Processo nº 1001569-32.2024.8.11.0087
ID: 258295367
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001569-32.2024.8.11.0087
Data de Disponibilização:
17/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RUBENS CORBELINO JUNIOR
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001569-32.2024.8.11.0087 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). HE…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001569-32.2024.8.11.0087 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). HELIO NISHIYAMA Turma Julgadora: [DES(A). HELIO NISHIYAMA, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO] Parte(s): [ENDREW MENDDSON RODRIGUES DE SOUSA - CPF: 057.004.131-75 (APELANTE), RUBENS CORBELINO JUNIOR - CPF: 022.180.871-03 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), LUIS FELIPE DO ESPIRITO SANTO RIBEIRO - CPF: 061.142.541-63 (ASSISTENTE), MASSAO KURASHIMA FILHO - CPF: 016.356.432-95 (ASSISTENTE), NGREIKIAKATI MEKRAGNOTIRE - CPF: 077.340.391-46 (ASSISTENTE), ADENILSON ALVES MATOS - CPF: 628.106.261-20 (ASSISTENTE), EMERY BANDEIRA DE ALMEIDA JUNIOR - CPF: 363.323.068-82 (ASSISTENTE)] A C Ó R D à O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). HELIO NISHIYAMA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. EMENTA DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO DA DEFESA. NULIDADE DA BUSCA DOMICILIAR. INEXISTÊNCIA. PRESENÇA DE FUNDADAS RAZÕES. DOSIMETRIA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 630 DO STJ. TRÁFICO PRIVILEGIADO. REQUISITOS PREENCHIDOS. HABITUALIDADE DELITIVA NÃO EVIDENCIADA. FRAÇÃO REDUTORA MODULADA. PERDIMENTO DE BENS. CONFISCO MANTIDO. ORIGEM LÍCITA E PROPRIEDADE NÃO COMPROVADA. VEÍCULO USADO NO COMÉRCIO DE ENTORPECENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de apelação criminal interposto pela defesa contra sentença que condenou o réu pela prática do crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/06, art. 33, caput), à pena de 05 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 500 dias-multa, além do perdimento dos bens apreendidos durante a diligência policial. 2. Fatos relevantes: (i) prisão em flagrante do apelante em posse de entorpecentes; (ii) busca e apreensão de drogas na residência do réu, após denúncia anônima e monitoramento policial; (iii) apreensão de motocicleta, aparelhos celulares e valores em espécie; (iv) diligência pautada em fundadas razões; (v) apelante que admitiu apenas a propriedade da droga para consumo próprio; (vi) tráfico privilegiado negado pela habitualidade delitiva do agente; (vii) inexistência de provas concretas da habitualidade; (viii) ausência de prova da origem lícita dos celulares e valores apreendidos; (ix) motocicleta usada, ocasionalmente, na prática do crime de tráfico de drogas. 3. Requerimentos do recurso: (i) nulidade da busca domiciliar por ausência de justa causa; (ii) reconhecimento da atenuante da confissão; (iii) aplicação da minorante do tráfico privilegiado; (iv) exclusão da pena de perdimento dos bens apreendidos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. As questões em discussão consistem em: (i) verificar a legalidade da busca domiciliar e da prova dela decorrente; (ii) analisar a possibilidade de incidência da atenuante da confissão; (iii) definir se o apelante faz jus à aplicação da minorante do tráfico privilegiado; e (iv) verificar a legalidade da pena de perdimento dos bens apreendidos. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. O ingresso forçado em domicílio sem devido mandado judicial, somente se revela legítimo quando subsidiado em fundadas razões, devidamente justificadas pela situação do caso concreto, que demonstrem estar ocorrendo, no interior da residência, situação de flagrante delito. 6. Não caracteriza qualquer ilegalidade a busca domiciliar precedida de denúncia anônima, confirmada por campana policial, aliada a tentativa de fuga do agente e a apreensão de droga em poder dele. 7. A confissão espontânea que não inclui a admissão da traficância não gera a incidência da atenuante do art. 65, III, “d”, do Código Penal, conforme a Súmula 630 do STJ. 8. A aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 exige que o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividade criminosa e não integre organização criminosa. 9. A ausência de provas concretas sobre a dedicação habitual à atividade criminosa permite o reconhecimento do tráfico privilegiado. 10. O perdimento dos bens em decorrência da prática do crime de tráfico de drogas tem assento constitucional (CF, art. 243, §º único) e constitui efeito da condenação, conforme regulamentado, de forma geral, no art. 91, inciso II, do Código Penal e, de forma específica, no art. 63 da Lei 11.343/06. 11. A restituição dos objetos apreendidos somente é possível quando presentes provas concretas da origem lícita e da propriedade do requerente. IV. DISPOSITIVO 12. Recurso parcialmente provido. ___________________ Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, XI; Lei 11.343/06, art. 33, § 4º, e art. 63; CP, arts. 44, § 2º, e 91, II; CPP, art. 157. Jurisprudências relevantes citadas: STF, RE 603.616/RO, RE n. 638.491/PR; STJ, Súmula 630, RHC 104.682/MG, AgRg nos EDcl no REsp 2.115.455/PR. RELATÓRIO EXMO. SR. DES. HÉLIO NISHIYAMA Egrégia Câmara Criminal: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pela defesa do acusado Endrew Menddson Rodrigues de Sousa, contra a sentença do Juízo da Vara Única da Comarca de Guarantã do Norte, nos autos da ação penal n. 1001569-32.2024.8.11.0087, que o condenou pela prática do crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/06, art. 33, caput), à pena de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, 500 (quinhentos) dias-multa, além do perdimento dos bens apreendidos durante a diligência policial. Nas razões recursais, a defesa postula, preliminarmente, a nulidade da diligência policial de ingresso no domicílio do apelante e das provas dela decorrentes, alegando a ausência de justa causa para a medida. No mérito, requer o reconhecimento da atenuante da confissão, a aplicação da causa de diminuição de pena do tráfico privilegiado, além da exclusão da pena de perdimento da motocicleta, dos aparelhos celulares e valores apreendidos (id. 257346830). Em sede de contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso (id. 257346832). A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento parcial do apelo, a fim de que seja aplicada a causa especial de diminuição de pena do tráfico privilegiado, na fração mínima de 1/6 (um sexto) (id. 268980295). É a síntese do necessário. Devidamente relatados, os autos foram encaminhados à revisão. VOTO EXMO. SR. DES. HÉLIO NISHIYAMA (RELATOR) Egrégia Câmara Criminal: Extrai-se dos autos que o apelante Endrew Sousa foi denunciado pela prática do crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/06, art. 33, caput), materializado pela apreensão de 201,13 g de maconha e 134,76 g de cocaína, descrito na inicial do seguinte modo: “(...) No dia 09 de maio de 2024, por volta das 18h45min, na residência situada na Rua Vitória Régia, ao lado da TV Migrantes, em Guarantã do Norte/MT, o denunciado ENDREW MENDDSON RODRIGUES DE SOUSA transportava, trazia consigo, guardava e tinha em depósito drogas, com finalidade diversa do consumo pessoal, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. Segundo o relatado no caderno investigativo, a equipe de investigadores recebeu uma notícia anônima indicando a venda de drogas na residência situada na RUA VITORIA REGIS, s/nº, BAIRRO SÃO LOURENÇO, ‘ao lado do Condomínio em construção’, imóvel este pertencente ao denunciado ENDREW. A Autoridade Policial, então, passou a monitorar o local e constatou a possível venda de drogas, identificando potenciais usuários chegando e saindo rapidamente para evitar a ação policial. Neste contexto, em 09 de maio de 2024, a equipe intensificou as diligências e o monitoramento, ocasião em que abordou o denunciado ENDREW, em frente ao portão, conduzindo uma motocicleta, encontrando com ele 02 (duas) porções grandes de maconha. Em razão da fundada suspeita da ocorrência de crime permanente no local, os policiais realizaram buscas na habitação, encontrando uma grande quantidade de maconha, pasta base de cocaína, balança de precisão, além embalagens para preparo das drogas para a comercialização. (...)” (sic, id. 257346765). Ao final da fase instrutória, o magistrado singular julgou procedente a pretensão punitiva do Estado, condenando o apelante pela prática do delito de tráfico de drogas, à pena de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, além do perdimento da motocicleta Honda/CG 150 Fan, ano 2013, placa OBQ-1J24/MT, e da quantia de R$ 8.070,00 (oito mil e setenta reais), ambos em favor do Estado de Mato Grosso, bem como a destruição do aparelho de celular (id. 257346823). 1. PRELIMINAR 1.1. Fundadas razões para busca domiciliar A defesa arguiu a preliminar de nulidade da busca domiciliar, sustentando que o ingresso dos policiais na residência do apelante Endrew ocorreu sem seu consentimento ou ordem judicial, em afronta ao disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, sendo impositiva a absolvição do apelante por considerar ilícitas as provas decorrentes da diligência policial. Argumenta que os depoimentos dos agentes policiais são contraditórios, bem como que não houve consentimento dos moradores para a entrada e revista do imóvel. Sustenta que a narrativa policial carece de credibilidade, pois menciona a existência de gravações da campana policial que, entretanto, não foram juntadas aos autos. Sem razão. Com efeito, na ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 603.616/RO, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem devido mandado judicial, somente se revela legítimo quando subsidiado em fundadas razões, devidamente justificadas pela situação do caso concreto, que demonstrem estar ocorrendo, no interior da residência, situação de flagrante delito. Nesse mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que “o ingresso forçado em residência sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito” (RHC 104.682/MG, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/12/2018). Portanto, a violação do domicílio particular exige a presença de contexto fático prévio à invasão, que permita concluir a existência de crime no íntimo da residência, para, somente então, mitigar o direito à inviolabilidade do domicílio sem ordem judicial. Ao analisar a presença de fundadas razões, o Superior Tribunal de Justiça validou diligência policial precedida de informações anônimas e campana policial, que constatou alta movimentação de usuários de droga, além da tentativa de fuga do agente, ao notar a presença da guarnição policial: “(...) No caso, os policiais, após receberem informações anônimas de que o agravante estaria praticando tráfico de drogas em sua residência, realizaram campana e constataram fluxo de indivíduos com os quais foram encontrados entorpecentes no local, vindo posteriormente a visualizar o agravante empreender fuga e dispensar uma mochila, contendo grande quantidade de drogas, ao perceber a presença dos militares em frente a sua casa. Assim, havia fundadas razões para acreditar se tratar de flagrante delito, situação que autoriza o ingresso domiciliar. Estão hígidas, em vista disso, as provas produzidas. (...)” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp n. 2.115.455/PR, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 24/06/2024). A situação apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça é semelhante ao caso em exame. Isso porque, ao contrário do que alega a defesa, a ação policial se deu diante de relevante contexto fático, consubstanciado em recebimento de denúncias anônimas sobre tráfico de drogas no local, corroboradas por campanas policiais e pela tentativa de evasão do apelante ao perceber a aproximação da guarnição policial. Os policiais Luís Felipe do Espírito Santo Ribeiro, Adenilson Alves Matos, Massao Kurashima Filho e Emery Bandeira de Almeida Junior relataram, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que já investigavam denúncias de tráfico de drogas no local dos fatos, tendo inclusive realizado campanas prévias para confirmar a veracidade das informações recebidas, onde constataram movimentação típica de ponto de venda de entorpecentes. O policial Adenilson Alves Matos narrou em juízo que “a gente estendeu as diligências para tentar localizar e um dia a gente conseguiu êxito em localizar esse local, onde está ocorrendo a comercialização de droga que fica na rua Vitória Régis, no bairro São Lourenço, que dá acesso ao aeroporto, é um lugar bem desbaratinado, a quitinete fica ao fundo, então ele aproveitou da situação e estava comercializando droga lá. A equipe, a gente dividiu a equipe, uma equipe foi para lá para a proximidade do local, e foi é constatado várias vezes a chegada de pessoas, inclusive, tem salvo engano, tem até a imagem lá de uma de uma senhora que entrou lá, adquiriu droga e saiu” (sic, id. 257346822 – transcrição sentença). O policial Massao Kurashima Filho confirmou que “a gente já recebeu uma denúncia e, havia um ponto de tráfico né, na estrada, no aeroporto, que várias pessoas entravam e saiam da residência e a equipe do núcleo de investigação de tráfico, então, resolveu fazer algumas campanas e pode constatar ali a movimentação”. Explicou que, ao abordarem o apelante Endrew saindo de casa, encontraram duas porções de maconha, instante em que ele informou possuir outras substâncias no interior da residência (sic, id. 257346822 – transcrição sentença). Do mesmo modo, o policial Luís Felipe do Espírito Santo Ribeiro explicou que o apelante tentou evadir-se durante a abordagem: “na verdade, ele tentou acelerar a moto contra a gente, né. No momento que ele viu que era a polícia, a gente falou, 'polícia' né, 'parado', ele tentou acelerar a moto e quase atropelou um colega” (sic, id. 257346822 – transcrição sentença). Mais importante ainda, durante a abordagem pessoal, foram encontradas duas porções grandes de substância análoga à maconha em poder do apelante, circunstância que, indubitavelmente, agrega à situação de flagrante de crime permanente, autorizando o ingresso no domicílio. Apesar de o apelante e sua companheira/informante Ngreikiakati terem negado, em juízo, a autorização para a entrada e revista do imóvel, é fato que, naquele momento, o consentimento não era mais necessário, sobretudo porque os agentes haviam reunido elementos concretos capazes de justificar a suspeita de que, no interior do imóvel, haveria outras porções de drogas. Não suficiente, a defesa alega que os agentes policiais usaram de violência e força desnecessária contra a porta da residência, arrombando o imóvel. No entanto, a tese é isolada e incapaz de macular as demais provas. Primeiro porque eventuais arbitrariedades policiais não maculam os atos praticados, devendo os possíveis atos ser objeto de apuração criminal e administrativa autônomas. Segundo porque a defesa sequer cuidou de trazer aos autos provas da suposta violência, limitando-se a noticiar que um vizinho teria presenciado os fatos, sem o arrolá-lo como testemunha ou apresentar imagens, vídeos ou documentos dos danos alegados. Ademais, em que pese as mídias digitais referenciadas por alguns policiais não terem sido juntadas aos autos, é certo que a gravação não tem caráter imprescindível para a elucidação dos fatos e pode ser substituída pelas firmes e coerentes declarações dos agentes policiais, como ocorreu in casu. Convém mencionar, também, que a equipe policial elaborou relatório de investigação prévio à diligência questionada, no qual registrou o recebimento de denúncia anônima por meio do canal de denúncias da Polícia Civil (Ligue 197), bem como descreveu as campanas policiais realizadas nos dias 02 e 03 de maio de 2024: “(...) diante das informações, ora repassada pelo denunciante, via 197, denuncia de forma ‘apócrifa’, no dia 02/05/2.024, a equipe de investigadores, realizou diversas diligencias nas proximidades do endereço que foi repassado, de forma velada e discreta, e com viaturas descaracterizada, e foi possível constatar a veracidade da ‘Denúncia Anônima’, ocorrendo uma grande movimentação de pessoas estranhas no local, ora repassada, que estava ocorrendo a mercancia de drogas, conforme expondo os fatos a seguir. Dessa maneira, em continuidade as investigações, na data do dia (03/05/2024), a equipe de investigadores, com o objetivo de arregimentar a investigação, no que tange ao tráfico ilícito de drogas, nesta urbe, e principalmente no endereço que o denunciante mencionou, realizou várias diligências nas proximidades do local, e restou constatado a movimentação de pessoas estranhas que chegavam e saiam rapidamente. Que inclusive a equipe investigativa, já havia percebido a movimentação de pessoas estranhas, no primeiro dia de monitoramento (02/05/2024), porém, não realizou nenhuma abordagem as pessoas que vinha adquirir drogas, para não atrapalhar as investigações em curso. (...)” (sic, id. 257347247). Nesse tópico, tenho consignado, reiteradamente, sobre a importância do testemunho dos agentes integrantes das forças de segurança pública que atuam diretamente no combate ao tráfico, sobretudo em virtude do caráter clandestino das infrações, o que exige o desenvolvimento de contato direto com usuários, moradores e testemunhas para a identificação dos responsáveis pela prática criminosa. Ademais, o fato de se tratar de agente do sistema de segurança, em nada desmerece a prova judicializada, sobretudo quando não há qualquer indicação concreta de que os policiais ouvidos tivessem interesse em prejudicar o réu, imputando-lhe falsamente a prática de crimes. Diante de todo esse contexto, observa-se que a entrada dos policiais na residência não ocorreu de forma aleatória, mas precedida de investigação prévia do envolvimento com o tráfico de drogas, que culminou com o monitoramento do local e a tentativa de fuga do apelante, seguida de abordagem com apreensão de drogas em seu poder. Assim, ao contrário do exposto pela defesa, as medidas produzidas e adotadas pelos agentes policiais não caracterizam ilegalidades, no que diz respeito à suposta violação da intimidade, liberdade e/ou privacidade do apelante, notadamente porque praticadas sob fundadas suspeitas. Por tais fundamentos, rejeito a preliminar suscitada. 2. DAS PENAS 2.1. Pena provisória Na primeira fase, o juízo singular fixou a pena-base no mínimo legal de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, diante da ausência de circunstâncias judiciais negativas. Na segunda fase, a defesa pugna pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, argumentando que o apelante admitiu a propriedade das drogas apreendidas. O pleito não merece acolhimento. Com efeito, em se tratando do delito de tráfico de drogas, não incide a atenuante da confissão espontânea nas hipóteses em que o réu admite apenas que portava a droga para uso próprio. Ou seja, a aplicação da atenuante exige que o agente confesse a prática da traficância. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 630, com o seguinte teor: “A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não sendo suficiente a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio”. Na espécie, embora o apelante tenha admitido a propriedade das drogas, ele negou a destinação mercantil, afirmando que seriam para consumo próprio, o que evidencia a impossibilidade de aplicação da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal. Ademais, ad argumentandum tantum, o reconhecimento da atenuante sequer ensejaria a modificação da pena, pois já estabelecida no mínimo legal (STJ, Súmula 231). Assim, ausente confissão quanto ao delito de tráfico, não há como reconhecer a atenuante pleiteada, motivo pelo qual a pena provisória permanece fixada no mínimo legal de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. 2.2. Pena definitiva A defesa postula, ainda, o reconhecimento da minorante do tráfico privilegiado, prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06. Nesse ponto, a Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo acolhimento, com a redução da pena na fração mínima de 1/6 (um sexto). O pleito merece acolhimento. Com efeito, a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06 exige que o agente seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividade criminosa e não integre organização criminosa, devendo tais condições ser cumpridas cumulativamente para fins de concessão do benefício. O juízo sentenciante afastou a minorante sob o fundamento de que o apelante se dedicava à atividade criminosa, já atuando no referido local há algum tempo, consignando o seguinte: “(...) Deixo de aplicar a causa especial de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei de Drogas, uma vez comprovado por meio dos depoimentos testemunhais, que o réu se dedicava a atividade criminosa, já atuante no referido local há algum tempo. (...)” (sic, id. 257346823). No entanto, da análise dos elementos de prova carreados aos autos, não é possível extrair elementos concretos suficientes a demonstrar a habitualidade na prática delitiva ou integração à organização criminosa que justifiquem o afastamento da benesse legal. As provas orais produzidas em juízo, embora demonstrem que o local era conhecido ponto de tráfico, não são suficientemente precisas e detalhadas para demonstrar o período em que o apelante estaria envolvido nesta atividade criminosa, de forma a caracterizar um histórico de dedicação ao crime. Como destacado pela Procuradoria de Justiça, os exames periciais dos aparelhos de celulares apreendidos com o apelante não identificaram diálogos ou arquivos relevantes que pudessem corroborar a conclusão de que havia “envolvimento com organização criminosa ou dedicação a atividades criminosas” (sic, id. 268980295, p. 9). Além dos depoimentos policiais que realizaram campanas policiais por cerca de 01 (uma) semana antes da abordagem, não há outras provas que permitam ratificar a conclusão de que o apelante se dedicava à atividade delitiva, tampouco que integrava organização criminosa, o que permite reconhecer o privilégio pretendido pela defesa. Quanto à fração a ser aplicada, entendo adequada a redução em 1/2 (metade), considerando as circunstâncias do caso concreto, em especial a quantidade de drogas apreendidas (134,76g de cocaína e 201,12g de maconha), que justifica a modulação abaixo do patamar máximo previsto em lei, pois não avaliada na primeira fase. Assim, reconheço o direito do apelante à causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, reduzindo sua pena na fração de 1/2 (metade). Diante disso, readéqua-se a pena definitiva do apelante Endrew Menddson Rodrigues de Sousa para 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa, à razão unitária mínima. Fixa-se o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal. Presentes os requisitos legais e em conformidade com o art. 44, § 2º, do Código Penal, substitui-se a pena privativa por duas restritivas de direito, a ser especificada pelo juízo da execução penal. 3. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO Por derradeiro, a defesa requer a exclusão da pena de perdimento da motocicleta, aparelhos celulares e valores em espécie apreendidos em posse do apelante, com a consequente restituição. O pleito não comporta acolhimento. O perdimento dos bens em decorrência da prática do crime de tráfico de drogas tem assento constitucional (CF, art. 243, §º único) e constitui efeito da condenação, conforme regulamentado, de forma geral, no art. 91, inciso II, do Código Penal e, de forma específica, no art. 63 da Lei 11.343/06. Ainda sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 638.491/PR, sob a temática da repercussão geral (Tema 647), fixou a seguinte tese: “É possível o confisco de todo bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou outro requisito além daqueles previstos expressamente no artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal” (Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2017). Ademais, a restituição dos objetos apreendidos somente é possível quando presente provas concretas da origem lícita e da propriedade do requerente (ApCrim 1000745-32.2024.8.11.0036, Relator Des. Orlando de Almeida Perri, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 04/02/2025). No caso em exame, a motocicleta Honda/CG 150 Fan, ano 2013, placa OBQ-1J24/MT possui vinculação direta com a prática do crime de tráfico, porquanto evidenciado nos autos que, ocasionalmente, era utilizada para a entrega de material ilícito, conforme se extrai das declarações da informante Ngreikiakati e dos depoimentos judiciais dos policiais civis. Do mesmo modo, o valor de R$ 8.070,00, apreendido no guarda-roupas da residência, também é afetado pela pena de perdimento, sobretudo pela ausência de comprovação de origem lícita pelo apelante, não havendo qualquer prova de que o montante fosse proveniente de trabalho ou outra fonte legal de renda. Por derradeiro, não há prova, principalmente documental, ilustrando a propriedade e origem lícita dos aparelhos celulares Samsung Galaxy A54, cor metálica e Samsung Galaxy A54, cor preta, apreendidos, o que também veda a restituição almejada. Desse modo, demonstrada a utilização do veículo para os fins de tráfico de entorpecentes, bem como a ausência de prova da origem lícita e propriedade dos demais bens, inviável acolher o pedido defensivo. 4. DISPOSITIVO Pelo exposto, rejeito a preliminar de nulidade da invasão de domicílio, e, no mérito, dou parcial provimento ao recurso defensivo, para reconhecer a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, na fração de 1/2 (metade), redimensionando a pena definitiva do apelante Endrew Menddson Rodrigues de Sousa para 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direito, e 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa, em consonância com o parecer ministerial. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025
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