Processo nº 0006919-63.2019.8.11.0064
ID: 331526965
Tribunal: TJMT
Órgão: 3ª VARA CRIMINAL DE RONDONÓPOLIS
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0006919-63.2019.8.11.0064
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WILSON LOPES
OAB/MT XXXXXX
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Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso Polo VII - Comarca de Rondonópolis – 3ª Vara Criminal R. Barão do Rio Branco, nº 2299, Jd. Guanabara, 78.710-100 Rondonópolis – MT, Telefone (66) 3410-6100 /…
Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso Polo VII - Comarca de Rondonópolis – 3ª Vara Criminal R. Barão do Rio Branco, nº 2299, Jd. Guanabara, 78.710-100 Rondonópolis – MT, Telefone (66) 3410-6100 / 3410-6152. SENTENÇA (Julgamento Procedente) Autos: 0006919-63.2019.8.11.0064 Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO Réu: GILMAR DONIZETE FABRIS e outros Visto. 1. Relatório O Ministério Público do ESTADO DE MATO GROSSO ofereceu denúncia em face de GILMAR DONIZETE FABRIS, já qualificado, como incurso nas disposições do art. 312 do Código Penal e FERNANDO FERRARI AGUIAR já qualificado, como incurso nas disposições do art. 312 c/c art. 30 e art. 299 c/c art. 69, todos do Código Penal. Narra a denúncia em síntese: Apurou-se que, GILMAR DONIZETE FABRIS, na qualidade de Deputado Estadual, desviou dinheiro público, do qual tinha a posse em razão do cargo que ocupa, em proveito de FERNANDO FERRARI AGUIAR, entregando-lhe cartão funcional de abastecimento expedido pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, o qual foi usado no dia 01/03/2017, por volta das 15h20min, em posto de combustível localizado no Município de Rondonópolis/MT, para abastecer veículo particular, incidindo, ambos, no tipo penal descrito no artigo 312 do Código Penal. Verificou-se, ainda, que FERNANDO FERRARI AGUIAR, ao preencher os recibos de pagamento do diesel comprado com cartão de abastecimento da LA/MT, inseriu em documento particular declaração falsa com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, razão pela qual incidiu no crime previsto no art. 299 do Código Penal. Segundo consta dos autos, no dia 01/03/2017, por volta das 15h20min, enquanto abastecia viatura oficial da Polícia Federal no posto de combustível denominado “Posto Podium” localizado no Município de Rondonópolis/MT, o agente da Polícia Federal Antonio Augusto Almeida Rosa, lotado na DPF/ROO/MT, presenciou FERNANDO DERRARI AGUIAR utilizando dois cartões de abastecimento da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso (fls. 174), os quais pertencem ao gabinete do Deputado Estadual Gilmar Donizete Fabris, para o pagamento de diesel utilizado para abastecer o veículo Jeep Grand Cherokee, cor preta, Placa QBF-3012, de Rondonópolis/MT, de propriedade de PRISCILA CARNEIRO FABRIS AGUIAR, bem como uma Caminhonete GM D-20 e alguns galões de combustível que estavam na carroceria desta. Ressalte-se que consta nos cartões utilizado a inscrição GAB. DEP. GILMAR FABRIS, bem como os veículos: Amarok, Placa QBT 6530, e Strada, Placa OOJ 1874, não se tratando daqueles efetivamente abastecidos por FERNANDO FERRARI AGUIAR no dia 01/03/2017 (fl. 174). Posteriormente, ao preencher os recibos de pagamento do combustível adquirido, FERNANDO FERRARI AGUIAR inseriu nos citados documentos declaração falsa com a finalidade de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, pois fez constar que o abastecimento teria sido realizado com gasolina, que os condutores dos veículos seria UELINGTON LEANDRO FERREIRA e LUCIO ROGERIO PAES DA SILVA, que os veículos abastecidos teriam sido aqueles de Placa QBT 6530 e Placa OOJ 1874 constantes no cartão de abastecimento, inserindo, ainda, quilometragens falsas e assinaturas falsas, conforme recibos de fl. 21. Da análise de seis notas de abastecimento, apurou-se que FERNANDO FERRARI AGUIAR fez constar que foram adquiridos 309,249litros de gasolina para automóvel Fiat Strada Working, cor cinza, Placa OOJ1874 (registrado em nome de GILVAN MAXIMO OLIVEIRA), e para a Camionete Amarok CD 4x4, cor preta, movida a diesel, Placa QBT6530 (registrada em nome de EDSON BORCK DE SOUZA-ME, Locadora Atlanta). Verifica-se que o denunciado declarou nas notas que teriam sido realizado três abastecimentos de 58 litros, um de 65 litros e um de 56 litros, todos no veículo Fiat Strada Working, cor cinza, Placa OOj1874, os quais teriam ocorrido no breve espaço de tempo de 15h25min, 15h26min, 15h27min, 15h28min e 15h32min, todos no dia 01/03/2017, inserindo quilometragens falsas que supostamente indicariam que o combustível adquirido teria sido consumido. Declaro, ainda, um abastecimento de 15 litros supostamente realizado na Camionete Amarok CD 4x4, cor preta, movida a diesel, Placa QBT6530, que também foi realizado no dia 01/03/2017 às 15h29min. Ocorre, no entanto, que os veículos efetivamente abastecidos com o combustível adquirido pelo cartão funcional de abastecimento da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso foram o veículo Jeep Grand Cherokee, cor preta, Placa QBF-3012, bem como uma Camionete GM D-20 e alguns galões de combustível que estavam na carroceria desta, conforme presenciado pelo Agente da Polícia Federal no dia 01/03/2017. Portanto, em síntese, verifica-se que FERNANDO FERRARI AGUIAR utilizou cartão funcional de abastecimento pertencente ao gabinete do Deputado Estadual Gilmar Donizete Fabris, o qual foi entregue por este para abastecer veículos particulares, inserindo nos recibos os seguintes dados que não condizem com a realidade: 1 – O combustível efetivamente adquirido foi diesel, e não gasolina como consta das notas de abastecimento; 2 – Gravou assinaturas completamente diferentes e grosseiras para dificultar a identificação; 3 – informou duas placas de veículos que não foram abastecidos, nem vistos no dia dos fatos no posto Podium; 4 – Mencionou como condutores UELINGTON LEANDRO FERREIRA (Chefe de Gabinete da ALMT) e LUCIO ROGÉRIO PAES DA SILVA (Assessor Parlamentar da ALMT) os quais não foram vistos no dia e local dos fatos; 5 – a quantidade dos abastecimentos e quilometragem também foram adulteradas. Reforçando os argumentos apresentados, deve-se mencionar que, ao prestar declarações, UELINGTON LEANDRO FERREIRA, Chefe de Gabinete ao Deputado GILMAR DONIZETE FABRIS, informou que, com relação ao cartão de abastecimento vinculado ao veículo Fiat Strada, este foi entregue em mãos para Deputado GILMAR DONIZETE FABRIS juntamente com o respectivo usuário e senha. Ressalte-se que, ao ser inquirido, o denunciado FERNANDO FERRARI AGUIAR menciona que se recorda dos fatos ocorridos no dia 01/03/17, bem como reconhece sua presença nas filmagens da câmera de segurança do posto de combustível, afirmando, ainda que possuía o login e a senha dos cartões utilizados (fls. 282/283), o que demonstra, portanto, que as condutas perpetradas pelos denunciados se amoldam ao tipo penal descrito no artigo 312 c/c artigo 30, ambos do Código Penal. Por fim, imperioso salientar que os fatos acima delineados foram registrados pelas câmeras de segurança do posto de comestível “Posto Podium” localizado no Município de Rondonópolis/MT. A presente ação penal tramitou, inicialmente, perante o Egrégio Tribunal de Justiça, em razão de que, à época do oferecimento da denúncia, o réu Gilmar encontrava-se investido no cargo de Deputado Estadual, fazendo jus, portanto, ao foro por prerrogativa de função. Contudo, em razão do encerramento de seu mandato, restou reconhecida a cessação da competência originária daquele Tribunal, razão pela qual os autos foram remetidos ao Juízo de primeira instância, nos termos da decisão lançada no Id. 58224579 – págs. 59/61. A denúncia foi devidamente recebida em 26 de agosto de 2021 (Id. 64010018). Citados, os réus apresentaram resposta à acusação nos Id’s. 94758606 e 112355414. Afastadas as teses defensivas, incluiu-se o feito em pauta (Id. 125834813). Durante a instrução processual foi colhido o depoimento das testemunhas Maria das Graças Pessoa Garcia, Antônio Augusto Almeida Rosa, Rafael Soares Campelo e Gabriel Antônio Cervantes de Souza e, ao final, o acusado foi interrogado. (Id. 155840231). O Ministério Público apresentou alegações finais orais, postulando pela procedência da exordial acusatória (Id. 159882148). A Defesa técnica do acusado Fernando Ferrari Aguiar apresentou memoriais finais no Id. 160831751, requerendo, preliminarmente, a nulidade do feito em razão da ausência de remessa ao PGJ e, no mérito, a absolvição do acusado, em razão da ausência de provas para condenar(Id. 160831751). Foi decretada a revelia do acusado Gilmar Donizete Fabris (ID. 185768762). Com vista dos autos, a Defensoria Pública apresentou alegações do Id. 191146480, requerendo, preliminarmente, a declaração de incompetência do Juízo, com a remessa dos autos ao e. TJMT e, no mérito, postulou pela absolvição, face ausência de demonstração de dolo. O Juízo determinou a remessa dos autos ao Ministério Público para manifestação. Em atendimento à referida determinação, o órgão ministerial apresentou manifestação constante no Id. 194633504. Os autos vieram conclusos. É a síntese do necessário. Fundamento e decido. PRELIMINAR DEFESA GILMAR DONIZETE FABRIS: Incompetência do Juízo. Parlamentar. Prerrogativa de Foro. Prática de crime de peculato. Pertinência temática. Decisão do Supremo Tribunal no HC 232.627/DF. Remessa dos autos ao E. TJMT. Trata-se de questão preliminar suscitada pela defesa do acusado GILMAR DONIZETE FABRIS, ex-deputado estadual, que alega a incompetência absoluta deste Juízo para processar e julgar a presente ação penal, sustentando que os fatos imputados teriam sido praticados durante o exercício do mandato parlamentar, o que atrairia a competência originária do Egrégio Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 96, inciso III, da Constituição Estadual. A preliminar, data maxima venia, não merece prosperar. Com efeito, a questão relativa à prerrogativa de foro em sede criminal experimentou significativa evolução jurisprudencial no âmbito do Excelso Supremo Tribunal Federal, culminando com o julgamento do Habeas Corpus nº 232.627/DF, sob a relatoria do eminente Ministro Gilmar Mendes, no qual foi fixada tese de repercussão geral que estabelece os contornos definitivos da matéria. Consoante a novel orientação pretoriana firmada pela Suprema Corte, restou assentado que "a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício, com aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior. A ressalva segue a mesma fórmula utilizada nas questões de ordem suscitadas no Inq. 687, Rel. Min. Sydney Sanches, e na AP 937, Rel. Min. Roberto Barroso". Todavia, a aplicação dessa orientação jurisprudencial deve ser examinada à luz dos precedentes firmados pela Suprema Corte, notadamente no que concerne aos marcos temporais estabelecidos para a operacionalização do declínio de competência em processos em curso. Nessa senda, revela-se de fundamental importância a análise da interpretação adotada na Ação Penal nº 937 - Questão de Ordem, relatada pelo eminente Ministro Roberto Barroso, na qual o Pretório Excelso estabeleceu que "o marco temporal para o declínio de competência seria a apresentação das alegações finais, hipótese em que se prorrogaria a competência do órgão julgador originário". A ratio decidendi que fundamenta tal entendimento reside na necessidade de se conferir estabilidade processual e segurança jurídica aos feitos em curso, evitando-se o comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional mediante sucessivos deslocamentos de competência em estágios avançados da persecução penal. No caso sub examine, verifica-se que o feito já alcançou estágio processual de notável maturidade, encontrando-se concluso para julgamento após a regular apresentação das alegações finais pelas partes, circunstância que configura precisamente a hipótese contemplada na orientação jurisprudencial firmada na AP 937 - QO. Destarte, ainda que se reconheça a eventual incidência da prerrogativa de foro em favor do acusado, a competência deste Juízo restaria mantida em virtude do princípio da prorrogação, considerando que o processo já ultrapassou o marco temporal estabelecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A interpretação sistemática dos precedentes da Suprema Corte revela que a ressalva constante da tese fixada no HC 232.627/DF - " A ressalva segue a mesma fórmula utilizada nas questões de ordem suscitadas no Inq. 687, Rel. Min. Sydney Sanches, e na AP 937, Rel. Min. Roberto Barroso" - deve ser compreendida em consonância com os critérios temporais estabelecidos na AP 937, de modo a preservar a segurança jurídica e a efetividade da prestação jurisdicional. Ademais, cumpre observar que a novel orientação jurisprudencial não pode ser aplicada de forma a comprometer a celeridade processual e a economia processuais, valores constitucionais de igual estatura que devem ser harmonizados com a garantia da prerrogativa de foro, mediante criteriosa ponderação dos princípios em tensão. Nesse diapasão, a manutenção da competência deste Juízo encontra amparo não apenas na aplicação do princípio da prorrogação de competência, mas também na necessidade de se conferir efetividade ao princípio constitucional da duração razoável do processo, evitando-se dilações indevidas decorrentes do deslocamento de feitos em estágio avançado de instrução. Por derradeiro, ressalte-se que a estabilização da competência em favor deste Juízo não implica desrespeito à orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, mas sim aplicação coerente e sistemática dos precedentes da Suprema Corte, que reconhecem a necessidade de se estabelecerem marcos temporais precisos para a operacionalização do declínio de competência em processos em curso. Por tais fundamentos, e considerando que o presente feito já ultrapassou o marco temporal estabelecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para o declínio de competência, com a regular apresentação das alegações finais pelas partes e conclusão dos autos para julgamento, REJEITO a preliminar de incompetência absoluta suscitada pela defesa, mantendo-se a competência deste Juízo para processar e julgar a presente ação penal. PRELIMINAR DEFESA FERNANDO FERRARI AGUIAR: DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – NULIDADE – REMESSA AO 28 DO CPP. Cuida-se de preliminar arguida pela Defesa do acusado Fernando Ferrari Aguiar, postulando pelo reconhecimento de nulidade dos autos, ante ausência de remessa do feito a PGJ, a fim de analisar a possibilidade de oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal. Pois bem. Compulsando os autos, verifica-se que a Defesa, formulou requerimento postulando a concessão de Acordo de Não Persecução Penal em favor do mencionado acusado, nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Id. 112355414) O Ministério Público, em sua manifestação, insurgiu-se contra o pleito defensivo, aduzindo, em síntese, a ausência de confissão formal por parte do investigado, bem como enfatizando o fato de que a denúncia já havia sido recebida por este Juízo, circunstâncias que, segundo o órgão acusatório, obstaculizariam a aplicação do referido instituto despenalizador. 9Id. 114537859) O Juízo, ao apreciar detidamente a questão, reconheceu que o oferecimento do acordo de não persecução penal constitui faculdade discricionária do Ministério Público, não se tratando de direito subjetivo do investigado ou acusado. Naquela oportunidade, considerando as particularidades do caso concreto e a necessidade de preservar a harmonia entre os órgãos do sistema de justiça criminal, determinou-se a remessa dos autos à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, para que o órgão superior do Ministério Público pudesse reexaminar a matéria e adotar as providências que entendesse cabíveis (Id. 125834813). Contudo, por circunstâncias que se desconhecem, não foi efetivada a mencionada remessa, permanecendo os autos neste Juízo, o que enseja a necessidade de nova apreciação da questão. Considerando que a decisão anteriormente proferida permanece íntegra e não foi objeto de qualquer recurso ou impugnação, e tendo em vista que as razões que fundamentaram aquela determinação subsistem inalteradas, impõe-se o acolhimento da preliminar suscitada pela Defesa. Com efeito, a questão atinente à aplicabilidade do acordo de não persecução penal em relação ao corréu Fernando Ferrari Aguiar demanda análise mais aprofundada por parte do órgão superior do Ministério Público, mormente considerando as nuances procedimentais e os aspectos discricionários que envolvem a matéria. O desmembramento dos autos, no que tange à situação processual do referido corréu, revela-se medida não apenas conveniente, mas necessária ao regular prosseguimento do feito, evitando-se eventuais tumultos processuais e preservando-se a celeridade e eficiência da prestação jurisdicional. Ante o exposto, ACOLHO a preliminar suscitada pela Defesa e, por conseguinte, DETERMINO o desmembramento dos presentes autos no que se refere ao corréu Fernando Ferrari Aguiar, bem como a imediata remessa dos autos desmembrados à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, para as providências que entender cabíveis. 2.1. Do crime de peculato (art. 312, CP) O delito imputado ao acusado tem a seguinte redação: Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.”. A materialidade do delito está comprovada pelas informações documentadas nas págs. 14/24 – Id. 58224585 e notas e relatórios de abastecimentos (Id. 58224585 – Págs. 25/28), cópias dos cartões de abastecimento expedidos pela Assembleia Legislativa (Id. 58224585 – Pág. 183), bem como pelos depoimentos colhidos em Juízo. Ao seu turno, a autoria também é certa e recai na pessoa do acusado Gilmar Donizete Fabris. Importante registrar que, o crime e sua autoria foram devidamente demonstrados nos autos, especialmente pelos depoimentos prestados pelas testemunhas policiais, que desde a fase inquisitorial e em Juízo são harmônicos e aptos para essa conclusão, como se pode extrair dos seguintes depoimentos colhidos. A testemunha Antonio Augusto Almeida Rosa, em juízo, informou que estava aguardando para efetuar o pagamento do abastecimento de uma viatura da Polícia Federal, quando presenciou uma situação que lhe chamou a atenção. Relatou que um indivíduo realizava o pagamento de diversos abastecimentos utilizando um cartão vinculado a um órgão público. Ressaltou ter achado estranho tal comportamento, pois está habituado a realizar esse tipo de pagamento e reconheceu a prática como atípica. Esclareceu que o referido indivíduo passou o cartão diversas vezes e se dirigiu a um veículo que estava próximo de outro automóvel, uma caminhonete, onde havia vários galões de combustível. Ao observar essa movimentação, passou a suspeitar de possível irregularidade. Afirmou que conversou com uma funcionária do posto, indagando-a sobre a situação, tendo ela respondido que se tratava de abastecimento vinculado à Assembleia Legislativa. Em razão disso, decidiu acompanhar o indivíduo, anotou a placa do veículo e seguiu até o local para onde ele se dirigiu, o qual identificou como sendo o Condomínio Village do Cerrado. Na sequência, retornou à delegacia e relatou os fatos aos colegas Gabriel e Rafael Campelo. Informou que, diante da narrativa, passaram a conversar com a Delegada responsável, a qual determinou a realização de um levantamento para apurar se haveria interesse federal na situação. Apurou-se, então, que os fatos envolviam a Assembleia Legislativa, razão pela qual os elementos colhidos foram encaminhados aos órgãos competentes. Declarou que o levantamento das informações junto ao posto foi realizado pelos policiais Gabriel e Rafael, os quais levaram os comprovantes à delegacia. À corroborar, tem-se o depoimento de Gabriel Antônio Cervantes de Souza, inquirido judicialmente, relatou que à época dos fatos, exercia a função de policial federal em Rondonópolis e recorda-se de que se dirigiram a um posto de combustível conveniado, com o intuito de abastecer uma viatura. Esclareceu que foi de carona com um colega, pois pretendia buscar outra viatura que se encontrava em uma oficina próxima. Relatou que, ao retornar para a delegacia, foi informado pelo Agente da Polícia Federal Augusto de que este havia presenciado uma situação inusitada no caixa do referido posto. Segundo lhe foi relatado, o agente teria observado um indivíduo utilizando uma máquina de cartão de crédito para realizar diversos pagamentos, momento em que passava o cartão, digitava a senha e assinava os respectivos canhotos. Acrescentou que o colega mencionou ter identificado que se tratava, aparentemente, de um cartão vinculado à Assembleia Legislativa, o que lhe chamou a atenção. Em razão disso, o agente decidiu seguir o referido indivíduo até o Condomínio Village do Cerrado. Informou que, já na delegacia, efetuaram a consulta da placa do veículo utilizado pelo indivíduo, constatando que este estava registrado em nome de uma mulher cujo nome não se recorda, mas que seria filha do então Deputado Estadual Gilmar Fabris. Diante dessas informações, decidiram retornar ao posto de combustível para obter mais esclarecimentos. Ressaltou que conhecia pessoalmente o gerente do estabelecimento, pois abastecia no local diariamente. Indagado, o gerente explicou como se davam os abastecimentos vinculados à Assembleia Legislativa. Segundo o relato do gerente, no início ou no final de cada mês, o referido indivíduo — ou outros, em seu lugar — compareciam ao posto portando os cartões vinculados ao órgão e efetuavam os abastecimentos dos veículos, realizando os pagamentos com os respectivos cartões. Informou que solicitaram as imagens do circuito de monitoramento e conseguiram visualizar tanto o indivíduo que efetuava os pagamentos quanto os veículos que estavam, de fato, no pátio do posto no momento dos abastecimentos. A partir disso, procederam à confrontação dessas imagens com os dados dos veículos vinculados à Assembleia Legislativa que, em tese, deveriam estar sendo abastecidos. Constataram divergência entre os nomes dos servidores responsáveis e as quilometragens que constavam nos tickets de abastecimento, de forma a indicar uma possível simulação de abastecimentos reais. Por fim, informou que elaboraram um relatório com todos esses dados e encaminharam à delegada responsável à época, a qual, por sua vez, enviou os documentos aos órgãos competentes para as providências cabíveis. No mesmo sentido, foi o depoimento da testemunha Rafael Soares Campelo que relatou que se encontrava na Delegacia da Polícia Federal quando o agente de polícia Antônio Augusto chegou relatando ter presenciado uma situação bastante suspeita durante o abastecimento de uma viatura descaracterizada. Segundo relatado, à frente de seu veículo havia uma caminhonete D20 com alguns galões sobre a carroceria sendo abastecidos, bem como uma Grand Cherokee. Narrado ainda que, no momento do pagamento, estando logo atrás do indivíduo na fila, percebeu que foram efetuados sucessivos pagamentos com um único cartão de abastecimento vinculado a um órgão público. Tal conduta lhe causou estranheza, considerando que, ordinariamente, cada viatura possui um cartão próprio, sendo utilizado uma única vez por abastecimento. Relatou que, diante da situação, buscaram apurar a origem do cartão e identificar qual órgão público poderia estar sendo lesado. Participou dessa segunda fase da apuração, ocasião em que se dirigiram ao posto de combustíveis a fim de requisitar os canhotos referentes aos abastecimentos. Ao analisarem os documentos obtidos, constataram que se tratava de diversos abastecimentos atribuídos a um mesmo veículo, uma Fiat Strada, a qual, conforme verificado, não compareceu ao posto no referido dia. O veículo constava em nome de um servidor da Assembleia Legislativa, que tampouco estava presente no local. Prosseguindo nas diligências, confirmaram que foram utilizados dois cartões de abastecimento, ambos vinculados à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso e registrados em nome do Deputado Estadual Gilmar Fabris. Posteriormente, identificaram que quem efetivamente utilizou os cartões no momento da transação foi o senhor Fernando, que se encontrava na Grand Cherokee. Acrescentou que o agente Antônio Augusto mencionou ter seguido o veículo de forma velada no dia dos fatos, constatando que ele adentrou o Condomínio Village do Cerrado. Recordou-se, ainda, dos registros de quilometragem referentes aos abastecimentos lançados no sistema: no caso da Fiat Strada, foram realizados cinco abastecimentos consecutivos, com intervalo de poucos minutos, cada qual registrando aproximadamente 58 litros e com incrementos fictícios de 300 quilômetros entre cada um — situação que reputou como praticamente impossível de ocorrer em condições normais. Destacou que, em razão dessas irregularidades, foi elaborado relatório circunstanciado, o qual foi encaminhado ao Ministério Público para as providências cabíveis. Ressaltou, por fim, que a caminhonete Amarok se encontrava em situação idêntica à da Fiat Strada, não tendo comparecido ao posto no momento dos abastecimentos, embora constasse como veículo abastecido nos registros. Concluiu informando que os abastecimentos efetivamente realizados foram na D20, onde estavam os galões de combustível, e na Grand Cherokee. O acusado GILMAR DONIZETE FABRIS, ao ser interrogado em juízo, esclareceu que recebia cotas de combustível destinadas ao seu suporte funcional. Informou que, por ser oriundo do município de Rondonópolis, encaminhava uma parte dessa cota para a região Sul do Estado, a fim de viabilizar o abastecimento dos veículos que lhe prestavam apoio naquela localidade. Afirmou que, em sua compreensão, não teria havido qualquer irregularidade no uso dos cartões de abastecimento por parte de Fernando, uma vez que, segundo alegou, a redistribuição dos combustíveis era permitida dentro do escopo de suas atividades parlamentares. No tocante ao episódio em que Fernando foi flagrado abastecendo galões de combustível, justificou que a conduta estaria amparada pela suposta necessidade de prestação de serviços em favor de comunidades indígenas situadas na Reserva Taiamã, razão pela qual, segundo sua versão, o abastecimento naquela ocasião foi realizado daquela forma. Pois bem. Com efeito, registra-se que no peculato o funcionário público aproveita-se dessa condição para obter proveito ilícito em prejuízo da Administração Pública. São condutas criminosas que o agente executa valendo-se do poder inerente à sua função estatal para satisfazer interesse próprio ou de outrem. O crime de peculato reveste de especial gravidade vez que o funcionário descumpre seus deveres de probidade e fidelidade funcionais para obter proveito material em detrimento do interesse público, interesse maior, interesse do povo de preservar e resguardar a Administração honesta. Por conseguinte, dentre os crimes contra a Administração Pública, o peculato é o que revela o descumprimento marcante dos deveres funcionais do agente público[1]. Quanto à consumação, no peculato-apropriação opera-se quando o agente inverte a posse, agindo como se dono fosse; no peculato-desvio, segundo Noronha, ocorre quando dá a coisa destino diverso, quando emprega em fins outro que não o próprio ou regular, agindo em proveito do próprio agente ou de terceiro[2]. Deixa-se registrado, por oportuno, no delito de peculato desvio previsto no art. 312, caput, 2ª parte, do Código Penal, o elemento subjetivo do tipo consiste em desviar, em proveito próprio ou alheio, o bem móvel de que de que tem o agente a posse, empregando-o em fim diverso ao que se destinava, não se exigindo para sua configuração o fim específico de apropriação inerente ao peculato apropriação previsto no art. 312, caput, 1ª parte, do Diploma Penalista[3]. Anota-se, por oportuno, no crime de peculato-apropriação consuma-se com a inversão do animus da posse, quando o agente passa a se comportar em relação à coisa como se fosse o proprietário, dispondo dela de forma diversa, violando seu dever de fidelidade para com a Administração Pública, sendo, portanto, indiferente se auferiu lucro ou não, que seria o mero exaurimento do crime[4]. Tem-se da literatura: Há três figuras de peculato doloso: a) peculato-apropriação (caput); b) peculato-desvio (caput); c) peculato-furto (§ 1.º). A pena é de reclusão, de dois a doze anos, e multa. Peculato-apropriação: apropriar-se (tomar como propriedade sua ou apossar-se) o funcionário público de dinheiro (é a moeda em vigor, destinada a proporcionar a aquisição de bens e serviços), valor (é tudo aquilo que pode ser convertido em dinheiro, possuindo poder de compra e trazendo para alguém, mesmo que indiretamente, benefícios materiais) ou qualquer outro bem móvel, público (pertencente à administração pública) ou particular (pertencente à pessoa não integrante da administração), de que tem a posse (deve ser entendida em sentido lato, ou seja, abrange a mera detenção) em razão do cargo (o funcionário necessita fazer uso de seu cargo para obter a posse de dinheiro, valor ou outro bem móvel. Se não estiver na esfera de suas atribuições o recebimento de determinado bem, impossível se falar em peculato, configurando-se outro crime). Peculato-desvio: desviá-lo (alterar o seu destino ou desencaminhá-lo), em proveito próprio ou alheio. Peculato-furto: o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai (tira de quem tem a posse ou a propriedade), ou concorre para que seja subtraído (considera conduta principal o fato de o funcionário colaborar para que outrem subtraia bem da administração pública; se porventura não houvesse tal previsão, poder-se-ia indicar que o funcionário, colaborando para a subtração alheia, respondesse por furto, em concurso de pessoas, já que o executor material seria pessoa não ligada à administração), em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. O termo peculato, desde o início, teve o significado de furto de coisa do Estado. Conforme esclarece Fernando Henrique Mendes de Almeida, “o étimo da palavra está em pecus, tal como em suas convizinhas pela raiz (pecus = gado) pecúnia, pecúlio, especular, e se reporta à época em que o gado foi havido como moeda. A palavra, como se sabe, designou, em sua evolução, a subtração da moeda, ou metal do Fisco, até que, finalmente, passou a significar furtos e apropriações indevidas, realizadas por prestadores de contas, bem como quaisquer fraudes em prejuízo da coisa pública” (Dos crimes contra a Administração Pública, p. 11-12). Conferir o capítulo XIII, item 2.1, da Parte Geral. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Volume Único. 19ª edição – Editora Forense). No caso em análise, verifica-se que o acusado Gilmar Fabris exercia função pública à época dos fatos, na qualidade de Deputado Estadual, sendo, portanto, detentor de prerrogativas funcionais, dentre elas, a utilização de cartão corporativo destinado ao abastecimento de veículo empregado em serviço, conforme, inclusive, admitido pelo próprio acusado em sede de interrogatório judicial. Todavia, a instrução probatória conduz à constatação de que tais cartões vinham sendo utilizados por terceiros não autorizados, com destaque para o indivíduo Fernando, que, segundo informações constantes dos autos, é genro do acusado e não possuía qualquer vínculo funcional com a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Ressalte-se, ainda, que a utilização dos cartões não se restringia ao abastecimento de galões de combustível, mas também contemplava o abastecimento de veículos particulares, sendo um deles de propriedade da filha do réu ora em julgamento. Conforme demonstram os relatórios acostados aos autos, após o referido abastecimento, o veículo seguiu em direção ao Condomínio Village do Cerrado, local de residência da mencionada filha de Gilmar Fabris, o que corrobora a destinação particular dos recursos públicos empregados. Ademais, consoante a documentação constante dos autos, restou evidenciado que, na oportunidade, foram gerados seis cupons fiscais de abastecimento vinculados aos veículos de placas OOJ-1874 e QBT-6530, os quais não foram visualizados pelos Agentes da Polícia Federal no interior do posto de combustíveis sendo efetivamente abastecidos. Verificou-se, ainda, a existência de indicação de condutores distintos nos referidos documentos fiscais. Outrossim, conforme o Relatório de Informações n.º 129/2017/G.A/GAECO-MT (Id. 58224585 – págs. 192/207), baseado nos dados de abastecimento fornecidos pela Assembleia Legislativa, o veículo Fiat Strada Working, placas OOJ-1874, entre os dias 16/11/2016 e 27/09/2017, teria sido abastecido em 162 ocasiões, totalizando o consumo de 7.134,572 (sete mil, cento e trinta e quatro litros e quinhentos e setenta e dois mililitros) de combustível, quantidade suficiente para percorrer aproximadamente 119.860,810 km. Todavia, conforme os registros, o referido veículo teria percorrido apenas 46.118 km. Por sua vez, em relação ao veículo VW Amarok, placas QBT-6530, cujo combustível indicado é o óleo diesel, apurou-se que, no mesmo período, houve 83 abastecimentos, sendo 40 com diesel e 43 com gasolina, revelando aparente incompatibilidade com as especificações técnicas do automóvel. Portanto, todas essas circunstâncias corroboram para a narrativa da exordial acusatória, reforçando a tese de utilização indevida do benefício. Consigna-se, por fim, que a tese defensiva segundo a qual os abastecimentos teriam sido realizados com o propósito de viabilizar a prestação de serviços públicos implica a assunção do ônus probatório por parte da própria defesa, na medida em que, conforme dispõe o art. 156 do Código de Processo Penal, incumbe à parte que alega determinado fato a demonstração de sua veracidade. No caso em apreço, todavia, não houve qualquer comprovação idônea, documental ou testemunhal, que atestasse a efetiva destinação pública dos combustíveis abastecidos, tampouco a realização de serviços em favor da administração pública, restando, portanto, desamparada a alegação sustentada pela defesa. Portanto, diante desse contexto e do robusto conjunto probatório acostado aos autos, não há que se falar em absolvição. Nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL – PECULATO – SENTENÇA CONDENATÓRIA – ATIPICIDADE MATERIAL – PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO – CONFISSÃO – DESTINAÇÃO DIVERSA DA COISA PÚBLICA – LIÇÃO DOUTRINÁRIA – PREMISSA DO TJMT – PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA INTEGRADO – JULGADO DO TRIBUNAL PLENO DO TJMT – RECURSO DESPROVIDO. O peculato-desvio configura-se quando o servidor público altera o destino normal da coisa pública, “empregando-a em fins outros que não o próprio. Não é necessário que o agente vise o lucro e pouco importa se a vantagem visada é conseguida ou não” (CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal Anotado . 6ª ed. Bahia: Juspodium, 2013, p.634). O peculato-desvio consuma-se no instante em que o agente público promove destinação diversa aos bens sob sua responsabilidade em razão do cargo que ocupa (TJMT, Ap 65587/2009) . A conduta “de desviar recursos destinados ao combustível das viaturas, para si e outros policiais, não exclui a tipicidade.” (Parecer da PGJ nº 003291-008/2010, José de Medeiros, procurador de Justiça) “Restando evidente do conjunto probatório produzido na persecução penal tanto a autoria quanto a materialidade do crime de peculato, na modalidade desvio, e, ainda, a reiteração da conduta, a procedência do pedido veiculado na denúncia é medida que se impõe.” (TJMT, APN 14899/2009) (TJ-MT - APL: 00118064520088110042 MT, Relator.: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 09/10/2018, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 15/10/2018) Assim, o conjunto probatório dos autos é harmônico e seguro para afirmar que o réu praticou o delito de peculato, capitulado no art. 312, caput, do Código Penal. 3. Dispositivo Diante o exposto, com arrimo nos fundamentos acima expostos, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal, consubstanciada pela denúncia para CONDENAR o réu GILMAR DONIZETE FABRIS, qualificado nos autos, como incurso na prática do crime descrito no 312, caput, do Código Penal. 4. Dosimetria Passo, por conseguinte, e destacadamente, à dosimetria da reprimenda penal do acusado, em obséquio ao princípio constitucional da individualização da pena (CF, art. 5º, inc. XLVI) e ao critério trifásico estabelecido no artigo 68 do Estatuto Repressivo. O Código Penal atribui para o crime de peculato, a pena de reclusão de dois a doze anos, e multa. 1ª Fase - Circunstâncias judiciais Verificando as condições do acusado e do crime, passo a dosimetria da pena atenta as circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal. A culpabilidade merece ser valorada negativamente, eis que o acusado praticou o delito no exercício da legislatura (Deputado Estadual), a quem o eleitor depositou confiança, esperando, assim, a lisura de sua atuação, a quem se exigia conduta minimamente moral, ética e proba. Contudo, valeu-se dessa atribuição para promover desvios em benefício próprio, de forma que demonstra especial reprovabilidade da conduta; o réu não registra antecedentes; e nada existe de palpável nos autos sobre sua conduta social, além do que não existem elementos para aferir sua personalidade; o motivo do delito se constitui pelo desejo de obter lucro fácil, o que caracteriza a própria tipicidade da figura delitiva do crime; as circunstâncias são normais a espécie; consequências a meu ver não transcendem da normalidade, eis que não evidenciada a magnitude do dano ao erário no caso posto em apreciação; comportamento da vítima em nada contribuiu para a atividade criminosa. Após análise das circunstâncias judiciais, considero que elas são parcialmente desfavoráveis ao réu, tendo em mira a culpabilidade, portanto, utilizando-me do quantum de 1/8 do intervalo das penas, pois “(...) No que diz respeito ao quantum de aumento da pena-base, diante do silêncio do legislador, a jurisprudência e a doutrina passaram a reconhecer como critério ideal para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador. (...)” (HC 646.844/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/04/2021, DJe 09/04/2021) e, considerando que o intervalo entre as penas mínima e máxima no presente crime, é de 10 (dez) anos (120 meses), que divididos por 8, resulta em 15 meses, para cada circunstância negativa, assim, fixo a pena base do delito definido em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa. 2ª Fase - Circunstâncias legais Inexistem agravantes ou atenuantes, de forma que a pena intermediária continua fixada em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa. 3ª Fase - Causas de diminuição e de aumento de pena De outro giro, inexistem causas de diminuição ou aumento de pena. Desse modo, torno a pena em definitivo 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, para a qual, considerando a situação econômica do acusado, atribuo o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, para cada dia multa. Do regime de Pena Nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal, fixo o regime inicial aberto. Benefícios Legais [Substituição de Pena, Suspensão Condicional da Penal] O acusado não faz jus aos benefícios processuais da substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos e da suspensão condicional da pena, porque ausentes as regras insertas no artigo 44 e artigo 77, ambos do Código Penal, em razão do reconhecimento de circunstância judicial da culpabilidade desfavorável. Valor Mínimo para Reparação dos Danos (CPP, art. 387, IV): Após detida análise dos autos e, em atenção as provas colhidas, verifico que no id. 58224585m- págs. 26/28 consta o prejuízo ao erário, razão qual entendo que encontra-se satisfatório e especificamente instruído para aferir com precisão o valor indenizatório devido a título de danos causados pela infração. Assim, condeno o réu ao pagamento de R$ 1.143,91, para reparação dos danos materiais causados pela infração, nos termos do art. 63, parágrafo único, c/c art. 387, IV, ambos do CPP e enunciado n. 14 da TCCR/TJMT. Tal valor deverá ser corrigido monetariamente conforme a legislação aplicável, desde a data do fato até o seu efetivo pagamento. Manutenção ou Imposição de Prisão Preventiva ou outra Medida Cautelar: Observando o quantum e o regime inicial diverso do fechado aplicado para o cumprimento da reprimenda, e em observância ao disposto no artigo 387, § 1º, do Código de Processo Penal, em caso de recurso, DEFIRO ao réu o direito de recorrer em liberdade. Custas e Despesas Processuais e Honorários Advocatícios: Condeno o réu ainda ao pagamento das custas e despesas processuais, conforme dispõe o art. 804, do CPP, salientando que eventual pleito de Justiça gratuita poderá ser concedido na fase de execução e pelo juízo competente, porquanto este é o momento adequado para aferir a sua real situação financeira, uma vez que existe a possibilidade de alteração desta, após a data da condenação. Outrossim, não se tratando de réu hipossuficiente financeiramente, é devida a fixação de honorários em favor da FUNADEP, conforme previsão no art. 179 da LCE n. 146/2003, qual fixo de acordo com a tabela da OAB/MT, em 5 URH. 5. Disposições finais Cumpra a Secretaria Judicial às seguintes providências: a) Desnecessária a intimação (pessoal ou ficta) do réu solto, conforme regra prevista no artigo 392, inciso II, do CPP e o entendimento jurisprudencial do STJ [em se tratando de réu solto, a intimação da sentença condenatória pode se dar apenas na pessoa do advogado constituído, ou mesmo do defensor público designado (...)].[5] b) Cientifique(m)-se o(a) Representante Ministerial e a Defesa do(a/s) acusado(a/s). c) Proceda desmembramento dos presentes autos no que se refere ao corréu Fernando Ferrari Aguiar, bem como determino a imediata remessa dos autos desmembrados à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, para as providências que entender cabíveis. Após o trânsito em julgado desta sentença: a) INSIRA-SE no sistema conveniado ao TRE-MT (SIEL), o teor desta condenação (CF, art. 15, inc. III; CE, art. 71, §2º). b) OFICIEM-SE aos Institutos de Identificação Criminal, bem como ao Cartório Distribuidor desta Comarca e de residência e nascimento do réu, para as anotações pertinentes. c) EXPEÇA-SE Guia de Execução Penal Definitiva, encaminhando-se à Vara de Execuções Penais competente. d) Cumpridas todas essas providências, arquivem-se os autos, com as anotações e baixas de estilo, inclusive, com baixa na distribuição. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se, expedindo-se o necessário. Rondonópolis/MT, datado e assinado digitalmente. CRISTHIANE TROMBINI PUIA BAGGIO Juíza de Direito [1] José Eugênio Pierangelli, Direito Penal, 804 [2] GRECO, Rogério. Código Penal : comentado – Niterói, RJ: Impetus, 2008, p. 1.227 [3] STJ: AgRg nos EDcl no REsp 1273768/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2012, DJe 21/03/2012 [4] TRF-2 - APR: 201050010051431 - Relator: Desembargadora Federal LILIANE RORIZ, Data de Julgamento: 21/08/2012, SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 05/09/2012 [5] STJ: AgRg nos EDcl no HC n. 680.575/SC; AgRg no HC n. 844.848/RO; AgRg no RHC 156.273/PB; TJMT: N.U 1007049-58.2024.8.11.0000 e N.U 1002000-36.2024.8.11.0000.
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