Processo nº 5000284-18.2012.8.27.2703
ID: 315580219
Tribunal: TJTO
Órgão: 1ª Escrivania Cível de Ananás
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 5000284-18.2012.8.27.2703
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
STEFANY CRISTINA DA SILVA
OAB/TO XXXXXX
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Ação Civil de Improbidade Administrativa Nº 5000284-18.2012.8.27.2703/TO
RÉU
: ZÉLIO HERCULANO DE CASTRO
ADVOGADO(A)
: STEFANY CRISTINA DA SILVA (OAB TO006019)
SENTENÇA
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLI…
Ação Civil de Improbidade Administrativa Nº 5000284-18.2012.8.27.2703/TO
RÉU
: ZÉLIO HERCULANO DE CASTRO
ADVOGADO(A)
: STEFANY CRISTINA DA SILVA (OAB TO006019)
SENTENÇA
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em desfavor de – ZELIO HERCULANO DE CASTRO, EZEQUIEL DA SILVA CARVALHO e
ANTONIO CLAUDES REIS ALENCAR
, todos devidamente qualificados nos autos.
Segundo narra o Ministério Público, a demanda tem origem no Procedimento Administrativo Preliminar nº 005/2011, instaurado a partir de informações obtidas no processo cível nº 2011.0005.4914-9, proposto por Ildean Milhomem Ferreira contra o requerido
Zélio Herculano de Castro
, prefeiito Município de Angico, noticiando a utilização de recursos públicos para o pagamento de dívidas de natureza particular.
Consta que os requeridos teriam se valido da estrutura administrativa e de recursos públicos do Município de Cachoeirinha para efetuar o pagamento de despesa pessoal do requerido
Antonio Claudes Reis Alencar
tesoureiro municipal por meio de um cheque nominal a Ildean Milhomem Ferreira, no valor de R$ 440,88 (quatrocentos e quarenta reais e oitenta e oito centavos), utilizado para pagar Ariosvaldo Pereira do Nascimento, conhecido como “Licor”, por serviços de construção ou reforma realizados em imóvel particular de propriedade do próprio tesoureiro.
O requerido
Ezequiel da Silva de Carvalho
, secretário municipal de transportes, teria autorizado o pagamento, mantendo vínculo pessoal com Antonio Claudes, sendo responsável pela intermediação com Ariosvaldo. O cheque foi assinado pelo então prefeito
Zélio Herculano de Castro
, demonstrando ciência e anuência com o desvio de finalidade do recurso público.
Para justificar o pagamento, os requeridos forjaram documentos simulando prestação de serviço por parte de Ildean Ferreira, os quais foram assinados apenas por Zélio Herculano e Antonio Claudes, sem a assinatura do suposto prestador. A nota fiscal emitida pela Prefeitura também carecia de elementos comprobatórios da regularidade da despesa.
Apurou-se, ainda, que, embora o então prefeito tenha informado ao Ministério Público a instauração de sindicância para apuração dos fatos por meio da Portaria nº 150/2011, o referido procedimento foi suspenso por decisão do próprio chefe do Executivo, logo após o início das investigações ministeriais, fato que, segundo o Parquet, reforça o conluio entre os requeridos.
Requer ao final, a condenação dos requeridos pela prática dos atos de improbidade administrativa tipificados no art. 9º, inciso XI e art. 11,
caput
, da Lei nº 8.429/92, com aplicação das sanções previstas no art. 12, I e III, do referido diploma legal, bem como a condenação reparação por danos morais difusos.
Com a inicial, juntou documentos.
Foi proferido despacho no evento 3, determinando a notificação dos requeridos.
O requerido Antônio Claudes Reis Alencar foi notificado, mas não apresentou manifestação (evento 6).
O Ministério Público manifestou-se requerendo o recebimento da ação em relação ao requerido Antônio Claudes e a notificação por edital dos requeridos
Zélio Herculano de Castro
e Ezequiel da Silva Carvalho (evento 26).
No evento 38, foi proferida decisão recebendo a petição inicial em face de Antônio Claudes, com a consequente determinação de sua citação.
Foi expedido edital de citação para os requeridos Zélio Herculano e Ezequiel, que permaneceram inertes, deixando transcorrer o prazo sem apresentação de defesa (eventos 42 e 43).
O Ministério Público pleiteou a nomeação da Defensoria Pública para apresentação de defesa, sendo o pedido deferido por este Juízo (eventos 45 e 47).
A Defensoria Pública apresentou contestação por negativa geral em nome dos requeridos Zélio Herculano e Ezequiel (evento 52).
Foi proferida decisão no evento 60, recebendo-se novamente a inicial, por entender que a documentação acostada demonstrava indícios suficientes da prática de atos de improbidade administrativa, notadamente os descritos nos artigos 9º, inciso XI, e 11, ambos da Lei nº 8.429/92.
Devidamente citado, o requerido Antônio Claudes apresentou contestação, alegando que a petição inicial não cumpre os requisitos legais, em especial pela ausência de individualização das condutas e inexistência de dolo ou culpa, bem como a ausência de comprovação de prejuízo ao erário (eventos 64 e 76).
Após diversas tentativas frustradas de citação, o Ministério Público requereu a citação por edital do requerido Ezequiel, o que foi deferido por este Juízo (eventos 101 e 103).
O edital foi devidamente expedido e publicado no Diário da Justiça (eventos 104 e 106).
A causídica do requerido Zélio Herculano apresentou pedido de habilitação nos autos e apresentou contestação, na qual suscitou, em preliminar, a nulidade da citação por edital e a inépcia da petição inicial. No mérito, argumentou ausência de conduta ímproba, legalidade dos atos praticados (ordem de pagamento, empenho e liquidação), inexistência de enriquecimento ilícito, bem como ausência de ofensa aos princípios da Administração Pública e de dano ao erário (eventos 107 e 108).
Em seguida, os requeridos Antônio Claudes e Ezequiel apresentaram nova contestação por negativa geral (evento 115).
O Ministério Público apresentou réplica, refutando as alegações das contestações e reiterando os termos da inicial (evento 120).
Intimadas as partes para manifestação quanto à produção de provas, o Ministério Público pugnou pela designação de audiência de instrução, enquanto os requeridos permaneceram inertes (eventos 129, 131 e 133).
No evento 135, foi proferida decisão rejeitando as preliminares de nulidade da citação e inépcia da petição inicial, além de designar audiência de instrução e julgamento.
A audiência de instrução foi realizada no evento 189, ocasião em que foram ouvidas três testemunhas, além do depoimento pessoal do requerido Antônio Claudes.
O Ministério Público apresentou alegações finais no evento 195; os requeridos Antônio Claudes e Ezequiel apresentaram as suas no evento 206; o requerido Zélio, contudo, permaneceu inerte (eventos 196 e 207).
No evento 213, foi proferido despacho determinando a intimação das partes para se manifestarem quanto à possibilidade de reconhecimento da atipicidade superveniente, à luz da nova redação da Lei de Improbidade Administrativa.
No evento 221, o requerido Zélio requereu a improcedência das acusações, alegando inexistência de conduta ímproba devidamente comprovada.
No evento 222, o Ministério Público defendeu o reconhecimento da atipicidade superveniente da conduta prevista no art. 11,
caput
, da Lei 8.429/92, diante da revogação promovida pela Lei 14.230/21. Contudo, pleiteou a condenação dos requeridos com base no art. 9º, XI, da mesma lei, diante de prejuízo ao Município de Cachoeirinha/TO, bem como a recomposição do erário, ante a não incidência da prescrição.
No evento 228, os requeridos Antônio Claudes e Ezequiel requereram o reconhecimento da atipicidade superveniente da conduta descrita no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, com a consequente extinção das sanções pleiteadas na inicial, e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos, com a absolvição dos requeridos.
Por fim, o Ministério Público reiterou as manifestações apresentadas nos eventos 195 e 222.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório. Fundamento e Decido.
O Ministério Público postula o reconhecimento da atipicidade superveniente da conduta prevista no art. 11,
caput
, da Lei 8.429/92, em razão das alterações promovidas pela Lei nº 14.230/21, e, ainda, a condenação dos requeridos pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, inciso XI, da referida norma, diante do manifesto prejuízo causado ao Município de Cachoeirinha/TO, com a consequente recomposição do erário.
No que diz respeito ao art. 11 da LIA, não é possível o processamento da ação com base unicamente no
caput
do dispositivo.
Essa situação decorre da alteração do art. 11 da LIA pela Lei n.º 14.230/2021, a partir da qual adveio fato extintivo do direito resultante da atipicidade superveniente da conduta, pois o dispositivo se tornou taxativo; limitado pelas previsões contidas nos seus incisos,
in verbis
:
Art. 11.
Constitui
ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública
a ação ou omissão dolosa
que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade,
caracterizada por uma das seguintes condutas
:
(Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000) (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014)
IX - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
X - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
§ 1º [...].
Como se depreende da transcrição acima, a alteração legislativa revogou diversos incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) e afastou a possibilidade de responsabilização com fundamento exclusivo na ofensa aos princípios elencados no
caput
. Com isso, passou a ser necessária a descrição específica das condutas previstas nos incisos remanescentes.
No entendimento do Tribunal de Justiça do Tocantins - TJTO, a referida alteração legislativa foi responsável por gerar “
atipicidade superveniente e verdadeira abolitio illicit quando a fundamentação da conduta é limitada ao caput do mencionado artigo ou em seus incisos revogados
” ( Apelação Cível n.º 0007239-49.2019.8.27.2722, 4ª Turma da 1ª Câmara Cível, rel. Des. Pedro Nelson de Miranda Coutinho, julgado em 16/11/2022).
Além disso, atualmente há na LIA a previsão do art. 17, § 10-F, I, segundo o qual “
será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial
”.
Dessa forma, diante das alterações/revogações no texto da LIA e do entendimento consolidado pelo STF e pelo TJTO, os pleitos iniciais relacionados à tipificação do art. 11 da LIA (atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública) serão examinados à luz da condição que, caso não se enquadrem em alguma das previsões dos incisos desse dispositivo, devem ser rejeitados se baseados exclusivamente no
caput
ou em algum inciso revogado pela Lei n.º 14.230/2021.
Isso ocorrerá mesmo que as condutas descritas eventualmente estejam subsumidas por outras previstas nos arts. 9º e/ou 10 da LIA, haja vista a expressa vedação estabelecida pelo inciso I do § 10-F do art. 17 do aludido diploma legal.
Assim, ante a superveniente perda de objeto, em face da atipicidade superveniente, impõe-se, a extinção do feito como medida de rigor e justiça quanto ao art. 11,
caput,
da Lei nº 8.429/92.
No que se refere à imputação da prática de atos de improbidade administrativa tipificados no art. 9º, inciso XI, da Lei nº 8.429/92, não pode ser analisada sem a lente do
animus
dos requeridos em relação às condutas imputadas.
Dito isto, segundo a Lei 8.429/1992 os atos de improbidade subdividem-se em: a) atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º); b) atos que causem prejuízo ao erário (art. 10); c) atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).
E ainda, em conformidade com o art. 1º, § 1º é imprescindível a verificação da intenção fraudulenta e de malversação do patrimônio público por quem pratica o ato, pois somente assim ele poderá ser classificado como ímprobo.
Com efeito, cumpre-se ressaltar que a Lei 14.230/2021 trouxe significativas mudanças na estrutura material e formal da Lei 8.429/92, delimitando objetivamente as condutas ímprobas passíveis de condenação, exigindo a presença do dolo específico e a prova de dano ao erário. A matéria ganhou repercussão e foi objeto do Tema 1.199/STF. Veja-se:
(a)
É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;
(b)
A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
(c)
A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; e
(d)
O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Consoante a compreensão da doutrina
1
e da jurisprudência
2
sobre as modificações introduzidas pela Lei n.º 14.230/21, LIA, o elemento subjetivo do agente (dolo) deve revelar os atos praticados como meio eleito para alcançar o fim (ilícito) desejado e reprovado pela norma. É dizer, eventual erro grosseiro, falta de zelo com a coisa pública, a negligência, a falta de diligência, devem ter sido eleitos como o
modus operandi
da prática ilícita.
Ausente a demonstração do dolo específico, não haverá prova da improbidade imputada ao agente (§1º do art. 17-C).
A lei de improbidade ainda deixa claro que a ilegalidade sem a presença do dolo que a qualifique não configura improbidade:
Art. 17-C. § 1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade. (Incluído pela Lei n.º 14.230, de 2021).
No caso dos autos, em análise dos documentos anexados à petição inicial, especialmente nas declarações de Zildaney Rodrigues de Sousa e Aldo Neves Santos, nas quais consta que o Sr. Idean prestou serviços na construção da quadra de esportes do Município de Cachoeirinha/TO (evento 1 – ANEXOS PET INI2, fls. 9/10).
Consta ainda, que um cheque no valor de R$ 448,08 (quatrocentos e quarenta e oito reais e oito centavos) foi emitido em nome do Sr. Idean pela Prefeitura de Cachoeirinha, bem como nota de empenho, nota fiscal e nota de liquidação referentes à construção da referida quadra poliesportiva (evento 1 – ANEXOS PET INI2, fls. 13, 15, 17, 18). Além disso, na audiência de instrução, o Sr. Idean afirmou que prestou serviços por meio de diárias ao Município na construção da quadra de esportes.
Ademais, verifico que a testemunha Ariosvaldo Pereira do Nascimento, em declaração prestada ao Ministério Público, informou que, diante da recusa do Sr. Idean em endossar o cheque que estava nominal a ele, devolveu o referido título ao Sr. Antônio Claudes (evento 1 - ANEXOS PET INI2, fl. 8), o que colabora com sua declaração em juízo.
Na audiência de instrução testemunha Ariosvaldo Pereira do Nascimento declarou em juízo que recebeu um cheque por um serviço prestado em Cachoeirinha, realizado para um indivíduo conhecido como "Louro", cujo nome completo não sabe informar. Relatou que Louro efetuou o pagamento com o referido cheque, mas, ao tentar sacá-lo, não obteve sucesso, razão pela qual devolveu o cheque a Louro, que, então, lhe entregou o dinheiro e ficou com o título. Ao ser questionado se seria necessária a assinatura de Idean, respondeu que não se recorda. Não sabe dizer se Louro possuía vínculo com a prefeitura. Inicialmente afirmou que sim, mas depois disse que não se recordava. Esclareceu que o serviço foi realizado na residência de Louro. Relatou ainda que procurou Idean para trocar o cheque, mas não conseguiu e não se recorda se o título estava nominado em nome de Idean. Afirmou que realizou uma reforma na casa de Louro e que não se recorda se este trabalhava na prefeitura, acrescentando que nunca executou serviço para a Prefeitura de Cachoeirinha.
A testemunha Ildean Milhomem declarou que tomou conhecimento do cheque por intermédio de outra pessoa, sendo procurado por Ariosvaldo, conhecido como "Licor". Informou que Licor ligou dizendo que estava no banco tentando sacar um cheque que estava em seu nome, mas que não reconhecia o cheque e, por isso, procurou a Justiça. Afirmou que, na época, tinha valores a receber de Ezequiel, decorrentes de diárias de um serviço particular de pintura, e não de vínculo direto com a prefeitura. Esclareceu que chegou a prestar alguns serviços na quadra de esportes a pedido de Ezequiel, secretário de transportes do município, e, como forma de pagamento, recebeu algumas peças de moto. Declarou que não sabe detalhes sobre a situação do cheque, apenas que prestava serviços particulares para Ezequiel.
A testemunha Marinês Pereira do Nascimento informou que não trabalhou na prefeitura por volta de 2011. Disse conhecer Idean, mas não conhece Ariosvaldo. Afirmou que não tem conhecimento sobre o cheque. Relatou que trabalhou oito meses no mandato de Zélio, no PET. Disse ainda que, à época, Idean lhe informou que havia um cheque em seu nome, mas que não o havia assinado e não chegou a vê-lo.
O requerido Antônio Claudes declarou que a história do cheque é verídica e envolve quatro pessoas, sendo ele próprio o primeiro envolvido, pois exercia à época o cargo de secretário municipal de finanças. Afirmou que Ezequiel, então secretário de transportes, prestava serviços ao município e contratava servidores locais para serviços técnicos, inclusive pintura. Informou que Idean prestou serviço na quadra de esportes e que Ezequiel lhe apresentou documentos de Idean, autorizando o pagamento por meio de cheque. Disse que o pagamento seria feito a Ezequiel, pois os pagamentos da prefeitura costumavam atrasar e Idean pressionava por recebimento. Por isso, Ezequiel teria autorizado a aquisição de peças de motocicletas como forma de pagamento — peças que afirma não ter visto nem saber quais eram.
Afirmou ainda que Idean autorizou que ele (Antônio) ficasse com o pagamento referente ao serviço da quadra, uma vez que Ezequiel já havia feito o pagamento de outra forma. Declarou que contratou um pedreiro, o Sr. Licor (Ariosvaldo), para realizar um serviço particular em sua residência no valor de cerca de mil reais, e que repassou a ele o cheque com autorização de Ezequiel. Pediu a Licor que fosse até Idean para endossar o cheque, pois seria ele o beneficiário. Depois, Licor teria retornado dizendo que tentou trocar o cheque em São Bento, mas não conseguiu. Disse que Licor procurou Idean, sem sucesso, e devolveu o cheque a ele (Antônio), que o pagou em dinheiro e ficou com o título.
Disse lembrar que, posteriormente, utilizou o cheque e o depositou em sua conta bancária, sendo o valor creditado normalmente. Afirmou que Zélio não teve qualquer envolvimento no episódio e nem sequer tinha conhecimento da existência do cheque. Relatou que o caso gerou uma confusão política, uma vez que o pai de Idean era adversário político de Zélio, situação que permanece até os dias atuais. Reafirmou que quem participou do serviço na quadra foram ele próprio, Ezequiel, Piel e Idean, e não Zélio. Afirmou ainda que entregou o cheque a seu pedreiro particular e pediu que buscasse Idean para endossá-lo, o que acabou gerando todos os desdobramentos posteriores. Por fim, confirmou que depositou o cheque em sua conta e que o valor foi pago pelo banco. Reforçou que tudo se tratou de uma manobra política.
Pelo conjunto probatório, não há provas nos autos de que os requeridos tenham incorporado, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores pertencentes ao erário público.
A instrução revelou que o Sr. Ezequiel emitiu um cheque pelo Município de Cachoeirinha em nome do Sr. Idean, como pagamento por serviços prestados na quadra de esportes do município. Posteriormente, o Sr. Idean devolveu o cheque, ocasião em que o Sr. Ezequiel autorizou-o a retirar algumas peças de motocicleta em uma loja, a título de compensação pelo serviço prestado.
O fato é que o Sr. Ezequiel permaneceu com o crédito representado pelo cheque e o utilizou em um negócio particular com o Sr. Antônio Claudes, que, por sua vez, o repassou ao Sr. Ariosvaldo, como forma de pagamento por serviços particulares. Como o cheque estava nominal a Idean e não pôde ser sacado, Antônio Claudes quitou o valor em dinheiro e ficou com o título.
Sendo assim, a pesar de não restar comprovado nem esclarecido se as referidas peças de motocicleta foram adquiridas em nome de Ezequiel ou da Prefeitura, convém lembrar que improbidade não é sinônimo de mera ilegalidade administrativa, mas de ilegalidade qualificada pela imoralidade, pela má-fé, pela falta de probidade no desempenho da função pública, o que se verifica quando a conduta reputada ilegal, animada pela má-intenção do administrador ou servidor público, fere princípios da Administração Pública.
É a má-fé que aparta a inabilidade, ou mesmo a incompetência do agente público, da improbidade administrativa. Em suma: não é de se imputar a todos os atos ilegais do servidor, desvestidos de desonestidade, a pecha de ímprobos, sob o risco de se incorrer em condenação injusta e desafinada com o espírito da LIA, diploma que se preordena tão somente a punir o agente desonesto, e não o incauto ou equivocado.
Na atual ordem jurídica a demonstração do elemento subjetivo do envolvido, traduzido em dolo, como forma de vedação à responsabilidade objetiva sancionatória. E nesse particular não se vislumbra na atuação dos requeridos desonestidade ou dolo, isto é, a manifesta intenção de vulnerar qualquer preceito legal.
Nesse sentido, trago à baila o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ERRO MATERIAL E OMISSÃO NO ACÓRDÃO. REDADEQUAÇÃO DA CONDENAÇÃO. ACÓRDÃO PARCIALMENTE REFORMADO. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de declaração opostos por ALDENOR MIRANDA contra acórdão que reformou integralmente a sentença de primeira instância, condenando-o pela prática de atos de improbidade administrativa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Discute-se a ocorrência de erro material e omissão no acórdão quanto à tipificação dos atos de improbidade atribuídos ao Embargante. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Constatada omissão no julgado quanto à inexistência de provas de incorporação de bens ou valores públicos ao patrimônio do Embargante, impõe-se o afastamento da condenação pelo art. 9.º, inciso XI, da Lei nº 8.429/92. 4. Comprovadas as condutas de fracionamento de despesas para burlar licitações e contratação direta de servidores sem observância dos princípios da impessoalidade e competitividade, subsiste a condenação pelos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, caput e incisos VIII e IX, e no art. 11, caput, da Lei n.º 8.429/92. . DISPOSITIVO E TESE 6. Embargos de declaração providos parcialmente para reformar o acórdão embargado, afastando a condenação pelo art. 9.º, inciso XI, da Lei nº 8.429/92, e consignando a subsistência da condenação pelos atos de improbidade previstos no art. 10, caput e incisos VIII e IX, e no art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92. Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.429/92, art. 9.º, inciso XI; art. 10, caput e incisos VIII e IX; art. 11, caput. (TJTO , Apelação Cível, 5011487-65.2012.8.27.2706, Rel. ANGELA ISSA HAONAT , julgado em 05/02/2025, juntado aos autos em 11/02/2025 17:10:39)
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDOR PÚBLICO EM LICENÇA MÉDICA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PRIVADA REMUNERADA DURANTE O AFASTAMENTO. INEXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de apelação cível interposta pelo Ministério Público Estadual contra sentença proferida nos autos de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa ajuizada em desfavor de servidor público estadual, médico concursado, acusado de exercer atividades particulares -- atendimento em consultório privado e docência em instituição de ensino superior -- enquanto usufruía de licença médica do cargo público. A sentença rejeitou o pedido inicial, reconhecendo que os atestados médicos justificavam a incapacidade do requerido para a atividade pública em hospital de emergência, sem impedir, contudo, o exercício de atividades privadas em ambiente controlado, afastando a presença de dolo específico e, por conseguinte, de ato ímprobo. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se o exercício de atividade particular remunerada durante o período de licença médica caracteriza ato de improbidade administrativa, especialmente sob a égide da Lei nº 14.230/2021; (ii) estabelecer se restou comprovado o dolo específico necessário para subsumir a conduta ao tipo previsto no art. 9º, XI, da Lei nº 8.429/92. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Lei nº 14.230/2021 alterou substancialmente a Lei de Improbidade Administrativa, passando a exigir, de forma inequívoca, a presença de dolo específico para a configuração dos atos previstos nos arts. 9º, 10 e 11, conforme pacificado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.199 da repercussão geral. 4. A análise do conjunto probatório evidencia que os atestados médicos apresentados pelo requerido indicavam transtornos psiquiátricos, como ansiedade grave e ideias homicidas, especificamente relacionados ao exercício da função pública no ambiente hospitalar de emergência, não havendo recomendação médica para afastamento integral de atividades em ambiente privado e controlado. 5. As atividades exercidas pelo requerido -- atendimento eletivo em consultório e aulas semanais em faculdade -- não foram ocultadas, tampouco desautorizadas pelos documentos médicos ou prova testemunhal, inexistindo, portanto, qualquer demonstração de desonestidade, fraude ou má-fé por parte do agente público. 6. A configuração de ato ímprobo exige não apenas a ilicitude da conduta, mas sua qualificação pela imoralidade, pela má-fé e pelo desvio de finalidade no exercício da função pública. No caso, não restou demonstrado que o servidor tenha agido com o dolo específico de obter vantagem patrimonial indevida em prejuízo à Administração. 7. A jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça do Tocantins e de outros tribunais estaduais converge no sentido de que a mera irregularidade formal ou a existência de conduta administrativa imprópria, desacompanhada do elemento subjetivo qualificado, não autoriza a responsabilização por improbidade. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso de apelação conhecido e não provido, mantendo-se a sentença que julgou improcedente o pedido inicial. Tese de julgamento:
1. A responsabilização por ato de improbidade administrativa exige, nos termos da Lei nº 8.429/92, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, a demonstração de dolo específico, sendo insuficiente a mera presunção de irregularidade baseada no exercício de atividade privada remunerada durante período de licença médica do servidor público.
2. O exercício de atividade remunerada em ambiente privado, durante período de licença médica para afastamento de função pública em ambiente estressante, não configura, por si só, ato ímprobo, se ausente a demonstração de má-fé, desonestidade ou fraude na obtenção da licença. 3. A jurisprudência atual impõe a demonstração inequívoca do elemento subjetivo qualificado para imputação de improbidade, afastando a responsabilização por condutas meramente ilegais ou desconformes, não animadas por propósito desleal ou lesivo ao erário. Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal de 1988, art. 5º, incisos XXXVI e LIV; Lei nº 8.429/92, arts. 9º, XI, e 12, I; Lei nº 14.230/2021; Lei nº 8.112/90, art. 202.Jurisprudência relevante citada no voto: STF, Tema 1.199 da Repercussão Geral; TJTO, Apelação/Remessa Necessária, 5001186-45.2011.8.27.2722, Rel. Des. Pedro Nelson de Miranda Coutinho, julgado em 14/04/2021; TJMT, N.U 0008492-97.2011.8.11.0006, Rel. Des. Márcio Vidal, julgado em 17/10/2016; TJSP, Apelação Cível 1002037-26.2016.8.26.0453, Rel. Des. Marcos Pimentel Tamassia, julgado em 08/02/2018. Ementa redigida de conformidade com a Recomendação CNJ 154/2024, com apoio de IA, e programada para não fazer buscas na internet.
(TJTO , Apelação Cível, 0021663-81.2018.8.27.2706, Rel. ANGELA MARIA RIBEIRO PRUDENTE , julgado em 28/05/2025, juntado aos autos em 05/06/2025 16:39:05)
Dessa forma, o Ministério Público não conseguiu demonstrar o dolo específico nas condutas apontadas na exordial, que indicariam ter ocorrido vontade de trazer prejuízo ao erário, bem como o enriquecimento ilícito dos envolvidos.
Imperioso, destarte, a rejeição do pedido de condenação do requeridos requeridos, posto que não configurada a conduta ímproba imputada - art. 9º, inciso XI, da Lei 8.429/92.
Ante o exposto,
RESOLVO O MÉRITO DO PROCESSO
, ao tempo em que
JULGO IMPROCEDENTES
os pedidos iniciais, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC.
Não cabe remessa necessária, em conformidade com o disposto no §19 do art. 17 e no §3º do art. 17-C, da Lei nº 8.429/92, com redação dada pela Lei nº 14.230/21.
Sem custas e sem honorários advocatícios, em razão de a parte autora ser o Ministério Público.
Na eventualidade de não serem interpostos recursos voluntários no prazo legal,
certifique-se a data do trânsito em julgado, e arquive-se com as formalidades de estilo.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
1
. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa, 5ª ed., RT: São Paulo, 2021, p. 46.
2
. v.g.: STJ-REsp n. 1.926.832/TO, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 24/5/2022; TJ-TO - AC: 00022343420198272726, Relator: EURÍPEDES LAMOUNIER, Data de Julgamento: 24/11/2021, TURMAS DAS CAMARAS CIVEIS, Data de Publicação: 02/12/2021; TJ-TO - AC: 50015101420118272729, Relator: PEDRO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, TURMAS DAS CAMARAS CIVEIS, Data de Publicação: 30/08/2022
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