Marielli Rodrigues Sousa x Banco Bradesco Financiamentos S.A.
ID: 331510143
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA DE PORTO ALEGRE DO NORTE
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1001769-26.2024.8.11.0059
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GIOVANNA VALENTIM COZZA
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE PORTO ALEGRE DO NORTE SENTENÇA Processo: 1001769-26.2024.8.11.0059. POLO ATIVO: MARIELLI RODRIGUES SOUSA POLO PASSIVO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE PORTO ALEGRE DO NORTE SENTENÇA Processo: 1001769-26.2024.8.11.0059. POLO ATIVO: MARIELLI RODRIGUES SOUSA POLO PASSIVO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. 1. RELATÓRIO Trata-se de ação revisional de contrato de financiamento c/c pedido de antecipação de tutela proposta por MARIELLI RODRIGUES SOUSA em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A. Sustentou a parte autora, em síntese, que firmou contrato para aquisição de veículo com a instituição financeira requerida. Disse que buscou auxílio profissional, que apurou abusividades na contratação. Afirmou que os juros remuneratórios devem ser limitados no patamar de 12% ao ano. Disse que foi estipulado no contrato capitalização diária, não sendo identificado o percentual devido, de forma que devem ser aplicados de forma simples. Afiançou que a capitalização de juros também decorreu da equivocada utilização da Tabela Price para realizações dos cálculos das prestações. Relatou que os juros moratórios não podem ser cumulados com a comissão de permanência, bem como que os juros moratórios e a multa moratória devem ser limitados a 1% a.m. e 2%, respectivamente. Ainda, aduziu que a cobrança de tarifa de avaliação de bem, de registro de contrato e de seguro são indevidas. Em razão do exposto, pugnou pela concessão de tutela de urgência para o fim de possibilitar o depósito judicial da quantia incontroversa para adimplemento das parcelas vincendas e, alternativamente, pelo depósito integral das parcelas até a sentença final de mérito. Por fim, requereu a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, bem como a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova (id 155284705). Juntou documentos. Em razão da determinação deste juízo (id 157111165), a parte autora emendou a inicial para comprovar sua situação de hipossuficiência (id’s 159656669 e 163179415). Na sequência, a inicial foi recebida, os benefícios da gratuidade da justiça deferido e o pedido liminar deferido em parte para autorizar o depósito em juízo da quantia referente à contratação do seguro, ilidindo a mora do seguro. O requerido, devidamente citado, deixou de apresentar defesa. Assim, foi decretado os efeitos da revelia e determinado o julgamento antecipado (id 187377491). 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor e inversão do ônus da prova O Código de Defesa do Consumidor é plenamente aplicável aos contratos bancários ou de financiamento, uma vez que as instituições financeiras estão inseridas na definição de prestadoras de serviços, conforme dispõe o art. 3º, §2º, da Lei nº 8.078/90. Este entendimento, inclusive, é consolidado no STJ, que editou a Súmula nº 297, que prevê: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras". Portanto, são aplicáveis as disposições consumeristas ao caso em exame. Entretanto, referida aplicabilidade não implica na inversão do ônus da prova, de forma automática. Consoante entendimento jurisprudencial, a distribuição do ônus da prova, além de constituir regra de julgamento dirigida ao juiz (aspecto objetivo), apresenta-se também como norma de conduta para as partes, pautando, conforme o ônus atribuído a cada uma delas, o seu comportamento processual (aspecto subjetivo). Se o modo como distribuído o ônus da prova influi no comportamento processual das partes (aspecto subjetivo), não pode a inversão 'ope judicis' ocorrer quando do julgamento da causa pelo juiz (sentença) ou pelo tribunal (acórdão). A inversão 'ope judicis' do ônus probatório deve ocorrer preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade para apresentação de provas. (REsp 802.832/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe 21/09/2011). Outrossim, das provas acostadas aos autos, especificamente do contrato celebrado entre as partes, é possível analisar o pedido do requerido. Assim, considerando-se a fase em que o processo se encontra, e o contexto probatório dos autos, tem-se que o pedido de inversão do ônus da prova deve ser afastado. 2.2. Juros remuneratórios O núcleo da questão controvertida reside no exame da abusividade dos juros decorrente do contrato de financiamento de veículos com alienação fiduciária em garantia, sob nº 3623849169, firmado entre as partes em 04 de janeiro de 2022. Os fundamentos fáticos e probatórios da presente demanda demonstram que foram pactuadas as seguintes condições financeiras: taxa de juros mensal de 1,80% e taxa anual de 23,91% (ID 155284718). Por sua vez, em consulta ao Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Bacen, constatou-se que, na época das contratações realizadas pela autora (04 de janeiro de 2022), as taxas médias para o tipo de contrato entabulado (Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos - séries 25471 e 20749), eram de 2,00% a.m. e 26,87% a.a. Quanto aos fundamentos jurídicos, em primeiro lugar, importante destacar a orientação da Súmula nº 382, do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”. Além disso, a Taxa Selic não representa a taxa média praticada pelo mercado, sendo inviável sua utilização como parâmetro para limitação de juros remuneratórios. A Corte Superior também já assentou a inaplicabilidade dos artigos 591 e 406 do Código Civil às instituições financeiras, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.061.530/RS, que se deu sob o regime de recursos repetitivos: “ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.” (REsp 1061530/RS, 2ª Seção, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julg. 22.10.2008) Veja-se que, por força do princípio da especialidade, as instituições que operam o Sistema Financeiro submetem-se às disposições da Lei nº 4.595/64, complementadas por Resoluções do Banco Central. Desse modo, faz-se necessário perquirir, no caso concreto, se os juros remuneratórios contratados são, ou não, abusivos. Importante esclarecer que a taxa de juros remuneratórios é pactuada de acordo com o momento em que vive o mercado. Se o momento é de crédito abundante, sobrando dinheiro para empréstimo, a taxa tende a ser menor, e se o momento é de falta de dinheiro, de pessimismo, a taxa será maior. São diversas as variáveis a serem consideradas pelos bancos no momento de estipular a taxa de juros que será aplicada aos seus clientes, e todas elas envolvem leis de mercado, sendo livre às instituições financeiras a sua fixação. Nesse sentido, oportuno é o excerto do voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi, na supracitada decisão do Superior Tribunal de Justiça: “(...) a análise da abusividade ganhou muito quando o Banco Central do Brasil passou, em outubro de 1999, a divulgar as taxas médias, ponderadas segundo o volume de crédito concedido, para os juros praticados pelas instituições financeiras nas operações de crédito realizadas com recursos livres (conf. Circular nº 2957, de 30.12.1999). As informações divulgadas por aquela autarquia, acessíveis a qualquer pessoa através da rede mundial de computadores (conforme http:⁄⁄www.bcb.gov.br⁄?ecoimpom - no quadro XLVIII da nota anexa; ou http:⁄⁄www.bcb.gov.br⁄?TXCREDMES, acesso em 06.10.2008), são segregadas de acordo com o tipo de encargo (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada ('hot money', desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, 'vendor', cheque especial, crédito pessoal, entre outros). A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade. Como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros.” Veja-se que, para se revelar abusiva, a taxa de juros contratada deve exceder a uma vez e meia, ao dobro ou ao triplo da taxa referencial estimada pelo Banco Central. Vale dizer que é admissível uma faixa de variação sem que isso se configure abusividade. Nesse sentido, o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.061.530-RS: “(...) Logo, diante desse panorama sobre o posicionamento atual da 2ª Seção, conclui-se que é admitida a revisão das taxas de juros em situações excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) esteja cabalmente demonstrada. (...) Como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros. A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média. Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos.” (REsp 1061530/RS, 2ª Seção, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julg.22.10.2008) destaquei Acerca do tema, o Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso assim se manifestou: "RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DO DEVEDOR – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO (CAPITAL DE GIRO) – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO OCORRÊNCIA – JULGAMENTO DA LIDE SEM REALIZAÇÃO DE PERÍCIA CONTÁBIL – DESNECESSIDADE – JUROS REMUNERATÓRIOS – TAXA CONDIZENTE COM A MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN – LEGALIDADE EVIDENCIADA – RESP Nº 1.061.530-RS – PRECEDENTE DO STJ, EM SEDE DE RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Não se configura o cerceamento de defesa quando a produção da prova requerida é desnecessária para o deslinde da causa e há elementos suficientes nos autos para formar o livre convencimento motivado do juiz. Não é considerada abusiva a cobrança da taxa de juros remuneratórios contratada dentro do limite de uma vez e meia àquela praticada no mercado. (N.U 1000397-15.2021.8.11.0102, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 24/04/2024, Publicado no DJE 29/04/2024)" Dessa forma, à luz dos precedentes jurisprudenciais mencionados, constata-se que as taxas de juros aplicadas ao contrato de financiamento de veículos com alienação fiduciária em garantia, registrado sob o nº 3623849169, não configuram abusividade. No caso concreto, observa-se que foi pactuada uma taxa mensal de 1,80% e uma taxa anual de 23,91%, não excedendo os limites estabelecidos pela jurisprudência. As taxas mensal e anual não ultrapassam a taxa média de mercado, critérios adotados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para análise da abusividade de encargos financeiros. 2.3. Capitalização de juros Na Cédula de Crédito Bancário em discussão (ID 155284718) há previsão expressa de capitalização mensal de juros, verificável pela comparação entre a taxa de juros mensal de 1,80% e a taxa de juros anual de 23,91%, diversa do seu duodécuplo (12 * 1,80% = 21,60%). Assim, não há que se falar em ilegalidade da capitalização mensal de juros porque expressamente pactuada no contrato de financiamento. Sobre o tema, houve a edição da Súmula 541 do Superior Tribunal de Justiça: "A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada." Acrescente-se, ademais, que o contrato previu expressamente que os juros seriam capitalizados diariamente (155284718, p.1 - item “Encargos Remuneratórios”). 2.4. Método PRICE Além disso, há que se considerar que a utilização ou não do método PRICE para o cálculo do valor das parcelas capitalizadas não possui o condão de afastar juridicamente a capitalização dos juros, reconhecidamente como legal. Neste sentido: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CÉDULA BANCÁRIA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – CAPITALIZAÇÃO DE JUROS – POSSIBILIDADE – LEGALIDADE – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - AUSÊNCIA DE PROVA - ÔNUS DA PROVA - UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE – LEGALIDADE - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I - A parte apelante não demonstrou a ocorrência de cobrança de juros capitalizados em desconformidade com o previsto no contrato ou média praticada à época pela instituição financeira. II – Na hipótese, não consta no contrato impugnado previsão de cobrança de comissão de permanência e também não foi produzida prova da sua efetiva exigência. III - A utilização da Tabela Price, método científico de amortização de financiamento não constitui prática abusiva, podendo as instituições financeiras aplicá-la, sem que necessariamente configure prática ilícita ou inconstitucional em detrimento do consumidor. (N.U 0006253-82.2018.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/11/2022, Publicado no DJE 22/11/2022) No caso dos autos, houve expressa pactuação de capitalização de juros, cuja cobrança, em tese, já foi reconhecida como legal no tópico anterior. Diante disso, a utilização do método PRICE para cálculo da capitalização também deve ser reconhecida como legal, inexistindo abusividade. 2.5. Cumulação da comissão de permanência com outros encargos moratórios A possibilidade de cobrança de comissão de permanência pelas instituições financeiras após o vencimento da dívida foi reconhecida pelo E. STJ quando do julgamento do Recurso Especial nº 1058114/RS, sob a sistemática dos recursos repetitivos, tendo sido estabelecido que a importância cobrada a este título não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato. No entanto, embora se trate de cobrança que, em si, é lícita, não se admite a sua cumulação com nenhum outro encargo moratório ou remuneratório, consoante reiterado entendimento jurisprudencial. Nesse sentido: É válida a cobrança da comissão de permanência no período de inadimplemento, desde que: prevista em contrato; calculada pela taxa média de mercado; e não seja acumulada com encargos remuneratórios, correção monetária, juros de mora ou multa contratual. Súmula 83/STJ. (STJ, AgInt no AgInt no AREsp 862.036/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 07/03/2017, DJe 15/03/2017). No contrato juntado aos autos, inexiste previsão da comissão de permanência, pelo que é improcedente o pedido quanto a esta. 2.6. Limitação de juros moratórios e multa moratória no percentual de a 1% a.m. e 2% Dispõe o contrato (ID 155284718, p. 1) que se ocorrer atraso no pagamento, “serão devidos juros moratórios de 1% ao mês, ou fração, incidentes sobre o valor principal acrescido dos juros remuneratórios; multa de 2% aplicada sobre o total da dívida [...]”. Nesse contexto, importante diferenciar que as naturezas da multa moratória e dos juros de mora são distintas. A multa moratória objetiva desestimular o descumprimento da obrigação fora do prazo estipulado, enquanto os juros de mora compensam a falta de disponibilidade de recursos pelo credor durante o período de atraso, aumentando o valor devido, assim, proporcionalmente aos dias/meses de atraso. Portanto, inexiste vedação à cumulação da cobrança de multa moratória de juros de mora, posto que tratam de institutos distintos. O Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu acerca da possibilidade de cumulação dos respectivos ajustes, inclusive, com os juros remuneratórios. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO. POSSIBILIDADE. PERÍODO DE INADIMPLÊNCIA. COBRANÇA DE JUROS REMUNERATÓRIOS COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA. POSSIBILIDADE. Havendo previsão no contrato, é possível, no período de inadimplência, a cobrança cumulada de juros remuneratórios (limitados ao percentual contratado para o período da normalidade, desde que não ultrapasse a taxa média de mercado) com multa (limitada a 2% do valor da prestação) e juros moratórios ao percentual de 1% ao mês, pois constituem encargos moratórios de naturezas distintas, inexistindo qualquer ilegalidade na cumulação de tais encargos, que se confundem com o encargo moratório denominado comissão de permanência. V. V. As taxas de juros remuneratórios livremente pactuadas só devem ser alteradas quando forem flagrantemente abusivas ou onerosas. A taxa média de mercado dos juros remuneratórios serve apenas de parâmetro para se aferir a onerosidade abusiva de tais juros e não como limite destes. (TJMG; APCV 5020388-26.2021.8.13.0433; Décima Terceira Câmara Cível; Relª Desª Maria Luiza Santana Assunção; Julg. 13/04/2023; DJEMG 17/04/2023) Portanto, inexiste abusividade na incidência da multa de 2% a juros moratórios de 1%. 2.7. Tarifas de avaliação de bem e de registro de contrato A tarifa de avaliação do bem foi objeto de análise no Recurso Especial Repetitivo nº 1.578.553/SP, o qual fixou as seguintes teses: 2.1. Abusividade da cláusula que prevê a cobrança de ressarcimento de serviços prestados por terceiros, sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado; 2.2. Abusividade da cláusula que prevê o ressarcimento pelo consumidor da comissão do correspondente bancário, em contratos celebrados a partir de 25⁄02⁄2011, data de entrada em vigor da Res.-CMN 3.954⁄2011, sendo válida a cláusula no período anterior a essa resolução, ressalvado o controle da onerosidade excessiva; 2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: 2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto. Consoante Recurso Especial 1.578.553 SP, assentada a validade da cláusula que prevê ressarcimento de despesas com o registro do contrato, ressalvadas a 2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 2.3.2 possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto. Assim, inexistentes elementos que evidenciem abusividade da cobrança ou onerosidade excessiva, já que há notícia de registro efetivo do contrato perante o órgão de trânsito (id 155284719) e a parte não alegou que o serviço de avaliação do bem não foi prestado, forçoso afastar as alegações da parte autora. 2.8. Seguro de proteção financeira A contratação de seguro de proteção financeira em contratos bancários foi tema submetido a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos Recursos Repetitivos (REsp 1.639.320/SP). Vejamos: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TEMA 972/STJ. DIREITO BANCÁRIO. [...]. SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. VENDA CASADA. RESTRIÇÃO À ESCOLHA DA SEGURADORA. ANALOGIA COM O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 473/STJ. [...]. 1. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA: Contratos bancários celebrados a partir de 30/04/2008, com instituições financeiras ou equiparadas, seja diretamente, seja por intermédio de correspondente bancário, no âmbito das relações de consumo. 2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: [...]. . 2.2 - Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.[...]. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1639320/SP, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018). De acordo com o teor da fundamentação do referido Acórdão, extrai-se que a contratação do seguro somente será válida se respeitada a vontade do consumidor, tanto em relação à própria contratação do seguro quanto à escolha da seguradora. Assim, parte-se da premissa de que a liberdade do consumidor estaria inicialmente assegurada, contudo, deixaria de ser livre a vontade quando condicionada à contratação de seguradora integrante do mesmo grupo econômico da instituição financeira, ou por ela indicada, sem qualquer ressalva à possibilidade de escolha, pelo contratante, de outra fornecedora. No presente caso, da análise do contrato firmado entre as partes (id 155284718, p. 8), não é possível inferir que a contratação do seguro foi oferecida à consumidora mediante cláusula optativa, não havendo, assim, a liberdade de escolha da parte no tocante à contratação do seguro. Ante o exposto, reconheço a abusividade da cobrança do seguro. 2.9. Repetição de indébito Quanto à restituição dos valores indevidamente cobrados a título de seguro, a jurisprudência do STJ, também em sede de recurso repetitivo (REsp 1.255.573/RS), firmou orientação no sentido de que: Tratando-se de relação de consumo ou de contrato de adesão, a compensação repetição simples do indébito independe da prova do erro (Enunciado 322 da Súmula do STJ). Assim, reconhecido o pagamento indevido, impõe-se o ressarcimento à parte autora, independentemente da demonstração de erro. No entanto, a devolução deverá ocorrer de forma simples, e não em dobro, por ausência de demonstração de má-fé por parte da instituição ré, em observância à jurisprudência consolidada (REsp 1.534.561/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 22/11/2016) e ao princípio que veda o enriquecimento sem causa. 2.10. Recálculo do contrato Reconhecida a abusividade na cobrança do seguro prestamista, com o consequente afastamento de tal encargo do contrato entabulado entre as partes, impõe-se o recálculo do saldo devedor, pois a exclusão do seguro influencia diretamente na composição do CET — que representa a totalidade dos encargos que incidem sobre a operação, expressa em taxa anual — e, portanto, impacta no valor das parcelas contratadas, ainda que de forma sensível. A jurisprudência dos Tribunais de Justiça tem reconhecido que a supressão de encargos considerados indevidos enseja o recálculo da dívida. Confira-se: REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. Recurso Banco-réu SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. Abusividade. Ocorrência. Contratação de seguro imposta ao consumidor. STJ, recursos repetitivos, REsp 1.639.320/SP. Repetição simples do indébito, após regular compensação. Sentença mantida. Recurso Autor TARIFA DE AVALIAÇÃO DE BEM. Prova da prestação do serviço, conforme laudo de vistoria. Abusividade não configurada. STJ, recursos repetitivos, REsp 1.578.553/SP. Sentença mantida. TARIFA DE REGISTRO DE CONTRATO. Prova documental que demonstra o registro do contrato no órgão de trânsito. Abusividade. Inocorrência. Valor cobrado pelo serviço que não é desproporcional ao valor do bem financiado. STJ, recursos repetitivos, REsp 1.578.553/SP. Sentença mantida. TARIFA DE CADASTRO. Legalidade. Cláusula contratual que prevê a sua cobrança. STJ, REsp nº 1.251.331/RS e Súmula 566. Sentença mantida. RECÁLCULO DA DÍVIDA. Recálculo da dívida, eis que reduzido o CET em razão do afastamento do seguro prestamista. Recurso do Autor provido apenas neste ponto. Recurso do Banco-réu não provido; recurso do Autor parcialmente provido. (TJ-SP - AC: 11065786320208260100 SP 1106578-63.2020.8.26.0100, Relator: Tasso Duarte de Melo, Data de Julgamento: 01/10/2021, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/10/2021) destaquei APELAÇÃO. REVISÃO CONTRATUAL. FINANCIAMENTO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE NÃO VERIFICADA. CUSTO EFETIVO TOTAL DO CONTRATO. TARIFAS DE REGISTRO DE CONTRATO E DE AVALIAÇÃO DO BEM. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DEVOLUÇÃO SIMPLES. Quanto aos juros remuneratórios, os Tribunais Superiores pacificaram o entendimento de que, ainda que aplicável o Código de Defesa do Consumidor, o pacto referente à taxa de juros somente pode ser alterado se reconhecida sua abusividade. A fixação do valor final da prestação devida no contrato de financiamento leva em consideração o Custo Efetivo Total (CET), que é o custo total da operação de crédito, expresso na forma de taxa percentual indicada nas Condições Específicas. O recálculo das prestações com base na exclusão de taxas e/ou tarifas que o contratante considerou abusivas, unilateralmente, antes do pronunciamento judicial, refletiu diretamente no CET, em que o valor financiado foi reduzido. Ausência de prova da cobrança de juros remuneratórios em valor superior ao contratado. A exigência das tarifas de registro de contrato e de avaliação do bem somente é permitida quando demonstrada a efetiva prestação do serviço pela instituição financeira, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso representativo de controvérsia, no julgamento do REsp 1.578.553/SP. Diante da cobrança de tarifas indevidas, mister se faz sua devolução, entretanto, de maneira simples. (TJ-MG - AC: 10000211001466001 MG, Relator: Cláudia Maia, Data de Julgamento: 16/09/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/09/2021) destaquei Cumpre esclarecer, ainda, que o cômputo exato do valor deverá ser apurado em fase própria de liquidação de sentença. 3. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado, extinguindo o feito com resolução de mérito, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para o fim de: a) DECLARAR abusiva a cobrança do seguro; b) CONDENAR a ré à restituição dos valores pagos a maior de maneira simples, com correção monetária pelo INPC a partir do desembolso, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação; c) CONDENAR a ré ao recálculo do contrato, expurgando o seguro. A apuração do valor devido deverá ser realizada em sede de liquidação de sentença. Considerando que ambas as partes foram, em parte, vencedoras e vencidas, impõe-se a distribuição proporcional das despesas processuais, nos termos do art. 86 do Código de Processo Civil. Assim, condeno a parte autora ao pagamento de 80% (oitenta por cento) das custas processuais, cabendo à parte ré a responsabilidade pelo pagamento dos 20% (vinte por cento) restantes. Fixo os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, observando-se os critérios do art. 85, §2º do CPC. Dessa verba honorária, 80% (oitenta por cento) será devida ao patrono da parte ré, e 20% (vinte por cento) ao patrono da parte autora, conforme a proporção da sucumbência verificada nos autos. Atente-se ao teor do art. 98, § 3º do CPC. 4. DISPOSIÇÕES FINAIS Caso requerido, defiro a dispensa do prazo recursal. Protocolado o recurso de apelação, em processo que tramita pelo regime do CPC, abra-se vista ao apelado para responder no prazo legal, sem necessidade de certificar acerca da tempestividade. Juntadas as contrarrazões, se o apelado houver apresentado apelação adesiva, ou questões preliminares nas contrarrazões, dê-se vista ao apelante para se manifestar no prazo legal. Os autos deverão ser encaminhados à conclusão apenas nas hipóteses de apelação prevista no art. 331 (indeferimento da inicial), no art. 332 (improcedência liminar do pedido) e no art. 485, §7º (extinção sem resolução do mérito), todos do CPC, para eventual juízo de retratação, vez que, nas demais hipóteses, não há juízo de admissibilidade, conforme o art. 1.010, § 3º, do CPC. Ultrapassadas as fases acima, encaminhe-se os autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso para julgamento do recurso. Havendo a oposição de embargos de declaração, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões no prazo legal, de acordo com o art. 1.023, §2º, do CPC, abrindo-se, em seguida e, se for o caso de intervenção, vista dos autos ao Ministério Público. Em seguida, os autos deverão ser conclusos. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Oportunamente, arquivem-se. Porto Alegre do Norte/MT, datado e assinado eletronicamente. Natália Paranzini Gorni Janene Juíza Substituta
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