Samara Helena Santos Silva De Jesus x Improl Servicos Integrados Ltda e outros
ID: 319515805
Tribunal: TRT3
Órgão: 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora
Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0011387-25.2024.5.03.0143
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THIAGO AARESTRUP BRANDAO
OAB/MG XXXXXX
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RODRIGO MADEIRO MACIEL
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 5ª VARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA ATSum 0011387-25.2024.5.03.0143 AUTOR: SAMARA HELENA SANTOS SILVA DE JESUS RÉ…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 5ª VARA DO TRABALHO DE JUIZ DE FORA ATSum 0011387-25.2024.5.03.0143 AUTOR: SAMARA HELENA SANTOS SILVA DE JESUS RÉU: IMPROL SERVICOS INTEGRADOS LTDA E OUTROS (1) INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 66be92c proferida nos autos. Na data e horário de registro da assinatura digital, o Juízo da 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, em sua sede, pela lavra do MM. Juiz do Trabalho TARCÍSIO CORREA DE BRITO, na AÇÃO TRABALHISTA n. 0011387-25.2024.5.03.0143 ajuizada por SAMARA HELENA SANTOS SILVA DE JESUS em face de IMPROL SERVIÇOS INTEGRADOS LTDA e MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA, proferiu-se a seguinte DECISÃO: Apregoadas as partes, ausentes. I- RELATÓRIO SAMARA HELENA SANTOS SILVA DE JESUS, já qualificada nos autos da ação trabalhista na qual contende com IMPROL SERVIÇOS INTEGRADOS LTDA e MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA pleiteou os pedidos elencados na peça de ingresso, dando à causa o valor de R$ 23.000,00 para fins de alçada. Acostou procuração e documentos. Devidamente notificadas, as reclamadas apresentaram contestações requerendo a improcedência da ação, acostando aos autos documentos. Primeira proposta de conciliação recusada. Segue-se a impugnação da reclamante, com produção de prova testemunhal. Sem mais provas a serem produzidas, encerrou-se a instrução processual. Razões finais orais pelas partes remissivas. Ultima proposta de conciliação recusada. É o relatório. DAS PRELIMINARES DA DENUNCIAÇÃO À LIDE DO SERVIDOR WANDERSON CLAYTON DE AQUINO As figuras de intervenção de terceiros, típicas do direito processual civil, como nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo, em regra, não têm lugar na seara trabalhista (Instrução Normativa TST n. 39/2016). É nítido o não cabimento da denunciação da lide na hipótese dos presentes autos, seja pelo não enquadramento na previsão dos incisos I e II do art. 125 do CPC, seja por incompetência material, haja vista que o inciso II do art. 125 trata do direito de regresso, o que escapa das atribuições da Justiça do Trabalho. DO MÉRITO Dona de mim. Iza Já me perdi tentando me encontrar Já fui embora querendo nem voltar Penso duas vezes antes de falar Porque a vida é louca, mano, a vida é louca Sempre fiquei quieta, agora vou falar Se você tem boca, aprende a usar Sei do meu valor e a cotação é dólar Porque a vida é louca, mano, a vida é louca Me perdi pelo caminho Mas não paro, não Já chorei mares e rios Mas não afogo, não Sempre dou o meu jeitinho É bruto, mas é com carinho Porque Deus me fez assim Dona de mim Deixo a minha fé guiar Sei que um dia chego lá Porque Deus me fez assim Dona de mim Já não me importa a sua opinião O seu conceito não altera a minha visão Foi tanto sim que agora digo não Porque a vida é louca, mano, a vida é louca Quero saber sobre o que me faz bem Papo furado não me entretém Não dê limite que eu quero ir além Porque a vida é louca, mano, a vida é louca Me perdi pelo caminho Mas não paro, não Já chorei mares e rios Mas não afogo, não Sempre dou o meu jeitinho É bruto, mas é com carinho Porque Deus me fez assim Dona de mim Deixo a minha fé guiar Sei que um dia chego lá Porque Deus me fez assim Dona de mim A reclamante busca a responsabilização civil das reclamadas, com base nos artigos 223-A e seguintes da CLT c/c artigo 186, 187 e 927 do CCB, solidariamente, na indenização por danos morais, em valor não inferior à R$ 20.000,00, solicitando a observação da convenção n. 190 da OIT (2019) e recomendação n. 206 da OIT, instrumentos internacionais importantes para a análise do caso vertente. A primeira reclamada apresentou defesa, reportando-me ao item “II – da síntese da demanda e da verdade dos fatos” de sua contestação (id 0e776a4), que apresenta uma síntese dos fatos narrados na inicial e que fundamentam o pleito de indenização. A segunda reclamada nega responsabilidade (solidária) subjetiva, registrando em sua defesa que: “Com efeito, não restou comprovado nenhuma conduta negligente ou culposa por parte da administração pública. Pelo contrário, conforme demonstrado no memorando em anexo foram tomadas todas as providências para se apurar os fatos e afastar o infrator decorrente da denúncia de assédio supostamente cometido pelo agente público”. Há uma convergência entre os relatos fáticos que já delineiam as ocorrências que ensejaram a presente ação reparatória. Ressaltem-se os prints de tela de conversa entre a reclamante e a sra Cinthia, preposta da primeira reclamada, como se lê reproduzidas no id d49b5cf, que demonstram de que maneira a primeira reclamada conduziu a queixa quanto ao assédio e as providências tomadas pela municipalidade, tomadora dos serviços. Foi igualmente anexado Boletim de Ocorrências (BO) lavrado em 12 de setembro de 2024, em companhia da preposta da primeira reclamada, sra. Cintia. reproduzindo a narrativa da autora que se condensa e adensa pelo conjunto probatório. Esse documento deve ser apreendido junto com a leitura da manifestação da fiscalização do contrato 01.2023.233 de id 1359022, na qual se apresenta a cronologia dos fatos e das providências envolvendo a denúncia de assédio. Destaco o trecho que se segue: “[…] Iniciou a gerente Fabiana informando ao servidor Wanderson Clayton de Aquino que recebeu relato de funcionária da empresa Improl Serviços Integrados de que o mesmo teria cometido ação de importunação sexual nesta data contra a funcionária dentro das dependências da unidade (em nenhum momento foi mencionado o nome da funcionária que fez a queixa e nem o detalhamento do incidente). A gerente informou que este tipo de comportamento não é tolerado e que não condiz com a conduta na posição de servidor público, enfatizando sobre a gravidade do ocorrido, e o mesmo recebeu a advertência oral. O servidor Wanderson se mostrou surpreso com o relato e negou que tenha agido de maneira imprópria com qualquer funcionária da empresa terceirizada. A gerente informou que devido a natureza do relato e considerando as funções que lhe são atribuídas não caberia, para o presente momento, a deflagração imediata de acareação sem antes apropriar-se devidamente dos procedimentos protocolares para o caso em tela. A gerente relembrou que caso a funcionária decida ela poderá seguir com denúncia formal dentro da esfera jurídica, que corre independentemente das atividades e atribuições da administração pública municipal. No que compete à conduta dentro da unidade, exigiu que o servidor ajuste a postura para com todas as funcionárias de modo a não criar nenhum tipo de situação que as deixem desconfortáveis ou que elas se sintam invadidas, não podendo em nenhum momento tocar nas mesmas ou fazer brincadeiras que possam ser de qualquer modo interpretadas ou recebidas de maneira incômoda. Reforçou que o servi dor deve sempre portar-se de maneira reta, lisa e decorosa no exercício da função. Exigiu que o ajustamento da conduta fosse iniciado imediatamente, ao qual o servidor concordou. Informou ainda que seguirá os procedimentos protocolares para este tipo de caso para as providências cabíveis” (id 1359022). Reporto-me, ainda, às páginas 53 a 58 da contestação de id c0e4ca6 na qual a segunda reclamada traz aos autos a síntese das medidas administrativas observadas no caso objeto da presente ação. Ademais, nota-se que no contrato estabelecido entre as rés (id 2e4b2b9) consta na cláusula 6.2.9 que cabia à primeira reclamada seguir “todas as instruções emanadas do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável da SEAPA, referente à execução dos serviços” (grifos nossos), Departamento onde se encontra lotado o servidor Wanderson Clayton de Aquino, para que se possa compreender a estrutura hierárquica a qual a autora estava submetida. Colhido o depoimento pessoal da autora ela retoma o fio condutor que foi apresentado desde a denuncia e as reuniões que ocorreram relatando o assedio sexual sofrido no ambito do local de prestação de serviços. Colhido o depoimento pessoal da preposta do primeiro reclamado, segue-se idêntico relato. Ouvida a testemunha Ingrid Rodrigues de Sousa Pereira a rogo da autora, ressaltando o que se segue, em destaque: [07:10] Primeira Testemunha da Reclamante: Eu estava, pedi ao Fabiano para mim ir no banheiro. Aí lá tem duas entradas. Tem a entrada onde que eu saí da rampa que é, que eu estava servindo a comida. Eh, e a entrada que consegue dar para o outro lado. Aí eu estava descendo a rampa, eu vi ele saindo do DML, onde que fica a vassoura, os rodo, e ela vindo chorando. Aí nesse exato momento, eu perguntei a ela o que que foi, aí ela não conseguia falar, eu esperei um pouquinho, falei: "Me fala". Aí ela foi, me contou que ele deu um beijo no, no canto da boca dela e perguntou, falou que ela estava bonita, ela agradeceu, e que ele voltou e deu um beijo no canto da boca dela. Aí eu fui e orientei ela a falar com o nosso superior no dia, que era o Fabiano. [07:57] Advogada da Reclamante: E ela chegou a relatar essa situação para o Fabiano? [08:01] Primeira Testemunha da Reclamante: Chegou. Logo após ela falar comigo. [08:04] Advogada da Reclamante: E você sabe dizer se foi tomada alguma providência? [08:08] Primeira Testemunha da Reclamante: Por mim, nenhuma. Porque eles tiraram ele uma semana de lá, né, para baixar, para baixar o caso, mas depois ele voltou, continuou lhe dando o mesmo lugar, lugar que ela, né? E ela chorando e ninguém se importou com nada. [08:24] A Advogada da Reclamante: empresa Improl ou o município deu algum suporte para ela? [08:29] Primeira Testemunha da Reclamante: Nenhum. [08:32] Advogada da Reclamante: E aí, eles continuaram trabalhando juntos após esse prazo, né? [08:36] Primeira Testemunha da Reclamante: Sim. E até porque ele fazia questão de ficar nos mesmos lugar que ela estava, e todo mundo via. [08:43] Advogada da Reclamante: Entendi. E como é que foi, continuou o relacionamento dos dois após esse fato? [08:49] Primeira Testemunha da Reclamante: Ele com ares de superioridade, né? Porque ele fez o que fez, nada mudou para ele, e ela vivia chorando, tremendo, passando mal. Aí a gente indicou ela até ir no médico, porque ela vivia tendo crise de ansiedade. [09:03] Advogada da Reclamante: Entendi. Você sabe dizer se a empresa fez alguma reunião com os funcionários para falar sobre o ocorrido, passar alguma orientação? [09:13] Primeira Testemunha da Reclamante: Falaram, a única coisa que falaram que ninguém poderia tocar no assunto, que senão poderia ser mandado embora por justa causa. [09:22] Advogada da Reclamante: E você sabe dizer se o senhor Vanderson já teve algum problema com alguma outra funcionária? [09:28] Primeira Testemunha da Reclamante: Falaram que sim, mas só que as pessoas ficam com medo de se manifestar, né? Todo mundo precisa do trabalho. E ele por ter um cargo superior… [09:39] Advogada da Reclamante: Sem mais perguntas, excelência. […] [12:27] Advogada do Segundo Reclamado: Sim, senhor. Desculpe. Se a testemunha tem como afirmar ou informar quando que teria havido esse tipo de conduta do empregado, do acusado, né, o senhor Vanderson. [12:43] Primeira Testemunha da Reclamante: Ele não, até, até com a gente mesmo, né? A gente começa a notar nos pequenos detalhes. Comigo mesmo, ele já foi um cara fez, eh, eu no meu local de trabalho grávida com quatro meses de gestação, ele simplesmente falou do meu ouvido do nada: "Como é que você está bonita?" Esse era o tipo de gesto que ele fazia. [13:06] Advogada do Segundo Reclamado: Uhum. Com você, então? [13:08] Primeira Testemunha da Reclamante: Também. […]. Ouvida a rogo da reclamante a testemunha Fabiano da Silva assim esclareceu, em síntese: [14:23] Segunda Testemunha da Reclamante: Então, eu abordei a Samara numa região perto da, onde lavava as curvas lá, estava tendo uma crise de ansiedade. Abordei ela, ela falou o que tinha ocorrido, né, que ele tinha dado um beijo no rosto dela. Perguntei se ela estava bem, ela estava muito mal. Aí encaminhei a situação para a situação pro meu chefe direto, né, que era a minha função, e só. [14:47] Advogada da Reclamante: Você sabe dizer se a empresa tomou alguma providência? [14:52] Segunda Testemunha da Reclamante: Eu, eu fiquei sabendo que a preposta Cintia, né, pós algumas reuniões lá, deu apoio a ela, né? Mas não fiquei sabendo diretamente não, só por alto. [15:06] Advogada da Reclamante: Entendi. Você sabe dizer se o senhor Vanderson e a senhora Samara continuaram trabalhando juntos após esse ocorrido? [15:16] Segunda Testemunha da Reclamante: No mesmo ambiente, sim. [15:19] Advogada da Reclamante: E como foi o relacionamento dos dois, como que ela lhe dava com isso? [15:25] Segunda Testemunha da Reclamante: Então, até onde eu sei, a gente, a gente fazia de tudo para eles não ficarem próximos. A gente, presente, a gente colocava, colocava ela em setores para eles não ficarem próximos, que ela ficava muito mal, tinha muita crise de ansiedade. [15:38] Advogada da Reclamante: Entendi. Sem mais perguntas, excelência. […] [16:19] Segunda Testemunha da Reclamante: As meninas, em si, que falaram que a Cintia foi lá, estava apoiando ela, se estava precisando. Algumas vezes eu vi as duas, né, a Cintia e a Samara conversando em situação, nessa situação. [16:36] Advogado do Primeiro Reclamado: O senhor prestava serviço para a Improl, para a prefeitura? Como? [16:40] Segunda Testemunha da Reclamante: Para a Improl, que era terceirizada da prefeitura. [16:43] Advogado do Primeiro Reclamado: Entendi. O senhor, o senhor chegou a comunicar o seu superior quando o senhor ficou sabendo da situação, quando viu ela chorando? [16:50] Segunda Testemunha da Reclamante: Imediatamente, assim que eu vi a situação, eu abordei ela e informei meu superior hierárquico, que era o Henrique na época, sobre o ocorrido. [16:58] Advogado do Primeiro Reclamado: Uhum. Sabe me informar se a empresa tomou como assim alguma atitude com relação a isso? Alguma providência, alguma situação? [17:08] Segunda Testemunha da Reclamante: Houve reuniões eh, do Henrique, mas o Henrique não é da empresa, ele é da prefeitura, até onde eu sei. Mas houve reuniões para falar da situação, né? Mas, especificamente da situação em si, não vi nenhuma atitude assim, direta sobre isso. [17:26] Advogado do Primeiro Reclamado: Uhum. Entendi. Sem mais perguntas, excelência. [17:49] Advogada do Segundo Reclamado: Não continua, né? E o senhor, diz que não presenciou o ocorrido, foi só a autora que relatou para o senhor. [17:57] Segunda Testemunha da Reclamante: Isso, só presenciei a autora em crise de ansiedade só. [18:01] Advogada do Segundo Reclamado: Uhum. E depois que eles, que o seu Vanderson foi afastado e voltou, eh, eles mantiveram ainda algum contato, assim, ele continuava trabalhando junto com ela ou não? [18:14] Segunda Testemunha da Reclamante: Junto não, porque não eram funções diretas. Mesmo ambiente, sim. […] [19:02] Advogada do Segundo Reclamado: Foi um fato isolado. [19:03] Segunda Testemunha da Reclamante: Isso. [19:05] Advogada do Segundo Reclamado: Uhum. E o senhor sabe dizer se houve algum outro episódio, como esse ou parecido com esse, ou que eh, tenha tido a mesma conotação com outras servidoras? [19:19] Segunda Testemunha da Reclamante: Não, não, não sei te dizer. [19:21] Advogada do Segundo Reclamado: Não sabe, né? Então tá. Excelência, obrigada. A testemunha primeira testemunha ouvida a rogo pela segunda reclamada, Sr. Henrique Coutinho Correa [20:17] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Ele relatou que Samara tinha ido ao DML, que é o departamento de material de limpeza, e que aí ela teria sido abordada pelo Vanderson, que deu um, disse que ela estava bonita, deu um beijo no rosto, ela se sentiu incomodada. Não teve reação na hora. Aí saiu do DML, comentou isso com a Michele, que disse que deveria ser passado para o Fabiano, e o Fabiano então chegou até mim. [20:50] Advogada do Segundo Reclamado: E qual que foi o ato posterior? O que que o senhor fez? Qual que foi o, a atitude tomada pelo município na sua pessoa, ou o senhor relatou o fato pros seus superiores hierárquicos? Qual que foi o ato seguinte? [21:06] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Então, eh, a partir do momento que eu tomei ciência disso, eu entendi que isso precisava ser investigado, dada a gravidade do, do relato. E aí passei imediatamente para a gerente, Fabiana. Aí ela disse para não intervir no momento e que ela iria pessoalmente à unidade, e só pedir a Samara para que aguardasse mais um pouco para esperar a chegada da gerente Fabiana. [21:35] Advogada do Segundo Reclamado: Isso foi no mesmo dia que o senhor tomou ciência dos fatos? [21:39] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Isso, no mesmo dia, algumas horas depois. [21:43] Advogada do Segundo Reclamado: Uhum. E a, no caso, a gerente que o senhor relatou aí, ela foi ainda no mesmo local, no mesmo dia? [21:52] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Foi no mesmo local, no mesmo dia. [21:55] Advogada do Segundo Reclamado: E chegou a fazer uma, uma reunião com a, com a Samara e com o acusado? [22:01] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Sim. Aí, como o, o acusado se tratava também de outro supervisor, ocupando uma função também de supervisor, por isso que a gerência achou muito importante que ela atuasse junto. A gente, inicialmente, fez uma reunião. Aí nessa reunião estava presente eu e a gerente, mais a funcionária Samara, e a preposta da empresa que também, eh, estava presente no, na unidade nesse dia. [22:32] E aí Advogada do Segundo Reclamado: foi relatado nessa reunião exatamente o que o senhor tinha ouvido falar, ou foi algum fato diferente, algum fato novo? [22:40] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Não, de maneira geral, ela, ela relatou basicamente a mesma coisa sobre o, a abordagem no DML, o desconforto que ela teve no momento, essa falta de, de reação, mas assim, de maneira geral, foi basicamente a mesma coisa. [23:01] Advogada do Segundo Reclamado: E a partir dessa reunião, foram tomadas providências outras? [23:06] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Então, após a reunião que a gente, eh, teve para escutar ela, aí imediatamente a gente teve uma segunda reunião com o servidor para comunicar ele que houve uma queixa dessa natureza, foi feita uma advertência, eh, verbal para ele. Foram passadas essas orientações com relação a, a importância de, de ele manter um comportamento compatível com a, com a posição, eh, tomar mais cuidado, não fazer brincadeiras, nem nada desse tipo. Eh, e, eh, nesse dia, foi feito isso. [23:54] Advogada do Segundo Reclamado: Posteriormente, o senhor pode continuar, por favor. [23:57] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Tá. Eh, aí posteriormente, a, a funcionária, ela ainda se sentia incomodada de trabalhar no mesmo local. Então a gente criou, eh, atividades e rotinas de tal forma que as atividades deles não se cruzassem, eles nunca mais ficavam no, no mesmo espaço. [24:19] Advogada do Segundo Reclamado: Uhum. E nem em horários? Ou, ou não, os horários... Ah, o funcionamento, dependendo do funcionamento do restaurante, era possível também eles ficarem em horários diferentes ou não? [24:33] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Não, os horários, eh, basicamente são os mesmos. Mas a, a, dada a complexidade da unidade do, em termos de espaço físico e de atividades, então, era possível que cada um fizesse atividades como se não estivesse no mesmo local. [24:51] Advogada do Segundo Reclamado: Entendi. Uhum. E isso perdurou até o final do, do contrato da empresa para o município? Esse afastamento físico dos dois. [25:06] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Sim. O, eles ficaram, primeiro eles tiveram esse afastamento físico dentro da mesma unidade. Eh, mas pra frente, a gente, como a gente trabalha em regime de escala, eh, algumas atividades, elas podem ser intercaladas entre as unidades. Então, depois teve um período que ele foi, eh, transferido, digamos assim, para Benfica, e ficou bastante tempo de forma que eles ficassem nem na mesma unidade eles ficavam. [25:37] Advogada do Segundo Reclamado: E depois ele voltou para a unidade anterior? [25:42] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Sim. Aí, como não, não, não era sustentável mantê-lo só na unidade de Benfica, por conta da, do, da quantidade de, de tarefas, né, de quantidade de atividades que a gente tem que fazer em ambas as unidades, ele precisava voltar para também dar um suporte ao centro. E quando isso ia acontecer, ela foi avisada previamente e ela começou a se sentir, eh, incomodada de novo com, com esse fato, né? A gente teve alguns episódios de recebê-la lá na administração, eh, chateada, ela já se ausentou da unidade, né, ela foi embora para casa mais cedo porque estava se sentindo incomodada. Então a gente, conversando com ela, buscando uma forma de poder atendê-la, de, para ela ter um melhor ambiente de trabalho, a gente foi entendendo que, eh, o problema dela não era exatamente, eh, o trabalho, ela não queria ter contato, não queria saber da presença dele. Então, foi até sugerido a ela, então, se ela gostaria de, de ela trabalhar em outro local. Ela concordou, disse que se sentiria melhor assim. Então a gente fez contato com o Centro Pop para ceder a funcionária para lá, para ela continuasse fazendo as suas atividades em outro local. Ela concordou, foi feito contato com a supervisora de lá. Aí foi solicitado à empresa o, esse deslocamento, poder ceder para lá. E aí, um dia depois, ela voltou atrás dizendo que não aceitava mais, que ela não, não queria ir para o Centro Pop. Então a gente cancelou essa, essa transferência. [27:28] Advogada do Segundo Reclamado: Uhum. E até o final do, do contrato da empresa, os dois permaneceram trabalhando no mesmo local, mas, porém, igual o senhor tinha dito anteriormente, em setores distintos, de modo que eles não se comunicassem. É isso? [27:42] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Exatamente. Advogada do Segundo Reclamado: Mesmo com o retorno dele à unidade do centro. [27:47] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Exatamente. Se, se ele estivesse aqui, a gente colocava ele em setor administrativo, ela no salão. Então, são, ou então, se ele tivesse que descer para o salão, ela estava fazendo toda a, o, a limpeza e a manutenção do segundo andar, por exemplo, e o salão fica no primeiro andar. [28:06] Entendi. Advogada do Segundo Reclamado: Chegaram a fazer uma reunião com o acusado? [28:11] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Nós fizemos, naquele mesmo dia, né? Uma reunião entre eu, gerente e o outro supervisor. [28:20] Advogada do Segundo Reclamado: E o que que ele, desculpa, pode, pode continuar. [28:23] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Não, só, é, eu falei supervisor, ele, né, o acusado. [28:27] Advogada do Segundo Reclamado: Ah. E o que que ele alegou quando ele foi questionado a respeito da atitude dele? [28:34] Primeira Testemunha do Segundo Reclamado: Ele negou tudo, disse que estava surpreso, que ele não tomou nenhuma atitude. Eh, porque a gente não, não identificou o fato. A gente deu ciência a ele de que houve uma queixa com relação ao comportamento dele e explicou o conteúdo da queixa. E aí ele disse que não teve nenhum comportamento que justificasse essa queixa, disse que a queixa era uma coisa infundada. A segunda testemunha ouvida a rogo pela segunda reclamada Luís Gustavo Alvim Alves que assim se manifestou, em síntese: [32:00] Advogada do Segundo Reclamado: Uhum. E o senhor sabe dizer se na época dos fatos, o município tomou alguma providência, eh, de modo a tentar resolver o assunto? [32:11] Segunda Testemunha do Segundo Reclamado: Eh, o município, ele deu muito respaldo a, a reclamante, no caso, né, a suposta vítima. Eh, tomou as providências, assim, que achavam pertinentes na época. [32:32] Advogada do Segundo Reclamado: Sabe se o, o acusado chegou a ser transferido de local? [32:39] Segunda Testemunha do Segundo Reclamado: O acusado, ele não foi transferido, mas ele passou uma época em outro, no outro restaurante. É que tem, tem duas unidades, né, Centro e Benfica. Ele foi para Benfica por um tempo. [32:55] Advogada do Segundo Reclamado: Sei. E dentro do local de trabalho, sabe se o município tomou alguma atitude no sentido de distanciar um, a, a senhora, a empregada, né, a acusada, a senhora… [33:13] Segunda Testemunha do Segundo Reclamado: Sim, teve muito, muito cuidado com, com a, no caso a, eh, terceirizada, né, na época. Ela trabalhava numa empresa terceirizada. Eh, sim, tomou todas as medidas assim, para deixar ela bem à vontade e, enfim, deu, deu todo o suporte para ela. [33:35] Advogada do Segundo Reclamado: Sabe se chegou a oferecer para a senhora Samara um novo local de trabalho, que ela se sentisse melhor? [33:42] Segunda Testemunha do Segundo Reclamado: Sim, chegou, sim. [33:45] Advogada do Segundo Reclamado: E ela aceitou? O senhor sabe dizer? [33:47] Segunda Testemunha do Segundo Reclamado: Eu lembro que, no início, ela aceitou, de repente, ela falou que não queria. [33:53] Advogada do Segundo Reclamado: Uhum. Tá. Excelência, sem mais perguntas. Vai ficar redundante em relação à primeira testemunha. Sintetiza-se que: a primeira reclamada, por sua preposta, assim que tomou ciência do fato narrado pela autora, informou oficialmente à contratada (Município) que fez realizar uma série de reuniões com cada um dos envolvidos, culminando com a transferência provisória do servidor envolvido, que retornou à unidade onde a autora prestava serviços. Ato contínuo resta proposta à autora a sua transferência do Restaurante Popular para o Centro Pop, com a discordância pelos motivos narrados nas conversas de whatsapp reproduzidas em imagem nos autos. A conduta deveria ter ensejado a abertura de procedimento administrativo minucioso para a apuração dos fatos, o que não restou providenciado. Se o “acusado” foi removido provisoriamente à reclamante foi “oferecida” “transferência” que foi em seguida recusada. O relato de desconforto físico e psicológico da autora na presença do “acusado” é ponto de relevância para o presente processo. No futebol diria-se “de olho no lance” e para Lilian Schwarz “de olho na imagem” da linguagem utilizada nesse caso. Analiso. O assédio moral/sexual é caracterizado pelo terror psicológico dentro da empresa, manifestado por intermédio de comunicações verbais e não verbais, como gestos, suspiros, levantar de ombros, insinuações, zombarias, que visam desestabilizar emocionalmente o empregado, humilhá-lo, constrangê-lo, atos que podem conduzir ao afastamento por problemas de saúde, ao pedido de demissão e, em casos extremos, ao suicídio, via de regra. Maria José Romero Rodenas define assédio moral como "um comportamento atentatório a dignidade da pessoa, exercido de forma reiterada, potencialmente lesivo e não desejado, dirigido contra um ou mais trabalhadores, no lugar de trabalho ou em consequência do mesmo". Para essa autora, atividades que produzem efeitos nocivos sobre a saúde física ou psíquica da vítima, tais como, ameaças, ataques verbais, agressões sexuais, designação para trabalhos excessivamente penosos ou perigosos são atentatórias à dignidade do trabalhador e podem caracterizar-se como assédio moral. Nessa mesma vertente, a lição de MARIE-FRANCE HIRIGOYEN (in "Mal-Estar no Trabalho - Redefinindo o Assédio Moral", Bertrand Brasil, pág. 28) que doutrina sobre o assédio moral na empresa: "Denominamos gestão por injúria o tipo de comportamento despótico de certos administradores, despreparados, que submetem os empregados a uma pressão terrível ou os tratam com violência, injuriando-os ou insultando-os, com total falta de respeito. (...) Quer tais dirigentes estejam ou não conscientes da brutalidade de suas ofensas, seu comportamento é indigno e inadmissível. Só uma ação coletiva pode dar fim a ele. Uma reação conjunta, o quanto antes, por parte dos trabalhadores para denunciar tais práticas escravagistas". Ora. As relações de trabalho devem pautar-se pela respeitabilidade mútua, em face do caráter sinalagmático do contrato de emprego, impondo-se aos contratantes (prestadores e tomadores), reciprocidade de direitos e obrigações. Desse modo, ao empregador e ao tomador de serviços, além da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, cabe, ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a "opção sexual", a dignidade e a integridade física, intelectual e moral de seu colaborador. Isto porque se tratam de valores que compõem o patrimônio ideal da pessoa, assim conceituado o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valoração econômica, integrando os chamados direitos da personalidade, essenciais à condição humana e constituindo assim, bens jurídicos invioláveis e irrenunciáveis. Na hipótese vertente, o conjunto probatório é integralmente favorável à reclamante que atendeu a seu onus probandi, nos termos do artigo 818, I, da CLT. Pela leitura da integralidade do dossier processual observa-se que a reclamante foi efetivamente vítima de assédio no âmbito laboral de iniciativa de um dos superiores hierárquicos (vinculado diretamente ao segundo reclamado, ocupando cargo de confiança), em se considerando a posição que o mesmo ocupava no âmbito do contrato que vinculava ambas as reclamadas. Se a primeira reclamada prestou o apoio necessário para a obreira, principalmente, diante do auxílio dispensado pela preposta Cintia, o mesmo não se observa, data maxima venia, na conduta “contraditória” do segundo reclamado. A palavra-chave é consentimento. Se há consentimento …. cada um faz com seu corpo que bem pretender … contudo, é o corpo da mulher e quem decide quem toca no corpo dela ou não é ela, somente ela … tocou no corpo dela, sem seu consentimento …. importunação sexual … Afinal, a lei 13.718 de 24 de setembro de 20218 representou um avanço e não um retrocesso, senhoras e senhores !!!! Segundo Judith Butler, em seu A vida psíquica do poder, a sujeição, é a feitura de um sujeito, que o formula e o produz, agindo não apenas sobre determinado indivíduo como uma forma de dominação mas o ativa ou o forma, produzindo uma certa estrutura ideal normalizada. Assim que produzido o ato que violou sua dignidade enquanto mulher negra (cujo corpo é interditado a priori contra quaisquer investidas sem a devida autorização) a reclamante fez seguir sua irresignação por todos os canais possíveis, junto ao primeiro e ao segundo reclamados. Se a primeira reclamada, por sua preposta, inclusive incentivou e acompanhou a reclamante na lavratura de BO, os prepostos do segundo reclamado procuraram tamponar o ocorrido, lotando provisoriamente o acusado em outra unidade, logo procedendo ao seu retorno à origem. As testemunhas relatam o abalo observado na reclamante a quem foi proposta uma transferência, transformando-a de vitima em responsável. A indagação dirigida a uma das testemunhas ouvida, sugerindo um certo caráter “expansivo” do acusado demonstra o quanto a sociedade brasileira continua sendo heteronormativa e violenta em seus discursos que hierarquizam os gêneros, estabelecendo discursivamente, entre os mesmos, uma relação de subordinação. O raciocínio no plano do assédio sexual é, na maioria das vezes, minimizar a denúncia, procurando estabelecer um paliativo para contornar a situação que retoma a sua marcha nos encontros “ocasionais” entre a empregada vitimada e o acusado novamente no ambiente de trabalho, cenário real e psíquico do assédio. Nao se deu a devida importância ao “beijo” que violou o corpo de uma mulher, inadvertido, sem autorização. Não se trata de um cumprimento entre pessoas que se conhecem e que possuem um certo grau de intimidade suficiente para que a barreira que deve existir entre dois sujeitos possa ser ultrapassada sem traumas. Como nos lembra mais uma vez Butler (em “Quem tem medo do gênero”): “se a vida do corpo, a vida distinta ou diferenciada do corpo, há é, mesmo nas melhores condições, um terreno no qual as ansiedades sexuais se concentram, no qual as normas sociais se estabelecem, então todas as lutas sexuais e sociais da vida podem encontrar precisamente nela um local ou incitamento” (2024, p. 14). O corpo dos sujeitos é propriedade e posse desses mesmos sujeitos, um território interditado ao incauto, ao “expansível”, ao “sem noção”, ao “brasileiro típico que adora cumprimentar beijando”. É essa cisheteronormatividade no contexto de uma ordem patriarcal sexual e de gênero, com traços de colonialidade persistente que tenta, a todo o momento, com esteio em Butler (2024) repelir a perspectiva do poder destrutivo que se atribui ao discurso prevalecente sobre gênero. Ademais, quando atravessado pela interseccionalidade, o tema assume contornos urgentes e necessários. Não por menos, essa mesma comarca conviveu em sua história com uma escrava Roza Cabinda que teve que ajuizar uma ação para procurar na desvalorização de seu corpo a saída para a comprar a sua alforria. Continua-se aqui a homenagear o algoz e sua descendência como uma lembrança amarga do sopro da colonialidade que se espraia ainda pelas ruas. Não é por acaso que o corpo em questão nesses autos é negro, mas sim, de suma importância, ao lado da invisibilidade de sujeitos subalternizados, invisibilizados pela sociedade como as babás, os cuidadores e os terceirizados para permanecermos apenas nessas três categorias. Esses autos realçam um relato de incomodo que atravessa a parte autora, que, ao ter como proposta a “transferência” (nem cogitada para o acusado), resolve não ceder para que ainda lhe pudesse sobreviver o mínimo de dignidade até então relativizada. “Os incomodados que se retirem” é uma expressão muito recorrente nas Gerais e nos convida a refletir sobre um certo limiar de saturação que se estabelece no convívio social forçado no sentido de que em quem está incomodando não se toca e quem está incomodado não tem para onde se retirar, a não ser para o lugar (esses lugares são curiosos) onde reinará novamente a calma para o “grupo”. Será que não existem outras alternativas para fazer valer a dignidade do sujeito enquanto direito constitucional ? Quem sabe não era só um carinho … para quem ? A que preço ? Carinho vale … não vale … Como nos lembra Clarice Lispector “Sim. Uma mulher maravilhosa e solitária. Lutando sobretudo contra o próprio preconceito que a aconselhava a ser menos do que era, que a mandava dobrar-se” (A descoberta do Mundo, 1999). Samara não se dobrou, muito pelo contrário. As “questões conservadoras biológicas” de gênero jamais silenciaram os seus direitos de liberdade e de igualdade. A convenção n. 190 da OIT que reconhece a violência e o assédio no trabalho como violações encontra-se em processo de ratificação pelo governo brasileiro, sendo possível ler na mensagem EMI n° 00006/2023 MTE MM MRE de envio da Convenção ao Congresso nacional, datada de 6 de março de 2023, o seguinte excerto: “. Pesquisa global sobre assédio no trabalho, organizada pela OIT e parceiros com aproximadamente 75 mil pessoas empregadas com 15 anos ou mais em 121 países e territórios, em 2021, mostrou que cerca de 17,9% dos homens e mulheres empregados afirmaram terem sido vítimas de violência e assédio psicológicos em sua vida profissional e, dentre esses, 8,5% disseram ter enfrentado algum tipo de violência física. A mulheres estão representadas em maior percentual. Outro fator constatado pela pesquisa foi a baixa notificação dos casos pelas vítimas. Somente 50% haviam revelado para outra pessoa o ocorrido e as mulheres eram mais propensas a compartilhar a experiência. Dentre os motivos elencados para a falta de notificação, considerar “perda de tempo” ou ter “medo por sua reputação” são os mais frequentes. Esses dois motivos podem apontar para a falta de ações concretas na solução dos casos e a vergonha das vítimas em serem expostas e ter de lidar com a situação sem o devido apoio. Embora a violência e o assédio moral e sexual no trabalho aconteçam com homens e mulheres, quando se considera o recorte de gênero, idade e situação migratória, pode-se observar na pesquisa da OIT que “as mulheres jovens tinham o dobro da probabilidade dos homens jovens de ter enfrentado violência e assédio sexuais, e as mulheres migrantes tinham quase o dobro da probabilidade das mulheres não migrantes de denunciar a violência e o assédio sexuais, segundo a pesquisa”. Ressalta-se, ainda, que três em cada cinco das pessoas afirmaram que viveram a experiência da violência e do assédio múltiplas vezes. Mesmo com o aumento da denúncia, o desemprego entre as mulheres é fator preponderante para a baixa notificação. No Brasil, as mulheres têm menor índice de ocupação que os homens. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNAD Contínua) do quarto trimestre de 2018 mostraram que, embora representem 52,4% da população em idade de trabalhar, as mulheres correspondiam a 45,6% da população empregada, enquanto os homens, a 64,3%. A situação agravou-se com a pandemia de COVID-19, período no qual a participação das mulheres no mercado de trabalho foi a menor em 30 anos. A necessidade de manter o emprego leva à baixa notificação e é maior entre as mulheres que têm menor renda. A violência e o assédio no trabalho refletem-se nas condições atuais da força de trabalho feminina, agravam o adoecimento físico e mental, diminuem a autoconfiança e autoestima e geram ansiedade e/ou depressão, podendo levar ao suicídio nos casos mais extremos. Muitas mulheres optam por pedir demissão do emprego, agravando sua autonomia econômica e o bem-estar familiar. Além disso, a violência e o assédio têm forte impacto no ambiente do trabalho, sendo responsável pela redução do desempenho laboral e por afastamentos do trabalho por longos períodos, implicando o aumento do custo social e econômico decorrente desses afastamentos, não somente para a vida das trabalhadoras e trabalhadores e suas famílias, mas também para as empresas e para toda a sociedade. Desnaturalizar a violência e o assédio moral e sexual no trabalho e caracterizá-lo como uma violência majoritariamente de gênero é fundamental para garantir o acesso e a permanência das mulheres no mundo do trabalho sem gerar constrangimentos, adoecimento e prejuízos sociais e financeiros para as trabalhadoras. Ressalta-se, ainda, que no Brasil não existe legislação específica e geral para coibir a violência e o assédio no ambiente de trabalho. Considerando-se que a Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho, aprovada em 1998, relaciona a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação como um dos seus pilares e, que essa mesma declaração estabelece que todos os membros que ingressarem naquela organização se comprometem com tais princípios e direitos, e levando em conta, ainda, a forte relação entre assédio e discriminação, a ratificação da Convenção n° 190 da OIT é uma forma de dar efetividade a esse comando da organização. Nesse sentido, o tratado internacional sobre violência e assédio no mundo do trabalho - Convenção nº 190 aponta soluções de suma importância social para a prevenção, a constatação e tratativas dos graves casos de violência laboral dessa natureza. Tem grande relevância para a construção de um ambiente de trabalho decente confiável, cooperativo e produtivo e sem violência a todos e todas, mas em especial para mulheres. Trata-se de instrumento que apresenta avanços em relação ao tema, reconhecendo que a violência e o assédio no mundo do trabalho prejudicam o meio ambiente do trabalho como um todo. Necessário observar que a garantia da preservação de direitos humanos é imprescindível, devendo ser garantida sua eficácia vertical e horizontal e que o instrumento estimula a adoção de medidas que representam um novo marco à normativa nacional sobre a matéria.” De igual maneira, o importante artigo “Convenção 190 da OIT: violência e assédio no mundo do trabalho” de Claiz M. P. G. dos Santos e Rodolfo P. Filho (2021) ressalta a importância de se considerar a potencialidade, mesmo do único ato para a sua caracterização: “O conceito único de violência e assédio contido no art. 1º da Convenção 190 da OIT apresenta um importante avanço na coibição de práticas abusivas no mundo laboral. Ao tratar de forma conjunta dos fenômenos da violência e do assédio, torna-se possível um maior alcance das disposições da Convenção, abrangendo as diversas ações que podem causar danos físicos, psicológicos ou sexuais e, inclusive, as novas manifestações de violência e de assédio. […] Outra importante inovação diz respeito ao único ato. O art. 1º da Convenção 190 da OIT, seguindo a orientação do relatório elaborado na Reunião de Peritos, em 2016, traz uma novidade conceitual ao considerar que a violência e o assédio podem ser configurados com uma única ocorrência. [...] Nesse sentido, a conclusão dos peritos da OIT dispõe que “violence and harassment can be a one-off occurrence or repeated, and the nature and the effect of such conduct are key criteria to establishing whether it qualifies as violence and harassment”.1 Destarte, para a OIT, o ponto chave para verificar se o ato será qualificado como violência ou assédio é a natureza e os efeitos da conduta, e não o número de ocorrências.” (p. 4). Como já tive a oportunidade de defender em artigo específico (DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS NA PERSPECTIVA INTERNACIONAL: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA APLICAÇÃO (CRIATIVA) DA TEORIA DO CONTROLE JURISDICIONAL DE CONVENCIONALIDADE E DE LEGALIDADE DAS LEIS TRABALHISTAS. Tarcísio Corrêa de Brito. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, edição especial, p. 203-269, nov. 2017) normas internacionais do trabalho, mesmo enquanto não ratificadas, podem funcionar como guias para a interpretação no esclarecimento de termos gerais e de conceitos jurídicos indeterminados, estabelecendo princípio jurisprudencial com base no direito internacional e no direito internacional do trabalho. Vale ressaltar, apenas para apresentar algumas premissas hermenêuticas que nos termos da convenção em seu artigo 1.o o termo “violência e assédio” no mundo do trabalho refere-se a uma série de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças desses, seja uma única ocorrência ou repetida, que visam, resultam ou podem resultar em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos e inclui violência e assédio de gênero; b) o termo “violência e assédio baseado em gênero” significa violência e assédio dirigido a pessoas por causa de seu sexo ou gênero, ou que afeta pessoas de um determinado sexo ou gênero de forma desproporcional, e inclui assédio sexual” . A regra se aplica aos “[…] trabalhadores e outras pessoas no mundo do trabalho, incluindo funcionários conforme definido pela legislação e prática nacional, bem como pessoas que trabalham – independentemente de sua condição contratual, pessoas em treinamento – incluindo estagiários e aprendizes, trabalhadores cujo emprego foi rescindido, voluntários, pessoas desempregadas e candidatos a emprego, e indivíduos que exercem autoridade, deveres ou responsabilidades de um empregador” (artigo 2o). Essa convenção ainda estabelece, no plano da proteção e da prevenção a necessidade do fornecimento “aos trabalhadores e outras pessoas envolvidas informações e treinamento, em formatos acessíveis, da forma mais apropriada, sobre os perigos e riscos identificados de violência e assédio e as medidas de prevenção e proteção associadas, incluindo os direitos e responsabilidades dos trabalhadores e outras pessoas envolvidas em relação a política referida na alínea a) do presente artigo” (artigo 9.o da Convenção). (MPT. Convenção 190 e Recomendação 206 da OIT: ações para o enfrentamento da violência e assédio no mundo do trabalho, 2021). Peço venia para reproduzir um excerto do material didático do “Curso de julgamento com perspectiva interseccional de gênero e raça da ENAMAT”, ocorrido entre março e abril de 2024, de formação continuada de magistrados trabalhistas, por sua pertinência com o tema ora discutido: "O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Resolução n° 492, de 17/03/2023, na esteira da Recomendação n° 128, de 15/02/2022, estabeleceu diretrizes para a adoção por todos os órgãos do Poder Judiciário do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Tal protocolo foi elaborado pelo Grupo de Trabalho instituído mediante a Portaria 27/2021, alterada pelas Portarias 116 e 197/2021, que encerrou suas atividades em 03 de setembro de 2021, apresentando um documento publicado no âmbito do CNJ. Tal iniciativa foi totalmente pertinente, uma vez que a igualdade substancial de gênero é uma meta global e está diretamente relacionada com as relações de trabalho. (…) A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a Agenda 2030 com 17 objetivos para o desenvolvimento sustentável (ODS), dentre os quais destacam-se os ODS 5 (igualdade de gênero), 10 (redução das desigualdades) e 16 (paz, justiça e instituições eficazes). Na seara laboral, a perspectiva de gênero guarda relação com diversos temas: violências e assédios, divisão sexual do trabalho, desigualdades, discriminações, representatividade sindical, saúde e segurança, dentre outros. A perspectiva de gênero implica reconhecer e considerar as desigualdades e as discriminações em razão do gênero, buscando neutralizá-las a fim de se concretizar a igualdade substantiva. (…) A Convenção da OIT sobre violência e assédio (n° 190) reconhece que a violência e assédio baseado em gênero afetam desproporcionalmente mulheres e meninas. Para a prevenção e o enfrentamento da violência e do assédio no mundo do trabalho, indica que seja adotada uma abordagem inclusiva, integrada e com perspectiva de gênero, que enfrente as causas subjacentes e os fatores de risco, incluindo estereótipos de gênero, várias formas de discriminação e desigualdade nas relações de poder devido ao gênero. Esta importante convenção ainda não foi ratificada pelo Estado brasileiro, mas já está em vigência internacional. Por sua vez, a Recomendação n° 206, que acompanha a Convenção n° 190, prevê medidas como: tribunais com experiência em casos de violência e assédio baseado em gênero (item 16.a); alteração do ônus da prova, conforme o caso, em processos que não sejam penais (item 16.e); diretrizes sensíveis ao gênero e programas de treinamento para auxiliar juízes, inspetores do trabalho, policiais, promotores e outros funcionários públicos no cumprimento de seu mandato em relação à violência e assédio no mundo do trabalho, bem como para ajudar empregadores e trabalhadores públicos e privados e suas organizações na prevenção e abordagem da violência e do assédio no mundo do trabalho (item 23.b). (…) O sistema nacional de proteção aos direitos da mulher possui três frentes prioritárias de atuação: a) o combate à discriminação contra as mulheres, ou seja, o direito à igualdade; b) o combate à violência contra as mulheres, ou seja, o direito a uma vida livre de violência; e c) a luta pelo reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos. Estereótipos atingem homens e mulheres, mas manifestam-se, em geral, em detrimento de mulheres, negros e pessoas não cis-heteronormativas, representando conotações negativas e traduzindo-se em características, atitudes e papéis que a sociedade atribui às pessoas, a partir de “categorias suspeitas” que foram aceitas, mantidas e reproduzidas na cultura, gerando relações e situações discriminatórias. Marcadores sociais da diferença de raça, gênero, sexo, origem étnica, nacionalidade, religião, idioma, deficiência, idade, bem como aquelas baseadas em identidade de gênero e orientação sexual, entre outras, podem levar uma pessoa a se encaixar em uma “categoria suspeita”. (…) Considerar que os estereótipos estão presentes na cultura, na sociedade, nas instituições e no próprio direito, buscando identificá-los para não se submeter à influência de vieses cognitivos no exercício da jurisdição é uma forma de se aprimorar a objetividade e, portanto, a imparcialidade no processo de tomada de decisão. A compreensão crítica de que a pessoa julgadora ocupa uma posição social, muitas vezes bem diversa das partes, que informa a sua visão de mundo, a sua verdade, também ajuda a detectar vieses. O enfrentamento das várias verdades em jogo na relação processual, a identificação de estereótipos e o esforço para afastar eventuais prejulgamentos decorrentes de vieses cognitivos auxiliam na percepção de uma realidade mais complexa e na construção da racionalidade jurídica mais próxima do ideal de justiça. (…) Os impactos de vieses e estereótipos são reconhecidos no direito. O art. 5º da CEDAW afirma o compromisso dos Estados-parte em “modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres”. O conjunto probatório demonstra à bastança que a prática na empresa considerava a condição da reclamante a permitir uma cultura heronormativa e sexista que era reconhecida e respaldada pelas práticas institucionais. (...)". Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Regionais acerca do tema do julgamento com perspectiva de gênero: “RECURSO ORDINÁRIO DA AUTORA. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES DOS PEDIDOS. A exigência de apresentar o valor dos pedidos (arts. 840, §1º, e 852-B, ambos da CLT) não equivale à antecipação da fase de liquidação do processo. Aplica-se a orientação advinda do art. 12, § 2º, da Resolução nº 221/2018 do TST: Para fim do que dispõe o art. 840, §§1º e 2º, da CLT, o valor da causa será estimado, observando-se, no que couber, o disposto nos arts. 291 e 293 do Código de Processo Civil. Assim, o valor da condenação deve ser apurado em liquidação de sentença, não estando adstrito à estimativa do pedido lançada na petição inicial. Recurso provido. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL. A análise da matéria posta em causa exige, inequivocamente, um olhar atento para as singularidades envolvidas, em especial para o fato de que a autora, na condição de empregada mulher, é tocada por diferentes sistemas opressivos. Gênero e classe. , o que dificulta o seu acesso a condições dignas de trabalho, bem como a expõe a diversas formas de violências. É imprescindível que esta Justiça Especializada analise e julgue as demandas que lhe são apresentadas a partir das lentes de perspectiva interseccional de classe, gênero, raça, dentre outras, de modo que o(a) trabalhador(a) seja compreendido(a) em todas as suas facetas e diversidades, bem como nas particularidades que o(a) atravessam, de modo a tentar dar equilíbrio à estrutura desigual que inviabiliza que muitas pessoas acessem condições básicas de dignidade. Aplicação do referencial teórico estabelecido no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, documento lançado pelo CNJ (ferramenta criada no intuito de alcançar a igualdade de gênero). No caso concreto, as testemunhas da reclamante confirmam comportamento assediador do gerente da reclamada em relação às empregadas mulheres. Importante ponderar que o assédio sexual dificilmente é praticado à luz dos holofotes, sendo sempre de forma escusa e escondida, conforme bem ponderado pela sentença. Em face da gravidade da situação, adequado o valor da indenização, fixado pela sentença em R$ 30.000,00. Recurso da reclamada não provido.” (TRT 4ª R.; ROT 0021049-59.2022.5.04.0012; Segunda Turma; Rel. Des. Alexandre Correa da Cruz; DEJTRS 07/03/2024) “RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL. A prova dos autos atesta o tratamento desrespeitoso do gestor, inclusive com comentários de cunho sexista e etarista, com a objetificação da mulher. Não é admissível a prática de ofensas e a atitude de desrespeito às empregadas, promovidas pelo empregador ou seus prepostos, sob pena de reparação de dano, na forma do artigo 932, III, do CC. Condutas dessa natureza não podem ser, especialmente perante o Poder Judiciário, normalizadas. Adota-se o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ, elaborado em 2021, com o intuito de colaborar com a implementação das políticas nacionais de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. O cenário dos autos impõe a manutenção da condenação, pois violadas a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e a imagem da trabalhadora (art. 5º, X, da CF). Recurso negado.” (TRT 4ª R.; ROT 0020139-93.2022.5.04.0121; Segunda Turma; Rel. Des. Alexandre Correa da Cruz; DEJTRS 04/03/2024) “ASSÉDIO MORAL. ARTIGOS 1º, III, 5º, I E V, X, 7º, CAPUT, XXII E 196, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO DE 2021, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, NA ABERTURA DA 340ª SESSÃO ORDINÁRIA, NO DIA 19/10/2021.17 OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS/2020/2030), DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). COMBATE À DISCRIMINAÇÃO E DESIGUALDADE NO AMBIENTE DE TRABALHO. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (ONU/1948). CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ART. 24). CONVENÇÃO PARA ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL, XENOFOBIA E OUTRAS MANIFESTAÇÕES DE INTOLERÂNCIA (ONU/1966 (DECRETO LEGISLATIVO N. 65.810, DE 8 DE DEZEMBRO DE 1969). CONVENÇÃO PARA ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER (ONU/CEDAW/1979);CONVENÇÃO OIT N. 100/1951, SOBRE A IGUALDADE DE REMUNERAÇÃO DE HOMENS E MULHERES POR TRABALHO DE IGUAL VALOR (DECRETO LEGISLATIVO N. 41.721, DE 25 DE JUNHO DE 1957). CONVENÇÃO OIT N. 111/1958, SOBRE DISCRIMINAÇÃO EM MATÉRIA DE EMPREGO E PROFISSÃO (DECRETO LEGISLATIVO N. 62.150/1968) E. A RECENTE CONVENÇÃO OIT N. 190/2019, SOBRE VIOLÊNCIA E ASSÉDIO, AINDA NÃO RATIFICADA PELO BRASIL. O assédio moral tem por característica a exposição do ofendido ao ridículo, com ameaças, humilhação, violando de maneira depreciativa a sua esfera íntima, o seu ser psíquico. O assédio moral se caracteriza pela sequência de atos de violência psicológica a qual uma pessoa é submetida, acometendo o trabalhador de inúmeras sequelas. emocionais. Há na ordem jurídica internacional e nacional inúmeras normas cujo objetivo é o combate às desigualdades em geral. Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU/1948); Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 24); Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação racial, xenofobia e outras manifestações de intolerância (ONU/1966 (Decreto Legislativo n. 65.810, de 8 de dezembro de 1969); Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (ONU/CEDAW/1979);Convenção OIT n. 100/1951, sobre a igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor (Decreto Legislativo n. 41.721, de 25 de junho de 1957); Convenção OIT n. 111/1958, sobre discriminação em matéria de emprego e profissão (Decreto Legislativo n. 62.150/1968) e; a recente Convenção OIT n. 190/2019, sobre violência e assédio, ainda não ratificada pelo Brasil. A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS/2020/2030), para superar os inúmeros desafios do nosso tempo, cuidar do planeta e melhorar a vida de todos. A Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho encontra eco na Constituição da República, de 1988, que acolhe em seu bojo as normas internacionais de direitos humanos (art. 5º, §1º, 2º, 3º); professa a não discriminação (art. 3º, IV); assegura a isonomia entre homens e mulheres (art. 5º, II); a vedação de diferença de salário e de condições de trabalho em razão do sexo (art. 1º, III, art. 3º, IV e art. 7º, caput, IV, VI, VII, IX, XXII, XXIII, XXV, XXX, XXXI, XXXII XXX); bem como a proteção da mulher no mercado de trabalho (art. 7º, XX). Ainda, a ordem econômica vem fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observada a função social da propriedade (art. 170, caput e III), a defesa do meio ambiente (art. 170,VI), a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII), a busca do pleno emprego (art. 170, VIII), com tratamento diferenciado e favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as Leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no pais (art. 170, IX). Diante das graves consequências da violência no ambiente de trabalho, que causa o adoecimento de trabalhadores, com repercussão para toda a sociedade, surge a preocupação política, social e jurídica na busca de caminhos para a superação do conflito e resgate dos direitos de personalidade.” (TRT 2ª R.; RORSum 1001766-59.2022.5.02.0086; Quarta Turma; Relª Desª Ivani Contini Bramante; DEJTSP 10/11/2023; Pág. 16338) “SITUAÇÕES HUMILHANTES DECORRENTES DE PIADAS DE GÊNERO DE CUNHO MACHISTA. PERSPECTIVA DE GÊNERO. CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES. CEDAW E CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ). INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. Nos termos da Constituição da República, a propriedade deve cumprir sua função social. Assim, a exploração de atividade econômica exige das empresas o respeito à dignidade humana da pessoa trabalhadora, compreendendo a criação e proteção de um ambiente de trabalho saudável e livre de atos insidiosos, como assédio moral e situações humilhantes. 2. Piadas de gênero de cunho machistas proferidas por colegas e superiores hierárquicos contra a trabalhadora. Consoante o art. 1º da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994, entende-se por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Em conformidade com o art. 6º da Convenção de Belém do Pará, o direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros, o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação. 3. Tratamento indevido, impróprio e reprovável dispensado a trabalhadora mulher. Violação de direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, como a dignidade da pessoa humana, a imagem e a honra da trabalhadora, restando imperiosa a condenação da parte ré no pagamento de indenização por dano moral em quantia apta a imprimir o caráter pedagógico da reprimenda. Recurso provido.” (TRT 4ª R.; ROT 0020050-67.2022.5.04.0025; Oitava Turma; Rel. Des. Marcelo Jose Ferlin D´Ambroso; DEJTRS 06/10/2023) “ASSÉDIO MORAL. PERSPECTIVA DE GÊNERO. INOBSERVÂNCIA DE DIREITOS HUMANOS, NORMAS INTERNACIONAIS E DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PERSPECTIVA DE GÊNERO. VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA NA RELAÇÃO DE TRABALHO. CONVENÇÃO 155 DA OIT. CONVENÇÃO 190 DA OIT. CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS MULHERES. CEDAW) E CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ). DANO MORAL IN RE IPSA. 1. Consoante o art. 1º da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994, entende-se por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Em conformidade com o art. 6º da Convenção de Belém do Pará, o direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros, o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação. 2. A normativa internacional e constitucional, acerca de direitos humanos e fundamentais, repudia condutas que representem discriminação ou assédio e ofensa à honra e dignidade das pessoas no trabalho. Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 23), Declaração Americana de Direitos Humanos (arts. V, XIV e XVII), Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (arts. 17 e 26), Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (arts. 7º e 12), Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, arts. 5º, 6º e 11), Declaração Sociolaboral do Mercosul de 2015 (preâmbulo e arts. 2º e 4º). E, no mesmo sentido, reforçam a tese de proteção ampla dos Direitos Humanos e fundamentais das pessoas no trabalho, inclusive, sob o viés psicológico, as Convenções da OIT de n. 29 (trabalho forçado ou obrigatório), 100 (igualdade de remuneração por trabalho de igual valor) e 111 (discriminação em matéria de emprego e profissão). 3. Ademais, o assédio moral laboral é prática vedada tanto no plano doméstico, como no plano internacional, conforme Convenção 190 da OIT. Inclusive, a referida norma internacional reconhece que o cenário de extrema tensão gerado pelo assédio moral promove, além da precarização da relação laboral, o desenvolvimento de diversas doenças associadas ao sofrimento psíquico, tais como síndrome do pânico, depressão e síndrome de burnout, conforme o teor dos arts. 1º e 3º da Convenção 190 da OIT. 3. Embora o Brasil não tenha ratificado, ainda, a Convenção 190 da OIT, a referida norma encontra-se alicerçada nas core obligations previstas na Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Nesse sentido, a referida Declaração destaca que os princípios fundamentais do trabalho (core obligations), devem ser observados pelos membros da OIT somente pelo fato de tais entes integrarem a Organização, ou seja, independente das normas que tratam dos princípios fundamentais do trabalho terem sido ratificadas pelos estados-membros. 4. No mesmo norte, a interpretação sistemática da Constituição da República e dos seus princípios e direitos fundamentais, notadamente, os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana, o princípio de melhoria das condições sociais da classe trabalhadora e a função social da propriedade (arts. 1º, III e IV, 7º, caput e 170, III e VIII), rechaçam de forma veemente as práticas de discriminação e assédio moral. 5. O conjunto probatório aponta a prática de assédio moral, mormente considerando que a perseguição e a discriminação sofridas no ambiente laboral tolheram o direito da trabalhadora, na condição de mulher, de exercer relevante função de chefia, fazendo jus a autora ao pagamento de indenização por danos morais.” (TRT 4ª R.; ROT 0020624-25.2019.5.04.0016; Oitava Turma; Rel. Des. Marcelo Jose Ferlin D´Ambroso; DEJTRS 06/07/2022) Mais precisamente ... A reparação do dano moral no direito brasileiro "ainda' encontra sede constitucional (art. 5º, incisos V e X, CR/88) de proteção, pelo menos, até que outra "interpretação conforme o clamor das ruas" seja engendrada pela Corte Suprema. No âmbito do Código Civil, a teor do que dispõem os arts. 186 e 927, são elementos da responsabilidade civil: uma ação ou omissão, a culpa imputável ao agente causador do dano, o dano e o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. A lesão moral se dá, regra geral, nesse caso, aos atributos da personalidade como a honra, a intimidade, a vida privada, a moralidade, a privacidade, a imagem, etc. Repise-se. Ao contrário do dano material, que exige prova concreta do prejuízo sofrido pela vítima a ensejar o pagamento de danos emergentes e de lucros cessantes, nos termos do art. 402 do Código Civil, desnecessária a prova do prejuízo moral, em determinada interpretação, pois, presumido da violação da personalidade do ofendido, autorizando que o juiz arbitre valor para compensá-lo financeiramente. Cumpre esclarecer, também, que o assédio moral consiste na prática reiterada de conduta abusiva, pelo empregador ou seus prepostos, observando-se uma perseguição ao empregado, repetindo-se no tempo, o que pode acarretar danos às suas condições físicas e psíquicas, afetando a sua autoestima. Vale ressaltar, entretanto, que: "(...) com o advento do CC/2002, a responsabilidade civil do empregador por ato causado por empregado, no exercício do direito do trabalho que lhe competir, ou em razão dele, deixou de ser uma hipótese de responsabilidade civil subjetiva com presunção de culpa (súmula 341/STF), tornado-se uma hipótese legal de responsabilidade civil objetiva. (...) Na V Jornada de Direito Civil, o CJF aprovou o enunciado 451, que conclui pelo fim do sistema de presunção de culpa na responsabilidade civil por ato de terceiro: ‘arts. 932 e 933: A responsabilidade civil por ato de terceiro funda-se na responsabilidade objetiva ou independentemente de culpa, estando superado o modelo de culpa presumida’. À luz do exposto, verifica-se que encontra-se superada a súmula 341 do STF, segundo a qual haveria culpa presumida do empregador pelo ato culposo do empregado. Atualmente, o Código Civil de 2002 (artigos 932 e 933) prevê a responsabilização objetiva do empregador pelos atos praticados por seus empregados quando no exercício de seu trabalho ou em razão dele". Há, inclusive, jurisprudência que reconhece que o empregado ou preposto que pratica ato ilícito no exercício de seu trabalho ou por ocasião deste, impõe ao seu empregador ou comitente a responsabilidade objetiva indireta. Isso se dá por força do vínculo existente entre ambos, composto por vários elementos, entre eles a hierarquia, a subordinação, o poder de direção e instrução, e não exatamente porque a atividade empresarial é de risco. Neste contexto, é possível afirmar que, por força dos arts. 932, III, e 933 do CC, haverá responsabilidade objetiva do empregador ou comitente se o preposto ou empregado causar um dano a terceiro durante o trabalho ou em razão dele; for comprovada a culpa do preposto ou empregado e existir relação de emprego ou subordinação entre o empregado causador do dano e o empregador. (TRT 23a R..; RO 0000393-93.2016.5.23.0002; Primeira Turma; Rel. Des. Edson Bueno; Julg. 24/07/2018; DEJTMT 14/08/2018; Pág. 22). Nessa perspectiva, confiram-se, ainda: “INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO DE EMPREGADO NAS DEPENDÊNCIAS DA EMPRESA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 341 DO STF. Na forma da Súmula nº 341 do STF: "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto". Tal premissa corrobora o disposto no artigo 932, III do Código Civil, no sentido de que ‘São também responsáveis pela reparação civil. III) O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele’. Portanto, se os elementos apurados do conjunto fático probatório dos autos demonstra violação da intimidade/honra/dignidade de empregado por ato de outro empregado ou preposto nas dependências da empresa, na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil, reputando-se configurados os requisitos do dever de indenizar (omissão culposa, o dano moral e o nexo de causalidade), responde o empregador pelos danos extrapatrimoniais decorrentes.” (TRT 12a R.; RO 0000809-96.2015.5.12.0036; Quinta Câmara; Rel. Des. Nivaldo Stankiewicz; Julg. 17/07/2018; DEJTSC 06/08/2018; Pág. 1517) “RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO (TRATAMENTO "DIFERENCIADO ". RIGOR EXCESSIVO). OFENSA À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DO(A) TRABALHADOR(A) CONFIGURADO(A). Tem-se por assédio moral no trabalho toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. A doutrina destaca que o assédio moral como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, possui quatro elementos, a saber: ‘a) Conduta abusiva; b) Natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; c) Reiteração da Conduta; d) Finalidade de exclusão’ (Rodolfo Pamplona Filho). No caso, em face da conduta da empresa, é de todo possível se concluir que houve aviltamento à integridade moral da reclamante, aí incluídos aspectos íntimos da personalidade humana, sua honra e imagem, haja vista que a reclamada, por seu preposto, excedeu seus poderes de mando e direção ao desrespeitá-la no dia-a-dia. É evidente que tal conduta do empregador não pode ser suportada, devendo a reclamada arcar com a indenização por dano moral, com supedâneo no Código Civil, artigos 186, 187 e 932, III, em função de odioso assédio moral no trabalho. Recurso da ré desprovido. 11- 6ª CÂMARA. Recurso Ordinário da VARA DO TRABALHO DE PENÁPOLIS (1026/2011), Acórdão nº 8089/2018-PATR”. (TRT 15a R.; RO 0001271-24.2013.5.15.0106; Rel. Des. Fábio Allegretti Cooper; DEJTSP 13/07/2018; Pág. 10815) O empregador responde não só pelos atos ilícitos causados por seus empregados diretos, mas por todos os trabalhadores que lhe prestem serviços ou alguma atividade em seu nome ou proveito, pouco importando a natureza jurídica do vínculo. O vocábulo "prepostos", indicado no art. 933, III, do Código Civil, tem sido interpretado com bastante amplitude, entendendo-se como tais os autônomos, prestadores de serviço em geral, estagiários, cooperados, mandatários, parceiros, representantes comerciais, entre outros. É oportuno citar, neste passo, o magistério de Maria Helena Diniz: O preposto ou empregado é o dependente, isto é, aquele que recebe ordens, sob o poder de direção de outrem, que exerce sobre ele vigilância a título mais ou menos permanente. O serviço pode consistir numa atividade duradoura ou num ato isolado (pessoa que se incumbe de entregar uma mercadoria), seja ele material ou intelectual. Pouco importará que o preposto, serviçal ou empregado seja salariado ou não; bastará que haja uma subordinação voluntária entre ele e o comitente, ou patrão, pois a admissão de um empregado dependerá, em regra, da vontade do empregador, que tem liberdade de escolha. O empregado ou preposto são pessoas que trabalham sob a direção do patrão, não se exigindo que entre eles haja um contrato de trabalho. Bastará que entre eles exista um vínculo hierárquico de subordinação. É pacífico o entendimento de que o empregador e quem lhe faça as vezes responde pelos danos causados, ainda que o seu empregado ou preposto extrapole suas funções ou atue abusivamente. Não cabe ao terceiro prejudicado discernir se o empregado ou preposto estava ou não nos limites das suas atribuições, presumindo-se que a empresa tenha sido cuidadosa em selecionar trabalhadores idôneos, oferecendo o devido treinamento para que pudessem exercer diligentemente suas funções. Vejam a respeito a lição do desembargador e doutrinador Sérgio Cavalieri: O nosso Direito não exige rigorosa relação funcional entre o dano e a atividade do empregado. Diferentemente de outros países, basta que o dano tenha sido causado em razão do trabalho - importando, isso, dizer que o empregador responde pelo ato do empregado ainda que não guarde com suas atribuições mais do que simples relação incidental, local ou cronológica. Na realidade, a fórmula do nosso Código Civil é muito ampla e bastante severa para o patrão. Bastará que a função tenha oferecido ao preposto a oportunidade para a prática do ato ilícito; que a função tenha lhe proporcionado a ocasião para a prática do ato danoso. E isso ocorrerá quando, na ausência da função, não teria havido a oportunidade para que o dano acontecesse. Com efeito, a ocorrência do dano moral implica seja aferida a violação de algum dos valores morais da pessoa humana, como a honra, a imagem, o nome, a intimidade e a privacidade, que englobam os chamados direitos da personalidade. Constatada a ofensa, o dano se presume, pois é ínsito à própria natureza humana (dano in re ipsa). Ademais, o agravo ocorre no plano imaterial, sendo essa a característica fundamental que difere o dano moral do dano material, e, exatamente por ser intangível, não se exige a prova da dor, do constrangimento, da aflição, uma vez que o ato ilícito em si faz gerar, inexoravelmente, a ofensa de ordem moral no indivíduo. Logo, é devido o pagamento de indenização por dano moral pelo assédio moral praticado em desfavor da autora. Com fundamento em decisão proferida pelo Eg. TRT3, na ArgInc: nº 0011521-69.2019.5.03.0000, datada de 09/07/2020, levando-se em conta as circunstâncias do caso concreto, o potencial ofensivo e danoso dos fatos expostos, a gravidade da lesão à dignidade da pessoa humana, o potencial econômico das reclamadas e o caráter punitivo-pedagógico da indenização, arbitro em R$10.000,00 (dez mil reais) o valor a ser reparado à reclamante a título de dano moral, patamar que entendo estar em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A condenação cabe apenas à segunda reclamada e não à primeira ré, não havendo falar-se em solidariedade. Sobre os valores destinados à compensação por danos morais, incide correção monetária a partir da presente data (Súmula 439 do TST), mantidos os demais parâmetros de atualização definidos em tópico específico desta sentença. Julgo procedente, nesses termos, a pretensão reparatória. Não por menos, Aretha Franklin acompanhou a redação dessa sentença. Um pouco de respeito faz a diferença. Respect !!!! (https://youtu.be/A134hShx_gw?si=sNvEv8MgClBqXIlT). DA JUSTIÇA GRATUITA Nos termos do art. 790, §3º, da CLT, defiro à parte autora os benefícios da justiça gratuita, ainda que eventualmente a reclamante receba proventos superiores a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Registre-se ser o bastante a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, munido de procuração com poderes específicos para esse fim, conforme preceitua o art. 99, caput e §3º, do CPC c/c o art. 1º da Lei 7.115/83, ambos aplicados a todos os litigantes que buscam tutela jurisdicional do Estado (arts. 769 da CLT e 15 do CPC/2015 e Súmula 463 do C. TST), cuja aplicação, portanto, não pode ser afastada também dos litigantes da Justiça do Trabalho, em sua maioria trabalhadores, sob pena de inconstitucional restrição ao acesso à justiça (art. 5º, LXXIV, da CF). Nesse mesmo sentido o entendimento firmado por este Tribunal de que são inconstitucionais os dispositivos contidos na Lei 13.467/17, no que tange às regras para concessão da gratuidade de justiça nesta Especializada, através da Súmula 72, publicada em 20/09/2018. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS Ante os termos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 20/10/2021, nos autos da ADI 5766, declarando inconstitucionais os artigos 790-B, caput e §4º, e 791-A, §4º, da CLT, com as alterações introduzidas pela Lei 13.467/2017, tenho por indevidos honorários sucumbenciais pela parte autora, beneficiária da Justiça Gratuita, uma vez comprovados os requisitos dispostos no artigo 790, §§3º e 4º, da CLT (declaração de hipossuficiência e salário inferior a 40% do teto dos benefícios previdenciários). Diante do resultado da presente demanda, condeno as rés ao pagamento de honorários sucumbenciais, em favor do advogado da parte autora, na razão de 5% (cinco por cento), sobre o valor que resultar da condenação, após liquidação (art. 791-A e parágrafos da CLT e OJ 348 da SDI-I/TST). Registro, desde já, que a fixação do percentual observa os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e grau de complexidade da demanda. Noutro giro, a interpretação dada pelo Juízo acerca do alcance da decisão proferida na ADI 5766 encontra respaldo em farta Jurisprudência do Eg. TRT3, não cabendo insurgência por meio de Embargos Declaratórios, na tentativa de modificar o entendimento do julgador, sob pena de fixação de multa por ato procrastinatório. A condenação em montante inferior ao postulado na petição inicial não implica sucumbência recíproca. Aplicação analógica da Súmula 326 do STJ. DA COMPENSAÇÃO/DEDUÇÃO Não há falar em compensação, porquanto não comprovado pela parte ré que a autora assumiu dívidas de natureza trabalhista (Súmula 18 do C. TST). Da mesma forma, não havendo comprovação de pagamento de parcelas a idêntico título das ora deferidas, não há falar em dedução, até mesmo porque os contracheques anexados a este feito pelas reclamadas, além de não terem sido traduzidos do inglês para o português, o que já se encontra irregular, apontam o pagamento sob as rubricas "Previous Balance", "Total Wage Earned" e "Comissions Bar/Restaurant", as quais não guardam qualquer relação com as verbas deferidas à reclamante. DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA – ADC 58/STF – LEI 14.905/2024 A ausência de pedido expresso não afasta a devida atualização do débito, na forma da Súmula 211 do TST. O valor principal será atualizado monetariamente até a data do efetivo pagamento ao credor (Súmula 15/TRT 3ª Região) com índice do 1º dia útil do mês seguinte ao da prestação do trabalho para as parcelas em geral e do 1º dia útil mês seguinte ao da rescisão contratual, caso se cuide de atualização de verbas rescisórias (Súmula 381/TST), inclusive para o FGTS, se for o caso, conforme OJ 302 da SDI-1/TST. Na fase pré-judicial, até o dia imediatamente anterior à data de ajuizamento da ação, o índice de atualização monetária será o IPCA-E, juntamente com os juros legais correspondentes à TRD (art. 39, caput, Lei 8.177/91), conforme fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 58. Na fase judicial, ou seja, a partir da data do ajuizamento da ação, até 29/08/2024, a atualização monetária e os juros moratórios incidirão pela aplicação da taxa SELIC/Receita Federal, sem juros compostos, também conforme a ADC 58. Como a tese fixada pelo STF na ADC 58 previu que a aplicação dos parâmetros nela definidos ocorreria somente até o advento de solução legislativa, com a edição da nova Lei 14.905/2024, cuja vigência iniciou-se em 30/08/2024 (art. 5º, II, Lei 14.905/2024 c/c art. 8º, I, LC 95/1998), o índice de atualização monetária a ser aplicado passa a ser o IPCA (art. 389, parágrafo único, Código Civil) e a taxa de juros é a taxa SELIC, deduzido o IPCA do período, observada a taxa zero na hipótese de o resultado de essa dedução ser negativa (art. 406, §1º, Código Civil), conforme transcrevo, in verbis: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado. Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo”. “Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. (Redação dada pela Lei nº 14.905, de 2024) §1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código. (Incluído pela Lei nº 14.905, de 2024)”. A liquidação abrangerá as contribuições previdenciárias e fiscais, que serão atualizadas de acordo com a legislação específica (art. 879, §4º, CLT). A exceção aos critérios ora fixados ocorrerá caso se cuide de atualização monetária das indenizações de dano extrapatrimonial, hipótese em que, ao valor arbitrado para reparação do dano, será acrescida a taxa SELIC (Receita Federal) acumulada a partir da data da decisão judicial do arbitramento ou alteração, sem qualquer outra modalidade de juros ou correção. DOS RECOLHIMENTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS As reclamadas deverão proceder ao recolhimento do Imposto de Renda, se existente, na forma determinada pelo art. 46 da Lei 8.541/1992, observado o disposto no art. 404 do CC/02 e na OJ 400 da SDI-1 do TST, bem como no art. 12-A da Lei 7.713/1988, com redação dada pela Lei 12.350/2010 (Súmula 368, II, do TST). Deverão proceder, ainda, ao recolhimento das contribuições previdenciárias, autorizada a dedução da cota devida pela parte autora, mediante comprovação nos autos, sob pena de execução direta, pela quantia equivalente, conforme art. 114, VIII, da CR/88, observando-se o limite do salário de contribuição e o regime de competência, conforme art. 43 da Lei 8.212/1991, com a redação alterada pela Medida Provisória 449/2008, posteriormente convertida na Lei 11.941/2009, destacando-se que os juros e as multas previstas na lei previdenciária serão de responsabilidade exclusiva do empregador. Nos termos da Súmula 454 do TST, deverá ser executada, de ofício, a contribuição referente ao Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), a se apurar, conforme o caso. Por outro lado, a Justiça do Trabalho é incompetente para executar as contribuições de terceiro - ligadas ao Sistema "S" - (art. 2º da Lei 11.457/07 e Súmula 24 do TRT da 3ª Região). Os benefícios instituídos pela Lei 12.546/2011 e suas alterações (programa do governo federal de desoneração da folha de pagamento), consistentes na substituição da base de incidência da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamento pela incidência sobre a receita bruta, não podem ser aplicados quando a empresa executada não comprova seu enquadramento nas hipóteses de incidência da lei. Aliás, observe-se a jurisprudência do TRT3: CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DESONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO. O benefício da desoneração da folha de pagamento (Lei nº 12.546/2011) aplica-se somente aos contratos de trabalho em curso (contribuições previdenciárias decorrentes do pagamento mês a mês das verbas trabalhistas), ou seja, a contribuição previdenciária sobre a receita bruta não se estende às condenações judiciais (Súmula nº 368 do C. TST). (TRT 3ª Reg.; AP 0000630-15.2014.5.03.0048; Relª Desª Maria Stela Alvares da Silva Campos; DJEMG 01/08/2018) Conforme entendimento consolidado na Súmula 368, IV e V, do TST e nos termos da Súmula 45 do TRT3, in verbis: "O fato gerador da contribuição previdenciária relativamente ao período trabalhado até 04/03/2009 é o pagamento do crédito trabalhista (regime de caixa), pois, quanto ao período posterior a essa data, o fato gerador é a prestação dos serviços (regime de competência), em razão da alteração promovida pela Medida Provisória n. 449/2008, convertida na Lei n. 11.941/2009, incidindo juros conforme cada período". III- DISPOSITIVO Isso posto, decido: rejeitando o pleito de denunciação à lide e, no mérito propriamente dito, julgar IMPROCEDENTE a ação em face de IMPROL SERVIÇOS INTEGRADOS LTDA e PROCEDENTES, EM PARTE, os pedidos formulados por SAMARA HELENA SANTOS SILVA DE JESUS em face de MUNICIPIO DE JUIZ DE FORA, para condenar a segunda reclamada nos limites dos pedidos e respeitados rigorosamente os parâmetros fixados na fundamentação, que integram este dispositivo para todos os fins, ao pagamento de: - indenização por assédio moral, no importe de R$10.000,00 (dez mil reais); Defiro à parte autora os benefícios da justiça gratuita. Honorários advocatícios sucumbenciais, na forma dos fundamentos. Deverão ser observadas todas as diretrizes contidas nos fundamentos, sobretudo no tocante à correção monetária, juros de mora e recolhimentos previdenciários e fiscais. Tem caráter indenizatório. Indenização por dano moral. Custas, pelo segundo reclamado, no importe de R$200,00, calculadas sobre R$ 10.000,00, valor provisoriamente arbitrado à execução, não havendo que se falar em custas pro rata. Isenta a reclamante. Dispensado o segundo réu (artigo 790-A, I da CLT e artigo 899, paragrafo 10, da CLT). O posicionamento do Col. Superior Tribunal de Justiça acerca do art. 489 do CPC/15 é no sentido de que o julgador não está obrigado a enfrentar todos os argumentos expendidos pelas partes, cabendo-lhe indicar, na decisão, somente os motivos que lhe formaram o convencimento (STJ. Edcl MS 21.315/DF), o que foi devidamente observado. Nessa mesma linha de raciocínio, é desnecessária a transcrição de documentos ou menção a toda a prova documental no corpo da sentença, se elas não são hábeis a alterar o entendimento adotado. Atentem as partes para a previsão contida nos artigos 80, 81 e 1026, §2º e 3º, do CPC, não cabendo embargos de declaração para rever fatos, provas e a própria decisão ou, simplesmente, contestar o que foi decidido, não havendo falar-se em julgado extra e nem ultra petita, observados os limites do parágrafo terceiro do artigo 489 do CPC. No sistema PJE compete aos próprios advogados a habilitação e o autocadastramento no sistema, nos termos do §10 do art. 5º da Resolução 185/2017 do CSJT, não podendo, posteriormente, invocar nulidade processual (Súmula 427 do C. TST) a que deu causa (art. 796, "b", da CLT). Cientes as partes. Nada mais. Encerrou-se. 1“a violência e o assédio podem ser uma ocorrência única ou repetida, e a natureza e o efeito de tal conduta são critérios essenciais para estabelecer se se qualifica como violência e assédio” (tradução livre do magistrado). JUIZ DE FORA/MG, 07 de julho de 2025. TARCISIO CORREA DE BRITO Juiz Titular de Vara do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
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