Processo nº 1026594-11.2024.8.11.0002
ID: 324414511
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 1026594-11.2024.8.11.0002
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOAO MARCOS GOMES ROSA
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1026594-11.2024.8.11.0002 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). MARC…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1026594-11.2024.8.11.0002 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). MARCOS MACHADO Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (RECORRENTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), DIONEI CRISTIAN DA SILVA - CPF: 020.551.091-46 (RECORRENTE), JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA - CPF: 037.345.971-88 (RECORRENTE), VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ - CPF: 703.668.171-32 (RECORRENTE), JOAO MARCOS GOMES ROSA - CPF: 057.205.791-17 (ADVOGADO), WILLIAM PATRICIO RODRIGUES - CPF: 706.573.861-20 (TERCEIRO INTERESSADO), ANTONIO CARLOS MENDONCA LINHARES - CPF: 052.646.881-50 (TERCEIRO INTERESSADO), LUIZ FERNANDO MONTEIRO FARIAS - CPF: 048.993.251-77 (TERCEIRO INTERESSADO), FABIANO APARECIDO DE CAMPOS SANTOS - CPF: 062.972.211-03 (TERCEIRO INTERESSADO), FRANCIONE MARTINELLY DA SILVA - CPF: 627.952.011-00 (TERCEIRO INTERESSADO), GUGUYSON RODRIGUES LEAO (TERCEIRO INTERESSADO), LUCAS MARCOS RIBEIRO DE ARRUDA - CPF: 544.907.401-82 (TERCEIRO INTERESSADO), RICARDO JUNIOR COSTA (TERCEIRO INTERESSADO), WANDERSON DA CUNHA LOPES - CPF: 035.323.811-25 (TERCEIRO INTERESSADO), WESLLEY COSTA SOUZA - CPF: 047.305.781-63 (TERCEIRO INTERESSADO), THIAGO HENRIQUE VARCONTI - CPF: 016.499.521-80 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A Ementa: direito penal e processual penal. Recursos em sentido estrito. Homicídio qualificado [motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima] e fraude processual. Pronúncia. Indícios de autoria/participação e prova da materialidade. Qualificadoras com suporte em elementos fáticos. Competência do tribunal do júri. Indícios de autoria do crime conexo. Insuficiência em relação a dois recorrentes. Recursos parcialmente providos. I. Caso em exame Recursos em sentido estrito interpostos contra decisão que pronunciou os recorrentes por homicídio qualificado [motivo torpe, meio cruel e emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima] e fraude processual, visando sejam absolvidos sumariamente ou despronunciados. Subsidiariamente, afastada a qualificadora do motivo torpe e absolvição do delito conexo. II. Questão em discussão Há três: 1) ausência do ânimo de matar; 2) não caracterização da qualificadora do motivo torpe; 3) insuficiência de provas para responsabilização pelo delito conexo, III. Razões de decidir 1. A ausência do dolo de matar precisa estar “clara, inequívoca, versão uníssona nos autos, para ser reconhecida. Não sendo estreme de dúvidas, como ocorre in casu, deve levar a pronúncia do recorrente, uma vez que somente nesta hipótese ficará resguardada a garantia constitucional de que todos os crimes dolosos contra a vida serão julgados pelo Tribunal do Júri”. 2. Para a decisão de pronúncia, “não é necessária prova plena de autoria, bastando meros indícios, isto é, a probabilidade de que o réu tenha sido o autor do crime”, mesmo porque não revela juízo de mérito, mas apenas de admissibilidade da acusação, direcionando o julgamento da causa para o Conselho de Sentença, órgão competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo suficiente a demonstração da materialidade e indícios de autoria ou de participação. 3. A despronúncia por “anemia probatória só é admissível se nenhuma prova remanesce quanto à autoria, o que não ocorre quando os depoimentos policiais idôneos colhidos em Juízo fazem remissão aos depoimentos de testemunhas”. 4. A absolvição sumária, com fundamento no art. 415, II, do CPP, pressupõe “prova inequívoca e estreme de dúvidas” de que os recorrentes não foram os autores ou partícipes do delito, de modo que não se mostra pertinente nesta fase processual, notadamente porque se trata da primeira fase do procedimento bifásico do Tribunal do Júri, sendo que o contraditório e ampla defesa serão novamente observados em Plenário. 5. O cometimento de crimes por vingança [dentro do sistema prisional], envolvendo organização criminosa evidencia a motivação torpe. 6. A multiplicidade de golpes pode caracterizar crueldade pelo intenso sofrimento, especialmente se comprovada por laudo pericial, bem como no “modo de execução do crime, e, por cuidar-se de circunstância de natureza objetiva, comunica-se ao partícipe quando ingressa na esfera de seu conhecimento”. 7. “A vantagem numérica de homicidas frente a uma só vítima desarmada [sob a proteção estatal no interior de uma unidade prisional] dificulta sobremaneira o exercício de uma reação compatível, insuflando a possibilidade de incursão da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima”. 8. Se inexistente indícios de autoria/participação [na fraude processual] deve o julgador impronunciar os acusados, mesmo que, exclusivamente, em relação ao crime conexo por falta de justa causa, haja vista o juiz ter o “dever de apontar, em relação aos ilícitos conexos e, de forma individualizada [...], a existência de provas da materialidade e dos indícios de autoria ou de participação, que, em síntese, traduzem a justa causa para a pronúncia.” IV. Dispositivo e tese Recursos parcialmente providos. 1. Para a decisão de pronúncia, exige-se apenas a comprovação da materialidade e a presença de indícios suficientes de autoria ou participação, sendo as dúvidas e teses defensivas matéria a ser apreciada pelo Tribunal do Júri. 2. As qualificadoras do homicídio [motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima] somente podem ser afastadas da pronúncia quando manifestamente improcedentes, o que não ocorre quando presentes elementos probatórios judicializados que as justifiquem. 3. A imputação de crime conexo deve ser afastada da pronúncia se inexistirem indícios mínimos de autoria ou participação. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXVIII, "d"; CP, arts. 121, § 2º, I, III e IV e 347, parágrafo único; CPP, arts. 414, 415, II, 156 e 78, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC n. 951.054/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, 15.4.2025. STJ, AgRg no AREsp nº 1507361/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 12.9.2019. STJ, AgRg nos EDcl no HC n. 4.841/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 20.8.2021. STJ, REsp nº 1779570/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 27.8.2019. STJ, REsp nº 1896478/PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 8.2.2021. TJMT, RSE nº 16127/2015, Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro, Primeira Câmara Criminal, 3.8.2015. TJMT, RSE NU 0009700-71.2012.8.11.0042, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, 11.2.202. TJMT, RSE nº 0026933-36.2014.8.11.0002, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, 31.10.2018. TJMT, Enunciado Criminal 8. TJMT, RSE 1014802-71.2021.8.11.0000, Rel. Des. Pedro Sakamoto, 29.4.2022. TJMT, RSE NU 1022342-10.2020.8.11.0000, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, 24.2.2021. TJMT, RSE NU 1003996- 0.2022.8.11.0000, Primeira Câmara Criminal, 20.5.2022. TJMT, RSE NU 1008607-41.2019.8.11.0000, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, 18.10.2019. TJMT, NU 1016275-29.2022.8.11.0042, Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro, Segunda Câmara Criminal, 11.4.2025. TJMT, Enunciado Criminal 2. TJMT, RSE NU 1001637-84.2022.8.11.0011, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, 15.11.2023. TJMT, RSE, NU 1001756-49.2020.8.11.0000, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, 14.7.2020. TJDF, Ag nº 0000452-14.2018.8.07.0000, Rel. Des. João Batista Teixeira, 26.03.2018. Doutrina relevante: MASSOM, Cléber. Código Penal Comentado, 2ª ed., São Paulo: ed. Método, 2015, p. 189/190. Damásio E. de Jesus. Código Penal Anotado. 12ª ed. Editora Saraiva. São Paulo: 2002. p. 138/139. Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. Ed. Saraiva. 13ª ed. p. 641/642. R E L A T Ó R I O PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 1026594-11.2024.8.11.0002 - CLASSE CNJ - 426- COMARCA DE VÁRZEA GRANDE RECORRENTE (s): VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ DIONEI CRISTIAN DA SILVA JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA RECORRIDO (s): MINISTÉRIO PÚBLICO R E L A T Ó R I O Recursos em Sentido Estrito interpostos por VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ, DIONEI CRISTIAN DA SILVA e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Várzea Grande, nos autos de ação penal (NU 1026594-11.2024.8.11.0002), que os pronunciou por homicídio qualificado [motivação torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima] e fraude processual – art. 121, §2º, I, III e IV e art. 347, parágrafo único, ambos do CP – (ID 284209706). VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ sustenta: 1) a ausência da intenção de matar sob a assertiva de que “não tinha o conhecimento das intenções homicidas dos verdadeiros executores e muito menos tinha o domínio final do fato”; 2) a não caracterização da qualificadora do motivo torpe; 3) a insuficiência de provas para responsabilização pelo delito conexo por não haver indicativo que tenha ajudado a queimar as roupas supostamente utilizadas na data do homicídio. Requer o provimento para que seja despronunciado. Subsidiariamente, afastada a qualificadora do motivo torpe e absolvido por fraude processual (ID 284209722). DIONEI CRISTIAN DA SILVA e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA alegam: 1) a inexistência do dolo de matar por terem sido “pressionados por indivíduos mascarados a praticar atos [virar as câmeras de segurança do raio 1 da unidade prisional] para “encobrir os verdadeiros responsáveis pela agressão e morte da vítima, a configurar, inclusive, “coação moral irresistível”; 2) a não configuração da fraude processual, pois não identificada a propriedade das roupas queimadas. Pedem o provimento para que sejam sumariamente absolvidos ou despronunciados, também, em relação ao delito conexo. Prequestionam o art. 5º, LIV e LV, da CF e arts. 414 e 415, IV, ambos do CPP (ID 284209724). A 1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE VÁRZEA GRANDE pugna pelo desprovimento dos recursos (ID 284209727). A decisão foi mantida pelo Juízo singular, em oportunidade de retratação (ID 284209728). A i. Procuradoria de Justiça Criminal opina pelo desprovimento dos recursos, em parecer assim sintetizado: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – Homicídio triplamente qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do CP) e Fraude Processual (art. 347, parágrafo único, do CP) – Pretendida impronúncia por ausência de animus necandi – Insubsistência – Materialidade comprovada e indícios suficientes de autoria/participação que impõem a pronúncia – Mero juízo de admissibilidade no qual vigora o princípio in dubio pro societate – Pretendida absolvição sumária por inexigibilidade de conduta diversa/coação moral irresistível – Tese não comprovada de plano – Questão a ser examinada pelo Conselho de Sentença – Pretendido afastamento da qualificadora do motivo torpe e absolvição sumária do crime conexo – Impossibilidade – Qualificadoras e crimes conexos somente podem ser excluídos quando manifestamente improcedentes – Manutenção do decisum que se impõe – PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO.” (Élio Américo, procurador de Justiça - ID 278655365) É o relatório. V O T O R E L A T O R V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: Os recursos são cabíveis (CPP, art. 593, I, e art. 581, IV), manejados por quem têm interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107). Consta da denúncia que: “[...]no dia 22 de julho de 2024, por volta das 12h30min, nas dependências do Complexo Penitenciário Ahmenon Lemos Dantas, Bairro Capão Grande, nesta cidade e Comarca de Várzea Grande, os denunciados DIONEI CRISTIAN DA SILVA, VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA, agindo em concurso de pessoas, caracterizado pela conjunção de esforços e unidade de desígnios, visando objetivo comum, agindo com desejo assassino (animus necandi), por motivação torpe, meio cruel e mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, mataram Thiago Henrique Varconti, nome social Gabriela Varconti. Apurou-se que, nas circunstâncias de tempo e local encimadas, os denunciados DIONEI CRISTIAN DA SILVA, VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA, por motivo torpe consistente em vingança, visando objetivo comum, por meio de espancamento, consistente em socos e pontapés, prevalecendo-se de superioridade numérica, sobremodo a dificultar o esboço de qualquer reação defensiva, agrediram copiosamente a vítima. Na ocasião, de forma premeditada, o denunciado VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ dirigiu-se ao Raio 1 com carrinho de refeição e escalou a grade para abaixar a câmera de segurança que abrange a entrada das celas 09 e 10, onde a vítima se encontrava (cela 09). Logo após, o denunciado DIONEI CRISTIAN DA SILVA, residente do Raio 3, chegou no Raio 1 e entrou nas celas 11 e 12, situadas em frente à cela da vítima. Adiante, VAGNER dialogou brevemente com JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA para que este abaixasse as câmeras do Raio 1. Ato contínuo, VAGNER abaixou uma segunda câmera, seguido por JIMMY, que também abaixou outra câmera de segurança, ambos repetindo o feito com as demais câmeras do corredor, no intuito de não capturar a prática delituosa, bem como de não identificar os agressores da vítima. Pouco depois, VAGNER e JIMMY retornaram em direção à cela de Thiago Henrique Varconti, instante que DIONEI, em companhia de mais três indivíduos ainda não identificados, todos encapuzados e em evidente superioridade numérica, seguiram para a cela da vítima e iniciaram as agressões, com espancamento e esganadura, causando-lhe a morte, conforme consta no Laudo de Necrópsia. O crime foi cometido por vingança, com base em suposição de que a vítima seria informante dos policiais penais. Apurou-se também que o crime foi praticado por meio cruel, com emprego de brutalidade fora do comum, infligindo à vítima demasiado, desproporcional e desnecessário sofrimento. 4 Vulgarmente conhecido como “X9”, “dedo-duro” ou “cagueta”. 5 Conforme a Exposição de Motivos do Código Penal, é cruel o meio que aumenta inutilmente o sofrimento, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade. Vale dizer, meio cruel é todo aquele que acarreta padecimento desnecessário à vítima. Por fim, no dia seguinte aos fatos os denunciados atearam fogo nas vestimentas usadas no crime, no intuito de se furtarem das evidências e identificação de autoria (item 1.2). 1.2. FRAUDE PROCESSUAL: Consta dos inclusos autos de procedimento policial investigatório que, no dia 23 de julho de 2024, nas dependências do Complexo Penitenciário Ahmenon Lemos Dantas, Bairro Capão Grande, nesta cidade e Comarca de Várzea Grande, os denunciados DIONEI CRISTIAN DA SILVA, VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA, agindo em concurso de pessoas, caracterizado pela conjunção de esforços e unidade de desígnios, visando objetivo comum, inovaram artificiosamente o estado de coisas, com a finalidade de induzir em erro juiz e/ou perito, produzindo, assim, efeito em processo penal não iniciado. Apurou-se que, nas circunstâncias de tempo e local encimadas, após a prática do crime doloso contra a vida (item 1.1), na tentativa de se eximirem da responsabilidade sobre o homicídio, os denunciados DIONEI CRISTIAN DA SILVA, VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA adulteraram artificiosamente provas do crime, ateando fogo nas vestimentas utilizadas pelos denunciados na empreitada criminosa, com a finalidade de induzir em erro juiz e/ou perito, para inibir ou destruir as evidências de identificação dos autores do delito. Assim agindo, objetiva e subjetivamente, os denunciados DIONEI CRISTIAN DA SILVA, VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA infringiram o comando normativo descrito no preceito primário do artigo 121, §2º, I, III e IV, e art. 347, parágrafo único, ambos do Código Penal [...].” (César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de Justiça – ID 284209567) O Juízo singular pronunciou os recorrentes nos seguintes termos: “[...] Neste caso concreto, de acordo com o meu livre convencimento motivado e persuasão racional, vislumbro a efetiva ocorrência do crime de homicídio contra a vítima, uma vez que existem provas nesse sentido, como o exame de corpo de delito, imagens de câmera de segurança e depoimentos das testemunhas inquiridas na fase inquisitiva e em Juízo. Por outro lado, constam nos autos os necessários indícios da autoria dos acusados. Tal conclusão resulta, entre outros elementos, da versão apresentada pelas testemunhas na fase do inquérito e em Juízo. Os indícios necessários à verificação do animus necandi, portanto, se encontram estampados nos autos. Para a impronúncia ou desclassificação, o fundamento que a enseja deve estar comprovado indene de dúvidas, o que não se pode afirmar no caso vertente. Fica evidente, então, que somente o Tribunal do Júri poderá verificar essa circunstância. Incabível, assim, a desclassificação. Neste contexto, reputo configuradas provas da existência do crime e indícios (vestígios) da autoria, sendo cabível o juízo de admissibilidade da acusação, para o qual não se exige prova plena e absoluta. A sentença de pronúncia, como decisão sobre a admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado na suspeita, não o juízo da certeza que se exige para a condenação (RT 583/352). A cognição exauriente será feita em julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, quando então o acusado será absolvido ou condenado.[...]. Por conseguinte o réu deve ser pronunciado porque nessa fase processual vige o princípio in dubio pro societate e não in dubio pro reo, como aconteceria na decisão de mérito. A propósito:[...]. O sopesamento das provas constantes dos autos deve ser procedido pelo órgão julgador competente, que é o Tribunal do Júri, que dará a devida valoração a cada prova colhida no feito. Não logrou êxito a doutas defesas ao pugnarem pela impronúncia dos réus, uma vez que as teses foram baseadas e ausência de animus necandi. Entretanto, as provas trazidas nos autos demonstram o intento de tirar a vida da vítima. Incabível, assim, a impronúncia. O julgamento, por imposição constitucional, é do Tribunal do Júri, nos termos do artigo 5º, XXXVIII, CF. (RT 694/393). Assim, a conclusão do feito, na primeira fase do procedimento escalonado aplicável à espécie, é que há materialidade no tocante aos crimes de homicídio e fraude processual, bem como os suficientes indícios de autoria que se direcionam aos acusados. Outrossim, mantenho as qualificadoras pelas quais os acusados foram denunciados, posto que elas só poderiam ser excluídas quando manifestamente improcedentes e de todo descabidas, o que não é o caso, vez que as provas dos autos não conduzem a essa conclusão. Ao Júri, em sua soberania, é que compete apreciar a qualificação do homicídio, com melhores dados, em face da amplitude da acusação e da defesa. O Supremo Tribunal Federal já foi claro ao consignar que ao Juiz singular, ao fazer a pronúncia, é defeso excluir qualificadoras. O julgamento, por imposição constitucional, é do Tribunal do Júri, nos termos do artigo 5º, XXXVIII, da CF (RT 694/393). Como já explicitado, somente quando demonstrado estreme de dúvidas a não concorrência da qualificadora, está o julgador autorizado a excluí-la por ocasião da pronúncia. Caso contrário, proíbe-se o expediente, sob pena de indevida supressão da competência constitucionalmente prevista e conferida ao Tribunal do Júri. Ademais, a pronúncia não deve conter referência a circunstância agravante nem atenuante ou causa de diminuição de pena, vez que esta não é a fase processual oportuna para se tratar destes temas. Por isso, deixo de tratar acerca destas circunstâncias, remetendo-as para serem apreciadas em plenário pelo Egrégio Tribunal do Júri. Portanto, tendo os fatos imputados ao réu nos depoimentos prestados e demais elementos obtidos durante a fase do judicium accusationis, deve-se aplicar ao caso o princípio do in dubio pro societate, cabendo ao Conselho de Sentença analisar a veracidade das declarações prestadas e dirimir quaisquer dúvidas. DA FRAUDE PROCESSUAL (ART. 347, CP) Ainda dentro do mesmo contexto factual, o Ministério Público Estadual denunciou os acusados no incurso das penas do crime de fraude processual, previsto no art. 347 do Código Penal. A materialidade delitiva encontra-se plenamente demonstrada por meio dos elementos informativos constantes do inquérito, bem como nas denúncias colhidas na seara policial descritas no relatório investigativo, além da prova oral produzida em audiência, bem como a prova pericial. Quanto aos indícios de autoria delitiva, tem-se que também estão presentes, e recaem sobre os acusados. A prova pericial (id. 181814104) demonstra os agentes do delito atribuído aos réus atearam fogo nas vestimentas, lençóis, cobertores e sapatos utilizados no momento do crime a fim inibir ou destruir as evidências de identificação dos autores do delito. Por fim, vale salientar que não se pode dizer que os fatos estão plenamente elucidados e indubitavelmente esclarecidos, vez que essa atribuição compete ao corpo de jurados do Egrégio Tribunal do Júri, em observância ao art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal. DISPOSITIVO. Ante o exposto, e na conformidade do que dispõe o art. 413 do Código de Processo Penal, JULGO PROCEDENTE a pretensão contida na denúncia, na primeira fase procedimental, com o fim de PRONUNCIAR os réus DIONEI CRISTIAN DA SILVA, VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA, como incurso artigo 121, §2º, I, III e IV, e art. 347, parágrafo único, ambos do Código Penal, para o fim de submetê-los a julgamento pelo E. Tribunal do Júri. [...].” (Angelo Judai Junior, juiz de Direito - ID 284209706) Pois bem. Analisam-se as pretensões de absolvição sumária e despronúncia em relação ao homicídio deduzidas pelos recorrentes VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ, JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA e DIONEI CRISTIAN DA SILVA, bem como de insuficiência de provas do delito conexo [fraude processual] em conjunto, por envolverem o mesmo contexto fático-probatório. A materialidade dos delitos [homicídio e fraude processual] está comprovada pelo Laudo Pericial de Necropsia nº 121.1.01.9067.2024.192960-A01 [vítima Thiago Henrique Varconti, nome social Gabriela Varconti - ID 284209568] e Relatório da Investigação Policial [com imagens do local do fato, dependências do Complexo Penitenciário Ahmenon Lemos Dantas, Bairro Capão Grande, em Várzea Grande/MT - ID 284209511] e Laudo Pericial das Vestimentas Queimadas nº 223.2.19.9067.2024.203472-A01 (ID 284209674), os quais não sofreram qualquer impugnação. Na fase policial, realizaram-se as oitivas de William Patrício Rodrigues, policial penal (ID 284209443), Lucas Marcos Ribeiro de Arruda, policial penal (ID 284209444), Francione Martinelly da Silva, policial penal (ID 284209445), Guguyson Rodrigues Leão, reeducando que dividia a cela com a vítima (ID 284209448), Weslley Costa Souza, reeducando, Wanderson Da Cunha Lopes, reeducando companheiro da vítima, Antônio Carlos Mendonça Linhares, Fabiano Aparecido de Campos Santo, Luiz Fernando Monteiro Farias e Ricardo Junior Costa, reeducandos (ID 284209504), e os interrogados VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ (ID 284209449), JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA (ID 284209453), DIONEI CRISTIAN DA SILVA (ID 284209486), recorrentes. Em Juízo, colheram-se as declarações de Orlando Lucas dos Santos, investigador de Polícia, William Patrício Rodrigues, policial penal, Guguyson Rodrigues Leão, reeducando que dividia a cela com a vítima, Wanderson da Cunha Lopes, reeducando e convivente da vítima e os interrogatórios VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ, JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA e DIONEI CRISTIAN DA SILVA, recorrentes (Relatório de Mídias – ID 284209691). Extraem-se do conjunto probatório que: - Orlando Lucas dos Santos [investigador de Polícia] afirmou, durante a instrução processual, que: “no dia dos fatos estava de plantão na DHPP, quando chegaram policiais penais lotados no Presídio Ahmenon Lemos Dantas escoltando os internos Jimmy Stanley e Vagner Raimundo, narrando a prática de uma tentativa de homicídio no interior da penitenciária, tendo como vítima Thiago Henrique Varconti, nome social Gabriela Varconti, que teria sido agredida no interior de sua cela, sendo socorrida e encaminhada pelo SAMU para o Pronto Socorro de Várzea Grande, todavia evoluiu a óbito posteriormente. Declarou que, no dia seguinte, os policiais penais localizaram vestes e calçados queimados nas dependências do presídio, tendo eles recolhido os materiais e encaminhado à delegacia, escoltando o interno Dionei Cristian como principal suspeito da prática delitiva.[...] que, durante as investigações, inclusive em análise das imagens das câmeras de segurança do raio, restou apurado que os denunciados Vagner e Jimmy teriam a incumbência de preparar o ambiente para a prática do crime, incluindo observar a vítima e abaixar as câmeras de segurança para que o ato e os responsáveis não fossem registrados nas gravações, sendo provável que tenham participado das agressões à vítima. Ainda, afirmou que foi possível identificar Dionei por suas vestes, pois eram diferentes dos demais detentos e as imagens apontam o denunciado adentrando na cela da vítima, além de que Dionei era residente de outro raio, de modo que não deveria estar naquele local, e que as mesmas roupas que ele utilizava no dia do crime foram localizadas no dia seguinte junto a outras peças que teriam sido queimadas por detentos. Acrescentou que a morte da vítima teria sido motivada por esta possivelmente ser informante dos policiais penais, denominada como “cagueta”. [...] que, pelas imagens das câmeras de segurança, é possível verificar que as movimentações intensas no raio iniciam com a chegada de Dionei, que logo ingressa na cela em frente à cela da vítima, saindo de lá apenas após as câmeras serem abaixadas, seguindo em direção à cela da vítima.”(Relatório de Mídias – ID 284209691); - William Patrício Rodrigues [policial penal], na fase investigativa, esclareceu que: “é policial penal, lotado no Centro de Ressocialização Industrial Ahmenon Lemos Dantas; [...] na data de hoje, por volta das 12:30 horas, o depoente estava na sala de segurança e disciplina, momento em que recebeu uma informação do sub diretor, relatando que havia um interno morto, dentro do Raio 1, e diante dos fatos o depoente, juntamente com a equipe de diretores e equipe de plantão, foram até o referido Raio para verificar a situação; que, as informações iniciais era de que se tratava de um preso era um LGBT, e ao chegar até a cela 09, depararam com Thiago Henrique Varconti, de nome social Gabriela Varconti, a qual estava caída em decúbito ventral, com o rosto numa poça de sangue, e aparentemente estava respirando; que, de imediato foi acionado a equipe de saúde da unidade, os quais levaram a vítima até a enfermaria do complexo, e então prestaram os primeiros socorros; que, o depoente visualizou que Gabriela estava com marcas no pescoço e também com diversos traumas no rosto; que, após isso o depoente acionou o SAMU, e após cerca de meia hora, ou quarenta minutos, uma ambulância do SAMU chegou até o local; que, a equipe do SAMU realizou os primeiros atendimentos e após removeu a vítima do local, a levando até o Pronto Socorro de Várzea Grande-MT; que, depois disso o depoente verificou as câmeras de segurança do RAIO 1, e então foi visto que as mesmas estavam abaixadas, ou seja todas voltadas com a imagem para o chão; que, diante disso foi visualizado que cerca de dez minutos antes de as câmeras serem abaixadas que o PPL (pessoa privada de liberdade) Guguyson Rodrigues Leão da Silva, estava dentro da cela 09, com a vítima Gabriela; que também foi visto que o PPL, trabalhador intra muro da alimentação do Raio, VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ, abaixou a câmera que foca diretamente na entrada da cela 09, bem como abaixou uma outra câmera que que pegam as imagens próximas celas; que, ambas câmeras pegam as celas de números 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16; que, também foi visto pelas câmeras que o PPL WAGNER, aproxima do interno JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA, tem um conversa rápida com ele, e então o JIMMY vai até a câmera que pega todo o corredor do Raio, e a abaixa também; QUE, o JIMMY foi identificado pelas vestes as quais aparecem no momento que ele abaixa a câmera; QUE, em nenhum momento as imagens das câmeras de segurança filmam o momento da agressão, pois foram abaixadas antes; que, perguntado ao depoente se tem conhecimento do motivo pelo qual Gabriela foi agredida, respondeu que não tem conhecimento;[...] e relata que não foi possível identificar quais foram os agressores de GABRIELA, pelas imagens” (ID 284209443). Na fase judicial, apresentou maiores detalhes da dinâmica do fato ao destacar que: “os internos gritaram aos agentes penais de que um PPL havia sido agredido e provavelmente estaria morto. Ao chegar no local, constatou que a vítima estava inconsciente no chão, de bruços, sobre uma poça de sangue. Imediatamente a equipe de saúde da unidade foi acionada para prestar os primeiros atendimentos, sendo a vítima logo encaminhada para o Pronto Socorro de Várzea Grande. [...] após apurações, averiguou-se que havia um reeducando no local no momento do crime, tratando-se de outro residente daquela cela, o qual relatou que chegaram quatro internos encapuzados e o mandaram para o “boi” (banheiro), e assim iniciaram as agressões contra a vítima Gabriela. O agente declarou que, pelas condições do local e do corpo, foi possível constatar que as agressões contra a vítima consistiram em pisões na face, bater a cabeça contra a quina da parede, entre outros, visto que seu maxilar estava quebrado e havia um afundamento na parte central de sua testa, além de inchaço em todo o rosto. Questionado, relatou que a vítima, que trabalhava internamente no almoxarifado, já teria dito em outra oportunidade que haviam comentários de que ela estava ameaçada, pois conversas internas dizem que a motivação seria o suposto fato de que a vítima seria informante dos policiais em desfavor da facção criminosa “Comando Vermelho”, todavia tal situação não procede, visto que a ofendida não era informante, que apenas teria solicitado ao setor de segurança e disciplina da unidade para fechar/isolar o local onde ela trabalhava, haja vista que outros internos que lá trabalhavam costumavam vender drogas e passar aparelhos de telefone celular, o que teria prejudicado as atividades da referida organização criminosa, pois isso reduziu a prática criminosa, colocando assim sua vida em risco. Ainda, negou que houvesse algum “mercadinho paralelo” na cela em frente, e relatou que no dia seguinte a estes fatos, houve um episódio de princípio de incêndio no interior de uma das celas, onde os detentos lá residentes relataram que houve um curto circuito, todavia constatou-se a ocorrência de uma queima de vestimentas promovida pelos próprios detentos, e que os itens que estavam sendo queimados tratavam-se das roupas utilizadas no crime ocorrido no dia anterior” (Relatório de Mídias – ID 284209691); - Guguyson Rodrigues Leão [reeducando que dividia a cela com a vítima], na delegacia de Polícia, narrou que: “estava "morando" no Raio 1, cela 9, juntamente com a vítima, a qual também é LGBT; que, informa que na cela vivem, mais outras três LGBTs, que são conhecidas como “melissa”, a qual trabalha na enfermaria, bem como Barbara e Lucas, que trabalham na cozinha, e não estavam lá no momento dos fatos; [...] que a cela que fica em frente a sua são as de número 11 e 12; que neste dia 22/07/2024, por volta das 12:00 horas, estava em sua cela, aguardando o almoço chegar, sendo que no momento em que recebeu a comida, ficou em pé no fundo da cela, se preparando para comer, e a vítima estava sentada numa das camas e com o prato de comida nas mãos, e então foram surpreendidos por quatro, ou cinco indivíduos os quais estavam todos tampando os rosto com camisetas, e falaram o seguinte: "MAPÔ, VAI LÁ PARA O BOI", se referindo ao depoente que tem o apelido de "MAPÔ", e explica que "BOI" é o banheiro que fica dentro da cela; que de imediato o depoente foi para o banheiro, de maneira que não enxergava a cela, e após isso passou a ouvir Gabriela dizendo: "o que esta acontecendo o que eu fiz? Não fiz nada"; que, em seguida o depoente escutou vários sons como se fosse algo batendo contra o corpo vítima, em suas palavras, pareciam ser murros e pisões; que [...] ficou abaixado no banheiro, por cerca de vinte minutos, e somente saiu do local, quando percebeu que os barulhos pararam; que, ao sair do banheiro, visualizou a vítima caída ao chão deitada de bruços, e ainda uma poça de sangue perto da cabeça da vítima; que a vítima parecia não estar consciente, e apenas tremia o corpo; que ficou com muito medo, apenas tomou banho, e tentou sair da cela para ir fazer o curso, mas não lhe foi permitido; que, em seguida os policiais penais se fizeram presentes no local; que, perguntado ao depoente quem eram estes internos os quais entraram na sua cela, e agrediram Gabriela, respondeu que não sabe dizer quem são; que, perguntado sobre a motivação das agressões, o depoente relata que não sabe dizer ao certo, mas já ouviu comentários de que Gabriela é "X9", ou seja passa informações para os policiais penais, bem como relata que esta fama da Gabriela em ser "cagueta", vem desde quando ela estava recolhida no presídio Mata Grande em Rondonópolis-MT”; (ID 284209448). Perante o juiz da causa, relatou que: “estava na cela juntamente com Gabriela, que ambos buscaram seu prato de almoço no carrinho de comida e retornaram para a cela, instante em que chegaram quatro ou cinco presos mascarados mandando-o ir para o banheiro, que não conseguiu identificar nenhum deles, e que pôde ouvir enquanto eles espancavam a vítima, acreditando que tenha durado aproximadamente 20 a 30 minutos. Declarou que, após as agressões cessarem, pegou suas roupas e tentou tomar banho em outro local, pois estava com medo, contudo todo o raio estava fechado para averiguar o ocorrido em sua cela. Afirmou que todos os suspeitos estavam encapuzados com roupas coloridas amarradas no rosto, não sendo possível identificar nenhum deles. Questionado, relatou que a motivação possa ser o fato de que a vítima era conhecida internamente entre os reeducandos por ser “cagueta”, contudo não sabe afirmar se foi realmente por essa razão. Declarou que não pode afirmar, mas é possível que a unidade prisional seja “dominada” por membros da facção “Comando Vermelho” (Relatório de Mídias – ID 284209691); - Fabiano Aparecido de Campos Santos [reeducando], ouvido somente na fase investigativa, asseverou que: “trabalha fazendo o auxílio na alimentação e também no corredor, [...] no dia dos fatos, era por volta das 11:00 horas, quando foi distribuir a alimentação no Raio 1, acompanhado de VAGNER; que , em determinado momento VAGNER disse para o interrogado: "O BAGULHO VAI FICAR LOUCO" e em seguida VAGNER abaixou uma das câmeras de segurança, que o interrogado percebeu que após VAGNER abaixar a câmera vários internos de outras celas adentraram nas celas 11 e 12; que depois viu cerca de três internos saírem das celas 11 e 12, e entrando na cela da vítima, que, o interrogado não reconhece os referidos internos, haja vista que estavam encapuzados; que não tinha conhecimento do que iriam fazer, não presenciou o momento das agressões que vitimaram Gabriela, e também disse que não escutou nada; que ouviu dizer que Gabriela, estava "caguentando" outros presos, e isso tenha sido a motivação do homicídio; acredita que Gabriela não tenha sido agredida pelo fato de ser pessoa transexual; não ouviu comentários de quem são os indivíduos que agrediram Gabriela” (ID 284209504); - JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA [recorrente], em ambas as fases da persecução penal, negou a participação nos delitos imputados na denúncia, sustentado ter apenas abaixado as câmeras de segurança por ter sido ameaçado de morte por detentos mascarados (Relatório de Mídias – ID 284209691); - DIONEI CRISTIAN DA SILVA [recorrente], ao ser interrogado em Juízo, negou ser executor do homicídio, declarando que “morava naquele raio dos trabalhadores há 30 dias, cela 20, e que trabalhava no administrativo da unidade prisional com entrega de malotes e colhendo assinatura dos PPL, que no dia dos fatos tinha ido até as celas 11 e 12, onde funcionava um mercadinho paralelo, para comprar “sazon”, instante que chegaram alguns detentos encapuzados que mandaram ele e outros ali presentes fazerem uma aglomeração em frente àquela cela. Alegou que não tinha ciência do que iria ocorrer e que, por temer por sua vida, obedeceu às ordens emanadas, afirmando ainda não ter visto nada do que ocorreu no interior das celas 09 e 10, onde residia a vítima, e tampouco a conhecia. Concluiu negando participar de qualquer facção criminosa” (Relatório de Mídias – ID 284209691); - VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ [recorrente] alegou ser “usuário de maconha e cigarro, que alguns dias antes dos fatos havia pego três porções com um interno, contudo não tinha dinheiro para pagar, pois não tinha renda, apenas trabalhava internamente entregando almoço. Aduziu que estava no bloco B, mas que tinha ido à ala dos trabalhadores entregar almoço, quando um detento o procurou dizendo que sua dívida de drogas seria “perdoada” caso o denunciado abaixasse as câmeras daquela ala, afirmando ainda que não sabia o motivo, que acreditou ser para guardar algum aparelho celular ou alguma tentativa de fuga, negando qualquer tipo de envolvimento com o crime de homicídio ou de fraude processual. Questionado, disse que não poderia indicar quem era seu fornecedor de drogas, nem mesmo o intermediário que prometeu perdoar sua dívida, pois essa pessoa estava encapuzada e o acusado teme por sua vida, visto que “caguetas” morrem dentro do presídio. Ainda, não soube responder por qual motivo o próprio detento encapuzado não abaixou as câmeras. Relatou que, após abaixar as câmeras, foi para sua cela almoçar, e que moradores de outras alas tinham fácil acesso à ala dos trabalhadores. [...] ainda possui as roupas utilizadas no dia do crime” (Relatório de Mídias – ID 284209691). Dito isso vejamos. Verifica-se que a vítima Thiago Henrique Varconti [nome social Gabriela Varconti], na data de 22.7.2024, por volta das 12h30min, nas dependências [Raio 1, cela 9] do Complexo Penitenciário Ahmenon Lemos Dantas, Bairro Capão Grande, em Várzea Grande/MT foi agredida com socos, chutes e pontapés, nas regiões da face, membros superiores e abdômen, além de de esganadura e morreu em decorrência de traumatismo crânio encefálico, segundo conclusão do perito oficial, médico legista, Carlos Henrique Ataliba Paiva da Silva (Laudo Pericial de Necropsia nº 121.1.01.9067.2024.192960-A01 - ID 284209568). A testemunha Guguyson Rodrigues Leão [que compartilhava a cela com a vítima], na fase investigativa e judicial, afirmou que teriam sido de 4 (quatro) a 5 (cinco) os agressores da vítima, os quais estavam mascarados [“estavam com roupas coloridas amarradas no rosto”] e não pode realizar a identificação dos mesmos, pois lhe ordenaram a se recolher no banheiro existente no interior da cela (ID 284209448 e Relatório de Mídias – ID 284209691). Os recorrentes DIONEI CRISTIAN DA SILVA, VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA DE CARVALHO teriam sido os responsáveis por modificar as câmaras de segurança das dependências da unidade prisional para que as agressões à vítima e os responsáveis não fossem identificados, conforme as imagens do local (ID 284209497 e Relatório da Investigação Policial - ID 284209511). Extrai-se do Relatório de Investigação Policial (ID 284209511) que, após a análise dos vídeos das câmaras de segurança do Complexo Penitenciário Ahmenon Lemos Dantas, que VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOSQUEIROZ “abaixa a primeira câmera, oportunidade em que a vítima sai na porta da CELA 9/10 para pegar seu almoço”. Enquanto ele/ela espera ser servido/a por VAGNER o recorrente DIONEI CRISTIAN DA SILVA “chega e entra na CELA 11/12” [em frente a cela 9/10 da vítima]; ato continuo, JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA DE CARVALHO “vai em direção à terceira câmera e abaixa também. Logo aparece nas imagens VAGNER correndo pelo corredor para abaixar as demais câmeras.” Todavia ,mesmo VAGNER tendo abaixado a câmera, foi verificado que quatro indivíduos saem da CELA 11/12 e se direciona para CELA 9/10”[da vítima]. “Seguindo com as análises, verificamos que o recuperando DIONEI, o qual em suas aparições nos vídeos está sempre trajado de calça jeans com a barra dobrada, camisa moletom cinza com a escrita frontal “boss” e descalço” seria um dos 4 (quatro) agressores da vítima Thiago Henrique Varconti [nome social Gabriela Varconti] pelas características físicas [tonalidade da pele] e vestimenta (ID 284209511). As declarações de Orlando Lucas dos Santos [investigador de Polícia], em Juízo (Relatório de Mídias – ID 284209691), William Patrício Rodrigues [policial penal] e Guguyson Rodrigues Leão [reeducando que dividia a cela com a vítima], em ambas as fases da persecução penal (ID 284209443, ID 284209448 e Relatório de Mídias – ID 284209691), bem como de Fabiano Aparecido de Campos Santos [reeducando], na delegacia de Polícia (ID 284209504), somadas às imagens das câmaras de segurança das dependências do Complexo Penitenciário Ahmenon Lemos Dantas, indicam que DIONEI CRISTIAN DA SILVA [estava de moletom cinza e de pés descalços] teria adentrado na cela da vítima Thiago Henrique Varconti [nome social Gabriela Varconti], sendo que VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA DE CARVALHO teriam auxiliado/cooperado no homicídio ao abaixarem as câmeras de segurança para viabilizar a execução e a não identificação dos agressores. Registre-se que responde pelo crime não só aquele que diretamente pratica a conduta típica, mas quem concorre de qualquer modo para sua execução [partícipe]. Leciona o i. Prof.º Damásio E. de Jesus: “[...] o partícipe não tem nenhum poder diretivo sobre o crime, i. e., não possui o domínio finalista do fato. Contribui, por intermédio de conduta acessória, para a concretização do comportamento típico, mediante induzimento (determinação), instigação ou auxílio material (a chamada cumplicidade). [...] São meros partícipes, desde que não dominando subjetivamente o fato, restrinjam sua contribuição ao simples induzimento encorajamento ou auxílio secundário.” (Código Penal Anotado. 12ª ed.. Editora Saraiva. São Paulo: 2002. p. 138/139) A tese do recorrente VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ de que “não tinha o conhecimento das intenções homicidas dos verdadeiros executores e muito menos tinha o domínio final do fato” se contrapõe as circunstâncias do caso, ter modificado o ângulo das câmaras de videomonitoramento do estabelecimento prisional e comunicado a outro detento [Fabiano Aparecido de Campos Santos], após sua conduta [deslocar o foco das câmeras de segurança], que o: “bagulho vai ficar louco”, podem indicar conhecimento da intenção homicida em face da vítima [Thiago Henrique Varconti - nome social Gabriela Varconti] e, consequentemente, caracterizar, ao menos de dolo eventual em sua ação. Por sua vez, o argumento dos recorrentes JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA e DIONEI CRISTIAN DA SILVA de inexistência de intenção de matar por terem sido “pressionados por indivíduos mascarados a praticar atos” [virar as câmaras de segurança do raio 1 da unidade prisional] para “encobrir os verdadeiros responsáveis pela agressão e morte da vítima”, se opõe as imagens das câmaras de segurança do estabelecimento prisional, haja vista que “em nenhum momento os recorrentes DIONEI, VAGNER e/ou JIMMY são abordados por internos mascarados, tampouco demonstram serem ameaçados, para que abaixem as câmeras” como bem pontuado pela 1ª promotoria de Justiça de Várzea Grande - ID 284209727). Do mesmo modo, a assertiva de JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA e DIONEI CRISTIAN DA SILVA de terem sofrido coação moral irresistível, ou seja, aquela capaz de viciar a vontade do agente e resultar na inexigibilidade da conduta diversa, pressupõe: a) a promessa de uma ameaça grave e iminente; b) perigo inevitável por outro modo; c) caráter irresistível da ameaça (MASSOM, Cléber. Código Penal Comentado, 2ª ed., São Paulo: editora Método, 2015, p. 189/190), não se verifica, porquanto não há qualquer evidência nesse sentido. Ademais, é ônus da prova dessa excludente de culpabilidade, compete a defesa, conforme art. 156 do CPP (STJ, HC n. 951.054/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, 15.4.2025). A ausência do dolo de matar precisa estar “clara, inequívoca, versão uníssona nos autos, para ser reconhecida. Não sendo estreme de dúvidas, como ocorre in casu, deve levar a pronúncia do recorrente, uma vez que somente nesta hipótese ficará resguardada a garantia constitucional de que todos os crimes dolosos contra a vida serão julgados pelo Tribunal do Júri” (TJMT, RSE nº 16127/2015, Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro, Primeira Câmara Criminal, 3.8.2015). Noutra ótica, a “desclassificação para delito estranho à competência do Tribunal do Júri só é possível diante de provas que evidenciem de forma insofismável a ausência do animus necandi, dispensando uma análise aprofundada das circunstâncias fáticas ou subjetivas que permeiam o caso. Diferente disso, havendo elementos que indiquem a possível existência de dolo eventual na conduta [...], a dúvida quanto ao elemento psicológico do réu deve ser dirimida pelo juiz natural da causa, que é o Tribunal do Júri” (TJMT, RSE NU 0009700-71.2012.8.11.0042, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, 11.2.2020- grifado). Assim sendo, a análise da existência ou não do dolo de matar e ou de excludente de culpabilidade devem ser submetidos ao Tribunal do Júri. Frise-se que, para a decisão de pronúncia, “não é necessária prova plena de autoria, bastando meros indícios, isto é, a probabilidade de que o réu tenha sido o autor do crime” (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal - Ed. Saraiva - 13ª ed. - p. 641/642). Não revela juízo de mérito, mas apenas de admissibilidade da acusação, direcionando o julgamento da causa para o Conselho de Sentença, órgão competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo suficiente a demonstração da materialidade e indícios de autoria ou de participação (STJ, AgRg no AREsp nº 1507361/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 12.9.2019). Em suma, há substrato probatório suficiente para se aferir os indícios de autoria, notadamente as declarações do investigador de Polícia Orlando Lucas dos Santos e do policial penal William Patrício Rodrigues e os demais elementos de provas colhidos na fase policial, como as imagens das câmaras de segurança da unidade prisional, as quais merecem relevância pelas particularidades do caso [homicídio cometido por reeducados dentro do estabelecimento prisional] e mostram-se idôneos e aptos para embasar a pronúncia. A despronúncia por “anemia probatória só é admissível se nenhuma prova remanesce quanto à autoria, o que não ocorre quando os depoimentos policiais idôneos colhidos em Juízo fazem remissão aos depoimentos de testemunhas”, consoante Enunciado Criminal 8 deste Tribunal (RSE 1014802-71.2021.8.11.0000, Rel. Des. Pedro Sakamoto, 29.4.2022). Outrossim, a absolvição sumária, com fundamento no art. 415, II, do CPP, pressupõe “prova inequívoca e estreme de dúvidas” de que os recorrentes não foram os autores ou partícipes do delito (TJMT, RSE nº 0026933-36.2014.8.11.0002, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, Terceira Câmara Criminal, 31.10.2018). Nesse quadro, o julgamento do homicídio atribuído aos recorrentes deve ser reservado ao Tribunal do Júri, órgão constitucional competente para julgar crimes dolosos contra a vida (CF/88, art. 5°, XXXVIII, ‘d’). Das qualificadoras [motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima]: A denúncia apontou a qualificadora da torpeza (CP, art. 121, § 2º, I), em razão da vítima ter sido morta “com base em suposição de que [...] seria informante dos policiais penais” (ID 284209567). Essa motivação está consubstanciada nos depoimentos do investigador de Polícia [Orlando Lucas dos Santos] e do policial penal [William Patrício Rodrigues], bem como dos reeducandos [Guguyson Rodrigues Leão e Fabiano Aparecido de Campos Santos], todos nono sentido de que a motivação do homicídio “seria o suposto fato de que a vítima seria informante dos policiais em desfavor da facção criminosa “Comando Vermelho” e a vítima seria “X9”, “cagueta” (Relatório de Mídias – ID 284209691). Para a jurisprudência, o cometimento dos crimes por vingança [dentro do sistema prisional], envolvendo organização criminosa evidencia a motivação torpe (STJ, AgRg nos EDcl no HC n. 4.841/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 20.8.2021; TJMT, RSE NU 1022342-10.2020.8.11.0000, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, 24.2.2021). Quanto ao meio cruel (CP, art. 121, §2º, III), está evidenciada pelo “espancamento, consistente em socos e pontapés” a que submetida a vítima (ID 284209567). Infere-se do Laudo Pericial de Necrópsia nº 121.1.01.9067.2024.192960-A01, que a vítima apresentava lesões na face, membro superior e abdômen, além de tentativa de esganadura “com sinais de angústia respiratória” e morte, decorrente de traumatismo crânio encefálico (ID 284209568). A multiplicidade de golpes pode caracterizar crueldade pelo intenso sofrimento, especialmente se comprovada por laudo pericial (TJMT, RSE NU 1003996- 0.2022.8.11.0000, Primeira Câmara Criminal, 20.5.2022; RSE NU 1008607-41.2019.8.11.0000, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, 18.10.2019). No tocante à qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima (CP, art. 121, §2º, IV), consta da denúncia que os agentes “prevalecendo-se de superioridade numérica, sobremodo a dificultar o esboço de qualquer reação defensiva, agrediram copiosamente a vítima” (ID 284209567). Com efeito, “a vantagem numérica de homicidas frente a uma só vítima desarmada [sob a proteção estatal ,no interior da unidade prisional] dificulta sobremaneira o exercício de uma reação compatível, insuflando a possibilidade de incursão da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima” (TJMT, NU 1016275-29.2022.8.11.0042, Rel. Des. Rui Ramos Ribeiro, Segunda Câmara Criminal, 11.4.2025). Presente a “possibilidade de a vítima haver sido surpreendida [...], é necessário submeter esta tese fática ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, que é a instância competente para aferir se a circunstância narrada na denúncia dificultou ou não a defesa da vítima” (STJ, REsp nº 1779570/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 27.8.2019). Aplicável o Enunciado Criminal 2 deste e. Tribunal: “somente se admite a exclusão das qualificadoras na pronúncia quando manifestamente improcedentes, sob pena de se suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri” (www.tjmt.jus.br). Portanto, o afastamento das qualificadoras (CP, art. 121, §2º, I, III e IV) da pronúncia afigura-se impertinente. Sobre o crime conexo [fraude processual], foi mantido pelo juiz da causa na pronúncia por estar comprovada a materialidade e a autoria (Angelo Judai Junior, juiz de Direito - ID 284209706). Observa-se que o investigador de polícia [Orlando Lucas dos Santos] e o agente penitenciário [William Patrício Rodrigues] revelam que os detentos, um dia após o homicídio, teriam queimado roupas e lençóis para obstar a identificação dos responsáveis pela morte da vítima, simulando um início de incêndio, ocorrência demonstrada no Laudo Pericial das Vestimentas Queimadas nº 223.2.19.9067.2024.203472-A01 (ID 284209674), a configurar, em tese, o crime de fraude processual por inovar, artificiosamente, o local do crime a fim de obstar a responsabilidade penal (CP, art.347, parágrafo único). No caso, as vestimentas DIONEI CRISTIAN DA SILVA [estava de moletom cinza e calça jeans na data do homicídio] constam das imagens do Laudo Pericial nº 223.2.19.9067.2024.203472-A01 (ID 284209674), a desvelar indícios de autoria delitiva e, por conseguinte, justa causa para a submissão ao Plenário do Júri. Os delitos conexos “podem ser afastados quando a falta de justa causa -que não é o caso - se destaca in totum e de pronto” (STJ, REsp nº 1896478/PR, Rel.Min. Nefi Cordeiro, 8.2.2021). A propósito, esta e. Câmara decidiu: “Revela-se inviável aventar o afastamento do crime conexo ao doloso contra a vida quando há indícios suficientes nos autos da materialidade e da autoria delitiva, de modo que a sua configuração ou não demanda análise aprofundada do conjunto fático-probatório, que cabe ao crivo do juiz natural da causa, o Júri Popular, sob pena de usurpar indevidamente a sua competência constitucional, nos moldes do art. 78, inciso I, e do art. 413, § 1º, ambos do Código de Processo Penal.” (RSE NU 1001637-84.2022.8.11.0011, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, 15.11.2023) Desse modo, o julgamento do recorrente DIONEI CRISTIAN DA SILVA por fraude processual, também, deve ser submetido ao Conselho de Sentença. Porém, os indícios de autoria em relação VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA DE CARVALHO não estão suficientemente evidenciados, haja vista não se constatar estarem suas vestimentas [usadas na data do homicídio] retratadas no Laudo Pericial nº 223.2.19.9067.2024.203472-A01(ID 284209674). Se inexistem indícios de autoria/participação [na fraude processual] deve o julgador impronunciar os acusados, mesmo que, exclusivamente, em relação ao crime conexo por falta de justa causa (CPP, art. 414). Nesse sentido, colaciona-se julgado deste e. Tribunal: “Por força do disposto no art. 78, I, do CPP, uma vez admitida a acusação pelo crime doloso contra a vida, a competência para o julgamento dos delitos conexos é, também, do Tribunal do Júri. Tal regra, contudo, não exime o juiz do dever de apontar, em relação aos ilícitos conexos e, de forma individualizada [...], a existência de provas da materialidade e dos indícios de autoria ou de participação, que, em síntese, traduzem a justa causa para a pronúncia. [...].” (RSE, NU 1001756-49.2020.8.11.0000, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, 14.7.2020). Logo, os recorrentes VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ e JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA DE CARVALHO devem ser despronunciados do crime conexo [fraude processual] ante a ausência de indícios mínimos de autoria (CPP, art. 414). Enfim, os preceitos normativos foram observados e integrados à fundamentação, embora seja “desnecessário que o julgador esmiúce cada um dos argumentos e dispositivos legais tidos por violados, bastando que esclareça os motivos que o levaram à determinada conclusão”, razão pela qual resta prequestionada a matéria (TJDF, Ag nº 0000452-14.2018.8.07.0000, Rel. Des. João Batista Teixeira, 26.03.2018). Com essas considerações, recursos conhecidos e PROVIDOS PARCIALMENTE para: 1) afastar a imputação de fraude processual - Art.347, parágrafo único, do CP -, delimitando a pronúncia de VAGNER RAIMUNDO FRANCISCO DOS SANTOS QUEIROZ por homicídio qualificado [motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima] - Art. 121, § 2º, I, III, IV do CP; 2) afastar a imputação de fraude processual - Art.347, parágrafo único, do CP -, delimitando a pronúncia de JIMMY STANLEY MORAES DE OLIVEIRA DE CARVALHO por homicídio qualificado [motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima] - Art. 121, § 2º, I, III, IV do CP -; e preservar a pronúncia de DIONEI CRISTIAN DA SILVA por homicídio qualificado [motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima] e fraude processual - Art. 121, § 2º, I, III, IV e Art. 347, parágrafo único, ambos do CP. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 08/07/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear