foi condenado. Ao contrário da argumentação defensiva, as provas extraídas de seu aparelho celular, conforme consta na fundamentação da sentença recorrida, demonstram que não havia submissão total do réu aos mandantes/chefes do grupo criminoso responsável pela empreitada criminosa do tráfico, devendo ser mantida a condenação. Também não prospera a tese defensiva de que o réu, ora apelante, teria agido sob coação de mandantes da organização criminosa, uma vez que eventual coação não foi comprovada. Sobre o tema, a fundamentação da sentença confronta a versão defensiva de que ele teria agido mediante coação, conforme trecho a seguir transcrito: "(...) Por outro lado, a argumentação de que agiu coagido pelos chefes não foi comprovada por nenhuma testemunha que tivesse arrolado e não foi o que ficou demonstrado em sua conversa com o tal Zakari em que menciona, por exemplo, a porcentagem pela negociação, dizendo “El me da el 35 por ciento nomás pero de lo que le ayudo”. Com efeito, ainda que o fato de transportar a droga no estômago seja indicativo de que não esteja em nível superior do esquema delituoso, a conversa não indica absoluta submissão do réu aos chefes e à prática criminosa, como se não passasse de vítima das circunstâncias que age sob coação irresistível. Enfim, nota-se que quando perguntado sobre a existência de ameaças à sua família, o acusado limitou-se a dizer que se tratava de um meio para pagar sua dívida. Aliás, convenhamos, se estivesse num regime de trabalho escravo, não seria “liberado” para deixar o país se não fosse alguém ao menos da confiança dos donos da droga (o que é bem diferente de ser vítima). Nesse quadro, ademais, ainda que possa haver alguma dificuldade na comunicação e que o réu não domine tranquilamente a língua portuguesa, isso não o impossibilitava de compreender o motivo e o contexto da abordagem policial que, ademais, já era esperada, tanto que já havia a combinação prévia de se falar em comércio de sapatos o que seria algo corriqueiro em uma viagem para Franca/SP. Da mesma forma, isso não o impossibilitava de compreender seus direitos. No mais, se a abordagem policial por si só era justificada na linha de ônibus Campo Grande Ribeirão Preto, por ser rota de tráfico, o mesmo se pode dizer da busca pessoal ante a primeira versão inverossímil apresentada pelo réu de que, sem bagagens, passaria 15 dias na casa de um amigo. Por outro lado, ainda que com alguma dificuldade para relatar quando se deu a colocação das algemas e a condução à Unidade de Pronto Atendimento (upa) para realização do raio X, não se verifica abuso ou ilegalidade no procedimento policial. Em suma, não demonstrada a coação irresistível que o livraria da punição (art. 22, CP), concluo que restam comprovadas a materialidade e autoria dos delitos de tráfico de drogas e de uso de documento falso, de forma que a denúncia é procedente. (...) As alegações de que o réu teria sofrido coação moral irresistível não se sustentam à míngua de prova. Note-se que, em Juízo, o acusado limitou-se a afirmar que foi ameaçado em virtude de uma dívida, mas não apresentou nenhum elemento para confirmar essa versão dos fatos, nem mesmo testemunhas. A declaração feita pelo réu de ter sofrido ameaça, assim, não basta para que se reconheça a excludente. Da aplicação do princípio da consunção quanto ao crime de uso de documento falso A sentença condenou o réu pelos crimes de tráfico internacional de drogas e de uso de documento falso. Contudo, quanto a esse último, entendo cabível o princípio da consunção. A consunção implica absorção de um delito pelo outro devido a relação de meio e fim ou de necessidade estabelecida entre eles; tal situação ocorre quando um crime é considerado meio necessário ou fase normal de preparação ou de execução para o outro. Trata-se de um princípio aplicável nos casos em que há uma sucessão de condutas com existência de um nexo de dependência entre elas. De acordo com tal princípio, o crime-fim absorve o crime-meio, respondendo o agente apenas pela prática do crime-fim. No caso concreto, as circunstâncias em que a conduta delituosa foi perpetrada, consoante demonstram as provas coligidas, indicam que o uso do documento falso deve ser absorvido pelo delito maior, o crime-fim, que seria o tráfico de drogas. Conforme afirmado em seu interrogatório, a atribuição de falsa identidade consistiu em meio pelo qual o apelante objetivava a consumação do tráfico de entorpecentes, o crime-fim. Segundo se apurou, o apelante recebeu o documento de identidade (RG) já falsificado, a fim de que pudesse transportar a droga utilizando-se de identidade alheia. Em seu interrogatório, o réu reconhece que veio da Bolívia com a droga e que apresentou o documento falso, mas disse que foi obrigado a fazê-lo para pagar sua dívida com os 'chefes' e que foram eles que providenciaram o documento falso. Assim, não restou comprovado que o documento falso seria utilizado posteriormente para outros fins, de modo que esgotou sua potencialidade lesiva no cometimento do delito de tráfico de drogas. Outrossim, o fato de os tipos penais em tela tutelarem bens jurídicos de naturezas distintas (a fé pública, no caso do falso e a saúde pública, no caso do tráfico) não impede a absorção do crime-meio pelo crime-fim. Nesse sentido, tem decidido a e. 5ª Turma: "PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTIGO 33, CAPUT C. C. O ARTIGO 40, I, DA LEI 11.343/2006. ARTIGO 304 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE. ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA. ARTIGO 42 DA LEI DE DROGAS. PENA-BASE. CULPABILIDADE. QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ATENUANTE GENÉRICA. ARTIGO 66 DO CÓDIGO PENAL. ATENUANTE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULAS 545 E 231, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06. REGIME PRISIONAL. PENA RESTRITIVA. 1. É pacífico o entendimento de que é aplicável o princípio da consunção quando o delito previsto no artigo 304 do CP afigura-se como crime-meio empregado para a consecução de outro crime, ainda que seja cominada pena mais grave a este último (Súmula 17 do STJ). 2. A insuficiência de provas quanto ao agente ter concorrido de forma dolosa para a infração penal, inviabiliza a condenação, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, já que é garantido ao acusado, no processo penal, o benefício da dúvida, consubstanciado nos primados do princípio do in dubio pro reo. 3. Na primeira fase da dosimetria da pena, a natureza e a quantidade da droga, bem como a personalidade e a conduta social do agente, são circunstâncias que devem ser consideradas com preponderância sobre o artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 42 da Lei de Drogas. 4. O artigo 66 do Código Penal deve ser reservado para circunstâncias particulares e excepcionais que guardem nexo causal com o crime, não contempladas pelos artigos 59 ou 65 do Código Penal. 5. A existência de maus antecedentes criminais impede, por si só, o reconhecimento do tráfico privilegiado e a redução das penas com base no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06. 6. Recursos da acusação e da defesa parcialmente providos." (TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5006881-66.2020.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO YUKIKAZU KATO, julgado em 11/02/2025, Intimação via sistema DATA: 17/02/2025) "PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. RECEPTAÇÃO. USO DE DOCUMENTO FALSO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. APLICADA A CONSUNÇÃO, DE OFÍCIO. DOSIMETRIA DA PENA. TRÁFICO. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA APLICADA À RAZÃO DE 1/6. CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º APLICADA À RAZÃO DE 1/6. RECEPTAÇÃO. PENA MANTIDA. PENA DEFINITIVA REDIMENSIONADA. ALTERADO O REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. FIXADO NO SEMIABERTO. PENA CORPORAL NÃO SUBSTITUÍDA. AFASTADO O CARÁTER HEDIONDO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. RECURSO DA DEFESA PROVIDO EM PARTE. 1. Do delito de tráfico internacional de drogas. A materialidade e a autoria delitivas não foram objeto de recurso, ademais, restaram devidamente comprovadas pelos Auto de Prisão em Flagrante, Auto de Apresentação e Apreensão, Laudo Preliminar de Constatação, Boletim de Ocorrência e Laudo de Perícia Criminal Federal - Química Forense, bem como pelos depoimentos das testemunhas e do próprio réu. Configurada a transnacionalidade do delito. 2. Dos crimes de receptação e de uso de documento falso. A materialidade, além de inconteste, restou evidenciada pelos Auto de Prisão em Flagrante, Auto de Apresentação e Apreensão, Laudo de Perícia Criminal Federal - Documentoscopia e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal - Veículos. 3. As circunstâncias do crime, aliadas à prova oral colhida, confirmam a ocorrência dos fatos e a responsabilidade pela autoria dos crimes de receptação e uso de documento falso, restando demonstrado também o dolo do acusado, isto é, que o recorrente sabia da origem criminosa do veículo e da falsidade do documento CRLV. 4. Incabível o pleito da defesa que pugna pela absolvição do réu, sob o argumento de que o delito de uso de documento falso teria sido praticado em autodefesa. 5. Aplicado o princípio da consunção quando o delito previsto no artigo 304 do Código Penal afigura-se como crime-meio empregado para a consecução de outro crime, ainda que seja cominada pena mais grave a este último (cf. v. g. Súmula 17 do c. STJ). No que diz respeito ao crime de uso de documento público falso, as adulterações realizadas no CRLV em questão tiveram por único desígnio a consecução do crime de receptação . Dessa forma, de ofício, absolvido o acusado da imputação de prática do crime previsto no art. 304 c.c. o art. 297 do Código Penal. 5. Dosimetria da pena. Tráfico internacional de drogas. Pena-base mantida. Incide a atenuante de confissão espontânea, à razão de 1/6 (um sexto). Aplicada a causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 no patamar mínimo de 1/6 (um sexto). Mantida a incidência da causa de aumento da pena do artigo 40, I, da Lei de Drogas, à razão de 1/6 (um sexto), restando a pena definitiva fixada em 05 (cinco) anos e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, e pagamento de 505 (quinhentos e cinco) dias-multa, e pagamento de 505 (quinhentos e cinco) dias-multa. Mantido o valor do dia-multa fixado na r. sentença, qual seja, 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos. 6. Dosimetria da pena. Afastado o delito do art. 304 c/c art. 297 do Código Penal, passo à dosimetria do art. 180, caput do mesmo diploma legal. Mantida a pena definitivamente fixada em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos. 7. Em razão do concurso material de crimes (artigo 69, do Código Penal), somam-se as penas, no que resulta a pena definitiva de 06 (seis) anos e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, e pagamento de 515 (quinhentos e quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos. 8. Quanto pleito defensivo concernente à redução em 50% (cinquenta por cento) dos dias-multa, informo que a defesa pode postular em sede da execução da pena o parcelamento do quantum debeatur, na forma do artigo 169, §1º, da LEP. 9. Tendo em vista o quantum de pena não superior a 8 (oito) anos, a primariedade do réu (nos termos da Súmula 444 do STJ) e as circunstâncias delitivas que se circunscreveram na gravidade comum à espécie, fixo o regime inicial semiaberto, que reputo suficiente, nos termos do art. 33, §§ 2º, "b" e 3º, do Código Penal 10. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos no caso concreto, tendo em vista o quantum da condenação superior a quatro anos, não estando preenchido o requisito temporal objetivo do artigo 44, inciso I, do Código Penal. Afastado o caráter hediondo do crime de tráfico transnacional de drogas, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e o cancelamento da Súmula nº 512 do Superior Tribunal de Justiça. 11. Mantida a aplicação da inabilitação para dirigir veículo automotor, nos termos do art. 92, inc. III, do Código penal, pelo prazo da pena imposta. 12. Do pedido de isenção das custas processuais. A concessão da gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas custas processuais, ficando, todavia, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de 05 (cinco) anos, quando então a obrigação será extinta. 13. Recurso defensivo parcialmente provido." (TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5000472-54.2019.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES, julgado em 18/09/2020, Intimação via sistema DATA: 21/09/2020) Desse modo, perfeitamente aplicável, neste caso em particular, o princípio da consunção, uma vez que o uso de documento falso no contexto do tráfico deu-se para esse fim específico e sem mais potencialidade lesiva. Assim, impõe-se a reforma, de ofício, da sentença neste ponto, para que o acusado seja absolvido quanto ao delito de uso de documento falso, por aplicação do princípio da consunção. Dessa forma, reconhecida a incidência do princípio da consunção, absolvo, de ofício, o acusado, ora apelante CESAR AMADOR RUIZ, do crime de uso de documento falso (artigo 304 c.c. o art. 297 do Código Penal), nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal e mantenho sua condenação pelo crime previsto no art.33, caput, c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/06 (tráfico transnacional de drogas). No mais, observa-se que a sentença está alicerçada em elementos idôneos que apontaram firmemente para a autoria e o dolo do apelante na prática do crime pelo qual foi condenado (tráfico de drogas, de natureza transnacional). Passo à análise da pena aplicada. Da dosimetria do crime de tráfico de drogas Na sentença constou: "(...) Passo, então, a dosimetria da pena, na forma dos artigos 59 e 68 do CP. Inicialmente, há que se observar que, de regra, só se pode considerar como maus antecedentes as condenações criminais com trânsito em julgado não aptas a gerar reincidência. Assim, verifico que embora o acusado responda por delito similar no 5001145.36.2023.4.3.6125 (onde já foi condenado a pena de reclusão de quatro anos, dez meses e dez dias e quatrocentos e oitenta e seis dias-multa, pela prática do crime de tráfico transnacional de droga sem trânsito em julgado), só isso não pode ser considerado um mau antecedente para fim de fixação da pena-base eis que a apelação criminal está pendente de análise. Ademais, cabe considerar a inexistência de elementos a respeito da personalidade ou conduta social do acusado. Quanto às circunstâncias, o transporte se deu através de transporte público terrestre (ônibus), o réu trouxe da Bolívia quase um quilo de cocaína embaladas em cápsulas que engoliu e fez uso do documento falso ao ser abordado pela polícia. Assim, com relação ao tráfico de drogas, sendo a natureza e a quantidade os critérios preponderantes para a fixação da pena, verifica-se que quantidade da droga apreendida no caso não justifica elevar a pena-base, conforme a jurisprudência do Tribunal Regional Federal 3ª Região, motivo pelo qual fixo a pena-base no mínimo legal em 05 (cinco) anos de reclusão. Com relação ao uso de documento falso, da mesma forma, não havendo elementos para elevação da reprimenda, fixo a pena-base no mínimo legal em 02 (dois) anos de reclusão. No tocante à pena pecuniária, considerando a situação econômica do acusado e as circunstâncias judiciais, fixo-a também no valor mínimo de 500 (quinhentos) dias-multa, sendo cada dia-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato (CP, art. 49, c/c art. 60 c/c art. 43, Lei 11.343/06), com relação ao tráfico de drogas; e de 10 (dez) dias-multa, sendo cada dia-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato (CP, art. 49, c/c art. 60), com relação ao uso do documento falso. Na segunda fase da dosimetria, incide a atenuante da confissão reconhecida na própria denúncia e confirmada no interrogatório. Todavia, considerando a fixação das penas-base no mínimo legal, fica mantida a dosimetria da fase anterior. Passando à terceira fase, incide a causa de aumento da pena prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06, em razão da transnacionalidade do delito, mas não cabe a do inciso V (referente à caracterização do tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal), pois não há prova nos autos de que houvesse intensão de difundir e/ou revender a droga para diversos estados do país (Nesse sentido: RevCrim - REVISÃO CRIMINAL / MS, 5033934-67.2022.4.03.0000, Relator Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, Órgão Julgador, 4ª Seção TRF3, Intimação via sistema 21/02/2024). Assim, aumento a pena do tráfico de drogas em um sexto (10 meses). Embora inexista pedido de aplicação da causa de diminuição da pena do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, considerando tratar-se de réu ainda primário e considerando as circunstâncias do tráfico (com o transporte da droga no próprio estômago) em condição típica das chamadas “mulas”, vale repetir que a defesa não demostrou que o réu é mesmo mera vítima da atividade criminosa e a prova dos autos (inclusive o interrogatório do réu que mencionou ter sido levado de volta para a Bolívia por três pessoas) é no sentido de que, ainda que figure em baixo escalão, de fato integra a organização criminosa. Com relação ao uso do documento falso, por sua vez, não há causa de aumento ou diminuição da pena. Dito isso, torno definitivas as penas de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia-multa pelo delito do artigo 33, caput, c/c 40, I, da Lei 11.343/2006; e de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia-multa pelo delito do artigo 304 c/c 297 do Código Penal. Ademais, como o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticou os delitos de tráfico de drogas e de uso de documento falso, configura-se o concurso material e as penas devem ser aplicadas cumulativamente (art. 69, CP) o que resulta na pena de 07 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 510 (quinhentos e dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia multa. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade é o semiaberto (CP, art. 33, § 2º, letra b), sendo incabível a substituição (art. 44, Lei de Drogas e art. 44 I, CP). Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a denúncia e condeno o acusado CESAR AMADOR RUIZ, boliviano, nascido em 06.05.1998, natural de Tarija, na Bolívia, filho de Reyna Ruiz Ninaja e Mateo Amador Villar Pando, Identidade Boliviana nº 7210108, atualmente recolhido na Penitenciária de Itaí/SP, como incurso em concurso material (art. 69, CP): no artigo 33, caput c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e à pena pecuniária de 500 (quinhentos) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato cada dia-multa; no artigo 304 c/c 297 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e à pena pecuniária de 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato cada dia-multa O acusado não respondeu ao delito em liberdade e não houve qualquer alteração fática àquela constatada quando da decisão que decretou a prisão preventiva. Por outro lado, considerando o histórico recente do réu e a versão de que foi sequestrado pela organização criminosa e submetido à trabalho forçado ou escravo para pagar sua dívida do flagrante anterior, existe a real possibilidade de uma repetição de fatos, ou mesmo de fuga para furtar-se da aplicação da lei penal. É certo que, estabelecido o regime inicial de pena, o Supremo Tribunal Federal entende que incompatível a negativa do direito de recorrer em liberdade e manutenção da custódia preventiva em regime fechado por implicar em imposição cautelar mais gravosa do que a fixada no próprio título condenatório. Nesse sentido: HC 221570 AgR Órgão julgador: Segunda Turma Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Redator(a) do acórdão: Min. EDSON FACHIN Julgamento: 05/12/2022 Publicação: 08/03/2023 Ementa AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. REGIME SEMIABERTO. MANUTENÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPATIBILIADE. 1. É incompatível, salvo exceções, como situações de reiteração delitiva ou violência de gênero, a manutenção da prisão preventiva e a fixação do regime semiaberto na sentença condenatória. Precedentes. 2. Agravo regimental provido. Ocorre que o caso é o das exceções apontadas pelo Pretório Excelso, ou seja, “reiteração delitiva”, não se configurando a incompatibilidade reconhecida pelo Supremo, motivo pelo qual mantenho a prisão preventiva. Dito isso, expeça-se novo mandado de prisão e guia de recolhimento provisório (art. 105, LEP e Resolução 19/06, CNJ) e façam-se as comunicações necessárias ao DEECRIM de Bauru/SP para, se o caso, proceder a transferência do preso para o semiaberto, haja vista que lá já tramita o processo de execução penal nº 0009381-17.2024.8.26.0026. Diante da incineração da droga apreendida (341260200 - páginas 16/22 e 344269510), determino a destruição das amostras do entorpecente guardadas para contraprova após encerramento do processo, com o trânsito em julgado da presente sentença, nos moldes do artigo 72 da Lei n.º 11.343/2006, com a redação dada pela Lei n.º 12.961/2014. A carteira de identidade falsa também deverá ser destruída após o trânsito em julgado. A restituição do celular já foi autorizada (341732166), porém, ainda não houve manifestação a respeito. Assim, deverá ser o réu novamente cientificado, quando de sua intimação pessoal da presente sentença, de que o aparelho poderá ser retirado por pessoa por ele autorizada, no prazo de 15 (quinze) dias, após o qual fica autorizada a destinação ou destruição. Deixo de fixar valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração (art. 492, IV, CPP), uma vez que isso não foi expressamente postulado na denúncia. Tratando-se de réu assistido por defesa dativa, fato que faz presumir seu estado de hipossuficiência, isento-o do pagamento das custas processuais, ressalvado, no entanto, o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/50. (...)" - grifei as penas aplicadas para o tráfico Na primeira fase, a sentença fixou a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 5 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, em razão da quantidade e a natureza da droga - 935 gramas de cocaína - com fundamento nos arts. 59 do CP e 42 da Lei n. 11.343/2006, patamar esse adequado com os parâmetros utilizados por esta Turma Julgadora. Na segunda fase, a sentença não reconheceu circunstâncias agravantes, porém reconheceu a incidência da atenuante da confissão, na razão de 1/6, pois houve reconhecimento da traficância pelo acusado (Súmula 630 do STJ), restando a pena, nesta fase intermediária, mantida em 5 (cinco)anos de reclusão e 500 (quinhentos)dias-multa, a teor do previsto na Súmula 231 do STJ. Quanto à a atenuante do art. 66 do CP - a chamada atenuante inominada - cuja aplicação é pretendida pela defesa, não pode ser reconhecida, uma vez que eventual coação não foi comprovada. Sobre o tema, a fundamentação da sentença confronta a versão defensiva de que ele teria agido mediante coação, conforme trecho já transcrito, de modo que a decisão deve ser mantida nesse aspecto. Na terceira fase, o aumento da pena pela transnacionalidade do delito (artigo 40, I, da Lei n. 11.343/2006) deve ser mantido na fração mínima de 1/6 (um sexto), uma vez que restou demonstrado que a droga tinha procedência estrangeira, na medida em que o réu foi preso transportando cocaína vindo da Bolívia e se destinava a abastecer o mercado interno brasileiro, especificamente o interior do Estado de São Paulo. Tal contexto basta à incidência da norma em tela, seguindo enunciado da Súmula 607/STJ: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras”. Desse modo, a pena passa para 5(cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, além de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa. No que diz respeito à causa de diminuição da pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, verifico que ela prevê a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização criminosa. A sentença afastou a causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006, sob o fundamento de haver fortes indícios de que o réu integra organização criminosa, como pode ser aferido na transcrição abaixo: "(...) Embora inexista pedido de aplicação da causa de diminuição da pena do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, considerando tratar-se de réu ainda primário e considerando as circunstâncias do tráfico (com o transporte da droga no próprio estômago) em condição típica das chamadas “mulas”, vale repetir que a defesa não demostrou que o réu é mesmo mera vítima da atividade criminosa e a prova dos autos (inclusive o interrogatório do réu que mencionou ter sido levado de volta para a Bolívia por três pessoas) é no sentido de que, ainda que figure em baixo escalão, de fato integra a organização criminosa. (...)" No caso concreto, verifico que na sentença foi apontado que o réu possui outra condenação, não transitada em julgado, por tráfico de drogas, autos n. 5001145.36.2023.4.3.6125 (ID 315190126). Ademais, o réu utilizou documento falso para perpetrar o delito. Desse modo, incabível o pedido de aplicação do § 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006. Mantenho o valor do dia-multa no seu mínimo legal (no valor de 1/30 do salário mínimo vigente na data dos fatos), conforme a sentença. Dessa forma, torno definitiva a pena privativa de liberdade para o crime de tráfico internacional de entorpecentes em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, e pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos. Do regime inicial de cumprimento de pena e detração Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, a r. sentença fixou como regime o semiaberto (CP, art. 33, § 2º, letra b), o que deve ser mantido, considerando a quantidade da pena aplicada. Incabível a substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos por não estarem preenchidos os requisitos do artigo 44 do CP. Por fim, ainda quanto ao recurso da defesa, a justiça gratuita já foi concedida no Juízo de origem, conforme demonstra trecho da sentença: (...) “Tratando-se de réu assistido por defesa dativa, fato que faz presumir seu estado de hipossuficiência, isento-o do pagamento das custas processuais, ressalvado, no entanto, o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/50.” No mais, ficam mantidos os demais termos da sentença. Quanto à prisão preventiva do apelante, como dito, apesar de ser primário, responde a processo penal por crime da mesma natureza (Autos n. 5001145-36.2023.4.03.61256 da 1ª Vara Federal de Ourinhos), razão pela qual persistirem os motivos que ensejaram a prisão preventiva, mantida na sentença, para assegurar a aplicação da lei penal. No mais, ficam mantidos os demais termos da sentença. Ante o exposto, absolvo, de ofício, o acusado, ora apelante CESAR AMADOR RUIZ, do crime de uso de documento falso (artigo 304 c.c. o art. 297 do Código Penal), nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, com aplicação do princípio da consunção, e NEGO PROVIMENTO ao recurso da Defesa, restando a pena definitiva de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vedada a substituição da pena corporal por restritivas de direitos. É o voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001572-14.2024.4.03.6120 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: CESAR AMADOR RUIZ Advogado do(a) APELANTE: LIDIANE ALVES MACIEL - SP505932-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL ORIGEM: 2ª Vara Federal de Araraquara V O T O D I V E R G E N T E Uso de documento falso. Tráfico. Concurso material. O uso de documento falso não é absorvido pelo tráfico, pois não é meio para a prática deste e resulta de desígnio autônomo: DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E USO DE DOCUMENTO FALSO. PROVA LÍCITA. INSPEÇÃO DE SEGURANÇA EM AEROPORTO INTERNACIONAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. PRIVILÉGIO. NEGATIVA. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. COLABORAÇÃO NÃO EFETIVA. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 5. O uso de documento falso não é absorvido pelo crime de tráfico, pois são crimes autônomos com objetividades jurídicas distintas. (...) 8. Agravo desprovido. Teses de julgamento: "1. A abertura de encomenda postal pela Receita Federal, no exercício de suas funções legais, não configura prova ilícita. 1.1. O contexto que legitima a inspeção de segurança em espaços e meios de transporte de uso coletivo, tais como em Aeroporto Internacional localizado no Brasil, é absolutamente distinto daquele que ampara a realização da busca pessoal para fins penais. 2. O uso de documento falso não é absorvido pelo crime de tráfico internacional de drogas, sendo crimes autônomos. 3. A causa de diminuição de pena do tráfico privilegiado não se aplica quando há evidências de dedicação a atividades criminosas. 4. A colaboração para a identificação de coautores deve ser efetiva para aplicação da causa de diminuição do art. 41 da Lei n. 11.343/2006." (...) (STJ, AgRg no AREsp n. 2.413.569, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 19.03.25). DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES E CULPABILIDADE. CONSIDERAÇÃO DE CONDENAÇÕES ANTIGAS PARA VALORAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES. MODUS OPERANDI COMO FUNDAMENTO AUTÔNOMO. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. AGRAVO CONHECIDO E RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME (...) 3. O princípio da consunção não se aplica quando os crimes de tráfico de drogas e falsificação de documento público possuem objetividades jurídicas distintas e um não constitui fase necessária para a execução do outro. A falsificação não é condição indispensável para a prática do tráfico de drogas, sendo ambos delitos autônomos que demandam repressão individualizada. (...) IV. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (STJ, AREsp n. 2.527.695, Rel. Min. Daniela Teixeira, j. 03.12.24). AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO NÃO CONHECIDO POR INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182/STJ. FUNDAMENTOS IMPUGNADOS. CONHECIMENTO. USO DE DOCUMENTO FALSO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. SÚMULA 83/STJ. PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR. COVID-19. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL, MAS LHE NEGAR PROVIMENTO. (...) 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, a utilização de documento falso não se caracteriza como meio necessário para a configuração do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, razão pela qual não comporta aplicação o princípio da consunção (AgRg no REsp 1243660/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 12/08/2015). (...) 5. Pedido de fls. 711-714 indeferido. Agravo regimental provido para conhecer do agravo em recurso especial, mas lhe negar provimento. (STJ, AgRg no AREsp n. 1.667.780, Rel Min. Nefi Cordeiro, j. 30.06.20). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. PASSAPORTE. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Conforme assentado nas instâncias ordinárias, em consonância com a orientação jurisprudencial desta Corte, "não há que se falar da aplicação do princípio da consunção (absorção do crime de falso pelo de tráfico internacional), uma vez que os delitos possuem objetividades jurídicas distintas e o primeiro tipo não é fase necessária para a consumação do segundo, pois este poderia ser praticado mediante uso de documento verdadeiro" (AgRg no REsp n. 1.547.424/SP, relator Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 22/9/2015, DJe 14/10/2015). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no HC n. 204.702, Rel. Min. Antonio Saldanha Pacheco, j. 19.02.19). PENAL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO E USO DE DOCUMENTO FALSO. REDUTOR DO ART. 33, § 4°, DA LEI N. 11.343/2006. SÚMULA 7 DO STJ. CONSUNÇÃO DO DELITO DE USO DE DOCUMENTO FALSO. AUSÊNCIA DE DEPENDÊNCIA. SÚMULA 83 DO STJ. (...) 3. Não há que se falar da aplicação do princípio da consunção (absorção do crime de falso pelo de tráfico internacional), uma vez que os delitos possuem objetividades jurídicas distintas e o primeiro tipo não é fase necessária para a consumação do segundo, pois este poderia ser praticado mediante uso de documento verdadeiro. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no REsp n. 1.547.424, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 22.09.15). PENAL E PROCESSO PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTIGO 304, C.C ARTIGO 297, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. COISA JULGADA. AFASTADA. ABSORÇÃO DO USO DE DOCUMENTO FALSO PELO TRÁFICO INTERNACIONAL. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. PROVA EMPRESTADA. DOSIMETRIA DA PENA. REVISÃO. APELOS DEFENSIVOS PARCIALMENTE PROVIDOS. - O delito de uso de documento falso não é meio necessário à prática do crime de tráfico de drogas, razão pela qual impossível a aplicação de consunção. De igual modo, não há identidade de condutas, porquanto, ambos os delitos possuem objetividades jurídicas e potencialidade lesivas autônomas, sendo, desta forma, impossível o reconhecimento de coisa julgada em relação aos autos n.º 0010384-65.2012.403.6181. Precedentes. (...) - Apelações Defensivas a que se dá parcial provimento. (TRF3, ACR n. 0012041-07.2013.4.03.6181, Rel. Des. Fed. Fausto Martin De Sanctis, j. 28.07.23). PENAL. PROCESSUAL PENAL. FLAGRANTE ESPERADO. LEGALIDADE. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. USO DE DOCUMENTO FALSO. CONSUNÇÃO NÃO VERIFICADA. ANÁLISE DO CELULAR DO INVESTIGADO PELOS POLICIAIS NO MOMENTO DO FLAGRANTE. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. TRANSNACIONALIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CONFISSÃO. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, § 4° DA LEI N° 11.343/06 RECONHECIDA. REGIME INICIAL. (...) Não há que se falar na aplicação do princípio da consunção, ou seja, "absorção" do crime de falso pelo crime de tráfico internacional de drogas, seja porque o crime de falso não é meio para a prática do tráfico internacional de drogas, que pode ser cometido com documentos verdadeiros; seja porque a potencialidade lesiva do documento falso não se exaure com a prática do tráfico. (...) Apelação de um corréu parcialmente provida. Apelações do outro corréu e do Ministério Público Federal não providas. De ofício, reduzida a pena-base, sem reflexos na pena total. (TRF3, ACR n. 0009690-22.2017.4.03.6181, Rel. Des. Fed. Jose Marcos Lunardelli, j. 07.06.22). Do caso dos autos. Registrando o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Relator Juiz Federal Convocado Fábio Müzel e com a devida vênia, divirjo parcialmente do entendimento esposado em seu voto apenas para manter a condenação quanto ao delito de uso de documento público falso (art. 304 c. c. art. 297 do Código Penal). Trata-se, em síntese, de apelação da defesa contra sentença que condenou o réu Cesar Amador Ruiz pela prática dos crimes de tráfico transnacional de drogas e uso de documento público falso. Segundo consta dos autos, o apelante foi surpreendido, no dia 12.09.24, por volta das 16h00, na Rodovia SP-318, Km 278, sentido norte, município de Rincão (SP), em um ônibus, transportando 909,39 gramas de cocaína, acondicionada em 70 (setenta) comprimidos por ele ingeridos, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, bem como, na mesma data, o apelante fez uso de documento de identidade boliviano materialmente falso, em nome de “Luiz Miguel Lopez Condori”, revelando seu nome verdadeiro apenas no interrogatório policial. Em seu voto, no que concerne ao uso de documento falso, o Eminente Relator entendeu que: A materialidade do delito de uso de documento falso, por sua vez, também está comprovada pelo laudo que constatou algumas simulações e a ausência de elementos de segurança conforme legislação específica e que o suporte do documento questionado é inautêntico ante a presença de elementos simulados impressos em jato de tinta; a ausência de 9 (nove) microtextos pré-impressos, com trechos de hinos dos nove departamentos da Bolívia; a ausência de microtexto pré-impresso referente à reivindicação marítima; a ausência de microtexto pré-impresso "A UNIÃO FAZ A FORÇA" em três línguas indígenas originárias; que a leitura do QRCODE indicou o endereço: https://www.indicioseditores.com/, página que oferece eBooks; a data de expedição do documento (01/02/2023) é anterior à publicação do Decreto Supremo n. 4924, publicado em 26 de abril de 2023. (Num. 341260200 - pp. 7-13). A autoria de ambos os delitos está comprovada pelo auto de prisão em flagrante (ID 338737432, pp. 1-12) bem como pela própria confissão do denunciado (ID 5001572-14.403.6120, pp. 9-12) feita durante a instrução criminal. Conforme constou da sentença, a prova oral foi a seguinte: (...) Por fim, o dolo também está bem evidenciado, já que o acusado tinha plena ciência do transporte da droga, bem como do uso do documento falso. A sentença está alicerçada em elementos idôneos que apontaram firmemente para a autoria e o dolo do apelante na prática dos crimes pelos quais foi condenado. Ao contrário da argumentação defensiva, as provas extraídas de seu aparelho celular, conforme consta na fundamentação da sentença recorrida, demonstram que não havia submissão total do réu aos mandantes/chefes do grupo criminoso responsável pela empreitada criminosa do tráfico, devendo ser mantida a condenação. Também não prospera a tese defensiva de que o réu, ora apelante, teria agido sob coação de mandantes da organização criminosa, uma vez que eventual coação não foi comprovada. Sobre o tema, a fundamentação da sentença confronta a versão defensiva de que ele teria agido mediante coação, conforme trecho a seguir transcrito: (...) As alegações de que o réu teria sofrido coação moral irresistível não se sustentam à míngua de prova. Note-se que, em Juízo, o acusado limitou-se a afirmar que foi ameaçado em virtude de uma dívida, mas não apresentou nenhum elemento para confirmar essa versão dos fatos, nem mesmo testemunhas. A declaração feita pelo réu de ter sofrido ameaça, assim, não basta para que se reconheça a excludente. Da aplicação do princípio da consunção quanto ao crime de uso de documento falso A sentença condenou o réu pelos crimes de tráfico internacional de drogas e de uso de documento falso. Contudo, quanto a esse último, entendo cabível o princípio da consunção. A consunção implica absorção de um delito pelo outro devido a relação de meio e fim ou de necessidade estabelecida entre eles; tal situação ocorre quando um crime é considerado meio necessário ou fase normal de preparação ou de execução para o outro. Trata-se de um princípio aplicável nos casos em que há uma sucessão de condutas com existência de um nexo de dependência entre elas. De acordo com tal princípio, o crime-fim absorve o crime-meio, respondendo o agente apenas pela prática do crime-fim. No caso concreto, as circunstâncias em que a conduta delituosa foi perpetrada, consoante demonstram as provas coligidas, indicam que o uso do documento falso deve ser absorvido pelo delito maior, o crime-fim, que seria o tráfico de drogas. Conforme afirmado em seu interrogatório, a atribuição de falsa identidade consistiu em meio pelo qual o apelante objetivava a consumação do tráfico de entorpecentes, o crime-fim. Segundo se apurou, o apelante recebeu o documento de identidade (RG) já falsificado, a fim de que pudesse transportar a droga utilizando-se de identidade alheia. Em seu interrogatório, o réu reconhece que veio da Bolívia com a droga e que apresentou o documento falso, mas disse que foi obrigado a fazê-lo para pagar sua dívida com os 'chefes' e que foram eles que providenciaram o documento falso. Assim, não restou comprovado que o documento falso seria utilizado posteriormente para outros fins, de modo que esgotou sua potencialidade lesiva no cometimento do delito de tráfico de drogas. Outrossim, o fato de os tipos penais em tela tutelarem bens jurídicos de naturezas distintas (a fé pública, no caso do falso e a saúde pública, no caso do tráfico) não impede a absorção do crime-meio pelo crime-fim. Nesse sentido, tem decidido a e. 5ª Turma: "PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTIGO 33, CAPUT C. C. O ARTIGO 40, I, DA LEI 11.343/2006. ARTIGO 304 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE. ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA. ARTIGO 42 DA LEI DE DROGAS. PENA-BASE. CULPABILIDADE. QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ATENUANTE GENÉRICA. ARTIGO 66 DO CÓDIGO PENAL. ATENUANTE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULAS 545 E 231, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06. REGIME PRISIONAL. PENA RESTRITIVA. 1. É pacífico o entendimento de que é aplicável o princípio da consunção quando o delito previsto no artigo 304 do CP afigura-se como crime-meio empregado para a consecução de outro crime, ainda que seja cominada pena mais grave a este último (Súmula 17 do STJ). 2. A insuficiência de provas quanto ao agente ter concorrido de forma dolosa para a infração penal, inviabiliza a condenação, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, já que é garantido ao acusado, no processo penal, o benefício da dúvida, consubstanciado nos primados do princípio do in dubio pro reo. 3. Na primeira fase da dosimetria da pena, a natureza e a quantidade da droga, bem como a personalidade e a conduta social do agente, são circunstâncias que devem ser consideradas com preponderância sobre o artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 42 da Lei de Drogas. 4. O artigo 66 do Código Penal deve ser reservado para circunstâncias particulares e excepcionais que guardem nexo causal com o crime, não contempladas pelos artigos 59 ou 65 do Código Penal. 5. A existência de maus antecedentes criminais impede, por si só, o reconhecimento do tráfico privilegiado e a redução das penas com base no artigo 33, §4º da Lei 11.343/06. 6. Recursos da acusação e da defesa parcialmente providos." (TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5006881-66.2020.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO YUKIKAZU KATO, julgado em 11/02/2025, Intimação via sistema DATA: 17/02/2025) "PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. RECEPTAÇÃO. USO DE DOCUMENTO FALSO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. APLICADA A CONSUNÇÃO, DE OFÍCIO. DOSIMETRIA DA PENA. TRÁFICO. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA APLICADA À RAZÃO DE 1/6. CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º APLICADA À RAZÃO DE 1/6. RECEPTAÇÃO. PENA MANTIDA. PENA DEFINITIVA REDIMENSIONADA. ALTERADO O REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. FIXADO NO SEMIABERTO. PENA CORPORAL NÃO SUBSTITUÍDA. AFASTADO O CARÁTER HEDIONDO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. RECURSO DA DEFESA PROVIDO EM PARTE. 1. Do delito de tráfico internacional de drogas. A materialidade e a autoria delitivas não foram objeto de recurso, ademais, restaram devidamente comprovadas pelos Auto de Prisão em Flagrante, Auto de Apresentação e Apreensão, Laudo Preliminar de Constatação, Boletim de Ocorrência e Laudo de Perícia Criminal Federal - Química Forense, bem como pelos depoimentos das testemunhas e do próprio réu. Configurada a transnacionalidade do delito. 2. Dos crimes de receptação e de uso de documento falso. A materialidade, além de inconteste, restou evidenciada pelos Auto de Prisão em Flagrante, Auto de Apresentação e Apreensão, Laudo de Perícia Criminal Federal - Documentoscopia e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal - Veículos. 3. As circunstâncias do crime, aliadas à prova oral colhida, confirmam a ocorrência dos fatos e a responsabilidade pela autoria dos crimes de receptação e uso de documento falso, restando demonstrado também o dolo do acusado, isto é, que o recorrente sabia da origem criminosa do veículo e da falsidade do documento CRLV. 4. Incabível o pleito da defesa que pugna pela absolvição do réu, sob o argumento de que o delito de uso de documento falso teria sido praticado em autodefesa. 5. Aplicado o princípio da consunção quando o delito previsto no artigo 304 do Código Penal afigura-se como crime-meio empregado para a consecução de outro crime, ainda que seja cominada pena mais grave a este último (cf. v. g. Súmula 17 do c. STJ). No que diz respeito ao crime de uso de documento público falso, as adulterações realizadas no CRLV em questão tiveram por único desígnio a consecução do crime de receptação. Dessa forma, de ofício, absolvido o acusado da imputação de prática do crime previsto no art. 304 c.c. o art. 297 do Código Penal. 5. Dosimetria da pena. Tráfico internacional de drogas. Pena-base mantida. Incide a atenuante de confissão espontânea, à razão de 1/6 (um sexto). Aplicada a causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 no patamar mínimo de 1/6 (um sexto). Mantida a incidência da causa de aumento da pena do artigo 40, I, da Lei de Drogas, à razão de 1/6 (um sexto), restando a pena definitiva fixada em 05 (cinco) anos e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, e pagamento de 505 (quinhentos e cinco) dias-multa, e pagamento de 505 (quinhentos e cinco) dias-multa. Mantido o valor do dia-multa fixado na r. sentença, qual seja, 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos. 6. Dosimetria da pena. Afastado o delito do art. 304 c/c art. 297 do Código Penal, passo à dosimetria do art. 180, caput do mesmo diploma legal. Mantida a pena definitivamente fixada em 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos. 7. Em razão do concurso material de crimes (artigo 69, do Código Penal), somam-se as penas, no que resulta a pena definitiva de 06 (seis) anos e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, e pagamento de 515 (quinhentos e quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos. 8. Quanto pleito defensivo concernente à redução em 50% (cinquenta por cento) dos dias-multa, informo que a defesa pode postular em sede da execução da pena o parcelamento do quantum debeatur, na forma do artigo 169, §1º, da LEP. 9. Tendo em vista o quantum de pena não superior a 8 (oito) anos, a primariedade do réu (nos termos da Súmula 444 do STJ) e as circunstâncias delitivas que se circunscreveram na gravidade comum à espécie, fixo o regime inicial semiaberto, que reputo suficiente, nos termos do art. 33, §§ 2º, "b" e 3º, do Código Penal 10. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos no caso concreto, tendo em vista o quantum da condenação superior a quatro anos, não estando preenchido o requisito temporal objetivo do artigo 44, inciso I, do Código Penal. Afastado o caráter hediondo do crime de tráfico transnacional de drogas, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e o cancelamento da Súmula nº 512 do Superior Tribunal de Justiça. 11. Mantida a aplicação da inabilitação para dirigir veículo automotor, nos termos do art. 92, inc. III, do Código penal, pelo prazo da pena imposta. 12. Do pedido de isenção das custas processuais. A concessão da gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas custas processuais, ficando, todavia, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de 05 (cinco) anos, quando então a obrigação será extinta. 13. Recurso defensivo parcialmente provido." (TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5000472-54.2019.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES, julgado em 18/09/2020, Intimação via sistema DATA: 21/09/2020) Desse modo, perfeitamente aplicável, neste caso em particular, o princípio da consunção, uma vez que o uso de documento falso no contexto do tráfico deu-se para esse fim específico e sem mais potencialidade lesiva. Assim, impõe-se a reforma, de ofício, da sentença neste ponto, para que o acusado seja absolvido quanto ao delito de uso de documento falso, por aplicação do princípio da consunção. Dessa forma, reconhecida a incidência do princípio da consunção, absolvo, de ofício, o acusado, ora apelante CESAR AMADOR RUIZ, do crime de uso de documento falso (artigo 304 c.c. o art. 297 do Código Penal), nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal. Em que pesem os fundamentos apresentados pelo Relator, compreendo ser hipótese de manutenção da condenação quanto ao referido crime contra a fé pública, uma vez que não se mostra possível a incidência do princípio da consunção. Nesse sentido, compulsando os autos, verifico que assim constou da sentença condenatória (Id n. 315190126): O Ministério Público Federal imputa ao acusado as condutas previstas nos artigos 33, caput, c/c 40, I e V, da Lei 11.343/2006 e art. 304 c/c 297 do Código Penal, por ter transportado (trazido) cocaína da Bolívia e ter usado documento de identidade falso, a que a lei comina penas de reclusão de cinco a quinze anos de reclusão e multa aumentada em um sexto a dois terços e, de dois a seis anos de reclusão e multa, respectivamente. Para além da confissão (que não foi considerada de forma isolada), a materialidade do tráfico se encontra comprovada através do Auto de Prisão em Flagrante, o Auto de Apreensão e os laudos periciais, o preliminar e o de química forense que consigna que as análises qualitativas das setenta amostras submetidas a exames evidenciam a presença do alcaloide cocaína na forma de sal em todas as amostras examinadas; que cada amostra de substância (sólida cristalina, pulverizada, de cor branca, com massa bruta total aproximada de onze gramas e sessenta e seis centigramas) estava acondicionada em uma embalagem primária de plástico fino, transparente, seguida de laminado adesivo de cor vermelha, seguido de laminado de cor verde e, em alguns casos, recobertos por adesivo transparente (Num. 341260200 - Pág. 16/22). A materialidade do delito de uso de documento falso, por sua vez, também está comprovada pelo laudo que constatou algumas simulações e a ausência de elementos de segurança conforme legislação específica e que o suporte do documento questionado é inautêntico ante: a presença de elementos simulados impressos em jato de tinta; a ausência de nove (9) microtextos pré-impressos, com trechos de hinos dos nove departamentos da Bolívia; a ausência de microtexto pré-impresso referente à reivindicação marítima; a ausência de microtexto pré-impresso "A UNIÃO FAZ A FORÇA" em três línguas indígenas originárias; que a leitura do QRCODE indicou o endereço: https://www.indicioseditores.com/, página que oferece eBooks; a data de expedição do documento (01/02/2023) é anterior à publicação do Decreto Supremo nº 4924, publicado em 26 de abril de 2023. (Num. 341260200 - Pág. 7/13) Quanto à prova oral, DANILO SOARES RIBEIRO, policial militar, disse que estavam realizando operação ônibus na SP 318 e foi abordado o ônibus onde o réu estava; que a rota é a que costumam abordar Campo Grande Ribeirão Preto usada por traficantes; na entrevista dos passageiros, o réu apresentou documento e, se não se engana, deu o nome de Luiz sendo indagado o motivo da viagem; ele tinha uma mochila com uma troca de roupa e disse que ia passar uns 15 dias na casa de um amigo em Franca/SP; que acharam estranha a bagagem pequena para 15 dias e o questionaram; que ele então mudou a versão dizendo que ia comprar sapatos em Franca, então pediram para descer do ônibus para fazer a busca pessoal; que quando o questionaram sobre a posse de alguma droga, viram que ele ficou nervoso; na busca pessoal, não foi localizado nada e perguntaram se havia ingerido algo e aí ele ficou branco e muito nervoso, demorou para responder; então suspeitaram que ele havia engolido algo e ele concordou em ir para a UPA sem algemas sem nada; na UPA do Melhado, foi feito exame no raio x e deu para ver as cápsulas; ele foi indagado sobre os entorpecentes e confessou que os tinha engolido numa cidade da Colômbia cujo nome não se lembra; que ele disse que não sabia ao certo que droga era, mas sabia que era entorpecente e que receberia 500 dólares para levar para Franca; dada voz de prisão, foi esperado expelir todas as cápsulas e o conduziram para a DPF; que na primeira vez, ele se apresentou com outro nome; na Polícia Federal acabaram identificando que a identidade era falsa e aí ele deu o nome verdadeiro e viram que ele estava com mandado de prisão em aberto; durante o contato ele compreendia o que era falado e as respostas dele eram claras, tinham dificuldade com algumas palavras, mas conseguiram compreender o que era dito. Às perguntas da defesa, disse que ele compreendia o que era dito e na DPF e na UPA havia quem falasse bem o espanhol, ele foi informado dos direitos e teve total compreensão. Às perguntas do juízo, disse que a questão da identidade somente na Polícia Federal é que foi verificada; confirma que ele concordou em ir à UPA e que foi sem algemas. A testemunha WENDEL WESLEY DA MOTTA, policial militar, disse que no dia 12/09 estavam fazendo operação na rodovia SP318, km 273 e pararam um ônibus da Viação Mota para fiscalização, porque a rota desse ônibus é conhecida pelo tráfico de drogas; ele se apresentou como Luiz o que acharam estranho por ser estrangeiro eis que a bagagem não correspondia à versão de que ia passar 15 dias na casa de um amigo; que aí ele mudou a versão ainda na poltrona e disse que ia comprar calçados para revender na Bolívia; que dada se tratar de rota conhecida, resolveram fazer uma busca mais minuciosa, com o passageiro desembarcado, nada foi encontrado na busca pessoal; quando perguntaram se havia ingerido algo na viagem, notaram que ele ficou desconfortável; falaram de ir até o hospital; foi conduzido à UPA do Melhado em Araraquara, onde feito raio x e constatadas as cápsulas no estômago dele; daí ele confessou que trouxe os entorpecentes da Bolívia e levaria para Franca por 500 dólares; foi esperado que fossem expelidas as cápsulas e o levaram para a DPF; ele apresentou uma carteira de identidade da Bolívia, no nome de Luiz Miguel e na DPF, por inconsistência de dados, viram que era Cesar Amador Ruiz e que ele estava com mandado de prisão no estado de São Paulo em aberto. Na conversa com ele dava para entender quase a totalidade, procuraram usar palavras de fácil entendimento nas duas línguas, não houve resistência, só o desconforto emocional quando questionado do tráfico de droga. Na análise dos dados do celular constam conversas destacadas na informação da polícia: Na conversa com contato salvo com nome Zakari, número 591 6883-9945, pode-se observar que Cesar não só traz drogas na prática popularmente conhecida como “mula”, mas também agencia e organiza a viagem de outras pessoas, tanto como trabalha na preparação do produto para transporte. Conforme trechos abaixo: “Cesar 26/08/2024 13:46:28(UTC-4): Cumpa hay ya consegui uno pa que te viaje Cesar 26/08/2024 13:49:07(UTC-4): Aah es de aki de la frontera nomás pero vive em santa cruz Zakari: 26/08/2024 13:52:38(UTC-4): Y a como está preparando tu amigo Cesar: 26/08/2024 13:52:42(UTC-4): Ahí pue las cosas Cesar: 26/08/2024 13:54:37(UTC-4): Aki las cosas tamos preparando con mi amigo a 100 dolar nomás Cesar: 26/08/2024 13:54:37(UTC-4): El me da el 35 por ciento nomás pero de lo que le ayudo Cesar 26/08/2024 14:12:48(UTC-4): Pero tenes q aser preparar de 10 gr nomas Cesar 26/08/2024 26/08/2024 14:13:07(UTC-4): Eso nomás pueden comer ella Cesar 26/08/2024 14:16:45(UTC-4): Si poes pero ellos asi nomás lo comen pero tu bas ver poes que coman todo poes hay en tu casa le llevas pa que trabaje Zakari 26/08/2024 20:55:52(UTC-4): Está calor oh frío Cesar 26/08/2024 20:57:11(UTC-4): Aah cumpa esa cosa de la polera blanco tienes que ver bien porq aki lo que emos preparado algunos tenían bajo efecto hay los dueños andan un poco motin Cesar 26/08/2024 20:58:08(UTC-4): Si Che un poco frío nomas.” Cesar inicia falando que conseguiu uma pessoa para fazer a viagem com Zakari, ou seja, fazer o transporte para atravessar a fronteira. Zakari então pergunta sobre como estão preparando o entorpecente e o pagamento que está sendo feito. Cesar então responde que estão fazendo apenas de 10 gramas, para que possa ser engolido. Zakari pergunta então se está quente ou frio, se referindo ao comércio da droga, para que Cesar o informa que está um pouco frio, pois algumas preparações tiveram efeito baixo nos usuários. Já em outra conversa, com o contato Lino, número 591 63609531, este envia o seguinte áudio: “Olá, olá, amigasso. Olha, uma pergunta. Essa amarela, agora, quando está o preço? Pois, em trópicos, não sei quanto está o preço. Há tempo que não comprei.” Tal mensagem demonstra a habitualidade do comércio de produtos entorpecentes por Cesar, sendo inclusive referência para valores praticados Na análise das conversas do investigado, foi identificado uma conversa com o contato Carlos Trabajo 591 174352724, este contato é visto como possível fornecedor das drogas para Cesar. No dia 12/09/2024, dia da prisão de Cesar, Carlos o envia várias mensagens. Pergunta se Cesar já está perto, para avisá-lo para enviar a direção, se já chegou, conforme Cesar não respondia Carlos passou a ficar mais agressivo, e começa a ofendê-lo. Outra informação que reforça a tese que Carlos seria o fornecedor de César é um outro contato salvo, chamado “Carlosss Corunba”, número 55(67)98128-9281. Ao se fazer uma simulação de transferência via pix para o número se encontra o seguinte recipiente. Fica qualificado como JUAN CARLOS ESCOBAR BLACUT, Natural da Bolívia, CPF: 70442167148, DATA DE NASCIMENTO 01/10/1980, Possível residência em RUA ANTÔNIO JOÃO - Nº 350, CENTRO - CORUMBA/MS, 79302-000. Quanto ao possível recipiente das drogas se identificou o contato 55(16)99396-8533, salvo como “Yair”. No dia 12 de setembro, novamente, dia de prisão de Cesar ocorreu a seguinte conversa: “Yair 12/09/2024 16:55:19(UTC-4): Cade voce. Nao vai comprar os calcados. Yair 12/09/2024 19:29:22(UTC-4): Boa noite vai ficar com as botinas ou posso vender? Yair 13/09/2024 08:13:51(UTC-4): Bom dia cade voce porque esta fazendo isso companheiro seja homem no que combinou isso vai te trazer problemas” Nessa conversa usam as palavras calcados ou botinas como substituo para o nome dos entorpecentes, no final Yair ameaça Cesar e diz que ele vai ter problemas. No mesmo dia Yair fez 10 ligações para Cesar. Em simulação de transferência via pix para o número 55(16)99396-8533, Em consulta a sistemas, localizou-se JAIR ANTONIO ORSINI, CPF 74287796853, endereço possível R MONSENHOR ROSA, 2399, Centro, Franca-SP, Nascido em 26/03/1954, atualmente em prisão domiciliar, contém em seus assentamentos prisão pelo crime de tráfico de drogas. No RDO 92/2016 da Polícia Civil, que vai anexo, inclusive consta a seguinte passagem “Ressalte-se que JAIR também estava sendo minuciosamente investigado por esta Delegacia Especializada, sobretudo porque os investigadores tinham noticiais fidedignas que JAIR estava domiciliado no exterior, isto é, na Bolívia e trazendo pasta de cocaína para esta cidade em grande quantidade.”, na ocasião deste registro Jair foi preso em flagrante pelo crime de tráfico de entorpecentes. Em seu interrogatório, o réu reconhece que veio da Bolívia com a droga e que apresentou o documento falso, mas disse que foi obrigado a fazê-lo para pagar sua dívida com os chefes e que foram eles que providenciaram o documento falso. Assim, CÉSAR disse que é solteiro, não tem filhos, tem família, mas vive sozinho; estava trabalhando em construção civil; estudou até o quinto ano (início do fundamental 2); também trabalhou como agricultor com sua família, produzindo soja e milho e depois largou a escola; seus pais tinham uma casa com um terreno pequeno na área rural na fronteira com a Argentina; estava vivendo em Quijaro desde fevereiro quando foi sequestrado; estava em prisão domiciliar com tornozeleira em janeiro e estava trabalhando com a família que mora no Brás, em São Paulo; que então as pessoas para quem trabalhou como mula da outra vez o pegaram na rua e o levaram de volta para a Bolívia em ônibus ilegal, porque perdeu a droga e tinha que pagar 2000 dólares; eram três pessoas e estavam armadas; quando levado à Bolívia foi forçado a trabalhar para pagar a dívida, mas não era suficiente; que tiraram uma foto dele e fizeram o documento falso por cinquenta dólares e o mandaram de volta ao Brasil para pagar a dívida; disse que não foi processado outras vezes, além do caso de Ourinhos, nem aqui, nem na Bolívia; quanto às testemunhas ouvidas, disse somente que o documento falso não foi ele quem fez. Disse que estava trazendo a droga sim; que a abordagem foi exatamente como os policiais disseram, o levaram ao hospital e lá confessou; disse que estava de algemas desde que entrou na viatura, isso durou uns 15 minutos; disse que apresentou o documento dentro do ônibus, mas confessou que não era verdadeiro; acrescentou que tudo ocorreu por conta da dívida que tinha que acertar; perguntado sobre quem é Zakari (contato do celular) disse que é um dos ajudantes dos chefes do tráfico na Bolívia; Lino trabalhava na construção civil; sobre a conversa destacada na análise da Polícia Federal sobre o preço “da amarela” disse que não sabe do que se trata; Carlos Trabajo é outro chefe do tráfico e o outro Antonio é a pessoa que ia pagá-lo em Franca; Carlos Corumbá e Carlos Trabajo é a mesma pessoa; Jair Antonio é o Antonio e falam sobre calçados porque era orientado que devia falar sobre isso se fosse perguntado. Às perguntas do MPF, disse que o celular foi entregue pelos chefes na fronteira; as conversas no celular foram feitas por ele com os tais chefes. Às perguntas da defesa, disse que fez a primeira viagem em que foi preso porque seus pais são agricultores e perderam a colheita por conta da seca e precisaram comprar sementes, também porque sua mãe fez uma cirurgia na vesícula; quando foi sequestrado, havia uma pressão e o obrigaram a trabalhar, limpando, construção, serviço e havia esse constante contato dessas pessoas com seus pais dizendo que tinha que trabalhar para pagar a dívida e que para isso teria que levar a droga; disse que além de pagar a dívida, receberia os 500 dólares e com isso o convenceram a vir. Disse que quando foi preso ligou para sua irmã, mas ela não atendeu. Pois bem. Tendo o réu confessado que trazia a droga apreendida, é inequívoco que tinha consciência e dolo ao realizar o transporte de 935 gramas de cocaína e usar de documento falso. Importante ressaltar que, ainda que não tenha sido o próprio acusado que falsificou o documento (o que não explica o fato de saber que pagaram 50 dólares pela falsificação), não afasta a conduta do uso do mesmo visando ocultar sua condição de foragido da Justiça brasileira o que era de interesse mais dele do que dos seus “patrões” como alega. Por outro lado, a argumentação de que agiu coagido pelos chefes não foi comprovada por nenhuma testemunha que tivesse arrolado e não foi o que ficou demonstrado em sua conversa com o tal Zakari em que menciona, por exemplo, a porcentagem pela negociação, dizendo “El me da el 35 por ciento nomás pero de lo que le ayudo”. Com efeito, ainda que o fato de transportar a droga no estômago seja indicativo de que não esteja em nível superior do esquema delituoso, a conversa não indica absoluta submissão do réu aos chefes e à prática criminosa, como se não passasse de vítima das circunstâncias que age sob coação irresistível. Enfim, nota-se que quando perguntado sobre a existência de ameaças à sua família, o acusado limitou-se a dizer que se tratava de um meio para pagar sua dívida. Aliás, convenhamos, se estivesse num regime de trabalho escravo, não seria “liberado” para deixar o país se não fosse alguém ao menos da confiança dos donos da droga (o que é bem diferente de ser vítima). Nesse quadro, ademais, ainda que possa haver alguma dificuldade na comunicação e que o réu não domine tranquilamente a língua portuguesa, isso não o impossibilitava de compreender o motivo e o contexto da abordagem policial que, ademais, já era esperada, tanto que já havia a combinação prévia de se falar em comércio de sapatos o que seria algo corriqueiro em uma viagem para Franca/SP. Da mesma forma, isso não o impossibilitava de compreender seus direitos. No mais, se a abordagem policial por si só era justificada na linha de ônibus Campo Grande Ribeirão Preto, por ser rota de tráfico, o mesmo se pode dizer da busca pessoal ante a primeira versão inverossímil apresentada pelo réu de que, sem bagagens, passaria 15 dias na casa de um amigo. Por outro lado, ainda que com alguma dificuldade para relatar quando se deu a colocação das algemas e a condução à Unidade de Pronto Atendimento (upa) para realização do raio X, não se verifica abuso ou ilegalidade no procedimento policial. Em suma, não demonstrada a coação irresistível que o livraria da punição (art. 22, CP), concluo que restam comprovadas a materialidade e autoria dos delitos de tráfico de drogas e de uso de documento falso, de forma que a denúncia é procedente. Por tais razões, impõe-se a condenação do acusado CESAR AMADOR RUIZ que, sendo culpável, pois maior de idade e completamente consciente da ilicitude de seu ato sendo-lhe exigível conduta diversa, deve responder pelas sanções abstratamente previstas nos artigos 33 c/c 40, I, da Lei de Drogas c/c artigos 304 e 297, do Código Penal (sic). Como ressalta o próprio Relator, não há dúvida quanto à materialidade e autoria delitivas em relação ao uso de documento público falso, sendo que o apelante confessou a prática delitiva. Por outro lado, inaplicável o princípio da consunção entre o delito de falso e o tráfico transnacional de drogas, conforme diversos precedentes supratranscritos deste Tribunal Regional e do Superior Tribunal de Justiça. Dessa forma, embora os elementos constantes dos autos indiquem que o documento falso teria o escopo de auxiliar na prática do crime de tráfico, não é possível considerá-lo como meio necessário ou usual à consecução do tráfico, de modo a afastar a consunção defendida pelo Relator. Assim, mantida a condenação pelo delito do art. 304 c. c. art. 297 do Código Penal, passo a rever a dosimetria apenas quanto a esse crime. Em sentença, assim consignou o Juízo de origem (Id n. 315190126): Passo, então, a dosimetria da pena, na forma dos artigos 59 e 68 do CP. Inicialmente, há que se observar que, de regra, só se pode considerar como maus antecedentes as condenações criminais com trânsito em julgado não aptas a gerar reincidência. Assim, verifico que embora o acusado responda por delito similar no 5001145.36.2023.4.3.6125 (onde já foi condenado a pena de reclusão de quatro anos, dez meses e dez dias e quatrocentos e oitenta e seis dias-multa, pela prática do crime de tráfico transnacional de droga sem trânsito em julgado), só isso não pode ser considerado um mau antecedente para fim de fixação da pena-base eis que a apelação criminal está pendente de análise. Ademais, cabe considerar a inexistência de elementos a respeito da personalidade ou conduta social do acusado. Quanto às circunstâncias, o transporte se deu através de transporte público terrestre (ônibus), o réu trouxe da Bolívia quase um quilo de cocaína embaladas em cápsulas que engoliu e fez uso do documento falso ao ser abordado pela polícia. Assim, com relação ao tráfico de drogas, sendo a natureza e a quantidade os critérios preponderantes para a fixação da pena, verifica-se que quantidade da droga apreendida no caso não justifica elevar a pena-base, conforme a jurisprudência do Tribunal Regional Federal 3ª Região, motivo pelo qual fixo a pena-base no mínimo legal em 05 (cinco) anos de reclusão. Com relação ao uso de documento falso, da mesma forma, não havendo elementos para elevação da reprimenda, fixo a pena-base no mínimo legal em 02 (dois) anos de reclusão. No tocante à pena pecuniária, considerando a situação econômica do acusado e as circunstâncias judiciais, fixo-a também no valor mínimo de 500 (quinhentos) dias-multa, sendo cada dia-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato (CP, art. 49, c/c art. 60 c/c art. 43, Lei 11.343/06), com relação ao tráfico de drogas; e de 10 (dez) dias-multa, sendo cada dia-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato (CP, art. 49, c/c art. 60), com relação ao uso do documento falso. Na segunda fase da dosimetria, incide a atenuante da confissão reconhecida na própria denúncia e confirmada no interrogatório. Todavia, considerando a fixação das penas-base no mínimo legal, fica mantida a dosimetria da fase anterior. Passando à terceira fase, incide a causa de aumento da pena prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06, em razão da transnacionalidade do delito, mas não cabe a do inciso V (referente à caracterização do tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal), pois não há prova nos autos de que houvesse intensão de difundir e/ou revender a droga para diversos estados do país (Nesse sentido: RevCrim - REVISÃO CRIMINAL / MS, 5033934-67.2022.4.03.0000, Relator Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, Órgão Julgador, 4ª Seção TRF3, Intimação via sistema 21/02/2024). Assim, aumento a pena do tráfico de drogas em um sexto (10 meses). Embora inexista pedido de aplicação da causa de diminuição da pena do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, considerando tratar-se de réu ainda primário e considerando as circunstâncias do tráfico (com o transporte da droga no próprio estômago) em condição típica das chamadas “mulas”, vale repetir que a defesa não demostrou que o réu é mesmo mera vítima da atividade criminosa e a prova dos autos (inclusive o interrogatório do réu que mencionou ter sido levado de volta para a Bolívia por três pessoas) é no sentido de que, ainda que figure em baixo escalão, de fato integra a organização criminosa. Com relação ao uso do documento falso, por sua vez, não há causa de aumento ou diminuição da pena. Dito isso, torno definitivas as penas de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia-multa pelo delito do artigo 33, caput, c/c 40, I, da Lei 11.343/2006; e de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia-multa pelo delito do artigo 304 c/c 297 do Código Penal. Ademais, como o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticou os delitos de tráfico de drogas e de uso de documento falso, configura-se o concurso material e as penas devem ser aplicadas cumulativamente (art. 69, CP) o que resulta na pena de 07 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 510 (quinhentos e dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo cada dia multa. O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade é o semiaberto (CP, art. 33, § 2º, letra b), sendo incabível a substituição (art. 44, Lei de Drogas e art. 44 I, CP). Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a denúncia e condeno o acusado CESAR AMADOR RUIZ, boliviano, nascido em 06.05.1998, natural de Tarija, na Bolívia, filho de Reyna Ruiz Ninaja e Mateo Amador Villar Pando, Identidade Boliviana nº 7210108, atualmente recolhido na Penitenciária de Itaí/SP, como incurso em concurso material (art. 69, CP): no artigo 33, caput c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e à pena pecuniária de 500 (quinhentos) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato cada dia-multa; no artigo 304 c/c 297 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão e à pena pecuniária de 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato cada dia-multa O acusado não respondeu ao delito em liberdade e não houve qualquer alteração fática àquela constatada quando da decisão que decretou a prisão preventiva. Por outro lado, considerando o histórico recente do réu e a versão de que foi sequestrado pela organização criminosa e submetido à trabalho forçado ou escravo para pagar sua dívida do flagrante anterior, existe a real possibilidade de uma repetição de fatos, ou mesmo de fuga para furtar-se da aplicação da lei penal. É certo que, estabelecido o regime inicial de pena, o Supremo Tribunal Federal entende que incompatível a negativa do direito de recorrer em liberdade e manutenção da custódia preventiva em regime fechado por implicar em imposição cautelar mais gravosa do que a fixada no próprio título condenatório. Nesse sentido: HC 221570 AgR Órgão julgador: Segunda Turma Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Redator(a) do acórdão: Min. EDSON FACHIN Julgamento: 05/12/2022 Publicação: 08/03/2023 Ementa AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. REGIME SEMIABERTO. MANUTENÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPATIBILIADE. 1. É incompatível, salvo exceções, como situações de reiteração delitiva ou violência de gênero, a manutenção da prisão preventiva e a fixação do regime semiaberto na sentença condenatória. Precedentes. 2. Agravo regimental provido. Ocorre que o caso é o das exceções apontadas pelo Pretório Excelso, ou seja, “reiteração delitiva”, não se configurando a incompatibilidade reconhecida pelo Supremo, motivo pelo qual mantenho a prisão preventiva. Dito isso, expeça-se novo mandado de prisão e guia de recolhimento provisório (art. 105, LEP e Resolução 19/06, CNJ) e façam-se as comunicações necessárias ao DEECRIM de Bauru/SP para, se o caso, proceder a transferência do preso para o semiaberto, haja vista que lá já tramita o processo de execução penal nº 0009381-17.2024.8.26.0026. Diante da incineração da droga apreendida (341260200 - páginas 16/22 e 344269510), determino a destruição das amostras do entorpecente guardadas para contraprova após encerramento do processo, com o trânsito em julgado da presente sentença, nos moldes do artigo 72 da Lei n.º 11.343/2006, com a redação dada pela Lei n.º 12.961/2014. A carteira de identidade falsa também deverá ser destruída após o trânsito em julgado. A restituição do celular já foi autorizada (341732166), porém, ainda não houve manifestação a respeito. Assim, deverá ser o réu novamente cientificado, quando de sua intimação pessoal da presente sentença, de que o aparelho poderá ser retirado por pessoa por ele autorizada, no prazo de 15 (quinze) dias, após o qual fica autorizada a destinação ou destruição. Deixo de fixar valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração (art. 492, IV, CPP), uma vez que isso não foi expressamente postulado na denúncia (sic). Entendo que a dosimetria do delito de uso de documento público falso não comporta reparo, tendo sido fixada no mínimo legal, inexistindo recurso acusatório. Quanto ao delito de tráfico transnacional de drogas, registro apenas que o Juízo a quo não promoveu a elevação proporcional da pena de multa. Não havendo recurso acusatório, resta inviabilizada a exasperação promovida pelo voto do Relator, mantendo-se a sanção em 500 (quinhentos) dias-multa. Assim, considerando o concurso material (art. 69 do Código Penal), fixo a pena final em 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 510 (quinhentos e dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo. Vedada a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, nos termos do art. 44, I, do Código Penal. Mantida a prisão preventiva ante a reiteração delitiva. Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo defensivo quanto ao delito de tráfico transnacional de drogas (acompanho o Relator), mantendo a pena fixada pelo Juízo de origem, e afasto a absolvição de ofício quanto ao crime de uso de documento público falso (divirjo do Relator), resultando na pena final de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 510 (quinhentos e dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo. É como voto. Autos: APELAÇÃO CRIMINAL - 5001572-14.2024.4.03.6120 Requerente: CESAR AMADOR RUIZ Requerido: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL Ementa: Direito penal. Apelação criminal. Crimes de Tráfico Ilícito e Uso de documento falso. princípio da consunção. absolvição de ofício. Apelação desprovida. I. Caso em exame 1. Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa do réu em face de sentença que julgou procedente a pretensão acusatória para condená-lo como incurso nas penas do art. 33, "caput", c/c art. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006, bem como do 304 c.c. o art. 297 do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 510 (quinhentos e dez) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se: i) se é aplicável, no caso concreto, a causa especial de diminuição de pena do art. 33, §4º da Lei nº 11.343/06; ii) se é possível a fixação de regime inicial de cumprimento de pena menos gravoso. III. Razões de decidir 3. A materialidade delitiva e a autoria dos crimes de tráfico de drogas e de uso de documento falso restaram comprovadas pelas provas e/ou elementos de informações constantes dos autos. 4. Aplicado o princípio da consunção ao uso de documento falso uma vez que este se exauriu no tráfico de drogas, sem mais potencialidade lesiva. Consequente absolvição, de ofício, pela prática do uso de documento falso. 4. Quanto ao tráfico de drogas, na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 5 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, em razão da quantidade e a natureza da droga - 935 gramas de cocaína - com fundamento nos arts. 59 do CP e 42 da Lei 11.343/2006, patamar esse adequado com os parâmetros utilizados por esta Turma Julgadora. 5. Na segunda fase da dosimetria somente foi reconhecida a confissão para o delito de tráfico de entorpecente, mantida a pena no mínimo legal, em razão do disposto na Súmula 231/STJ. 6. Na terceira fase, o aumento da pena pela transnacionalidade do delito e reconhecida. Não aplicado o § 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006, considerando o uso de documento falso para a prática delitiva, o que denota envolvimento com práticas delitivas. 7. Mantido o regime semiaberto como inicial para o cumprimento da pena, em razão da quantidade da pena aplicada. 8. Sentença mantida nos demais aspectos. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso parcialmente provido. Absolvição de ofício pelo uso de documento falso. Tese de julgamento: 1. Quando o falso se exaure no tráfico de drogas, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. _________ Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 33, 59 e 69. Jurisprudência relevante citada: [--] ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por maioria, decidiu absolver, de ofício, o acusado, ora apelante CESAR AMADOR RUIZ, do crime de uso de documento falso (artigo 304 c.c. o art. 297 do Código Penal), nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, com aplicação do princípio da consunção, e NEGAR PROVIMENTO ao recurso da Defesa, restando a pena definitiva de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vedada a substituição da pena corporal por restritivas de direitos, nos termos do voto do Relator Juiz Federal Convocado Fabio Muzel, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, vencido o Des. Fed. André Nekatschaow que NEGAVA PROVIMENTO ao apelo defensivo quanto ao delito de tráfico transnacional de drogas, mantendo a pena fixada pelo Juízo de origem, e afastava a absolvição de ofício quanto ao crime de uso de documento público falso, resultando na pena final de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 510 (quinhentos e dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. FÁBIO MÜZEL Juiz Federal
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