Processo nº 5229254-27.2024.8.09.0051
ID: 317513376
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 6ª UPJ Varas Cíveis: 26ª, 27ª, 28ª, 29ª, 30ª e 31ª
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5229254-27.2024.8.09.0051
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MILENNA GONÇALVES ARANTES DE CASTRO
OAB/GO XXXXXX
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Comarca de Goiânia27ª Vara CívelE-mail: gab27varacivel@tjgo.jus.brGabinete Virtual: (62) 3018-66426ª UPJ das Varas Cíveis (6upj.civelgyn@tjgo.jus.br)Autos: 5229254-27.2024.8.09.0051Natureza: PROCESSO…
Comarca de Goiânia27ª Vara CívelE-mail: gab27varacivel@tjgo.jus.brGabinete Virtual: (62) 3018-66426ª UPJ das Varas Cíveis (6upj.civelgyn@tjgo.jus.br)Autos: 5229254-27.2024.8.09.0051Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento Comum CívelRequerente: EDER MEIRA BOARETTIRequerido: VANQUISH PIPA FIRF LP (“VANQUISH”)SENTENÇA Cuida-se de ação de rescisão contratual c/c restituição de quantia paga e pedido de tutela de urgência, ajuizada por EDER MEIRA BOARETTI em desfavor de Vanquish Pipa Firf Lp [“VANQUISH”] e Rji Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, todos individualizados.O AUTOR alega ter investido R$ 62.400,00 no fundo INFINITY SELECT [posteriormente denominado VANQUISH PIPA], com a promessa de liquidez diária [D+0] e rendimento de 180% do CDI. Após realizar três aportes e um resgate parcial, o AUTOR solicitou o resgate total em fevereiro de 2023. No entanto, foi informado sobre a alteração unilateral do prazo de resgate para D+75. Mesmo após esse prazo, não recebeu os valores. Em 17/05/2023, tomou ciência do fechamento do fundo e, em 19/05/2023, foi informado da desvalorização de 84,96% das cotas, supostamente devido a operações "BOX PU". O AUTOR atribui a perda à má gestão das RÉS, que teriam violado o regulamento do fundo e as normas do mercado financeiro. Pleiteia a rescisão do contrato, a restituição integral dos valores investidos [R$ 43.834,30], atualizados e com juros, e o arresto dos ativos financeiros das RÉS. Por fim, requer a citação das RÉS e a inversão do ônus da prova, alegando relação de consumo e vulnerabilidade.A decisão de evento 10 menciona os aportes realizados pelo AUTOR no fundo INFINITY SELECT, totalizando R$ 62.400,00, e o resgate parcial de R$ 20.000,00. O magistrado destaca a promessa de liquidez diária [D+0] e rendimento de 180% do CDI, e a posterior alteração unilateral para D+75. Ao analisar o regulamento do fundo, o JUÍZO verificou a previsão de atualização diária da cota e o prazo de D+75 para conversão do resgate, conforme aprovado em assembleia. Diante disso, indeferiu a tutela de urgência de arresto, considerando que a constrição poderia prejudicar os demais cotistas. Determinou a citação das RÉS para apresentação de defesa em 15 dias, e autorizou a busca de endereço nos sistemas conveniados e o uso da decisão como mandado.O AUTOR opôs Embargos de Declaração contra a decisão que indeferiu o pedido de arresto, alegando que o prazo de 75 dias para conversão do resgate já havia se esgotado na primeira solicitação (maio/2023) e também após a renovação (fevereiro/2024), sem que a RÉ efetuasse o pagamento. Argumentou ainda que o arresto não prejudicaria os demais cotistas, pois o fundo está fechado, e que o valor seria levantado apenas após a sentença de mérito. O JUÍZO, no entanto, não conheceu dos embargos por considerar que o embargante carecia de interesse recursal, uma vez que não apontou omissão, contradição, obscuridade ou erro material na decisão, mas sim inconformismo. Destacou que os embargos não se prestam ao reexame de mérito, e determinou que se aguardasse o prazo recursal, cumprindo-se a decisão anterior [evento 17].A RJI CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA. apresentou contestação, alegando, preliminarmente, ausência de interesse de agir por parte do AUTOR, sob o argumento de que o dano seria incerto e futuro, uma vez que o fechamento do fundo visava proteger os cotistas. Sustentou que o AUTOR não comprovou o pedido de resgate, nem a data em que o teria realizado. No mérito, defendeu a inexistência de relação de consumo, argumentando que o AUTOR atuou como investidor em busca de lucro. Alegou que o fechamento do fundo foi lícito, baseado no regulamento e nas normas da CVM, e que a desvalorização das cotas decorreu do risco do negócio, inerente a investimentos em fundos que operam com derivativos. A RJI argumentou que sua responsabilidade se limita às obrigações legais e contratuais assumidas, e que eventuais prejuízos seriam de responsabilidade das prestadoras de serviço do fundo. Juntou documentos e requereu a total improcedência do pedido ou, subsidiariamente, que o valor do resgate fosse limitado às cotas do AUTOR [evento 33].O JUÍZO DE DIREITO DA 27ª VARA CÍVEL determinou a intimação das partes para, em 5 dias, especificarem as provas que pretendem produzir [evento 39].A RJI, em manifestação sobre as provas, reitera seu desinteresse na produção de novas provas, argumentando que a demanda consiste em matéria unicamente de direito. Requer o julgamento antecipado da lide, com base no art. 355, I, do CPC, e apresenta jurisprudência do TJSP que reconhece a legitimidade do fechamento de fundos de investimento por seus administradores [evento 43].VANQUISH PIPA FIRF LP, em sua manifestação sobre provas, requer a produção de prova documental superveniente e prova oral, com oitiva do AUTOR e dos representantes da RJI. Alega que o ônus da prova é do AUTOR e que a petição inicial não demonstra a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. O objetivo da produção de provas seria demonstrar a impossibilidade de efetivação do pedido de resgate e a ausência de responsabilidade do fundo pelos danos alegados. A VANQUISH junta substabelecimento e requer que as publicações e intimações sejam feitas em nome do advogado DIEGO CAPISTRANO [evento 44].No evento 45, o AUTOR, em resposta à intimação para especificação de provas, apresenta a síntese dos pontos principais discutidos em sua impugnação. Reafirma ter investido R$ 62.400,00 e resgatado apenas R$ 20.000,00, com saldo de R$ 43.834,30 em fevereiro/2023. Reitera que o pedido de resgate foi feito em 03/03/2023, antes do fechamento do fundo. Apresenta como pontos de impugnação a alteração unilateral do prazo de resgate, o não cumprimento do prazo de D+75, o fechamento injustificado do fundo e a gestão temerária. Cita jurisprudência do STJ e TJSP favoráveis à sua tese e, por fim, requer o julgamento antecipado da lide, informando não ter outras provas a produzir.Este juízo, no evento 47, proferiu decisão de saneamento e organização do feito. Recapitulou os argumentos das partes, incluindo os investimentos do AUTOR, a alteração do prazo de resgate, a desvalorização das cotas e os pedidos de rescisão e indenização. Rejeitou a preliminar de inaplicabilidade do CDC, considerando a vulnerabilidade do consumidor em relação aos fundos de investimento e citando jurisprudência do STJ. Rejeitou também a preliminar de ausência de interesse de agir, reconhecendo o conflito de interesses e o interesse do AUTOR em demandar. Indeferiu o pedido de oitiva do AUTOR e dos representantes da RJI, por considerar os documentos suficientes. Deferiu a juntada de documentos novos e supervenientes. Fixou como pontos controvertidos a responsabilidade das RÉS pelo inadimplemento do resgate, a legalidade da alteração do prazo de resgate e a extensão dos prejuízos. Intimou as partes para esclarecimentos em 5 dias, após o que a decisão se tornaria estável, e deixou de designar audiência de conciliação por falta de interesse das partes.A RJI, em manifestação à decisão saneadora, aponta um erro material na decisão, que teria confundido o fundo com a administradora. Reitera a tese da ilegitimidade passiva e da culpa exclusiva de terceiro. Reforça o argumento da inaplicabilidade do CDC e cita jurisprudência do TJRS favorável à sua tese. Alega que a alteração do prazo de resgate foi aprovada em assembleia e que as perdas do AUTOR decorreram da conduta da gestora do fundo, e não da administradora. Requer a correção do erro material e o reconhecimento da sua ilegitimidade passiva [evento 51].O JUÍZO determinou a intimação das partes para manifestação, em 15 dias, acerca dos expedientes juntados no evento 51. Após o prazo, os autos voltariam conclusos para decisão [evento 53].O AUTOR, em manifestação, impugna a alegação de erro material da RJI, argumentando que o equívoco é meramente terminológico e não altera a substância da relação jurídica. Reitera a responsabilidade solidária das RÉS e a aplicabilidade do CDC. Afirma que a RJI, como administradora, tinha o dever de fiscalizar o fundo e proteger os cotistas, e que descumpriu seu dever fiduciário ao permitir alterações unilaterais e operações financeiras que resultaram na desvalorização dos investimentos. Cita jurisprudência do TJSP que confirma a responsabilidade solidária em casos análogos. Refuta a alegação de culpa exclusiva de terceiro e a jurisprudência apresentada pela RJI. Reitera a legitimidade passiva da RJI e a vulnerabilidade do consumidor no mercado financeiro. Requer a rejeição da manifestação da RJI, a manutenção da decisão saneadora e o julgamento antecipado do mérito [evento 56].Os autos vieram-me conclusos.É o relatório, em síntese.Passo a fundamentar.De proêmio, ressalta-se que estão presentes nos autos todos os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, bem como a integralidade das condições da ação.Para Humberto Theodoro Júnior [1997, p. 58] Os pressupostos processuais são exigências legais sem cujo atendimento o processo, como relação jurídica, não se estabelece ou não se desenvolve validamente. [...]. São, em suma, requisitos jurídicos para a validade e eficácia da relação processual.Para esse eminente doutrinador, os pressupostos processuais são de existência [requisitos para que a relação processual se constitua validamente] e de desenvolvimento [aqueles a serem atendidos, depois que o processo se estabeleceu regularmente, a fim de que possa ter curso também regular, até sentença de mérito ou a providência jurisdicional definitiva]. [In: Curso de direito processual civil, vol. 1, 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997].Nesse sentido, o presente feito está em ordem e pronto para julgamento, não havendo necessidade de dilação probatória, uma vez que se trata de caso eminentemente documental.Nos termos do art. 355 do Código de Processo Civil, o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito quando não houver necessidade de produção de outras provas, o que acontece no caso em análise.Nesse viés, segundo enunciado da súmula n.º 28, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, quando existir nos autos provas suficientes à formação do convencimento do juiz, o julgamento antecipado da lide não acarretará cerceamento de defesa.1.) Questões processuais pendentes. 1.1.) Do saneamento complementar: erro material e manifestações das partes.Antes de adentrar o exame do mérito, cumpre ao Juízo sanar questão de natureza formal aventada após a prolação da decisão de saneamento e organização do processo [evento 47], nos termos do art. 357, § 1º, do Código de Processo Civil. A corré RJI Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. requereu, no evento 51, a correção de erro material contido na referida decisão, no ponto em que se afirmou que a empresa Vanquish Pipa Firf Lp seria a administradora do fundo “Infinity Select”.Com efeito, assiste razão à requerida no ponto. Conforme os documentos constantes dos autos e os próprios registros da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), verifica-se que: (1) Vanquish Pipa FIC FIRF LP é, na verdade, o nome do fundo de investimento objeto da controvérsia; (2) RJI Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. figura como a administradora fiduciária do referido fundo; (3) A gestora das carteiras, à época dos fatos, era a empresa Infinity Asset Management, que não integra o polo passivo da presente demanda.Assim, corrige-se o vício material apenas quanto à qualificação das entidades envolvidas, sem prejuízo à compreensão da controvérsia nem à responsabilização jurídica atribuída às partes no saneamento.Outrossim, no mesmo requerimento, a RJI reiterou suas teses de inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, ilegitimidade passiva e excludente de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro, com fundamento no art. 14, § 3º, do CDC. Inicialmente destaca-se que os fundos de investimento são regidos por seus respectivos regulamentos, nos quais são estabelecidas, além das regras básicas de funcionamento, outras informações relevantes, a exemplo da composição dos ativos, dos riscos envolvidos nas operações, da taxa de administração cobrada dos investidores e das estratégias de investimento a serem adotadas pelo gestor.No caso em apreço, a parte autora, na qualidade de cotista do fundo de investimento Infinity Select Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo – atualmente Vanquish Pipa FIRF LP – busca a responsabilização de administradores e gestores pela suposta prática de atos ilícitos que teriam implicado a quebra do dever de fidúcia e o descumprimento de disposições do regulamento do fundo, além da suposta inobservância de deveres previstos em instruções normativas da CVM.Pois bem. Sabe-se que “o CDC poderá ser utilizado para amparar concretamente o investidor ocasional (figura do consumidor investidor)” [REsp n. 1.785.802/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 19/2/2019, DJe 6/3/2019].Com efeito, a jurisprudência do STJ é assente em admitir a incidência do CDC às relações jurídicas dessa natureza, posicionando-se no sentido de que entre o investidor não profissional e a instituição financeira administradora de fundos de investimentos existe uma típica relação de consumo ante a inafastável prestação de serviços que a entidade bancária realiza, motivo pelo qual aplicável o disposto no § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor.No que diz respeito à administração de fundos de investimento, a instituição financeira presta um serviço bancário de intermediação entre o investidor e o mercado de capitais, canalizando os recursos aportados mediante a constituição de um condomínio de investidores e oferecendo administração profissional especializada na gestão de valores mobiliários.A atividade bancária de administração de fundos de investimento compreende o conjunto de serviços relacionados, direta ou indiretamente, ao funcionamento e à manutenção do fundo, tais como a gestão da carteira, a consultoria de investimentos, a escrituração da emissão e do resgate de cotas, a custódia de ativos financeiros, entre outros.Em contrapartida, a instituição financeira é remunerada por taxa de administração e deve agir com a diligência necessária para que os valores investidos sejam restituídos com a maior lucratividade possível, dentro do cenário de riscos próprios do mercado de capitais.Ou seja, o investidor ocasional ocupa, a toda evidência, a posição de destinatário final dos serviços prestados pelo administrador do fundo; e este a de fornecedor de serviços, tal como a definição extraída do Código de Defesa do Consumidor [arts. 2º e 3º].Por óbvio, não se está a afirmar que todo e qualquer investidor é consumidor, porque há, no mercado de capitais, investidores profissionais que movimentam elevada soma de forma habitual e institucionalizada, não lhes remanescendo nenhum resquício da hipossuficiência necessária à caracterização da figura do consumidor.Nada obstante, há de se garantir a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao investidor não profissional — em regra pessoa física — que vê a possibilidade de aporte em fundos de investimento como apenas mais um serviço oferecido pela instituição bancária, como qualquer outro investimento congênere.Outrossim, sabe-se que os investimentos financeiros consistem em operações de compra e venda de ativos financeiros, que são produtos emitidos por instituições financeiras, por sociedades empresárias ou pelo próprio governo, sendo negociados primordialmente no mercado financeiro.Os investimentos financeiros ostentam formas variadas, podendo ser classificados segundo o tipo de renda [fixa ou variável], o risco [alto, médio ou baixo], o prazo para resgate [curto, médio ou longo], a liquidez [alta ou baixa], entre outros.Ora, as instituições bancárias, na qualidade de prestadoras de serviço de consultoria financeira, devem fornecer informações claras e precisas aos consumidores sobre as características [nas quais incluídos os riscos] dos ativos financeiros negociados e apresentados como opção de investimento.Em outras palavras, ante a incontroversa vulnerabilidade informacional e técnica do consumidor, a oferta de aplicações financeiras deve observar o direito básico de informação adequada e clara sobre o produto, com a especificação correta de suas características, notadamente os riscos que apresentem, consoante se extrai do inciso III do art. 6º do código consumerista.Ademais, o dever do fornecedor de prestar informação adequada e transparente ao consumidor decorre da cláusula geral a boa-fé objetiva.Isso posto, tem-se que as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por vício na prestação de serviços, ressalvada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, incumbindo-lhes apresentar, no assessoramento financeiro, de forma transparente, informações precisas acerca dos riscos aos quais seus clientes serão submetidos consoante previsto no art. 31 do CDC.Importante esclarecer, ainda, que a atuação dos assessores de investimento, em grandes corretoras, envolve a orientação e o suporte aos clientes na escolha de ativos financeiros que estejam alinhados com seus objetivos, perfil de risco e horizonte de investimento.Esses profissionais têm um papel essencial em facilitar o acesso a produtos do mercado financeiro, explicando suas características, riscos e potenciais de retorno, além de acompanhar a performance das carteiras de seus clientes. Não se desconhece que os assessores são remunerados por meio de rebates, que são uma forma de compensação que as corretoras recebem das gestoras dos fundos de investimento pela venda de seus produtos. Isto é, é uma comissão paga pela gestora à corretora, baseada no volume de recursos captados ou mantidos nos fundos que essa corretora distribui aos investidores. No presente caso, a parte autora afirma que realizou o investimento por insistência da assessoria de investimentos da RJI [corretora], e pelo fundo ter sido apresentado como uma opção de renda fixa, com perfil de risco conservador.Assim, a aplicação das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor não pode ser afastada, especialmente porque a parte autora não é investidora profissional ou efetivamente qualificada, estando numa posição de extrema vulnerabilidade técnica e informacional ante a atuação das rés.É certo, portanto, que nos termos da jurisprudência do colendo STJ, o código consumerista tem aplicação prioritária nas relações entre consumidor e fornecedor, não se afigurando cabida a mitigação de suas normas – que partem da presunção legal absoluta da existência de desigualdade técnica e informacional entre os referidos agentes econômicos –, mediante a incidência de princípios do Código Civil que pressupõem a equidade [o equilíbrio] entre as partes.Nesse sentido, eis os seguintes arestos:PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANO MATERIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/15. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. CONTRATOS CELEBRADOS ENTRE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E CLIENTES QUE APLICAM RECURSOS EM FUNDOS DE INVESTIMENTO. APLICAÇÃO DO CDC. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. [...] 6. Por estar caracterizada relação de consumo, incidem as regras do CDC aos contratos relativos a aplicações em fundos de investimento celebrados entre instituições financeiras e seus clientes. 7. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 8. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido. [STJ, AgInt no AREsp nº 1.525.807/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/11/2019, DJe de 20/11/2019];RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INVESTIMENTO DE RISCO REALIZADO PELO BANCO SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS CORRENTISTAS. DEVER QUALIFICADO DO FORNECEDOR DE PRESTAR INFORMAÇÃO ADEQUADA E TRANSPARENTE. INOBSERVÂNCIA. CONSENTIMENTO TÁCITO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. 1. A Lei 8.078/90, cumprindo seu mister constitucional de defesa do consumidor, conferiu relevância significativa aos princípios da confiança, da boa-fé, da transparência e da equidade nas relações consumeristas, salvaguardando, assim, os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha da parte vulnerável, o que, inclusive, ensejou a criminalização da "omissão de informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços" (caput do artigo 66 do CDC). 2. Sob tal ótica, a cautela deve nortear qualquer interpretação mitigadora do dever qualificado de informar atribuído, de forma intransferível, ao fornecedor de produtos ou de serviços, porquanto certo que uma "informação deficiente" - falha, incompleta, omissa quanto a um dado relevante - equivale à "ausência de informação", na medida em que não atenuada a desigualdade técnica e informacional entre as partes integrantes do mercado de consumo. 3. Nessa ordem de ideias, a jurisprudência desta Corte reconhece a responsabilidade das entidades bancárias por prejuízos advindos de investimentos malsucedidos quando houver defeito na prestação do serviço de conscientização dos riscos envolvidos na operação. Precedentes. 4. Ademais, a proteção contra práticas abusivas, assim como o direito à informação, é direito básico do consumidor, cuja manifesta vulnerabilidade (técnica e informacional) impõe a defesa da qualidade do seu consentimento, bem como a vedação da ofensa ao equilíbrio contratual. 5. Com esse nítido escopo protetivo, o artigo 39 do CDC traz rol exemplificativo das condutas dos fornecedores consideradas abusivas, tais como o fornecimento ou a execução de qualquer serviço sem "solicitação prévia" ou "autorização expressa" do consumidor (incisos III e VI), requisitos legais que ostentam relação direta com o direito à informação clara e adequada, viabilizadora do exercício de uma opção desprovida de vício de consentimento da parte cujo déficit informacional é evidente. 6. Nessa perspectiva, em se tratando de práticas abusivas vedadas pelo código consumerista, não pode ser atribuído ao silêncio do consumidor (em um dado decurso de tempo) o mesmo efeito jurídico previsto no artigo 111 do Código Civil (anuência/aceitação tácita), tendo em vista a exigência legal de declaração de vontade expressa para a prestação de serviços ou aquisição de produtos no mercado de consumo, ressalvada tão somente a hipótese de "prática habitual" entre as partes. 7. Ademais, é certo que o código consumerista tem aplicação prioritária nas relações entre consumidor e fornecedor, não se afigurando cabida a mitigação de suas normas - que partem da presunção legal absoluta da existência de desigualdade técnica e informacional entre os referidos agentes econômicos -, mediante a incidência de princípios do Código Civil que pressupõem a equidade (o equilíbrio) entre as partes. 8. Na espécie, conforme consta da moldura fática, se o correntista tem hábito de autorizar investimentos sem nenhum risco de perda (como é o caso do CDB - título de renda fixa com baixo grau de risco) e o banco, por iniciativa própria e sem respaldo em autorização expressa do consumidor, realiza aplicação em fundo de risco incompatível com o perfil conservador de seu cliente, a ocorrência de eventuais prejuízos deve, sim, ser suportada, exclusivamente, pela instituição financeira, que, notadamente, não se desincumbiu do seu dever de esclarecer de forma adequada e clara sobre os riscos da operação. [...] 12. Recurso especial dos correntistas provido. Recurso especial da casa bancária prejudicado [STJ, REsp nº 1.326.592/GO, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 7/5/2019, DJe de 6/8/2019]; e[...] 2. Esta Corte posicionou-se no sentido de que entre o investidor e a instituição financeira administradora de fundos de investimentos existe uma típica relação de consumo, ante a inafastável prestação de serviços que a entidade bancária/instituição financeira realiza, sendo aplicável, portanto, o disposto no § 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor. Incidência, na espécie, o teor da Súmula 83 do STJ. 3. A gestão fraudulenta e a omissão do dever de informação por parte da recorrente, considerando como fator determinante para a causação do prejuízo o descumprimento do dever da correta informação na hipótese em exame, ultrapassa a razoabilidade prevista no art. 14, §1º, inciso II, do CDC, a justificar a excludente do nexo de causalidade, ainda que se trate de aplicação de risco. 4. (..) [STJ, AgRg no Ag n. 1.140.811/RJ, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 23/2/2016, DJe de 26/2/2016]. Por consequência, não prospera também a preliminar aventada pertinente à ilegitimidade passiva, a impugnação apresentada pelo autor [evento 56] refutou adequadamente as alegações da ré, reforçando a pertinência da manutenção da RJI no polo passivo, à luz da responsabilidade objetiva e solidária dos integrantes da cadeia de fornecimento de serviços financeiros, inclusive nos termos da Instrução CVM n.º 555/2014. Assim, são solidariamente responsáveis por eventual dano causado à parte consumidora, nos termos do artigo 7º, parágrafo único e 25, § 1º, ambos do CDC.Portanto, acolhe-se parcialmente a manifestação da RJI apenas para correção de erro material quanto à qualificação das partes, mantendo-se inalteradas todas as demais conclusões da decisão saneadora, inclusive quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, à legitimidade passiva da RJI e aos pontos controvertidos fixados.2.) Mérito.A controvérsia dos autos cinge-se à alegada falha na prestação de serviços financeiros pelas rés, que, ao oferecerem ao autor um fundo de investimento com características de baixo risco, liquidez imediata e rentabilidade atrativa [180% do CDI e D+0], alteraram unilateralmente as condições contratuais, resultando em expressiva perda do capital investido e inadimplemento do resgate requerido.Da análise dos autos, é incontroverso que a parte autora realizou aportes no Infinity Select Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo, posteriormente denominado Vanquish Pipa FIC FIRF LP, cujo investimento totalizou R$ 62.400,00, dos quais R$ 20.000,00 foram resgatados, restando um saldo de R$ 43.834,30. A contratação, conforme documentos acostados, foi intermediada por plataforma sob responsabilidade da RJI Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, administradora fiduciária do fundo. É igualmente incontroverso que, à época da contratação, o fundo era apresentado como produto de renda fixa, com perfil conservador e liquidez D+0, sendo, portanto, adequado para investidores não profissionais que buscavam segurança e previsibilidade no retorno. Referida condição foi posteriormente modificada pelas rés, passando o prazo de resgate para D+75, conforme alteração aprovada em Assembleia de Cotistas, da qual não há prova de participação ou ciência prévia do autor.O fundo foi encerrado por fraudes em sua gestão, tendo apresentado queda expressiva de até 85% [oitenta e cinco por cento] no valor das cotas, o que obviamente não se coaduna com um fundo de renda fixa.Sabe-se que um fundo de investimento de renda fixa de perfil conservador é uma modalidade de fundo onde a maior parte dos ativos que compõem a carteira são de renda fixa, ou seja, títulos de baixo risco e com rendimento previsível, como títulos públicos [Tesouro Direto] e títulos de dívida de empresas de alta qualidade [debêntures, por exemplo].Esses fundos são classificados como conservadores porque investem em ativos considerados seguros, que têm menor volatilidade e alta previsibilidade de retorno. A expectativa é de uma rentabilidade estável e menos suscetível a grandes oscilações do mercado.Nesse sentido, o principal objetivo desse tipo de investimento é preservar o capital e oferecer um retorno acima da inflação ou um retorno próximo ao CDI [Certificado de Depósito Interbancário], um índice que reflete a taxa básica de juros da economia.Ocorre que, no caso em tela, há fortes indícios de má gestão e fraudes na administração do fundo, tendo os gestores tomado decisões que fogem ao objetivo conservador do fundo, violando o regulamento pactuado.É certo que a cautela deve nortear qualquer interpretação mitigadora do dever de informar atribuído, de forma intransferível, ao fornecedor de produtos ou de serviços, porquanto certo que uma “informação deficiente” – falha, incompleta, omissa quanto a um dado relevante – equivale à “ausência de informação”, na medida em que não atenuada a desigualdade técnica e informacional entre as partes integrantes do mercado de consumo.Nessa ordem de ideias, os precedentes do STJ reconhecem a responsabilidade das entidades bancárias por prejuízos advindos de investimentos malsucedidos quando houver defeito na prestação do serviço de conscientização dos riscos envolvidos na operação, verbis:RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INVESTIMENTO DE RISCO REALIZADO PELO BANCO SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS CORRENTISTAS. DEVER QUALIFICADO DO FORNECEDOR DE PRESTAR INFORMAÇÃO ADEQUADA E TRANSPARENTE. INOBSERVÂNCIA. CONSENTIMENTO TÁCITO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. 1. A Lei 8.078/90, cumprindo seu mister constitucional de defesa do consumidor, conferiu relevância significativa aos princípios da confiança, da boa-fé, da transparência e da equidade nas relações consumeristas, salvaguardando, assim, os direitos básicos de informação adequada e de livre escolha da parte vulnerável, o que, inclusive, ensejou a criminalização da "omissão de informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços" (caput do artigo 66 do CDC). 2. Sob tal ótica, a cautela deve nortear qualquer interpretação mitigadora do dever qualificado de informar atribuído, de forma intransferível, ao fornecedor de produtos ou de serviços, porquanto certo que uma "informação deficiente" - falha, incompleta, omissa quanto a um dado relevante - equivale à "ausência de informação", na medida em que não atenuada a desigualdade técnica e informacional entre as partes integrantes do mercado de consumo. 3. Nessa ordem de ideias, a jurisprudência desta Corte reconhece a responsabilidade das entidades bancárias por prejuízos advindos de investimentos malsucedidos quando houver defeito na prestação do serviço de conscientização dos riscos envolvidos na operação.Precedentes . 4. Ademais, a proteção contra práticas abusivas, assim como o direito à informação, é direito básico do consumidor, cuja manifesta vulnerabilidade (técnica e informacional) impõe a defesa da qualidade do seu consentimento, bem como a vedação da ofensa ao equilíbrio contratual. 5. Com esse nítido escopo protetivo, o artigo 39 do CDC traz rol exemplificativo das condutas dos fornecedores consideradas abusivas, tais como o fornecimento ou a execução de qualquer serviço sem "solicitação prévia" ou "autorização expressa" do consumidor (incisos III e VI), requisitos legais que ostentam relação direta com o direito à informação clara e adequada, viabilizadora do exercício de uma opção desprovida de vício de consentimento da parte cujo déficit informacional é evidente. 6. Nessa perspectiva, em se tratando de práticas abusivas vedadas pelo código consumerista, não pode ser atribuído ao silêncio do consumidor (em um dado decurso de tempo) o mesmo efeito jurídico previsto no artigo 111 do Código Civil (anuência/aceitação tácita), tendo em vista a exigência legal de declaração de vontade expressa para a prestação de serviços ou aquisição de produtos no mercado de consumo, ressalvada tão somente a hipótese de "prática habitual" entre as partes. 7. Ademais, é certo que o código consumerista tem aplicação prioritária nas relações entre consumidor e fornecedor, não se afigurando cabida a mitigação de suas normas - que partem da presunção legal absoluta da existência de desigualdade técnica e informacional entre os referidos agentes econômicos -, mediante a incidência de princípios do Código Civil que pressupõem a equidade (o equilíbrio) entre as partes. 8. Na espécie, conforme consta da moldura fática, se o correntista tem hábito de autorizar investimentos sem nenhum risco de perda (como é o caso do CDB - título de renda fixa com baixo grau de risco) e o banco, por iniciativa própria e sem respaldo em autorização expressa do consumidor, realiza aplicação em fundo de risco incompatível com o perfil conservador de seu cliente, a ocorrência de eventuais prejuízos deve, sim, ser suportada, exclusivamente, pela instituição financeira, que, notadamente, não se desincumbiu do seu dever de esclarecer de forma adequada e clara sobre os riscos da operação. 9. A manutenção da relação bancária entre a data da aplicação e a manifestação da insurgência do correntista não supre seu déficit informacional sobre os riscos da operação financeira realizada a sua revelia. Ainda que indignado com a utilização indevida do seu patrimônio, o consumidor (mal informado) poderia confiar, durante anos, na expertise dos prepostos responsáveis pela administração de seus recursos, crendo que, assim como ocorria com o CDB, não teria nada a perder ou, até mesmo, que só teria a ganhar. 10. A aparente resignação do correntista com o investimento financeiro realizado a sua revelia não pode, assim, ser interpretada como ciência em relação aos riscos da operação. Tal informação ostenta relevância fundamental, cuja incumbência cabia ao banco, que, no caso concreto, não demonstrou ter agido com a devida diligência. 11. Consequentemente, sobressai a ilicitude da conduta da casa bancária, que, aproveitando-se de sua posição fática privilegiada, transferiu, sem autorização expressa, recursos do correntista para modalidade de investimento incompatível com o perfil do investidor, motivo pelo qual deve ser condenada a indenizar os danos materiais e morais porventura causados com a operação. 12. Recurso especial dos correntistas provido. Recurso especial da casa bancária prejudicado. [STJ - REsp: 1326592 GO 2012/0113475-4, Relator.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 07/05/2019, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/08/2019]; RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FUNDOS DE INVESTIMENTOS NO EXTERIOR. CASO "MADOFF". INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ASSESSORAMENTO FINANCEIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO DE MEIO. VÍCIO NO SERVIÇO. INEXISTÊNCIA. 1. Hipótese em que a parte autora busca a reparação dos prejuízos sofridos em decorrência da aplicação em fundo de investimento no exterior atingido por uma das maiores fraudes já praticadas no mercado financeiro norte-americano (caso "Madoff"). 2. As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por vício na prestação de serviços, ressalvada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, incumbindo-lhes, na prestação de serviço de assessoramento financeiro, apresentar informações precisas e transparentes acerca dos riscos aos quais seus clientes serão submetidos. 3. A aferição do dever de apresentar informações precisas e transparentes acerca dos riscos do negócio pode variar conforme a natureza da operação e a condição do operador, exigindo-se menor rigor se se fizerem presentes a notoriedade do risco e a reduzida vulnerabilidade do investidor. 4. Os deveres jurídicos impostos aos administradores dos fundos de investimento não se confundem com a responsabilidade da instituição financeira que os recomenda a seus clientes como possíveis fontes de lucro. 5. Eventuais prejuízos decorrentes de aplicações mal sucedidas somente comprometem as instituições financeiras que os recomendam como forma de investimento se não forem adotadas cautelas mínimas necessárias à elucidação da álea natural do negócio jurídico, sobretudo daqueles em que o elevado grau de risco é perfeitamente identificável segundo a compreensão do homem-médio, justamente por se tratar de obrigação de meio, e não de resultado. [...] 7. Recurso especial não provido. [STJ, REsp 1.606.775/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 06.12.2016, DJe 15.12.2016]. Ademais, na situação em tela, verifica-se pelos documentos acostados junto à exordial e noticiário público, que antes do denominado fechamento do fundo para saques, grandes investidores, com certeza detentores de informações privilegiadas, trataram rapidamente de efetuar seus levantamentos.Assim, em que pese as atribuições do gestor, dentre elas aquela de impedir a retirada dos investidores do fundo, tem-se que os saques o levaram praticamente a situação de insolvência, de modo que visível o objetivo de prejudicar o pequeno investidor, o qual não é detentor de informações privilegiadas que permitem a antecipação de movimentos diante de gestões temerárias, ineficientes e mesmo fraudulentas.Nesse toar, cumpre salientar que não houve sequer uma diversificação adequada para se preservar o capital do público investidor, como indica a boa gestão de fundos de investimento.Da mesma forma, reitera-se, no momento da pactuação, foi oferecido à parte autora um fundo com possibilidade de resgate “D+0”, ou seja, com conversão e pagamento no mesmo dia da solicitação do resgate, conforme regulamento acostado no evento 1, arquivo 10, fls. 98 a 113/pdf.Importante frisar que a alteração unilateral de cláusula essencial do contrato – no caso, o prazo de resgate, diretamente relacionado à liquidez do ativo – configura violação ao princípio da boa-fé objetiva, além de representar descumprimento da oferta inicial, nos termos do art. 30 e art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.O autor comprovou que solicitou o resgate em 03/03/2023, quando ainda vigente a nova regra de D+75. Contudo, mesmo após esse prazo, os valores não foram restituídos, e, posteriormente, tomou ciência de que o fundo havia sido fechado para resgates e as cotas haviam sofrido desvalorização superior a 84%, em razão de operações financeiras de alto risco [BOX PU].Evidente que, tratando-se de investimento, o prazo de 75 [setenta e cinco] dias após o pedido de resgate, é totalmente abusivo, ainda mais quando se trata de um fundo de renda fixa, que era oferecido com liquidez diária.Melhor dizendo, tais práticas não se coadunam com o perfil de um fundo de renda fixa conservador, revelando desvio de finalidade, má gestão e inobservância das obrigações fiduciárias por parte da administradora. A jurisprudência é clara ao afirmar que a administradora responde pela fiscalização da gestão dos ativos e pela salvaguarda dos interesses dos cotistas [art. 79 da Instrução CVM n.º 555/2014].Ademais, ao contrário do que sustenta a RJI, não há que se falar em culpa exclusiva de terceiro [gestora], uma vez que o dever de fiscalizar a gestão recai sobre a própria administradora, que integra a cadeia de fornecimento do serviço financeiro, respondendo solidariamente com os demais fornecedores, conforme dispõe o art. 7º, parágrafo único, e art. 14 do CDC.Destaca-se, repito, que os documentos dos autos evidenciam que investidores institucionais conseguiram realizar resgates antes do fechamento do fundo, o que reforça a tese de tratamento desigual entre os cotistas e possível abuso de informações privilegiadas – circunstância que acentua ainda mais a vulnerabilidade técnica e informacional do autor, típico consumidor nos moldes do art. 2º do CDC.Desse modo, tendo restado demonstrada a má gestão do fundo e o inequívoco prejuízo causado aos pequenos investidores, o acolhimento do pedido de rescisão formulado na inicial é medida impositiva, devendo as partes, por consequência, retornar ao status quo ante, com a devolução do montante aplicado, no valor de R$ 43.834,30, conforme documentação jungida no evento 1, não havendo falar em resgate rentabilizado ou em impor ao consumidor os prejuízos causados unicamente pelos administradores do fundo.No mesmo sentido, eis os seguintes arestos em casos semelhantes: APELAÇÕES. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZATÓRIA. FUNDO DE INVESTIMENTO. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em Exame: 1. Recurso de apelação interposto pelas rés Vanquish Pipa, RJI Corretora e Infinity Asset contra sentença que declarou resolvido o contrato e as condenou solidariamente ao pagamento de R$ 214 .273,85 por danos materiais. A envolvendo o fundo de investimento Vanquish Pipa. II. Questão em Discussão: 2. A questão em discussão consiste na aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e na responsabilidade solidária das rés pela falha na prestação de serviços financeiros, além da validade da cláusula de eleição de foro. III. Razões de Decidir: 3. Autor que efetuou aplicação financeira em ago/2022 (R$ 198 .600,78) no fundo Vanquish Pipa, administrado pela Infinity e RJI, devido a informações divulgadas de que se tratava de investimento em renda fixa de perfil conservador e com liquidez diária (D+0) de baixíssimo risco, porém em 07/02/2023 solicitou resgate do investimento (saldo R$ 214.237,85) o que não ocorreu porque o fundo foi fechado para resgate. Autor que se enquadra como investidor-consumidor. 4. Evidenciada relação de consumo, com aplicação do CDC e responsabilidade objetiva e solidária das rés. 5. Clausula de eleição de foro que não prevalece, podendo o autor ingressar no foro de seu domicílio (art. 101, I, do CDC). 6. Aplicabilidade do art. 17 da Lei nº 4.595/64 e da Súmula 297 do STJ. 5. Fundo de investimentos que, diante da indícios de gestão fraudulenta, teve prejuízo de aproximadamente 85%, o que também evidenciou a má prestação de serviços das rés. 6. Alteração do prazo de resgate de D+0 para D+75 é abusivo, representa descumprimento contratual, violação à oferta, violação da boa-fé objetiva (arts. 6º, IV e V, do CDC), caracterizando falha na prestação de serviços. 7. Valor a ser restituído que representa o saldo existente na data de solicitação em 07/02/2023, IV. Dispositivo e Tese: 5. RECURSOS DESPROVIDOS. Tese de julgamento: 1. Aplicabilidade do CDC em relações de consumo envolvendo fundos de investimento e investidor-consumidor. 2. Responsabilidade solidária das rés por falhas na prestação de serviços financeiros. 3. Descumprimento de oferta e quebra da boa-fé objetiva na alteração do prazo de resgate de D+0 para D+75. Legislação Citada: CC, art. 475; CDC, arts. 6º, IV e V, 7º, parágrafo único, 14 e, 51, IV, 101, I. [TJ-SP - Apelação Cível: 10286188920248260100 São Paulo, Relator.: L. G. Costa Wagner, Data de Julgamento: 24/02/2025, 34ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/02/2025];APELAÇÃO. RESCISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. FUNDO DE INVESTIMENTO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CADEIA DE CONSUMO. INVESTIDOR NÃO PROFISSIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E OBJETIVA DAS CORRÉS. 1- Sentença recorrida julgou procedentes os pedidos iniciais, rescindiu o contrato entabulado entre as partes e condenou as empresas rés a pagarem quantia certa ao autor. 2- Decisão extra petita não caracterizada. Ausente violação ao artigo 492 do CPC. Intelecção das regras do § 3º do artigo 489 do CPC. 3- Autor investiu R$ 50.000,00 em fundo de investimento de renda fixa com perfil conservador por intermédio da assessoria prestada pela Modal Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários no fundo "Infinity Select Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo", hoje denominado "Vanquish Pipa Fundo de Investimento em Renda Fixa Longo Prazo" administrado pela RJI Corretora de Títulos e Valores Mobiliários. 4- Fundo de investimentos sub judice que, diante da indícios de gestão fraudulenta, teve prejuízo de aproximadamente 85%, o que também evidenciou a má prestação de serviços das apelantes corrés (Modal Distribuidora, RJI Corretora e Fundo Vanquish Pipa). 5- Conjunto fático-probatório dos autos desvelou a nítida relação jurídica de consumo existente na hipótese dos autos, evidenciada pela cadeia de consumo que configurou a responsabilidade objetiva e solidária das corrés. Aplicabilidade do artigo 17 da Lei nº 4.595/64 e da Súmula 297 do STJ. 6- A restituição do valor indicado na petição inicial correspondente ao valor investido representa a reparação necessária devida solidariamente pelas corrés ao autor de forma a restabelecer o estado anterior à contratação. 7- Majoração da verba sucumbencial honorária devida pelas apelantes sucumbentes, nos termos do artigo 85, § 11º do CPC e do Tema 1059 do STJ. 8- Sentença mantida per relationen, nos termos do artigo 252 do RITJSP. Recursos de apelação não providos. [TJSP, Apelação Cível nº 1071775-49.2023.8.26.0100; Relator (a) Rodrigues Torres; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 36ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/10/2024; Data de Registro: 08/10/2024];APELAÇÃO. Rescisão do contrato e devolução de dinheiro. Respeitável sentença de procedência. Inconformismo da empresa requerida. Ilegitimidade passiva afastada. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Inexistem indícios de que a autora seja investidora profissional, não se valendo desta relação para implementar atividade empresarial. A autora aportou R$ 32 .412,63, no Infinity Select Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo (nova denominação Vanquish Pipa Fundo de Investimento em Renda Fixa Longo Prazo), por meio da plataforma ModalMais. O investimento em renda fixa (FIRF) destinado a investidores de perfil conservador, prometia a possibilidade de resgate imediato (D+0 = no dia da solicitação). Prazo de 75 dias após o pedido para resgatar o fundo de investimento é abusivo. Flagrante descumprimento contratual. Violação à oferta, porque alterado substancialmente o resgate para D+75, indo de encontro ao dever de boa-fé objetiva (art. 6º, IV e V do Código de Defesa do Consumidor). Valor a ser restituído. Não prospera a tese de que seja limitado ao valor das cotas no encerramento do dia do pedido de resgate, pois constatada a má gestão. Violação à boa-fé objetiva e, ainda sob o prisma da proteção integral da parte hipossuficiente, deve se dar por inteiro. Retorno das partes ao estado anterior. Ausência das causas excludentes de responsabilidade, tais como a culpa exclusiva de terceiro, a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força maior, o que não ocorreu. RECURSO DESPROVIDO. [TJ-SP - Apelação Cível: 10120395520238260309 Jundiaí, Relator.: Dario Gayoso, Data de Julgamento: 24/09/2024, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/09/2024]. Como se vê, a jurisprudência pátria tem reconhecido de forma reiterada a responsabilidade solidária de administradoras, gestoras e demais integrantes da cadeia de consumo, em situações idênticas à dos autos, como bem exemplificado pelos recentes acórdãos do TJSP.Neste contexto, restando comprovada a falha na prestação do serviço, a desvirtuação da natureza do produto financeiro ofertado, a alteração unilateral de cláusulas essenciais, bem como o inadimplemento do resgate do saldo remanescente, é cabível a rescisão contratual e a devolução integral do valor investido, com atualização monetária desde o pedido de resgate [03/03/2023] e juros moratórios a partir da citação, como forma de restabelecimento do status quo ante e compensação do desequilíbrio contratual gerado por conduta reprovável dos fornecedores.Com suporte nesse robusto arcabouço técnico e jurisprudencial, a procedência do pedido exordial é medida que se impõe.3.) DISPOSITIVO.Ante o exposto, com supedâneo no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para:3.1.) DECLARAR RESCINDIDO o contrato de investimento firmado entre as partes, referente à aplicação financeira no Fundo Infinity Select FI RF LP;3.2.) CONDENAR as rés, solidariamente, a restituir ao autor o valor de R$ 43.834,30 [quarenta e três mil, oitocentos e trinta e quatro reais e trinta centavos], acrescido de correção monetária pelo INPC, a partir do ajuizamento da ação, e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.3.3.) CONDENO as rés, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% [dez por cento] sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.No caso de oposição de embargos de declaração, havendo possibilidade de serem aplicados efeitos infringentes, deverá a parte contrária ser intimada para manifestação no prazo legal.Caso ocorra a interposição de recurso de apelação, deverá a UPJ-Cível proceder à intimação da parte recorrida para apresentar as contrarrazões no prazo de 15 [quinze] dias [art. 1.010, §1°, do CPC].Interposta Apelação Adesiva, intime-se a parte apelante para apresentar as contrarrazões [art. 1.010, §2°, do CPC].Cumpridas as formalidades previstas nos §§1° e 2°, do art. 1.010, do CPC, o que deverá ser certificado, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, independente de nova conclusão [art. 1.010, §3°, do CPC].Com o trânsito em julgado, arquive-se, com as cautelas de praxe.Promova-se a UPJ Cível a alteração da fase e da classe processual [caso necessário] e observe eventual substituição de advogados e substabelecimentos, de forma que não haja prejuízo nas intimações, cadastrando o[s] novo[s] e descadastrando procurador[es] que não mais representa[m] a[s] parte[s].Serve o presente ato como mandado/ofício e dispensa a expedição de qualquer outro documento para o cumprimento da ordem exarada, nos termos dos artigos 136 e seguintes do Código de Normas e Procedimentos do Foro Judicial, editado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Goiás.Autorizo o(a) senhor(a) Coordenador/Gestora a assinar todos os atos para o integral cumprimento deste decisum, mediante cópia do presente.P. R. Intimem-se.Cumpra-se.Goiânia, data e hora do sistema. (assinado eletronicamente)Leonardo Naciff BezerraJuiz de Direito02
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