Resultados para "5001582-06.2022.8.13.0433" – Página 93 de 94

Daliana Bronholi Pedrini e outros x Cooperativa De Credito De Livre Admissao De Associados Ouro Verde De Mato Grosso - Sicredi Ouro Verde Mt

ID: 333262275

Tribunal: TJMT Órgão: 1ª VARA CÍVEL DE DIAMANTINO Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1002188-19.2021.8.11.0005

Data de Disponibilização: 24/07/2025

Polo Ativo:

DALIANA BRONHOLI PEDRINI L.D. PEDRINI AGROINDUSTRIAL LTDA. - EPP LIGIA BRONHOLI PEDRINI LIVIO EDSON PEDRINI

Polo Passivo:

COOPERATIVA DE CREDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS OURO VERDE DE MATO GROSSO - SICREDI OURO VERDE MT

Sentença

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ROBERTO BERTTONI CIDADE

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA CÍVEL DE DIAMANTINO SENTENÇA Processo: 1002188-19.2021.8.11.0005. AUTOR: L.D. PEDRINI AGROINDUSTRIAL LTDA. - EPP, LIVIO EDSON PEDRINI AUTOR(A): DALIANA … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA CÍVEL DE DIAMANTINO SENTENÇA Processo: 1002188-19.2021.8.11.0005. AUTOR: L.D. PEDRINI AGROINDUSTRIAL LTDA. - EPP, LIVIO EDSON PEDRINI AUTOR(A): DALIANA BRONHOLI PEDRINI, LIGIA BRONHOLI PEDRINI REU: COOPERATIVA DE CREDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS OURO VERDE DE MATO GROSSO - SICREDI OURO VERDE MT Vistos. Trata-se de Ação Revisional de Cédulas de Crédito Bancário c/c Restituição de Quantias Pagas Indevidamente proposta por LD PEDRINI AGROINDUSTRIAL, LIVIO EDSON PEDRINI, DALIANA BRONHOLI PEDRINI e LÍGIA BRONHOLI PEDRINI em face de COOPERATIVA DE CRÉDITO, POUPANÇA E INVESTIMENTO OURO VERDE MATO GROSSO – SICREDI OURO VERDE/MT, todos devidamente qualificados nos autos. Afirma o requerente que pactuou com a requerida vários contratos de cédulas bancárias, os quais existem cláusulas ilegais. Pugnou pela revisão dos contratos. Devidamente citada, a parte requerida apresentou contestação, no id. 82226762. A parte autora apresentou impugnação a contestação, no id. 84928615. Os autos vieram-me conclusos. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. De início, ressalto que só serão passíveis de revisão os contratos que possuem cópias nos autos e não fichas gráficas, uma vez que estas podem auxiliar na análise dos contratos, mas não tem o poder de modificar suas cláusulas, sendo apenas um resumo informativo, não substituindo o contrato original. Por não vislumbrar a necessidade de dilação probatória, eis que os documentos encartados já são suficientes, nos termos do art. 355, inciso I, do NCPC, passo ao julgamento antecipado da lide. No que concerne o requerimento para revisão das cláusulas de contratos já adimplidos, vejamos o que a jurisprudência dispõe: “APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS.REVISÃODECONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. CARÊNCIA DE AÇÃO. INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO. CLÁUSULA DE VENCIMENTO ANTECIPADO.POSSIBILIDADEDEREVISÃODECONTRATOSQUITADOSOUEXTINTOS.(...);3Revisãodecontratosquitados/extintos: é viável a pretensão de revisarcontratosbancáriosextintospelo pagamento, perante a instituição financeira, (...)”. (TJ-RS - Apelação Cível AC 70049194723 RS (TJ-RS)). Ante o exposto, conforme entendimento jurisprudencial verifica-se a possibilidade de revisão dos contratos que já foram adimplidos. Saliento que a análise dos pedidos será efetuada em tópicos, visando melhor explanação. Passo a análise das cédulas adimplidas e inadimplidas. Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor De início, ressalto meu entendimento de que, em face da regra disposta no art. 3º, do Código de Defesa do Consumidor, em que existam relações entre o fornecedor que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços e o consumidor, previsto no art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se a legislação protetiva consumerista. Inexistem dúvidas de que as partes entabularam relação contratual e a elas ficam vinculadas, bem como de que devem resguardar o princípio da boa-fé objetiva. Observo, ainda, que o princípio contratual da soberania dos pactos (pacta sunt servanda), apesar de mitigado pelo Código de Defesa do Consumidor, não foi de todo derrogado, a contrario sensu, o CDC vem para garantir a aplicação de referido princípio, ou seja, é garantida a obrigatoriedade contratual, salvo se restar comprovado o locupletamento do fornecedor, ante a hipossuficiência do consumidor. De sorte que, nas relações de consumo, o contrato faz lei entre as partes, desde que exista o equilíbrio entre as mesmas. Assim, demonstrada está a possibilidade da declaração de revisão das cláusulas abusivas pactuadas, muito embora vigore o princípio do pacta sunt servanda. Considerando que o artigo 6.º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor permite a revisão e modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais entre as partes, relativiza-se, pois, o princípio da pacta sunt servanda a fim de assegurar a real concretização dos conceitos norteadores do equilíbrio da relação contratual. Deste modo, aplico o Código de Defesa do Consumidor, ante a relação de consumo estabelecida entre as partes, com a consequente inversão do ônus da prova em favor da parte autora. Dos Juros Remuneratórios Alega a parte Requerente que os juros remuneratórios estão impostos de forma ilegal, contrariando dispositivos legais. Destarte, os juros remuneratórios, também chamados compensatórios, têm por fim remunerar o mutuante pelo uso do capital emprestado. Sua natureza é distinta dos juros moratórios, estes devidos em caso de inadimplência, com o objetivo de ressarcir o mutuante pela mora no cumprimento da obrigação. Inúmeras ações judiciais são distribuídas, diariamente, com o objetivo de rever os encargos incidentes sobre débitos contratuais, sob o argumento de que a atual prática dos juros representa uma distorção econômica que merece correção jurídica. No entanto, em relação às Cédulas Rurais, importa salientar que inexiste previsão especifica para aplicação dos juros remuneratórios estipulados pelo Conselho Monetário Nacional. Desta forma, a jurisprudência tem admitido sua fixação ao patamar máximo de 12% ao ano. Vejamos: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - DESNECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA OU DE UTILIZAÇÃO DA VIA ADMINISTRATIVA - DÍVIDA RENEGOCIADA ORIGINADA DE NOTA DE CRÉDITO RURAL - JUROS REMUNERATÓRIOS - LIMITAÇÃO A 12% AO ANO - ENCARGOS DE MORA - LIMITAÇÃO À TAXA DOS JUROS REMUNERATÓRIOS, ELEVADA DE 1% (UM POR CENTO AO ANO. Em se tratando de obrigação líquida e com termo ajustado para cumprimento, o simples vencimento é suficiente para que esteja configurada a mora, nos termos do artigo 397 do Código Civil . O direito de ação da parte autora não depende do esgotamento da esfera administrativa, sendo plenamente possível que pleiteie judicialmente a obtenção da tutela jurisdicional desejada, a teor do disposto no artigo 5º , inciso XXXV, da Constituição da República . Diante da inexistência de regulamentação específica pelo Conselho Monetário Nacional, o entendimento jurisprudencial dominante é no sentido de que, tratando-se de cédula de crédito rural, a taxa de juros remuneratórios deve ser limitada a 12% ao ano (1% ao mês), ou seja, o dobro da taxa de 6% ao ano (0,5% ao mês), conforme previsto no art. 1º, "caput" e § 3º, do Decreto nº 22.626 /33. (...). (TJ-MG - Apelação Cível: 5001582-29.2020.8.13.0351 1.0000.24.145281-2/001 – data da publicação: 24/06/2024). No presente caso, não resta demonstrada abusividade nos contratos de crédito rural de n°. B41630862-5 e B51630444-3, vez que foram contratados com taxas anuais menores que 12%. Em relação aos contratos de crédito bancário, vislumbra-se que as taxas de juros podem ser livremente pactuadas entre as partes, contudo, não devem ultrapassar a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil. Vejamos entendimento jurisprudencial. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS – LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DO MERCADO – DIFERENÇA SIGNIFICATIVA – ABUSIVIDADE VERIFICADA. RECURSO PROVIDO. Embora a taxa de juros remuneratórios não seja limitada a 12% doze por cento ao ano, deve observar a taxa média de mercado, conforme decidido em Incidente de Recurso Repetitivo, instaurado no REsp n. 1.112.880, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi. Entende-se no Superior Tribunal de Justiça que a taxa de juros remuneratórios só deve ser limitada à taxa média de mercado se houver diferença significativa entre a taxa contratada e a divulgada pelo Banco Central, o que está evidenciado na hipótese dos autos. (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS - Apelação Cível: 0800262-39.2023.8.12.0053 – data da publicação: 16/08/2024). No referido caso, os contratos de n°. B41630991-5, B41630226-0, B51630201-7, B416331353-0, B41631211-8, B61630468-2, B51630434-6, B41630666-5, B51630430-3, B41630652-5 e B51630225-4 foram contratados com taxas anuais acima da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central. Portanto, determino a revisão dos contratos de n°. B41630991-5, B41630226-0, B51630201-7, B416331353-0, B41631211-8, B61630468-2, B51630434-6, B41630666-5, B51630430-3, B41630652-5 e B51630225-4 no que concerne aos juros remuneratórios. Da Capitalização dos Juros Capitalização dos juros significa juros compostos, em oposição aos juros simples. Enquanto naqueles os juros se incorporam ao capital ao final de cada período de contagem, nestes tal não ocorre. No caso de se incorporar, a taxa de juro do novo período incidirá sobre o quantum de juros do período anterior, porque incide sobre o capital total (capital inicial mais o juro que a ele se "incorporou"). É chamada "capitalização" de juros porque é a "ação" de tornar os juros em "capital". O eminente Bruno Mattos e Silva explana a questão de modo singelo: “O que são juros simples? Juros simples são aqueles que incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não incidem sobre os juros que se acrescente ao saldo devedor. Vale dizer, assim, que os juros não pagos não constituem a base de cálculo para a incidência posterior de novos juros simples. E o que são juros compostos? Juros compostos são aqueles que incidirão não apenas sobre o principal corrigido, mas também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Como se pode perceber, capitalização dos juros pode, matematicamente, ocorrer mês a mês, semestralmente, ano a ano, etc.”. Nossa jurisprudência já firmou entendimento de que a capitalização dos juros só é possível quando pactuada entre as partes. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - REVISÃO POSSIBILIDADE - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - EXPRESSAMENTE PACTUADA - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA - SÚMULAS 539 E 541 /STJ - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Súmula 539 /STJ: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada” ( REsp 1.112.879 , REsp 1.112.880 e REsp 973.827). Súmula 541 /STJ: “a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”. (Tribunal de Justiça do Mato Grosso TJ-MT: 1004679-66.2021.8.11.0015 MT – data da publicação: 02/02/2023). Em relação as cédulas de crédito rural, a súmula 93 do STJ preceitua: Súmula 93 - A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros. Logo, denota-se que a partir de 1993 o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento da possibilidade na incidência da capitalização nos contratos de crédito rural. Nessa senda: AÇÃO REVISIONAL – CÉDULA DE CRÉDITO RURAL – JUROS REMUNERATÓRIOS – TAXA MÉDIA BACEN – INAPLICABILIDADE – LEI USURA – PATAMAR MÁXIMO 12% AO ANO – ABUSIVIDADE NÃO EVIDENCIADA – CAPITALIZAÇÃO DE JUROS – PREVISÃO EXPRESSA – ADMISSIBILIDADE –– COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO DECRETO LEI Nº 167 /67 – AFASTAMENTO – CUMULAÇÃO JUROS DE MORA E MULTA – POSSIBILIDADE – ENCARGOS DISTINTOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – HONORÁRIOS POR EQUIDADE – DESCABIMENTO – HIPÓTESE DO § 2º, ART. 85 DO CPC - SENTENÇA RETIFICADA – RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO – APELO DO BANCO – DESPROVIDO. A legislação específica das cédulas de crédito rural (Decreto-lei nº 167 /67) prevê como regra a capitalização semestral dos juros. A permissão para que ocorra em períodos menores é exceção, estando condicionada à pactuação entre as partes, nos termos da Súmula nº 93 do STJ. É permitida a capitalização mensal de juros em se tratando de Cédula de Crédito Rural quando expressamente pactuada. (...). (Tribunal de Justiça do Mato Grosso TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: AC 0008914-67.2014.8.11.0006 – data da publicação: 12/10/2023). No presente caso, os contratos B41630991-5, B41630226-0, B51630201--7,B416331353-0, B41631211-8, B61630468-2, B51630434-6, B41630666-5, B51630430-3, B41630862-5, B51630444-3, B41630528-6, B41630652-5 e B51630225-4 possuem previsão de capitalização de juros, motivo em que é plenamente cabível sua cobrança. Contudo, no tocante aos contratos de n°. B51630278-5, B41630742-4 e B20630576-0, inexiste previsão de capitalização de juros. Desta forma, deixo de revisar os contratos neste tocante, vez que devidamente prevista a capitalização de juros nas CPRs de n°. contratos B41630991-5, B41630226-0, B51630201-7, B416331353-0, B41631211-8, B61630468-2, B51630434-6, B41630666-5, B51630430-3, B41630862-5, B51630444-3, B41630528-6, B41630652-5 e B51630225-4, bem como nas CPRs de n°. B51630278-5, B41630742-4 e B20630576-0, sequer foram previstas a cobrança deste encargo. Da Comissão de Permanência e Impossibilidade de Cumulação Ressalta-se que a nossa jurisprudência é pacífica em não admitir a cumulação de comissão de permanência, juros e multa contratual, conforme reiterado entendimento jurisprudencial: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC /73)- AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA FUNDADA EM CONTRATOS BANCÁRIOS - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO APENAS PARA AFASTAR A COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA NA DÍVIDA ORIUNDA DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. 1. De acordo com o firme entendimento desta Corte Superior, não se mostra possível a incidência de comissão de permanência nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial, (...). (Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgInt no AREsp 857008 SE 2016/0033509-5 – data da publicação: 13/12/2017). No presente caso, nenhum dos contratos discutidos nos autos constam quaisquer cláusulas em relação a Comissão de Permanência, impossibilitando suas revisões neste tocante. Dos Juros Moratórios Verifica-se que nos contratos rurais de nº. B41630862-5 e B51630444-3 foram previstos o pagamento de juros de mora, no patamar de 125% ao ano. Todavia, o entendimento jurisprudencial é que os juros devem respeitar o patamar de 1% ao ano. Vejamos: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS A EXECUÇÃO - CÉDULA DE CRÉDITO RURAL PIGNORATÍCIA E HIPOTECÁRIA – EXTRATOS DA CONTA VINCULADA – PRESCINDIBILIDADE – JUROS REMUNERATÓRIOS – LIMITAÇÃO À 12% AO ANO - CAPITALIZAÇÃO MENSAL – POSSIBILIDADE - JUROS MORATÓRIOS 1% AO ANO E MULTA MORATÓRIA 2% - POSSIBILIDADE - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. As cédulas de crédito rural gozam de força executiva própria, dispensando extratos bancários de movimentação da conta vinculada, ou seja, basta cópia reprográfica da cédula acompanhadas por documento hábil a pormenorizar os cálculos do credor e propiciar ampla defesa ao devedor, que se observa no denominado Demonstrativo da Conta Vinculada contendo planilha com a evolução do débito e das amortizações de parcelas efetuadas pelo executado. 2. Com relação aos juros remuneratórios nas cédulas de crédito rural, o Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que, embora os juros bancários não estejam limitados a 12% ao ano, as cédulas de crédito rural, comercial e industrial estão submetidas a regramentos próprios, quais sejam, o da Lei nº 6.840 /80 e o do Decreto-Lei 413 /69, que, conferem ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados. Evidenciada a omissão do referido Conselho, aplica-se a limitação de 12% ao ano, prevista no Decreto n.º 22.626 /33 ( Lei da Usura ). 3. Quanto a aplicação de juros moratórios de 1% ao ano e multa moratória de 2%, resta evidente essa possibilidade em consonância com o disposto no art. 5º, parágrafo único e art. 71 , do Decreto-Lei nº 167 /1967. (TJ-MT: 1001075-35.2018.8.11.0005 MT - 22/01/2021). Todavia, em relação aos juros moratórios nas cédulas de crédito bancário, os juros moratórios devem respeitar o limite de 1% ao mês. Vejamos o que preceitua a Súmula 379 do STJ: Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. Em relação aos demais contratos de n°. B41630991-5, B41630226-0, B51630201-7, B416331353-0, B41631211-8, B51630434-6, B20630576-0, B41630862-5, B41630666-5, B41630742-4, B51630430-3, B51630444-3, B41630528-6, B41630652-5, B51630225-4, B51630278-5 e B61630468-2 foram previstos juros moratórios de 125 % ao ano e 42,57% ao ano, ou seja, muito superior aos limites estabelecidos. Assim, determino a revisão dos contratos de nº. B41630862-5, B51630444-3, B41630991-5, B41630226-0, B51630201-7, B416331353-0, B41631211-8, B51630434-6, B20630576-0, B41630862-5, B41630666-5, B41630742-4, B51630430-3, B51630444-3, B41630528-6, B41630652-5, B51630225-4, B51630278-5 e B61630468-2 para respeitarem o limite de juros moratórios de 1% ao ano em relação as cédulas rurais, e em relação as cédulas de crédito bancário respeitarem o limite de 12% ao ano. Da Multa Moratória No caso em testilha, verifica-se que em todos os contratos a multa moratória foi aplicada no percentual de 2%. Ressalta-se que a Lei nº 9.298/96 estabelece que a multa moratória não poderá ser superior a 2%, vejamos: Art. 1º - O § 1° do art. 52 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: (...) § 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superior a dois por cento do valor da prestação." Logo, depreende-se que nos contratos firmados após a publicação da referida legislação, isto é, a partir de 01/08/1996, a multa moratória não poderá ser superior a 2%. Desta forma, ante a legalidade do percentual pactuado nos referidos contratos, deixo de revisá-la. Da Repetição de Indébito É pacífico o entendimento jurisprudencial de que, uma vez constatada a ilegalidade das cláusulas contratadas, torna-se devida a repetição de indébito, na forma simples, tendo em vista que não existe comprovação da má-fé do requerido, senão vejamos: “Admite-se a repetição do indébito ou a compensação de valores pagos em virtude de cláusulas ilegais nos contratos bancários, independentemente da prova do erro no pagamento, para evitar o enriquecimento injustificado do credor.” (3ª Turma – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº. 1125621/SC – Relator Ministro Sidnei Beneti – Acórdão de 19 de maio de 2009, publicado no DJe de 03 de junho de 2009). “Ocorrendo o pagamento a maior, é devida a repetição de indébito, na forma simples, ante a ausência de emprego de má-fé em sua cobrança, quando apurado após elaboração de novo cálculo.” (1ª Câmara Cível – Apelação nº. 7352/2009 – Relator Desembargador Jurandir Florêncio de Castilho Acórdão de 29 de junho de 2009). A Corte Superior já se posicionou na vertente de ser possível, tanto a compensação de créditos, quanto a devolução da quantia paga indevidamente, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito, de sorte que as mesmas deverão ser operadas de forma simples - e não em dobro -, ante a falta de comprovação da má-fé da instituição financeira. Precedentes (REsp 401.589/RJ, AgRg no Ag 570.214/MG e REsp 505.734/MA). Além do mais, o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, relativo à repetição em dobro, não se aplica quando o objeto da cobrança está sujeito à controvérsia na jurisprudência dos Tribunais. Dessa forma, é devida a restituição do valor pago indevidamente, no que tange as cláusulas revisadas nestes tópicos. Indefiro o pedido para revisão no que concerne as tarifas de obtenção de cópias, uma vez que devidamente possível nas instituições bancárias e cooperativas. Isto posto, com fulcro no art. 487, I do NCPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO dos Requerentes, e, de consequência, determino: a) REVISAR os juros remuneratórios nos contratos de nº. B41630991-5, B41630226-0, B51630201-7, B416331353-0, B41631211-8, B61630468-2, B51630434-6, B41630666-5, B51630430-3, B41630652-5 e B51630225-4, fixando-os no percentual compatível com a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central. b) REVISAR os juros moratórios nos contratos de n°. B41630862-5, B51630444-3, no percentual de 1% ao ano. c) REVISAR os juros moratórios nos contratos de n°. B41630991-5, B41630226-0, B51630201-7, B416331353-0, B41631211-8, B51630434-6, B20630576-0, B41630862-5, B41630666-5, B41630742-4, B51630430-3, B51630444-3, B41630528-6, B41630652-5, B51630225-4, B51630278-5 e B61630468-2, no percentual de 12% ao ano. d) CONDENO a parte requerida a restituir na forma simples o valor pago indevidamente, no que tange as cláusulas revisadas nestes tópicos. Condeno a parte requerida as despesas e honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, a ser devidamente atualizado, na forma do § 2º do art. 85 do NCPC. Desta decisão deverão ser intimadas as partes, via patronos. P.R.I.C. Diamantino/MT, data do ato indicada na assinatura digital. (assinado digitalmente) ANDRÉ LUCIANO COSTA GAHYVA Juiz de Direito

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Otavio Espinosa Ferreira x Eckert Agronegocios Ltda

ID: 324353871

Tribunal: TJRS Órgão: Secretaria da 15ª Câmara Cível Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 5143773-37.2025.8.21.7000

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

OTAVIO ESPINOSA FERREIRA

Polo Passivo:

ECKERT AGRONEGOCIOS LTDA

DECISÃO MONOCRÁTICA

Advogados:

ANELISE CONTER TONIN

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

OTAVIO ESPINOSA FERREIRA

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

Agravo de Instrumento Nº 5143773-37.2025.8.21.7000/RS TIPO DE AÇÃO: Locação de imóvel RELATOR : Desembargador ROBERTO JOSE LUDWIG AGRAVANTE : OTAVIO ESPINOSA FERREIRA ADVOGADO(A) : OTAVIO ESPINOSA F… Agravo de Instrumento Nº 5143773-37.2025.8.21.7000/RS TIPO DE AÇÃO: Locação de imóvel RELATOR : Desembargador ROBERTO JOSE LUDWIG AGRAVANTE : OTAVIO ESPINOSA FERREIRA ADVOGADO(A) : OTAVIO ESPINOSA FERREIRA (OAB RS068536) AGRAVADO : ECKERT AGRONEGOCIOS LTDA ADVOGADO(A) : ANELISE CONTER TONIN (OAB RS074791) EMENTA DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO. LIMINAR DE DESPEJO FUNDADA EM DESCUMPRIMENTO DE MÚTUO ACORDO. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. 1. CASO EM EXAME. 1.1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu pedido de despejo liminar. 1.2. O agravante alega que o contrato de locação está eivado de vícios, tendo sido firmado após transferência forçada do imóvel à agravada, em contexto de coação e simulação. Sustenta ainda que o mútuo acordo para desocupação não atende ao prazo mínimo legal de seis meses exigido para o despejo liminar. 1.3. Requer a concessão de efeito suspensivo para sustar os efeitos da decisão agravada que determinou o despejo liminar. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO. 2.1. Análise dos requisitos para a concessão de tutela de urgência no despejo liminar, com base no art. 59, §1º, inciso I, da Lei 8.245/91 e no art. 300 do CPC. III. RAZÕES DE DECIDIR. 3.1. A concessão de tutela de urgência na modalidade de despejo liminar por descumprimento de mútuo acordo (art. 9º, inciso I, da Lei 8.245/91) exige, conforme o art. 59, §1º, inciso I, da mesma lei, que o acordo tenha ajustado prazo mínimo de seis meses para desocupação, o que não ocorreu no caso concreto. 3.2. No caso, o prazo para desocupação voluntária fixado no acordo (firmado em 17/02/2025 com prazo final em 30/04/2025) é inferior ao legalmente exigido para tal modalidade de despejo liminar, o que afasta a probabilidade do direito. 3.3. Diante das alegações do agravante quanto à existência de vícios na transferência do imóvel e na celebração do contrato de locação, há necessidade de dilação probatória, sendo razoável a suspensão da ordem de despejo até análise mais aprofundada da questão. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de agravo de instrumento interposto por OTAVIO ESPINOSA FERREIRA em face da decisão que deferiu o pedido liminar de despejo nos autos de ação de despejo movida por ECKERT AGRONEGOCIOS LTDA , na qual se decidiu ( processo 5001582-91.2025.8.21.0137/RS, evento 4, DOC1 ): "Vistos. Custas pagas. Recebo a inicial, pois preenchidos os requisitos necessários. Cuida-se de ação de despejo cumulado com cobrança de aluguéis e pedido liminar fundamentado no descumprimento do acordo, ajuizado por Eckert Agronegócios em face de Otávio Espinosa Ferreira. As partes celebraram um contrato de locação residencial do imóvel de matrícula 15.332 (evento 1, MATRIMÓVEL5), sendo o valor mensal ajustado em R$ 2.000,00 a ser pago até o dia 02 de cada mês. A parte demandante notificou o réu extrajudicialmente com a antecedência mínima de 30 dias antes do término do contrato, da inadimplência e da falta de garantias. Posteriormente, o contrato foi extinto por mútuo acordo e o requerido deveria efetuar a desocupação até o dia 30/04/2025. O que, até a presente data, não se efetivou. É o breve relatório. Decido. A locação de imóveis urbanos regula-se pela Lei 8.245/1991. O artigo 9º, inciso III do referido diploma legal dispõe acerca da possibilidade de encerramento do contrato de locação quando configurado o inadimplemento de obrigações contratuais: pagamento de aluguel e demais encargos convencionados. Nesses casos, pretendendo o locador reaver a posse direta do imóvel locado, deverá propor ação de despejo liminar. Vê-se que esse é o contexto da presente ação e, para tanto, será observado o disposto no Capítulo II: Das Ações de Despejo - do referido diploma legal. A liminar para antecipação dos efeitos da tutela nas ações de despejo foi disciplinada pela Lei 12.112/09, que incluiu no artigo 59 da Lei 8.245/91 diversas hipóteses de liminar de despejo, inclusive prevendo a falta de pagamento em contrato de locação desprovido de garantias, in verbis: Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário. § 1º Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: (...) IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009) Nesse sentido também a jurisprudência do TJ/RS: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. PEDIDO LIMINAR Deve ser deferida a medida liminar porquanto se trata de despejo por falta de pagamento e o contrato está desprovido de garantia. Tratando-se de débito superior a três meses, é dispensada a caução. Entendimento unânime desta Câmara. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 51449385620248217000, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandro Silva Sanchotene, Julgado em: 06-06-2024) Entretanto, também imperioso admitir que, para fins de concessão da medida liminar de despejo, não se dispensa a presença dos requisitos autorizadores da concessão da tutela antecipada, ou seja, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, na forma do artigo 300 do Código de Processo Civil. O contrato foi juntado no evento 1, CONTR4 e a locação findou em 28/02/2025, tendo o autor notificado o requerido para desocupar o imóvel em evento 1, NOT6. Assim, considerando a inadimplência dos aluguéis e o fato do contrato estar desprovido de garantias, mostra-se possível a concessão da medida liminar. Diante do exposto, DEFIRO o pedido liminar de despejo e determino a desocupação do imóvel (situado à Rua Cel. Pacheco, 65, - Tapes/RS) pelo réu, no prazo de 15 dias, a fim de garantir à parte autora a efetividade do seu direito à posse do imóvel. Decorrido o prazo sem a desocupação voluntária, expeça-se mandado de despejo com ordem de desocupação compulsória. Deixo de designar audiência de conciliação. No entanto, consigno que a busca pela conciliação deve ser estimulada também pelos advogados das partes, na forma do artigo 3º, § 3º, do CPC, sendo que os termos de eventual acordo podem ser trazidos em petição conjunta para homologação. Cite-se o intime-se o réu da liminar deferida e para contestar o feito, devendo constar do respectivo expediente as advertências legais de praxe, nos termos do artigo 344 do Código de Processo Civil. Na mesma oportunidade deverá a parte ré juntar eventuais documentos que comprovem a negociação realizada, bem como comprovante de entrega do bem a requerente. Cumpra-se." Em suas razões ( processo 5143773-37.2025.8.21.7000/TJRS, evento 1, DOC1 ), o agravante sustenta, em síntese, a nulidade do contrato de locação por vício de consentimento, simulação e nulidade da cláusula de prazo de vigência. No mérito recursal quanto à liminar, alega a ausência de prestação de caução pela parte agravada, requisito do artigo 59, § 1º, da Lei nº 8.245/91. Destaca que a ação de despejo teria sido fundamentada, entre outros, no descumprimento de mútuo acordo para desocupação, e que, nos termos do artigo 59, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.245/91, tal acordo deveria prever um prazo mínimo de seis meses para a desocupação, o que não teria ocorrido no caso concreto, uma vez que o prazo ajustado foi inferior. Aponta também a existência de processo de superendividamento e a violação à função social da moradia e à proteção integral da criança, visto que reside no imóvel com seu filho menor. Afirma o perigo de dano irreparável decorrente da desocupação imediata de sua residência. Pede a concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento do recurso para reformar a decisão agravada, revogando-se a ordem de despejo liminar. O recurso foi recebido com efeito suspensivo ( processo 5143773-37.2025.8.21.7000/TJRS, evento 4, DOC1 ) e foram apresentadas contrarrazões ( processo 5143773-37.2025.8.21.7000/TJRS, evento 12, DOC1 ). É o relatório. Decido. Pendente de análise o pedido de gratuidade de justiça pelo agravante, defiro exclusivamente para processamento do presente recurso, sem prejuízo de intimação para pagamento de custas caso indeferido posteriormente. Passo agora à análise do mérito recursal. O recurso merece provimento. Isso porque, embora a parte agravada descreva, na petição inicial, a relação contratual havida com o agravante, há questões relevantes suscitadas pelo recorrente que exigem dilação probatória e análise mais aprofundada, o que afasta a probabilidade do direito necessária para a concessão da tutela de urgência. Ressalto que o pedido de despejo liminar, no caso concreto, foi fundamentado no descumprimento de mútuo acordo (art. 9º, inciso I, da Lei nº 8.245/91), hipótese prevista no art. 59, §1º, inciso I, da lei de locações. Contudo, este dispositivo estabelece expressamente que, para a concessão da liminar nesta modalidade, é necessário que o acordo tenha ajustado um prazo mínimo de seis meses para a desocupação, contado da assinatura do instrumento. Vejamos o que dispõe o referido artigo: "Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário. § 1º Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: I - o descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, inciso I), celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento;" No caso em análise, conforme documentação juntada aos autos, o acordo para desocupação foi firmado em 17/02/2025, estabelecendo como data limite para a saída voluntária o dia 30/04/2025, prazo inferior ao mínimo legal de seis meses exigido pelo dispositivo acima transcrito. Essa circunstância, por si só, já afasta a possibilidade de concessão da liminar com base no inciso I do §1º do art. 59 da Lei do Inquilinato, uma vez que não preenchido requisito legal específico. Além disso, o agravante traz argumentos relevantes quanto à própria validade do contrato de locação, alegando que este seria fruto de simulação e coação, em contexto de transferência forçada do imóvel à agravada. Sustenta que era o proprietário original do bem e que, em situação de vulnerabilidade econômica, teria sido coagido a transferir a propriedade à empresa agravada, passando a figurar como locatário do imóvel que antes lhe pertencia. Essas alegações, embora dependam de dilação probatória para sua comprovação, apresentam razoabilidade suficiente para, neste momento processual, afastar a probabilidade do direito necessária à concessão da tutela de urgência. Nesse sentido, são os julgados desta Câmara, que indeferem a liminar de despejo quando presente a necessidade de dilação probatória acerca da relação contratual: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. CONTRATO DE LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. DESPEJO LIMINAR DEFERIDO NA ORIGEM. DEBATE ACERCA DA (IN)VALIDADE DO CONTRATO DE RENOVAÇÃO DA LOCAÇÃO. LITÍGIO ENTRE OS SÓCIOS. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DA DECISÃO. NÃO CUMPRIDOS OS REQUISITOS DO ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. LIMINAR REVOGADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 52840045120248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em: 04-12-2024) AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. I. Caso em Exame: Ação de despejo cumulada com rescisão de contrato e cobrança de aluguéis, aonde a parte autora alega que a empresa ré encerrou suas atividades e permanece inadimplente. Alega ainda que a ré desocupou o imóvel, mas manteve-o fechado e tenta repassá-lo a terceiros, realizando alterações não autorizadas na estrutura do local. II. Questão em Discussão: (i) Verificar a existência de fundado receio de sublocação e realização de benfeitorias não autorizadas; (ii) Analisar se estão presentes os requisitos para a concessão de tutela de urgência a fim de suspender quaisquer sublocações e intervenções estruturais. III. Razões de Decidir: A concessão de tutela de urgência exige elementos que comprovem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, conforme disposto no art. 300 do Código de Processo Civil. No presente caso, não restou demonstrada, em juízo preliminar, a probabilidade do direito, dado que o contrato em questão carece de qualificação adequada das partes e assinatura, circunstância que requer dilação probatória. Adicionalmente, as alegações da parte agravada sobre cessão de uso sem caráter locatício reforçam a necessidade de análise aprofundada pelo juízo de origem. Também não se verifica o periculum in mora, considerando o intervalo de tempo entre o fim do prazo contratual (2009) e o ajuizamento da ação (2024). IV. Dispositivo e Tese: Recurso desprovido. Tese: A tutela de urgência em ações de despejo exige demonstração inequívoca dos requisitos do art. 300 do CPC, especialmente quando a controvérsia demanda comprovação documental e testemunhal não consolidada nos autos. V. Jurisprudência e Leis Relevantes Citadas: Jurisprudência relevante citada: TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 50194231120248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 01-02-2024; Agravo de Instrumento, Nº 50004094120248217000, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em 09-01-2024; CPC, art. 300. RECURSO DESPROVIDO.** (Agravo de Instrumento, Nº 52346583420248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos, Julgado em: 04-12-2024) Assim, não preenchidos os requisitos para concessão de tutela de urgência, uma vez que o prazo para desocupação fixado no mútuo acordo é inferior ao mínimo legal de seis meses exigido pelo art. 59, §1º, I, da Lei nº 8.245/91, e considerando a razoabilidade das alegações do agravante quanto à existência de vícios na transferência do imóvel e na celebração do contrato de locação, que demandam dilação probatória, inviável o despejo liminar. Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento, para revogar a decisão agravada que deferiu a liminar de despejo.

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou o que procurava? Faça login para ver mais resultados e detalhes completos.

Fazer Login para Ver Mais

Processo nº 5001582-58.2025.8.13.0414

ID: 332603947

Tribunal: TJMG Órgão: Juizado Especial da Comarca de Medina Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL Nº Processo: 5001582-58.2025.8.13.0414

Data de Disponibilização: 23/07/2025

Polo Ativo:

CARLOS GRECO SOBRAL PEIXOTO

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

TIAGO HENRIQUE NERES AMARAL

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Medina / Juizado Especial da Comarca de Medina Rua Francisco Figueiredo, 250, Fórum Doutor Antenor da Cunha Melo, C… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Medina / Juizado Especial da Comarca de Medina Rua Francisco Figueiredo, 250, Fórum Doutor Antenor da Cunha Melo, Centro, Medina - MG - CEP: 39620-000 PROCESSO Nº: 5001582-58.2025.8.13.0414 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) ASSUNTO: [Acessão] AUTOR: CARLOS GRECO SOBRAL PEIXOTO CPF: 374.467.706-00 RÉU: EDSON MARCOS SAMPAIO COSTA CPF: 873.360.576-91 DECISÃO CARLOS GRECO SOBRAL PEIXOTO, devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem respeitosamente, perante a honrosa presença de Vossa Excelência, por seu procurador ‘in fine’ assinado, nos autos da AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, que move em desfavor do EDSON MARCOS SAMPAIO COSTA, com fundamento no art. 329, inciso I do NCPC, bem como nos artigos 300 e seguintes do mesmo diploma legal, e pelos motivos de fato e de direito que passa a expor, requerer a emenda e o aperfeiçoamento da petição inicial para robustecer os fundamentos fáticos e jurídicos da demanda, nos termos a seguir. Alega a parte autora que: O Autor, Carlos Greco Sobral Peixoto, é proprietário de imóvel rural onde se encontra instalada uma cancela, objeto central do presente imbróglio judicial. Cumpre esclarecer, desde logo, que a mencionada cancela possui uma história longeva, encontrando-se no local há mais de sessenta anos, ou seja, desde os tempos em que a propriedade pertencia ao genitor do Autor, o Sr. José Carlos da Cunha Peixoto. Desta forma, a existência e a localização da cancela eram fatos consolidados e notórios no momento em que o Requerido, Edson Marcos Sampaio Costa, adquiriu sua propriedade vizinha, e, até o presente litígio, jamais havia sido motivo de qualquer tipo de reclamação por parte dos usuários da via que por ali transitam A fundamental importância da cancela reside na sua função primordial de conter o rebanho do Autor, permitindo o manejo adequado entre as diversas passagens e a essencial rotação da pastagem. Trata-se, portanto, de uma medida de gestão da propriedade rural que visa à otimização da produção pecuária e à saúde dos semoventes. É imperioso destacar que em momento algum a intenção do Autor foi ou é bloquear o acesso à via; prova disso é o fato de que a cancela jamais foi trancada com cadeados ou qualquer outro tipo de dispositivo que impedisse o livre trânsito. Para manter a porteira fechada, utilizava-se alças confeccionadas rudimentarmente com arame liso, entretanto estas sempre desapareciam, o que leva a crer que eram quebradas por alguém, haja vista que se fosse por defeito, uso ou pelo tempo haveria de achar resquícios das alças no chão. Em diversos momentos, quando o Autor ia ao local para fechar a porteira, a alça havia sumido, sendo assim, era improvisado um pedaço de arame para fechar a cancela e no dia seguinte era solicitado ao vaqueiro que confeccionasse nova alça. A demanda resume-se à necessidade de que os usuários da via, incluindo o Requerido e seus familiares, colaborem com o fechamento da cancela após sua passagem, especialmente nos períodos de manejo do rebanho. No entanto, o Requerido tem demonstrado uma postura recalcitrante e abusiva há anos, causando transtornos significativos e, inclusive, prejuízos financeiros ao Autor, decorrentes de sua sistemática recusa em fechar a cancela. Um ponto crucial que merece ser reiterado e detalhado é que a cancela em questão não serve como divisa entre propriedades, mas sim divide pastagem dentro da própria propriedade do Autor, sendo o confrontante entre os dois lados da cancela o próprio Carlos Greco Sobral Peixoto. A necessidade de manter a cancela fechada ocorre em períodos muito específicos do ano, geralmente em duas ocasiões, permanecendo fechada por pouco mais de trinta dias em cada uma. Durante a maior parte do ano, o Autor não exige que a cancela permaneça fechada, o que demonstra que a presente ação não é movida por questões pessoais ou capricho, mas sim por uma estrita e vital necessidade para a adequada gestão e tratamento do rebanho, bem como para a segurança dos animais. Em todas as oportunidades em que surge a necessidade de fechar a cancela, o Autor, agindo com a devida diligência, sempre orienta seu funcionário, o vaqueiro da fazenda, a comunicar a todos os usuários da via sobre a necessidade de manter a cancela devidamente fechada a partir daquele momento. Contudo, em todas as vezes, quando o funcionário da fazenda se dirige ao Requerido para comunicar tal necessidade, é invariavelmente recebido com extrema rispidez e agressividade. O Requerido não apenas se recusa veementemente a fechar a cancela, mas também externa reiteradamente que não o fará e que buscará seus "direitos na Justiça", proferindo, inclusive, diversas ameaças, conforme será amplamente comprovado pela documentação anexa a esta petição. Em virtude da persistente negativa do Requerido em colaborar e visando mitigar os conflitos e os riscos associados à sua conduta, o Autor, buscando uma solução pacífica e preventiva, adquiriu e fixou uma placa informativa com os dizeres "Mantenha Fechada", conforme demonstrado pela nota fiscal e pelas fotografias anexas. Esta placa, adquirida na empresa Top Design, foi afixada à porteira pelo Autor no início do mês de maio de 2025. Contudo, em uma de suas idas ao local para verificar a situação da cancela e fechá-la, o Autor constatou que a placa havia sido propositalmente removida. A remoção não foi acidental, pois se tivesse se soltado dos arames galvanizados nos quais fora firmemente fixada, seria possível encontrar vestígios ou até mesmo a placa no chão, o que não ocorreu. As fotografias anexas, tiradas em 16 de maio de 2025, mostram claramente o que sobrou dos fios de arame galvanizado pendurados, evidenciando que a placa fora retirada com instrumentos de corte adequado, por exemplo, alicate. Os fios haviam sido bem trançados em duas voltas, justamente para não serem facilmente retirados por vento ou pelo manuseio normal da cancela, reforçando que fora retirada propositalmente por alguém. Importante salientar que, em nenhum momento, o Autor impôs qualquer óbice à construção de um mata-burro no lugar da porteira, deixando o Requerido livre para adotar as medidas cabíveis para tal construção. A proposta partiu do próprio Autor como uma alternativa razoável, uma vez que o Requerido alega que fechar a cancela é sempre um transtorno e um risco à sua integridade física. Sendo ele o único a impor empecilhos e o maior interessado em uma solução alternativa permanente, é justo que a responsabilidade pela construção do mata-burro recaia sobre o Requerido, caso a obrigação principal de fechar a cancela se mostre inviável ou insustentável. Ademais, conforme já narrado na inicial e agora pormenorizado, as reclamações judiciais ou policiais envolvendo o Requerido não se restringem apenas ao fato de sua recusa em fechar a cancela. O Requerido é um contumaz criador de problemas, praticando atos de perturbação e, inclusive, ameaças, configurando um padrão de comportamento incompatível com a boa-fé e a convivência pacífica em sociedade. A seguir, detalha-se a cronologia dos eventos que atestam essa conduta reiterada e abusiva do Requerido: 21 de março de 2014, foi lavrado um Boletim de Ocorrência contra o Requerido, motivado por ameaça de morte direcionada ao Autor; 17 de junho de 2014, foi expedido um mandado de intimação contra o Requerido para comparecer a uma audiência agendada para 31 de janeiro de 2017; 27 de julho de 2016, novamente foi lavrado um Boletim de Ocorrência contra o Requerido, também por ameaça de morte contra o Autor; 10 de agosto de 2016, foi assinado um ACORDO EXTRAJUDICIAL na presença da conciliadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, onde o Requerido se comprometeu formalmente a não permitir que seu gado invadisse a propriedade do Autor, conduta que ele propositalmente praticava ao abrir a cancela para que seu gado pastasse em terras do Autor; Lamentavelmente, em 06 de dezembro de 2016, foi lavrado um Termo de Audiência que atesta o não comparecimento do Requerido à audiência para a qual havia sido intimado; 10 de julho de 2023, o Requerido foi objeto de Notificação Extrajudicial por não estar fechando a cancela; 30 de abril de 2025, uma nova reclamação foi registrada no Centro Judiciário, oportunidade em que o Requerido se recusou a receber o convite para a sessão de conciliação; 06 de junho de 2025, foi protocolada uma nova RECLAMAÇÃO na JESP CIV/CRIME sob o número 8473847306/06/2506/06/25. Todos os documentos comprobatórios dos fatos narrados, incluindo os Boletins de Ocorrência, mandados, termos de audiência, acordos, notificações e nota fiscal, encontram-se devidamente anexados a esta petição inicial, servindo como prova irrefutável da conduta reiterada e ilícita do Requerido. Por fim, requereu que: a. A concessão da tutela provisória de urgência antecipada, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, para determinar que o Requerido proceda ao fechamento da cancela nos períodos de manejo do rebanho, conforme indicação do Autor, sob pena de multa diária a ser arbitrada por este r. Juízo, em valor suficiente para compelir o cumprimento da medida, evitandose, assim, acidentes e maiores prejuízos ao Autor. c. O recebimento e processamento da presente emenda à petição inicial, para que se proceda à devida adequação da demanda, considerando os aprofundamentos fáticos e jurídicos ora apresentados. d. A citação do Requerido, Edson Marcos Sampaio Costa, no endereço declinado no preâmbulo, para que, querendo, apresente sua defesa no prazo legal, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria de fato. e. A procedência total dos pedidos formulados, para: I. Condenar o Requerido na obrigação de fazer, consistente em manter a cancela devidamente fechada após sua passagem, nos períodos em que o Autor necessitar para o manejo do rebanho e rotação da pastagem, sob pena de multa diária a ser arbitrada por Vossa Excelência em caso de descumprimento; II. Alternativamente, ou cumulativamente, caso Vossa Excelência entenda pela inviabilidade ou persistência do descumprimento da obrigação principal, condenar o Requerido a custear e/ou proceder à construção de um mata-burro em substituição à cancela, no prazo a ser determinado por este r. Juízo; III. Condenar o Requerido ao pagamento de indenização por perdas e danos materiais, decorrentes dos prejuízos já suportados e a serem suportados pelo Autor em razão da inobservância do manejo do rebanho e da rotação de pastagens, cujos valores deverão ser apurados no momento da sentença; IV. Condenar o Requerido ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude das ameaças, dos atos de turbação da posse e do abalo à paz e segurança do Autor, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em caráter compensatório e pedagógico; De resto, protesta pela produção de todos os meios de prova permitidos e admitidos em direito e, em especial pelo depoimento pessoal do Requerido, sob pena de confesso, bem como, a oitiva de testemunhas. Juntou aos autos os seguintes documentos: 10475785601 - Manifestação 10475779032 - Documento de Comprovação (2 Processo 0016000 72.2014.8.130414) 10475775372 - Documento de Comprovação (Boletim de ocorrência) 10475785357 - Documento de Comprovação (4 Acordo Extra Judicial ) 10475789048 - Documento de Comprovação (Boletim de ocorrência) 10475790002 - Documento de Comprovação (Fotos) É o relatório. DECIDO. As tutelas de urgência, porque são medidas voltadas a eliminar ou minorar os males do tempo do processo, têm por fundamento uma situação de perigo. Quanto à tutela de urgência, dispõe o Novo Código de Processo Civil que: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. §1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. §2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. §3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível. A antecipação dos efeitos de tutela jurisdicional é espécie de tutela de urgência, necessária à efetividade do processo, de feição excepcional e natureza satisfativa, não apenas conservativa, como é a cautelar, embora provisória e resultante de sumária cognição, que, nos termos do art. 300 do NCPC, pressupõe elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, além da ausência de perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Nesse sentido, o NCPC positivou dois requisitos que podem dar fundamento à concessão da tutela de urgência, quais sejam, o perito de dano e o risco ao resultado útil do processo. Ambas as expressões, em verdade, representam igual fenômeno, qual seja os males que o tempo pode trazer para o processo ou para direito nele postulado. Além das situações de urgência que representam verdadeiro fundamento do pleito urgente, o NCPC também estabelece como requisito positivo para a concessão da tutela de urgência a probabilidade do direito, ou seja, a análise em sede de possibilidade de que o autor possui o direito que alega e que está sujeito à situação de perigo. Para que a tutela de urgência seja concedida, ainda que não se exija certeza jurídica sobre o direito do autor, há que se ter ao menos aparência desse direito, e, por isso, o juiz faz a apreciação da existência da pretensão do autor em um juízo de cognição sumária, e não exauriente. Sobre o tema doutrina Elpídio Donizetti A tutela provisória de urgência pode ser de natureza antecipada ou cautelar. Para sua concessão, imprescindível a verificação de dois requisitos: (i) a probabilidade do direito e (ii) perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional (periculum in mora). Probabilidade do direito. Deve estar evidenciada por prova suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado. Trata-se de um juízo provisório. Basta que, no momento da análise do pedido, todos os elementos convirjam no sentido de aparentar a probabilidade das alegações. Em outras palavras, para a concessão da tutela de urgência não se exige que da prova surja a certeza das alegações, contentando-se a lei com demonstração de ser provável a existência do direito alegado pela parte que pleiteou a medida. Perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Pode ser definido como o fundado receio de que o direito afirmado pela parte, cuja existência é apenas provável, sofra dano irreparável ou de difícil reparação ou se submeta a determinado risco capaz de tornar inútil o resultado final do processo. (...) Saliente-se que não basta a mera alegação, sendo indispensável que o autor aponte fato concreto e objetivo que leve o juiz a concluir pelo perigo de lesão. O fato de um devedor estar dilapidando seu patrimônio também pode caracterizar esse requisito e ensejar a concessão de uma tutela de urgência que será efetivada mediante o arresto de bens. Garantias. Para a concessão da tutela de urgência, pode o juiz determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória. A primeira é aquela prestada sob a forma de garantia real (art. 1.419 do Código Civil), como o penhor e a hipoteca. Através dela um bem é colocado à disposição do juízo para, se for o caso, garantir o pagamento de perdas e danos decorrentes da execução da medida. Já a caução fidejussória é aquela prestada por um terceiro, que se torna responsável por, pessoalmente, garantir o juízo. A exigência de caução é ato discricionário do juiz, razão pela qual é possível a dispensa da garantia na hipótese de o requerente demonstrar ser economicamente hipossuficiente (§ 1 o, parte final). Concessão em caráter liminar. O § 2o possibilita ao juiz conceder liminarmente a tutela de urgência, ou após justificação prévia, quando verificar que a parte contrária, sendo cientificada da medida, pode torná-la ineficaz. Perigo de irreversibilidade. O § 3 o estabelece o pressuposto negativo da tutela, qual seja o perigo de irreversibilidade do provimento. Sendo lastreada em cognição sumária, a tutela provisória deve ser passível de revogação posterior. No entanto, existem situações nas quais, não obstante a irreversibilidade do provimento a ser concedido, a urgência é tão grave que a espera pela cognição exauriente é capaz de inviabilizar a própria utilidade da medida. É um caso de irreversibilidade para ambas as partes, na qual deve o julgador tendenciar a proteger aquele que, não possuindo o bem da vida naquele momento, sofrerá maior impacto (é o exemplo da cirurgia). Nesses casos, a jurisprudência entende plausível a mitigação deste requisito negativo, sob a égide do princípio da proporcionalidade.Considero que essa ideia deverá ser mantida no NCPC, uma vez que a interpretação literal do requisito da irreversibilidade impede que crises de direito material eivadas de extrema urgência sejam apreciadas, violando o próprio fim a que o instituto se destina. (Donizetti, Elpídio. Novo código de processo civil comentado. Lei no 13.105, de 16 de março de 2015: análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73 /Elpídio Donizetti. – – São Paulo: Atlas, 2015). Importante destacar que a possibilidade de concessão da tutela de urgência, disciplinada no artigo 300 do Código de Processo Civil, deve ser analisada mediante o exame dos requisitos da probabilidade do direito invocado e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Sendo que a probabilidade do direito compreende a análise da existência de elementos indicativos de que há um significativo grau de plausibilidade na pretensão quanto ao direito invocado. Por outro lado, o requisito do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo consiste na avaliação das possíveis consequências caso haja demora na prestação jurisdicional. Ademais, entendo que as provas constantes dos autos são insuficientes, nessa fase processual, para autorizar o deferimento da medida pleiteada, ainda mais, que a questão deduzida demanda maior dilação probatória, uma vez a existência nos autos de somente uma versão unilateral dos fatos, sendo assim se faz necessária a produção de mais provas, mediante a abertura do contraditório. Assim, a meu ver, o feito exige um exame detalhado dos fatos, o que só poderá ocorrer após o contraditório, não sendo prudente realizar qualquer medida antecipatória neste momento processual. As alegações são passíveis de discussão e, não há, nos autos, quaisquer elementos que autorizem a formação do juízo de verossimilhança. Soma-se a isto a circunstância de que somente após a regular instrução processual, com a devida apreciação de provas, é que será possível formar um melhor juízo acerca das questões controvertidas. Nesse sentido se manifesta o e. TJMG: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CESSÃO DE DIREITOS C/C IMISSÃO NA POSSE - TUTELA DE URGÊNCIA - INDEFERIMENTO DA LIMINAR DE IMISSÃO NA POSSE -AUSÊNCIA DOS REQUISITOS - DILAÇÃO PROBATÓRIA - NECESSIDADE. - Para a concessão da tutela de urgência, é necessária a demonstração dos elementos previstos no art. 300 do CPC de 2015, quais sejam: a) a plausibilidade do direito invocado; b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; c) e a possibilidade de reversibilidade dos efeitos da decisão. - Ausente a probabilidade do direito para a concessão de liminar de imissão na posse da cedente, uma vez que existe contrato de cessão de direitos firmado com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade cuja nulidade não foi declarada. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.140878-6/001, Relator(a): Des.(a) Aparecida Grossi , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/02/2022, publicação da súmula em 18/02/2022) Ante o exposto, com fundamento no art. 300 do CPC, INDEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA. Proceda-se ao apensamento nos presentes autos dos autos de n.º 5001631-02.2025.8.13.0414 para julgamento conjunto, diante da conexão entre as demandas. Cite-se o requerido para comparecer à audiência de conciliação, a ser designada pela Secretaria e realizada pelo CEJUSC. Intime-se o autor da audiência designada na pessoa de seu advogado (art. 334, §3º, do NCPC). Diligências necessárias. Intimem-se. Cumpra-se. Medina, data da assinatura eletrônica. ARNON ARGOLO MATOS ROCHA Juiz(íza) de Direito Juizado Especial da Comarca de Medina

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 5000280-69.2025.4.03.6116

ID: 328628376

Tribunal: TRF3 Órgão: 1ª Vara Federal de Assis Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº Processo: 5000280-69.2025.4.03.6116

Data de Disponibilização: 18/07/2025

Polo Ativo:

LUCAS GRISOLIA FRATARI

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

DANILO OLIVEIRA DE PAULA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

LUCAS GRISOLIA FRATARI

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000280-69.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: C. N. M. D. S. Advogados do(a) PACIENTE: DANILO OLIVEIRA DE PAULA - SP471100, GABRIEL MACIEL ALVES SANTO… HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000280-69.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: C. N. M. D. S. Advogados do(a) PACIENTE: DANILO OLIVEIRA DE PAULA - SP471100, GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS - SP498282, LUCAS GRISOLIA FRATARI - SP354977 IMPETRADO: S. D. P. F. D. S. P., D. G. D. P. C. D. E. D. S. P., C. G. D. P. M. D. E. D. S. P. D E C I S Ã O I – RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em favor do paciente C. N. M. D. S., em face do SUPERINTENDENTE DA POLÍCIA FEDERAL DE SÃO PAULO, do DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO e do COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando autorização judicial que impeça as autoridades impetradas de prender, ou adotar outras medidas de persecução penal, em face da conduta do paciente consistente no cultivo de cannabis para extração de substância a ser utilizada no tratamento das doenças que acometem o paciente. Recebida a inicial (id 361356276), foi encaminhado para parecer prévio do Ministério Público Federal, cujo parecer favorável à concessão da liminar foi apresentado no id 364050726. Intimado o paciente a justificar o interesse de agir em razão da vigência da Lei Estadual n. 17.618, de 31/01/2023 (id 365184694), manifestou-se no id 367017796, aduzindo que referida norma não se aplica ao caso concreto, pois a regulamentação em questão se restringe apenas à Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. O MPF, igualmente, acolheu a tese do paciente (id 367614097), além de discorrer que o deferimento do pedido de fornecimento dos produtos à base de canabidiol está sujeito à prévia avaliação da Secretaria da Saúde, "conforme Protocolos Clínicos e Normas Técnicas Estaduais", podendo ocorrer que “o pedido de fornecimento não seja aprovado ou que os fármacos distribuídos não atendam às necessidades dos pacientes”. É, em síntese, o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA MÉRITO: HABEAS CORPUS - REQUISITOS LEGAIS - CASO EM CONCRETO O habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõe o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República. Tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação voltada à tutela da liberdade de ir e vir. Segundo Renato Brasileiro de Lima, há duas espécies de habeas corpus: o liberatório e o preventivo. Acerca do habeas corpus preventivo, teceu os comentários seguintes[1]: “Denomina-se preventivo o habeas corpus que se ajuíza contra ameaça de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, visando a prevenir sua materialização. Nesse caso, o juiz ou tribunal profere ordem impeditiva da coação, que se chama salvo-conduto. Como estabelece o CPP, se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (art. 660, §4º). Do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), a expressão salvo-conduto dá a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Por meio dele, concede-se ao seu portador livre trânsito, de modo a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que deu ensejo à impetração do habeas corpus. Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma iminente e plausível. (...) Reputa-se, assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for meramente hipotético”. Assim, para a concessão de habeas corpus preventivo exige-se a demonstração, por prova pré-constituída, da existência de ameaça real de violência ou coação ilegal ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O impetrante pretende, em síntese, o cultivo da planta Cannabis para produzir artesanalmente o óleo de cannabis, para fins exclusivamente medicinais. De fato, a tipicidade formal dessas condutas não está excluída e, consequentemente, é concreto e real o receio de que a atuação das autoridades de prevenção e repressão de crimes possa levar à prisão do paciente caso as pratique sem amparo em ordem judicial. Daí decorre o fundado receio de constrangimento ilegal e, mais que isso, o efetivo risco à liberdade de ir e vir, a demonstrar a adequação da via ora eleita. O tema ora versado no presente writ, de reconhecimento da utilização da Cannabis sativa para fins medicinais, com consequente autorização de seu cultivo domiciliar, deve ser analisado sob o viés da concretização do direito à saúde, consagrado pela Constituição da República como direito social no seu artigo 6º, caput, e de modo a promover também a dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurada aos brasileiros e residentes no país. Tal preceito está resguardado pela Carta Magna, que elenca entre os objetivos da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV). A promoção do bem de todos depende em alguns casos da adoção de políticas públicas, ou seja, de um fazer estatal. Em outros casos, depende de o Estado se abster de condutas que violem a esfera de direitos dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. Das disposições constitucionais acima decorre o dever de fornecimento, por parte do Estado, da medicação e/ou da intervenção médica necessária ao restabelecimento da saúde dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil, respeitadas certas balizas. E o dever de não impedir que os titulares do direito à saúde busquem tratamentos para as moléstias de que padecem, a menos que o impedimento seja fundado em lei e seja necessário, adequado e seja adotado de modo estritamente proporcional ao fim visado, qual seja, a própria proteção da saúde de todos. As prestações positivas relacionadas à promoção do direito à saúde são regulamentadas principalmente pela Lei nº 8.080/90, complementada pela Lei nº 8.142/90, que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito do qual funciona a Política Nacional de Medicamentos (PNM), como parte essencial da Política Nacional de Saúde, disciplinada pela Portaria MS/GM n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Do desenvolvimento de um novo fármaco à distribuição desse fármaco à população por meio da Política Nacional de Medicamentos, segue-se um longo procedimento que envolve diversos órgãos, inclui testes e experimentos, a consideração técnica dos riscos e benefícios envolvidos, bem como o custo de sua incorporação e os consequentes impactos no orçamento público. É o que se passa com a distribuição de medicamentos à base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capazes de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos, materializando o acesso à saúde na sua mais pura forma. Nesse rol estão incluídos os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha (Cannabis sativa) que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido à ilicitude de condutas diversas relacionadas a essa espécie vegetal no Brasil – e suas congêneres, tais como a cannabisindica. De fato, integrando um dos compostos da Cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD) constitui grande parte da planta, representando cerca de 40% das substâncias ativas da planta[2], possuindo arcabouço químico com potencial medicinal, já que produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral. Tem sido considerado eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados já atestaram a sua eficácia de modo a auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças e na diminuição de dores e melhoria nos aspectos emocionais e sociais de pacientes, promovendo ganho substancial de qualidade de vida, sem causar dependência ou efeitos psicoativos. A partir da edição da RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 17, DE 06 DE MAIO DE 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a permitir a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A questão é atualmente disciplinada pela RESOLUÇÃO - RDC Nº 335, DE 24 DE JANEIRO DE 2020. Apesar de, nos termos dessa nova resolução e da que lhe antecedeu, a ANVISA permitir a importação de produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp, para fins medicinais, a agência não permite a produção do óleo essencial no Brasil e tampouco a importação da respectiva matéria-prima. Em verdade, repita-se, apenas autoriza a importação de medicamentos e produtos com o respectivo princípio ativo, por meio de um processo complexo, extremamente oneroso, via desembaraço aduaneiro e dependente da atuação de intermediários, bem como da existência de prévio cadastro por parte da pessoa física interessada. Desse modo, em vez de criar meios para o exercício isonômico do direito à saúde, como exige o artigo 196, caput, da CRFB, o atual tratamento conferido pelo Poder Público Federal ao tema cria situação em que a utilização do óleo medicinal fica adstrita a um público muito restrito, provido de conhecimento e poder econômico para o exercício do direito a buscar o tratamento com produtos derivados de cannabis spp. ADEMAIS, CONSOANTE INFORMAÇÕES PRESTADAS PELO PACIENTE E PELO MPF, O ALCANCE DA LEI ESTADUAL Nº 17.618, de 31/01/2023 É LIMITADO, E NÃO ABRANGE A SITUAÇÃO DO PACIENTE. Tais circunstâncias tornam admissível, tolerável e compreensível a busca, pela parte paciente, de autorização judicial para a produção de seu próprio óleo medicinal. O cultivo e a produção caseira do óleo medicinal de cannabis spp é uma realidade no mercado brasileiro paralelo, bastando uma simples pesquisa na internet para que se obtenha tutoriais para a produção domiciliar do óleo medicinal e, com isso, a diminuição dos custos despendidos para a utilização de tal tratamento. Sobre essa temática, o TRF da 3ª Região tem precedentes nos quais manifesta entendimento favorável à concessão de salvo-conduto para os casos de importação e plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto ao paciente, diagnosticado com pericardite, para que possa adquirir e plantar cannabis para fins medicinais. 2. Verifica-se que o paciente é portador de pericardite recorrente, cardiopatia grave que causa diversos efeitos colaterais em decorrência do uso de altas doses de corticoide, como desconfortos, dores, insônia e ansiedade. O recorrente iniciou o uso do óleo de canabidiol, apresentando melhora na qualidade de vida. 3. Comprovação do estado de saúde do paciente. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Recurso provido. (TRF 3ª Região, RESE 5004906-14.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, DJe 19/05/2020). PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ÓLEO DE CANNABIS SATIVA. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A RDC n. 156/2017, da ANVISA, autoriza a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis Sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo. 2. O uso pessoal e restrito do medicamento a ser produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros nos casos de doença grave não apresenta qualquer lesividade social e permite a incidência do estado de necessidade exculpante para eximi-la de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06. 3. Reexame necessário não provido. (TRF3, HABEAS CORPUS HC 5002723-18.2019.4.03.6111, Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, 5ª Turma, DJe 14/04/2020) PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL. HABEAS CORPUS. SEMENTES E PLANTAS DE CANNABIS SATIVA. POSSE E UTILIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Salvo-conduto concedido pelo Juízo a quo a fim de que as autoridades policiais se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção do paciente e de seu cuidador, bem como deixando de apreender e destruir as sementes e insumos destinados à produção do óleo cânhamo para o uso próprio, limitando-se ao máximo de 20 (vinte) sementes por mês. 2. Considerado o entendimento jurisprudencial no sentido da expedição de salvo conduto para importação de sementes de Cannabis sativa para extração de óleo de canabidiol àqueles que necessitam da substância para tratamento de saúde, situação que restou comprovada pelo paciente, há que ser mantida a concessão da ordem. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, Remessa Necessária Criminal 5001582-13.2019.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, DJe 14/04/2020)” (grifos nossos). Como se pode observar, são precedentes jurisprudenciais dos quais se beneficiaram pessoas em situações análogas à do impetrante/paciente. No presente caso, o paciente C. N. M. D. S. foi diagnosticado com as seguintes doenças, conforme descrito no relatório médico que acompanha a petição inicial (id 360975409): - Transtorno de pânico (ansiedade paroxística episódica, F410); - Ansiedade generalizada (F411); - Distúrbios do início e da manutenção do sono (insônias, G470). Segundo o já citado relatório médico: C. N. M. D. S. (...) vem fazendo uso de canabidiol 20mg/ml suspensão lipídica 40 gotas VO, 1x ao dia para tratamento de F410, F411 e G470, apresentando melhora considerável do quadro. Paciente relata que foi refratário ao tratamento e manejo com os medicamentos convencionalmente prescritos para as patologias citadas, e de fato manteve uma estabilidade digna de nota com o uso de canabidiol. Para a manutenção do tratamento e possíveis abordagens futuras com o óleo de canabidiol full spectrum, sugiro que o paciente em questão mantenha o uso de canabidiol. Consoante os laudos dos ids 360975407 e 360975408, o paciente fez diversos tratamentos medicamentosos com classes diversas de drogas sem resposta terapêutica e com efeitos colaterais adversos, sendo indicado o uso da Cannabis medicinal, mormente considerando-se a resposta positiva à utilização da substância desde 12/2024, na forma de óleo integral e das flores in natura. Consta, ainda, que a interrupção do tratamento pode levar à piora do quadro do paciente. Os custos, porém, tornam impeditivo para o paciente a aquisição direta no mercado (como se vê dos orçamentos do id 360975418 e do próprio parecer técnico do engenheiro agrônomo do id 360975411), de modo que o plantio e cultivo, para a mesma finalidade medicinal, é medida alternativa à aquisição/importação que atende ao interesse do paciente e garante a continuidade do tratamento e melhora do seu quadro de saúde. A respeito, a jurisprudência que vem se formando nos Tribunais Superiores aponta para a atipicidade do plantio e cultura individualizada de Cannabis Sativa com a finalidade de tratamento médico devidamente prescrito, conforme inclusive precedente nesse sentido pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 3º Região: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. CANNABIS SATIVA. TRATAMENTO TERAPÊUTICO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Este Tribunal Regional Federal estabilizou sua jurisprudência no sentido de que a importação e o plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica, é fato atípico. 2. Esse posicionamento é consentâneo com a jurisprudência que se está formando no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso, está satisfatoriamente demonstrada nos autos a necessidade da paciente de uso medicinal de substância à base de Cannabis sativa, tanto que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já lhe havia autorizado a importação de medicamento dessa natureza. 4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para que os pacientes não venham a sofrer repressão em decorrência do porte, cultivo e uso medicinal de Cannabis sativa, nos estritos limites da presente decisão, ou seja, exclusivamente para tratamento terapêutico, ficando prejudicados o agravo regimental e o pedido de natureza cautelar formulado na presente ação.” (TRF3 – CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL 5002916-62.2021.4.03.0000 - 11ª Turma, Rel. Des. Federal Nino Oliveira Toldo, Intimação via sistema DATA: 05/05/2021). O quadro apresentado, portanto, aponta para a probabilidade do direito do paciente, dado o reconhecimento jurisprudencial da atipicidade da conduta. Em que pese o posicionamento jurisprudencial ser favorável à pretensão do paciente, há concreto risco de prisão e apreensão do cultivo destinado ao seu tratamento, por parte das autoridades policiais indicadas como coatoras, frente à letra expressa da Lei nº 11.343/2006. Assim, há perigo de dano à liberdade de locomoção do paciente, pela manutenção do cultivo e plantio de Cannabis Sativa para fim medicinal, a justificar a concessão do salvo conduto pleiteado. Por outro lado, justifica-se o receio de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da importação e do cultivo da Cannabis, porquanto, nos moldes previstos pelo artigo 28, §1º, da Lei nº 11.343/06 (diploma que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad – e prescreve medidas para prevenção do uso indevido de tais substâncias), quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica, para seu consumo pessoal, pratica conduta ilícita e está submetido à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. E quem importa sementes de Cannabis spp pode ter sua conduta formalmente enquadrada no artigo 33, caput, da referida lei. A Lei nº 11.343/2006, ao mesmo tempo em que estabelece as condutas configuradoras do porte de substância entorpecente e do tráfico ilícito de drogas, prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, a possibilidade de autorização e regulamentação pela União do “plantio, cultura e colheita de vegetais”, a exemplo da Cannabis sativa, para fins medicinais ou científicos, in verbis: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. Apesar do permissivo legal expresso e da existência de suporte científico, o Poder Executivo Federal não exerceu ainda seu poder regulamentar para o fim de autorizar o plantio, a cultura e a colheita de cannabis spp, em que pese o prazo concedido no REsp 2.024.250/PR para tanto. A conduta omissiva consistente em deixar de editar tal regulamento milita contra a segurança jurídica e viola o direito à saúde dos brasileiros e residentes no país que almejam tratamento médico consistente na ingestão de subprodutos desse vegetal. Resta evidenciado o fumus boni iuris, traduzido na probabilidade do direito pleiteado, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminar pleiteada. Destaca-se, ainda, restar presente o periculum in mora – perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pois o impetrante já vem se utilizando da planta Cannabis para fins estritamente medicinais e, caso não seja expedido o salvo conduto, o paciente estará à mercê da fiscalização de autoridades policiais, sendo iminente a sua prisão (em flagrante ou preventiva), com tipificação penal no artigo 28, §1º ou no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na medida em que a matéria prima ou sementes usadas no cultivo da Cannabis são importadas. Todavia, não é possível a concessão de salvo conduto para que o paciente mantenha a quantidade indiscriminada de indivíduos de vegetal da espécie cannabis spp, uma vez que isso equivaleria a descriminalizar o cultivo da planta, o que não é objeto da presente impetração. Nos termos do cálculo agronômico, quantificou-se a necessidade anual de "importação do número de 335 sementes feminizadas CBD/THC” (fl. 52 do id 360975411). Tal referência deve ser utilizada como parâmetro. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, CONCEDO a medida liminar requerida para determinar que as autoridades impetradas se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade do paciente C. N. M. D. S., qualificado na inicial, em razão da importação de sementes da Cannabis Sativa e do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico constante de fl. 04 do id 360975411 (335 sementes anuais feminizadas CBD/THC), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio e exclusivamente para o tratamento contra as doenças de que o paciente é portador, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde. Expeça-se o SALVO CONDUTO em favor de C. N. M. D. S. (qualificação constante da inicial), para que as autoridades coatoras e seus agentes subordinados se abstenham de efetuar, contra o paciente, qualquer ato que atente contra a sua liberdade de locomoção em razão do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no parecer agronômico de fl. 04 do id 360975411 (335 sementes anuais feminizadas CBD/THC), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde, estando expressamente vedada qualquer forma de comercialização e de qualquer outra forma de fornecimento a terceiros da matéria prima e dos compostos derivados. O paciente deverá cultivar em sua residência apenas a quantidade de Cannabis spp ora deferida, por ano, sendo que tal plantio poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e/ou sanitárias. Determino ainda que o resíduo de todo o processo (desde o cultivo até a extração) devem ser utilizados apenas como adubo e não descartados com o lixo comum. Quando solicitado, o paciente deverá elaborar relatórios prestando informações sobre a quantidade de sementes ou mudas utilizadas no período, espécies respectivas, extrações de óleo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, remessas para avaliação, incluindo os dados completos dos órgãos ou entidades de pesquisa destinatários bem como os resultados, quantitativos e qualitativos, da referida avaliação, submetendo-se a todas as medidas eventualmente adotadas pela autoridade sanitária para fiscalização de seu cultivo. A concessão desta liminar obriga o paciente a observar estritamente os termos aqui estabelecidos. A autorização ora concedida é personalíssima e intransferível, de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir a terceiro, a qualquer título, sementes, plantas, matéria-prima ou o óleo extraído, para qualquer finalidade, inclusive medicinal, sob as penas previstas na Lei nº 11.343/2006. A presente decisão gerará efeitos até: a) o julgamento do mérito desta ação; b) o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.708/DF pelo Supremo Tribunal Federal; c) eventual regulamentação do cultivo da Cannabis spp no Brasil pela ANVISA, para fins medicinais; e d) eventual incorporação pelo SUS, para fins de fornecimento gratuito pelo Poder Público, do tratamento médico prescrito. Por fim, defiro o pedido de tramitação do feito sob segredo de justiça (sigilo total), uma vez que a condição de saúde do paciente é fundamento central da concessão da presente medida e tal condição está abrangida pela proteção que se dá à intimidade (CRFB, artigo 5º, inciso LX). Anotação já realizada. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entenderem pertinentes (artigo 649, do Código de Processo Penal). Visando dar efetividade à garantia estabelecida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, servirá cópia da presente decisão como OFÍCIO e MANDADO DE INTIMAÇÃO, que deverá ser encaminhada para cumprimento. Com a vinda das informações, abra-se nova vista ao Ministério Público Federal para parecer e, em seguida, façam os autos conclusos para prolação de sentença. Intimem-se. Cumpra-se. Assis, data da assinatura eletrônica. GUSTAVO CATUNDA MENDES Juiz Federal

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 5000280-69.2025.4.03.6116

ID: 328628381

Tribunal: TRF3 Órgão: 1ª Vara Federal de Assis Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº Processo: 5000280-69.2025.4.03.6116

Data de Disponibilização: 18/07/2025

Polo Ativo:

GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

DANILO OLIVEIRA DE PAULA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

LUCAS GRISOLIA FRATARI

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000280-69.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: C. N. M. D. S. Advogados do(a) PACIENTE: DANILO OLIVEIRA DE PAULA - SP471100, GABRIEL MACIEL ALVES SANTO… HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000280-69.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: C. N. M. D. S. Advogados do(a) PACIENTE: DANILO OLIVEIRA DE PAULA - SP471100, GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS - SP498282, LUCAS GRISOLIA FRATARI - SP354977 IMPETRADO: S. D. P. F. D. S. P., D. G. D. P. C. D. E. D. S. P., C. G. D. P. M. D. E. D. S. P. D E C I S Ã O I – RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em favor do paciente C. N. M. D. S., em face do SUPERINTENDENTE DA POLÍCIA FEDERAL DE SÃO PAULO, do DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO e do COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando autorização judicial que impeça as autoridades impetradas de prender, ou adotar outras medidas de persecução penal, em face da conduta do paciente consistente no cultivo de cannabis para extração de substância a ser utilizada no tratamento das doenças que acometem o paciente. Recebida a inicial (id 361356276), foi encaminhado para parecer prévio do Ministério Público Federal, cujo parecer favorável à concessão da liminar foi apresentado no id 364050726. Intimado o paciente a justificar o interesse de agir em razão da vigência da Lei Estadual n. 17.618, de 31/01/2023 (id 365184694), manifestou-se no id 367017796, aduzindo que referida norma não se aplica ao caso concreto, pois a regulamentação em questão se restringe apenas à Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. O MPF, igualmente, acolheu a tese do paciente (id 367614097), além de discorrer que o deferimento do pedido de fornecimento dos produtos à base de canabidiol está sujeito à prévia avaliação da Secretaria da Saúde, "conforme Protocolos Clínicos e Normas Técnicas Estaduais", podendo ocorrer que “o pedido de fornecimento não seja aprovado ou que os fármacos distribuídos não atendam às necessidades dos pacientes”. É, em síntese, o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA MÉRITO: HABEAS CORPUS - REQUISITOS LEGAIS - CASO EM CONCRETO O habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõe o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República. Tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação voltada à tutela da liberdade de ir e vir. Segundo Renato Brasileiro de Lima, há duas espécies de habeas corpus: o liberatório e o preventivo. Acerca do habeas corpus preventivo, teceu os comentários seguintes[1]: “Denomina-se preventivo o habeas corpus que se ajuíza contra ameaça de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, visando a prevenir sua materialização. Nesse caso, o juiz ou tribunal profere ordem impeditiva da coação, que se chama salvo-conduto. Como estabelece o CPP, se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (art. 660, §4º). Do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), a expressão salvo-conduto dá a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Por meio dele, concede-se ao seu portador livre trânsito, de modo a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que deu ensejo à impetração do habeas corpus. Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma iminente e plausível. (...) Reputa-se, assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for meramente hipotético”. Assim, para a concessão de habeas corpus preventivo exige-se a demonstração, por prova pré-constituída, da existência de ameaça real de violência ou coação ilegal ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O impetrante pretende, em síntese, o cultivo da planta Cannabis para produzir artesanalmente o óleo de cannabis, para fins exclusivamente medicinais. De fato, a tipicidade formal dessas condutas não está excluída e, consequentemente, é concreto e real o receio de que a atuação das autoridades de prevenção e repressão de crimes possa levar à prisão do paciente caso as pratique sem amparo em ordem judicial. Daí decorre o fundado receio de constrangimento ilegal e, mais que isso, o efetivo risco à liberdade de ir e vir, a demonstrar a adequação da via ora eleita. O tema ora versado no presente writ, de reconhecimento da utilização da Cannabis sativa para fins medicinais, com consequente autorização de seu cultivo domiciliar, deve ser analisado sob o viés da concretização do direito à saúde, consagrado pela Constituição da República como direito social no seu artigo 6º, caput, e de modo a promover também a dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurada aos brasileiros e residentes no país. Tal preceito está resguardado pela Carta Magna, que elenca entre os objetivos da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV). A promoção do bem de todos depende em alguns casos da adoção de políticas públicas, ou seja, de um fazer estatal. Em outros casos, depende de o Estado se abster de condutas que violem a esfera de direitos dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. Das disposições constitucionais acima decorre o dever de fornecimento, por parte do Estado, da medicação e/ou da intervenção médica necessária ao restabelecimento da saúde dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil, respeitadas certas balizas. E o dever de não impedir que os titulares do direito à saúde busquem tratamentos para as moléstias de que padecem, a menos que o impedimento seja fundado em lei e seja necessário, adequado e seja adotado de modo estritamente proporcional ao fim visado, qual seja, a própria proteção da saúde de todos. As prestações positivas relacionadas à promoção do direito à saúde são regulamentadas principalmente pela Lei nº 8.080/90, complementada pela Lei nº 8.142/90, que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito do qual funciona a Política Nacional de Medicamentos (PNM), como parte essencial da Política Nacional de Saúde, disciplinada pela Portaria MS/GM n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Do desenvolvimento de um novo fármaco à distribuição desse fármaco à população por meio da Política Nacional de Medicamentos, segue-se um longo procedimento que envolve diversos órgãos, inclui testes e experimentos, a consideração técnica dos riscos e benefícios envolvidos, bem como o custo de sua incorporação e os consequentes impactos no orçamento público. É o que se passa com a distribuição de medicamentos à base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capazes de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos, materializando o acesso à saúde na sua mais pura forma. Nesse rol estão incluídos os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha (Cannabis sativa) que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido à ilicitude de condutas diversas relacionadas a essa espécie vegetal no Brasil – e suas congêneres, tais como a cannabisindica. De fato, integrando um dos compostos da Cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD) constitui grande parte da planta, representando cerca de 40% das substâncias ativas da planta[2], possuindo arcabouço químico com potencial medicinal, já que produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral. Tem sido considerado eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados já atestaram a sua eficácia de modo a auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças e na diminuição de dores e melhoria nos aspectos emocionais e sociais de pacientes, promovendo ganho substancial de qualidade de vida, sem causar dependência ou efeitos psicoativos. A partir da edição da RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 17, DE 06 DE MAIO DE 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a permitir a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A questão é atualmente disciplinada pela RESOLUÇÃO - RDC Nº 335, DE 24 DE JANEIRO DE 2020. Apesar de, nos termos dessa nova resolução e da que lhe antecedeu, a ANVISA permitir a importação de produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp, para fins medicinais, a agência não permite a produção do óleo essencial no Brasil e tampouco a importação da respectiva matéria-prima. Em verdade, repita-se, apenas autoriza a importação de medicamentos e produtos com o respectivo princípio ativo, por meio de um processo complexo, extremamente oneroso, via desembaraço aduaneiro e dependente da atuação de intermediários, bem como da existência de prévio cadastro por parte da pessoa física interessada. Desse modo, em vez de criar meios para o exercício isonômico do direito à saúde, como exige o artigo 196, caput, da CRFB, o atual tratamento conferido pelo Poder Público Federal ao tema cria situação em que a utilização do óleo medicinal fica adstrita a um público muito restrito, provido de conhecimento e poder econômico para o exercício do direito a buscar o tratamento com produtos derivados de cannabis spp. ADEMAIS, CONSOANTE INFORMAÇÕES PRESTADAS PELO PACIENTE E PELO MPF, O ALCANCE DA LEI ESTADUAL Nº 17.618, de 31/01/2023 É LIMITADO, E NÃO ABRANGE A SITUAÇÃO DO PACIENTE. Tais circunstâncias tornam admissível, tolerável e compreensível a busca, pela parte paciente, de autorização judicial para a produção de seu próprio óleo medicinal. O cultivo e a produção caseira do óleo medicinal de cannabis spp é uma realidade no mercado brasileiro paralelo, bastando uma simples pesquisa na internet para que se obtenha tutoriais para a produção domiciliar do óleo medicinal e, com isso, a diminuição dos custos despendidos para a utilização de tal tratamento. Sobre essa temática, o TRF da 3ª Região tem precedentes nos quais manifesta entendimento favorável à concessão de salvo-conduto para os casos de importação e plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto ao paciente, diagnosticado com pericardite, para que possa adquirir e plantar cannabis para fins medicinais. 2. Verifica-se que o paciente é portador de pericardite recorrente, cardiopatia grave que causa diversos efeitos colaterais em decorrência do uso de altas doses de corticoide, como desconfortos, dores, insônia e ansiedade. O recorrente iniciou o uso do óleo de canabidiol, apresentando melhora na qualidade de vida. 3. Comprovação do estado de saúde do paciente. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Recurso provido. (TRF 3ª Região, RESE 5004906-14.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, DJe 19/05/2020). PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ÓLEO DE CANNABIS SATIVA. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A RDC n. 156/2017, da ANVISA, autoriza a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis Sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo. 2. O uso pessoal e restrito do medicamento a ser produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros nos casos de doença grave não apresenta qualquer lesividade social e permite a incidência do estado de necessidade exculpante para eximi-la de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06. 3. Reexame necessário não provido. (TRF3, HABEAS CORPUS HC 5002723-18.2019.4.03.6111, Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, 5ª Turma, DJe 14/04/2020) PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL. HABEAS CORPUS. SEMENTES E PLANTAS DE CANNABIS SATIVA. POSSE E UTILIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Salvo-conduto concedido pelo Juízo a quo a fim de que as autoridades policiais se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção do paciente e de seu cuidador, bem como deixando de apreender e destruir as sementes e insumos destinados à produção do óleo cânhamo para o uso próprio, limitando-se ao máximo de 20 (vinte) sementes por mês. 2. Considerado o entendimento jurisprudencial no sentido da expedição de salvo conduto para importação de sementes de Cannabis sativa para extração de óleo de canabidiol àqueles que necessitam da substância para tratamento de saúde, situação que restou comprovada pelo paciente, há que ser mantida a concessão da ordem. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, Remessa Necessária Criminal 5001582-13.2019.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, DJe 14/04/2020)” (grifos nossos). Como se pode observar, são precedentes jurisprudenciais dos quais se beneficiaram pessoas em situações análogas à do impetrante/paciente. No presente caso, o paciente C. N. M. D. S. foi diagnosticado com as seguintes doenças, conforme descrito no relatório médico que acompanha a petição inicial (id 360975409): - Transtorno de pânico (ansiedade paroxística episódica, F410); - Ansiedade generalizada (F411); - Distúrbios do início e da manutenção do sono (insônias, G470). Segundo o já citado relatório médico: C. N. M. D. S. (...) vem fazendo uso de canabidiol 20mg/ml suspensão lipídica 40 gotas VO, 1x ao dia para tratamento de F410, F411 e G470, apresentando melhora considerável do quadro. Paciente relata que foi refratário ao tratamento e manejo com os medicamentos convencionalmente prescritos para as patologias citadas, e de fato manteve uma estabilidade digna de nota com o uso de canabidiol. Para a manutenção do tratamento e possíveis abordagens futuras com o óleo de canabidiol full spectrum, sugiro que o paciente em questão mantenha o uso de canabidiol. Consoante os laudos dos ids 360975407 e 360975408, o paciente fez diversos tratamentos medicamentosos com classes diversas de drogas sem resposta terapêutica e com efeitos colaterais adversos, sendo indicado o uso da Cannabis medicinal, mormente considerando-se a resposta positiva à utilização da substância desde 12/2024, na forma de óleo integral e das flores in natura. Consta, ainda, que a interrupção do tratamento pode levar à piora do quadro do paciente. Os custos, porém, tornam impeditivo para o paciente a aquisição direta no mercado (como se vê dos orçamentos do id 360975418 e do próprio parecer técnico do engenheiro agrônomo do id 360975411), de modo que o plantio e cultivo, para a mesma finalidade medicinal, é medida alternativa à aquisição/importação que atende ao interesse do paciente e garante a continuidade do tratamento e melhora do seu quadro de saúde. A respeito, a jurisprudência que vem se formando nos Tribunais Superiores aponta para a atipicidade do plantio e cultura individualizada de Cannabis Sativa com a finalidade de tratamento médico devidamente prescrito, conforme inclusive precedente nesse sentido pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 3º Região: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. CANNABIS SATIVA. TRATAMENTO TERAPÊUTICO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Este Tribunal Regional Federal estabilizou sua jurisprudência no sentido de que a importação e o plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica, é fato atípico. 2. Esse posicionamento é consentâneo com a jurisprudência que se está formando no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso, está satisfatoriamente demonstrada nos autos a necessidade da paciente de uso medicinal de substância à base de Cannabis sativa, tanto que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já lhe havia autorizado a importação de medicamento dessa natureza. 4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para que os pacientes não venham a sofrer repressão em decorrência do porte, cultivo e uso medicinal de Cannabis sativa, nos estritos limites da presente decisão, ou seja, exclusivamente para tratamento terapêutico, ficando prejudicados o agravo regimental e o pedido de natureza cautelar formulado na presente ação.” (TRF3 – CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL 5002916-62.2021.4.03.0000 - 11ª Turma, Rel. Des. Federal Nino Oliveira Toldo, Intimação via sistema DATA: 05/05/2021). O quadro apresentado, portanto, aponta para a probabilidade do direito do paciente, dado o reconhecimento jurisprudencial da atipicidade da conduta. Em que pese o posicionamento jurisprudencial ser favorável à pretensão do paciente, há concreto risco de prisão e apreensão do cultivo destinado ao seu tratamento, por parte das autoridades policiais indicadas como coatoras, frente à letra expressa da Lei nº 11.343/2006. Assim, há perigo de dano à liberdade de locomoção do paciente, pela manutenção do cultivo e plantio de Cannabis Sativa para fim medicinal, a justificar a concessão do salvo conduto pleiteado. Por outro lado, justifica-se o receio de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da importação e do cultivo da Cannabis, porquanto, nos moldes previstos pelo artigo 28, §1º, da Lei nº 11.343/06 (diploma que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad – e prescreve medidas para prevenção do uso indevido de tais substâncias), quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica, para seu consumo pessoal, pratica conduta ilícita e está submetido à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. E quem importa sementes de Cannabis spp pode ter sua conduta formalmente enquadrada no artigo 33, caput, da referida lei. A Lei nº 11.343/2006, ao mesmo tempo em que estabelece as condutas configuradoras do porte de substância entorpecente e do tráfico ilícito de drogas, prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, a possibilidade de autorização e regulamentação pela União do “plantio, cultura e colheita de vegetais”, a exemplo da Cannabis sativa, para fins medicinais ou científicos, in verbis: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. Apesar do permissivo legal expresso e da existência de suporte científico, o Poder Executivo Federal não exerceu ainda seu poder regulamentar para o fim de autorizar o plantio, a cultura e a colheita de cannabis spp, em que pese o prazo concedido no REsp 2.024.250/PR para tanto. A conduta omissiva consistente em deixar de editar tal regulamento milita contra a segurança jurídica e viola o direito à saúde dos brasileiros e residentes no país que almejam tratamento médico consistente na ingestão de subprodutos desse vegetal. Resta evidenciado o fumus boni iuris, traduzido na probabilidade do direito pleiteado, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminar pleiteada. Destaca-se, ainda, restar presente o periculum in mora – perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pois o impetrante já vem se utilizando da planta Cannabis para fins estritamente medicinais e, caso não seja expedido o salvo conduto, o paciente estará à mercê da fiscalização de autoridades policiais, sendo iminente a sua prisão (em flagrante ou preventiva), com tipificação penal no artigo 28, §1º ou no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na medida em que a matéria prima ou sementes usadas no cultivo da Cannabis são importadas. Todavia, não é possível a concessão de salvo conduto para que o paciente mantenha a quantidade indiscriminada de indivíduos de vegetal da espécie cannabis spp, uma vez que isso equivaleria a descriminalizar o cultivo da planta, o que não é objeto da presente impetração. Nos termos do cálculo agronômico, quantificou-se a necessidade anual de "importação do número de 335 sementes feminizadas CBD/THC” (fl. 52 do id 360975411). Tal referência deve ser utilizada como parâmetro. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, CONCEDO a medida liminar requerida para determinar que as autoridades impetradas se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade do paciente C. N. M. D. S., qualificado na inicial, em razão da importação de sementes da Cannabis Sativa e do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico constante de fl. 04 do id 360975411 (335 sementes anuais feminizadas CBD/THC), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio e exclusivamente para o tratamento contra as doenças de que o paciente é portador, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde. Expeça-se o SALVO CONDUTO em favor de C. N. M. D. S. (qualificação constante da inicial), para que as autoridades coatoras e seus agentes subordinados se abstenham de efetuar, contra o paciente, qualquer ato que atente contra a sua liberdade de locomoção em razão do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no parecer agronômico de fl. 04 do id 360975411 (335 sementes anuais feminizadas CBD/THC), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde, estando expressamente vedada qualquer forma de comercialização e de qualquer outra forma de fornecimento a terceiros da matéria prima e dos compostos derivados. O paciente deverá cultivar em sua residência apenas a quantidade de Cannabis spp ora deferida, por ano, sendo que tal plantio poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e/ou sanitárias. Determino ainda que o resíduo de todo o processo (desde o cultivo até a extração) devem ser utilizados apenas como adubo e não descartados com o lixo comum. Quando solicitado, o paciente deverá elaborar relatórios prestando informações sobre a quantidade de sementes ou mudas utilizadas no período, espécies respectivas, extrações de óleo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, remessas para avaliação, incluindo os dados completos dos órgãos ou entidades de pesquisa destinatários bem como os resultados, quantitativos e qualitativos, da referida avaliação, submetendo-se a todas as medidas eventualmente adotadas pela autoridade sanitária para fiscalização de seu cultivo. A concessão desta liminar obriga o paciente a observar estritamente os termos aqui estabelecidos. A autorização ora concedida é personalíssima e intransferível, de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir a terceiro, a qualquer título, sementes, plantas, matéria-prima ou o óleo extraído, para qualquer finalidade, inclusive medicinal, sob as penas previstas na Lei nº 11.343/2006. A presente decisão gerará efeitos até: a) o julgamento do mérito desta ação; b) o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.708/DF pelo Supremo Tribunal Federal; c) eventual regulamentação do cultivo da Cannabis spp no Brasil pela ANVISA, para fins medicinais; e d) eventual incorporação pelo SUS, para fins de fornecimento gratuito pelo Poder Público, do tratamento médico prescrito. Por fim, defiro o pedido de tramitação do feito sob segredo de justiça (sigilo total), uma vez que a condição de saúde do paciente é fundamento central da concessão da presente medida e tal condição está abrangida pela proteção que se dá à intimidade (CRFB, artigo 5º, inciso LX). Anotação já realizada. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entenderem pertinentes (artigo 649, do Código de Processo Penal). Visando dar efetividade à garantia estabelecida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, servirá cópia da presente decisão como OFÍCIO e MANDADO DE INTIMAÇÃO, que deverá ser encaminhada para cumprimento. Com a vinda das informações, abra-se nova vista ao Ministério Público Federal para parecer e, em seguida, façam os autos conclusos para prolação de sentença. Intimem-se. Cumpra-se. Assis, data da assinatura eletrônica. GUSTAVO CATUNDA MENDES Juiz Federal

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 5000280-69.2025.4.03.6116

ID: 328628382

Tribunal: TRF3 Órgão: 1ª Vara Federal de Assis Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº Processo: 5000280-69.2025.4.03.6116

Data de Disponibilização: 18/07/2025

Polo Ativo:

DANILO OLIVEIRA DE PAULA

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

DANILO OLIVEIRA DE PAULA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

LUCAS GRISOLIA FRATARI

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000280-69.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: C. N. M. D. S. Advogados do(a) PACIENTE: DANILO OLIVEIRA DE PAULA - SP471100, GABRIEL MACIEL ALVES SANTO… HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000280-69.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: C. N. M. D. S. Advogados do(a) PACIENTE: DANILO OLIVEIRA DE PAULA - SP471100, GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS - SP498282, LUCAS GRISOLIA FRATARI - SP354977 IMPETRADO: S. D. P. F. D. S. P., D. G. D. P. C. D. E. D. S. P., C. G. D. P. M. D. E. D. S. P. D E C I S Ã O I – RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em favor do paciente C. N. M. D. S., em face do SUPERINTENDENTE DA POLÍCIA FEDERAL DE SÃO PAULO, do DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO e do COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando autorização judicial que impeça as autoridades impetradas de prender, ou adotar outras medidas de persecução penal, em face da conduta do paciente consistente no cultivo de cannabis para extração de substância a ser utilizada no tratamento das doenças que acometem o paciente. Recebida a inicial (id 361356276), foi encaminhado para parecer prévio do Ministério Público Federal, cujo parecer favorável à concessão da liminar foi apresentado no id 364050726. Intimado o paciente a justificar o interesse de agir em razão da vigência da Lei Estadual n. 17.618, de 31/01/2023 (id 365184694), manifestou-se no id 367017796, aduzindo que referida norma não se aplica ao caso concreto, pois a regulamentação em questão se restringe apenas à Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. O MPF, igualmente, acolheu a tese do paciente (id 367614097), além de discorrer que o deferimento do pedido de fornecimento dos produtos à base de canabidiol está sujeito à prévia avaliação da Secretaria da Saúde, "conforme Protocolos Clínicos e Normas Técnicas Estaduais", podendo ocorrer que “o pedido de fornecimento não seja aprovado ou que os fármacos distribuídos não atendam às necessidades dos pacientes”. É, em síntese, o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA MÉRITO: HABEAS CORPUS - REQUISITOS LEGAIS - CASO EM CONCRETO O habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõe o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República. Tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação voltada à tutela da liberdade de ir e vir. Segundo Renato Brasileiro de Lima, há duas espécies de habeas corpus: o liberatório e o preventivo. Acerca do habeas corpus preventivo, teceu os comentários seguintes[1]: “Denomina-se preventivo o habeas corpus que se ajuíza contra ameaça de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, visando a prevenir sua materialização. Nesse caso, o juiz ou tribunal profere ordem impeditiva da coação, que se chama salvo-conduto. Como estabelece o CPP, se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (art. 660, §4º). Do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), a expressão salvo-conduto dá a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Por meio dele, concede-se ao seu portador livre trânsito, de modo a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que deu ensejo à impetração do habeas corpus. Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma iminente e plausível. (...) Reputa-se, assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for meramente hipotético”. Assim, para a concessão de habeas corpus preventivo exige-se a demonstração, por prova pré-constituída, da existência de ameaça real de violência ou coação ilegal ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O impetrante pretende, em síntese, o cultivo da planta Cannabis para produzir artesanalmente o óleo de cannabis, para fins exclusivamente medicinais. De fato, a tipicidade formal dessas condutas não está excluída e, consequentemente, é concreto e real o receio de que a atuação das autoridades de prevenção e repressão de crimes possa levar à prisão do paciente caso as pratique sem amparo em ordem judicial. Daí decorre o fundado receio de constrangimento ilegal e, mais que isso, o efetivo risco à liberdade de ir e vir, a demonstrar a adequação da via ora eleita. O tema ora versado no presente writ, de reconhecimento da utilização da Cannabis sativa para fins medicinais, com consequente autorização de seu cultivo domiciliar, deve ser analisado sob o viés da concretização do direito à saúde, consagrado pela Constituição da República como direito social no seu artigo 6º, caput, e de modo a promover também a dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurada aos brasileiros e residentes no país. Tal preceito está resguardado pela Carta Magna, que elenca entre os objetivos da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV). A promoção do bem de todos depende em alguns casos da adoção de políticas públicas, ou seja, de um fazer estatal. Em outros casos, depende de o Estado se abster de condutas que violem a esfera de direitos dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. Das disposições constitucionais acima decorre o dever de fornecimento, por parte do Estado, da medicação e/ou da intervenção médica necessária ao restabelecimento da saúde dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil, respeitadas certas balizas. E o dever de não impedir que os titulares do direito à saúde busquem tratamentos para as moléstias de que padecem, a menos que o impedimento seja fundado em lei e seja necessário, adequado e seja adotado de modo estritamente proporcional ao fim visado, qual seja, a própria proteção da saúde de todos. As prestações positivas relacionadas à promoção do direito à saúde são regulamentadas principalmente pela Lei nº 8.080/90, complementada pela Lei nº 8.142/90, que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito do qual funciona a Política Nacional de Medicamentos (PNM), como parte essencial da Política Nacional de Saúde, disciplinada pela Portaria MS/GM n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Do desenvolvimento de um novo fármaco à distribuição desse fármaco à população por meio da Política Nacional de Medicamentos, segue-se um longo procedimento que envolve diversos órgãos, inclui testes e experimentos, a consideração técnica dos riscos e benefícios envolvidos, bem como o custo de sua incorporação e os consequentes impactos no orçamento público. É o que se passa com a distribuição de medicamentos à base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capazes de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos, materializando o acesso à saúde na sua mais pura forma. Nesse rol estão incluídos os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha (Cannabis sativa) que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido à ilicitude de condutas diversas relacionadas a essa espécie vegetal no Brasil – e suas congêneres, tais como a cannabisindica. De fato, integrando um dos compostos da Cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD) constitui grande parte da planta, representando cerca de 40% das substâncias ativas da planta[2], possuindo arcabouço químico com potencial medicinal, já que produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral. Tem sido considerado eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados já atestaram a sua eficácia de modo a auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças e na diminuição de dores e melhoria nos aspectos emocionais e sociais de pacientes, promovendo ganho substancial de qualidade de vida, sem causar dependência ou efeitos psicoativos. A partir da edição da RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 17, DE 06 DE MAIO DE 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a permitir a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A questão é atualmente disciplinada pela RESOLUÇÃO - RDC Nº 335, DE 24 DE JANEIRO DE 2020. Apesar de, nos termos dessa nova resolução e da que lhe antecedeu, a ANVISA permitir a importação de produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp, para fins medicinais, a agência não permite a produção do óleo essencial no Brasil e tampouco a importação da respectiva matéria-prima. Em verdade, repita-se, apenas autoriza a importação de medicamentos e produtos com o respectivo princípio ativo, por meio de um processo complexo, extremamente oneroso, via desembaraço aduaneiro e dependente da atuação de intermediários, bem como da existência de prévio cadastro por parte da pessoa física interessada. Desse modo, em vez de criar meios para o exercício isonômico do direito à saúde, como exige o artigo 196, caput, da CRFB, o atual tratamento conferido pelo Poder Público Federal ao tema cria situação em que a utilização do óleo medicinal fica adstrita a um público muito restrito, provido de conhecimento e poder econômico para o exercício do direito a buscar o tratamento com produtos derivados de cannabis spp. ADEMAIS, CONSOANTE INFORMAÇÕES PRESTADAS PELO PACIENTE E PELO MPF, O ALCANCE DA LEI ESTADUAL Nº 17.618, de 31/01/2023 É LIMITADO, E NÃO ABRANGE A SITUAÇÃO DO PACIENTE. Tais circunstâncias tornam admissível, tolerável e compreensível a busca, pela parte paciente, de autorização judicial para a produção de seu próprio óleo medicinal. O cultivo e a produção caseira do óleo medicinal de cannabis spp é uma realidade no mercado brasileiro paralelo, bastando uma simples pesquisa na internet para que se obtenha tutoriais para a produção domiciliar do óleo medicinal e, com isso, a diminuição dos custos despendidos para a utilização de tal tratamento. Sobre essa temática, o TRF da 3ª Região tem precedentes nos quais manifesta entendimento favorável à concessão de salvo-conduto para os casos de importação e plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto ao paciente, diagnosticado com pericardite, para que possa adquirir e plantar cannabis para fins medicinais. 2. Verifica-se que o paciente é portador de pericardite recorrente, cardiopatia grave que causa diversos efeitos colaterais em decorrência do uso de altas doses de corticoide, como desconfortos, dores, insônia e ansiedade. O recorrente iniciou o uso do óleo de canabidiol, apresentando melhora na qualidade de vida. 3. Comprovação do estado de saúde do paciente. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Recurso provido. (TRF 3ª Região, RESE 5004906-14.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, DJe 19/05/2020). PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ÓLEO DE CANNABIS SATIVA. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A RDC n. 156/2017, da ANVISA, autoriza a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis Sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo. 2. O uso pessoal e restrito do medicamento a ser produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros nos casos de doença grave não apresenta qualquer lesividade social e permite a incidência do estado de necessidade exculpante para eximi-la de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06. 3. Reexame necessário não provido. (TRF3, HABEAS CORPUS HC 5002723-18.2019.4.03.6111, Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, 5ª Turma, DJe 14/04/2020) PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL. HABEAS CORPUS. SEMENTES E PLANTAS DE CANNABIS SATIVA. POSSE E UTILIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Salvo-conduto concedido pelo Juízo a quo a fim de que as autoridades policiais se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção do paciente e de seu cuidador, bem como deixando de apreender e destruir as sementes e insumos destinados à produção do óleo cânhamo para o uso próprio, limitando-se ao máximo de 20 (vinte) sementes por mês. 2. Considerado o entendimento jurisprudencial no sentido da expedição de salvo conduto para importação de sementes de Cannabis sativa para extração de óleo de canabidiol àqueles que necessitam da substância para tratamento de saúde, situação que restou comprovada pelo paciente, há que ser mantida a concessão da ordem. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, Remessa Necessária Criminal 5001582-13.2019.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, DJe 14/04/2020)” (grifos nossos). Como se pode observar, são precedentes jurisprudenciais dos quais se beneficiaram pessoas em situações análogas à do impetrante/paciente. No presente caso, o paciente C. N. M. D. S. foi diagnosticado com as seguintes doenças, conforme descrito no relatório médico que acompanha a petição inicial (id 360975409): - Transtorno de pânico (ansiedade paroxística episódica, F410); - Ansiedade generalizada (F411); - Distúrbios do início e da manutenção do sono (insônias, G470). Segundo o já citado relatório médico: C. N. M. D. S. (...) vem fazendo uso de canabidiol 20mg/ml suspensão lipídica 40 gotas VO, 1x ao dia para tratamento de F410, F411 e G470, apresentando melhora considerável do quadro. Paciente relata que foi refratário ao tratamento e manejo com os medicamentos convencionalmente prescritos para as patologias citadas, e de fato manteve uma estabilidade digna de nota com o uso de canabidiol. Para a manutenção do tratamento e possíveis abordagens futuras com o óleo de canabidiol full spectrum, sugiro que o paciente em questão mantenha o uso de canabidiol. Consoante os laudos dos ids 360975407 e 360975408, o paciente fez diversos tratamentos medicamentosos com classes diversas de drogas sem resposta terapêutica e com efeitos colaterais adversos, sendo indicado o uso da Cannabis medicinal, mormente considerando-se a resposta positiva à utilização da substância desde 12/2024, na forma de óleo integral e das flores in natura. Consta, ainda, que a interrupção do tratamento pode levar à piora do quadro do paciente. Os custos, porém, tornam impeditivo para o paciente a aquisição direta no mercado (como se vê dos orçamentos do id 360975418 e do próprio parecer técnico do engenheiro agrônomo do id 360975411), de modo que o plantio e cultivo, para a mesma finalidade medicinal, é medida alternativa à aquisição/importação que atende ao interesse do paciente e garante a continuidade do tratamento e melhora do seu quadro de saúde. A respeito, a jurisprudência que vem se formando nos Tribunais Superiores aponta para a atipicidade do plantio e cultura individualizada de Cannabis Sativa com a finalidade de tratamento médico devidamente prescrito, conforme inclusive precedente nesse sentido pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 3º Região: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. CANNABIS SATIVA. TRATAMENTO TERAPÊUTICO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Este Tribunal Regional Federal estabilizou sua jurisprudência no sentido de que a importação e o plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica, é fato atípico. 2. Esse posicionamento é consentâneo com a jurisprudência que se está formando no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso, está satisfatoriamente demonstrada nos autos a necessidade da paciente de uso medicinal de substância à base de Cannabis sativa, tanto que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já lhe havia autorizado a importação de medicamento dessa natureza. 4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para que os pacientes não venham a sofrer repressão em decorrência do porte, cultivo e uso medicinal de Cannabis sativa, nos estritos limites da presente decisão, ou seja, exclusivamente para tratamento terapêutico, ficando prejudicados o agravo regimental e o pedido de natureza cautelar formulado na presente ação.” (TRF3 – CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL 5002916-62.2021.4.03.0000 - 11ª Turma, Rel. Des. Federal Nino Oliveira Toldo, Intimação via sistema DATA: 05/05/2021). O quadro apresentado, portanto, aponta para a probabilidade do direito do paciente, dado o reconhecimento jurisprudencial da atipicidade da conduta. Em que pese o posicionamento jurisprudencial ser favorável à pretensão do paciente, há concreto risco de prisão e apreensão do cultivo destinado ao seu tratamento, por parte das autoridades policiais indicadas como coatoras, frente à letra expressa da Lei nº 11.343/2006. Assim, há perigo de dano à liberdade de locomoção do paciente, pela manutenção do cultivo e plantio de Cannabis Sativa para fim medicinal, a justificar a concessão do salvo conduto pleiteado. Por outro lado, justifica-se o receio de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da importação e do cultivo da Cannabis, porquanto, nos moldes previstos pelo artigo 28, §1º, da Lei nº 11.343/06 (diploma que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad – e prescreve medidas para prevenção do uso indevido de tais substâncias), quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica, para seu consumo pessoal, pratica conduta ilícita e está submetido à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. E quem importa sementes de Cannabis spp pode ter sua conduta formalmente enquadrada no artigo 33, caput, da referida lei. A Lei nº 11.343/2006, ao mesmo tempo em que estabelece as condutas configuradoras do porte de substância entorpecente e do tráfico ilícito de drogas, prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, a possibilidade de autorização e regulamentação pela União do “plantio, cultura e colheita de vegetais”, a exemplo da Cannabis sativa, para fins medicinais ou científicos, in verbis: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. Apesar do permissivo legal expresso e da existência de suporte científico, o Poder Executivo Federal não exerceu ainda seu poder regulamentar para o fim de autorizar o plantio, a cultura e a colheita de cannabis spp, em que pese o prazo concedido no REsp 2.024.250/PR para tanto. A conduta omissiva consistente em deixar de editar tal regulamento milita contra a segurança jurídica e viola o direito à saúde dos brasileiros e residentes no país que almejam tratamento médico consistente na ingestão de subprodutos desse vegetal. Resta evidenciado o fumus boni iuris, traduzido na probabilidade do direito pleiteado, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminar pleiteada. Destaca-se, ainda, restar presente o periculum in mora – perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pois o impetrante já vem se utilizando da planta Cannabis para fins estritamente medicinais e, caso não seja expedido o salvo conduto, o paciente estará à mercê da fiscalização de autoridades policiais, sendo iminente a sua prisão (em flagrante ou preventiva), com tipificação penal no artigo 28, §1º ou no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na medida em que a matéria prima ou sementes usadas no cultivo da Cannabis são importadas. Todavia, não é possível a concessão de salvo conduto para que o paciente mantenha a quantidade indiscriminada de indivíduos de vegetal da espécie cannabis spp, uma vez que isso equivaleria a descriminalizar o cultivo da planta, o que não é objeto da presente impetração. Nos termos do cálculo agronômico, quantificou-se a necessidade anual de "importação do número de 335 sementes feminizadas CBD/THC” (fl. 52 do id 360975411). Tal referência deve ser utilizada como parâmetro. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, CONCEDO a medida liminar requerida para determinar que as autoridades impetradas se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade do paciente C. N. M. D. S., qualificado na inicial, em razão da importação de sementes da Cannabis Sativa e do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico constante de fl. 04 do id 360975411 (335 sementes anuais feminizadas CBD/THC), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio e exclusivamente para o tratamento contra as doenças de que o paciente é portador, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde. Expeça-se o SALVO CONDUTO em favor de C. N. M. D. S. (qualificação constante da inicial), para que as autoridades coatoras e seus agentes subordinados se abstenham de efetuar, contra o paciente, qualquer ato que atente contra a sua liberdade de locomoção em razão do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no parecer agronômico de fl. 04 do id 360975411 (335 sementes anuais feminizadas CBD/THC), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde, estando expressamente vedada qualquer forma de comercialização e de qualquer outra forma de fornecimento a terceiros da matéria prima e dos compostos derivados. O paciente deverá cultivar em sua residência apenas a quantidade de Cannabis spp ora deferida, por ano, sendo que tal plantio poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e/ou sanitárias. Determino ainda que o resíduo de todo o processo (desde o cultivo até a extração) devem ser utilizados apenas como adubo e não descartados com o lixo comum. Quando solicitado, o paciente deverá elaborar relatórios prestando informações sobre a quantidade de sementes ou mudas utilizadas no período, espécies respectivas, extrações de óleo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, remessas para avaliação, incluindo os dados completos dos órgãos ou entidades de pesquisa destinatários bem como os resultados, quantitativos e qualitativos, da referida avaliação, submetendo-se a todas as medidas eventualmente adotadas pela autoridade sanitária para fiscalização de seu cultivo. A concessão desta liminar obriga o paciente a observar estritamente os termos aqui estabelecidos. A autorização ora concedida é personalíssima e intransferível, de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir a terceiro, a qualquer título, sementes, plantas, matéria-prima ou o óleo extraído, para qualquer finalidade, inclusive medicinal, sob as penas previstas na Lei nº 11.343/2006. A presente decisão gerará efeitos até: a) o julgamento do mérito desta ação; b) o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.708/DF pelo Supremo Tribunal Federal; c) eventual regulamentação do cultivo da Cannabis spp no Brasil pela ANVISA, para fins medicinais; e d) eventual incorporação pelo SUS, para fins de fornecimento gratuito pelo Poder Público, do tratamento médico prescrito. Por fim, defiro o pedido de tramitação do feito sob segredo de justiça (sigilo total), uma vez que a condição de saúde do paciente é fundamento central da concessão da presente medida e tal condição está abrangida pela proteção que se dá à intimidade (CRFB, artigo 5º, inciso LX). Anotação já realizada. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entenderem pertinentes (artigo 649, do Código de Processo Penal). Visando dar efetividade à garantia estabelecida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, servirá cópia da presente decisão como OFÍCIO e MANDADO DE INTIMAÇÃO, que deverá ser encaminhada para cumprimento. Com a vinda das informações, abra-se nova vista ao Ministério Público Federal para parecer e, em seguida, façam os autos conclusos para prolação de sentença. Intimem-se. Cumpra-se. Assis, data da assinatura eletrônica. GUSTAVO CATUNDA MENDES Juiz Federal

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 5000327-43.2025.4.03.6116

ID: 308517892

Tribunal: TRF3 Órgão: 1ª Vara Federal de Assis Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº Processo: 5000327-43.2025.4.03.6116

Data de Disponibilização: 26/06/2025

Polo Ativo:

MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

JAMIL ISSY NETO

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000327-43.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: E. S. D. J. Advogados do(a) PACIENTE: JAMIL ISSY NETO - GO46181, MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA - GO5… HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000327-43.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: E. S. D. J. Advogados do(a) PACIENTE: JAMIL ISSY NETO - GO46181, MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA - GO56534 IMPETRADO: P. C., P. M. D. E. D. S. P., P. F. FISCAL DA LEI: M. P. F. -. P. D E C I S Ã O I – RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em favor do paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO, em face do DIRETOR GERAL DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO e DO COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando autorização judicial que impeça as autoridades impetradas de prender, ou adotar outras medidas de persecução penal, em face da conduta do paciente consistente no cultivo de cannabis para manipulação de óleo de extrato de cannabis sativa (uso oral) associado ao uso in natura por via inalatória para controle de crises, a ser utilizada no tratamento das doenças que acometem o paciente. Recebida a inicial, foi encaminhado para parecer prévio do Ministério Público Federal, cujo parecer favorável à concessão da liminar foi apresentado no ID 365291059. Intimados os impetrantes a justificarem o interesse de agir em razão da vigência da Lei Estadual n. 17.618, de 31/01/2023 (id 366231691), manifestaram-se no id 366586084, aduzindo que referida norma não se aplica ao caso concreto, pois a regulamentação em questão se restringe apenas à Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. Também argumentam a grande fila de espera gerada para a obtenção da substância pelo Estado de São Paulo, do que decorreu ter havido poucos contemplados, bem como a questão da desoneração do Estado com o cultivo domiciliar, que também contribui com a universalização de acesso aos serviços de saúde e à preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral (incisos I e III do art. 198 da CF). O MPF, por seu turno, acolheu a tese dos impetrantes, em seu parecer do id 366763155, mormente diante de notícia oficial no sentido de que o fornecimento de remédios à base de Cannabis não atenderá a todos, indistintamente, mas apenas aos casos de tratamento das síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. É, em síntese, o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA II.1 - PRELIMINARMENTE: COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL Fixo a competência deste Juízo para conhecer do presente habeas corpus, haja vista que não se insere na competência do Juiz de Garantias, por se tratar de medida preventiva, sem a existência de uma investigação criminal em curso, antes do oferecimento da denúncia. Se não há investigação em curso ou denúncia oferecida, não há suporte lógico e jurídico que atraia a competência do Juiz de Garantias II.2 - MÉRITO: HABEAS CORPUS - REQUISITOS LEGAIS - CASO EM CONCRETO O habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõe o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República. Tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação voltada à tutela da liberdade de ir e vir. Segundo Renato Brasileiro de Lima, há duas espécies de habeas corpus: o liberatório e o preventivo. Acerca do habeas corpus preventivo, teceu os comentários seguintes[1]: “Denomina-se preventivo o habeas corpus que se ajuíza contra ameaça de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, visando a prevenir sua materialização. Nesse caso, o juiz ou tribunal profere ordem impeditiva da coação, que se chama salvo-conduto. Como estabelece o CPP, se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (art. 660, §4º). Do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), a expressão salvo-conduto dá a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Por meio dele, concede-se ao seu portador livre trânsito, de modo a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que deu ensejo à impetração do habeas corpus. Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma iminente e plausível. (...) Reputa-se, assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for meramente hipotético”. Assim, para a concessão de habeas corpus preventivo exige-se a demonstração, por prova pré-constituída, da existência de ameaça real de violência ou coação ilegal ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O impetrante pretende, em síntese, o cultivo da planta Cannabis para produzir artesanalmente o óleo de cannabis, para fins exclusivamente medicinais. De fato, a tipicidade formal dessas condutas não está excluída e, consequentemente, é concreto e real o receio de que a atuação das autoridades de prevenção e repressão de crimes possa levar à prisão do paciente caso as pratique sem amparo em ordem judicial. Daí decorre o fundado receio de constrangimento ilegal e, mais que isso, o efetivo risco à liberdade de ir e vir, a demonstrar a adequação da via ora eleita. O tema ora versado no presente writ, de reconhecimento da utilização da Cannabis sativa para fins medicinais, com consequente autorização de seu cultivo domiciliar, deve ser analisado sob o viés da concretização do direito à saúde, consagrado pela Constituição da República como direito social no seu artigo 6º, caput, e de modo a promover também a dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurada aos brasileiros e residentes no país. Tal preceito está resguardado pela Carta Magna, que elenca entre os objetivos da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV). A promoção do bem de todos depende em alguns casos da adoção de políticas públicas, ou seja, de um fazer estatal. Em outros casos, depende de o Estado se abster de condutas que violem a esfera de direitos dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. Das disposições constitucionais acima decorre o dever de fornecimento, por parte do Estado, da medicação e/ou da intervenção médica necessária ao restabelecimento da saúde dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil, respeitadas certas balizas. E o dever de não impedir que os titulares do direito à saúde busquem tratamentos para as moléstias de que padecem, a menos que o impedimento seja fundado em lei e seja necessário, adequado e seja adotado de modo estritamente proporcional ao fim visado, qual seja, a própria proteção da saúde de todos. As prestações positivas relacionadas à promoção do direito à saúde são regulamentadas principalmente pela Lei nº 8.080/90, complementada pela Lei nº 8.142/90, que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito do qual funciona a Política Nacional de Medicamentos (PNM), como parte essencial da Política Nacional de Saúde, disciplinada pela Portaria MS/GM n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Do desenvolvimento de um novo fármaco à distribuição desse fármaco à população por meio da Política Nacional de Medicamentos, segue-se um longo procedimento que envolve diversos órgãos, inclui testes e experimentos, a consideração técnica dos riscos e benefícios envolvidos, bem como o custo de sua incorporação e os consequentes impactos no orçamento público. É o que se passa com a distribuição de medicamentos à base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capazes de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos, materializando o acesso à saúde na sua mais pura forma. Nesse rol estão incluídos os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha (Cannabis sativa) que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido à ilicitude de condutas diversas relacionadas a essa espécie vegetal no Brasil – e suas congêneres, tais como a cannabisindica. De fato, integrando um dos compostos da Cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD) constitui grande parte da planta, representando cerca de 40% das substâncias ativas da planta[2], possuindo arcabouço químico com potencial medicinal, já que produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral. Tem sido considerado eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados já atestaram a sua eficácia de modo a auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças e na diminuição de dores e melhoria nos aspectos emocionais e sociais de pacientes, promovendo ganho substancial de qualidade de vida, sem causar dependência ou efeitos psicoativos. A partir da edição da RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 17, DE 06 DE MAIO DE 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a permitir a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A questão é atualmente disciplinada pela RESOLUÇÃO - RDC Nº 335, DE 24 DE JANEIRO DE 2020. Apesar de, nos termos dessa nova resolução e da que lhe antecedeu, a ANVISA permitir a importação de produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp, para fins medicinais, a agência não permite a produção do óleo essencial no Brasil e tampouco a importação da respectiva matéria-prima. Em verdade, repita-se, apenas autoriza a importação de medicamentos e produtos com o respectivo princípio ativo, por meio de um processo complexo, extremamente oneroso, via desembaraço aduaneiro e dependente da atuação de intermediários, bem como da existência de prévio cadastro por parte da pessoa física interessada. Desse modo, em vez de criar meios para o exercício isonômico do direito à saúde, como exige o artigo 196, caput, da CRFB, o atual tratamento conferido pelo Poder Público Federal ao tema cria situação em que a utilização do óleo medicinal fica adstrita a um público muito restrito, provido de conhecimento e poder econômico para o exercício do direito a buscar o tratamento com produtos derivados de cannabis spp. CONSOANTE INFORMAÇÕES PRESTADAS PELOS IMPETRANTES E PELO MPF, O ALCANCE DA LEI ESTADUAL Nº 17.618, de 31/01/2023 É LIMITADO, E NÃO ABRANGE A SITUAÇÃO DO PACIENTE. Tais circunstâncias tornam admissível, tolerável e compreensível a busca, pela parte paciente, de autorização judicial para a produção de seu próprio óleo medicinal. O cultivo e a produção caseira do óleo medicinal de cannabis spp é uma realidade no mercado brasileiro paralelo, bastando uma simples pesquisa na internet para que se obtenha tutoriais para a produção domiciliar do óleo medicinal e, com isso, a diminuição dos custos despendidos para a utilização de tal tratamento. Sobre essa temática, o TRF da 3ª Região tem precedentes nos quais manifesta entendimento favorável à concessão de salvo-conduto para os casos de importação e plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto ao paciente, diagnosticado com pericardite, para que possa adquirir e plantar cannabis para fins medicinais. 2. Verifica-se que o paciente é portador de pericardite recorrente, cardiopatia grave que causa diversos efeitos colaterais em decorrência do uso de altas doses de corticoide, como desconfortos, dores, insônia e ansiedade. O recorrente iniciou o uso do óleo de canabidiol, apresentando melhora na qualidade de vida. 3. Comprovação do estado de saúde do paciente. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Recurso provido. (TRF 3ª Região, RESE 5004906-14.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, DJe 19/05/2020). PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ÓLEO DE CANNABIS SATIVA. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A RDC n. 156/2017, da ANVISA, autoriza a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis Sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo. 2. O uso pessoal e restrito do medicamento a ser produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros nos casos de doença grave não apresenta qualquer lesividade social e permite a incidência do estado de necessidade exculpante para eximi-la de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06. 3. Reexame necessário não provido. (TRF3, HABEAS CORPUS HC 5002723-18.2019.4.03.6111, Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, 5ª Turma, DJe 14/04/2020) PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL. HABEAS CORPUS. SEMENTES E PLANTAS DE CANNABIS SATIVA. POSSE E UTILIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Salvo-conduto concedido pelo Juízo a quo a fim de que as autoridades policiais se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção do paciente e de seu cuidador, bem como deixando de apreender e destruir as sementes e insumos destinados à produção do óleo cânhamo para o uso próprio, limitando-se ao máximo de 20 (vinte) sementes por mês. 2. Considerado o entendimento jurisprudencial no sentido da expedição de salvo conduto para importação de sementes de Cannabis sativa para extração de óleo de canabidiol àqueles que necessitam da substância para tratamento de saúde, situação que restou comprovada pelo paciente, há que ser mantida a concessão da ordem. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, Remessa Necessária Criminal 5001582-13.2019.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, DJe 14/04/2020)” (grifos nossos). Como se pode observar, são precedentes jurisprudenciais dos quais se beneficiaram pessoas em situações análogas à do impetrante. No presente caso, o paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO foi assim diagnosticado (id 362546284): Paciente com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) com impulsividade, irritabilidade, baixa da atenção e dificuldade de concentração associado a sintomas depressivos, insônia e crises de ansiedade. O quadro clínico interfere diretamente em sua qualidade de vida e atividades funcionais diárias. Os produtos à base de cannabis têm como objetivo melhorar a qualidade de vida e controlar/diminuir os sintomas da doença. Devido à insuficiência das respostas terapêuticas das medicações convencionais disponíveis no mercado, indico o uso de remédio à base de cannabis sativa. CID10: F900 - Distúrbios da atividade e da atenção F412 - Transtorno misto ansioso e depressivo G47 - Distúrbios do sono E, nos termos do relatório do id 362546285: Devido à insuficiência das respostas terapêuticas das medicações convencionais disponíveis no mercado, foi indicado o uso de remédio à base de cannabis sativa. Está sob tratamento médico (primeira consulta neste serviço em 20/11/2024) em uso oral de óleo de extrato de cannabis sativa associado ao uso in natura por via inalatória para controle de crises, já que essa via promove uma maior biodisponibilidade, aumentando a intensidade e rapidez dos efeitos. Apresenta melhora substancial dos sintomas de TDAH, insônia e crises de ansiedade, melhorando também a qualidade de vida geral e as relações familiares/sociais. Devido ao alto custo, bem como a dificuldade em conseguir produtos específicos para o tratamento, paciente optou pelo cultivo artesanal; parte dos remédios utilizados atualmente no tratamento são provenientes de cultivo próprio e apresentam efeitos terapêuticos satisfatórios; o paciente demonstra capacidade e conhecimento técnico para produzir sua própria medicação através do autocultivo. Como se vê, de acordo com os receituários e relatórios médicos acostados à petição inicial, não há dúvida de que, do ponto de vista médico, o uso de óleo de “cannabis” se faz necessário para uma melhor qualidade de vida do paciente. Os custos, porém, representam um impeditivo para o paciente efetuar a aquisição direta no mercado (a exemplo do orçamento do id 362546292), de modo que o plantio e cultivo, para a mesma finalidade medicinal, é medida alternativa à aquisição/importação que atende ao interesse do paciente e garante a continuidade do tratamento e melhora do seu quadro de saúde. A respeito, a jurisprudência que vem se formando nos Tribunais Superiores aponta para a atipicidade do plantio e cultura individualizada de Cannabis Sativa com a finalidade de tratamento médico devidamente prescrito, conforme inclusive precedente nesse sentido pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 3º Região: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. CANNABIS SATIVA. TRATAMENTO TERAPÊUTICO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Este Tribunal Regional Federal estabilizou sua jurisprudência no sentido de que a importação e o plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica, é fato atípico. 2. Esse posicionamento é consentâneo com a jurisprudência que se está formando no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso, está satisfatoriamente demonstrada nos autos a necessidade da paciente de uso medicinal de substância à base de Cannabis sativa, tanto que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já lhe havia autorizado a importação de medicamento dessa natureza. 4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para que os pacientes não venham a sofrer repressão em decorrência do porte, cultivo e uso medicinal de Cannabis sativa, nos estritos limites da presente decisão, ou seja, exclusivamente para tratamento terapêutico, ficando prejudicados o agravo regimental e o pedido de natureza cautelar formulado na presente ação.” (TRF3 – CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL 5002916-62.2021.4.03.0000 - 11ª Turma, Rel. Des. Federal Nino Oliveira Toldo, Intimação via sistema DATA: 05/05/2021). O quadro apresentado, portanto, aponta para a probabilidade do direito do paciente, dado o reconhecimento jurisprudencial da atipicidade da conduta. Em que pese o posicionamento jurisprudencial ser favorável à pretensão do paciente, há concreto risco de prisão e apreensão do cultivo destinado ao seu tratamento, por parte das autoridades policiais indicadas como coatoras, frente à letra expressa da Lei nº 11.343/2006. Assim, há perigo de dano à liberdade de locomoção do paciente, pela manutenção do cultivo e plantio de Cannabis Sativa para fim medicinal, a justificar a concessão do salvo conduto pleiteado. Por outro lado, justifica-se o receio de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da importação e do cultivo da Cannabis, porquanto, nos moldes previstos pelo artigo 28, §1º, da Lei nº 11.343/06 (diploma que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad – e prescreve medidas para prevenção do uso indevido de tais substâncias), quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica, para seu consumo pessoal, pratica conduta ilícita e está submetido à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. E quem importa sementes de Cannabis spp pode ter sua conduta formalmente enquadrada no artigo 33, caput, da referida lei. A Lei nº 11.343/2006, ao mesmo tempo em que estabelece as condutas configuradoras do porte de substância entorpecente e do tráfico ilícito de drogas, prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, a possibilidade de autorização e regulamentação pela União do “plantio, cultura e colheita de vegetais”, a exemplo da Cannabis sativa, para fins medicinais ou científicos, in verbis: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. Apesar do permissivo legal expresso e da existência de suporte científico, o Poder Executivo Federal não exerceu ainda seu poder regulamentar para o fim de autorizar o plantio, a cultura e a colheita de cannabis spp, em que pese o prazo concedido no REsp 2.024.250/PR para tanto. A conduta omissiva consistente em deixar de editar tal regulamento milita contra a segurança jurídica e viola o direito à saúde dos brasileiros e residentes no país que almejam tratamento médico consistente na ingestão de subprodutos desse vegetal. Resta evidenciado o fumus boni iuris, traduzido na probabilidade do direito pleiteado, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminar pleiteada. Destaca-se, ainda, restar presente o periculum in mora – perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pois o impetrante já cultiva a planta Cannabis para fins estritamente medicinais e, caso não seja expedido o salvo conduto, o paciente estará à mercê da fiscalização de autoridades policiais, sendo iminente a sua prisão (em flagrante ou preventiva), com tipificação penal no artigo 28, §1º ou no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na medida em que a matéria prima ou sementes usadas no cultivo da Cannabis são importadas. Todavia, não é possível a concessão de salvo conduto para que o paciente mantenha a quantidade indiscriminada de indivíduos de vegetal da espécie cannabis spp, uma vez que isso equivaleria a descriminalizar o cultivo da planta, o que não é objeto da presente impetração. Nos termos do cálculo agronômico, quantificou-se, para o período de um ano, "78 plantas para a produção de óleo e 66 plantas para a produção de flores”, ou seja, 144 plantas ao ano, “além da importação de 144 sementes ao ano”. Tal referência deve ser utilizada como parâmetro. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, CONCEDO a medida liminar requerida para determinar que as autoridades impetradas se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade do paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO (qualificado no id 362546254) em razão da importação de sementes da Cannabis Sativa e do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico do id 362546289 (144 plantas anuais, além da importação de 144 sementes por ano), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio e exclusivamente para o tratamento contra as doenças de que o paciente é portador, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde. Expeça-se o SALVO CONDUTO em favor de CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO (qualificado no id 362546254), para que as autoridades coatoras e seus agentes subordinados se abstenham de efetuar, contra o paciente, qualquer ato que atente contra a sua liberdade de locomoção em razão do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico do id 362546289 (144 plantas anuais, além da importação de 144 sementes por ano), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde, estando expressamente vedada qualquer forma de comercialização e de qualquer outra forma de fornecimento a terceiros da matéria prima e dos compostos derivados. O paciente deverá cultivar em sua residência apenas a quantidade de Cannabis spp ora deferida, por ano, sendo que tal plantio poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e/ou sanitárias. Determino ainda que o resíduo de todo o processo (desde o cultivo até a extração) devem ser utilizados apenas como adubo e não descartados com o lixo comum. Quando solicitado, o paciente deverá elaborar relatórios prestando informações sobre a quantidade de sementes ou mudas utilizadas no período, espécies respectivas, extrações de óleo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, remessas para avaliação, incluindo os dados completos dos órgãos ou entidades de pesquisa destinatários bem como os resultados, quantitativos e qualitativos, da referida avaliação, submetendo-se a todas as medidas eventualmente adotadas pela autoridade sanitária para fiscalização de seu cultivo. A concessão desta liminar obriga o paciente a observar estritamente os termos aqui estabelecidos. A autorização ora concedida é personalíssima e intransferível, de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir a terceiro, a qualquer título, sementes, plantas, matéria-prima ou o óleo extraído, para qualquer finalidade, inclusive medicinal, sob as penas previstas na Lei nº 11.343/2006. A presente decisão gerará efeitos até: a) o julgamento do mérito desta ação; b) o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.708/DF pelo Supremo Tribunal Federal; c) eventual regulamentação do cultivo da Cannabis spp no Brasil pela ANVISA, para fins medicinais; e d) eventual incorporação pelo SUS, para fins de fornecimento gratuito pelo Poder Público, do tratamento médico prescrito. Por fim, defiro o pedido de tramitação do feito sob segredo de justiça (sigilo total), uma vez que a condição de saúde do paciente é fundamento central da concessão da presente medida e tal condição está abrangida pela proteção que se dá à intimidade (CRFB, artigo 5º, inciso LX). Anotação já realizada. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entenderem pertinentes (artigo 649, do Código de Processo Penal). Visando dar efetividade à garantia estabelecida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, servirá cópia da presente decisão como OFÍCIO e MANDADO DE INTIMAÇÃO, que deverá ser encaminhada para cumprimento. Com a vinda das informações, abra-se nova vista ao Ministério Público Federal para parecer e, em seguida, façam os autos conclusos para prolação de sentença. Intimem-se. Cumpra-se. Assis, data da assinatura eletrônica. GUSTAVO CATUNDA MENDES Juiz Federal

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 5000327-43.2025.4.03.6116

ID: 308517915

Tribunal: TRF3 Órgão: 1ª Vara Federal de Assis Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº Processo: 5000327-43.2025.4.03.6116

Data de Disponibilização: 26/06/2025

Polo Ativo:

JAMIL ISSY NETO

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

JAMIL ISSY NETO

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000327-43.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: E. S. D. J. Advogados do(a) PACIENTE: JAMIL ISSY NETO - GO46181, MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA - GO5… HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000327-43.2025.4.03.6116 / 1ª Vara Federal de Assis PACIENTE: E. S. D. J. Advogados do(a) PACIENTE: JAMIL ISSY NETO - GO46181, MATTEUS DAYRELL REZENDE JACARANDA - GO56534 IMPETRADO: P. C., P. M. D. E. D. S. P., P. F. FISCAL DA LEI: M. P. F. -. P. D E C I S Ã O I – RELATÓRIO Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado em favor do paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO, em face do DIRETOR GERAL DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO e DO COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando autorização judicial que impeça as autoridades impetradas de prender, ou adotar outras medidas de persecução penal, em face da conduta do paciente consistente no cultivo de cannabis para manipulação de óleo de extrato de cannabis sativa (uso oral) associado ao uso in natura por via inalatória para controle de crises, a ser utilizada no tratamento das doenças que acometem o paciente. Recebida a inicial, foi encaminhado para parecer prévio do Ministério Público Federal, cujo parecer favorável à concessão da liminar foi apresentado no ID 365291059. Intimados os impetrantes a justificarem o interesse de agir em razão da vigência da Lei Estadual n. 17.618, de 31/01/2023 (id 366231691), manifestaram-se no id 366586084, aduzindo que referida norma não se aplica ao caso concreto, pois a regulamentação em questão se restringe apenas à Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. Também argumentam a grande fila de espera gerada para a obtenção da substância pelo Estado de São Paulo, do que decorreu ter havido poucos contemplados, bem como a questão da desoneração do Estado com o cultivo domiciliar, que também contribui com a universalização de acesso aos serviços de saúde e à preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral (incisos I e III do art. 198 da CF). O MPF, por seu turno, acolheu a tese dos impetrantes, em seu parecer do id 366763155, mormente diante de notícia oficial no sentido de que o fornecimento de remédios à base de Cannabis não atenderá a todos, indistintamente, mas apenas aos casos de tratamento das síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e Esclerose Tuberosa. É, em síntese, o relatório. Fundamento e decido. II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA II.1 - PRELIMINARMENTE: COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL Fixo a competência deste Juízo para conhecer do presente habeas corpus, haja vista que não se insere na competência do Juiz de Garantias, por se tratar de medida preventiva, sem a existência de uma investigação criminal em curso, antes do oferecimento da denúncia. Se não há investigação em curso ou denúncia oferecida, não há suporte lógico e jurídico que atraia a competência do Juiz de Garantias II.2 - MÉRITO: HABEAS CORPUS - REQUISITOS LEGAIS - CASO EM CONCRETO O habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõe o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República. Tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação voltada à tutela da liberdade de ir e vir. Segundo Renato Brasileiro de Lima, há duas espécies de habeas corpus: o liberatório e o preventivo. Acerca do habeas corpus preventivo, teceu os comentários seguintes[1]: “Denomina-se preventivo o habeas corpus que se ajuíza contra ameaça de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, visando a prevenir sua materialização. Nesse caso, o juiz ou tribunal profere ordem impeditiva da coação, que se chama salvo-conduto. Como estabelece o CPP, se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (art. 660, §4º). Do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), a expressão salvo-conduto dá a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Por meio dele, concede-se ao seu portador livre trânsito, de modo a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que deu ensejo à impetração do habeas corpus. Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma iminente e plausível. (...) Reputa-se, assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for meramente hipotético”. Assim, para a concessão de habeas corpus preventivo exige-se a demonstração, por prova pré-constituída, da existência de ameaça real de violência ou coação ilegal ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O impetrante pretende, em síntese, o cultivo da planta Cannabis para produzir artesanalmente o óleo de cannabis, para fins exclusivamente medicinais. De fato, a tipicidade formal dessas condutas não está excluída e, consequentemente, é concreto e real o receio de que a atuação das autoridades de prevenção e repressão de crimes possa levar à prisão do paciente caso as pratique sem amparo em ordem judicial. Daí decorre o fundado receio de constrangimento ilegal e, mais que isso, o efetivo risco à liberdade de ir e vir, a demonstrar a adequação da via ora eleita. O tema ora versado no presente writ, de reconhecimento da utilização da Cannabis sativa para fins medicinais, com consequente autorização de seu cultivo domiciliar, deve ser analisado sob o viés da concretização do direito à saúde, consagrado pela Constituição da República como direito social no seu artigo 6º, caput, e de modo a promover também a dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurada aos brasileiros e residentes no país. Tal preceito está resguardado pela Carta Magna, que elenca entre os objetivos da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV). A promoção do bem de todos depende em alguns casos da adoção de políticas públicas, ou seja, de um fazer estatal. Em outros casos, depende de o Estado se abster de condutas que violem a esfera de direitos dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. Das disposições constitucionais acima decorre o dever de fornecimento, por parte do Estado, da medicação e/ou da intervenção médica necessária ao restabelecimento da saúde dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil, respeitadas certas balizas. E o dever de não impedir que os titulares do direito à saúde busquem tratamentos para as moléstias de que padecem, a menos que o impedimento seja fundado em lei e seja necessário, adequado e seja adotado de modo estritamente proporcional ao fim visado, qual seja, a própria proteção da saúde de todos. As prestações positivas relacionadas à promoção do direito à saúde são regulamentadas principalmente pela Lei nº 8.080/90, complementada pela Lei nº 8.142/90, que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito do qual funciona a Política Nacional de Medicamentos (PNM), como parte essencial da Política Nacional de Saúde, disciplinada pela Portaria MS/GM n° 3.916, de 30 de outubro de 1998. Do desenvolvimento de um novo fármaco à distribuição desse fármaco à população por meio da Política Nacional de Medicamentos, segue-se um longo procedimento que envolve diversos órgãos, inclui testes e experimentos, a consideração técnica dos riscos e benefícios envolvidos, bem como o custo de sua incorporação e os consequentes impactos no orçamento público. É o que se passa com a distribuição de medicamentos à base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capazes de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos, materializando o acesso à saúde na sua mais pura forma. Nesse rol estão incluídos os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha (Cannabis sativa) que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido à ilicitude de condutas diversas relacionadas a essa espécie vegetal no Brasil – e suas congêneres, tais como a cannabisindica. De fato, integrando um dos compostos da Cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD) constitui grande parte da planta, representando cerca de 40% das substâncias ativas da planta[2], possuindo arcabouço químico com potencial medicinal, já que produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral. Tem sido considerado eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados já atestaram a sua eficácia de modo a auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças e na diminuição de dores e melhoria nos aspectos emocionais e sociais de pacientes, promovendo ganho substancial de qualidade de vida, sem causar dependência ou efeitos psicoativos. A partir da edição da RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 17, DE 06 DE MAIO DE 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a permitir a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinoides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A questão é atualmente disciplinada pela RESOLUÇÃO - RDC Nº 335, DE 24 DE JANEIRO DE 2020. Apesar de, nos termos dessa nova resolução e da que lhe antecedeu, a ANVISA permitir a importação de produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp, para fins medicinais, a agência não permite a produção do óleo essencial no Brasil e tampouco a importação da respectiva matéria-prima. Em verdade, repita-se, apenas autoriza a importação de medicamentos e produtos com o respectivo princípio ativo, por meio de um processo complexo, extremamente oneroso, via desembaraço aduaneiro e dependente da atuação de intermediários, bem como da existência de prévio cadastro por parte da pessoa física interessada. Desse modo, em vez de criar meios para o exercício isonômico do direito à saúde, como exige o artigo 196, caput, da CRFB, o atual tratamento conferido pelo Poder Público Federal ao tema cria situação em que a utilização do óleo medicinal fica adstrita a um público muito restrito, provido de conhecimento e poder econômico para o exercício do direito a buscar o tratamento com produtos derivados de cannabis spp. CONSOANTE INFORMAÇÕES PRESTADAS PELOS IMPETRANTES E PELO MPF, O ALCANCE DA LEI ESTADUAL Nº 17.618, de 31/01/2023 É LIMITADO, E NÃO ABRANGE A SITUAÇÃO DO PACIENTE. Tais circunstâncias tornam admissível, tolerável e compreensível a busca, pela parte paciente, de autorização judicial para a produção de seu próprio óleo medicinal. O cultivo e a produção caseira do óleo medicinal de cannabis spp é uma realidade no mercado brasileiro paralelo, bastando uma simples pesquisa na internet para que se obtenha tutoriais para a produção domiciliar do óleo medicinal e, com isso, a diminuição dos custos despendidos para a utilização de tal tratamento. Sobre essa temática, o TRF da 3ª Região tem precedentes nos quais manifesta entendimento favorável à concessão de salvo-conduto para os casos de importação e plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto ao paciente, diagnosticado com pericardite, para que possa adquirir e plantar cannabis para fins medicinais. 2. Verifica-se que o paciente é portador de pericardite recorrente, cardiopatia grave que causa diversos efeitos colaterais em decorrência do uso de altas doses de corticoide, como desconfortos, dores, insônia e ansiedade. O recorrente iniciou o uso do óleo de canabidiol, apresentando melhora na qualidade de vida. 3. Comprovação do estado de saúde do paciente. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Recurso provido. (TRF 3ª Região, RESE 5004906-14.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, DJe 19/05/2020). PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ÓLEO DE CANNABIS SATIVA. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A RDC n. 156/2017, da ANVISA, autoriza a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis Sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo. 2. O uso pessoal e restrito do medicamento a ser produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros nos casos de doença grave não apresenta qualquer lesividade social e permite a incidência do estado de necessidade exculpante para eximi-la de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06. 3. Reexame necessário não provido. (TRF3, HABEAS CORPUS HC 5002723-18.2019.4.03.6111, Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, 5ª Turma, DJe 14/04/2020) PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL. HABEAS CORPUS. SEMENTES E PLANTAS DE CANNABIS SATIVA. POSSE E UTILIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Salvo-conduto concedido pelo Juízo a quo a fim de que as autoridades policiais se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção do paciente e de seu cuidador, bem como deixando de apreender e destruir as sementes e insumos destinados à produção do óleo cânhamo para o uso próprio, limitando-se ao máximo de 20 (vinte) sementes por mês. 2. Considerado o entendimento jurisprudencial no sentido da expedição de salvo conduto para importação de sementes de Cannabis sativa para extração de óleo de canabidiol àqueles que necessitam da substância para tratamento de saúde, situação que restou comprovada pelo paciente, há que ser mantida a concessão da ordem. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, Remessa Necessária Criminal 5001582-13.2019.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, DJe 14/04/2020)” (grifos nossos). Como se pode observar, são precedentes jurisprudenciais dos quais se beneficiaram pessoas em situações análogas à do impetrante. No presente caso, o paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO foi assim diagnosticado (id 362546284): Paciente com diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) com impulsividade, irritabilidade, baixa da atenção e dificuldade de concentração associado a sintomas depressivos, insônia e crises de ansiedade. O quadro clínico interfere diretamente em sua qualidade de vida e atividades funcionais diárias. Os produtos à base de cannabis têm como objetivo melhorar a qualidade de vida e controlar/diminuir os sintomas da doença. Devido à insuficiência das respostas terapêuticas das medicações convencionais disponíveis no mercado, indico o uso de remédio à base de cannabis sativa. CID10: F900 - Distúrbios da atividade e da atenção F412 - Transtorno misto ansioso e depressivo G47 - Distúrbios do sono E, nos termos do relatório do id 362546285: Devido à insuficiência das respostas terapêuticas das medicações convencionais disponíveis no mercado, foi indicado o uso de remédio à base de cannabis sativa. Está sob tratamento médico (primeira consulta neste serviço em 20/11/2024) em uso oral de óleo de extrato de cannabis sativa associado ao uso in natura por via inalatória para controle de crises, já que essa via promove uma maior biodisponibilidade, aumentando a intensidade e rapidez dos efeitos. Apresenta melhora substancial dos sintomas de TDAH, insônia e crises de ansiedade, melhorando também a qualidade de vida geral e as relações familiares/sociais. Devido ao alto custo, bem como a dificuldade em conseguir produtos específicos para o tratamento, paciente optou pelo cultivo artesanal; parte dos remédios utilizados atualmente no tratamento são provenientes de cultivo próprio e apresentam efeitos terapêuticos satisfatórios; o paciente demonstra capacidade e conhecimento técnico para produzir sua própria medicação através do autocultivo. Como se vê, de acordo com os receituários e relatórios médicos acostados à petição inicial, não há dúvida de que, do ponto de vista médico, o uso de óleo de “cannabis” se faz necessário para uma melhor qualidade de vida do paciente. Os custos, porém, representam um impeditivo para o paciente efetuar a aquisição direta no mercado (a exemplo do orçamento do id 362546292), de modo que o plantio e cultivo, para a mesma finalidade medicinal, é medida alternativa à aquisição/importação que atende ao interesse do paciente e garante a continuidade do tratamento e melhora do seu quadro de saúde. A respeito, a jurisprudência que vem se formando nos Tribunais Superiores aponta para a atipicidade do plantio e cultura individualizada de Cannabis Sativa com a finalidade de tratamento médico devidamente prescrito, conforme inclusive precedente nesse sentido pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 3º Região: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR. CANNABIS SATIVA. TRATAMENTO TERAPÊUTICO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. Este Tribunal Regional Federal estabilizou sua jurisprudência no sentido de que a importação e o plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica, é fato atípico. 2. Esse posicionamento é consentâneo com a jurisprudência que se está formando no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso, está satisfatoriamente demonstrada nos autos a necessidade da paciente de uso medicinal de substância à base de Cannabis sativa, tanto que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já lhe havia autorizado a importação de medicamento dessa natureza. 4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para que os pacientes não venham a sofrer repressão em decorrência do porte, cultivo e uso medicinal de Cannabis sativa, nos estritos limites da presente decisão, ou seja, exclusivamente para tratamento terapêutico, ficando prejudicados o agravo regimental e o pedido de natureza cautelar formulado na presente ação.” (TRF3 – CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL 5002916-62.2021.4.03.0000 - 11ª Turma, Rel. Des. Federal Nino Oliveira Toldo, Intimação via sistema DATA: 05/05/2021). O quadro apresentado, portanto, aponta para a probabilidade do direito do paciente, dado o reconhecimento jurisprudencial da atipicidade da conduta. Em que pese o posicionamento jurisprudencial ser favorável à pretensão do paciente, há concreto risco de prisão e apreensão do cultivo destinado ao seu tratamento, por parte das autoridades policiais indicadas como coatoras, frente à letra expressa da Lei nº 11.343/2006. Assim, há perigo de dano à liberdade de locomoção do paciente, pela manutenção do cultivo e plantio de Cannabis Sativa para fim medicinal, a justificar a concessão do salvo conduto pleiteado. Por outro lado, justifica-se o receio de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da importação e do cultivo da Cannabis, porquanto, nos moldes previstos pelo artigo 28, §1º, da Lei nº 11.343/06 (diploma que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad – e prescreve medidas para prevenção do uso indevido de tais substâncias), quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica, para seu consumo pessoal, pratica conduta ilícita e está submetido à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. E quem importa sementes de Cannabis spp pode ter sua conduta formalmente enquadrada no artigo 33, caput, da referida lei. A Lei nº 11.343/2006, ao mesmo tempo em que estabelece as condutas configuradoras do porte de substância entorpecente e do tráfico ilícito de drogas, prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, a possibilidade de autorização e regulamentação pela União do “plantio, cultura e colheita de vegetais”, a exemplo da Cannabis sativa, para fins medicinais ou científicos, in verbis: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. Apesar do permissivo legal expresso e da existência de suporte científico, o Poder Executivo Federal não exerceu ainda seu poder regulamentar para o fim de autorizar o plantio, a cultura e a colheita de cannabis spp, em que pese o prazo concedido no REsp 2.024.250/PR para tanto. A conduta omissiva consistente em deixar de editar tal regulamento milita contra a segurança jurídica e viola o direito à saúde dos brasileiros e residentes no país que almejam tratamento médico consistente na ingestão de subprodutos desse vegetal. Resta evidenciado o fumus boni iuris, traduzido na probabilidade do direito pleiteado, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminar pleiteada. Destaca-se, ainda, restar presente o periculum in mora – perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pois o impetrante já cultiva a planta Cannabis para fins estritamente medicinais e, caso não seja expedido o salvo conduto, o paciente estará à mercê da fiscalização de autoridades policiais, sendo iminente a sua prisão (em flagrante ou preventiva), com tipificação penal no artigo 28, §1º ou no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na medida em que a matéria prima ou sementes usadas no cultivo da Cannabis são importadas. Todavia, não é possível a concessão de salvo conduto para que o paciente mantenha a quantidade indiscriminada de indivíduos de vegetal da espécie cannabis spp, uma vez que isso equivaleria a descriminalizar o cultivo da planta, o que não é objeto da presente impetração. Nos termos do cálculo agronômico, quantificou-se, para o período de um ano, "78 plantas para a produção de óleo e 66 plantas para a produção de flores”, ou seja, 144 plantas ao ano, “além da importação de 144 sementes ao ano”. Tal referência deve ser utilizada como parâmetro. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, CONCEDO a medida liminar requerida para determinar que as autoridades impetradas se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade do paciente CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO (qualificado no id 362546254) em razão da importação de sementes da Cannabis Sativa e do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico do id 362546289 (144 plantas anuais, além da importação de 144 sementes por ano), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio e exclusivamente para o tratamento contra as doenças de que o paciente é portador, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde. Expeça-se o SALVO CONDUTO em favor de CARLOS EDUARDO ARANTES BARRETO FILHO (qualificado no id 362546254), para que as autoridades coatoras e seus agentes subordinados se abstenham de efetuar, contra o paciente, qualquer ato que atente contra a sua liberdade de locomoção em razão do plantio e manutenção em sua residência, limitando-se a autorização ao número de sementes ou plantas indicadas no cálculo agronômico do id 362546289 (144 plantas anuais, além da importação de 144 sementes por ano), suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde, estando expressamente vedada qualquer forma de comercialização e de qualquer outra forma de fornecimento a terceiros da matéria prima e dos compostos derivados. O paciente deverá cultivar em sua residência apenas a quantidade de Cannabis spp ora deferida, por ano, sendo que tal plantio poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e/ou sanitárias. Determino ainda que o resíduo de todo o processo (desde o cultivo até a extração) devem ser utilizados apenas como adubo e não descartados com o lixo comum. Quando solicitado, o paciente deverá elaborar relatórios prestando informações sobre a quantidade de sementes ou mudas utilizadas no período, espécies respectivas, extrações de óleo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, remessas para avaliação, incluindo os dados completos dos órgãos ou entidades de pesquisa destinatários bem como os resultados, quantitativos e qualitativos, da referida avaliação, submetendo-se a todas as medidas eventualmente adotadas pela autoridade sanitária para fiscalização de seu cultivo. A concessão desta liminar obriga o paciente a observar estritamente os termos aqui estabelecidos. A autorização ora concedida é personalíssima e intransferível, de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir a terceiro, a qualquer título, sementes, plantas, matéria-prima ou o óleo extraído, para qualquer finalidade, inclusive medicinal, sob as penas previstas na Lei nº 11.343/2006. A presente decisão gerará efeitos até: a) o julgamento do mérito desta ação; b) o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.708/DF pelo Supremo Tribunal Federal; c) eventual regulamentação do cultivo da Cannabis spp no Brasil pela ANVISA, para fins medicinais; e d) eventual incorporação pelo SUS, para fins de fornecimento gratuito pelo Poder Público, do tratamento médico prescrito. Por fim, defiro o pedido de tramitação do feito sob segredo de justiça (sigilo total), uma vez que a condição de saúde do paciente é fundamento central da concessão da presente medida e tal condição está abrangida pela proteção que se dá à intimidade (CRFB, artigo 5º, inciso LX). Anotação já realizada. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entenderem pertinentes (artigo 649, do Código de Processo Penal). Visando dar efetividade à garantia estabelecida no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, servirá cópia da presente decisão como OFÍCIO e MANDADO DE INTIMAÇÃO, que deverá ser encaminhada para cumprimento. Com a vinda das informações, abra-se nova vista ao Ministério Público Federal para parecer e, em seguida, façam os autos conclusos para prolação de sentença. Intimem-se. Cumpra-se. Assis, data da assinatura eletrônica. GUSTAVO CATUNDA MENDES Juiz Federal

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Mauricio Antonio Valente e outros x Agenor Guilherme Magalhaes

ID: 312785099

Tribunal: TJMG Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Ouro Preto Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5001582-53.2021.8.13.0461

Data de Disponibilização: 01/07/2025

Polo Ativo:

MAURICIO ANTONIO VALENTE SAMARCO MINERAÇÃO S/A

Polo Passivo:

AGENOR GUILHERME MAGALHAES

Intimação

Advogados:

GERALDO ALEX MIRANDA BAILAO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

KARINA LUCIANE MAIA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

KARINA LUCIANE MAIA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

CRISTIANO HENRIQUE DE OLIVEIRA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

DANIEL FILIPE DA SILVA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

DANIEL FILIPE DA SILVA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

GERALDO ALEX MIRANDA BAILAO

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

CRISTIANO HENRIQUE DE OLIVEIRA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Ouro Preto / 2ª Vara Cível da Comarca de Ouro Preto Rua Simão Lacerda, 975, Bauxita, Ouro Preto - MG - CEP: 35400-0… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Ouro Preto / 2ª Vara Cível da Comarca de Ouro Preto Rua Simão Lacerda, 975, Bauxita, Ouro Preto - MG - CEP: 35400-000 PROCESSO Nº: 5001582-53.2021.8.13.0461 SENTENÇA 1 RELATÓRIO Maurício Antônio Valente ajuizou ação reivindicatória em face de Agenor Guilherme Guimarães. Alega a parte autora, em síntese, que em 25 de maio de 2004, a Samarco Mineração S.A. celebrou contrato de comodato com o réu, sob a área de 450m² (quatrocentos e cinquenta metros quadrados), que representa parte do imóvel (“Lote”), com a finalidade exclusiva de permitir que o réu instalasse um trailer. Sustenta, ainda, que o contrato de comodato acima citado tinha duração de 03 (três) anos, sendo que poderia ser renovado e o réu teria preferência na compra do imóvel caso viesse a ser alienado. Afirma, contudo, que em 25 de abril de 2008, o autor adquiriu o imóvel, sem que a Samarco respeitasse o direito de preferência do réu. Aduz que, desde então, o réu aluga o lote para terceiros e não vem quitando os impostos que são pagos pelo autor. Afirma que notificou o réu em 13/02/2020 acerca do encerramento do comodato, salientando que deveria ser firmado contrato de aluguel caso este desejasse permanecer no imóvel. Entrementes, ultrapassado um ano das negociações, estas não lograram êxito. Pugnou, assim, pela concessão de tutela de urgência, a fim de que o réu seja compelido a desocupar o imóvel, com a imissão provisória do autor na posse do imóvel. Ao fim, pediu a restituição do bem, com a fixação de aluguéis até a efetiva restituição. Inicial no ID n.º 4492478040. Decisão do ID n.º 4696223073, que não concedeu a tutela de urgência. Ata da audiência de conciliação no ID n.º 9647356651. Contestação com Reconvenção no ID n.º 9668535918. O réu pediu a concessão dos benefícios da justiça gratuita. No mérito, afirma que não exerce posse injusta e requereu, em caso de procedência, que seja autorizado o direito de retenção. O pedido reconvencional foi proposto contra o autor e a Samarco Mineração S.A. Afirma que o contrato de compra e venda celebrado entre a ré e a Samarco Mineração S.A. é nulo porque não foi respeitado o direito de preferência. Pretende, em síntese, seja o contrato declarado nulo. Pediu, ainda, seja autorizada a consignação do valor atualizado do imóvel. Réplica no ID n.º 9740708315. Samarco Mineração S/A apresentou contestação no ID n.º 10323845675. Arguiu, inicialmente, a ilegitimidade ativa do reconvinte, porque o comodato não foi celebrado com ele, mas com a pessoa jurídica Chalé Lanches. Arguiu inépcia da inicial da reconvenção quando ao pedido de indenização por benfeitorias. Ainda, impugnou os benefícios da justiça gratuita requerida pelo reconvinte. No mérito, sustentou não se aplicar a lei do inquilinato e que a venda do imóvel ocorreu após o término do contrato de comodato, sem que se caracterizasse prorrogação automática. Sustentou, ainda, que não há prova de benfeitorias no imóvel que autorizem indenização ou retenção. Pela eventualidade, arguiu a ausência de averbação do comodato e a decadência do direito de preferência, bem como impugnou o valor atribuído pelo reconvinte em caso de adjudicação. Réplica à contestação reconvencional nos ID n.º 10348955017 e 10349157332. O réu Agenor e a reconvinda Samarco disseram não ter interesse em outras provas (ID n.º 10374446070, 10382575617). O autor se manteve inerte. É o relatório. Decido. 2 FUNDAMENTAÇÃO 2.1 Questões Pendentes 2.1.1 Benefícios da Justiça Gratuita ao Réu Agenor Diante dos documentos que acompanham a petição do ID n.º 10435455226, e por entender estarem presentes os requisitos legais, DEFIRO os benefícios da justiça gratuita ao réu Agenor Guilherme Guimarães e REJEITO a Impugnação aos Benefícios da Justiça Gratuita. 2.1.2 Ilegitimidade Ativa do Reconvinte A reconvinda Samarco Mineração S.A. arguiu a ilegitimidade ativa do reconvinte Agenor Guilherme Guimarães, sob o argumento de que o contrato de comodato fora celebrado com a “Chalé Lanches”, pessoa jurídica apenas representada pelo autor. O argumento não merece amparo porque, em consulta à inscrição do CNPJ do dito empreendimento, vê-se se tratar de Empresário Individual. Nessa toada, não há personalidade jurídica distinta. O Sr. Agenor exerce empresa em nome próprio, respondendo ilimitadamente pelas obrigações assumidas. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA - LEGITIMIDADE PASSIVA - EMPRESÁRIO INDIVIDUAL. O empresário individual não tem personalidade jurídica distinta da pessoa natural. O registro na Junta Comercial e o cadastro perante a Receita Federal apenas regularizam a exploração da atividade econômica, sob certo nome empresarial, sem representar a criação de uma nova pessoa jurídica ou a separação patrimonial. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.411337-9/001, Relator(a): Des.(a) Leonardo de Faria Beraldo , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/12/2024, publicação da súmula em 16/12/2024) Nesse rumo, é inegável a legitimidade ativa do Sr. Agenor para propor a reconvenção, razão porque REJEITO a preliminar suscitada. 2.1.3 Inépcia da Inicial da Reconvenção O art. 330, §1º arrola as hipóteses em que se considerará inepta a petição inicial, do que decorre o seu indeferimento. “Art. 330 (…) § 1º Considera-se inepta a petição inicial quando: I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si”. A reconvinte Samarco Mineração S.A. aduziu a inépcia da petição inicial quanto ao pedido de indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel dizendo que o pedido é genérico, por não discriminar quais benfeitorias foram realizadas, tampouco os valores gastos. O pedido, no entanto, alude expressamente à existência de construção no imóvel, autorizando ao réu defender-se – como fez, na contestação – sobre a alegada benfeitoria. Por outo lado, verificar a existência de benfeitoria ao imóvel é questão de mérito, a ser enfrentada adiante. Nesse rumo, REJEITO a preliminar de inépcia da inicial. 2.2 Mérito Em atendimento às exigências traçadas no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal e no art. 489 do Código de Processo Civil, passa-se a decidir fundamentadamente, debruçando-se sobre os argumentos fáticos e jurídicos trazidos pelas partes. O processo encontra-se em ordem, inexistindo vícios e irregularidades que possam levar à sua nulidade, nem outras preliminares a serem analisadas, estando presentes os pressupostos processuais. Ademais, os pedidos comportam o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I do Código de Processo Civil, porque não há necessidade de outras provas. 2.2.1 Ação Principal O autor pretende, em síntese, ser imitido na posse do imóvel da Matrícula n.º 9074, com fundamento em título de propriedade. Pretende, ainda, que sejam arbitrados aluguéis até que o réu deixe o bem. O réu sustenta não ter o autor provado requisito para a reivindicação do imóvel – qual seja, a posse injusta. A controvérsia dos autos, portanto, recai sobre se há posse injusta apta a autorizar a pretensão reivindicatória. 2.2.1.1 Pretensão Reivindicatória A ação reivindicatória é a ação de natureza real que decorre da faculdade de o proprietário reaver a coisa do poder de quem injustamente a possua ou detenha, impedindo-o de exercer todos os direitos que decorrem do domínio, nos termos do disposto no art. 1.228, do Código Civil. Sobre a matéria em litígio, cumpre ressaltar que “[...] A ação reivindicatória é instrumento jurídico à disposição do titular do domínio para requerer a restituição da coisa de quem injustamente a possua ou detenha. Nesse passo, deve o promovente demonstrar o domínio, a adequada individuação da coisa vindicada e a posse injusta do promovido.” (STJ, AgInt no REsp 1567163/CE, Rel. Min. LÁZARO GUIMARÃES, j. de 17/04/2018. p. no DJe de 24/04/2018) Diante dessas considerações e, nos termos do art. 1.228, CC/2002, para a procedência da demanda, é indispensável que a parte autora demonstre: 1) o domínio; 2) a individuação da coisa; 3) a posse injusta do réu. Na hipótese dos autos, as partes não controvertem os dois primeiros requisitos – o autor é titular do domínio (ID n.º 4492258064), adquirido em Compra e Venda da Samarco Mineração S.A. e o imóvel é satisfatoriamente individuado, nada havendo a debater a esse respeito. Sobre a posse injusta, conforme entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, não se confunde com semelhante conceito, afeto às pretensões possessórias (art. 1.200 do Código Civil - “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”). Em pretensão reivindicatória, para ser injusta a posse, basta que o possuidor não a detenha com justo título. Transcreve-se recente julgado a esse respeito: EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INOVAÇÃO RECURSAL. PRELIMINAR REJEITADA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. POSSE EXERCIDA POR CÔNJUGE DE COPROPRIETÁRIO. INEXISTÊNCIA DE POSSE INJUSTA. RECURSO PROVIDO. (...) Nas ações reivindicatórias, o requerente precisa demonstrar a titularidade do domínio sobre a coisa reivindicada, individualizá-la e comprovar o exercício da posse injusta do referido bem, conforme o artigo 1.228, do Código Civil. A posse injusta, para efeitos de ação reivindicatória, não se confunde com a definição de posse injusta no direito possessório, sendo suficiente a ausência de um título que legitime a ocupação do imóvel. (...) Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula nº 237; STJ, REsp nº 2.051.954/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 13/08/2024; STJ, AgInt nos EDcl no AREsp nº 1.729.734/DF, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 08/04/2024; TJMG, Embargos de Declaração-Cv nº 1.0000.23.119571-0/003, rel. Des. Mônica Libânio, 11ª Câmara Cível, j. 10/07/2024. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.509988-2/001, Relator(a): Des.(a) Shirley Fenzi Bertão , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/05/2025, publicação da súmula em 21/05/2025) (grifos acrescidos). O justo título que fundaria a posse do réu sobre o imóvel de titularidade do autor é contrato de comodato. Ocorre que o comodato fora celebrado com proprietário anterior – Samarco Mineração S.A. e se encerrou antes mesmo da alienação do imóvel ao autor, porque a Cláusula Terceira previa duração de três anos, facultando a possibilidade de renovação desde que firmado Termo Aditivo (ID n.º 10323843075). Com efeito, o contrato foi celebrado em 25/05/2004, tendo termo final em 25/05/2007 sem notícia de celebração de Termo Aditivo que prorrogasse o contrato. O imóvel só viria a ser alienado em 25/04/2008 (ID n.º 4492258064). Desde o fim do contrato, a posse do réu sobre o imóvel se tornou precária, permanecendo no bem por mera tolerância da Samarco e, depois, do autor. Mesmo que se admitisse a prorrogação por prazo indeterminado, com a venda do imóvel o comodato cessou de pleno direito, e, com isso, tornou-se injusta a posse exercida pelo réu, que deixou-se de fundar em justo título. Novamente, o TJ/MG sobre o exposto nos parágrafos anteriores: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - REQUISITOS - ÔNUS DA PROVA - AUTOR - COMODATO - EXTINÇÃO - PERDA DA POSSE - ESBULHO - AFASTAMENTO. 1. Nas ações de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse. 2. A venda do imóvel pelo comodante a terceiro põe fim à relação de comodato e evidencia a perda da posse pelo comodatário. 3. A extinção do comodato afasta o alegado esbulho à anterior posse que os comodatários exerciam sobre o bem. (TJMG - Apelação Cível 1.0105.09.311625-6/002, Relator(a): Des.(a) Maurílio Gabriel , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/08/2019, publicação da súmula em 09/08/2019) (grifos acrescidos). E mesmo que se admitisse uma atípica “sucessão” ou “cessão” de posição contratual de forma verbal ou tácita – passando ao autor a posição de comodante no contrato originário – há manifestação expressa do autor no desinteresse em prosseguir com o comodato (notificação ao ID n.º 4492258058), bastando isso para tornar injusta a posse. A esse respeito, também o TJ/MG: EMENTA:APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - PROPRIEDADE - COMPROVAÇÃO - COMODATO VERBAL - NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL - RESISTÊNCIA - POSSE INJUSTA. (...) 3. A posse é injusta quanto há contrato de comodato entre partes e os réus, devidamente notificados, resistem em desocupar o imóvel. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.487903-7/001, Relator(a): Des.(a) José Américo Martins da Costa , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/03/2025, publicação da súmula em 01/04/2025) (grifos acrescidos). EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA. ELEMENTOS ESSENCIAIS. EXISTÊNCIA. NULIDADE. AUSÊNCIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PRESSUPOSTOS. PRESENÇA. DOAÇÃO VERBAL DE IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DA NORMA DO ART. 541 DO CC. COMODATO VERBAL. NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. RECUSA DOS COMODATÁRIOS. POSSE QUE SE TORNA INJUSTA. COBRANÇA PELA FRUIÇÃO DO BEM A PARTIR DE ENTÃO. CABIMENTO. (...) 4. Demonstrada, mediante regular notificação, a intenção de reaver o imóvel cedido em comodato, a recusa dos comodatários em deixar o bem torna a posse injusta, sendo devida, a partir de então, cobrança pela fruição do imóvel. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.154569-4/002, Relator(a): Des.(a) José Maurício Cantarino Villela (JD 2G) , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/05/2023, publicação da súmula em 10/05/2023) (grifos acrescidos). Do exposto, portanto, tem-se reunidos os requisitos necessários para a reivindicação do imóvel, razão porque o pedido do autor deve ser acolhido. 2.2.1.2 Cobrança de Aluguéis A posse injusta do imóvel é motivo suficiente para o arbitramento de aluguéis, como forma de indenizar o proprietário por ser impedido de exercer os poderes inerentes à propriedade, até a desocupação do imóvel. Transcreve-se julgado a esse respeito: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - CONDIÇÕES DA AÇÃO - PRELIMINAR REJEITADA - PROVA DA PROPRIEDADE - DOAÇÃO - ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO - ÔNUS DA REQUERIDA - POSSE INJUSTA - INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL - REQUISITOS PRESENTES - FRUIÇÃO INDEVIDA DO BEM PELO RÉU - RESSARCIMENTO - ALUGUÉIS - PROCEDÊNCIA DAS PRETENSÕES INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. (...) - Por fruição indevida, a requerida deve arcar com o ressarcimento a título de aluguéis, a partir da sua constituição em mora para a desocupação do imóvel. (...) (TJMG - Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.21.213546-1/003, Relator(a): Des.(a) Rui de Almeida Magalhães , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2024, publicação da súmula em 29/08/2024) Ainda, tratando-se de comodato, há previsão legal específica na parte final do Art. 582, Código Civil, que dispõe “O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante”. Na hipótese dos autos, não é certo que o réu tenha recebido a notificação do ID n.º 4492258058, porque apócrifa e desacompanhada de Aviso de Recebimento, por exemplo. Dessa forma, o pedido de arbitramento de aluguéis deve ser acolhido tendo por termo inicial a data da citação (04/11/2022 – ID n.º 9647219379). O valor dos aluguéis será apurado em liquidação de sentença e o montante será acrescido dos consectários, nos termos do dispositivo. 2.2.2 Reconvenção de Agenor Guilherme Guimarães O réu-reconvinte propôs reconvenção contra o autor e Samarco Mineração S/A. Pretende a declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o autor-reconvindo e Samarco Mineração S.A., por violação ao direito de preferência. Subsidiariamente, pede a retenção até a indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel. O autor-reconvindo afirma que o direito de preferência na aquisição do imóvel não é oponível a ele, porque não constava na matrícula do imóvel, e ele não conhecia o comodato quando da aquisição. Afirma, ainda, não ter o autor direito de indenização sobre as benfeitorias, porque ele edificou o imóvel de má-fé. A reconvinda Samarco Mineração S/A., sustenta que o contrato de comodato cessou antes da venda do imóvel, não havendo se falar em direito de preferência. Ainda, argumenta não ter autorizado a realização de benfeitorias, razão porque deveria indenizar apenas as necessárias. Argumenta, todavia, não haver prova de benfeitorias necessárias no bem. A controvérsia recai sobre se há nulidade a ser declarada por suposta inobservância ao direito de preferência. Também, deve-se aferir se há direito à retenção e indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel. 2.2.2.1 Nulidade da Alienação por Violação ao Direito de Preferência Não há previsão legal expressa de direito de preferência em contratos de comodato, o que não impede que as partes convencionem contratos atípicos, nos termos do art. 425 do Código Civil. Todavia, como não decorre da lei, mas do contrato, o direito de preferência se extingue em conjunto com a avença. Conforme exposto no 2.2.1.1, o contrato cessou de pleno direito antes da alienação do imóvel ao autor-reconvindo. Não há, portanto, que se falar no exercício do direito de preferência. Mesmo que fosse possível, o direito de preferência não é oponível a terceiros – tal qual o autor - sem que esteja averbado da matrícula do imóvel, em aplicação analógica do art. 33 da Lei do Inquilinato (Lei n.º 8.245/1991). Nesse caso, o réu poderia, na melhor das hipóteses, pleitear perdas e danos. Diante disso, rejeito o pedido de anulação do contrato de compra e venda. 2.2.2.2 Retenção e Indenização por Benfeitorias O Código Civil disciplina o tratamento jurídico das benfeitorias realizadas por quem detém a posse do bem, distinguindo os efeitos conforme se trate de posse de boa-fé ou de má-fé. Nos termos dos artigos 1.219 e 1.220, o possuidor de boa-fé faz jus à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, além de poder levantar as voluptuárias, desde que isso não cause prejuízo à coisa, bem como exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis. Já o possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização das benfeitorias necessárias, sendo-lhe vedado tanto o levantamento das voluptuárias quanto o exercício do direito de retenção. Na hipótese em análise, restou demonstrado que o réu reconvinte passou a exercer a posse do imóvel com respaldo em contrato de comodato firmado entre as partes, o qual previa, de forma expressa, a destinação do imóvel para a instalação de um trailer destinado ao comércio varejista de bebidas, sucos e lanches, nos termos da Cláusula Quinta: “A utilização da área, ora cedida em comodato, far-se-á com exclusiva finalidade de permitir à COMODATÁRIA a instalação de um Trailer para comércio varejista de bebidas, sucos e lanches em geral” (ID n.º 10323843075 – p. 2). Ainda que o contrato tenha se extinguido formalmente em 25/05/2007, não se verifica, nos autos, qualquer oposição expressa do comodante (e do adquirente) à permanência do reconvinte no imóvel, tampouco ato inequívoco que demonstrasse a revogação da permissão anteriormente concedida, desde aquela data até o ajuizamento da demanda, em 08/07/2021. Ao revés, há indícios de tolerância e ausência de resistência quanto à continuidade da ocupação, o que preserva, ao menos em parte, a confiança legítima do ocupante na licitude de sua permanência. Além disso, como era o contrato de comodato que vedava a edificação, e tendo ele sido extinto, não se pode inferir má-fé na edificação no imóvel em momento posterior. Dessa forma, e à luz do princípio da boa-fé objetiva, a posse exercida pelo réu reconvinte deve ser qualificada como de boa-fé, sendo aplicável ao caso a regra do art. 1.219 do Código Civil. Em consequência, assiste-lhe o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias — aquelas indispensáveis à conservação do imóvel — e pelas úteis — aquelas que lhe tenham aumentado o uso ou o valor. Ademais, é legítimo o exercício do direito de retenção até o adimplemento das referidas indenizações, uma vez que esse direito visa impedir o enriquecimento sem causa do proprietário que delas se beneficia. Na hipótese, o reconvinte instruiu os autos com as fotografias do ID n.º 9668534380 – Pág. 3/6, que revelam a edificação sobre o imóvel. As partes não controvertem a existência da benfeitoria, debatendo apenas a exata extensão. Isso, no entanto, não obsta o acolhimento do pedido, porque, por certo, a benfeitoria é útil, eis que aumenta o uso do bem (art. 96, §2º do Código Civil) e a apuração do valor da benfeitoria poderá ser feito em liquidação de sentença (art. 509 e seguintes do Código de Processo Civil). O pedido de indenização deverá ser acolhido apenas contra o autor-reconvindo, atual proprietário do imóvel. Ademais, a fim de evitar enriquecimento ilícito das partes, o valor das benfeitorias e dos aluguéis deverá ser compensado. Sobre isso, veja-se recente julgado do TJ/MG: EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. 1ª. APELAÇÃO. PRELIMINAR EX OFFICIO. USUCAPIÃO COMO DEFESA. AÇÃO DE USUCAPIÃO CONEXA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. 2ª APELAÇÃO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA. RECONHECIMENTO DO BENEFÍCIO DE RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS NECESSÁRIAS E ÚTEIS E DAS ACESSÕES, COMPENSÁVEIS COM INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE ALUGUÉIS. SENTENÇA INCERTA. NULIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.255 E §ÚN., DO CÓD. CIVIL. APLICABILIDADE DO ART. 1.013, §3º, II, DO CPC. CAUSA MADURA. PROVIMENTO PARCIAL. (...) - O valor de indenização das benfeitorias e acessões deve ser compensado com o de indenização a título de alugueis pela utilização do imóvel, pena de enriquecimento ilícito. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.258870-7/001, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira , 16ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 29/01/2025, publicação da súmula em 24/02/2025) (grifos acrescidos). Por todo o exposto, devem ser acolhidos os pedidos de retenção e indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, a serem apuradas em liquidação de sentença. 3 DISPOSITIVO Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais, EXTINGUINDO O PROCESSO com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, CPC para: (a) DETERMINAR a imissão do autor na posse do imóvel registrado sob a Matrícula n.º 9.074 do Cartório de Registro de Imóveis de Ouro Preto (ID n.º 4492258064), observado o direito de retenção até o pagamento da indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, nos termos do tópico 2.2.2.2 da fundamentação, a ser apurado em liquidação de sentença, a princípio por arbitramento (art. 510, CPC); (b) CONDENAR o réu ao pagamento de aluguéis pelo uso do imóvel, devidos mensalmente desde a citação válida até a imissão na posse do imóvel (item “a” desse dispositivo) a serem apurados em liquidação de sentença por arbitramento (art. 510, CPC), a serem corrigidos monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo (art. 389, parágrafo único, do Código Civil), a partir do vencimento de cada parcela, e acrescido de juros de mora, de acordo com a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), deduzido o índice de atualização monetária (art. 406, §1º, do Código Civil), também a partir do vencimento de cada parcela (a primeira, contemporânea à citação válida). Condeno o réu ao pagamento das despesas e dos honorários de sucumbência, os quais fixo em 10% (dez por cento) da condenação (item “b” da sentença), nos termos do art. 85, §2º do CPC. Ainda, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos reconvencionais, EXTINGUINDO O PROCESSO com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, CPC para: (a) CONDENAR o autor-reconvindo Maurício Antônio Valente ao pagamento de indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, a serem, apuradas em liquidação de sentença, inicialmente por arbitramento (art. 510, CPC), o valor apurado deverá ser corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo (art. 389, parágrafo único, do Código Civil), a partir da apuração na liquidação de sentença, e acrescido de juros de mora, de acordo com a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), deduzido o índice de atualização monetária (art. 406, §1º, do Código Civil), desde a primeira citação válida, ressalvada a compensação dos valores com os aluguéis arbitrados no item “b” do dispositivo da ação principal. (b) RECONHECER o direito de retenção do imóvel até o pagamento da indenização das benfeitorias úteis e necessárias, nos termos do item “a” do dispositivo. Diante da sucumbência recíproca (art. 86, CPC), i) condeno o réu-reconvinte ao pagamento de 1/3 das despesas, e dos honorários de sucumbência à razão de 50% para cada reconvindo. Por não ser possível apurar o proveito econômico decorrente da não anulação do contrato de compra e venda, fixo os honorários por apreciação equitativa em R$ 7.000,00, com fundamento no art. 85, §§2º, 8º e 8º-A do Código de Processo Civil; e ii) condeno apenas o autor-reconvinte Maurício Antônio Valente ao pagamento de 2/3 das despesas e ao pagamento de honorários de sucumbência, os quais fixo à razão de 10% do proveito econômico obtido pelo reconvinte (12 vezes o valor dos aluguéis), nos termos do art. 85, §2º do Código de Processo Civil. Mantém-se em depósito judicial os valores depositados ao ID n.º 9674717310 até eventual liquidação da sentença. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. Transitada a sentença em julgado, remetam-se os autos ao arquivo. Ouro Preto, data da assinatura eletrônica. Ana Paula Lobo Pereira de Freitas Juíza de Direito

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 5000334-32.2025.4.03.6117

ID: 278566451

Tribunal: TRF3 Órgão: 1ª Vara Federal de Ourinhos Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº Processo: 5000334-32.2025.4.03.6117

Data de Disponibilização: 26/05/2025

Polo Ativo:

MARCUS VINICIUS MOTTA AMORIM

Polo Passivo:

Decisão

Advogados:

MARCOS VINICIUS RODRIGUES CESAR DORIA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

DANIEL GUEDES SOLHA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

PAMELA LOPES DE SOUZA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) 5000334-32.2025.4.03.6117 1ª Vara Federal de Ourinhos IMPETRANTE E PACIENTE: M. V. M. A. Advogado(s) do reclamante: PAMELA LOPES DE SOUZA, DANIEL GUEDES SOLHA, MARCOS VIN… HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) 5000334-32.2025.4.03.6117 1ª Vara Federal de Ourinhos IMPETRANTE E PACIENTE: M. V. M. A. Advogado(s) do reclamante: PAMELA LOPES DE SOUZA, DANIEL GUEDES SOLHA, MARCOS VINICIUS RODRIGUES CESAR DORIA IMPETRADO: S. R. D. P. F. E. S. P., DELEGADO-GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO, COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO DECISÃO Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido de concessão liminar da ordem, impetrado em favor de MARCUS VINÍCIUS MOTTA AMORIM em face do COMANDANTE DA POLICIA MILITAR DE SÃO PAULO, DELEGADO GERAL DE POLICIA CIVIL DE SÃO PAULO e do SUPERINTENDENTE DA POLÍCIA FEDERAL, objetivando a concessão da ordem de salvo conduto, para que as Autoridades Coatoras apontadas se abstenham de promover quaisquer atos que atentem contra a liberdade física do Paciente; de apreender ou destruir materiais e insumos destinados ao cultivo e ao uso doméstico do vegetal cannabis sativa na residência do Paciente, nos limites do Laudo Agronômico anexo, garantindo-se ao Paciente o direito de importar sementes de cannabis; de guardar, manter em depósito, cultivar, transportar ou portar consigo a cannabis sativa para uso exclusivamente medicinal e terapêutico, nos limites da prescrição médica; abstendo-se também de adotar medidas que impeçam a cultivar 584 gramas de flores ressequidas de Cannabis sativa para extração do óleo medicinal que será utilizado em seu tratamento terapêutico, conforme prescrição médica, essa quantidade é baseada na recomendação de uso diário de gomas (gummies) com 200 mg de 19 canabinóides por unidade, totalizando entre 3650 a 5840 mg de canabinóides por ano, a depender da variação individual de consumo. Para atender a essa necessidade, estima-se que o paciente deva cultivar 19 plantas por ano, utilizando sementes da variedade Frisian Duck, que apresenta teor médio de 7,5% de THC (75 mg de canabinóides por grama de flor seca). Considerando perdas no processo de cultivo e extração, também se recomenda a importação de 23 sementes feminizadas por ano, com margem de segurança para garantir a produtividade necessária ao tratamento. A produção será dividida em três ciclos anuais de 120 dias cada, com manejo técnico adequado, e o cultivo será realizado em ambiente protegido e restrito, visando garantir segurança, controle e respeito à finalidade exclusivamente terapêutica do uso da planta, bem como autorizar o porte pessoal em território nacional da quantidade exclusiva da prescrição médica para exclusivo uso próprio, enquanto durar o tratamento, até a regulamentação do Artigo 2º, Parágrafo Único, da Lei nº 11.343/2006, ficando vedada a apreensão de sementes, mudas, plantas, flores, óleos e insumos, podendo o Paciente cultivar, manejar, extrair, usar, trazer consigo, portar, transportar, manter em estoque e armazenar sua medicação, em quantidade compatível com tratamento à base de cannabis medicinal, de acordo com sua prescrição médica, ainda que fora de seu domicílio ou em outra unidade da Federação, sob pena de o Paciente ter suspenso o seu tratamento e violado seu direito constitucional à saúde (CF, Art. 196) – Id. 363034655. Relata o impetrante que o paciente foi diagnosticado com transtorno afetivo bipolar, transtorno de personalidade com instabilidade emocional e distúrbios da atividade e da atenção (TDAH). Afirma que apresenta um histórico de oscilações graves de humor, impulsividade com irritabilidade disfórica, quadros alternados de depressão e ansiedade. Tais condições interferem significativamente em sua vida pessoal e social, exigindo acompanhamento psiquiátrico constante e uso contínuo de múltiplos medicamentos, como ansiolíticos, antipsicóticos, antidepressivos, moduladores do humor e fármacos para TDAH. Sustenta que o tratamento a base de canabidiol surtiu um excelente resultado, visto a CID F31-7 em remissão o que salienta a necessidade do uso da medicação, porém de alto custo para mantença, visto o quadro psiquiátrico que será acompanhado por seus médicos ao longo da vida, razão pela qual a utilização do canabidiol é essencial para melhora do paciente. Alega que possui autorização da ANVISA para importação excepcional de Produto derivado da Cannabis, no entanto, o medicamento possui valor elevado. Assim, diante da necessidade de utilizar o medicamento de forma ininterrupta, optou por realizar o tratamento nos termos do laudo médico e acompanhado pelo expert, por meio do autocultivo de cannabis sativa/indicada para obter a medicação e realizar a extração do óleo concentrado da planta. Alega a necessidade da impetração do presente writ, pois o cultivo de Cannabis no Brasil, ainda que para fins terapêuticos, é atividade proibida pela Lei de Drogas (artigo 28, § 1º e art. 33 § 1º, II da Lei nº 11.343/2006), ainda que visto como de menor potencial ofensivo, fato que coloca sua liberdade em risco iminente de constrição. Em sede liminar, requer a expedição de salvo conduto para que “as autoridades coatoras, se abstenham de adotar qualquer medida voltada a cercear a liberdade de locomoção do paciente e violação do seu domicílio, bem como transportar o remédio, portar e consumi-lo, para uso exclusivamente pessoal e com fins medicinais”. Inicialmente este feito foi distribuído ao Juízo Federal de Jaú, tendo sido, posteriormente, em decorrência do declínio da competência, direcionado a esta Vara Federal. Por meio do despacho Id. 364328350, foi aberta vista dos autos ao Ministério Público Federal que, em seu parecer, Id. 364701864, manifestou-se pelo conhecimento do presente habeas corpus e, quanto ao mérito, pela concessão da ordem. É o relatório do necessário. Passo a fundamentar e decidir. Inicialmente, reconheço a competência da Justiça Federal para apreciar os pedidos veiculados na presente ação, tendo em vista que o autor pretende não só o cultivo da cannabis, mas a própria importação de sementes, o que indica a transnacionalidade de sua conduta e atrai a competência deste Juízo. Ademais disso, o pedido de salvo-conduto também é voltado ao S. R. D. P. F. E. S. P., autoridade coatora que fixa a competência deste Juízo. Pois bem, o habeas corpus deve ser concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do que dispõe o art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República. Tem natureza jurídica de ação autônoma de impugnação voltada à tutela da liberdade de ir e vir. Segundo Renato Brasileiro de Lima, há duas espécies de habeas corpus: o liberatório e o preventivo. Acerca do habeas corpus preventivo, teceu os comentários seguintes[1]: Denomina-se preventivo o habeas corpus que se ajuíza contra ameaça de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, visando a prevenir sua materialização. Nesse caso, o juiz ou tribunal profere ordem impeditiva da coação, que se chama salvo-conduto. Como estabelece o CPP, se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz (art. 660, §4º). Do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), a expressão salvo-conduto dá a precisa ideia de uma pessoa conduzida a salvo. Por meio dele, concede-se ao seu portador livre trânsito, de modo a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que deu ensejo à impetração do habeas corpus. Para que esse habeas corpus preventivo seja conhecido, a ameaça de constrangimento ao ius libertatis deve constituir-se objetivamente, de forma iminente e plausível. (...) Reputa-se, assim, manifestamente incabível a utilização do habeas corpus, em sua versão preventiva, quando o alegado risco à liberdade de locomoção for meramente hipotético. Assim, para a concessão de habeas corpus preventivo exige-se a demonstração, por prova pré-constituída, da existência de ameaça real de violência ou coação ilegal ao direito de liberdade de locomoção do paciente. O paciente pretende, em síntese, importar sementes de Cannabis e cultivar o vegetal para produzir artesanalmente o óleo denominado canabidiol. De fato, a tipicidade formal dessas condutas não está excluída e, consequentemente, é concreto e real o receio de que a atuação das autoridades de prevenção e repressão de crimes possa levar à prisão do paciente caso as pratique sem amparo em ordem judicial. Daí decorre o fundado receio de constrangimento ilegal e, mais que isso, o efetivo risco à liberdade de ir e vir, a demonstrar a adequação da via ora eleita. O tema ora versado no presente writ, de reconhecimento da utilização da Cannabis sativa para fins medicinais, com consequente autorização de seu cultivo domiciliar, deve ser analisado sob o viés da concretização do direito à saúde, consagrado pela Constituição da República como direito social no seu artigo 6º, caput, e de modo a promover também a dignidade da pessoa humana. A saúde é direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurada aos brasileiros e residentes no país. Tal preceito está resguardado pela Carta Magna, que elenca entre os objetivos da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV). A promoção do bem de todos depende em alguns casos da adoção de políticas públicas, ou seja, de um fazer estatal. Em outros casos, depende de o Estado se abster de condutas que violem a esfera de direitos dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. Das disposições constitucionais acima decorre o dever de fornecimento, por parte do Estado, da medicação e/ou da intervenção médica necessária ao restabelecimento da saúde dos cidadãos brasileiros e dos residentes no Brasil. E o dever de não impedir que os titulares do direito à saúde busquem tratamentos para as moléstias de que padecem, a menos que o impedimento seja fundado em lei e seja necessário, adequado e seja adotado de modo estritamente proporcional ao fim visado, qual seja, a própria proteção da saúde de todos. As prestações positivas relacionadas à promoção do direito à saúde são regulamentadas principalmente pela Lei n. 8.080/90, complementada pela Lei n. 8.142/90, que dispõem sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito do qual funciona a Política Nacional de Medicamentos (PNM), como parte essencial da Política Nacional de Saúde, disciplinada pela Portaria MS/GM n. 3.916, de 30 de outubro de 1998. Do desenvolvimento de um novo fármaco à distribuição desse fármaco à população por meio da Política Nacional de Medicamentos, segue-se um longo procedimento que envolve diversos órgãos, inclui testes e experimentos, a consideração técnica dos riscos e benefícios envolvidos, bem como o custo de sua incorporação e os consequentes impactos no orçamento público. É o que se passa com a distribuição de medicamentos à base de algumas substâncias consideradas ilegais pela lei brasileira, mas que já tiveram sua eficácia medicinal comprovada, mostrando-se capazes de auxiliar e aumentar a qualidade de vida desde crianças a idosos, materializando o acesso a saúde na sua mais pura forma. Nesse rol estão incluídos os medicamentos à base do canabidiol (CBD), uma das substâncias derivadas da maconha (Cannabis sativa), que ainda enfrenta preconceitos e controvérsias devido à ilicitude de condutas diversas relacionadas a essa espécie vegetal no Brasil – e suas congêneres, tais como a cannabis indica. De fato, integrando um dos compostos da Cannabis sativa (planta da maconha), o canabidiol (CBD) constitui grande parte da planta, representando cerca de 40% das substâncias ativas da planta[2], possuindo arcabouço químico com potencial medicinal, já que produz efeito ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, antiepilética e antitumoral. Tem sido considerado eficaz em tratamentos terapêuticos. Estudos realizados já atestaram a sua eficácia de modo a auxiliar no tratamento de convulsões causadas por diversas doenças e na diminuição de dores e melhoria nos aspectos emocionais e sociais de pacientes, promovendo ganho substancial de qualidade de vida, sem causar dependência ou efeitos psicoativos. A partir da edição da RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA – RDC N° 17, DE 06 DE MAIO DE 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária passou a permitir a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto à base de Canabidiol em associação com outros canabinóides, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. A questão é atualmente disciplinada pela RESOLUÇÃO - RDC Nº 335, DE 24 DE JANEIRO DE 2020. Apesar de, nos termos dessa nova resolução e da que lhe antecedeu, a ANVISA permitir a importação de produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp, para fins medicinais, a agência não permite a produção do óleo essencial no Brasil e tampouco a importação da respectiva matéria-prima. Em verdade, repita-se, apenas autoriza a importação de medicamentos e produtos com o respectivo princípio ativo, como se verifica no caso concreto, por meio de um processo complexo, extremamente oneroso, via desembaraço aduaneiro e dependente da atuação de intermediários, bem como da existência de prévio cadastro por parte da pessoa física interessada. Desse modo, em vez de criar meios para o exercício isonômico do direito à saúde, como exige o artigo 196, caput, da CRFB, o atual tratamento conferido pelo Poder Público Federal ao tema cria situação em que a utilização do óleo medicinal fica restrita a um público muito restrito, provido de conhecimento e poder econômico para o exercício do direito a buscar o tratamento com produtos derivados de cannabis spp. Tal circunstância torna admissível, tolerável e compreensível a busca, pelo paciente, de autorização judicial para a produção de seu próprio óleo medicinal. O cultivo e a produção caseira do óleo medicinal de cannabis spp é uma realidade no mercado brasileiro paralelo, bastando uma simples pesquisa na internet para que se obtenha tutoriais para a produção domiciliar do óleo medicinal e, com isso, a diminuição dos custos despendidos para a utilização de tal tratamento. Sobre essa temática, o TRF da 3ª Região tem precedentes nos quais manifesta entendimento favorável à concessão de salvo-conduto para os casos de importação e plantio individualizado de Cannabis, quando destinados a uso exclusivamente medicinal e mediante prescrição médica. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONCESSÃO DE SALVOCONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. RECURSO PROVIDO. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto ao paciente, diagnosticado com pericardite, para que possa adquirir e plantar cannabis para fins medicinais. 2. Verifica-se que o paciente é portador de pericardite recorrente, cardiopatia grave que causa diversos efeitos colaterais em decorrência do uso de altas doses de corticoide, como desconfortos, dores, insônia e ansiedade. O recorrente iniciou o uso do óleo de canabidiol, apresentando melhora na qualidade de vida. 3. Comprovação do estado de saúde do paciente. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Recurso provido. (TRF 3ª Região, RESE 5004906-14.2019.4.03.6126, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, DJe 19/05/2020). PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REEXAME NECESSÁRIO. ÓLEO DE CANNABIS SATIVA. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDO. 1. A RDC n. 156/2017, da ANVISA, autoriza a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis Sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo. 2. O uso pessoal e restrito do medicamento a ser produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros nos casos de doença grave não apresenta qualquer lesividade social e permite a incidência do estado de necessidade exculpante para eximi-la de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06. 3. Reexame necessário não provido. (TRF3, HABEAS CORPUS HC 5002723-18.2019.4.03.6111, Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, 5ª Turma, DJe 14/04/2020) PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL. HABEAS CORPUS. SEMENTES E PLANTAS DE CANNABIS SATIVA. POSSE E UTILIZAÇÃO. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Salvo-conduto concedido pelo Juízo a quo a fim de que as autoridades policiais se abstenham de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade de locomoção do paciente e de seu cuidador, bem como deixando de apreender e destruir as sementes e insumos destinados à produção do óleo cânhamo para o uso próprio, limitando-se ao máximo de 20 (vinte) sementes por mês. 2. Considerado o entendimento jurisprudencial no sentido da expedição de salvo conduto para importação de sementes de Cannabis sativa para extração de óleo de canabidiol àqueles que necessitam da substância para tratamento de saúde, situação que restou comprovada pelo paciente, há que ser mantida a concessão da ordem. 3. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, Remessa Necessária Criminal 5001582-13.2019.4.03.6127, Rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, DJe 14/04/2020)” (grifos nossos). Como se pode observar, são precedentes jurisprudenciais dos quais se beneficiaram pessoas em situações análogas ao do paciente. In casu, no tocante à comprovação da enfermidade e do respectivo tratamento, o impetrante demonstrou, documentalmente, ter sido diagnosticado com “ID F31.7 – Transtorno afetivo bipolar, atualmente em remissão; CID F60.3 – Transtorno de personalidade com instabilidade emocional; CID F90.0 – Distúrbios da atividade e da atenção (TDAH)” e que, em razão dessas patologias, apresenta histórico de oscilações graves de humor, impulsividade com irritabilidade disfórica, quadros alternados de depressão e ansiedade ... condições (que) interferem significativamente em sua vida pessoal e social – Id. 363034655. O laudo médico aponta que o paciente apresenta quadro de oscilação do humor, impulsividade com irritabilidade disforica e quadro depressivo ansioso alternando-se, bem como compulsão ao abuso de álcool e substâncias psicoativas, estando em uso de ansiolitico, antipsicotico, antidepressivo e modulador do humor, bem como medicação para o transtorno de atenção e concentração(TDAH). Entre os medicamentos usados está tomando o Canabidiol, full spectro, a cannabis medicinal, formulação de alto custo – Id. 363034668. Apesar dos esforços despendidos para esse tratamento alternativo, em razão de seu alto custo mensal, optou por adquirir sementes de Cannabis sativa sp. para cultivar a planta, estando mantido o seu uso por prescrição médica (vide laudos Id. 363034670 e 363034668). Também demonstra o paciente possuir conhecimento técnico, uma vez que realizou o curso de cultivo e extração de cannabis medicinal (vide Id. 363034665 e 363034665). Desse modo, está satisfatoriamente demonstrada nos autos a necessidade do paciente de uso medicinal de substância à base de Cannabis spp, tanto que a ANVISA já lhe havia autorizado a importação de medicamento dessa natureza (Id. 363034659). Por outro lado, justifica-se o receio de sofrer constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção em razão da importação e do cultivo da Cannabis, porquanto, nos moldes previstos pelo artigo 28, §1º, da Lei nº 11.343/06 (diploma que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad e prescreve medidas para prevenção do uso indevido dessas), quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica, para seu consumo pessoal, pratica conduta ilícita e está submetido à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. A Lei n. 11.343/2006, ao mesmo tempo em que estabelece as condutas configuradoras do porte de substância entorpecente e do tráfico ilícito de drogas, prevê, no seu artigo 2º, parágrafo único, a possibilidade de autorização e regulamentação pela União do “plantio, cultura e colheita de vegetais”, a exemplo da Cannabis sativa, para fins medicinais ou científicos, in verbis: Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas. Apesar do permissivo legal expresso e da existência de suporte científico, o Poder Executivo Federal não exerceu ainda seu poder regulamentar para o fim de autorizar o plantio, a cultura e a colheita de cannabis spp. A conduta omissiva consistente em deixar de editar tal regulamento milita contra a segurança jurídica e viola o direito à saúde dos brasileiros e residentes no país que almejam tratamento médico consistente na ingestão de subprodutos desse vegetal. O parecer do Ministério Público Federal (Id. 364701864) é favorável à pretensão da impetrante pelos seguintes fundamentos: Deduzida tal fundamentação, a documentação apresentada pelo impetrante comprova que ele é detentor de autorização expedida pela ANVISA para fins de importação de insumos e fármacos à base de cannabis sativa; que ele padece de enfermidades psiquiátricas regularmente constatadas e atestadas por autoridades médicas; que a medicação em questão é essencial à sua saúde, sendo que a eventual interrupção de seu tratamento poderá acarretar nova piora em seu quadro; e que a produção caseira devidamente orientada é destinada exclusivamente ao seu uso pessoal para fins de tratamento de saúde por meio dos respectivos extratos/óleos extraídos da planta. Portanto, no entendimento do Ministério Público Federal, o quadro fático documentado sustenta a conclusão pela presença efetiva de risco de coação à liberdade de ir e vir do impetrante (artigo 647, do CPP), desprovida de justa causa (artigo 648, I, do CPP), bem como que o resguardo, inclusive na seara penal, ao tratamento em curso configura providência que presta homenagem ao direito fundamental à saúde titularizado pelo impetrante (artigo 6º, caput, da CF). Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifesta-se pelo conhecimento do presente habeas corpus e, quanto ao seu mérito, pela concessão da ordem, deferindo-se ao impetrante salvo-conduto no termos postulados. Resta evidenciado o fumus boni iuris, traduzido na probabilidade do direito pleiteado, um dos requisitos necessários à concessão da medida liminar pleiteada. Destaca-se, ainda, restar presente o periculum in mora – perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, pois o paciente já cultiva a planta Cannabis para fins estritamente medicinais e, caso não seja expedido o salvo conduto, estará à mercê da fiscalização de autoridades policiais, sendo iminente a sua prisão (em flagrante ou preventiva), com tipificação penal no artigo 28, §1º ou no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na medida em que a matéria prima ou sementes usadas no cultivo da Cannabis são importadas. Acerca da quantidade a ser importada/cultivada, o paciente apresentou Laudo Técnico Agrônomo, que recomenda o “cultivo de um total de 19 plantas por ano e a importação de 23 sementes feminizadas por ano” (Id. 363034667). Não é possível, por outro lado, a concessão de medida liminar em habeas corpus cujo objeto seja impedir a apreensão de bens que estejam em posse do paciente, mesmo que consistentes em sementes/plantas de Cannabis spp e seus subprodutos, uma vez que o remédio heroico se destina à proteção da liberdade de locomoção das pessoas e não à tutela da propriedade. Pelo exposto, CONCEDO PARCIALMENTE a medida liminar requerida para determinar que as autoridades coatoras se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade do paciente M. V. M. A., CPF n. 421.372.538-36, qualificado nos autos, em razão do plantio e manutenção em sua residência de 23 (vinte e três) sementes feminizadas de cannabis por ano, suficientes para o cultivo de até 19 (dezenove) plantas por ano de Cannabis spp, suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio ao longo de 12 (doze) meses, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde. Expeça-se o SALVO CONDUTO em nome de M. V. M. A. para que as autoridades coatoras e seus agentes subordinados se abstenham de efetuar, contra o paciente, qualquer ato que atente contra a sua liberdade de locomoção em razão do plantio e manutenção em sua residência, limitado ao máximo de 19 (dezenove) plantas e 23 (vinte e três) sementes de Cannabis spp ao ano, suficientes para a extração do princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais, enquanto houver prescrição médica para seu tratamento de saúde, estando expressamente vedada qualquer forma de comercialização e de qualquer outra forma de fornecimento a terceiros da matéria prima e dos compostos derivados. O paciente deverá cultivar em sua residência apenas a quantidade de Cannabis spp ora deferida, por ano, sendo que tal plantio poderá ser fiscalizado pelas autoridades policiais e/ou sanitárias. Determino, ainda, que o resíduo de todo o processo (desde o cultivo até a extração) devem ser utilizados apenas como adubo e não descartados com o lixo comum. Quando solicitado, o paciente deverá elaborar relatórios prestando informações sobre a quantidade de sementes ou mudas utilizadas no período, espécies respectivas, extrações de óleo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, remessas para avaliação, incluindo os dados completos dos órgãos ou entidades de pesquisa destinatários, bem como os resultados, quantitativos e qualitativos, da referida avaliação, submetendo-se a todas as medidas eventualmente adotadas pela autoridade sanitária para fiscalização de seu cultivo. A concessão desta liminar obriga o paciente a observar, estritamente, os termos aqui estabelecidos. A autorização ora concedida é personalíssima e intransferível, de modo que não poderá, sob nenhuma hipótese, doar ou transferir a terceiro, a qualquer título, sementes, plantas, matéria-prima ou o óleo extraído, para qualquer finalidade, inclusive medicinal, sob as penas previstas na Lei nº 11.343/2006. A presente decisão gerará efeitos até: a) o julgamento desta ação; b) o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.708/DF pelo Supremo Tribunal Federal; c) eventual regulamentação do cultivo da Cannabis spp no Brasil pela ANVISA, para fins medicinais; e d) eventual incorporação pelo SUS, para fins de fornecimento gratuito pelo Poder Público, do tratamento médico prescrito. Por fim, defiro o pedido de tramitação do feito sob segredo de justiça (sigilo total), uma vez que a condição de saúde do paciente é fundamento central da concessão da presente medida e tal condição está abrangida pela proteção que se dá à intimidade (CRFB, artigo 5º, inciso LX). Anote-se. Notifiquem-se as autoridades apontadas como coatoras a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, prestem as informações que entenderem pertinentes. Com a vinda das informações, abra-se nova vista ao Ministério Público Federal para parecer. Após, venham conclusos para prolação de sentença. Intimem-se. Cumpra-se. Ourinhos, data da assinatura eletrônica. ANDRÉIA LOUREIRO DA SILVA Juíza Federal Substituta [1][1] Código de Processo Penal Comentado. 5ª Edição. Salvador, Juspodivm, 2020, página 1.590. [2] Crippa J, Zuardi A, Martin-Santos R, Bhattacharyya S, Atakan Z, McGuire P, Fusar-Poli, P. Cannabis and anxiety: a critical review of the evidence. Hum Psychopharmacol. 2009;24(7):515-23, apud Alexandre Rafael de Mello SchierI; Natalia Pinho de Oliveira RibeiroI; Adriana Cardoso de Oliveira e SilvaI; Jaime Eduardo Cecílio Hallak; José Alexandre S. Crippa; Antonio E. Nardi; Antonio Waldo Zuardi. Canabidiol, um componente da Cannabis sativa, como um ansiolítico. Braz. J. Psychiatry 34 (suppl 1) • Jun 2012. Disponível em https://www.scielo.br/j/rbp/a/CmqhFzYTRG9SJr8PZnFhTjK/?lang=pt (acesso em 29/06/2021).

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou 937 resultados. Faça login para ver detalhes completos e mais informações.

Fazer Login para Ver Detalhes