Ashiley Luanne Dutra x Ebazar.Com.Br. Ltda
ID: 276212648
Tribunal: TRT3
Órgão: 2ª Vara do Trabalho de Betim
Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIO
Nº Processo: 0010235-62.2025.5.03.0027
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EDUARDO CHALFIN
OAB/MG XXXXXX
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GEAN SATURNINO DOS SANTOS
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 2ª VARA DO TRABALHO DE BETIM 0010235-62.2025.5.03.0027 : ASHILEY LUANNE DUTRA : EBAZAR.COM.BR. LTDA INTIMAÇÃO …
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 2ª VARA DO TRABALHO DE BETIM 0010235-62.2025.5.03.0027 : ASHILEY LUANNE DUTRA : EBAZAR.COM.BR. LTDA INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID a6dcf4a proferida nos autos. S E N T E N Ç A PROCESSO N. 0010235-62.2025.5.03.0027 A 2ª Vara do Trabalho de Betim/MG, através do MM. Juiz do Trabalho, ORDENISIO CÉSAR SANTOS, proferiu julgamento na reclamação trabalhista proposta por ASHILEY LUANNE DUTRA em face de EBAZAR.COM.BR. LTDA. 1. RELATÓRIO ASHILEY LUANNE DUTRA propõe reclamação trabalhista em face de EBAZAR.COM.BR. LTDA. alegando, em síntese, que foi contratada em 22/01/2024 na função de representante de envios para laborar no Centro de Distribuição Mercado Livre, salário de R$1.691,00, estando o contrato de trabalho ativo; sofreu assédio sexual dentro da empresa por um superior hierárquico e não obteve qualquer amparo pela empresa. Diante dos fatos alegados na inicial (ID. 9e6883a), formula pedidos rescisão indireta do contrato e pagamento de verbas correlatas, e indenização por dano moral em valor não inferior a R$100.000,00. Junta documentos. A reclamada apresenta defesa escrita (ID. 734c285), acompanhada de documentos, com vistas à reclamante, que os impugnou (ID. cb255bd). Na audiência de ID. 1e68774, com a concordância da reclamante, foi deferido requerimento da reclamada de que seja mantido em sigilo os documentos de ids e8671e5 e 99bd90, com base no art.189/CPC. Na audiência de instrução (ID. b01894b), foram colhidos os depoimentos da reclamante e do preposto da reclamada; registrou-se na ata a afirmação da reclamante de que não tem testemunha; foi ouvida uma testemunha arrolada pela reclamada; sob protestos da reclamante, foi indeferido o requerimento de intimação da reclamada para juntada de câmeras de vídeo; sob protestos da reclamada, foi indeferido o requerimento de oitiva da testemunha Ana Carolyne Oliveira Soares. Em seguida, as partes declararam não terem outras provas a produzir, requereram o encerramento da instrução processual, o que foi deferido. Por fim, foi concedido às partes o prazo comum e preclusivo até o dia 08/05/25, para razões finais escritas. Propostas de conciliação recusadas. Razões finais pela reclamada (ID. b4c35a5) Conciliação final recusada. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DIREITO INTERTEMPORAL Aos 27/02/2025 foi publicado o acórdão de mérito no recurso repetitivo - Tema 23 (TST- IRR-528-80.2018.5.14.0004) - , fixada, então, a seguinte tese, firmada aos 25/11/2024: "A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência". Trata-se de decisão vinculante, nos termos do art. 896-C da CLT e arts. 976 a 987 do CPC c/c art. 769 da CLT. 2.2 JUÍZO 100% DIGITAL A reclamante pleiteou o processamento do feito de forma 100% digital. A despeito de se manifestar contrária, a reclamada não se opôs à realização de atos processuais virtuais, pelo contrário, apresentou defesa e documentos pela via eletrônica, bem como compareceu à audiência telepresencial designada, a qual transcorreu sob o formato virtual. Impende ressaltar que, tendo em vista as expressas previsões do CPC autorizando a prática de atos processuais, inclusive audiências, por meio eletrônico (arts. 193 a 199; 236, §3º; 334, §7º; 385, §3º.; e 453, §1º), falta amparo legal e justo motivo para exigir-se a presença das partes, seus procuradores e suas testemunhas ao Prédio desta Segunda Vara do Trabalho, em Betim/MG. Portanto, determino a manutenção do “Juízo 100% Digital” para o presente feito. 2.3 DELIMITAÇÃO DOS LIMITES DA LIDE Os limites da lide são as razões de fato e de direito constantes da petição inicial e da defesa, vedadas inovações (arts. 141 e 492 do CPC c/c art. 769 da CLT, em relação à inicial; e art. 341 do CPC c/c art. 769 da CLT, em relação à defesa). Os valores atribuídos aos pedidos iniciais, contudo, são meramente indicativos (Tese Jurídica prevalecente n. 16 do TRT/MG). 2.4 INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Requer a reclamante, em sua peça de ingresso, a inversão do ônus da prova, “diante no nítido desequilíbrio na obtenção das provas necessárias”, argumentando que “a reclamada se negou a apresentar a reclamante as filmagens das câmeras do dia do assédio sexual. Logo, deve ser a ré intimada a juntar aos autos as gravações das filmagens das câmeras de segurança do posto de trabalho da reclamante dos dias 14/09/2024 das 12h00min às 16h00min e do dia 17/09/2024 das 09h00min às 11h00min.” Todavia, em que pese a alegação tecida, não se vislumbra a necessidade da inversão, de forma que as matérias trazidas a lume serão analisadas com base na prova pré-constituída juntada aos autos e na prova oral constituída em audiência, segundo o direito aplicável à espécie, em sintonia com os princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa. 2.5 EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS A penalidade prevista no art. 400 do CPC somente tem incidência se descumprida ordem judicial de exibição de documentos, e não por requerimento das partes. As consequências da eventual necessidade de exibição de documento considerado essencial ao deslinde da questão será matéria apreciada no mérito de cada pedido, atento ao dever de pré-constituição da prova documental que cabe ao empregador, por força dos princípios da proteção do hipossuficiente econômico e da aptidão para a prova, consoante entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência trabalhista. 2.6 PROTESTOS Na audiência de ID. b01894b, o reclamante registrou protestos contra a decisão que indeferiu o requerimento de intimação da reclamada para juntada de câmeras de vídeo. Por sua vez, a reclamada registrou protestos contra a decisão que indeferiu requerimento de oitiva da 2ª testemunha, Ana Carolyne Oliveira Soares. Contudo, referidos protestos não têm razão de ser, tendo em vista a liberdade do juiz na direção do processo e o fato de que as provas documental e oral coligidas nos presentes autos são suficientes ao deslinde da questão, valendo realçar que, ao final da audiência de instrução, as partes declararam não terem outras provas a produzir, requereram o encerramento da instrução processual, o que foi deferido naquele ato. 2.7 IMPUGNAÇÃO AOS DOCUMENTOS Por genéricas, não prosperam as impugnações de documentos apresentadas pela reclamada em defesa, pois não apontam qualquer falsidade documental, apenas discorrem genericamente sobre os termos destes. 2.8 ASSÉDIO SEXUAL E MORAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RESCISÃO INDIRETA E VERBAS CORRELATAS. ANOTAÇÃO DA CTPS. ENTREGA DE GUIAS RESCISÓRIAS. MULTA DO ART. 477 DA CLT. LIMBO PREVIDENCIÁRIO Segundo a petição inicial: "(…) Em um dia normal de trabalho, a reclamante retornou do almoço ao posto de trabalho, quando começou a tocar uma música emitida pelas caixas de som que ficam instaladas nas dependências da reclamada. Frisa-se que as caixas de som são da própria reclamada que controla as músicas que tocam no pátio. Nesse cenário, a reclamante começou a dançar forro sozinha, momento em que o superior Marcilio Rocha se aproximou, aplaudiu a dança e disse a seguinte frase: – “ Você gosta de dançar? Então vamos dançar” A reclamante prontamente respondeu: – “Não!”. O sr. Marcilio então a abraçou e tentou puxa-la para dançar, deixando a autora sem reação, parada, até que ele a soltasse. A autora ficou revoltada com toda a situação e decidiu relatar o ocorrido a líder do setor que apesar da gravidade dos fatos, não tomou qualquer atitude. No da seguinte o supervisor a viu de longe e gritou 'Bom dia querida', a reclamante não respondeu, momento em que ele chegou perto e a abraçou por trás, apertando em suas nádegas e dizendo 'Vamos dançar um forro?'. A líder estava perto, viu todo o ocorrido, começou a rir e disse a reclamante 'É melhor você ficar longe dele.' A obreira começou a chorar, ficou em estado de pânico, não conseguia digerir o que estava acontecendo, ao passo que a insegurança e medo de perder o serviço a assombravam. No dia seguinte não conseguiu ir trabalhar, teve crise de ansiedade, não conseguia sair do seu quarto, até que resolveu contar aos seus familiares que a encaminharam para a Delegacia da Mulher em Betim para fazer boletim de ocorrência e seguir para o médico psiquiatra. No tocante a este assunto, averigua-se que tal fato provoca a Rescisão Indireta, devido as previsões constantes na alínea “e” da CLT, ante o assédio sexual sofrido em frente a uma colega de trabalho, claramente injustificado praticado pelo superior hierárquico. (…) Após ser atendida, o médico constatou que a obreira estava com estresse pós-traumático, apresentando constantes crises de ansiedade. Assim, a reclamante foi afastada por 30 dias para poder se recuperar. A autora foi encaminhada ao INSS e fez a perícia previdenciária em 17/12/2024 e até a presente data não foi concluída. Ocorre que nesse enleio a autora ficou sem receber os salários de dezembro, janeiro e fevereiro, encontrando-se incapacitada para trabalhar e passando por dificuldades financeiras. Trata-se, portanto, de uma conduta ilegal cometida pela ré, visto que o contrato de trabalho da reclamante não estava suspenso, não poderia a empregadora deixar de quitar os salários da obreira. A reclamada abandonou a trabalhadora a própria sorte, uma vez que esta passa a não poder contar nem com o auxílio doença e tampouco com seu salário, vendo-se impedida, portanto, de prover a sua subsistência. (…) O assédio sexual sofrido deixou a reclamante completamente desajeitada, sem saber o que fazer e impedida de tomar maiores providências para não ser mandada embora. Além disso, sofreu grande abalo psicológico, tendo sofrido transtorno de ansiedade generalizada atestada por médico psiquiatra que a afastou das funções por 30 dias. Cioso destacar que a líder de setor teve ciência do acontecido e nada fez para que os abusos sexuais cessassem. Não se pode olvidar que compete ao empregador dirigir a prestação pessoal de serviços (art. 2º, caput, da CLT) devendo fiscalizar, evitar, prevenir, combater práticas de assédio sexual no ambiente de trabalho, por meio de orientações, conscientização, repressão e correções de condutas contrárias ao direito de proteção da saúde mental e psíquica, da honra, da imagem, da dignidade no trabalho, da intimidade, da liberdade e da autodeterminação sexual. Assim, tendo em vista que a reclamada não demonstrou a tomada de medidas efetivas de prevenção e de combate à prática de assédio resta configurada a sua culpa.” (sic) Assim, segundo a reclamante, “a rescisão indireta deverá ser reconhecida e deferida pelo Juízo, com baixa e anotação em CTPS, entrega de guias, e pagamento do acerto rescisório – tudo conforme requerimentos finais.” Outrossim, a reclamante postula a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais não inferior a R$100.000,00, pelo assédio sexual sofrido dentro das dependências da reclamada; bem assim a condenação da ré ao pagamento da multa prevista no §8° do art. 477 da CLT. No contraponto, a reclamada informa, inicialmente, que a reclamante foi contratada aos 22/01/2024, no cargo de Representante de Envios 1; que o contrato de trabalho encontra-se ativo; última remuneração: R$ 1.801,00. Alega que “nunca houve nenhuma ilicitude na conduta do reclamado, na pessoa de seus prepostos, capaz a ensejar reparação por dano moral.” Afirma serem “falaciosas e inverídicas todas as arguições da Reclamante, que na desesperada tentativa de conseguir uma reparação de danos, em evidente intuito de beneficiar-se indevidamente por intermédio da presente demanda¨. Assegura que “nenhum colega de trabalho da autora, tampouco o Sr. Marcilio, se dirigiu a ela da forma desrespeitosa narrada na inicial, sendo sempre tratada com respeito, cordialidade, profissionalismo e urbanidade, restando veementemente impugnada esta inverídica alegação.” Aduz que ¨criou um departamento de compliance que, em breve resumo, tem a missão de adequar toda a sua operação a rigorosos critérios nas mais diferentes frentes como, por exemplo, transparência e honestidade em relações com prestadores de serviços, órgãos públicos e fornecedores, cumprimento de normas ambientais e de sustentabilidade e, no que interessa à presente demanda, estrita obediência a normas de convivência e respeito entre empregados, estejam eles em relação de subordinação uns com os outros ou não.¨ Frisa que, “em razão de denúncia realizada pela reclamante e a fim de entender melhor o comportamento do sr. Marcílio, a reclamada passou a investigar a conduta do suposto assediador, realizando entrevistas com empregadas que foram mencionadas pela própria autora como ‘testemunhas’ e que, supostamente, comprovariam as condutas de assédio sexual perpetradas contra ela.” Relata que “foram entrevistadas algumas colaboradoras, mencionadas como testemunhas pela reclamante, as quais concordaram com o termo de ciência sobre o dever de confidencialidade, proibição de represália e aceitação da gravação das entrevistas”, citando trechos das aludidas entrevistas. Informa que, “após análises pormenorizadas dos fatos e dos depoimentos das testemunhas, a investigação interna foi encerrada, em razão da ausência de provas de que Marcilio Fabiano Rocha manteve condutas compatíveis com assédio sexual.” Reitera que ¨a Reclamante pretende transformar em indenização por danos morais meros incômodos e aborrecimentos não extraordinários causados por relações comerciais do dia a dia, o que não poderá ser amparado por esta Justiça Especializada.¨ Entende que “a conduta da Reclamada não se enquadra nos requisitos para a configuração do alegado assédio sexual, não havendo assim qualquer direito à reparação que necessariamente se consubstancia na existência do dano alegado, da ocorrência da conduta ilícita por parte da mesma, de sua culpa e do nexo de causalidade entre o suposto dano e a conduta alegada, o que sequer foi demonstrado.” Reitera que “jamais agiu de modo a causar danos aos seus funcionários, ou manteve qualquer conduta fora dos padrões da ética e da integridade, que ensejasse obrigação de indenizá-la a título de dano moral.” Afirmando que, de todos os fatos narrados e impugnados, não se verifica nenhuma conduta ofensiva ou desrespeitosa perpetrada contra a reclamante, sustenta que “improcede a pretensão de decretação da rescisão indireta por culpa da reclamada, com o consequente pagamento de aviso prévio legal e convencional, além de sua projeção em férias e 13º salário proporcional, férias vencidas e proporcionais acrescidas do terço, FGTS e multa de 40% sobre os depósitos fundiários.” Entende que “deverão ser julgados improcedentes os pedidos de liberação das guias para habilitação ao seguro desemprego e saque do FGTS, ante a improcedência do pedido de reconhecimento da rescisão indireta.” Afirma ainda que, “não há que se falar no pagamento de parcelas vencidas e vincendas, pois a reclamante está trabalhando atualmente, sendo que tal condenação implicaria em seu enriquecimento ilícito.” Impugna também os pedidos de pagamento das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT. Pugna, outrossim, pela improcedência dos pedidos, requerendo que seja “considerado rescindido o contrato de trabalho por iniciativa da reclamante, até mesmo com base nas assertivas lançadas em defesa e documentos ora acostados.” Quanto ao limbo previdenciário, alega que “a Reclamante traz uma narrativa ilógica e confusa. Isto porque, conforme é conhecido, o limbo previdenciário configura-se quando o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o empregador discordam sobre a alta médica do empregado.” Pontua que “o benefício da reclamante foi concedido até o dia 24/02/2025, razão pela qual seu retorno ao trabalho deveria ter ocorrido imediatamente após a alta do INSS, conforme se infere do documento de fl. 36.” Relata que, “ciente da alta previdenciária da reclamante, a reclamada entrou em contato para convocar-lhe a realizar o exame médico de retorno ao trabalho, cuja negativa da reclamante segue abaixo colacionada: (…) Assim, considerando-se que a reclamante não retornou ao trabalho, embora convocada pela reclamada, não pode ser a empresa responsabilizada pelo “limbo previdenciário”, pois não deu causa a ele.” Acentua que “o limbo somente se configura após a cessação do benefício e a recusa do empregador e reintegrá-la às atividades, o que não ocorreu in casu.” Realça que “somente ocorreria o limbo se a Reclamante tivesse alta da autarquia previdenciária e a empresa o considerasse inapto, situação essa não ocorrida.” Entende que “não cabe à Reclamada ser responsabilidade pelo período compreendido entre o requerimento e a decisão de indeferimento do benefício requerido”. Por fim, sustenta que “não há que se falar em reconhecimento de limbo previdenciário e nem pagamento dos salários dos meses de dezembro de 2024 a fevereiro de 2025”, pugnando pela improcedência do pedido. Com a petição inicial e a defesa vieram documentos. Na réplica (ID. cb255bd), a reclamante afirma que ¨o primeiro ponto que merece destaque é a falta de respeito com que a defesa se refere a uma mulher vítima de importunação/assédio sexual… Não se trata de um mero incomodo ou aborrecimento, mas sim de um crime sexual que foi cometido dentro das dependências da empresa por um superior hierárquico.¨. Realça que “a reclamada sequer juntou aos autos as gravações das câmeras de segurança do momento do ocorrido, que foram solicitadas desde a inicial.” Destaca que “uma das testemunhas ouvidas no processo de compliance, alegou que o sr Marcilio abraçou a reclamante, todavia no ver dela foi consensual, havendo, assim, discordância somente quanto ao consentimento da reclamante.” Reitera, enfim, os termos da inicial. Colhida a prova oral (ID. b01894b), no seu depoimento, a reclamante afirmou que: “o último dia trabalhado pela depoente foi 27/11/24, e parou de trabalhar, porque sofreu assédio sexual dentro da empresa, praticado pelo líder Marcílio Rocha aos 14/09/24, por volta de 13h00, quando a depoente tinha acabado de voltar do almoço e estava conversando com a Michele que era o braço direito do Marcílio, estava tocando musica na empresa, a depoente estava dançando, no próprio local de trabalho, e o Marcílio chegou do nada, sem que a depoente o visse e indagou a depoente se a depoente ia fazer "putway" / setor de armazenamento da reclamada, depoente disse que sim e estava vendo qual o carrinho ia ser pego, o Marcílio disse então, esta bom, e indagou a depoente se a depoente gostava de danças e falou vamos dançar então, a depoente disse que não queria dançar, e sem a vontade da depoente , o Marcílio a puxou para dançar, segurou e balançou a depoente para dançar, a Michele indagou ao Marcílio se ele sabia dançar forró, ele então largou a depoente e saiu do local sem falar nada; após cerca de uma semana, numa terça-feira a depoente estava no local de trabalho junto com a Andressa, Marcílio chegou deu bom dia para a Andressa e para a depoente, ele veio na nossa direção abraçou a depoente por trás e de novo indagou a depoente se ela queria dançar, a depoente se negou a dançar, ele insistiu e dizendo que a depoente só dançava se a líder Andressa não estivesse lá; quando a depoente contou isso para a líder Andressa, essa disse que era o jeito do Marcilio mesmo, a depoente disse a ela que não achou normal e que não gostou da atitude do Marcílio, e que achava que aquilo era assédio e a Andressa disse para a depoente denunciar no RH, e a depoente denunciou no RH, e a Andressa disse ainda para a depoente ser profissional com o Marcílio, assim como ela era, já que o Marcílio tinha dito que a reclamante não o era¨. O preposto da reclamada afirmou que: ¨Marcílio Rocha é líder da reclamada, desde quando começou na reclamada entre 2023/2024 e continua líder na reclamada, e tem 45 subordinados entre homens e mulheres; nunca chegou nenhuma denuncia de desrespeito do Sr.. Marcílio para qualquer funcionário; a reclamante acionou o canal de denuncia informando assédio praticado pelo líder Marcílio Rocha, a reclamada apurou a denuncia, e constatou a improcedência da denuncia, a apuração foi documentada¨ . Na ata de audiência foi registrada a afirmação da reclamante de que não tem testemunha. Por sua vez, a testemunha indicada pela reclamada, Andressa Carla Souza de Resende, declarou que: “depoente trabalha na reclamada desde out/23, na função team líder, é foi líder da reclamante, com quem trabalhou diretamente ; a reclamante procurou a depoente uma vez, não sabendo precisar a data, para relatar um assédio sexual, que sido praticado pelo líder Marcílio, disse que ficou incomodada com uma brincadeira que Marcílio tinha feito com ela, a gente tem umas alexias/caixas que ficam tocando musicas na empresa e segundo a reclamante, o Marcilio tentou puxá-la para dançar e ela se desvencilhou ; a depoente disse a reclamante para que, se ela se sentiu incomodada, se mantivesse a distância do Marcílio e também procurasse a supervisora Carolina Drumond para relatar o ocorrido; a reclamante não relatou nada mais a depoente; a depoente acredita que a reclamante também procurou a Carolina, mas não sabe informar o que a Carolina fez; a reclamada apurou a denuncia, não sabendo precisar a respeito, porque o procedimento foi sigiloso, apesar da depoente ter sido uma das que depôs no procedimento; nunca presenciou conduta ofensiva do Marcilio para com a reclamante ou com qualquer outro funcionário da empresa; Marcílio não era líder direto da reclamante na ocasião, a depoente e reclamante eram do setor de entrada, o mesmo ocorrendo com Marcílio, mas o subsetor do Marcílio era o checkim e da depoente e reclamante era o da entrada”. Respondendo a perguntas do procurador da reclamda, declarou que: “depoente foi uma das pessoas que integrou ao comitê de complace para apuração da denuncia; a reclamante usou o canal de denuncia e levou o fato ao conhecimento da ouvidoria e toda denuncia desse tipo na reclamada é investigada; Marcílio foi líder da reclamante por um tempo, o Marcílio cobra bastante resultado e o procedimento dele com a reclamante é o mesmo em relação aos demais funcionários; o Marcilio tem o hábito de cumprimentar os liderados com abraço e na reclamada os lideres , inclusive a depoente, têm esse hábito de abraçar os liderados, e não tem conhecimento que esse hábito tenha causado algum desconforto ou provocado alguma denuncia por parte dos liderados”. Em razões finais (ID. b4c35a5), a reclamada destaca trechos do depoimento da sua testemunha e reitera os termos da defesa. Aprecio. É dever do empregador garantir ambiente hígido e saudável de trabalho aos seus empregados e possibilitar-lhes a satisfação de suas necessidades básicas, conforme arts. 7º, XXII, da CF, e 157 da CLT, e Normas Regulamentadoras previstas na Portaria 3.214/1978 do antigo Ministério do Trabalho. O desrespeito no ambiente de trabalho pode ensejar violação a direito da personalidade e dano moral indenizável. Com efeito, o patrimônio jurídico da pessoa humana é composto de valores personalíssimos e extrapatrimoniais que transcendem o aspecto econômico, quais sejam: o moral, emocional, ético, social, intelectual, dentre outros. De tais valores decorrem emanações personalíssimas inerentes ao ser humano, com repercussão direta na sua honra, dignidade, liberdade individual, vida privada, recato, autoimagem, enfim, patrimônio imaterial que resguarda a personalidade humana no mais lato sentido. A indenização por dano moral, no âmbito do contrato de trabalho, pressupõe um ato ilícito, consubstanciado em erro de conduta ou abuso de direito, um prejuízo suportado pelo ofendido, com a subversão dos seus valores subjetivos da honra, dignidade, intimidade ou imagem, um nexo de causalidade entre a conduta injurídica do primeiro e o dano experimentado pelo último que é in re ipsa, ou seja, dispensa prova de violação à esfera íntima do ofendido. Noutro giro, estabelece o art. 216-A do Código Penal: ¨Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função."(Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001) Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001) Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001) § 2 o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)¨. Aludido dispositivo legal tipifica, assim, o crime de assédio sexual, entretanto, não é necessário que o fato seja típico, com a presença de todos os requisitos estabelecidos no Código Penal, para se caracterizar o assédio sexual na seara trabalhista, já que, para fins trabalhistas, o assédio se caracteriza como toda forma de constrangimento no ambiente de trabalho que possui conotação sexual. Segue-se que a Convenção n. 190 e a Recomendação 206 da OIT / Organização Internacional do Trabalho reconhecem o direito de todas as pessoas a um ambiente de trabalho livre de violência e assédio, em harmonia, assim, com a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme art. 1º, III, da CF/88. No âmbito do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Recomendação 128, de 15/02/022, aconselha a Magistratura Brasileira a adotar o "Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero", nos casos que envolvem, entre outros, situações de assédio sexual. Tal protocolo incentiva que os julgamentos não incorram na repetição de estereótipos e na perpetuação de tratamentos diferentes e injustos contra as mulheres. Nesse sentido, peço vênia para trazer à colação o seguinte trecho do acórdão da Sétima Turma do Colendo TST, relatado pelo Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte aos 07/08/2024 e publicado aos 16/08/2024, processo RRAg – 10131-03.2022.5.18.0013: “(…) I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA AUTORA. ASSÉDIO SEXUAL. INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO. 1. Ante a possível afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar que se processe o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA DA AUTORA. ASSÉDIO SEXUAL. INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 2. Apesar de a atual ordem constitucional ter assegurado há mais de trinta e cinco anos a igualdade de direitos e a não discriminação da mulher, ainda é necessário dizer o óbvio em um país culturalmente machista, com raízes no colonialismo e nos padrões eurocêntricos de superioridade em relação ao sexo, gênero, raça e origem. 3. Assim, especialmente em relação às mulheres, a atuação do Poder Judiciário se mostra essencial na efetividade de diversos valores centrais da Constituição Federal de 1988, entre eles, a garantia de um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado e, portanto, livre de assédio e de mazelas, sejam elas físicas ou mentais (arts. 200, VIII e 225 da Constituição Federal e 154 e 157 da CLT). 4. A propósito, destaca-se que a preocupação com o meio ambiente laboral ganhou força no cenário internacional por ocasião da 110ª Conferência Internacional do Trabalho, em que a saúde e a segurança do trabalho foram inseridas como a 5ª categoria de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, o que alçou a Convenção 155 da OIT ao status de convenção fundamental. No mesmo sentido, em âmbito doméstico, iniciou-se o processo de ratificação da Convenção 190 da OIT, relativa à violência e ao assédio no ambiente de trabalho. 5. Ressalta-se, ainda, que o Brasil firmou o compromisso de " alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas " e " promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos ", nos termos da Agenda 2030 da ONU (ODS 5 e 8). 6. Em suma, a preocupação com a eliminação de todas as formas de discriminação e violência contra a mulher, inclusive no meio ambiente de trabalho, é matéria sensível a toda comunidade internacional e engloba todos os ramos da Justiça Brasileira, não podendo passar despercebida nesta Justiça Especializada. 7. Nesse contexto, ganha especial relevância o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Portaria 27/2021 e Resolução 492/2023), elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de orientar magistradas e magistrados a considerar a desigualdade e discriminação pautadas em gênero ao conduzirem processos e proferirem decisões. 8. Esse protocolo busca assegurar, no âmbito do Poder Judiciário, a concretização de valores centrais da Constituição Federal de 1988, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I); a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV); a igualdade (material) entre homens e mulheres (art. 5º, I); a proteção do mercado de trabalho da mulher (art. 7º, XX); o direito ao meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, livre de violência e assédio (arts. 200, VIII e 225); dentre outros. 9. Ademais, o documento do CNJ vai ao encontro da 7ª onda renovatória de acesso à justiça, de Bryant Garth, que busca proteger os grupos sociais vulneráveis ou culturalmente vulnerabilizados, em que se incluem as mulheres, ante a desigualdade de gênero e raça nos sistemas de justiça. (...)¨ No mesmo sentido, trago à colação a seguinte ementa do egrégio Regional: “ASSÉDIO SEXUAL. ÔNUS DA PROVA. RELEVÂNCIA DA PROVA INDICIÁRIA INDIRETA. Assédio sexual, no âmbito do Direito do Trabalho, é todo comportamento de caráter sexual, praticado no trabalho ou em conexão com ele, sob a forma verbal ou não verbal, com ou sem contato físico, que tenha por objetivo levar a vítima a manter com o assediador relação de ordem íntima. Caracteriza-se o assédio pelo constrangimento reiterado com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Não se olvida que o assédio sexual, além de ilícito trabalhista, é tipificado como crime, punível com detenção, nos termos do artigo 216-A do Código Penal. No âmbito trabalhista, é desnecessário que o assediador se valha da posição na hierarquia da empresa, bastando, para tanto, a conduta invasiva e não consentida e/ou resistida pela vítima. Independentemente do subtipo (quer seja por chantagem, intimação e ameaça) ou da posição do agente (vertical ou horizontal), vincula-se o assédio a condutas não desejadas, insistentes e desagradáveis para o receptor, as quais lhe são impostas, apesar de não correspondidas. O assédio sexual objetifica, constrange e perturba a vítima; degrada, hostiliza e deturpa o ambiente de trabalho. O "Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero", editado pelo CNJ em 2021, orienta que a atuação judicial nos casos envolvendo assédio sexual no meio ambiente de trabalho deve considerar uma readequação da distribuição do ônus probatório. Aponta também o protocolo para consideração do depoimento pessoal da vítima e para a relevância de prova indiciária e indireta, tendo em vista que a ocorrência da violência ou do assédio normalmente dá-se de forma clandestina, o que dificulta a produção probatória por parte da vítima”. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010210-17.2024.5.03.0146 (ROT); Disponibilização: 20/09/2024, DJEN; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator(a)/Redator(a) Sandra Maria Generoso Thomaz Leidecker) Pois bem. Em que pese a alegação da defesa de que,“em razão de denúncia realizada pela reclamante e a fim de entender melhor o comportamento do sr. Marcílio, a reclamada passou a investigar a conduta do suposto assediador, realizando entrevistas com empregadas que foram mencionadas pela própria autora como “testemunhas” e que, supostamente, comprovariam as condutas de assédio sexual perpetradas contra ela”; a reclamada juntou aos autos, em vídeo, apenas depoimentos das testemunhas ouvidas, não juntando o depoimento do acusado do assédio, nem por escrito, nem por vídeo. Aliás, no documento de ID. ee8c539, intitulado “DOCUMENTO CONFIDENCIAL INFORME IC 13.332”, consta o depoimento da vítima e das testemunhas, mas não consta qualquer entrevista com o acusado de assédio sexual, Marcilio Fabiano Rocha. Apesar disso, ao contrário do que defende a reclamada, nos próprios vídeos juntados por ela, referentes ao procedimento interno de apuração (IDs. 99bdb90; e8671e5; 88cf20a), ficou claro que o Sr Marcílio tinha o hábito de ficar abraçando as funcionárias do setor. Depreende-se dos relatos de Andreza Carla de Souza, de Angélica Frutuoso da Silva Alves e de Michele Gomes da Silva que o líder Marcílio tinha o hábito de abraçar as colegas lideradas por ele, e que as depoentes, especificamente, não se sentiam mal com tais abraços. Porém, em que pese a tentativa de banalizar as atitudes do Sr. Marcílio, por parte das depoentes na "investigação interna", tal juízo de valor se mostra bastante subjetivo, pois reflete apenas a opinião e avaliação pessoal da entrevistada, não da vítima. Ademais, intimidades com colegas/superiores/liderados não é comportamento adequado ao ambiente de trabalho, pois podem gerar diferentes interpretações, podendo tais comportamentos ser considerados inapropriados e invasivos, como ocorreu com a reclamante. Na entrevista, a Sra. Angélica, inclusive disse que já foi abraçada pelo sr Marcílio por mais de uma vez, mas não viu maldade no comportamento; e que soube, por comentários de colegas no local de trabalho, que o sr Marcílio abraçou uma funcionária, tocando na parte íntima dela abaixo das costas e que referida funcionária não gostou. A Sra. Andreza, por mais de uma vez, disse na entrevista que, a seu ver, tais abraços eram “sem maldade”; da mesma forma, a Sra. Michele entende que os abraços que acontecem no ambiente de trabalho são “sem maldade”; mas, pelo que se depreende dos relatos, além dos abraços e da dança sem consentimento, houve um toque em parte do corpo da reclamante considerado como parte íntima. Além disso, repito, esse juízo de valor emitido pelas entrevistadas na “investigação interna” é extremamente subjetivo e o comportamento do líder, por mais que não desagrade a alguma funcionária, em especial à Sra. Andreza, claramente desagradou à reclamante. Nos próprios trechos dos depoimentos colacionados pela reclamada no corpo da defesa (ID. 734c285, fl. 108) há expressa menção ao constrangimento e desconforto da reclamante com a atitude do Sr. Marcílio, veja-se: “No entanto, ao questionar a denunciante sobre a situação, a mesma informou que o abraço foi forte e que ela não conseguiu evitar”; “A denunciante procurou a entrevistada e relatou que Marcílio lhe deu um abraço que a deixou desconfortável”; “Ao ser questionada sobre brincadeiras e abraços no ambiente de trabalho, disse que ouviu, em conversas informais no corredor, que o líder teria abraçado uma colaboradora (denunciante) de um modo que a deixou desconfortável”. Em que pese a reclamada desconsiderar essas partes dos depoimentos na contestação, as três testemunhas entrevistadas pela empresa na “investigação interna” para apuração da denúncia deixaram claro que a reclamante se sentiu desconfortável com os abraços e toques do líder Marcílio, apesar a clara tentativa das entrevistadas de minimizar os fatos. Nesse ponto específico, ao contrário impugnações da reclamada tecidas em sede de defesa, é possível depreender que a reclamante se sentiu constrangida pela importunação indevida dentro do contexto laboral da reclamada, em horário normal de trabalho e por empregado/líder da empresa reclamada. Inclusive, por causa do assédio sofrido, a reclamante foi afastada do trabalho por 30 dias por ansiedade (CID F411), o que demonstra que as investidas e a importunação sofridas no ambiente laboral foram relevantes, e impactar a saúde da reclamante (ID. 6327fd). Note-se que a perícia previdenciária reconheceu o nexo de causalidade concedendo o benefício de Auxílio por Incapacidade Temporária, espécie 91, “pois a perícia médica reconheceu o nexo entre o acidente sofrido e a atividade desenvolvida. O início do benefício foi fixado em 27/11/2024 e a cessação será em 24/02/2025.” (ID. 52f6939) Ainda, a reclamante registrou boletim de ocorrência, não especificamente impugnado pela reclamada, relatando o assédio ocorrido (ID. 6be6f1b). Nesse cenário, não favorecem à reclamada, as declarações da sua testemunha, Andressa Carla Souza de Resende, ouvida na audiência de instrução (ID. b01894b), que não trouxeram outros elementos de relevo, eis que a testemunha, apesar de superiora da reclamante, (já foi líder da reclamante), ao ser procurada pela reclamante, disse-lhe apenas que “se ela se sentiu incomodada, se mantivesse a distância do Marcílio e também procurasse a supervisora Carolina Drumond para relatar o ocorrido”, sequer sabendo dizer se a reclamante procurou a Sra. Carolina. Disse também que “a reclamada apurou a denúncia, não sabendo precisar a respeito”, apesar de ser uma das pessoas que integrou ao comitê de compliance para apuração da denúncia, como declarou em seu depoimento (ID. b01894b). Por sua vez, o depoimento da reclamante em audiência, embora não possa, sozinho, ser considerado prova bastante para condenação, foram firmes, seguros e coesos, estando em consonância com os relatos no boletim de ocorrência, na “apuração interna” e na inicial, devendo ser levado em consideração pois, nesses casos, a palavra da vítima pode assumir relevância probatória, sobretudo ante a ausência de testemunhas e vestígios em contextos relativos a crimes sexuais. No sentido de que, havendo fortes indícios, alimentados pela verossimilhança, a palavra da vítima pode assumir relevância probatória, trago à colação as seguintes ementas do E. TRT3: ASSÉDIO SEXUAL - PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO. CONDUTA EXPLÍCITA OU VELADA, INOPORTUNA E HOSTIL, DE CONSTRANGIMENTO À LIBERDADE/DIGNIDADE SEXUAL DO TRABALHADOR. CARACTERIZAÇÃO DO DANO. APURAÇÃO CIRCUNSTANCIADA (MEDIANTE ELEMENTOS DIRETOS E INDIRETOS/INDICIÁRIOS DE CONTEXTUALIZAÇÃO) DE AFRONTAS QUE, COMUMENTE, SE EXPRESSAM DE MANEIRA FURTIVA, SEM TESTEMUNHAS DIRETAS DOS FATOS DENUNCIADOS. O dano moral traduz lesão sofrida por alguém no respectivo patrimônio ou sistema de valores ideais, como a vida privada, a honra, a intimidade, a imagem e a integridade física/psíquica, denotando toda ordem de sofrimentos ou sensações dolorosas que afetam a subjetividade ou a expressão material/imaterial do ser, que é valorosa e digna por sua própria condição humana (arts. 1º, III, e 5º, V e X, da CRFB; art. 186 do CC e 223-B e 223-C da CLT). Já o assédio sexual configura conduta (palavras, gestos, atitudes ou escritos) de conotação sexual que ofende a liberdade e a inviolabilidade física/psíquica da vítima em sua expressão, autodeterminação e dignidade sexual, operando-se, no bojo das relações de trabalho, como mecanismo (explícito ou velado/insinuado) de afronta, subjugação e/ou perturbação inoportuna e desrespeitosa mediante indébito favorecimento, intimidação/ameaça, chantagem, incitação e/ou provocações, ainda que dissimulados mediante anedotas/brincadeiras de cunho sexista, e que podem ser praticadas por superior hierárquico, colegas, clientes ou fornecedores. Considerando que o assédio sexual comumente não é praticado às escancaras, mas sobretudo de forma sorrateira/furtiva, e frequentemente ocorre mediante investidas que não contam com testemunhas, a palavra da vítima e todo o contexto que envolve a denúncia devem ser objeto de valoração devidamente contextualizada, inclusive no caso pelo quadro ansioso/depressivo que acometeu a parte autora. Tendo por base/inspiração a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará"), e as Recomendações Gerais nº 33 (sobre o acesso das mulheres à justiça) e 35 (sobre violência de gênero contra as mulheres) do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), restou editado o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (2021), de observância obrigatória para todo o Poder Judiciário nacional na forma da Resolução 492 do CNJ, o qual consigna que "na atuação judicial com perspectiva de genero, é recomendável lembrar que a ocorrência da violência ou do assédio normalmente se dá de forma clandestina, o que pode ensejar uma readequação da distribuição do ônus probatório, bem como a consideração do depoimento pessoal da vítima e da relevância de prova indiciária e indireta" (Parte III, 4, "c.1", pág. 114). ASSÉDIO SEXUAL - PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO ASSÉDIO SEXUAL. COMPROVAÇÃO. PROVAS INDICIÁRIAS. PALAVRA DA VÍTIMA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O assédio sexual no ambiente de trabalho ordinariamente é de difícil comprovação, pois, na maioria das vezes, ocorre às escondidas, sem testemunhas, tendo em vista a reprovabilidade social das condutas que o caracterizam. Nesse contexto, emerge o distinto valor probante da prova indiciária e da palavra da vítima, conforme orienta o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, publicado pelo CNJ EM 2021: "Na atuação judicial com perspectiva de gênero, é recomendável lembrar que a ocorrência da violência ou do assédio normalmente se dá de forma clandestina, o que pode ensejar uma readequação da distribuição do ônus probatório, bem como a consideração do depoimento pessoal da vítima e da relevância de prova indiciária e indireta". No caso sob exame, o depoimento testemunhal, que permite delinear o comportamento inadequado do assediador em relação às mulheres no ambiente de trabalho, além da contundência, consistência e verossimilhança do depoimento da reclamante, permitem concluir que a empregada foi vítima de assédio sexual. Negado provimento ao recurso da reclamada e provido o recurso da reclamante para majorar a indenização por danos morais. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010308-94.2024.5.03.0180 (ROT); Disponibilização: 05/09/2024, DJEN; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Relator(a)/Redator(a) Juliana Vignoli Cordeiro) ASSÉDIO SEXUAL - PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO ASSÉDIO/IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. PROTEÇÃO AO AMBIENTE DE TRABALHO - Assediar significa estabelecer um cerco, vale dizer, praticar atos com a finalidade de impor determinada sujeição a alguém, perseguindo-a com insinuações e propostas indecorosas; em suma, significa ser inoportuno para obter alguma vantagem de natureza libidinosa. O assédio/importunação sexual, em essência, está direcionado ao prazer e consiste, normalmente, em atos verbais ou físicos, de ordem comissivos, que podem ou não ser repetidos e gradativos, em torno da sexualidade, com forte apelo às emoções corporais, de molde a causar um efeito desfavorável no ambiente de trabalho da vítima, acarretando-lhe consequências prejudiciais à integridade moral, física, familiar e até psicológica. Em regra, o assédio ou a importunação sexual trabalhista, com tipologias pluriobjetivas, configuram-se por uma conduta isolada ou reiterada do assediante, sem o consentimento da outra pessoa com relação às investidas indecorosas, podendo ou não o assediante se encontrar em posição hierárquica superior. Assediar é molestar; é ser insistente, chato, desrespeitoso aborrecido, indecoroso. Quando repetitivos, esses atos não se revestem necessariamente de idênticas características, já que o seu objetivo, explícito ou implícito, é a conquista resistida, visando ao prazer de conotação sexual. De toda forma, é relevante que a pessoa assediada não tenha consentido com as ações praticadas pelo assediante. O assédio/importunação sexual, raramente, é praticado perante os olhos dos demais empregados ou na presença de terceiros. Ao revés, na maioria das vezes, o assédio/importunação sexual de conotação trabalhista, bem menos rígido em seus requisitos do que o tipo penal, assim como a materialização dos abusos ocorrem, na maioria das vezes, longe da vista de terceiros, circunstância essa que deve ser observada pelo Juízo, na valoração da prova e na formação de seu convencimento. Assim, havendo fortes indícios, alimentados pela verossimilhança, a palavra da vítima pode assumir relevância probatória, sobretudo quando as suas versões são firmes, coesas, coerentes e seguras, além de condizentes com os demais elementos do processo, no cotejo com as circunstâncias dos fatos alegados. Em se tratando de institutos que visam, na maioria das situações, à proteção da mulher, no ambiente de trabalho, cuja higidez constitui obrigação da empregadora, a interpretação acorde com o wishful thinking do legislador deve ser aquela que confere maior alcance e efetividade ao acordoamento jurídico específico. Ademais, em sintonia com o posicionamento adotado pela Organização Internacional do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho, os quais desenvolveram estudo conjunto sobre o tema "cabe ao empregador zelar pelo meio ambiente de trabalho psicologicamente saudável e isento de assédio. Portanto, o empregador é responsável pela prática do assédio sexual no trabalho, ainda que ele não seja o agressor. O empregador é sempre responsável por atos de seus prepostos e por atos que afetem à integridade de seus trabalhadores no ambiente de trabalho, mesmo quando praticados por terceiros alheios à relação de emprego (OIT; MPT.Assédio Sexual no Trabalho: Perguntas e respostas. 2017, p.19). (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010623-30.2022.5.03.0104 (ROT); Disponibilização: 08/11/2023, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1153; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator(a)/Redator(a) Luiz Otavio Linhares Renault) Destarte, considerando a Recomendação nº 128/2022 do CNJ, que faz referência ao “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero” no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, instrumento implementado para que seja alcançada a igualdade de gênero, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 da Agenda 2030 da ONU, entendo que a prova coligida nos presentes autos é suficiente para comprovar que a reclamante foi importunada sexualmente dentro do ambiente laboral da reclamada pelo seu líder Marcílio Fabiano Rocha. Nesse compasso, embora a defesa e o preposto da reclamada tenham afirmado que nunca chegou ao seu conhecimento da empresa outras reclamações quanto a comportamentos inadequados do Sr. Marcílio, é cediço que o empregador deve adotar posturas para evitar constrangimentos no ambiente de trabalho, pois é sua obrigação zelar pelo ambiente de trabalho seguro e equilibrado, cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho (arts. 7o, XXII, da CF/88 e 157, inciso I, da CLT). Outrossim, em que pese a reclamada ter disponibilizado canal de denúncias ou outras ferramentas capazes de reprimir assédios desse tipo, nota-se que elas não foram eficazes, eis que a investigação dos fatos pela reclamada não se cercou dos cuidados necessários para garantir um resultado efetivo. A reclamada juntou o documento de investigação interna (ID. ee8c539), e vídeos das entrevistas realizadas com as senhoras Andreza, Angélica e Michele (IDs. 88cf20a a e8671e5), mas na investigação, não há imagens das câmeras de segurança do dia em que ocorreu o assédio (14/09/24); não há transcrição ou vídeo do depoimento do acusado, valendo reiterar que, nesses casos, sempre há muita dificuldade de instrução probatória e um excesso de ônus para a reclamante, vítima do assédio, de forma que cabia à reclamada demonstrar nos autos a adequada apuração dos fatos, ônus do qual não se desincumbiu. Importante destacar, ainda, que a reclamada é responsável pela reparação civil por ação/omissão de "seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele" (art. 932, III, CC c/c art. 769 da CLT), sendo irrelevante que tal conduta não tenha advindo de superior hierárquico da reclamante. Friso que o assédio sexual se caracteriza por uma conduta reiterada, com conotação sexual, não correspondida pela parte ofendida e gera, então, constrangimento, humilhação, e cerceio da liberdade, enseja, enfim, ofensa a direito da personalidade, art. 12 e seguintes do CC c/c art. 8o da CLT. Trata-se de conduta criminosa, prevista no art. 216-A do Código Penal, no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, ao lado das figuras do estupro e da violação sexual mediante fraude, que pode ocorrer no âmbito vertical, quando de iniciativa de superior hierárquico; ou horizontal, quando não há distinção hierárquica entre o assediador e o assediado, caso dos autos. Reitero que na seara trabalhista, o conceito é ampliado, considerando como assédio sexual toda a conduta de cunho sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, cerceia-lhe a liberdade sexual, sendo, assim, devida a indenização por danos morais. É importante registrar que o assédio sexual na grande maioria dos casos é praticado de forma dissimulada, e quase sempre, a reação da vítima é silenciosa, seja por medo de represálias, pelo constrangimento ou mesmo pelo medo de ser desacreditada, eis que, quase sempre, a vítima acaba sendo apontada como culpada pelo assédio sofrido, dentre outros vários motivos. Embora, para o líder Marcílio, seja normal ou banal abraçar e dançar com as colegas de trabalho durante o expediente, eventualmente tocando partes íntimas do corpo das colegas, tal conduta, sem o consentimento da colega/liderada, não pode ser tolerada, e enseja a reparação por dano moral pretendida, já que assim procedendo, como se verifica dos presentes autos, o líder Marcílio, aproveitando-se da condição de superior hierárquico, constrangeu a reclamante, nos termos do art. 216-A do CP. Nessa toada, deferindo indenizações, em casos de assédios sexuais, colaciono, dentre outras, as seguintes ementas do egrégio Regional: "INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL. A Convenção 190 da OIT estabelece a possibilidade de violência ou assédio no ambiente de trabalho proveniente de comportamentos e práticas inaceitáveis de ocorrência única, ampliando o conceito doutrinário e jurisprudencial de assédio sexual que exige a reiteração de condutas para a caracterização do instituto. Nessa senda, o comportamento machista dissimulado e estereotipado de descabida intenção sexual no ambiente de trabalho caracteriza o assédio sexual, a ensejar a condenação ao pagamento da indenização por danos morais." (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010444-75.2023.5.03.0132 (ROT); Disponibilização: 13/10/2023, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 2151; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator(a)/Redator(a) Cristiana M.Valadares Fenelon). Grifos nossos. “ASSÉDIO SEXUAL. CONFIGURAÇÃO. Além do assédio sexual por chantagem, figura delituosa prevista no artigo 216-A do Código Penal, a doutrina reconhece o assédio por intimidação, conduta que, embora não esteja enquadrada como crime, configura ilícito capaz de autorizar a rescisão indireta do contrato, bem como o deferimento de reparação por dano moral. Esse tipo de conduta é caracterizado "por incitações sexuais importunas, ou por outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho. (HUSBANDES, Robert. Análisis internacional de las leyes que sancionam el acoso sexual. Revista Internacional Del Trabajo, Ginebra, 1993, v. 112, n. 1, p. 133). Já o assédio sexual por chantagem traduz, em geral, exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o empregou ou benefícios advindos da relação de emprego" (Curso de direito do trabalho - Alice Monteiro de Barros - 9ª ed - São Paulo:LTr, 2013, p. 747). A caracterização do assédio sexual é possível, portanto, sempre que evidenciado comportamento com conotação sexual, não desejado pela vítima e com reflexos negativos na sua condição de trabalho. A conduta ilícita praticada pelo assediador pode resultar de um comportamento físico ou verbal de natureza sexual, capaz de afetar a dignidade da vítima no local de trabalho. A empregada que ouve do superior hierárquico seguidos comentários grosseiros sobre sua aparência física e indagação sobre a cor da sua roupa íntima é vítima de assédio sexual, fazendo jus à reparação pelo dano moral sofrido. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0012074-36.2013.5.03.0030 (AP); Disponibilização: 11/11/2014, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 66; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator(a)/Redator(a) Convocado Cleber Lucio de Almeida)” "ASSÉDIO SEXUAL. CONVENÇÃO 190, OIT. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. De acordo com a Convenção 190, da OIT: "O termo "violência e assédio" no mundo do trabalho refere-se a um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de suas ameaças, de ocorrência única ou repetida, que visem, causem, ou sejam susceptíveis de causar dano físico, psicológico, sexual ou econômico, e inclui a violência e o assédio com base no gênero". 2. A prova dos autos é contundente quanto ao assédio sexual sofrido pela empregada, conforme prova oral transcrita. 3. Os artigos 223-B e 223-C, da CLT, dispõem que "a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física", sendo passíveis de causar "dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação". 4. Considerando a ofensa de natureza gravíssima e a finalidade pedagógica da indenização, como também o sofrimento experimentado pela obreira, incabível falar-se em diminuição do montante fixado na origem, de R$30.000,00, em consonância com o artigo 944, do CC e na esteira de precedente do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. 5. Recurso ordinário da ré conhecido e desprovido". (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010119-31.2021.5.03.0113 (ROT); Disponibilização: 05/05/2022, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 787; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator(a)/Redator(a) Paula Oliveira Cantelli) Reveladas, assim, as investidas e a importunação sofridas pela reclamante, que a levaram, inclusive, a adquirir problemas psicológicos, como ansiedade, tendo sido afastada do trabalho por 30 dias por ansiedade (CID F411) e, em seguida, tendo recebido o benefício de Auxílio por Incapacidade Temporária, espécie 91, que foi concedido, “pois a perícia médica reconheceu o nexo entre o acidente sofrido e a atividade desenvolvida”, de 27/11/2024 a 24/02/2025 (ID. 52f6939), resta claro que o assédio sexual praticado pelo funcionário da reclamada, Marcílio Fabiano Rocha, causa angústia, aflição, sofrimento e mal-estar à reclamante, e viola de forma indubitável seu direito da personalidade, honra e dignidade. O nexo de causalidade é inegável, haja vista que tais circunstâncias somente ocorreram em face da relação de emprego havido entre as partes. Destarte, com esteio nos artigos 5o, V, 7º, XXVIII, da CF, 12, 186, 187, 927, caput, 933, e 944, 949 e 950 do CC c/c art. 769 da CLT, e atento aos critérios do art. 223 – G, da CLT, a saber: natureza do bem jurídico tutelado, intensidade do sofrimento ou da humilhação, possibilidade de superação física ou psicológica, reflexos pessoais da ação ou da omissão, extensão e duração dos efeitos da ofensa, condições em que ocorreu a ofensa, grau de dolo ou culpa, situação social e econômica das partes envolvidas, arbitro em R$10.000,00 (dez mil reais), a indenização por danos morais devida à reclamante, correspondente a cerca de 5 vezes a remuneração de R$ 1.801,00, informada na defesa. Saliento que a questão relativa à licitude ou não do tabelamento da indenização por danos morais foi definitivamente resolvida com o julgamento da ADI 6050, aos 23/06/2023, prevalecendo, por maioria de votos, placar oito a dois, a posição do Min. Gilmar Mendes, qual seja: “(...) Em relação às ADI 6050, 6069 e 6082, conheço as ações e julgo parcialmente procedentes os pedidos para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que: 1) As redações conferidas aos art. 223-A e 223-B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil; 2) Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e §1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superior aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade.” Registro, enfim, que o valor da indenização por danos morais ora arbitrada é, para a reclamante, como que um lenitivo para se contrapor às consequências do dano moral sofrido, o qual, sem implicar enriquecimento sem causa da reclamante ou a ruína da reclamada, também têm cunho pedagógico, para que novos abusos não ocorram. Quanto ao pedido de rescisão indireta, consigno que, diante do princípio da continuidade do vínculo empregatício (art. 7o, inciso I, da CLT, Súmula 212 do TST), assim como na justa causa do empregado/ dispensa por justa causa (art. 482 da CLT), a justa causa do empregador/rescisão indireta (art. 483 da CLT) requer prova robusta de sua ocorrência, a ponto de inviabilizar a continuidade do vínculo empregatício. Equivale dizer, por exemplo, que não é qualquer descumprimento das obrigações contratuais que autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho, com base no art. 483 da CLT, mas somente aquele descumprimento que inviabilize a continuidade do vínculo empregatício, sendo este o caso em análise. Com efeito, conforme amplamente demonstrado anteriormente, a reclamante foi vítima de assédio sexual no ambiente de trabalho da reclamada, praticado pelo Sr. Marcílio Fabiano Rocha. Constatado o assédio sexual praticado pelo líder, Sr. Marcílio, a conduta se insere no art. 483, “e”, da CLT: “Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: (…); e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama”. Nesse sentido, trago à colação as seguintes ementas: EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL - RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELOS ATOS DO PREPOSTO - PROVA INDICIÁRIA - Ao empregador incumbe a obrigação de manter um ambiente de trabalho respeitoso, pressuposto mínimo para a execução do pacto laboral. A sua responsabilidade pelos atos de seus prepostos é objetiva (art. 1.521, III, do CC e Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal), presumindo-se a culpa. A prova dos atos atentatórios da intimidade da empregada é muito difícil, pois geralmente são perpetrados na clandestinidade, daí porque os indícios constantes dos autos têm especial relevância, principalmente quando apontam para a prática reiterada do assédio sexual com outras empregadas. Tal conduta tem como conseq"uência a condenação em indenização por danos morais (art. 5o., X, da CR/88) e a rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483, e, da CLT). (TRT da 3.ª Região; Processo: 00081-2002-075-03-00-4 RO; Data de Publicação: 06/07/2002; Disponibilização: 05/07/2002, DJMG , Página 14; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator Rogerio Valle Ferreira; Revisor: Emerson Jose Alves Lage) EMENTA: ASSÉDIO SEXUAL - RESCISÃO INDIRETA - DANO MORAL. Considerando os fatos e circunstâncias constantes dos autos, a respaldar a narrativa da inicial no sentido da prática de assédio sexual pelo gerente da reclamada, sem que esta tomasse providência acerca do noticiado pela autora, plenamente justificado o motivo da rescisão indireta do contrato de trabalho, com o conseq"uente deferimento das verbas rescisórias pertinentes, bem como de indenização por danos morais. (TRT da 3.ª Região; Processo: RO - 8703/01; Data de Publicação: 15/09/2001, DJMG , Página 10; Órgão Julgador: Quarta Turma; Redator Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello) Vale realçar, o assédio sexual é de tamanha gravidade que foi tipificado como crime no art. 216-A do Código Penal. Noutro norte, o chamado "limbo previdenciário" ocorre quando o INSS encerra o pagamento do benefício previdenciário ao trabalhador (alta previdenciária), afastado do trabalho por motivo de doença, e determina o seu retorno à atividade, porém, contrariamente, o setor médico da empresa atesta a inaptidão do trabalhador no exame de retorno, recomendando o afastamento. In casu, não ocorre o ¨limbo previdenciário¨, pois a reclamante informou em depoimento que o último dia trabalhado na reclamada foi 27/11/24; em seguida, esteve afastada do trabalho recebendo benefício previdenciário por Incapacidade Temporária (Espécie: 91) de 27/11/2024 a 24/02/2025 (ID. 52f6939), e nada há nos autos indicando que a reclamante teve novo afastamento previdenciário. A alegação de que teve obstado seu retorno ao trabalho, pela reclamada, ônus da reclamante, a teor do art. 818, I, da CLT, não restou comprovada. Pelo contrário, a prova oral não abordou o tema em análise e, consta do autos print de tela de mensagem de whatsapp, não impugnado pela autora, onde a esta informa à reclamada seu desinteresse em retornar ao trabalho, informando que ajuizou ação de rescisão indireta, e que não mais retornaria ao trabalho (ID. 0876fa0). Declaro, então, a rescisão indireta do contrato de trabalho, fixando como data da rescisão o dia 25/02/2025, um dia após a cessação do benefício previdenciário, até porque a rescisão do contrato somente se concretiza após o afastamento previdenciário da obreira. Com isso, faz jus a reclamante às verbas decorrentes da rescisão indireta do contrato de trabalho ora declarada: saldo de salário, aviso prévio indenizado de 33 dias, nos termos da Lei 12.506/2011 e Súmula 441 do TST; 13º salário proporcional; férias proporcionais + 1/3; multa do art. 477, §8o, da CLT, no importe de um salário básico mensal da reclamante; conforme se apurar em liquidação, observando-se a projeção do aviso prévio proporcional indenizado e os demonstrativos de pagamentos juntados aos autos. Tratando-se de rescisão indireta do contrato de trabalho, não há falar em pagamento da multa do art. 467 da CLT. No prazo de até 10 dias úteis, contado da intimação específica após o trânsito em julgado desta decisão, a reclamada deve comprovar nos autos a anotação da saída na CTPS da reclamante para constar 30/03/2025, considerada a data fixada para a rescisão de 25/02/2025 e a projeção do aviso prévio proporcional indenizado de 33 dias (art. 487, §1o, da CLT, e OJ 82 da SDI-I do TST), sob pena de multa diária de R$300,00, até o limite de R$3.000,00 (arts. 536 do CPC c/c art. 769 da CLT), a ser revertida ao reclamante. Em caso de inadimplência da reclamada, a CTPS será anotada pela Secretaria da Vara (art. 39, §§1o e 2o da CLT), sem prejuízo da multa diária cominada. No mesmo prazo de até 10 dias úteis, supramencionado, a reclamada deve juntar aos autos as guias TRCT, código SJ2, e CD/SD, garantindo a integralidade do FGTS + 40%, sob pena de responder pela indenização equivalente do FGTS + 40% e do seguro desemprego, conforme se apurar em liquidação. 2.9 EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO Em atenção à orientação contida no ofício circular SECVCR/17/2024 acerca da alimentação do Banco de Sentenças e Decisões com aplicação do protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, disponível no Portal do CNJ, a Secretaria da Vara deverá encaminhar cópia da presente decisão ao email secor@trt3.jus.br, independentemente do trânsito em julgado. 2.10 DEDUÇÃO Ausentes comprovantes de pagamentos de verbas a idêntico título das verbas deferidas, não há dedução a ser realizada. 2.11 CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA Na atualização das verbas deferidas devem ser observados os critérios estabelecidos pelo Excelso STF no julgamento das ADC's 58 e 59 e os termos da Súmula 200 do TST. 2.12 JUSTIÇA GRATUITA Com fulcro no art. 5º, incisos XXXV e LXXIV, da CF, no art. 790, §3º, da CLT, na Súmula 463 do TST, e na declaração de hipossuficiência econômica (ID. 0ffa08d), que se presume verdadeira, defiro o requerimento de justiça gratuita formulado pela reclamante, não prosperando a impugnação apresentada pela reclamada. 2.13 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS Tendo em vista o disposto no art. 791-A da CLT, com a redação da Lei 13.467/2017, são devidos honorários de sucumbência recíproca, cujo montante arbitro: (1) em 15% do valor do crédito devido a reclamante, a serem pagos pela reclamada ao advogado da reclamante, conforme se apurar em liquidação; (2) em 15% do proveito econômico que seria obtido se os demais pleitos da reclamante fossem julgados procedentes, a serem pagos pela reclamante ao advogado da reclamada, conforme se apurar em liquidação. Na apuração dos honorários sucumbenciais devem ser observados os termos da OJ 348 da SDI-I do TST e da Tese Jurídica Prevalecente n. 4 do TRT/MG. Por força da justiça gratuita deferida, fica suspensa a cobrança dos honorários advocatícios devidos pela reclamante ao procurador da reclamada, nos termos do art. 791-A, §4º, da CLT. 3. DISPOSITIVO Posto isto, na reclamação trabalhista mova por ASHILEY LUANNE DUTRA em face de EBAZAR.COM.BR. LTDA rejeito as preliminares suscitadas pela reclamada; e no mérito, julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos para condenar a reclamada a pagar à reclamante, no prazo legal, conforme se apurar em liquidação, observando-se a projeção do aviso prévio proporcional indenizado e os demonstrativos de pagamentos juntados aos autos, as seguintes verbas: a) saldo de salário; b) aviso prévio indenizado de 33 dias, nos termos da Lei 12.506/2011 e Súmula 441 do TST; 13º salário proporcional; férias proporcionais + 1/3; multa do art. 477, §8o, da CLT, no importe de um salário básico mensal da reclamante; observando-se a projeção do aviso prévio proporcional indenizado e os demonstrativos de pagamentos juntados aos autos; f) indenização por danos morais, R$10.000,00. No prazo de até 10 dias úteis, contado da intimação específica após o trânsito em julgado desta decisão, a reclamada deve comprovar nos autos a anotação da saída na CTPS da reclamante para constar 30/03/2025, considerada a data fixada para a rescisão de 25/02/2025 e a projeção do aviso prévio proporcional indenizado de 33 dias, sob pena de multa diária de R$300,00, até o limite de R$3.000,00, a ser revertida à reclamante. Em caso de inadimplência da reclamada, a CTPS será anotada pela Secretaria da Vara, sem prejuízo da multa diária cominada. No mesmo prazo de até 10 dias úteis, supramencionado, a reclamada deve juntar aos autos as guias TRCT, código SJ2, e CD/SD, garantindo a integralidade do FGTS + 40%, sob pena de responder pela indenização equivalente do FGTS + 40% e do seguro desemprego, conforme se apurar em liquidação. Na atualização das verbas deferidas devem ser observados os critérios estabelecidos pelo Excelso STF no julgamento das ADC's 58 e 59 e os termos da súmula 200 do TST. Para fins do disposto no art. 832, §3º, da CLT, declaro que o saldo de salário, o aviso prévio indenizado (Súmula 50 do TRT3), e o 13º salário, têm natureza salarial, em relação aos quais deve a reclamada comprovar nos autos, no prazo legal, o recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes, sob pena de execução. Na apuração do imposto de renda deve ser observado o disposto na Súmula 368, II, do TST, e na OJ 400 da SDI-I do TST. Deferido o requerimento de justiça gratuita formulado pela reclamante. Tendo em vista o disposto no art. 791-A da CLT, com a redação da Lei 13.467/2017, são devidos honorários de sucumbência recíproca, cujo montante arbitro: (1) em 15% do valor do crédito devido a reclamante, a serem pagos pela reclamada ao advogado da reclamante, conforme se apurar em liquidação; (2) em 15% do proveito econômico que seria obtido se os demais pleitos da reclamante fossem julgados procedentes, a serem pagos pela reclamante ao advogado da reclamada, conforme se apurar em liquidação. Na apuração dos honorários sucumbenciais devem ser observados os termos da OJ 348 da SDI-I do TST e da Tese Jurídica Prevalecente n. 4 do TRT/MG. Por força da justiça gratuita deferida, fica suspensa a cobrança dos honorários advocatícios devidos pela reclamante ao procurador da reclamada, nos termos do art. 791-A, §4º, da CLT. Independentemente do trânsito em julgado, a Secretaria da Vara deverá encaminhar cópia da presente decisão ao email secor@trt3.jus.br, conforme orientação contida no ofício circular SECVCR/17/2024. Custas, pela reclamada, no importe de R$400,00, calculadas sobre R$20.000,00, valor arbitrado à condenação. Intimem-se as partes. Nada mais. BETIM/MG, 21 de maio de 2025. ORDENISIO CESAR DOS SANTOS Juiz Titular de Vara do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
- EBAZAR.COM.BR. LTDA
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