Processo nº 5163351-83.2025.8.21.7000
ID: 302636082
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 22ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5163351-83.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
18/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MILTON FRANCO LEITE
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5163351-83.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Consulta
AGRAVADO
: HENRIQUE MAICA RIBEIRO
ADVOGADO(A)
: MILTON FRANCO LEITE (OAB RS125052)
DESPACHO/DECISÃO
1 - O IPE-SAÚDE - INS…
Agravo de Instrumento Nº 5163351-83.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Consulta
AGRAVADO
: HENRIQUE MAICA RIBEIRO
ADVOGADO(A)
: MILTON FRANCO LEITE (OAB RS125052)
DESPACHO/DECISÃO
1 - O IPE-SAÚDE - INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO RIO GRANDE DO SUL interpôs agravo de instrumento da decisão que, nos autos da ação cominatória ajuizada por
H. M. R.
contra si, deferiu a tutela de urgência postulada na inicial.
Em razões recursais, o agravante sustenta, em suma, que "
há de se impor limites aos serviços que os planos de saúde devem custear, sob pena de que sejam obrigados a custear tratamentos da área da educação, da atividade física, da alimentação e de outros tantos serviços e insumos que podem contribuir com a saúde numa visão mais holística, mas que desbordam claramente da saúde enquanto atendimento a que se propõem os planos de saúde
" (sic). Afirma que "
a psicopedagogia e outras terapias voltadas ao aprendizado e ao desenvolvimento intelectual, social e cultural, ainda que as dificuldades nessas áreas decorram de alguma patologia, não são prestações de atribuição do Sistema Único de Saúde e, de modo análogo, também não devem ser custeadas por planos de saúde privados ou de autogestão, tal como o IPE Saúde
" (sic). Alega que a coparticipação financeira é devida pelo usuário do plano IPE-SAÚDE, conforme prevê o art. 30 da Lei Complementar n.º 15.145/2018. Requer a agregação de efeito suspensivo ao recurso, a fim de sustar os efeitos da decisão agravada. Ao final, pugna pelo provimento do agravo de instrumento para reformar a decisão objurgada, aos efeitos de que: "
(i) seja o tratamento limitado nos termos do rol da ANS, por analogia, com a consequente revogação da liminar no tocante ao fornecimento da psicopedagogia; (ii) imposição do dever de coparticipação financeira, para que este seja aplicado e conforme o percentual estabelecido para a categoria do(a) usuário(a)
" (sic).
É a breve síntese.
2 - Recebo o agravo de instrumento e determino o seu regular processamento, com fulcro no art. 1.019 c/c art. 932, ambos do CPC.
Em cognição sumária
, vislumbro em parte a necessária relevância da fundamentação esgrimida no recurso, apta a ensejar a concessão parcial do efeito suspensivo ativo postulado.
Cuida-se de ação de obrigação de fazer ajuizada por
H. M. R.
, menor e incapaz, representado por sua genitora, em face do INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO RIO GRANDE DO SUL (IPE-SAÚDE), em cuja inicial o autor, portador de moléstia catalogada como
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
(CID-10 F84), postula a dispensação de atendimento contínuo com
PSICÓLOGA (2 VEZES POR SEMANA) E PSICOPEDAGOGA (3 VEZES POR SEMANA)
para o seu tratamento.
A decisão interlocutória hostilizada deferiu a tutela de urgência postulada na inicial (
evento 4, DESPADEC1
), neste termos:
Recebo a inicial e defiro a gratuidade da justiça à parte autora.
Passo a analisar o pedido de tutela antecipada.
A concessão da tutela de urgência, regida pelo art. 300 e seguintes do CPC, exige a demonstração de (a) elementos que evidenciem a probabilidade do direito e (b) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
No caso concreto, a parte autora busca, liminarmente, a determinação para que o réu arque com os custos do tratamento multidisciplinar, indicado por profissional médico, consistente em acompanhamento psicológico, duas vezes por semana, e psicopedagógico, três vezes por semana, com profissionais com as quais o autor já possui vínculo terapêutico, o que é essencial para o seu desenvolvimento e estabilidade emocional.
Os documentos que instruem a inicial comprovam o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), a prescrição expressa para o referido tratamento e a negativa administrativa do IPÊ-SAÚDE, que se ampara na ausência de previsão normativa para justificar o indeferimento. Além disso, restou demonstrado que o atendimento público disponível condiciona o acesso a longa fila de espera em município diverso, sem previsão de início, o que agrava o quadro do menor.
O IPÊ-SAÚDE indeferiu o pedido sob o fundamento de que não há regulamentação no âmbito do Instituto para fornecer a modalidade terapêutica postulada, afirmando que não existe previsão de cobertura para esse tipo de atendimento nas tabelas do IPÊ-SAÚDE, tampouco cálculo atuarial que permita sua inclusão. Fundamentou sua decisão na Lei Complementar nº 15.145/2018, bem como nas Leis Estaduais nº 12.066/2004 e 15.145/2018, e na Resolução nº 21/1979, que define as coberturas do plano segundo regramento próprio e dotação orçamentária.
Sobre a temática, o c. STJ, em recente julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, decidiu que o tratamento das pessoas com transtorno de espectro autista (TEA) deve ser coberto de maneira ampla pelos planos de saúde (EREsp 1.889.704, 12/04/2023), não havendo que se falar, pois, em ausência de regulamentação como justificativa para a negativa de fornecimento do tratamento.
Conclui-se, pois, que, em sede de cognição sumária, não se observam elementos plausíveis para o indeferimento administrativo, o que, somado ao entendimento jurisprudencial mencionado, evidencia a probabilidade do direito buscado pela parte autora.
O perigo de dano é evidente e decorre da falta de submissão ao tratamento indicado, que pode causar dificuldades no desenvolvimento da criança, conforme atestado pela médica assistente.
Diante desses argumentos,
DEFIRO
a antecipação de tutela, o fazendo para determinar ao réu que passe a fornecer à parte autora, no prazo de 10 (dez) dias, o tratamento indicado pelo médico responsável, abrangendo
atendimentos semanais com psicóloga, na frequência de duas sessões por semana, e psicopedagoga, na frequência de três sessões por semana, junto às profissionais já vinculadas ao autor, Nelinha Pinto (CRP 07/33647) e Liane Cipolatt Lopes (ABPp 4572/17), ou, na impossibilidade, outros profissionais de sua livre escolha habilitados na mesma localidade, com custeio integral das despesas necessárias
.
Concessa
venia
, estimo que se impõe solução diversa, conforme adiante explicitado.
Na espécie, indiscutível a necessidade de estimulação precoce para o desenvolvimento infantil do autor
H. M. R.
, portador de autismo, como esclarece o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Comportamento Agressivo no Transtorno do Espectro do Autismo
1
, do Ministério da Saúde.
O atendimento multidisciplinar está recomendado, como forma de propiciar melhora na qualidade de vida do postulante.
Ademais, há a comprovação da impossibilidade da parte autora de arcar com os custos do tratamento, de valor expressivo, aspecto confortado pela circunstância de estar litigando sob o pálio da AJG.
Neste contexto, a inviabilização do tratamento multidisciplinar poderá acarretar severos riscos ao desenvolvimento neuropsicomotor da autora.
De aduzir, a outro turno, que, em 06 de abril de 2018, entrou em vigor a Lei Complementar n.º 15.145/2018, que dispõe sobre o sistema de assistência à saúde dos servidores públicos do Rio Grande do Sul, diploma que revogou a Lei Complementar n.º 12.134/2004.
Conforme dispõe o art. 4º da Lei Complementar 15.145/2018, integram o Plano IPE-SAÚDE os atendimentos médicos, hospitalares, ambulatoriais, laboratoriais, bem como atos necessários ao diagnóstico e aos tratamentos devidos aos usuários.
Desse modo, à Autarquia demandada não é lícito negar-se a fornecer o necessário tratamento prescrito à segurada, à vista da notória gravidade da situação e considerando o entendimento pacificado junto ao Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o plano de saúde não pode selecionar o tipo de tratamento dispensado.
Nessa senda:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM DANOS MATERIAIS. PLANO DE SAÚDE. RECUSA DE TRATAMENTO A DOENÇA COBERTA. ÍNDOLE ABUSIVA. ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO, AINDA QUE IMPLÍCITO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme entendimento consolidado nesta Corte, é possível o reconhecimento de prequestionamento implícito, para fins de conhecimento do recurso especial, quando as questões debatidas no recurso especial tenham sido decididas no acórdão recorrido, ainda que sem a explícita indicação dos dispositivos de lei que o fundamentaram. In casu, a questão atinente ao valor atribuído na origem às astreintes não foi debatida nem decidida no acórdão de origem, não tendo sido prequestionado o art. 461, § 6º, do CPC/73. Incidência das Súmulas 282 e 356/STF.
2. "
A jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade de o plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado, sendo abusiva a negativa de cobertura do procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para sua realização de acordo com o proposto pelo médico
" (AgInt no AREsp 949.765/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 1º/12/2016, DJe de 19/12/2016).
3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 969.764/CE, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 23/03/2018)
No mesmo diapasão, colaciono ementa de aresto desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE PÚBLICA.
IPE
-SAÚDE.
PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA DESACOLHIDA.
FORNECIMENTO DE TRATAMENTO
MULTIDISCIPLINAR
PARA TRANSTORNO DO
ESPECTRO
AUTISTA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, FIXAÇÃO POR EQUIDADE. CABIMENTO.
1. Prefacial de cerceamento de defesa, arguida pelo
IPE
-SAÚDE, desacolhida. Caso em que despicienda a prova pericial para averiguação de aspectos que já se encontram suficientemente evidenciados. 2. Conforme preconiza a Lei Complementar n.º 15.145/2018, aplicável ao caso em análise, o Plano
IPE
-SAÚDE é integrado pelos atendimentos médicos, hospitalares, envolvendo os atos necessários ao diagnóstico e ao tratamento, bem como ações de prevenção da doença e à promoção da saúde.
A escolha do tipo de tratamento a ser prescrito ao paciente cabe ao médico e não ao convênio, já que somente o profissional especializado é quem poderá optar e recomendar qual o melhor método e/ou medicamento a ser utilizado em cada caso, tudo no objetivo de alcançar o melhor resultado do tratamento.
3. Em se tratando de demanda com proveito econômico inestimável, afigura-se cabível a fixação de verba honorária por apreciação equitativa, nos termos do art. 85, §8º, do CPC e do TEMA 1076/STJ. Precedentes do STJ e desta Corte. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50000247820218210055, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 15-12-2022)
Outrossim, oportuno esclarecer que a patologia que acomete a demandante está contemplada na cobertura do plano do IPE-SAÚDE, sendo certo, ainda, que, no tocante especificamente à modalidade terapêutica de
psicopedagogia
, tal constitui especialidade da própria psicologia, segundo Resolução n.º 014/2000 do Conselho Federal de Psicologia, configurando espécie de tratamento da área da saúde, portanto.
Ademais, trata-se - a aludida modalidade - de componente multidisciplinar de suma importância no atendimento de pacientes portadores do transtorno do espectro autista, como na espécie, sobretudo porque diretamente atrelado à promoção do seu pleno e regular desenvolvimento.
Logo, impõe-se manter o atendimento com psicopedagogo.
A propósito, refiro o seguinte julgado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
IPE-SAÚDE. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. TERAPIA OCUPACIONAL. FONOAUDIÓLOGA PELO MÉTODO ABA. PSICÓLOGA. PSICOPEDAGOGA. AVALIAÇÃO PERIÓDICA. RESOLUÇÃO 539 DA ANS. TUTELA DE URGÊNCIA. ART. 300 DO CPC.
COPARTICIPAÇÃO.
1. É taxativo o rol de procedimentos e eventos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde (ANS), não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista. 2. A ANS, por meio da Resolução Normativa nº 539, decidiu que a operadora deverá oferecer aos beneficiarios portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente. Art. 6º, § 4º. 3. O deferimento da antecipação de tutela pressupõe o preenchimento dos requisitos dispostos no art. 300 do CPC. Hipótese em que está presente a demonstração da urgência do fornecimento do tratamento requerido. 4. As sessões de musicoterapia não figuram no tratamento previsto pelo IPE-SAÚDE e na ANS. 5. A coparticipação é um dos princípios que rege o Sistema de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul. Arts. 2º e 30 da Lei Complementar nº 15.145/2018. As consultas com profissionais de fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, terapia comportamental e educação especial estão sujeitas ao regime de coparticipação, segundo o salário de contribuição. Recurso provido em parte.(Agravo de Instrumento, Nº 50446694320238217000, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em: 04-05-2023)
A outro turno, vale destacar que a Resolução RN nº 541
2
da ANS, de 11 de julho de 2022, -
de aplicação analógica ao caso
- que dispõe sobre a alteração dos procedimentos referentes aos atendimentos com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e sessões de psicoterapia,
regulamentou a cobertura obrigatória e sem limite
desses procedimentos a todos os segurados
,
desde que haja indicação médica
, nestes termos, "in litteris":
Na espécie, comprovada a urgência e imprescindibilidade da dispensação do atendimento multidisciplinar prescrito pelo médico assistente da parte autora e ausente exclusão expressa de cobertura no regulamento do plano IPE-SAÚDE, deve a autarquia previdenciária fornecer o tratamento requerido na exordial.
Nesse sentido, colaciono ilustrativo precedente deste Colegiado:
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA.
IPÊ
-SAÚDE.
TRATAMENTO
MULTIDISCIPLINAR
. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. REJEIÇÃO. (...) MÉRITO. LEI APLICÁVEL. MARCO TEMPORAL. - O marco temporal para a aplicabilidade da Lei nº 15.145/18, que revogou a norma anterior Lei nº 12.134/04, é a data do pedido administrativo. Situação dos autos em que aplicável a lei nova, pois o pleito administrativo ocorreu após 05/04/2018, data de vigência da nova lei. PACIENTE
PORTADORA DE TRANSTORNO DO
ESPECTRO
AUTISTA - TEA. TRATAMENTO
MULTIDISCIPLINAR
(MUSICOTERAPIA, FONOAUDIOLOGIA, TERAPIA OCUPACIONAL E PSICOLOGIA). DEFERIMENTO JUDICIAL PARCIAL. RESOLUÇÃO Nº 539/2022 DA ANS. COBERTURA OBRIGATÓRIA PARA A TÉCNICA INDICADA PELO MÉDICO ASSISTENTE PARA O TRATAMENTO DO PACIENTE DE TEA
. - Em se tratando de paciente portador de transtorno do
espectro
autista, a ANS alterou a Resolução nº 465/21 com a edição da Resolução nº 539/22 passando a considerar obrigatória a cobertura para técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento do paciente que tenha um dos transtornos enquadrados na CID F84, conforme a Classificação Internacional de Doenças. A informação acerca da modificação consta do próprio site do Ministério da Saúde, na aba Agência Nacional de Saúde Suplementar, em publicação realizada em 23/06/2022. - Situação dos autos em que deve ser fornecido ao paciente o tratamento
multidisciplinar
prescrito pelo seu médico, na integralidade. (...). PRELIMINAR REJEITADA E APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA, À UNANIMIDADE. APELAÇÃO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDA, EM MAIOR EXTENSÃO, POR MAIORIA. (Apelação Cível, Nº 50078710720198210022, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em: 20-07-2023)
Da coparticipação financeira.
Até o advento da atual legislação do Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul, a jurisprudência desta Corte era uníssona em reconhecer a possibilidade de coparticipação financeira do segurado do sistema IPE-SAÚDE tão somente quanto a exames e consultas, com fundamento na Resolução nº 311/2000.
Atualmente, porém, a coparticipação financeira do usuário do aludido sistema está prevista na Lei Complementar Estadual nº 15.145/2018, nos artigos 2º e 30, que assim dispõem, "in litteris":
Art. 2º É objetivo primordial do Sistema IPE Saúde a realização das operações de assistência à saúde aos servidores públicos dos Poderes de Estado, órgãos e entidades autônomas, previstas nas tabelas de cobertura do IPE Saúde, na forma prevista e autorizada nesta Lei Complementar, no respectivo Regulamento e nos atos normativos expedidos pelo Instituto.
§ 1º O Sistema de que trata o “caput” deste artigo é fundamentado nos p
rincípios da coparticipação financeira dos usuário
s e da prestação de serviços de assistência médica, mediante credenciamento de profissionais e pessoas jurídicas da área da saúde. (grifei)
Art. 30. O usuário do Sistema IPE Saúde realizará o pagamento de parte das despesas com consultas, exames complementares, serviços ou procedimentos, a título de coparticipação, em percentual de até 40% (quarenta por cento) do valor constante de tabelas de procedimentos adotadas do IPE Saúde, conforme estabelecido em regulamento específico.
Parágrafo único. É vedada a coparticipação dos usuários nas internações hospitalares e tratamentos ambulatoriais.
Desse modo, considerando que a coparticipação financeira do segurado do plano IPE-SAÚDE está prevista de forma clara e expressa na lei de regência, o usuário deve suportar e custear a sua respectiva quota, pois a cobertura do plano de saúde público está definida na lei supracitada e no regramento administrativo da autarquia demandada.
Nesse sentido, invoco ilustrativos precedentes deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE FORNECIMENTO DE
TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR
DOMICILIAR (HOME CARE). TÉCNICOS EM ENFERMAGEM, ENFERMEIROS, NUTRICIONISTAS, FISIOTERAPIA E FONOTERAPIA. COPARTICIPAÇÃO DEVIDA. ARTIGOS 2º, 18 E 30 DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 15.145/18.
A coparticipação do usuário é cabível quando da realização de consultas, exames complementares, serviços ou procedimentos.
No caso dos autos, o tratamento multidisciplinar solicitado pela parte autora configura-se como serviços, razão pela qual é devida a coparticipação financeira do segurado, nos termos do art. 30 da Lei Complementar nº 15.145/2018, bem como por se tratar de princípio do sistema IPE-Saúde
. APELO PROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70085050243, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em: 26-05-2021)
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
IPE
-SAÚDE.
FORNECIMENTO DE SESSÕES DE FONOAUDIOLOGIA, PSICOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL
.
COPARTICIPAÇÃO
DO USUÁRIO DO SISTEMA. CABIMENTO.
A Lei Complementar nº 15.145/2018, prevê a
coparticipação
dos usuários do Sistema nos casos de consultas, exames complementares, serviços ou procedimentos (art. 2º, § 1º). Portanto, admissível a
coparticipação
da parte autora. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento, Nº 51322471520218217000, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em: 09-12-2021)
Como o art. 30 da LC Estadual n.º 15.145/2018 ampliou as hipóteses de coparticipação financeira para além de consultas e exames, abarcando igualmente serviços ou procedimentos, com base no valor constante de tabelas de procedimentos adotadas pelo IPE-SAÚDE, vedando a cobrança unicamente para os casos de internações hospitalares e tratamentos ambulatoriais, afigura-se viável a exigência de coparticipação do segurado em relação à dispensação de tratamento multidisciplinar.
No que tange à definição do valor da coparticipação, cabe destacar que a Resolução RN n.º 541
1
da ANS, de 11 de julho de 2022, anteriormente trascrita, estabelece que o tratamento multidisciplinar postulado na inicial está incluído no rol de “
procedimentos gerais
”, nestes termos, "in litteris":
Acrescento que o § 4º do art. 6º da Resolução ANS n.º 539/2022 estabelece que: "
Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora
deverá
oferecer
atendimento
por
prestador
apto
a
executar
o
método
ou
técnica
indicados
pelo
médico
assistente
para tratar a doença ou agravo do paciente
.
"
Pois bem.
Como cediço, o IPE-SAÚDE não tem profissionais credenciados para a realização das terapias postuladas pelo autor. Tal situação acarreta a necessidade de contratação dos procedimentos terapêuticos de forma particular pelo usuário do plano de saúde público.
De outra parte, cabe enfatizar que a Lei Estadual n.º 15.145/2018 prevê o ressarcimento de despesas com prestador de serviço não credenciado, conforme deflui da regra do art. 35, a preceituar:
Art. 35. O IPE Saúde poderá efetuar o ressarcimento de despesas realizadas por prestador de serviço não credenciado
, desde que o atendimento tenha ocorrido em situação de urgência ou emergência atestada pelo médico assistente, e
na hipótese de comprovada ausência de entidade ou profissional credenciado na localidade
da ocorrência, conforme definido em regulamento.
Parágrafo único. Preenchidas as condições previstas no “caput” deste artigo, o ressarcimento será realizado conforme instrução estabelecida no regulamento e de acordo com os procedimentos e os
valores praticados em tabelas próprias
do Sistema IPE Saúde.
Para esses casos, portanto, quais sejam aqueles relativos ao
ressarcimento
de
despesas
realizadas
por
prestador
de
serviço
não
credenciado
, o parágrafo único acima transcrito estabelece que o ressarcimento estará condicionado aos valores praticados em tabelas próprias da autarquia previdenciária, sendo de ressaltar que inexiste previsão específica para o tratamento do transtorno do espectro autista (TEA).
Diante desse cenário, na definição da base de cálculo da coparticipação financeira do usuário do plano IPE-SAÚDE, impõe-se observar os valores previstos para a rubrica consultas (tabela infra), porquanto as terapias requeridas pela parte demandante a tanto se adequam, são realizadas em consultórios e/ou clínicas especializadas e não compreendem o caráter investigativo de diagnóstico dos exames.
Noutros termos: o enquadramento da coparticipação relativa ao tratamento multidisciplinar deve ser como "consultas".
Bem ressaltou esse aspecto o Acórdão de lavra da em. Desembargadora MARILENE BONZANINI proferido na Apelação Cível n.º 5037783-73.2023.8.21.0001/RS, do qual reproduzo a seguinte passagem, “in litteris”:
"Acerca da definição do montante da coparticipação em tratamentos multidisciplinares, altero o entendimento inicial disposto no recurso de agravo de instrumento conexo, e passo a afastar a incidência de percentual sobre o valor do atendimento.
Ocorre que a Instrução Normativa nº 01/2020 do Instituto réu Regulamenta o procedimento para o reembolso de tratamentos multidisciplinares concedidos por força de determinação judicial, dispondo que o valor da coparticipação do usuário está regulado pela Resolução nº 311/2000, conforme disposto no site do demandado:
Art. 8º Os pedidos de reembolso efetivados nos termos da presente instrução normativa se sujeitam ao pagamento de coparticipação, nos termos do §1º do art. 2º e art. 30 da Lei n. 15.145/18.
Parágrafo único. O valor da coparticipação é definido nos termos da Resolução n° 311/2000, ou outra que lhe venha a substituir, e pode ser consultado http://www.ipesaude.rs.gov.br/coparticipacao-categorias.
Em consulta ao link supracitado, possível perceber que há duas opções de base de cálculo para a coparticipação do usuário. A primeira delas é atinente a consultas e apresenta valores fixos, já a segunda refere-se a exames e está estipulada em percentuais:
A par de tais premissas, por certo que o tratamento multidisciplinar - que abarca atendimentos por meio de sessões com profissionais especializados - melhor enquadra-se no item "consultas" da tabela acima, devendo ser descontado do reembolso o valor fixo correspondente à categoria do usuário.
Colaciono precedentes (grifos meus):
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
IPÊ
-
SAÚDE
. TRATAMENTO
MULTIDISCIPLINAR
. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (CID-10 F84.0/CID-11 6A02.Z). COBERTURA LIMITADA A SESSÕES REALIZADAS POR PROFISSIONAIS DA ÁREA DA
SAÚDE
. MITIGAÇÃO DO ENQUADRAMENTO DA
COPARTICIPAÇÃO
PARA
CONSULTAS
. REFORMA PARCIAL DA TUTELA DE URGÊNCIA. 1. A adequada interpretação dos artigos 1º, 2º, caput, e 4º, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar Estadual nº 15.145/18, conduz à conclusão de que não se pode excluir do rol de coberturas os atendimentos indispensáveis à
saúde
, ainda que não prestados diretamente por médicos, como ocorre nos tratamentos
multidisciplinares
. Jurisprudência do STJ e desta Corte. 2. Hipótese em que a autarquia estadual se insurge contra decisão que, em sede de tutela de urgência, deferiu tratamento
multidisciplinar
a criança diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista. As sessões de psicopedagogia devem ser realizadas por profissionais da área da
saúde
, conforme normas da ANS e a cobertura prevista no plano de
saúde
.
O enquadramento da
coparticipação
relativa ao tratamento
multidisciplinar
deve ser como "
consultas
".
Precedentes. Decisão parcialmente reformada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento, Nº 50142463220258217000, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em: 25-04-2025)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO.
SAÚDE
. TUTELA DE URGÊNCIA.
COPARTICIPAÇÃO
. I. CASO EM EXAME: AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO DETERMINANDO AO AGRAVANTE QUE ARQUE COM A
COPARTICIPAÇÃO
EXIGIDA PELO PLANO DE
SAÚDE
, PARA O CUSTEIO DA TERAPIA DEFERIDA NOS AUTOS DE PRIMEIRO GRAU. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: VERIFICAR SE É POSSÍVEL AFASTAR A DETERMINAÇÃO DE PAGAMENTO DA
COPARTICIPAÇÃO
OU FIXAR ESTA COM BASE NO VALOR DA
CONSULTA
. III. RAZÕES DE DECIDIR: A LEI COMPLEMENTAR Nº 15.145/2018, DE 05 DE ABRIL DE 2018, QUE ALTEROU A LEI COMPLEMENTAR Nº 12.134/2006, DISPÕE QUE O SISTEMA
IPE
-
SAÚDE
É FUNDAMENTADO NO PRINCÍPIO DA
COPARTICIPAÇÃO
FINANCEIRA DOS USUÁRIOS. NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 30, DO RESPECTIVO DIPLOMA LEGAL, A
COPARTICIPAÇÃO
SÓ NÃO SERÁ DEVIDA EM INTERNAÇÕES HOSPITALARES E TRATAMENTOS AMBULATORIAIS, O QUE NÃO É O CASO DOS AUTOS.
CUIDANDO-SE DE TRATAMENTO
MULTIDISCIPLINAR
, O QUAL SE ENQUADRA NA DESCRIÇÃO DE "SERVIÇOS OU PROCEDIMENTOS", NOS TERMOS DO CAPUT DO ART. 30, DA LC 15.145/2018, É DEVIDA A
COPARTICIPAÇÃO
DO USUÁRIO. ASSIM, DEVE SER RECONHECIDO O DEVER DE
COPARTICIPAÇÃO
DA PARTE SEGURADA, PORÉM, CALCULADO COM BASE NO VALOR DA CATEGORIA REFERENTE À
CONSULTA
MÉDICA, E NÃO EXAME DE MÉDICO.
IV. DISPOSITIVO: AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, FINS DE ENQUADRAR A
COPARTICIPAÇÃO
COMO
CONSULTA
, DEVENDO O VALOR A SER DESPENDIDO MENSALMENTE PELA GENITORA DA PARTE AGRAVANTE NÃO INCIDIR EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DO TRATAMENTO, MAS SIM EM VALOR DETERMINADO, INDEPENDENTE DO CUSTO INDIVIDUAL DA SESSÃO REALIZADA. V. DISPOSITIVOS E JURISPRUDÊNCIA RELEVANTES CITADOS: ARTIGO 30 DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 15.145/2018 E ART. 8º DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 01/2020. TJRS: AGRAVO DE INSTRUMENTO, Nº 50715814820218217000, VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, JULGADO EM: 05-08-2021. AGRAVO DE INSTRUMENTO, Nº 50730757920208217000, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LAURA LOUZADA JACCOTTET, JULGADO EM: 16-06-2021. POR UNANIMIDADE, AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50438650720258217000, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em: 25-04-2025)
RECURSO INOMINADO. SEGUNDA TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLICA.
IPE
-
SAÚDE
. TRATAMENTO
MULTIDISCIPLINAR
. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.
COPARTICIPAÇÃO
DEVIDA DE ACORDO COM OS VALORES COBRADOS NAS
CONSULTAS
MÉDICAS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso Inominado, Nº 50265909520238210022, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Eduardo Ernesto Lucas Almada, Julgado em: 18-03-2025)"
Desse modo, comprovada a ocorrência de situação excepcional, qual seja, a inexistência de profissionais credenciados na região de domicílio do autor, aptos a realizarem o tratamento multidisciplinar prescrito por seu médico assistente, o usuário deve suportar e custear a respectiva coparticipação financeira, no valor fixo previsto para as consultas, observadas a categoria e a faixa salarial do segurado titular do plano IPE-SAÚDE.
Portanto, no ponto, comporta modificação a decisão objurgada.
3 –
Portanto, presentes os requisitos elencados no art. 995, parágrafo único, do CPC,
defiro em parte o efeito suspensivo ativo
postulado, a fim de determinar que o autor deve suportar e custear a respectiva coparticipação financeira no tratamento deferido, no valor fixo previsto para as consultas médicas, observada a categoria e a faixa salarial do segurado titular do plano IPE-SAÚDE.
Comunique-se o juízo “a quo”,
com urgência
.
Intimem-se, inclusive a parte agravada para oferecer contraminuta, querendo, no prazo legal.
Ao depois, dê-se vista ao Ministério Público (art. 1.019, inc. III, do CPC).
Diligências legais.
1. PORTARIA CONJUNTA Nº 7, de 12 de ABRIL de 2022.file:///C:/Users/cirojcm/Downloads/20220419_PORTAL-Portaria_Conjunta_7_Comportamento_Agressivo_TEA%20(2).pdf
2. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rn-n-541-de-11-de-julho-de-2022-414771275
1
. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rn-n-541-de-11-de-julho-de-2022-414771275
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