Processo nº 0000997-75.2014.8.11.0077
ID: 299658630
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000997-75.2014.8.11.0077
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RAMAO WILSON JUNIOR
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0000997-75.2014.8.11.0077 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Simples] Relator: Des(a). JUVENAL PEREIRA DA …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 0000997-75.2014.8.11.0077 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Simples] Relator: Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA] Parte(s): [ADAO ALEXANDRE GOMES - CPF: 903.827.731-87 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), GERALDO JUNIOR RODRIGUES SURUBI - CPF: 066.907.671-67 (APELANTE), MARIO HENRIQUE FERREIRA CAMPOS DA SILVA - CPF: 066.900.231-33 (APELANTE), CLAUDINEI DA SILVA ROSSI - CPF: 038.816.341-00 (APELANTE), ONOFRE ATANAZIO GOMES - CPF: 161.228.959-20 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ADAO ALEXANDRE GOMES - CPF: 903.827.731-87 (APELADO), RAMAO WILSON JUNIOR - CPF: 650.078.241-00 (ADVOGADO), RAMAO WILSON JUNIOR - CPF: 650.078.241-00 (ADVOGADO), GERALDO SURIBI - CPF: 007.422.681-95 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, CONHECEU PARCIALMENTE DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, NEGOU PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO SOBERANA DO TRIBUNAL DO JÚRI. DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação criminal interposta contra sentença condenatória proferida em ação penal, na qual o réu foi condenado a 12 anos de reclusão, em regime fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2º, II, do Código Penal. A defesa pleiteou a anulação do julgamento por alegada decisão contrária às provas dos autos, sustentando que o disparo foi acidental, em contexto de legítima defesa, e postulou o reconhecimento de excludentes de culpabilidade, ou, subsidiariamente, do homicídio privilegiado. Requereu, ainda, a anulação da qualificadora do motivo fútil e, em caráter subsidiário, a readequação da dosimetria da pena. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária às provas dos autos, a justificar a anulação do julgamento e a submissão do réu a novo júri; (ii) estabelecer se houve erro ou injustiça na dosimetria da pena, apto a ensejar sua readequação, especialmente quanto à fixação da pena-base e à aplicação da atenuante da confissão espontânea. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Não se conhece das teses recursais de legítima defesa, disparo acidental, inexigibilidade de conduta diversa e desistência voluntária, por configurarem inovação recursal, vedada no âmbito do Tribunal do Júri, ante a ausência de sustentação em plenário, sob pena de violação ao princípio da soberania dos veredictos e à competência constitucional da Corte Popular. 4. A decisão do Conselho de Sentença não se mostra manifestamente contrária às provas dos autos, estando amparada em elementos concretos que demonstram que o réu, motivado por desentendimento pretérito de pouca relevância, aguardou a vítima na estrada e efetuou disparo fatal, evidenciando a configuração do homicídio qualificado pelo motivo fútil. 5. A fixação da pena-base acima do mínimo legal encontra-se devidamente motivada, considerando-se as consequências do crime, não havendo comprovação de comportamento da vítima que justifique a sua valoração em favor do réu. 6. A atenuante da confissão espontânea foi corretamente reconhecida na segunda fase da dosimetria, com redução da pena intermediária para 12 anos de reclusão, sendo inviável sua fixação abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso parcialmente conhecido e, na parte conhecida, desprovido. Tese de julgamento: 1. É incabível o conhecimento de tese defensiva não suscitada em plenário do júri, sob pena de violação à soberania dos veredictos. 2. Não é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão do Tribunal do Júri que adota uma das versões plausíveis apresentadas, respaldada em elementos probatórios concretos. 3. A incidência da atenuante da confissão espontânea não autoriza a fixação da pena abaixo do mínimo legal cominado para o delito. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, alínea "c"; CP, arts. 59, 65, III, “d”, 121, § 2º, II; CPP, art. 593, III, “d”. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Apelação Criminal nº 0023975-48.2012.8.11.0002, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, j. 15.11.2023; TJMT, Apelação Criminal nº 1001658-47.2022.8.11.0080, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, j. 10.12.2024; TJMT, Apelação Criminal nº 0000390-66.2019.8.11.0019, Rel. Des. Paulo da Cunha, j. 06.08.2024; Súmula 231 do STJ. R E L A T Ó R I O Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por Adão Alexandre Gomes, contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Vila Bela da Santíssima Trindade, nos autos da Ação Penal nº 0000997-75.2014.8.11.0077, que atento à decisão emanada pelo Conselho de Sentença, o condenou à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime fechado, pela prática do delito tipificado no art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal. Inconformada, a defesa interpôs o presente recurso de apelação, sustentando, em síntese, que o julgamento foi contrário às provas dos autos, sob o argumento de que o réu teria efetuado apenas um disparo acidental, ocorrido em contexto de legítima defesa. Alega, ademais, a incidência da excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, bem como a ocorrência de desistência voluntária ou, subsidiariamente, o reconhecimento da figura do homicídio privilegiado, previsto no art. 121, § 1º, do Código Penal. Sustenta, ainda, que a qualificadora do motivo fútil não restou devidamente comprovada nos autos, razão pela qual requer a anulação da decisão do Conselho de Sentença, com a consequente submissão do réu a novo julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri, nos termos do art. 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal. Em caráter subsidiário, a defesa alega erro ou injustiça na dosimetria da pena, postulando sua readequação. Requer, para tanto, a redução da pena-base, ao argumento de que o comportamento da vítima deveria ter sido valorado em favor do acusado, por supostamente ter contribuído para o evento delituoso, além de pleitear a fixação da pena abaixo do mínimo legal, em virtude da aplicação da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal (Id. 271885392). Em contrarrazões, o Ministério Público pugna pelo desprovimento do recurso (Id. 276915886). A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Gill Rosa Fechtner, é pelo parcial conhecimento do recurso, e, na parte conhecida, pelo seu desprovimento, conforme entendimento assim sumariado: “Apelação criminal. Homicídio qualificado pelo motivo fútil. Veredicto condenatório. Insurgência da defesa. 1) Alegação de julgamento contrário à prova dos autos. Improcedência. As teses de legítima defesa, disparo acidental, inexigibilidade de conduta diversa e desistência voluntária não foram sustentadas em plenário, configurando, portanto, inovação recursal. Tais argumentos não podem ser conhecidos, sob pena de indevida supressão de instância, ofensa ao duplo grau de jurisdição e violação ao princípio da soberania do júri popular. Versão do acusado que permaneceu isolada nos autos. Qualificadora da motivação fútil suficientemente demonstrada pela prova coligida, não havendo elementos que evidenciem a configuração do alegado homicídio privilegiado. Opção dos jurados por uma das versões apresentadas. Princípio da livre convicção dos jurados e da soberania dos veredictos. 2) Arguição de erro ou injustiça na dosimetria da pena. Pretendida redução da pena para patamar abaixo do mínimo legal em razão da atenuante da confissão espontânea e reconhecimento da circunstância judicial do comportamento da vítima em favor do recorrente. Impossibilidade. Atenuante da confissão espontânea devidamente reconhecida na segunda fase dosimétrica. Pena volvida ao mínimo legal. Não há evidências de que a vítima tenha contribuído para a ocorrência do crime. Circunstância judicial que deve ser considerada neutra. 3) Parecer pelo parcial conhecimento do recurso, e, na parte conhecida, pelo desprovimento da apelação defensiva, mantendo-se incólume a soberana decisão do Conselho de Sentença.”. – Id. 281359866. É o relatório. V O T O R E L A T O R O apelante foi denunciado e submetido a julgamento popular, tendo o magistrado, atento à decisão emanada pelo Conselho de Sentença, o condenado pela prática do crime previsto no art. 121, § 2°, II, do Código Penal. Irresignada, a defesa interpôs o presente recurso de apelação, sustentando, em síntese, que o julgamento contrariou as provas constantes dos autos, sob o argumento de que o réu teria efetuado apenas um disparo acidental, em contexto de legítima defesa. Alega, ainda, a incidência da excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, bem como a ocorrência de desistência voluntária ou, subsidiariamente, o reconhecimento da figura do homicídio privilegiado. Aduz, outrossim, que a qualificadora do motivo fútil não restou devidamente comprovada nos autos, motivo pelo qual requer a anulação da decisão do Conselho de Sentença, com a consequente submissão do réu a novo julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri. Em caráter subsidiário, sustenta a existência de erro ou injustiça na dosimetria da pena, postulando sua readequação. Narra a denúncia que: “Consta dos inclusos autos de inquérito policial que em 04 de maio de 2014, por volta das 14h, na Estrada de terra, da Gleba Antonieta, próximo ao Bar da Loira, Zona Rural, neste município e comarca de Vila Bela da Santíssima Trindade/MT, o denunciado Adão Alexandre Gomes, consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, imbuído de animus occidendi, utilizando-se de uma arma de fogo, movido por motivo fútil, ceifou a vida da vítima Geraldo Surubi, conforme cópia de certidão de óbito, Laudo de Exame de Necropsia e perícia de fls. 11, 09/10, 38/51. Restou apurado que o denunciado Adão Alexandre Gomes, na data dos fatos, motivado por uma discussão pretérita de somenos importância, apoderou-se de uma arma de fogo e foi ao encontro da vítima, a qual estava nas proximidades do “Bar da Loira”. Chegando no local, abordou a vítima e efetuou um disparo contra esta, causando-lhe as lesões corporais que foram a causa eficiente de sua morte. Ato contínuo, evadiu-se do local”. (Id. 267989299, págs. 10/12). Passo, então, à análise dos pedidos. PRELIMINAR – NÃO CONHECIMENTO DE TESE NÃO ARGUIDA EM PLENÁRIO De início, impõe-se o exame da preliminar arguida pela douta Procuradoria de Justiça, de não conhecimento parcial do recurso, relativa à inovação recursal no tocante às teses defensivas de disparo acidental em contexto de legítima defesa, inexigibilidade de conduta diversa e desistência voluntária. Conforme bem pontuado pelo douto Procurador, se depreende da ata da sessão de julgamento realizada pelo Tribunal do Júri (Id. 267990366 – págs. 23/24) que a única tese efetivamente defendida pela defesa em Plenário foi a de homicídio privilegiado (art. 121, § 1º, do Código Penal), sob o fundamento de que o acusado teria agido sob o domínio de violenta emoção, logo após injusta provocação da vítima. Todavia, nas razões recursais, a defesa altera sua linha argumentativa, passando a sustentar que o homicídio teria decorrido de disparo acidental, em contexto de legítima defesa, além de invocar a excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa e a tese da desistência voluntária. Todavia, é assente que, nos processos de competência do Tribunal do Júri, a apelação possui fundamentação vinculada, ou seja, não devolve à instância superior o conhecimento amplo da causa, mas apenas das matérias que tenham sido objeto de discussão em Plenário, nos termos do art. 593, inciso III, do Código de Processo Penal. Entretanto, a Defesa, ao apresentar as razões de apelação, inovou ao requerer a cassação da decisão do Conselho de Sentença, com base na tese de que o acusado teria agido em legítima defesa — argumento que não foi sustentado durante os debates em plenário, tampouco submetido à apreciação dos jurados. Assim, constata-se que tal postulação configura inovação recursal vedada, porquanto não submetida à deliberação do Tribunal do Júri, de modo que seu conhecimento por esta instância revisora configuraria indevida supressão de instância e violaria o princípio constitucional da soberania dos veredictos, previsto no art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, da Constituição da República. Cumpre destacar que o Tribunal do Júri detém competência exclusiva para apreciar as teses de mérito, cabendo aos jurados a apreciação das circunstâncias qualificadoras, das excludentes de ilicitude e de culpabilidade, bem como a definição sobre a materialidade e autoria do delito. Admitir o exame de tese não submetida ao crivo dos jurados implicaria ofensa ao devido processo legal e ao duplo grau de jurisdição, além de esvaziar a competência constitucionalmente assegurada ao Tribunal Popular. Em situação análoga, este Egrégio Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que: “APELAÇÃO CRIMINAL – TRIBUNAL DO JÚRI – ART. 121, § 2.º, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL – CONDENAÇÃO – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – 1. PRELIMINAR ARGUIDA EX OFFICIO – NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO APELO – TESE DE PRESENÇA DA MINORANTE PREVISTA NO ART. 29, § 1.º, DO CÓDIGO PENAL – MATÉRIA QUE NÃO FOI SUBMETIDA AO CRIVO DO CONSELHO DE SENTENÇA – INOVAÇÃO RECURSAL – RISCO DE VIOLAÇÃO À COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DA CORTE LEIGA – 2. MÉRITO – ALMEJADA A NULIDADE DO JULGAMENTO, COM BASE NA TESE DE QUE A DECISÃO É MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS, NO QUE REFERE À AUTORIA E À PRESENÇA DA QUALIFICADORA – IMPROCEDÊNCIA – LASTRO PROBATÓRIO QUE EMBASA A DECISÃO DO JÚRI POPULAR – OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS POSSÍVEIS CORRENTES DE INTERPRETAÇÃO PROBATÓRIA – PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS – 3. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. É inviável conhecer, em grau recursal, da alegação relativa à presença da minorante do art. 29, § 1.º, do Código Penal se, ao que se extrai da ata da sessão de julgamento, a matéria não foi objeto dos debates em Plenário e tampouco constou dos quesitos submetidos ao crivo do corpo de jurados, sob pena de ofensa ao comando insculpido no art. 5.º, inc. XXXVIII, alínea d, da Constituição Federal, que confere ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e as suas circunstâncias, inclusive eventuais causas de diminuição e privilégios. 2. Não se trata de decisão manifestamente contrária às provas dos autos a eleição, por parte do Conselho de Sentença, da proposição acusatória deduzida pelo Ministério Público na denúncia, pois, in casu, há lastro probatório mínimo capaz de respaldar a conclusão da Corte Leiga no sentido de que o apelante, imbuído de animus necandi e ciente do recurso que dificultaria a defesa do ofendido, concorreu para o ataque surpresa que redundou na morte da vítima, de modo que as teses defensivas de irrelevância causal da conduta e de ausência da qualificadora constituem apenas uma das possíveis correntes de interpretação probatória, devendo ser mantida a opção dos senhores jurados pela versão que entenderam mais verossímil, com fulcro no princípio da soberania dos veredictos, previsto no art. 5.º, inc. XXXVIII, alínea c, da Constituição Federal. 3. Apelação parcialmente conhecida e, nesta extensão, desprovida”. (TJ-MT - Apelação Criminal: 0023975-48.2012.8.11.0002, Relator: Gilberto Giraldelli, Data de Julgamento: 15.11.2023, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 17.11.2023) Diante do exposto, acolho a preliminar, para não conhecer da parte do recurso que requer a anulação do julgamento com base nas teses de legítima defesa, inexigibilidade de conduta diversa e desistência voluntária, por se tratar de matérias não suscitadas em plenário, configurando, portanto, inovação recursal vedada. Superada essa preliminar, passo ao exame do mérito remanescente. MÉRITO 1) Da alegação de decisão contrária às provas dos autos. O recorrente sustenta, inicialmente, que a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária à prova dos autos, requerendo, por consequência, a sua anulação e a submissão do réu a novo julgamento. A defesa argumenta que, embora tenha sido reconhecido o homicídio qualificado, o contexto probatório indicaria a configuração do homicídio privilegiado, previsto no art. 121, §1º, do Código Penal, pois o agente teria agido sob o domínio de violenta emoção, logo após uma injusta provocação da vítima. Ademais, afirma que a qualificadora do motivo fútil não restou devidamente comprovada, devendo, portanto, ser afastada. Ab initio, convém ressaltar que o Tribunal do Júri é o julgador natural dos crimes dolosos contra a vida, conforme preceitua o art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, de forma que o juiz presidente está incumbido tão somente das atribuições relacionadas com o poder de condução dos atos de instrução, bem como da fixação da pena adequada ao crime em julgamento, restringindo-se, sempre, às circunstâncias reconhecidas pelo Conselho de Sentença, de modo a resguardar a soberania dos veredictos. Desta feita, somente a decisão arbitrária e completamente dissociada do conjunto probatório pode ser anulada. A propósito, na lição de Rogério Sanches Cunha, se “a decisão dos jurados encontra algum apoio na prova dos autos, tendo eles aderido a uma das versões verossímeis dentre as apresentadas, a decisão é mantida, em nome da soberania dos veredictos” (in Tribunal do Júri, procedimento especial comentado por artigos, 2.ª edição, JusPODIVM, 2016, p. 361). Não por outro motivo, a Colenda Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT editou, em sede de Uniformização de Jurisprudência, Enunciado Orientativo n.º 13, cuja redação dispõe que “Não se caracteriza como manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que, optando por uma das versões trazidas a plenário do Tribunal do Júri, não se encontra inteiramente divorciada do conjunto fático-probatório existente no processo” (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101.532/2015, DJe n.º 9.998, de 11/04/2017). Partindo dessas premissas, e volvendo-se ao caso concreto, inevitável concluir que a pretensão aviada no apelo não merece ser acolhida, eis que existem elementos de convicção, produzidos sob o crivo do contraditório, que legitimam a decisão do Conselho de Sentença. A materialidade foi devidamente provada pela Portaria (Id. 267989299 - Pág. 16), Boletim de Ocorrência (Id. 267989299 - Págs. 20/22), Laudo de Necropsia (Id. 267989299 - Pág. 30), certidão de óbito (Id. 267989299 - Pág. 34), bem como pelos depoimentos das testemunhas colhidos nas fases investigativa e prestados em plenário. Compulsando os autos, observa-se que o apelante quando ouvido na fase inquisitorial (Id. 267989299 - Pág. 52) confessou ter atingido a vítima com um disparo de arma de fogo, mas alegou ter agido em legítima defesa, sob o argumento de que o ofendido estava à sua espera, razão pela qual teria pego a espingarda para intimidar a investida da vítima em sua direção, ocasião em que aconteceu o disparo acidentalmente. Em juízo, ratificou a versão apresentada na fase inquisitorial, reforçando a afirmação de que o ofendido estava na estrada parado lhe esperando com um facão atrás do corpo e por isso desceu de sua caminhonete com a espingarda, mas não tinha intenção de atirar, sendo o disparo ocorrido acidentalmente e atingindo a barriga do ofendido (Relatório de mídias, Id. 267990252). Em plenário do júri, manteve a versão de que, no dia dos fatos, a vítima foi até a propriedade onde trabalhava e o teria ameaçado, pela manhã, estando embriagada, não sabendo precisar o motivo, pois a vítima não falava; ressaltou, ainda, que nunca haviam se desentendido anteriormente. Relatou que quando retornava de caminhonete com seu pai, não conseguiu prosseguir pela estrada, pois a vítima já se encontrava parada, cambaleando. Afirmou que parou o veículo e que seu pai desceu para conversar com a vítima, ocasião em que foi, inclusive, empurrado por ela. Na sequência, a vítima teria se dirigido até a janela do carro, onde ele se encontrava, momento em que pegou a espingarda, a qual disparou de maneira acidental. Esclareceu que pegou a arma apenas com o intuito de assustar a vítima, para que ela se afastasse. (Relatório de Mídias, Id. 267990370). Por outro lado, Claudinei da Silva Rossi, que presenciou o crime, em juízo, ratificou o depoimento prestado na fase inquisitiva, sustentando que o apelante é quem estava com a caminhonete parada na estrada, impedindo a passagem da vítima. Afirmou não ter ouvido o teor da conversa entre eles, mas relatou que a vítima se dirigiu até a caminhonete e, então, foi alvejada por um disparo. (Relatório de Mídias, Id. 267990370). No mesmo sentido, o filho da vítima, Geraldo Júnior Rodrigues Surubi, em plenário do júri, afirmou que, no dia dos fatos, estava na fazenda do apelante, ocasião em que seu pai foi buscá-lo para irem embora, pois não aprovava que ele trabalhasse naquele local. Relatou que seu pai o chamou, disse que iriam embora e, então, saíram juntos, momento em que o apelante ouviu, mas não disse nada, tampouco houve qualquer desentendimento entre eles. Acrescentou que seu pai estava nervoso, porém não se dirigiu ao apelante. Posteriormente, narrou que o apelante parou em sua casa à procura de seu pai, ocasião em que percebeu que ele estava nervoso. Por essa razão, ficou preocupado e pediu para que não fizesse nada contra seu genitor, acreditando que o apelante teria ficado chateado por ter sido retirado do trabalho na fazenda. Acrescentou que soube, ainda, que o apelante permaneceu esperando seu pai na estrada. (Relatório de Mídias, Id. 267990370). Constata-se, a partir do conjunto probatório constante dos autos, a presença de elementos consistentes que corroboram a versão de que o apelante, com a intenção de matar a vítima, a esperou na estrada, sacou uma espingarda que estava em seu veículo, apontou-a em sua direção e efetuou um disparo, o qual foi a causa de sua morte. Nesse contexto, não ficou demonstrado que a conduta do apelante tenha decorrido de uma injusta agressão praticada pela vítima. Ao contrário, restou evidenciado que o apelante agiu por motivo fútil, uma vez que o homicídio foi motivado por um desentendimento pretérito de insignificante relevância, decorrente de uma discussão banal entre a vítima e o acusado. Desse modo, a decisão dos jurados está amparada na prova carreada à ação penal, assim, não há falar em decisão manifestamente contrária ao conjunto probatório, razão pela qual a condenação e a qualificadora devem ser mantidas. Nesse sentido, o seguinte, julgado: “ DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO E HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA DISSOCIADA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. DECISÃO DOS JURADOS. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. RECURSO DESPROVIDO, EM SINTONIA COM O PARECER MINISTERIAL. (...) III. Razões de decidir 3. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri é garantia constitucional (art. 5º, XXXVIII, CF/88) e deve ser preservada, salvo quando a decisão for divorciada das provas dos autos. 4. No caso, as provas testemunhais e a confissão parcial do réu respaldam a decisão dos jurados, que adotaram uma das versões verossímeis dos fatos. 5. O princípio da íntima convicção dos jurados legitima a escolha entre versões plausíveis, desde que amparadas no conjunto probatório. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso de apelação desprovido. Tese de julgamento: "É legítima a decisão dos jurados que, diante de provas convergentes, acolhe uma das versões apresentadas nos autos, em observância à soberania do Tribunal do Júri." (...)”(N.U 1001658-47.2022.8.11.0080, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 10/12/2024, Publicado no DJE 13/12/2024). “APELAÇÃO CRIMINAL – TRIBUNAL DO JÚRI – HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA UTILIZAÇÃO DE RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA (CP, ART. 121, § 2º, IV) – SENTENÇA CONDENATÓRIA – 1. APELO DEFENSIVO – ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – INSUBSISTÊNCIA – PRIVILÉGIO PRESSUPÕE REAÇÃO IMEDIATA À INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA – VEREDICTO AMPARADO NOS ELEMENTOS DE PROVA DOS AUTOS – OPÇÃO DOS JURADOS POR UMA DAS VERSÕES SUSTENTADAS EM PLENÁRIO – SOBERANIA DOS VEREDICTOS (...) É entendimento pacificado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que a decisão do Tribunal do Júri somente pode ser anulada quando for manifestamente contrária à prova dos autos, tendo em vista que os julgadores leigos avaliam os elementos de prova que lhe são disponibilizados conforme a íntima convicção de cada um, mormente quando inexistem elementos que deem suporte a propalada legítima defesa e/ou homicídio privilegiado, devendo, dessa forma, ser observada a soberania das suas decisões, consoante preconiza o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal.(...)” (N.U 0000390-66.2019.8.11.0019, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Vice-Presidência, Julgado em 06/08/2024, Publicado no DJE 09/08/2024). Assim, frisa-se que, para que o veredicto seja considerado manifestamente contrário à prova dos autos, deve estar inteiramente desprovido de qualquer apoio na prova coligida, completamente dissociado dos elementos probatórios — hipótese que não se verifica no presente caso. Com efeito, o Conselho de Sentença, no exercício de sua competência constitucional, avaliou os elementos de prova e acolheu uma das versões plausíveis apresentadas nos autos, em estrita observância ao princípio da livre convicção motivada. 2) Da diminuição da pena. Em pedido subsidiário, a defesa alega a ocorrência de erro ou injustiça na dosimetria da pena, postulando sua readequação. Para tanto, requer a redução da pena-base, ao argumento de que o comportamento da vítima deveria ter sido valorado em favor do apelante, por, supostamente, ter contribuído para a ocorrência do evento delituoso. Além disso, pleiteia a fixação da pena abaixo do mínimo legal, em virtude da aplicação da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal. Todavia, o pleito também não merece acolhimento. Na primeira fase da dosimetria da pena, o magistrado sentenciante considerou desfavoráveis as consequências do crime, fixando a pena-base em 14 (quatorze) anos de reclusão. Tal decisão encontra respaldo nos elementos probatórios coligidos aos autos, bem como nos critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal. Conforme expressamente assentado na sentença, o comportamento da vítima em nada influenciou na prática do delito, inexistindo elementos que indiquem ter ela concorrido, de qualquer modo, para a sua consumação. A análise do comportamento da vítima, como vetor redutor ou agravante da pena, deve estar alicerçada em provas concretas e seguras. No caso em exame, não há qualquer elemento que evidencie comportamento da vítima que tenha provocado ou estimulado a conduta do apelante. Assim, acertadamente o magistrado a quo não reconheceu qualquer circunstância que justificasse a redução da pena-base em razão de eventual participação da vítima no evento. A fixação da pena-base, como sabido, é ato discricionário do julgador, desde que motivado com base nos elementos concretos dos autos, respeitando-se os critérios legais. No caso, a motivação apresentada pelo magistrado de primeiro grau mostra-se suficiente, clara e em conformidade com o ordenamento jurídico. Não há que se falar, portanto, em readequação da pena-base por inexistência de demonstração de erro ou injustiça na valoração das circunstâncias judiciais. No que tange ao pleito de fixação da pena aquém do mínimo legal, com fundamento na aplicação da atenuante da confissão espontânea, igualmente não há como acolhê-lo. Isso porque a referida atenuante já foi devidamente reconhecida na sentença, ocasião em que, na segunda fase da dosimetria, a pena intermediária foi reduzida de 14 (quatorze) para 12 (doze) anos de reclusão. Na oportunidade, não houve redução da pena-base ao patamar mínimo legal, e ainda que assim se procedesse, não seria juridicamente possível fixá-la abaixo do mínimo cominado em abstrato para o delito. Com efeito, nos termos da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Portanto, a pretensão defensiva encontra óbice intransponível na orientação consolidada dos tribunais superiores, razão pela qual deve ser rejeitada. Assim, inexistindo vício ou ilegalidade na fixação da pena, o pleito recursal não merece acolhimento. Diante do exposto, e em consonância com o parecer ministerial, conheço parcialmente do recurso e, na parte conhecida, nego provimento, mantendo incólume a decisão proferida em primeiro grau. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 10/06/2025
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