Beatriz Oliveira Da Silva x Beatriz Oliveira Da Silva e outros
ID: 315902436
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1001279-94.2019.8.11.0021
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUDMILLA APARECIDA VILELA DA LUZ
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1001279-94.2019.8.11.0021 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [ACIDENTE DE TRÂNSITO] RELATORA: EXM…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO NÚMERO ÚNICO: 1001279-94.2019.8.11.0021 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [ACIDENTE DE TRÂNSITO] RELATORA: EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO Turma Julgadora: [DES(A). VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). MÁRCIO VIDAL] PARTE(S): [BEATRIZ OLIVEIRA DA SILVA - CPF: 047.131.301-76 (APELADO), LUDMILLA APARECIDA VILELA DA LUZ - CPF: 043.542.151-44 (ADVOGADO), ESLANI SANDRA DA CONCEIÇÃO MENDES - CPF: 029.253.861-80 (ADVOGADO), J. C. O. D. F. - CPF: 096.710.191-37 (APELADO), MUNICÍPIO DE QUERÊNCIA - CNPJ: 37.465.002/0001-66 (APELANTE), WILLEN RARYTTON DE SOUZA ROSA - CPF: 047.346.011-43 (ADVOGADO), MUNICÍPIO DE QUERÊNCIA - CNPJ: 37.465.002/0001-66 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), BEATRIZ OLIVEIRA DA SILVA - CPF: 047.131.301-76 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência da Desa. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA, DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO. E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE EM ZONA RURAL. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE CONDUTA OMISSIVA E O ÓBITO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação Cível para reforma de sentença que julgou os pedidos parcialmente procedentes para condenar o requerido ao pagamento de indenização no valor de R$ 30.000,00, a título de danos morais. II. Questão em discussão 2. O ponto em análise consiste em verificar se houve falha na prestação de serviço público relevante pelo Município, especificamente no atendimento pré-hospitalar, que justifique a responsabilização por danos morais aos familiares da vítima. III. Razões de decidir 3. A responsabilidade civil do Estado por omissão exige, além do dano, a comprovação de culpa administrativa e do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso, nos termos do art. 37, § 6º, da CF. 4. A sentença reconheceu que, embora tenham sido identificadas falhas administrativas, não restou demonstrado que estas foram determinantes para o óbito da vítima, cuja causa foi atribuída à gravidade das lesões sofridas no acidente. 5. A dor dos familiares não decorre de conduta ilícita específica e comprovada do ente público. A ausência de equipe médica no transporte não configura omissão culposa frente à realidade administrativa do município de pequeno porte, tampouco justifica a indenização moral arbitrada. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso provido. Tese de julgamento: “A responsabilização civil do Município por falha em atendimento emergencial pressupõe prova de conduta culposa e de nexo causal entre a omissão e o dano, não sendo cabível a indenização moral quando ausentes tais elementos, ainda que a atuação pública não tenha sido ideal.”. ________________ Dispositivos relevantes citados: CF, art. 37, § 6º; CPC. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1773523/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 15.5.2019; STJ, REsp 1228224/RS, relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 3.5.2011. R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): Egrégia Câmara, Trata-se de Recurso de Apelação interposto pelo Município de Querência contra a sentença que, em ação de indenização proposta por Beatriz Oliveira da Silva e J. C. O. D. F., julgou os pedidos parcialmente procedentes para condenar o requerido ao pagamento de indenização no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de danos morais, acrescida da devida atualização monetária e, “em razão da sucumbência mínima dos requerentes, condenou-os ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, observando-se o disposto no artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil, por se tratarem de beneficiários da justiça gratuita”. Aduz que não há nexo causal entre as supostas falhas na prestação de socorro e o óbito de José Carlos Alberto de Freitas, marido e pai dos apelados, vítima de acidente automobilístico, inexistindo fundamento jurídico que ampare a responsabilização do Município pelo sinistro, uma vez que este não contribuiu para sua ocorrência. Assevera que o atendimento prestado foi adequado, tendo a vítima sido assistida com os recursos disponíveis à época, sendo o óbito decorrente exclusivamente da gravidade das lesões apresentadas, e não de eventual falha na assistência médica. Afirma que todos os serviços de urgência e emergência foram devidamente prestados, com a medicação do paciente e seu encaminhamento imediato ao Hospital Municipal, e que a alegação de que não houve imobilização correta na maca não encontra respaldo nos autos, uma vez que testemunha confirmou que o próprio José Carlos Alberto de Freitas se recusou a permanecer deitado e imobilizado. Argumenta que não há qualquer evidência nos autos a indicar precariedade dos equipamentos utilizados, tampouco deficiência técnica por parte dos profissionais responsáveis pelo atendimento, o qual foi realizado da forma mais adequada possível, considerando-se as condições da estrada de terra e a distância de aproximadamente 100 (cem) quilômetros entre o Distrito de Coutinho União e a sede do Município de Querência. Ao fim, requer o provimento do recurso para que os pedidos sejam julgados improcedentes. Subsidiariamente, caso mantida a condenação, pugna pela redução do valor da indenização para R$ 10.000,00 (dez mil reais). Contrarrazões de Beatriz Oliveira da Silva e J. C. O. D. F. (Id. 279622450), com pedido de condenação ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios. A Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer da doutora Eliana Cícero de Sá Maranhão Ayres Campos (Id. 284169365), manifestou pelo não provimento do recurso. É o relatório. SUSTENTAÇÃO ORAL USOU DA PALAVRA A ADVOGADA LUDMILLA APARECIDA VILELA DA LUZ, OAB/MT 22758-A. PARECER (ORAL) EXMO. SR. DR. THEODÓSIO FERREIRA DE FREITAS (PROCURADOR DE JUSTIÇA): Ratifico o parecer escrito. V O T O EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): Egrégia Câmara, Beatriz Oliveira da Silva e J. C. O. D. F. propuseram ação indenizatória contra o Município de Querência, em razão do falecimento de José Carlos Alberto de Freitas, marido e pai, respectivamente, dos autores, ora apelados, ocorrido em 5 de maio de 2018, durante o translado da vítima até a unidade hospitalar, após ter sofrido acidente automobilístico. Alegam que, na ocasião, houve suposta falha no atendimento emergencial prestado pelo serviço público de saúde, caracterizada pela ausência de imobilização adequada, inexistência de equipe técnica e demora na remoção do paciente da Unidade de Saúde localizada no Distrito de Coutinho União para o Hospital Municipal situado na sede do Município de Querência, deficiências essas que configurariam omissão do ente municipal, ensejando sua responsabilidade civil e, por conseguinte, o dever de indenizar no valor de R$ 584.380,80 (quinhentos e oitenta e quatro mil, trezentos e oitenta reais e oitenta centavos) a título de danos materiais, bem como R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de danos morais. A sentença proferida em 17 de janeiro de 2025 reconheceu a falha parcial na prestação do serviço público de saúde. Todavia, afastou o nexo causal direto entre a conduta omissiva e o óbito, julgando, ainda assim, parcialmente procedente o pedido e condenando o ente público ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 (Id. 279622445). A controvérsia consiste em verificar a responsabilidade civil do Município de Querência por suposta falha no atendimento emergencial prestado ao falecido após acidente automobilístico, a ponto de configurar o dever de indenizar a família por danos morais. O acidente automobilístico ocorreu em zona rural, na comunidade denominada Distrito de Coutinho União, situada a aproximadamente 100 km da sede do Município de Querência. José Carlos Alberto de Freitas foi socorrido por populares e levado à unidade de saúde local, onde recebeu atendimento de um técnico de enfermagem. Como não havia ambulância em prontidão, foi necessário acionar veículo de emergência do Distrito de Brasil Novo, localidade vizinha, para a remoção do paciente até o hospital na sede municipal, onde foi constatado o óbito. Consta dos autos que o atendimento inicial foi realizado por técnico de enfermagem, o qual, diante da ausência de médico, seguiu os protocolos de orientação e estabilização preliminar. Não há, no processo, qualquer prova de negativa de atendimento, demora injustificada ou omissão dolosa, uma vez que os procedimentos foram realizados dentro das possibilidades locais. Aliás, segundo o técnico de enfermagem Luiz Gonzaga, profissional presente na Unidade de Saúde do Distrito de Coutinho União no momento do acidente, este orientou que a vítima não fosse removida até a chegada da ambulância com motorista treinado. Contudo, a recomendação foi ignorada, e a vítima foi levada por terceiros. Ressalte-se que o referido profissional prestou os primeiros atendimentos, seguindo os protocolos possíveis, e permaneceu no local aguardando a ambulância, que, segundo seu relato, demorou aproximadamente 40 minutos: [...] Alguém me procurou e disse: “Seu Luiz, alguém capotou o carro ali, aconteceu um acidente e o pessoal está lá no local.” [...] Orientei a pessoa que me avisou a não mexer no paciente, pois estávamos sem ambulância na unidade. [...]. Então, solicitei a ambulância da Vila do Brasil Novo. [...] Prestei o primeiro atendimento e tentei colocá-lo na cama, mas ele recusou, dizendo que não conseguia ficar deitado, pois estava se sentindo mal. [...]. Pedi que aguardasse com calma a chegada da ambulância do Brasil Novo, que ainda não havia chegado. [...] Acredito que [a ambulância] demorou entre 30 a 40 minutos, mas não posso precisar exatamente. Foi aproximadamente esse tempo [...]. (Relatório de Mídias – Depoimento de Luiz Gonzaga, técnico de enfermagem da Unidade de Saúde do Distrito de Coutinho União, Id. 279622422). O técnico relatou ainda que a vítima exalava forte odor etílico e se recusava a permanecer deitada, o que, inicialmente, foi atribuído à embriaguez. Ao ser questionado sobre a resistência à imobilização, afirmou: “Ele nem na cama se deitou”: [...] Quando o paciente chegou até mim, ele estava com forte cheiro de bebida alcoólica. Pensei até que ele estivesse embriagado, mas não posso afirmar, pois não tenho como fazer essa avaliação. [...] Prestei o primeiro atendimento e tentei colocá-lo na cama, mas ele recusou, dizendo que não conseguia ficar deitado, pois estava se sentindo mal. Achei que ele estivesse embriagado, por isso tão agitado e recusando deitar-se. [...]. Relatório de Mídias – Depoimento de Luiz Gonzaga, técnico de enfermagem da Unidade de Saúde do Distrito de Coutinho União, Id. 279622422). Esse relato é corroborado pela própria apelada, Beatriz Oliveira da Silva, que confirmou a ingestão de bebida alcoólica pelo falecido antes do acidente e descreveu seu comportamento agitado durante o transporte, circunstância que dificultou a adequada imobilização: [...] Ele gostava de beber e tomou uma dose em casa. [...] Ele não ficou deitado. Sentava, levantava, ajoelhava, porque sentia muita dor. Não conseguia permanecer em uma posição só. [...] Ele sentia muita dor e não conseguia manter-se deitado ou em pé. Estava com o braço deslocado e não encontrava posição que não causasse dor. [...]. (Relatório de Mídias – Depoimento de Beatriz Oliveira da Silva, esposa do de cujus, Id. 279622422). Considerando-se a distância de aproximadamente 100 km entre o Distrito de Coutinho União e a sede do Município, percorrida por estrada de terra em más condições, é plausível concluir que, mesmo diante de atendimento ideal, com ambulância e equipe médica, não haveria garantia de desfecho diverso, dada a gravidade das lesões. Ressalte-se que, embora o transporte tenha ocorrido sem profissional de saúde acompanhante, tal circunstância, ainda que lamentável, não caracteriza omissão ilícita, à luz da realidade administrativa local e do modelo federativo do Sistema Único de Saúde (SUS). Com efeito, as Portarias nº 2.048, de 5 de novembro de 2002 e nº 1.010, de 21 de maio de 2012, ambas do Ministério da Saúde, estabelecem a regionalização do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), mediante consórcios ou pactuações intermunicipais: Portaria nº 2.048, de 5 de novembro de 2002 [...] O Sistema Estadual de Urgência e Emergência deve se estruturar a partir da leitura ordenada das necessidades sociais em saúde e sob o imperativo das necessidades humanas nas urgências. O diagnóstico destas necessidades deve ser feito a partir da observação e da avaliação dos territórios sociais com seus diferentes grupos humanos, da utilização de dados de morbidade e mortalidade disponíveis e da observação das doenças emergentes. Deve-se também compor um quadro detalhado dos recursos existentes, levando-se em consideração sua quantidade, localização, acesso, complexidade, capacidade operacional e técnica. [...] 1 – Municípios que realizam apenas a atenção básica (PAB): devem se responsabilizar pelo acolhimento dos pacientes com quadros agudos de menor complexidade, principalmente aqueles já vinculados ao serviço. Suas atribuições e estruturação estão especificadas no Capítulo III – item 1 do presente Regulamento. [...] Portaria nº 1.010, de 21 de maio de 2012 Art. 7º O componente SAMU 192 será regionalizado, a fim de ampliar o acesso às populações dos Municípios em todo o território nacional, por meio de diretrizes e parâmetros técnicos definidos pela presente Portaria. [...] Art. 8º A regionalização é pré-requisito para análise do componente SAMU 192 do Plano de Ação Regional [...]. Essas diretrizes visam garantir eficiência e viabilidade financeira, sobretudo em municípios de pequeno porte, com baixa densidade populacional. Assim, não se exige que tais municípios mantenham, isoladamente, equipe completa de atendimento pré-hospitalar de suporte avançado, sendo suficiente a integração à rede regionalizada, com acionamento dos recursos disponíveis. No caso, o Município cumpriu essa exigência legal, não podendo ser responsabilizado por ausência de estrutura própria, o que afasta a configuração de omissão ilícita. Ademais, a Certidão de Óbito aponta como causa da morte: “choque hipovolêmico, hemotórax traumático, fraturas múltiplas de costelas” (Id. 279622353), indicando a gravidade das lesões. Não há prova concreta de que o óbito teria sido evitado com atendimento diverso. A própria sentença reconheceu a inexistência de nexo causal entre eventual falha no transporte e o falecimento. É certo que a responsabilidade civil da Administração, conforme previsto no ordenamento jurídico, requer a comprovação de conduta culposa ou dolosa, quando se trata de omissão, bem como a existência de nexo de causalidade, quando se trata de ação. O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal não consagra uma forma de responsabilização automática e irrestrita, sob pena de atribuir ao Estado o papel de “segurador universal”. [...] A responsabilidade civil da Administração Pública por omissão pressupõe a comprovação, além do dano, da falta do serviço público ao menos por culpa (negligência, imprudência ou imperícia) atribuível ao Estado, bem como do nexo de causalidade entre o dever de agir e o dano. Trata-se de hipótese de responsabilidade subjetiva, e não objetiva (art. 37, § 3º, da CF/1988), dependendo da comprovação do elemento subjetivo, o que não ocorreu no caso concreto, em que a parte recorrida instaurou processos administrativos para investigar a conduta dos gestores da empresa OGX. Nesse sentido: (RE 369.820. Rel. min. Carlos Velloso. j. 4-11-2003. 2ª T. DJ de 27-2-2004; RE 602.223. AgR/RN. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento: 9/2/2010. Órgão Julgador: Segunda Turma). [...]. (STJ, AgInt no REsp 1773523/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 15.5.2019). [grifo nosso] [...] A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, caracterizada a responsabilidade subjetiva do Estado, mediante a conjugação concomitante de três elementos - dano, negligência administrativa e nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público -, é inafastável o direito do autor à indenização ou reparação civil dos prejuízos suportados. [...]. (STJ, REsp 1228224/RS, relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 3.5.2011). [grifo nosso] Embora se reconheça o sofrimento dos familiares, tal dor não decorre de conduta ilícita, específica e comprovadamente determinante para o resultado danoso. A atuação do Município, ainda que aquém do ideal, não se revelou ilegal ou culposa, sendo compatível com suas limitações operacionais. Dessa forma, não se pode imputar ao ente público o dever de reparar danos com fundamento na teoria do risco administrativo, quando o evento trágico resulta exclusivamente de acidente automobilístico agravado por circunstâncias alheias à atuação da Administração. Ausente o nexo de causalidade juridicamente relevante entre a conduta atribuída ao ente público e o resultado danoso, inexiste obrigação de indenizar, seja por danos materiais, seja por danos morais, impondo-se, portanto, a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos indenizatórios. Aliás, nesse sentido é o entendimento das Câmaras de Direito Público e Coletivo deste Tribunal: [...] 3. A responsabilidade civil do Estado, nos termos do art. 37, §6º, da CF/1988, é objetiva, mas não se confunde com a teoria do risco integral, exigindo-se a comprovação do dano, do nexo causal e da conduta ilícita. [...] 6. Inexiste prova de que a omissão estatal tenha sido determinante para o desfecho fatal, tampouco de negligência dos profissionais de saúde na condução do caso. [...] Tese de julgamento: ‘A responsabilidade civil do Estado no âmbito da saúde exige a comprovação de falha no atendimento e nexo causal direto entre a omissão estatal e o dano alegado, não sendo suficiente a mera indisponibilidade de leitos para imputar responsabilidade exclusiva ao ente público.’ (TJ/MT, AC 0001610-37.2017.8.11.0030, relatora Desembargadora Maria Aparecida Ribeiro, 3ª Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 13.3.2025). [grifo nosso] [...] 1. A responsabilidade objetiva do Estado está prevista no art. 37, § 6.º, da Constituição Federal, sendo que o Supremo Tribunal Federal estabelece 04 (quatro) requisitos essenciais para sua caracterização, quais sejam: a) a existência de um dano; b) a ação ou omissão administrativa; c) o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão; e d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RE n.º 136.861/SP). 2. Afastado o liame causal entre o evento danoso e a suposta conduta omissiva da administração, não há que se falar em responsabilização dos entes públicos. 3. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ/MT, AC 0008826-16.2017.8.11.0041, relatora Desembargadora Maria Aparecida Ferreira Fago, 2ª Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 13.8.2024). [grifo nosso] [...] Os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são a ocorrência do dano, o nexo causal entre o eventus damni e a ação, ou omissão, do agente público, ou prestador de serviço público, e a inexistência de causa excludente da responsabilidade. Não há como impor a obrigação reparatória ao ente público, quando a parte Autora não se desincumbiu de comprovar o nexo de causalidade entre a omissão estatal e o dano experimentado. (TJ/MT, AC 1001722-26.2021.8.11.0037, relator Desembargador Márcio Vidal, 1ª Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 30.10.2023). [grifo nosso] Em razão do provimento do recurso interposto pelo Município de Querência, as despesas processuais e os honorários advocatícios devem ser suportados pelos autores, ora apelados, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para julgar improcedentes os pedidos, com a condenação dos autores, ora apelados, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, observando-se o disposto no artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal, por se tratar de beneficiários da justiça gratuita. É como voto. USOU DA PALAVRA A ADVOGADA LUDMILLA APARECIDA VILELA DA LUZ, OAB/MT 22758-A: Excelência, gostaria de explicar os fatos. No momento do acidente, não havia ninguém no local. Eles ligaram e solicitaram uma ambulância, mas esta não chegou. A vítima precisou sair andando do local do acidente até o posto de saúde ali perto. Tanto é que os depoimentos e todas as provas que juntamos nos autos comprovam que ele entrou no posto andando e falando, consciente e visivelmente bem. No entanto, houve negligência; o problema ocorreu durante o transporte. Ele não apresentava ferimentos aparentes, os ferimentos eram internos, o que demandava uma cautela maior. O pior foi que, durante o transporte, ficaram soltos na ambulância. A esposa teve de segurar o marido, que balançava de um lado para o outro enquanto a ambulância seguia em alta velocidade, pulando nos buracos do trajeto. O filho, menor de idade, uma criança pequena, presenciou o pai falecer à sua frente, naquela situação. EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): Doutora Ludmila, não questiono os fatos. Somente não consigo ver como o município contribuiu para o falecimento do familiar de sua cliente, pois ele já estava extremamente machucado internamente. É certo que o atendimento demorou, mas veja bem, o senhor José Carlos Alberto de Freitas estava em um distrito a cem quilômetros de Querência, em um local que não possuía ambulância. A ambulância foi chamada para atendê-lo. Aparentemente, o senhor José Carlos Alberto de Freitas não demonstrava estar mal fisicamente; ou seja, não apresentava ferimentos externos, mas internamente estava muito ferido. Tanto que, provavelmente, faleceu de hemorragia. Dito isso, não consigo enxergar como o município pode ser penalizado por essa situação. V O T O EXMO. SR. DES. JONES GATTAS DIAS (1º VOGAL): Desembargadora Vandymara Galvão Ramos Paiva Zanolo, Este processo me chamou muito a atenção quando esteve em sessão virtual. Dediquei-lhe especial atenção porque estou com outro caso, que julgaremos em breve, e que também se trata de uma possível omissão do ente público. Assim, recordo-me muito bem de ter examinado este processo com profundidade e cheguei à mesma conclusão de Vossa Excelência. Digo isso porque Vossa Excelência preocupou-se e recomendou que pedíssemos vista, mas minha análise converge totalmente com a vossa: aquilo que estava ao alcance do ente público e que foi possível se fazer numa situação dessas, em um município pequeno e precário, foi realmente feito. Estamos muito mais diante de uma fatalidade do que de uma omissão por parte do município. Não tenho dúvida em acompanhá-la. É como voto. EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (2º VOGAL): Essa é uma questão que toca qualquer ser humano e, talvez, eu mesmo já tenha vivenciado algo semelhante. A questão da responsabilidade reside no nexo causal. Será que o município contribuiu de alguma forma para o óbito do paciente? Ou, em outras palavras, o paciente não recebeu a assistência necessária do município? EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): Ele foi atendido por um enfermeiro no distrito próximo ao acidente, e foi esse profissional quem chamou a ambulância. No entanto, a ambulância demorou uma hora para chegar ao local. EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (2º VOGAL): O posto de saúde deve ter médicos para prestar os primeiros socorros. EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): Pode-se imaginar como é um posto de saúde em uma área rural de uma cidade pequena. EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (2º VOGAL): O posto ficava a quantos quilômetros da sede? Qual é o objetivo dele? Que serviço presta à comunidade? EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): O posto estava localizado a 100 km de distância, sem ambulância e sem médico, apenas com um enfermeiro. É o que o município oferece para quem vive na zona rural. Posso imaginar que a finalidade desse posto seja tratar a febre de uma criança ou, em momentos dramáticos como o acidente, chamar a ambulância. EXMO. SR. DES. JONES GATTASS DIAS (1º VOGAL): Desembargador Márcio Vidal, Seria o melhor dos mundos se houvesse, em uma situação como essa, um posto de saúde com médico naquela área. Contudo, a questão central aqui é o nexo causal: que contribuição o município deu para que a fatalidade acontecesse? Onde, de fato, o ente público foi omisso, considerando a infraestrutura e as carências próprias de uma comunidade pequena? EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (2º VOGAL): É porque, se o ente público não negou o atendimento, o desencadeamento do óbito é um processo, de certa forma, natural, conforme as lesões que o organismo sofreu. É difícil entender que uma pessoa, após um acidente tão grave como a relatora colocou, tivesse uma possibilidade real de sobrevivência. O ponto mais importante é saber: o município deixou de atender dentro das suas possibilidades? EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): Excelências, O município não deixou de atender, pois ofereceu o que tinha disponível no local. As pessoas que estavam próximas ao acidente levaram-no ao posto de saúde. O acidente não ocorreu longe do posto e, ao chegarem, encontraram o enfermeiro. EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (2º VOGAL): No caso, com qual fundamento o juiz condenou o município? EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): O juiz fundamentou que a vítima não teve o atendimento necessário. Essa é uma sentença proferida mais com o coração do que com a razão. Se eu julgasse com o coração, arbitraria R$ 100.000,00 (cem mil reais) para os pleiteantes, pois realmente foi um drama terrível que viveram. Mas não podemos abrir esse precedente. EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (2º VOGAL): Desembargadora Vandymara Galvão Ramos Paiva Zanolo, Peço vista para analisar a questão do fato, a fim de entender e compreender o fundamento utilizado pelo juízo de primeiro grau. Avaliarei se a interpretação feita é razoável ou não, e se há, de alguma forma, alguma variável em todo esse triste episódio. EXMA. SRA. DESA. VANDYMARA GALVÃO RAMOS PAIVA ZANOLO (RELATORA): A própria sentença afastou o nexo causal entre a conduta homicida e o óbito, mas reconheceu a falha parcial na prestação dos serviços. EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (2º VOGAL): A questão, independentemente da gravidade e do estado do paciente, é saber o que cabe ao município. Ele cumpriu sua parte? Pois, com todo respeito, não há como fazer milagres; às vezes, leva-se um paciente para São Paulo, no melhor centro médico, e a pessoa falece. Contudo, o importante, e que seja um consolo para a família, é que todos os meios foram empregados para que ele sobrevivesse. Isso é o relevante; é esse o olhar, por isso peço vista dos autos. SESSÃO DE 1ª DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (2º VOGAL): Egrégia Câmara, Conforme relatado, trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto pelo Município de Querência, contra a sentença proferida pelo Juízo da Segunda Vara Cível da Comarca de Água Boa, que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais, julgou os pedidos procedentes, em parte, para condenar o Recorrente ao pagamento de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos morais. Em suas razões recursais, o Apelante sustenta, em síntese, que não houve omissão qualificada nem falha grave no serviço de atendimento, argumentando que o óbito da vítima decorreu exclusivamente do acidente de trânsito, e que não há nexo causal direto entre a atuação do ente público e o resultado morte. Alega, ainda, que as condições estruturais do município não permitem a prestação de serviço especializado como o do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), e que prestou atendimento conforme os meios disponíveis. Subsidiariamente, pugna pela redução do valor da indenização arbitrada. Por sua vez, em sede de contrarrazões recursais, os Apelados argumentam que houve grave deficiência no atendimento prestado pelo Município, notadamente no transporte da vítima, sem acompanhamento técnico e sem equipamentos mínimos, o que violou protocolos oficiais de atendimento pré-hospitalar e normas do Ministério da Saúde, sendo legítima a indenização arbitrada pelo Juízo singular. Defendem a aplicação da teoria da perda de uma chance e pugnam pela manutenção da sentença em todos os seus termos. Distribuído o Apelo à E. Relatora, Desa. Vandymara G.R. Paiva Zanolo, foi proferido voto no sentido de reconhecer a inexistência do nexo de causalidade, porquanto a atuação do Município, ainda que aquém do ideal, não se revelou ilegal ou culposa, sendo compatível com suas limitações operacionais, de modo que deu provimento ao recurso do ente municipal, para reformar a sentença e julgar os pedidos improcedentes. Em seus fundamentos, destacou que o atendimento foi prestado dentro das possibilidades da estrutura local, com o acionamento da ambulância do distrito vizinho e a atuação de técnico de enfermagem, bem como que a ausência de profissional de saúde no transporte não constitui conduta culposa, ante a realidade dos pequenos municípios e o modelo federativo do SUS (Sistema Único de Saúde). Consignou, também, que a causa da morte (choque hipovolêmico por hemotórax traumático e múltiplas fraturas) decorreu do acidente e não há provas de que o desfecho teria sido diferente com outro atendimento, aliado, ainda, ao comportamento da vítima (embriaguez e recusa em se deitar) fatos que contribuíram para a complexidade do transporte. Destacou, por fim, que não se pode responsabilizar o Município por evento trágico, sem prova de conduta omissiva, ilícita ou determinante. Diante desse cenário, pedi vista dos autos para melhor compreensão da controvérsia. Esse é o contexto processual. Eminentes Pares, como já destacado, verifica-se dos autos que, em 05 de maio de 2018, José Carlos Alberto de Freitas, acompanhado de sua família, retornava do Distrito Coutinho União em direção à cidade de Querência/MT quando, ao tentar desviar de um buraco na estrada, perdeu o controle do veículo, que capotou, deixando-o em estado grave e preso nas ferragens. Segundo consta da inicial, populares que passavam pelo local prestaram auxílio imediato e comunicaram o acidente ao posto de saúde da região, que, por sua vez solicitou ambulância ao Distrito de Brasil Novo, ante a ausência de veículo próprio no local. Diante da demora do socorro, familiares aceitaram ajuda de terceiros para retirar a vítima das ferragens e transportá-la até o posto de saúde local, onde foi atendida por enfermeiro, que lhe administrou medicação para alívio da dor. Posteriormente, chegou a ambulância municipal, conduzida pelo motorista, procedendo-se ao transporte da vítima rumo ao hospital da sede do município, eis que se tratava de uma zona rural. Durante o percurso, que transcorreu por estrada de terra em condições precárias, José Carlos veio a óbito antes de chegar ao destino. Os autores alegam que houve demora excessiva no atendimento, ausência de profissional de saúde acompanhando o transporte, falta de equipamentos adequados na ambulância e transporte inadequado que teria agravado o quadro clínico da vítima. Postulam, portanto, a indenização por danos materiais no valor de R$ 584.380,80 (quinhentos e oitenta e quatro mil, trezentos e oitenta reais e oitenta centavos) e danos morais de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão da responsabilidade objetiva do ente público, com base no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Pois bem. A controvérsia recursal gira em torno da caracterização, ou não, da responsabilidade civil do Município de Querência por suposta omissão no atendimento pré-hospitalar, à luz do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, especialmente no tocante à alegada negligência no transporte e atendimento emergencial prestados à vítima após o acidente. Como se sabe, a responsabilidade civil do Estado, conquanto objetiva nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, não dispensa a demonstração de seus elementos configuradores. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 136.861/SP, estabeleceu quatro requisitos essenciais para sua caracterização: a existência de um dano; a ação ou omissão administrativa; o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão; e a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. No caso vertente, nada obstante seja inconteste a ocorrência do dano – o óbito de José Carlos –, revela-se ausente o nexo de causalidade entre eventual omissão administrativa e o resultado lesivo. A prova dos autos, notadamente os depoimentos colhidos em audiência, demonstra que não houve negligência por parte da Administração Pública, ainda que o atendimento prestado possa ter ficado aquém do ideal desejável. O depoimento do atendente do posto de saúde, corroborado por outras testemunhas, evidenciou que a ambulância utilizada no transporte era nova e devidamente equipada com todos os itens de segurança necessários. Mais relevante ainda, restou comprovado que a própria vítima se recusou a permanecer deitada durante o transporte, fato confirmado pela autora em seu depoimento pessoal, circunstância que afasta qualquer alegação de inadequação do procedimento adotado. A prestação do socorro, embora possa ter sido longe do idealmente desejável, revelou-se compatível com as possibilidades e limitações próprias daquela localidade. O Município de Querência, conforme restou incontroverso, não possui população suficiente para implantação do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), nem recursos financeiros para tanto, utilizando-se dos meios disponíveis para o atendimento emergencial. Nesse sentido, é cediço que a teoria da responsabilidade objetiva não pode ser invocada de forma absoluta, prescindindo-se da análise do nexo causal. Veja-se, que o nexo de causalidade é fato de fundamental importância para a atribuição da responsabilidade civil do Estado (lato sensu). É necessário verificar se realmente houve um fato administrativo, o dano à vítima e a certeza de que o dano proveio efetivamente daquele fato. Nesse norte, destaca-se a doutrina de Sérgio Cavalieri Filho: Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite ao Estado afastar sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal – fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo, repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade administrativa, e não pela atividade de terceiros ou da própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da Natureza, estranhos à sua atividade. Não significa, portanto, que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá lugar a aplicação da teria do risco administrativo e, por via de consequência, o Poder Público não poderá ser responsabilizado. [...]. (Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2012, p.93). (Destaquei). Essa concepção teórica – que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, tanto no que se refere à ação quanto no que concerne à omissão do agente público – faz emergir, da mera ocorrência da lesão causada à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano moral e/ou patrimonial sofrido, independentemente da caracterização de culpa dos agentes estatais, não importando que se trate de comportamento positivo (ação) ou de conduta negativa (omissão) daqueles investidos da representação do Estado, consoante enfatiza o magistério da doutrina (HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 650, 31ª ed., 2005, Malheiros; SÉRGIO CAVALIERI FILHO, “Programa de Responsabilidade Civil”, p. 248, 5ª ed., 2003, Malheiros; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Curso de Direito Administrativo”, p. 90, 17ª ed., 2000, Forense; YUSSEF SAID CAHALI, “Responsabilidade Civil do Estado”, p. 40, 2ª ed., 1996, Malheiros; TOSHIO MUKAI, “Direito Administrativo Sistematizado”, p. 528, 1999, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Curso de Direito Administrativo”, p. 213, 5ª ed., 2001, Saraiva; GUILHERME COUTO DE CASTRO, “A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro”, p. 61/62, 3ª ed., 2000, Forense; MÔNICA NICIDA GARCIA, “Responsabilidade do Agente Público”, p. 199/200, 2004, Fórum, v.g.). Cabe ressaltar, neste ponto, a lição expendida por Odete Medauar: Informada pela ‘teoria do risco’, a responsabilidade do Estado apresenta-se hoje, na maioria dos ordenamentos, como ‘responsabilidade objetiva’. Nessa linha, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, o mau funcionamento ou falha da Administração. Necessário se torna existir relação de causa e efeito entre ação ou omissão administrativa e dano sofrido pela vítima. É o chamado nexo causal ou nexo de causalidade. Deixa-se de lado, para fins de ressarcimento do dano, o questionamento do dolo ou culpa do agente, o questionamento da licitude ou ilicitude da conduta, o questionamento do bom ou mau funcionamento da Administração. Demonstrado o nexo de causalidade, o Estado deve ressarcir. (grifei) (Direito Administrativo Moderno”, p. 430, item n. 17.3, 9ª ed., 2005, RT) O fato de estar o ente público sujeito à teoria da responsabilidade objetiva não vai ao extremo de lhe ser atribuído o dever de reparação de prejuízos em razão de tudo o que acontece no meio social. No presente caso, a certidão de óbito indica como causa mortis choque hipovolêmico decorrente de hemorragia interna, compatível com os ferimentos causados pelo acidente automobilístico. (id. 279622353). A gravidade das lesões iniciais, decorrentes do próprio sinistro, constitui a causa eficiente do óbito, não se vislumbrando nexo causal entre eventual deficiência no atendimento e o resultado morte. Outrossim, a análise detida da prova testemunhal revela que o primeiro atendimento foi prestado ainda na unidade básica de saúde da Agrovila, por profissional qualificado, que administrou medicação adequada antes do transporte. O encaminhamento ao hospital municipal foi realizado em ambulância própria e adequada, dentro das possibilidades técnicas disponíveis naquela localidade. Dessarte, nada obstante a gravidade do acidente e o inegável sofrimento dos familiares da vítima, certo é que não foram comprovados os fatos alegados na inicial. A instrução processual demonstrou que não houve negligência da Administração Pública, mesmo que a prestação de socorro tenha sido aquém do ideal, revelando-se compatível com as possibilidades e limitações daquela localidade. Como visto, o óbito decorreu da gravidade das lesões causadas pelo próprio acidente automobilístico, não se estabelecendo nexo de causalidade apto a ensejar a responsabilização do ente público, de modo que não há como impor obrigação reparatória ao Município quando a parte autora não se desincumbiu de comprovar o nexo de causalidade entre eventual omissão estatal e o dano experimentado. Dessa feita, acompanho a Eminente Relatora para DAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, reformando a sentença de primeiro grau para julgar totalmente improcedente a ação indenizatória, invertendo-se os ônus sucumbenciais. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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