Processo nº 1000721-84.2016.8.11.0003
ID: 326682815
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000721-84.2016.8.11.0003
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Advogados:
LEONARDO SANTOS DE RESENDE
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1000721-84.2016.8.11.0003 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [USUCAPIÃO ORDINÁRIA] RELATOR: EXMO. SR. DES. S…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1000721-84.2016.8.11.0003 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [USUCAPIÃO ORDINÁRIA] RELATOR: EXMO. SR. DES. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS TURMA JULGADORA: [EXMO. SR. DES. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, EXMO. SR. DR. MARCIO APARECIDO GUEDES, EXMA. SRA. DRA. TATIANE COLOMBO] PARTE(S): [FATIMA MARIA MOTA FRANCA - CPF: 846.079.041-04 (APELANTE), LEONARDO SANTOS DE RESENDE - CPF: 632.624.601-68 (ADVOGADO), DANIELA MOTA FRANCA BERRO - CPF: 627.860.081-15 (APELANTE), EMERSON GLAUCIO BERRO - CPF: 663.795.391-15 (APELANTE), GUSTAVO MOTA FRANCA - CPF: 688.761.061-20 (APELANTE), PAULA TAVARES DE CARVALHO FRANCA - CPF: 941.297.111-72 (APELANTE), MARCELO MOTA FRANCA - CPF: 925.933.991-04 (APELANTE), FERNANDA GRAZIELLA NOGUEIRA DUARTE - CPF: 950.214.851-72 (APELANTE), IONIQUELE DE SOUZA GUIRO - CPF: 024.426.771-56 (APELADO), TAYNA GAZOLA SODRE - CPF: 046.129.401-05 (APELADO), ONORIO GONCALVES DA SILVA JUNIOR - CPF: 882.357.001-82 (ADVOGADO), DENILSON ROBERTO SODRE DE OLIVEIRA - CPF: 378.093.341-15 (APELADO), MARCIO ANTONIO GARCIA - CPF: 616.621.001-91 (ADVOGADO), LUCIMAR JUSTINO SODRE - CPF: 824.921.821-34 (APELADO), SERGIO ANTONIO DOS SANTOS DAMIAN - CPF: 376.284.610-34 (APELADO), RAUL AMARAL CAMPOS - CPF: 204.446.808-53 (APELADO), DORA NOUGUES AMARAL CAMPOS - CPF: 099.230.778-37 (APELADO), ESPÓLIO DE PEDRO IVO DE FREITAS registrado(a) civilmente como PEDRO IVO DE FREITAS - CPF: 055.572.838-20 (APELADO), ERMINIA GAIVA FONTOURA (APELADO), RAPHAEL JOAQUIM GUSMAO - CPF: 004.399.001-07 (ADVOGADO), SIRLEI DE MORAIS ROCHA - CPF: 010.690.851-03 (APELADO), D.N.A. CAMPOS & CIA LTDA - CNPJ: 07.391.230/0001-78 (APELADO), ALGACYR NUNES DA SILVA JUNIOR - CPF: 627.818.801-59 (ADVOGADO), IONIQUELE DE SOUZA GUIRO - CPF: 024.426.771-56 (APELANTE), TAYNA GAZOLA SODRE - CPF: 046.129.401-05 (APELANTE), DENILSON ROBERTO SODRE DE OLIVEIRA - CPF: 378.093.341-15 (APELANTE), LUIZ FELIPE BARRINUEVO DOS SANTOS - CPF: 048.049.931-42 (ADVOGADO), FATIMA MARIA MOTA FRANCA - CPF: 846.079.041-04 (APELADO), LEONARDO SANTOS DE RESENDE - CPF: 632.624.601-68 (ADVOGADO), DANIELA MOTA FRANCA BERRO - CPF: 627.860.081-15 (APELADO), LEONARDO SANTOS DE RESENDE - CPF: 632.624.601-68 (ADVOGADO), EMERSON GLAUCIO BERRO - CPF: 663.795.391-15 (APELADO), LEONARDO SANTOS DE RESENDE - CPF: 632.624.601-68 (ADVOGADO), GUSTAVO MOTA FRANCA - CPF: 688.761.061-20 (APELADO), LEONARDO SANTOS DE RESENDE - CPF: 632.624.601-68 (ADVOGADO), PAULA TAVARES DE CARVALHO FRANCA - CPF: 941.297.111-72 (APELADO), LEONARDO SANTOS DE RESENDE - CPF: 632.624.601-68 (ADVOGADO), MARCELO MOTA FRANCA - CPF: 925.933.991-04 (APELADO), LEONARDO SANTOS DE RESENDE - CPF: 632.624.601-68 (ADVOGADO), FERNANDA GRAZIELLA NOGUEIRA DUARTE - CPF: 950.214.851-72 (APELADO), LEONARDO SANTOS DE RESENDE - CPF: 632.624.601-68 (ADVOGADO), LUCIMAR JUSTINO SODRE - CPF: 824.921.821-34 (APELANTE), MARCIO ANTONIO GARCIA - CPF: 616.621.001-91 (ADVOGADO), LUIZ FELIPE BARRINUEVO DOS SANTOS - CPF: 048.049.931-42 (ADVOGADO), ALGACYR NUNES DA SILVA JUNIOR - CPF: 627.818.801-59 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência da EXMA. SRA. DESA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: “POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO DE DENILSON ROBERTO SODRE DE OLIVEIRA, LUCIMAR JUSTINO SODRÉ E TAYNA GAZOLA, PROVEU PARCIALMENTE O DE IONIQUELE DE SOUZA GUIRO”. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. CONVERSÃO DE MODALIDADE. POSSE MANSA, PACÍFICA E ININTERRUPTA. EXTINÇÃO DE AÇÕES CONEXAS POR PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DE CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO DE DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA, LUCIMAR JUSTINO SODRÉ E TAYNA GAZOLA DESPROVIDO. RECURSO DE IONIQUELE DE SOUZA GUIRO PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame Recursos de apelação interpostos por Denilson Roberto Sodré de Oliveira, Lucimar Justino Sodré e Tayna Gazola, bem como por Ioniquele de Souza Guiro, contra sentença que julgou procedente a Ação de Usucapião extraordinária proposta por Fátima Maria Mota França e outros, reconhecendo o domínio dos autores sobre os lotes 8, 9 e 10 da quadra 18 do loteamento "Setor Rodoviário", com consequente extinção das ações conexas de Reintegração de Posse, Interdito Proibitório e Oposição, por perda superveniente do objeto. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em saber: (i) se a conversão da ação de usucapião ordinária para extraordinária é juridicamente possível; (ii) se os autores da usucapião e seus antecessores exerceram posse mansa, pacífica e ininterrupta, por prazo suficiente para a aquisição da propriedade; (iii) se a ausência de título de propriedade ou a alegada nulidade de contrato de compra e venda impede o reconhecimento da usucapião; (iv) se as demais ações conexas deveriam ser extintas por perda superveniente do objeto; e (v) se é cabível a concessão de gratuidade de justiça à apelante Ioniquele de Souza Guiro, com suspensão da exigibilidade de custas e honorários advocatícios. III. Razões de decidir Admite-se a conversão da modalidade de usucapião ordinária para extraordinária, aplicando-se a fungibilidade, diante da realidade fática demonstrada e do princípio jura novit curia. Comprovada a posse mansa, pacífica e ininterrupta por prazo superior a 15 anos, configurada a aquisição da propriedade por usucapião extraordinária, nos termos do art. 1.238 do CC/2002. A alegação de nulidade de documento de compra e venda não impede o reconhecimento da usucapião, que prescinde de justo título. A extinção das ações de Reintegração de Posse, Interdito Proibitório e Oposição decorre do reconhecimento do domínio dos autores, absorvendo-se o direito possessório pelo direito de propriedade. Reconhecido o direito de gratuidade de justiça de Ioniquele de Souza Guiro, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015, para suspender a exigibilidade de custas, despesas e honorários advocatícios. IV. Dispositivo e tese Recurso de Denilson Roberto Sodré de Oliveira, Lucimar Justino Sodré e Tayna Gazola desprovido. Recurso de Ioniquele de Souza Guiro parcialmente provido, para declarar a suspensão da exigibilidade das custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015. Tese de julgamento: “É possível a conversão da modalidade de usucapião ordinária para extraordinária, desde que preenchidos os requisitos legais. A posse mansa, pacífica e ininterrupta por prazo superior a 15 anos confere ao possuidor o direito de aquisição da propriedade por usucapião extraordinária, independentemente de justo título ou boa-fé. O reconhecimento do domínio por usucapião extingue as ações possessórias conexas por perda superveniente do objeto. A concessão do benefício da gratuidade de justiça suspende a exigibilidade das custas e dos honorários advocatícios, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015." R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS (RELATOR): Egrégia Câmara: Recursos de apelação cível interposto por DENILSON ROBERTO SODRE DE OLIVEIRA, LUCIMAR JUSTINO SODRÉ e TAYNA GAZOLA (id. 215041983) e por IONIQUELE DE SOUZA GUIRO contra sentença proferida em conjunto com a Ação de Usucapião (1000721-84.2016), Ação de Reintegração de Posse (n. 0003783.91.2019), Ação de Interdito Proibitório (nº 0003561.84.2016) e Ação de Oposição (nº 1000721-84.2018) que Julgou da seguinte forma: “JULGO PROCEDENTE a presente “Ação de Usucapião” promovida por FÁTIMA MARIA MOTA FRANÇA, DANIELA MOTA FRANÇA BERRO, EMERSON GLÁUCIO BERRO, GUSTAVO MOTA FRANÇA, PAULA TAVARES DE CARVALHO, MARCELO MOTA FRANÇA e FERNANDA GRAZIELLA NOGUIRA DUARTE, com qualificação nos autos, em desfavor de IONIQUELE DE SOUZA GUIRO, TAYNA GAZOLA, DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA e LUCIMAR JUSTINO SODRÉ, com qualificação nos autos, para declarar o domínio dos promoventes da ação sobre as áreas descritas e caracterizadas nos autos, tudo de conformidade com os preceitos dos artigos 1.238 e seguintes do Código Civil, condenando a parte ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento), sobre o valor dado à causa, o qual deverá ser atualizado. Esta sentença servirá de título para transcrição, oportunamente, no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca.”. Por corolário natural, JULGO e DECLARO, por sentença, EXTINTO a presente “Ação de Reintegração de Posse” aforada por DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA, com qualificação nos autos, em desfavor de RAFAEL BERNANDES DE FREITAS, com qualificação nos autos, pois o interesse processual decorre da necessidade e utilidade do processo e somente existirá quando a pretensão autoral puder ser alcançada pelo provimento jurisdicional, e como o provimento da ação de usucapião, a pretensão exposta na pela madrugadora, deste processo, perdeu o objeto, causa superveniente, e o faço com amparo no inciso VI, do artigo 485 do Código de Processo Civil, condenando a parte ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios - O STJ, em inúmeras oportunidades, já se manifestou no sentido de que, em função do princípio da causalidade, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento das custas e dos honorários advocatícios (REsp 1678132 MG -. que arbitro em 10% (dez por cento), sobre o valor dado à causa, o qual deverá ser atualizado. JULGO e DECLARO, por sentença, EXTINTO o presente processo “Ação de Interdito Proibitório” aforado por FÁTIMA MARIA MOTA FRANÇA, DANIELA MOTA FRANÇA BERRO, GUSTAVO MOTA FRANÇA, MARCELO MOTA FRANÇA, com qualificação nos autos, em desfavor de DENÍLSON ROBERTO SODRÉ OLIVEIRA, com qualificação autos, pois o interesse processual decorre da necessidade e utilidade do processo e somente existirá quando a pretensão autoral puder ser alcançada pelo provimento jurisdicional, e como o provimento da ação de usucapião, a pretensão exposta na pela madrugadora, deste processo, perdeu o objeto, causa superveniente, e o faço com amparo no inciso VI, do artigo 485 do Código de Processo Civil, condenando a parte ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios - O STJ, em inúmeras oportunidades, já se manifestou no sentido de que, em função do princípio da causalidade, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento das custas e dos honorários advocatícios (REsp 1678132 MG -. que arbitro em 10% (dez por cento), sobre o valor dado à causa, o qual deverá ser atualizado. JULGO e DECLARO, por sentença, EXTINTO a presente “Ação de Oposição”, impetrada por FATIMA MARIA MOTA FRANÇA, DANIELA MOTA FRANÇA BERRO, GUSTAVO MOTA FRANÇA e MARCELO MOTA FRANÇA em desfavor de DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA e RAFAEL BERNARDES DE FREITAS, com qualificação nos autos, pois o interesse processual decorre da necessidade e utilidade do processo e somente existirá quando a pretensão autoral puder ser alcançada pelo provimento jurisdicional, e como o provimento da ação de usucapião, a pretensão exposta na pela madrugadora, deste processo, perdeu o objeto, causa superveniente, e o faço com amparo no inciso VI, do artigo 485 do Código de Processo Civil, condenando a parte ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios - O STJ, em inúmeras oportunidades, já se manifestou no sentido de que, em função do princípio da causalidade, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento das custas e dos honorários advocatícios (REsp 1678132 MG -. que arbitro em 10% (dez por cento), sobre o valor dado à causa, o qual deverá ser atualizado.”. Os primeiros apelantes, DENILSON ROBERTO SODRE DE OLIVEIRA, LUCIMAR JUSTINO SODRÉ e TAYNA GAZOLA, afirmam que os apelados trouxeram aos autos um único documento, um “suposto” contrato de compromisso de compra e venda, afirmando ter sido entabulado entre JOSÉ SALMEN HANZE e EURIBIADES DOS SANTOS FRANÇA, datado de 03/05/1985. Ocorre que, segundo defendem “José Salmen Hanze” não assinou o documento, o que pode ser confirmado pela própria peça, pois, no local da assinatura consta supostamente uma atribuída a Sra Jupia de Oliveira Mestre com os apontamentos de que o fizera por procuração. Acrescentam que: “a Sra Jupia, ainda em vida, nos autos em apenso da reintegração de posse nº 0003793-91.2019.8.11.0003, ID 89203390, na audiência de justificação, em Juízo, afirmou categoricamente que alienou referido imóvel ao Sr. DENILSON SODRÉ, ora Apelante, e jamais vendeu-o aos Apelados, portanto, tal assinatura não representa a verdade dos fatos. Para ratificar o alegado, a Sra. Jupia de Oliveira Mestre, ainda em vida, lavrou ATA NOTARIAL DE CONSTATAÇÃO DE FATO, juntado aos autos ID 3289941, paginas 1 e 2, no dia 27/10/2016, ratificando que sequer conhece o Sr. EURIBÍADES DOS SANTOS FRANÇA e, que nunca pactuou contrato com o mesmo, desconhecendo a assinatura constante no referido documento.”. Ponderam que “se a própria Sra. Jupia desconhece o referido documento, como pode o Juiz de piso fundamentar a prescrição aquisitiva baseado somente num documento trazido pelos Apelados, e, ainda mais, de caráter duvidoso?”. Continuam: “A duas, que precisa ser observado no único documento juntado pelos Apelados, que a suposta assinatura foi realizada por procurador, no entanto, onde está este documento que jamais fora juntado aos autos? Cadê essa procuração dando poderes para quem assinou o malfadado contrato? A três que, ainda que referido documento fosse verdadeiro, o que se admite apenas por amor ao debate, o mesmo não corrobora em nada para o deslinde da questão vez que a discussão é exatamente a posse e não o domínio, não sendo tal documento capaz de demonstrar que seu titular é ou foi possuidor do referido imóvel.”. Adiante, rechaçam os testemunhos das pessoas indicados pelos apelados; e, em seguida pontua trechos dos depoimentos de testemunhas arroladas por eles, concluindo que “demonstra com clareza solar que todos os imóveis pertenciam a Sra. Jupia que, possuindo livre e desembaraçado de quaisquer ônus, alienou-os aos Apelantes e tantos outros.”. Nesse cenário, afirmam NÃO haverem provas suficientes que demonstram posse mansa, pacífica e ininterrupta, e, por período capaz de gerar direitos de usucapir para os Apelados. E, ainda que viessem a ter posse, seja justa ou injusta, restou demonstrado que, com o encerramento das atividades do aeroporto do ano de 2.000, os Apelados renunciaram-na ao se transferirem para o aeroporto novo deixando os imóveis em completo abandono. Complementam: “No presente feito alguns pontos precisam ser observados e que não foram esclarecidos, sendo totalmente ignorados pela sentença guerreada. 1.Se os Apelados eram de fato proprietários, como alegam, porque não ingressaram no inventário de Jose Salmen Hanze para regularizar suas áreas? 2. Se eram possuidores porque nunca pagaram quaisquer tributos relativos aos imóveis? 3. Porque nunca declarou os imóveis em sua Declaração de Imposto de Renda? 4. Porque não fizeram a transferência do imóvel? Se eram possuidores/proprietários porque com a morte de Euribíades, em 09/12/2014 não arrolaram esse imóvel no monte a partilhar? Excelências, todas essas questões não foram respondidas porque nunca foram os legítimos proprietários e possuidores dos imóveis objetos da presente demanda. Jose Salmen Hanze foi um dos fundadores da Cidade de Rondonópolis-MT, e desde o princípio cedia áreas para que o município se desenvolvesse. Assim foi desde sempre! Com o aeroporto municipal não foi diferente. Ele cedeu as áreas para que o Município instalasse ali o aeroporto municipal e o progresso chegassem à Cidade, no entanto, nunca vendeu referidos imóveis. Após sua morte e, com a expedição do formal de partilha, no ano de 2001, combinado com o fechamento das atividades aeroportuárias em seus terrenos, no ano de 2000, sua esposa, dona Jupia Mestre, tomou posse daquilo que já era de sua propriedade normalmente e, anos após alienou-os aos Apelantes e tantos outros. Excelências, não há demonstrado nos autos quaisquer resquícios de demonstram a posse exercida pelos Apelados e, ainda que houvesse, o que se admite somente por amor ao debate, era posse precária e, com o encerramento das atividades do aeroporto foram cessadas, como demonstrado nas oitivas das testemunhas e, portanto, a usucapião deve ser totalmente improcedente, merecendo reforma o r. decisum.”. Requerem a reforma da sentença julgando-se improcedente a ação de usucapião, mantendo-se o domínio e a posse da área objeto da presente ação em favor dos apelantes. Via de consequência, seja mantida a posse de DENILSON SODRÉ DE OLIVEIRA no imóvel objeto dos autos da “Ação de Reintegração de Posse”, em trâmite sob o nº 0003793-91.2019.8.11.0003, conexa a esta ação, proposta em desfavor de RAFAEL BERNANDES DE FREITAS;”. E ainda, seja extinta a ação de Interdito Proibitório proposto por FÁTIMA MARIA MOTA FRANÇA, DANIELA MOTA FRANÇA BERRO, GUSTAVO MOTA FRANÇA, MARCELO MOTA FRANÇA, em desfavor de DENÍLSON ROBERTO SODRÉ OLIVEIRA, pela perda superveniente do objeto; assim como, extinta ação de Oposição n. 1000.84.2018.8.11.0003 proposta por FATIMA MARIA MOTA FRANÇA, DANIELA MOTA FRANÇA BERRO, GUSTAVO MOTA FRANÇA e MARCELO MOTA FRANÇA em desfavor de DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA, ante a perda do objeto;”. Nas contrarrazões, Fátima Maria Mota Franças e outros (sucessores de Euribiades dos Santos França), suscitam violação ao princípio da dialeticidade. No mérito, pugna pela manutenção da sentença. Contrarrazões por Ioniquele de Souza Guiro pelo provimento do recurso e pede pela improcedência da ação de usucapião. Já a apelante IONIQUELE DE SOUZA GUIRO (id. 215041989) defende que o juiz “a quo” julgou procedente a demanda condenando-a ao pagamento de honorários advocatícios, em 10% sobre o valor dado a causa, sem, contudo, deixar expressa a suspensão que trata o artigo 98 §3º., do CPC. Requer: “o conhecimento e provimento do presente recurso para modificar o julgado, fazendo constar expressamente a suspensão da exigibilidade de eventual condenação em custas e honorários de sucumbência, nos termos do artigo 98, caput e § 3º do Código de Processo Civil, caso, ad cautelam tantum, a r. sentença seja mantida”. Seguindo, explica que ingressou com a demanda buscando a declaração de domínio sobre os lotes n. 8, 9 e 10 da quadra n. 18, do loteamento “Setor Rodoviário”; que é proprietária, conforma escritura pública e que o hangar não está edificado sobre seu imóvel e os atos de posse não foram exercidos sobre o imóvel em questão. Complementa: “o fato de o Hangar existir no Lote vizinho não induz o exercício de posse sobre o mesmo e nem nos imóveis lindeiros, como é o caso do imóvel da Recorrente IONIQUELE.”. Assevera que não há qualquer edificação sobre seu lote usucapiendo e vem arcando com tributos incidentes sobre o bem. Seguindo invoca teses de mera tolerância de uso por parte do Sr. JOSE S. HANZE; a invalidade do instrumento particular de compromisso de compra e venda e a negativa de venda por parte de Jupira. Requer seja julgada procedente a demanda, julgando-se a improcedência da ação de usucapião; subsidiariamente, que seja julgado improcedente a demanda quanto ao lote 10, da quadra 18. Sem contrarrazões. Houve julgamento isolado deste Recurso, posteriormente anulado por decisão superveniente nestes autos. Interposto Recurso Especial contra essa decisão anulatória, o julgamento dos demais processos foi suspenso, aguardando-se a apreciação do recurso. O Recurso Especial, todavia, foi inadmitido, com trânsito em julgado em 22/04/2025, ocasião em que os autos retornaram conclusos para julgamento. É o relatório. SUSTENTAÇÃO ORAL USARAM DA PALAVRA OS ADVOGADOS VALDIR DE ALMEIDA MUCHAGATA - OAB/MT Nº 3.077-O, MARCIO ANTONIO GARCIA – OAB/MT Nº 12104-O E LUIZ FELIPE BARRINUEVO DOS SANTOS, OAB/MT Nº 23193/O. V O T O EXMO. SR. DES. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS (RELATOR): Egrégia Câmara: Conforme relatado, cuidam-se de recursos de apelação cível interpostos por DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA, LUCIMAR JUSTINO SODRÉ e TAYNA GAZOLA (id. 215041983) contra sentença proferida em conjunto com a Ação de Usucapião (1000721-84.2016), Ação de Reintegração de Posse (n. 0003783-91.2019), Ação de Interdito Proibitório (nº 0003561-84.2016) e Ação de Oposição (nº 1000721-84.2018), que julgou procedente a Ação de Usucapião promovida por FÁTIMA MARIA MOTA FRANÇA, DANIELA MOTA FRANÇA BERRO, EMERSON GLÁUCIO BERRO, GUSTAVO MOTA FRANÇA, PAULA TAVARES DE CARVALHO, MARCELO MOTA FRANÇA e FERNANDA GRAZIELLA NOGUEIRA DUARTE, em desfavor de IONIQUELE DE SOUZA GUIRO, TAYNA GAZOLA, DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA e LUCIMAR JUSTINO SODRÉ; julgou extinta a Ação de Reintegração de Posse ajuizada por DENILSON ROBERTO, por perda superveniente do objeto; julgou extinta a Ação de Interdito Proibitório proposta por FÁTIMA MARIA MOTA FRANÇA, DANIELA MOTA FRANÇA BERRO, GUSTAVO MOTA FRANÇA e MARCELO MOTA FRANÇA em face de DENILSON, por perda superveniente do objeto; bem como julgou extinta a Ação de Oposição proposta por eles contra DENILSON e RAFAEL BERNARDES. Primeiramente, sem delongas, rejeito a tese de ofensa à dialeticidade, tendo em vista que, claramente, os recursos rebatem os fundamentos da sentença, que são a posse e o tempo comprovados por prova testemunhal. II – DO RECURSO INTERPOSTO POR DENILSON ROBERTO SODRE DE OLIVEIRA, LUCIMAR JUSTINO SODRÉ e TAYNA GAZOLA. Antes do aprofundamento da matéria, reputo necessárias algumas considerações iniciais. Os autores ingressaram com Ação de Usucapião na modalidade ordinária, prevista no artigo 1.242 do Código Civil, contudo, a realidade fática trazida aos autos evidencia que a pretensão deve ser regulamentada pela norma esculpida no artigo 1.238 do Código Civil, que prevê a modalidade de usucapião extraordinária. A conversão não acarreta decisão ultra petita e nem fere princípios legais, por conta da máxima "da mihi factum, dabo tibi jus" (dá-me os fatos, que te darei o direito). Assim, o Juiz pode decidir utilizando-se do princípio Jura Novit Curia (o Juiz conhece o Direito), adequando o fato ao direito, sem ferir nenhum princípio inerente à sua investidura. A Corte Superior já decidiu que “cabe exclusivamente ao julgador a aplicação do direito à espécie, fixando as consequências jurídicas diante dos fatos narrados pelas partes consoante os brocardos da mihi factum dabo tibi ius e jura novit cúria” (EDclno REsp 472.533/MS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ 26.09.2005). Somado a isso, temos pela possibilidade da fungibilidade das modalidades de usucapião, tendo em vista a inexistência de incompatibilidade de ritos. Para ilustrar: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO (ART. 183, CF E ART. 1.240, CC). JULGAMENTO IMPROCEDENTE NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA AUTORA. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO FEITO EM USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO (ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO CC). art. 1.013, § 3º, cpc. DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS. POSSE COM animus domini, PACÍFICA, CONTÍNUA E SEM OPOSIÇÃO POR PERÍODO SUPERIOR A 10 ANOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 17ª C.Cível - 0011142-86.2016.8.16.0044 - Apucarana - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU RUY ALVES HENRIQUES FILHO - J. 30.08.2021)” (TJ-PR - APL: 00111428620168160044 Apucarana 0011142-86.2016.8.16.0044 (Acórdão), Relator: Ruy Alves Henriques Filho, Data de Julgamento: 30/08/2021, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: 02/09/2021) “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA CONVERTIDA EM EXTRAÓRDINARIA. FUNGIBILIDADE DAS MODALIDADES DE USUCAPIÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 1238, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL. POSSE MANSA, PACÍFICA E ININTERRUPTA POR 15 ANOS DEMONSTRADA. PRETENSÃO AQUISITIVA ACOLHIDA. 1. Tendo em mente que cabe ao julgador, de modo exclusivo, a aplicação do direito à espécie, fixando as consequências jurídicas para os fatos que são narrados, consoante a máxima: "dai-me o fato que te dou o direito", é possível a aplicação do princípio da fungibilidade entre as modalidades de usucapião, a depender da realidade fática trazida aos autos pelas partes. 2. Com base no artigo 1238, caput, do CC, "aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis". 3. Uma vez demonstrada a posse mansa, pacífica e ininterrupta da parte autora e seus antecessores sob o imóvel, objeto da lide, por mais de 15 anos, impõe-se o acolhimento da pretensão autoral para declarar a aquisição da propriedade pela usucapião extraordinária. 4. Recurso provido.” (TJ-MG - AC: 10344140038169001 Iturama, Relator: João Rodrigues dos Santos Neto (JD Convocado), Data de Julgamento: 17/08/2021, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/08/2021) Sendo admitida a conversão de modalidades, passemos a análise acerca do preenchimento dos requisitos exigidos pela legislação cível. Vejamos: “Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Pois bem. Segundo consta da Ação de Usucapião, o falecido Euribiades dos Santos França (“Bidinho”) detinha a posse dos lotes 8, 9 e 10 da quadra 18 do loteamento “Setor Rodoviário” desde 1989, onde edificou um hangar. Após seu falecimento, a viúva e os filhos continuaram a exercer posse mansa e pacífica sobre o imóvel, até que, em 2016, começaram as ameaças de DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA, que alegava ter adquirido a área e exigia a transferência da construção. Após estudo dos autos, especialmente das audiências realizadas, considero que o testemunho mais relevante, desinteressado e com alto grau de conhecimento sobre a questão foi o de Natal Bezerra da Silva, que prestava serviços para Dona Jupia. Sua narrativa corrobora a versão apresentada pelos autores da Usucapião. Relatou a testemunha que existia um barracão no local correspondente aos lotes 8, 9 e 10 do loteamento; que, inicialmente, não havia nada escrito, depois surgiu a inscrição “ultraleve”; que o barracão está lá até o momento; que presenciou a negociação dos lotes 8, 9 e 10 com Denilson “Girassol”, que os adquiriu com o barracão, o qual aparentava estar abandonado. Também, embora ouvido como informante, o depoimento de Rafael Bernardes não destoa, pois ele afirmou que, após o fechamento do aeroporto em meados de 2000, passou a deixar alguns entulhos no local, de seu antigo comércio, até que autorizou terceiros a guardar um ultraleve no local, o que, inclusive, foi confirmado pela inscrição nos portões do hangar (id. 1798113863, fls. 25). A existência do barracão também foi confirmada pelas testemunhas Sérgio, que chegou a adquirir lotes com Dona Jupia, e Sebastião Tibúrcio dos Santos. Além disso, é certo que o local permanecia cadeado até a chegada de DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA, momento em que toda a problemática se iniciou. Pelos atos de vigilância e cuidado, o bem não saiu da esfera de vigilância dos autores da Usucapião. Vejamos, mutatis mutandis: “AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE ANTERIOR. VIGILÂNCIA. CERCAMENTO. COMPROVAÇÃO. ESBULHO. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. BENFEITORIAS. DESCABIMENTO. BOA-FÉ. NÃO COMPROVAÇÃO. Não é necessária residência no imóvel para comprovação da posse, dado que a concepção atual de posse não requer o permanente contato físico do possuidor com o objeto. Ações como a vigilância, a limpeza e o cercamento do imóvel revelam o exercício de posse. A indenização por benfeitorias pressupõe a existência de boa-fé do possuidor, incumbindo a este cercar-se das cautelas necessárias e exigíveis do homem médio, aptas a lhe permitir averiguar se outrem tem melhor posse sobre o imóvel.” (TJ-DF 20080810068490 DF 0001963-72.2008.8.07.0008, Relator: NATANAEL CAETANO, Data de Julgamento: 10/11/2010, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 23/11/2010 . Pág.: 121) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - COMPROVAÇÃO DA POSSE - EXERCÍCIO DE FATO DE ALGUM DOS PODERES INERENTES À PROPRIEDADE - PROVA DO ESBULHO - EXISTÊNCIA. - Para que se julgue procedente a ação de reintegração da posse, é necessário que a parte autora comprove a sua posse, ou seja, deve provar que mantém o poder fático sobre a coisa, exercendo, um ou alguns dos poderes inerentes à propriedade. Necessário, também, que demonstre a ocorrência do esbulho, sua data e a perda da posse - Comprovada a posse anterior, através de efetivo exercício de poderes inerentes à propriedade e demonstrado, ainda, o esbulho, deve ser o autor reintegrado em sua posse - O proprietário possuidor conserva a posse adquirida mesmo que não permaneça no imóvel ou não o visite frequentemente, estando demonstrados atos de posse tais como a limpeza e a manutenção do terreno, bem como a proteção e vigilância contínua.” (TJ-MG - Apelação Cível: 5001894-67 .2021.8.13.0707 1 .0000.23.189996-4/001, Relator.: Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 10/04/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/04/2024) Desta feita, embora os apelantes sustentem que o imóvel teria sido abandonado com o encerramento das atividades do aeroporto em 2000, a prova colhida não respalda essa tese. Pelo contrário, evidenciam-se atos de conservação, vigilância e uso esporádico do bem pelos apelados, compatíveis com a manutenção da posse, nos termos do art. 1.238 do CC. Acrescente-se que a resistência dos apelantes surgiu apenas em 2016, quando começaram a reivindicar a propriedade e a posse do imóvel, após longos anos de silêncio, o que reforça a presunção de posse legítima dos apelados. A confinante Ermínia Gaiva se manifestou nos autos, se dizendo proprietária e vizinha dos fundos desde 1.976 e não se opôs a Usucapião, desde que respeitada sua posse e propriedade. Ainda, a apelante Ioniquele de Souza Guiro juntou aos autos imagens do Google Maps, nas quais se vê claramente a existência do hangar e a manutenção da área. Embora os atuais proprietários aleguem terem adquirido o lote de forma lícita, por meio de contrato e pagamento de impostos, não tomaram a precaução de verificar a situação com o possuidor do hangar. Cumpre registrar que tive acesso ao depoimento da falecida Dona Jupia, prestado em audiência de justificação, em meados de 2016, e percebi que suas declarações foram extremamente genéricas e evasivas. Seguindo, outras questões acessórias precisam ser mencionadas. A tese principal dos apelantes é quanto a suposta invalidade do título, contudo, o que se depreende é que a sentença reconheceu domínio por usucapião nos termos do artigo 1.238 § único do CC, ou seja, que prescinde de justo título. E, ainda que tenha afastado a questão do título, tanto na sentença quanto no presente julgamento, é certo que embora desprovido de válida para fins de gerar direito real, não deixa de externar uma manifestação de vontade das partes, capaz de servir de fundamento para o reconhecimento de usucapião juntamente com as demais provas produzidas nos respectivos autos. A respeito da vontade das partes, segundo consta do Contrato de Compra e Venda (id. 215042366), entre o Sr. José Salmen Hanze e Euribiades dos Santos França, a Dona Jupia Oliveira Mestre, um mês antes do falecimento do Sr. José Salmen, teria assinado o documento na condição de procuradora do Sr. José Salmen indicando possuir poderes lavrado às fls. 101vº, do Livro 25 das Notas do Cartório do 1º Ofício desta Cidade. Depreende-se do documento que a assinatura é extremamente semelhante à do seu “RG” juntado aos id. 21504242 e não foi suscitado qualquer incidente de falsificação nos autos, por qualquer das partes contrárias. Se não bastasse, em última hipótese, ainda que se admitisse como verdadeira alegação de documento falso, não me parece crível que alguém possa ter a malícia de forjar documento de compra e venda e nele inserir cláusula limitante, conforme o caso; vejamos: “Que o Outorgado Promissário Comprador tomará posse do imóvel nesta data, podendo, dele usar, gozar e executar as benfeitoras que nele achar necessárias as quais serão única e exclusivamente para construção de um Hangar”. Também compartilho do entendimento de que nas ações possessórias deve-se, sempre que possível, prestigiar o “princípio da imediatidade da prova”, segundo o qual a maior proximidade do juiz singular com as partes e com os fatos do processo originário lhe municia com fartos e melhores elementos dirigidos a formar a convicção mais apropriada em relação ao juízo “ad quem”. Digo isto porque, apesar da maior clareza que as audiências registradas por áudio e vídeo trouxeram ao julgador, somente o juiz condutor da audiência, “sente” os ânimos das testemunhas e das partes, situação de suma importância nesses casos. Portanto, a conclusão do magistrado condutor do feito de que “A prova testemunhal carreada ao ventre dos autos demonstra, de forma inequívoca que os autores mantém a posse do imóvel em questão com tempo mais que suficiente para aquisição e, durante esse período não houve nenhum reclamo por quem quer que seja, o que vem respaldado pelos documentos acostado aos autos onde comprovam as assertivas lançadas na peça madrugadora.”, deve ser levada em consideração. É sabido que o órgão julgador não está obrigador a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes, devendo apenas enfrentar a demanda, observando-se as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. É certo que as pessoas que poderiam dar maiores esclarecimento a questão já se encontram falecidas, contudo, é público e notório que o Sr. “Zé Turquinho”, como era chamado José Salmen Hanze, teve, juntamente com Dona Jupia, forte contribuição para o processo de povoamento e crescimento de Rondonópolis, na qual envolveu doações e vendas de áreas em condições especiais, para atrair moradores e melhorar a Cidade; assim, não é difícil crer que a venda de lote no antigo aeroporto, (região hoje considerada das mais nobres de Rondonópolis) na situação como envolveu os autores da Usucapião, seja uma delas. Diante da manutenção da sentença que reconheceu o domínio dos autores por usucapião, não há falar em reintegração de posse, pois o direito possessório resta absorvido pelo direito de propriedade. II- DO RECURSO INTERPOSTO POR IONIQUELE DE SOUZA GUIRO Sem maiores delongas, e considerando o que já foi exaustivamente apreciado no recurso interposto pelos primeiros apelantes acerca da posse e das demais teses, registro que, não obstante as alegações de Ioniquele de Souza Guiro quanto à inexistência de hangar no lote que afirma ter adquirido, entendo que os três lotes em questão eram efetivamente vigiados, guardados e mantidos pelos apelados, de modo que não se exige a posse física contínua para a caracterização do animus domini. É importante ressaltar, mais uma vez, que a posse não demanda a presença física permanente do possuidor sobre o imóvel, sendo suficiente a demonstração de atos de conservação, vigilância e uso compatíveis com a natureza do bem e com a intenção de exercer a posse com ânimo de dono. No caso concreto, a imagem capturada via Google Maps reforça a presença do hangar, conforme já destacado, evidenciando que o terreno objeto da demanda — incluindo o lote que a apelante alega ter adquirido — integra-se de maneira harmônica à estrutura existente, corroborando a tese de que o conjunto era mantido sob a posse dos apelados. Destaco, ainda, que, embora a apelante sustente ter adquirido seu lote de forma lícita, mediante contrato de compra e venda e o devido pagamento de tributos, é inegável que não tomou a precaução de verificar a posse exercida pelos apelados, a qual poderia ter sido facilmente constatada, seja por uma simples visita in loco, seja por consulta às imagens disponíveis no Google Maps. Ademais, não se pode ignorar que a apelante alega ter adquirido o imóvel de Dona Jupira em 2014, mas as imagens apresentadas demonstram que, ainda em 2016, não havia qualquer indício de que a apelante houvesse tomado posse efetiva sobre o bem, razão pela qual se conclui que o imóvel permaneceu sob a guarda, a vigilância e os cuidados dos apelados. Já o pedido envolvendo a justiça gratuita, recomendável que seja inserido no dispositivo da sentença que, quanto ela, permanece suspensa a exigibilidade, nos termos do §3º., do artigo 98 do CPC. Ante todo exposto, NEGO PROVIMENTO AOS RECURSOS DE DENILSON ROBERTO SODRE DE OLIVEIRA, LUCIMAR JUSTINO SODRÉ e TAYNA GAZOLA. No mais, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO POR IONIQUELE DE SOUZA GUIRO, para nos termos do §3º., do artigo 98 do CPC, suspender a exigibilidade das custas, despesas e honorários advocatícios, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita. Extrai-se cópia do julgamento e junte-se na Ação de Oposição n. 1001857-82.2017.8.11.0003. Majoro em 2% os honorários advocatícios, fixados na sentença, em observância ao §11º., do artigo 85 do CPC. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DRA. TATIANE COLOMBO (1ª VOGAL): Acompanho o voto do relator. V O T O EXMO. SR. DR. MÁRCIO APARECIDO GUEDES (2º VOGAL): Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. SESSÃO DE 08 DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMO. SR. DR. MÁRCIO APARECIDO GUEDES (2º VOGAL): Egrégia Câmara: Cuida-se de Recursos de Apelações Cíveis interpostas por DENILSON ROBERTO SODRÉ DE OLIVEIRA, LUCIMAR JUSTINO SODRÉ e TAYNA GAZOLA contra sentença proferida em conjunto nas ações de Usucapião nº 1000721-84.2016, Reintegração de Posse nº 0003793-91.2019, Interdito Proibitório nº 0003561-84.2016 e Oposição nº 1000721-84.2018, todas interligadas por identidade fática e processual, que julgou procedente a ação de Usucapião; julgou extinta a ação de Reintegração de Posse e Interdito Proibitório por perda superveniente do objeto; bem como julgou extinta a ação de Oposição. Inicialmente, como bem assentado pelo voto condutor, também afasto a preliminar de ausência de dialeticidade recursal, pois, as razões de apelação enfrentam adequadamente os fundamentos da sentença, em especial quanto à configuração da posse e ao lapso temporal exigido por lei. O cerne do litígio reside na análise da posse exercida sobre os lotes 8, 9 e 10 da quadra 18 do loteamento “Setor Rodoviário”, em Rondonópolis/MT, e na possibilidade jurídica de seu reconhecimento como usucapião extraordinária, prevista no art. 1.238, do Código Civil. Os autores da Ação de Usucapião nº 1000721-84.2016.8.11.0003 - Fátima Maria Mota França, Daniela Mota França Berro, Emerson Gláucio Berro, Gustavo Mota França, Paula Tavares de Carvalho, Marcelo Mota França e Fernanda Graziella Nogueira Duarte - pleitearam inicialmente o reconhecimento da usucapião na modalidade ordinária, prevista no art. 1.242 do Código Civil, com fundamento na posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel por período superior a 27 anos, conforme instrumento particular de compra e venda firmado em 3 de maio de 1989 por Euribiades dos Santos França, genitor de Fátima, já falecido, e a partir desta data, a família detém a posse do imóvel, tendo, inclusive, no mesmo ano da aquisição, edificado um hangar no local. Merece destaque, acerca deste aspecto, a correta aplicação pelo eminente Relator do princípio da fungibilidade entre as modalidades de usucapião, pois, conquanto os autores tenham inicialmente postulado o reconhecimento da usucapião ordinária (CC, art. 1.242), a realidade fática emergente dos autos evidencia o preenchimento dos requisitos da modalidade extraordinária (CC, art. 1.238), justificando, portanto, a conversão operada. É importante ressaltar que não há julgamento ultra petita quando o julgador concede o pedido com fundamento jurídico diverso do invocado pelo autor, desde que se mantenha nos limites do que foi postulado. E, no caso, a conversão entre modalidades usucapionais não altera a causa de pedir remota (aquisição da propriedade por usucapião), modificando apenas a causa de pedir próxima (fundamento jurídico específico). Nos termos da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, não há violação aos limites objetivos da causa (julgamento extra petita), quando o Tribunal, adstrito às circunstâncias fáticas e aos pedidos das partes, “procede à subsunção normativa dos fatos, ainda que adotando fundamentos jurídicos diversos dos esposados pelas partes. Aplicação dos princípios mihi factum dabo tibi ius e jura novit curia, segundo os quais, dados os fatos da causa, cabe ao juiz dizer o direito” (STJ - Quarta Turma - relator Ministro Raul Araújo - AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.729.734/DF, julgado em 8/4/2024, DJe de 19/4/2024.) No caso, a robustez da prova testemunhal, notadamente o depoimento prestado por Natal Bezerra da Silva, evidencia o exercício prolongado, pacífico e inconteste da posse com animus domini, iniciada pelo falecido Euribiades dos Santos França e, posteriormente, exercida por seus sucessores, corroborando a tese autoral de que a posse da família remonta ao ano de 1989 e perdurou, sem qualquer oposição efetiva, até o ano de 2016, quando se verificaram as primeiras manifestações hostis por parte dos Apelantes. As declarações prestadas pela testemunha também evidenciam que a posse se materializava por meio de atos concretos e inequívocos de domínio, consistentes na manutenção do hangar construído no local, na vigilância permanente, na conservação da área e na utilização para a guarda de aeronaves ultraleves, sem qualquer interferência de terceiros. Como bem pontuado pelo Relator, os elementos probatórios constantes dos autos evidenciam, sem margem de dúvida, o preenchimento dos requisitos legais para o reconhecimento da usucapião na modalidade extraordinária pelos autores, sendo incontestável nos autos que a posse exercida pelos autores, ora apelados, e seu antecessor, perdurou de forma contínua e ininterrupta desde 1989 até o ajuizamento da ação de usucapião, no ano de 2016, totalizando período superior aos quinze anos exigidos pelo art. 1.238, do Código Civil. O recurso dos Apelantes busca infirmar a validade do contrato de compra e venda que lastreia a origem da alegada posse, contudo, trata-se de discussão irrelevante para a configuração da usucapião ordinária, justamente por prescindir de título e de boa-fé. O contrato firmado entre Euribiades e o representante do então titular registral, mesmo que informal, revela a intenção de aquisição e serve como elemento adicional de convicção da existência da posse com animus domini, reforçada pela cláusula que permitia a construção de um hangar no local, o que, de fato, ocorreu. Reconhecida a aquisição do imóvel por usucapião, inexiste fundamento para acolhimento das pretensões possessórias veiculadas nas demais ações, razão pela qual, igualmente acompanho o Relator na extinção da Ação de Reintegração de Posse, do Interdito Proibitório e da Oposição, todas prejudicadas pela consolidação do domínio em favor dos autores da ação de Usucapião. Diante do exposto, acompanho integralmente o voto do eminente Relator, para negar provimento aos recursos interpostos por Denilson Roberto Sodré de Oliveira, Lucimar Justino Sodré e Tayna Gazola, nos exatos termos propostos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
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