Processo nº 1006491-83.2025.4.01.4100
ID: 338966232
Tribunal: TRF1
Órgão: 3ª Vara Federal Criminal da SJRO
Classe: EXCEçãO DE INCOMPETêNCIA DE JUíZO
Nº Processo: 1006491-83.2025.4.01.4100
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANIEL BROETO MAIA NUNES
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
FILIPE MAIA BROETO NUNES
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDÔNIA 3ª VARA FEDERAL – CRIMINAL ESPECIALIZADA EM CRIMES FINANCEIROS, LAVAGEM DE CAPITAIS E ORGANI…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDÔNIA 3ª VARA FEDERAL – CRIMINAL ESPECIALIZADA EM CRIMES FINANCEIROS, LAVAGEM DE CAPITAIS E ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS Av. Presidente Dutra, 2.203, Centro, Porto Velho/RO, telefone: (69) 2181-5871, e-mail: 03vara.ro@trf1.jus.br PROCESSO: 1006491-83.2025.4.01.4100 CLASSE: EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DE JUÍZO (319) EXCIPIENTE: E. S. C. EXCEPTO: TERCEIRA VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RONDONIA SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA, LITISPENDÊNCIA e COISA JULGADA oposta por E. S. C. (CPF 730.408.949-00), na qual pleiteia que seja reconhecida a incompetência deste Juízo para processar e julgar a Ação Penal 100869-95.2024.4.01.4100 com a remessa dos referidos autos à Justiça Comum Estadual; subsidiariamente, não sendo declarada a incompetência pugna pelo reconhecimento da litispendência com relação ao crime de organização criminosa (ID 2181559094). O Ministério Público Federal foi intimado do pedido e se manifestou sua improcedência (ID 2184309354). É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Introdução A possibilidade de o investigado/réu opor exceção de incompetência, litispendência e coisa julgada está prevista no art. 95, II, III e V do CPP. Não sendo apresentada as exceções no momento oportuno (no prazo da resposta à acusação, conforme dispõe o art. 108 c/c art. 110 ambos do CPP) ocorre a preclusão temporal, ou seja, o requerente perde a faculdade processual diante de sua inércia (AgRg no AREsp 1337121/ES, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020). Este Juízo recebeu a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em desfavor de E. S. C. e outros, no dia 09.04.2024, conforme se observa do ID 1807100682 do Processo 1000869-87.2020.4.01.4100. EMERSON DOS SANTOS CIOFFI foi citado por mandado, no dia 12.09.2024, conforme ID 2147661389, dos referidos autos 1000869-87.2020.4.01.4100; com efeito, considerando que a resposta à acusação deve ser oferecida no prazo de 10 (dez) dias (art. 396, do CPP), EMERSON teria até o dia 23.09.2024 pra oferecer resposta à acusação e, bem como, eventual pedido para reconhecimento da incompetência, litispendência ou coisa julgada, nos termos do art. 798, §1º, do CPP. Porém, no dia do vencimento do prazo para apresentação da resposta à acusação, a defesa de EMERSON pugnou pela prorrogação do prazo para oferecimento da resposta (ID 2149437187, APn 1000869-87.2020.4.01.4100). Em 20.03.2025, pelo despacho de ID 2177158181, da já mencionada ação penal, foi deferido o pedido da defesa de EMERSON e prorrogado o prazo para apresentação da resposta à acusação em 10 (dez) dias. A defesa foi intimada do referido despacho (por meio da ciência automática, após o decurso do prazo a que alude o art. 5º, §3º, da Lei 11.419/2006), em 31.03.2025, logo, teria até o dia 10.04.2025, para apresentar resposta escrita à acusação (mesmo prazo para oferecer as exceções a que se referem o art. 95, II, III e V c/ art. 108 e 101 do CPP). Logo, considerando que a exceção foi oposta, em 10.04.2025, é tempestiva, razão pela qual passo à sua análise. 2.2. Resumo dos fatos Nos autos 1000869-87.2020.4.01.4100, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de GUSTAVO VALMÓRBIDA, BRUNO LEONARDO BRANDI PIETROBON, SANDRO SIGNOR, FAUSTO DE OLIVEIRA MOURA, JOSÉ LUIZ ROVER, SEVERINO MIGUEL DE BARROS JUNIOR, E. S. C., JEFERSON PICCOLI DA COSTA, LUIZ VIRGÍLIO DA COSTA, ALSEU MACHADO, TIAGO LUIZ MACHADO e ALBERI ANTONIO RODRIGUES pela prática, em tese, dos crimes previstos no art. 312 c/c art. 327, §2º, e art. 29, do Código Penal (Fato 01); no art. 317, §1º, c/c art. 327, §2º, do Código Penal (Fato 2); no art. 333, parágrafo único, do Código Penal (Fato 3); no art. 1º, caput, c/c §4º, da Lei nº 9.613/1998 (Fato 4); e no art. 2º, caput, c/c §4º, II, da Lei nº 12.850/2013 (Fato 5). A denúncia foi oferecida no âmbito do inquérito policial 102/2015 - IPL 2020.0027458 - DPF/VLA/RO (Operação Dreno) - instaurado pela Polícia Federal para apurar delitos previstos na Lei 8.666/1993. Inicialmente, o referido IPL tramitou na Vara Única da Subseção Judiciária de Vilhena/RO, no entanto, aquele juízo declinou do feito em favor da Justiça Eleitoral (ID 253814420, dos autos 1000869-87.2020.4.01.4100), que, posteriormente, devolveu as investigações à Justiça Federal em razão da ausência de indícios de ocorrência de crime eleitoral (ID 1276935282, p. 228/230, 1000869-87.2020.4.01.4100). Por conseguinte, o juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Vilhena/RO declinou da competência em favor deste Juízo (ID 1468152380, autos 1000869-87.2020.4.01.4100). A denúncia oferecida em desfavor de E. S. C. foi recebida por meio da decisão de ID 1807100682, dos referidos autos, em 09.10.2024. 2.3. Das ações penais existentes em desfavor do excipiente EMERSON DOS SANTOS CIOFFI (CPF 730.408.949-00) consta como denunciado em 5 (cinco) ações penais cujos processos foram autuados (não representa a data de recebimento da denúncia, mas, sim, de autuação do processo) em 01.02.2017, 03.07.2019, 04.03.2020, 25.05.2020 e 09.10.2020. As ações penais 0000215-25.2017.4.01.4103 e 0000521-23.2019.4.01.4103 são de competência do juízo da Vara Federal Única da Subseção Judiciária de Vilhena/RO e as demais, ações penais 1000385-72.2020.4.01.4103, 1000869-87.2020.4.01.4103 e 1001837-20.2020.4.01.4103, tramitam neste Juízo Federal. Na ação penal 0000521-23.2019.4.01.4103, EMERSON, em conjunto com outras pessoas, foi denunciado pela prática, em tese, dos delitos previstos no art. 90 e 91 da Lei 8.666/93 (frustrar o caráter competitivo de licitação e patrocinar interesse privado perante a administração) e art. 288 e 312 do CPC (associação criminosa e peculato). A denúncia oferecida nesses autos remete a eventos ocorridos em 2012 e está vinculada ao contrato 097/2011 firmado entre a Prefeitura de Vilhena/RO e E G CUZZUOL CENTRO DE TERAPIRA ENDOVASCULAR (ID 305010431, p. 4, autos 0000521-23.2019.4.01.4103). Pela decisão de ID 338440847 proferida, em 28.10.2020, nos autos 0000521-23.2019.4.01.4103, EMERSON foi absolvido sumariamente do delito previsto no art. 91, da Lei 8.666/93 em razão da prescrição e, posteriormente, em sentença, EMERSON restou absolvido dos demais delitos haja vista a atipicidade da conduta e/ou por ausência de provas. Na ação penal 0000215-25.2017.4.01.4103, EMERSON, em conjunto com outras pessoas, foi denunciado pela prática, em tese, dos delitos previstos no art. 90 da Lei n. 8.666/93, art. 95 e 84, §2, ambos da Lei 8.666/93, art. 333, e parágrafo único do Código Penal e art. 2°, caput e §4°, inciso II, da Lei 12.850/2013. A denúncia oferecida nesses autos remete a eventos ocorridos entre 2014 e 2016 e se refere à aquisição de gêneros alimentícios para fornecimento ao Hospital Regional de Vilhena (HRV) e também para o abastecimento de toda a rede municipal de ensino. Pela sentença de ID 1157743289 do referido processo, EMERSON foi condenado pela prática do delito previsto no art. 90, da Lei 8.666/93 e absolvido dos demais delitos. Na ação penal 1000385-72.2020.4.01.4103, EMERSON, em conjunto com outras pessoas, foi denunciado pela prática, em tese, do delito previsto no art. 2º, §4º, da Lei 12.850/2013, art. 90, c/c art. 84, § 2º, da Lei 8.666/93, art. 92 c/c art. 84, §2º da Lei 8.666/93, art. 1º, III do Decreto-Lei 201/67, art. 317, caput e §1º c/c art. 327, §2º, do CP, art. 1º, caput, da Lei 9.613/1998. A denúncia (ID 175953378 dos referidos autos) se refere a um: [...] meticuloso esquema de corrupção e de lavagem de dinheiro arraigado a fraudes licitatórias, ocorrido nos anos de 2010 a 2016, com recursos provenientes do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNAE), do Programa de Apoio as Sistema de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos (PEJA) e também do FUNDEB, a pretexto de promover o atendimento adequado às necessidades de transporte escolar dos alunos da área urbana e rural (Grifo) O Ministério Público Federal imputou oito supostas práticas delitivas aos denunciados, dentre eles, EMERSON, as quais foram assim segmentadas: 2.1. Fraude ao caráter competitivo de procedimentos licitatórios (Fato 01): No período compreendido entre os meses de janeiro do ano de 2010 a janeiro de 2012, em continuidade delitiva, E. S. C. (pregoeiro), GUSTAVO VALMÓRBIDA (secretário intergovernamental), JOSÉ CARLOS ARRIGO (secretário de educação), JOSÉ LUIZ ROVER (prefeito) e MÁRIO GARDINI (procurador municipal), e os empresários ADEMAR BUENO MARQUES, AIRTON FRANCO DE MELO e HEVERT PIRES BUENO frustraram e fraudaram a competitividade dos procedimentos licitatórios realizados por meio do Pregão Presencial n. 004/2010 (Processo Administrativo n. 6205/2009) e do Pregão Eletrônico n. 003/2012/PMV (Processo Administrativo n. 168/2012). 2.2. Prorrogações indevidas de contratos (Fato 02): No período compreendido entre os meses de janeiro do ano de 2013 a janeiro de 2015, E. S. C. (pregoeiro), JOSÉ CARLOS ARRIGO (secretário de educação), JOSÉ LUIZ ROVER (prefeito) e MÁRIO GARDINI (procurador municipal), e os empresários ADEMAR BUENO MARQUES, AIRTON FRANCO DE MELO e HEVERT PIRES BUENO, previamente ajustados e em esforço conjunto, promoveram prorrogações indevidas durante a execução dos contratos administrativos celebrados com o Poder Público, já que sem respaldo legal, deram causa a modificações contratuais, o que ocorreu por três vezes consecutivas em relação a cada um dos acordos. [...] 2.3. Desvios de rendas públicas federais (Fato 03): Nas circunstâncias de tempo e local citados, E. S. C. (pregoeiro), GUSTAVO VALMÓRBIDA (secretário intergovernamental), JOSÉ CARLOS ARRIGO (secretário de educação), JOSÉ LUIZ ROVER (prefeito) e MÁRIO GARDINI (procurador municipal), e os empresários ADEMAR BUENO MARQUES, AIRTON FRANCO DE MELO e HEVERT PIRES BUENO desviaram e se apropriaram de rendas públicas advindas do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNAE), do Programa de Apoio as Sistema de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos (PEJA) e também do FUNDEB, pois os serviços superfaturados causaram prejuízo ao erário federal e remuneraram, ilicitamente, os acusados. [...] No âmbito dos procedimentos licitatórios n. 6205/2009 (Pregão Presencial n. 004/2010) e n. 168/2012 (Pregão Eletrônico n. 003/2012/PMV), E. S. C. (pregoeiro), GUSTAVO VALMÓRBIDA (secretário intergovernamental), JOSÉ CARLOS ARRIGO (secretário de educação), JOSÉ LUIZ ROVER (prefeito) e MÁRIO GARDINI (procurador municipal), e os empresários ADEMAR BUENO MARQUES, AIRTON FRANCO DE MELO e HEVERT PIRES BUENO fraudaram, em prejuízo da Fazenda Pública, a execução de contratos, para assim elevarem arbitrariamente os preços dos serviços de transporte escolar, através de diversos expedientes fraudulentos. [...] 2.4. Aceitação e recebimento de vantagens indevidas por funcionários públicos e correspondente oferecimento de tais vantagens por empresários (Fatos 04 e 05): Conforme retratado nos fatos anteriormente mencionados, houve direcionamento dos objetos licitados no processo administrativo n. 6205/2009 (Pregão Presencial n. 004/2010) e no processo administrativo n. 168/2012 (Pregão Eletrônico n. 003/2012/PMV), o que possibilitou a prática do sobrepreço dos valores e, devido às sucessivas prorrogações contratuais indevidas, estruturou-se mecanismo para abastecimento de sistema de pagamentos de propinas. Na hipótese, foram beneficiadas as pessoas jurídicas GENECI SALETE PIRES BUENO ME/BUENO TUR TURISMO LTDA e BIASI TURISMO LTDA/BIASI TURISMO EIRELI – ME, a primeira por meio de seus sócios ADEMAR BUENO MARQUES e HEVERT PIRES BUENO, e a segunda pelos atos praticados por AIRTON FRANCO DE MELO. [...] 2.6. Dissimulação e ocultação da origem e a movimentação de valores provenientes dos crimes de corrupção, desvio de rendas públicas e dos crimes licitatórios (Fato 07).[1] Em decorrência de todo o exposto, houve desvios milionário nas contas públicas (R$ 12.902.305,86) que geraram ganhos ilícitos às empresas, empresários e aos servidores públicos municipais já relacionados. Nesse contexto, o esquema de lavagem de dinheiro serviu para ocultar titulares e bens de diversas sociedades e agentes públicos e privados. Concorreram para o crime de lavagem: (i) E. S. C.; (ii) ADEMAR BUENO MARQUES; (iii) GENECI SALETE PIRES BUENO (iv) HEVERT PIRES BUENO; (v) HELEM PIRES BUENO; (vi) HELOISA BUENO MATIELLO; (vii) AIRTON FRANCO DE MELO; (viii) IVANIR PIETRO DE MELO; (ix) WELLINGTON PIETRO DE MELO (filho de AIRTON FRANCO e de IVANIR PIETRO); (x) JAQUELINE RODRIGUES DA COSTA, ex-esposa de E. S. C.; e (xi) BIBIANA MACHADO, atual companheira de EMERSON CIOFFI. As pessoas jurídicas de direito privado que serviram à lavagem de capitais e posterior distribuição dos valores públicos indevidamente desviados são: (i) GENECI SALETE PIRES BUENO ME/BUENO TUR TURISMO LTDA – ME; (ii) SOBERANA TRANSPORTE COMÉRCIO E TURISMO LTDA – EPP; (iii) VILHENA SERVIÇOS E COMÉRCIO E TRANSPORTES LTDA – ME; (iv) PIRES & BUENO LTDA – ME; (v) VILHENA SERVIÇOS E COMÉRCIO E TRANSPORTES LTDA – ME; (vi) BUENO & BUENO LTDA – ME; (ix) BIASI TURISMO EIRELI – ME; e (x) J. RODRIGUES DA COSTA – ME; (xi) E. S. C. ASSESSORIA ME; e (xii) BIBIANA MACHADO EMPRESA INDIVIDUAL. [...] 2.7. Constituição de organização criminosa em concurso com funcionários públicos (Fato 08) Nos anos de 2010 a 2016, em Vilhena (RO), ADEMAR BUENO MARQUES, AIRTON FRANCO DE MELO, BIBIANA MACHADO, E. S. C., GENECI SALETE PIRES BUENO, GUSTAVO VALMÓRBIDA, HELEM PIRES BUENO, HELOISA BUENO MATIELLO, HEVERT PIRES BUENO, IVANIR PIETRO DE MELO, JAQUELINE RODRIGUES DA COSTA, JOSÉ CARLOS ARRIGO, JOSÉ LUIZ ROVER, MÁRIO GARDINI e WELLINGTON PIETRO DE MELO integraram organização criminosa (majorada pelo concurso de funcionários públicos), por meio da qual objetivaram e auferiram vantagens indevidas. As investigações terminaram por descortinar verdadeira organização criminosa inserida na Prefeitura Municipal de Vilhena, que envolveu funcionários do alto escalão, servidores municipais subalternos e empresários. A ORCRIM é constituída por considerável número de agentes, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo direto de obter vantagem, especialmente econômica, mediante a prática de infrações penais graves, notadamente crimes contra a Administração Pública, cujas penas máximas são superiores a 4 (quatro) anos. [...] Essa administração paralela também apresentou inquestionável estabilidade, para a prática de crimes dos mais diversos, muitos dos quais com penas máximas superiores a quatro anos, dentre eles, direcionamentos de licitações (art. 90 da Lei n. 8.666/93), prorrogação indevida de contratos (art. 92 da Lei n. 8.666/93), superfaturamento dos objetos licitados (art. 96, incisos I e V, da Lei n. 8.666/93), desvio e apropriação de rendas públicas (art. 1º, III, do Decreto-Lei 201/67), corrupção ativa (art. 317 do Código Penal), corrupção passiva (art. 333 do Código Penal) e lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98). A denúncia oferecida nos autos 1000385-72.2020.4.01.4103 foi recebida, em 19.03.2021 (ID 482408459 desses autos) e o processo está em fase de instrução. Na ação penal 1000869-202020.4.01.4103, EMERSON, em conjunto com outras pessoas, foi denunciado pela prática, em tese, do delito previsto no art. 312 c/c art. 327, §2º, do Código Penal, art. 317, § 1º, c/c art. 327, §2º, do Código Penal e art. 2º, caput c/c §4º, II, da Lei 12.850/2013. A denúncia (ID 1708230947 dos referidos autos) apresentou os fatos da seguinte forma: 2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO – CONCORRÊNCIA PÚBLICA Nº 001/2011/CEO (PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 5413/2011/SEMOSP) Em meados do ano de 2011, com a intenção de realizar obras de macrodrenagem no Município de Vilhena-RO, o então prefeito JOSÉ LUIZ ROVER iniciou tratativas para liberação de verbas federais, por meio do Ministério das Cidades. Essas tratativas foram catalisadas por VALDIR RAUPP DE MATOS e IVO NARCISO CASSOL, senadores da República na época. VALDIR RAUPP e IVO CASSOL intermediaram e influenciaram na liberação das verbas federais que viriam a custear a Concorrência Pública nº 001/2011/CEO, processo licitatório tocado pela Prefeitura de Vilhena-RO. Desde este momento inicial, já existia a intenção de fraudar o futuro processo licitatório, beneficiando-se determinadas empresas em troca do pagamento de vantagens indevidas (propina). Em depoimento perante a autoridade policial, FAUSTO DE OLIVEIRA MOURA, sócio da PROJETUS ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA, empresa participante da licitação, confessou toda a trama delitiva e, quanto a este momento pré-licitação, assim declarou (ID 241834346 - Pág. 113-116): [...] Finalizadas as tratativas iniciais, em 14/11/2011, a Prefeitura Municipal de Vilhena-RO lançou o edital da Concorrência Pública nº 001/2011/CEO, dividida em 04 (quatro) lotes e formalizada pelo Processo Administrativo nº 5413/2011/SEMOSP. O objeto da licitação era a contratação de empresa especializada para a execução de sistema de macrodrenagem (galerias de águas pluviais e canais de drenagem urbana no Município de Vilhena-RO), com recursos procedentes do Ministério das Cidades (ID 1616353874 - Pág. 88 e ss.). [...] De acordo com a ata da sessão de habilitação e julgamento das propostas de preços, participaram do processo as empresas PROJETUS ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA, DETERRA TERRAPLENAGENS LTDA, CONSTRUTORA BETA LTDA e MOTRIZ ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA, sendo esta última inabilitada em razão do descumprimento do item 7.4.1 do edital, referente a qualificação econômico-financeira, pois não teria apresentado a certidão negativa de falência ou recuperação judicial (ID 1617129889 - Pág. 31 e ss). Ao final do certame, foram vencedoras as seguintes empresas, com os respectivos lotes e valores: 1) CONSTRUTORA BETA LTDA venceu a concorrência do Lote 1, no valor total de R$ 12.152.748,01 (doze milhões, cento e cinquenta e dois mil, setecentos e quarenta e oito reais e um centavo), tendo sido celebrado o Contrato nº 017/2012; 2) DETERRA TERRAPLANAGENS LTDA venceu o Lote 2, no valor de R$ 5.515.764,41 (cinco milhões, quinhentos e quinze mil, setecentos e sessenta e quatro reais e quarenta e um centavos), firmado o Contrato nº 016/2012; e 3) PROJETUS ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA venceu os Lotes 3 e 4, nos valores de R$ 3.044.324,08 (três milhões, quarenta e quatro mil, trezentos e vinte e quatro reais e oito centavos) e de R$ 1.642.590,23 (um milhão, seiscentos e quarenta e dois mil, quinhentos e noventa reais e vinte e três centavos), respectivamente, formalizando o Contrato n° 015/2012. Ocorre que a condução da licitação foi eivada de inúmeros vícios, apontados por laudos elaborados durante as investigações policiais: Laudos nº 0253/2016, nº 0304/2016, nº 0359/2017, nº 0371/2017 e nº 0373/2017-SETEC/SR/DPF/RO (ID 241803495 - Pág. 38-64, 65-87, 210-223 e ID 241834346 - Pág. 1-18, 22-43 e 44-65). Dentre tais irregularidades, as perícias realizadas constaram que: 1) foi exigido Atestado de Visita ao local da obra, contrariando o que é preconizado na Lei de Licitações e pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 1174/2008), pois reduz o interesse na participação de licitantes e permite o prévio conhecimento das empresas interessadas no certame, favorecendo conluio entre elas; 2) havia exigência de doação de 1% do valor adjudicado pela empresa vencedora, impedindo "a participação de outras empresas no processo licitatório, desmotivados pela redução de seu lucro, ou ainda, pura e simplesmente pela desconfiança deste item editalício, em tese, sem amparo legal"; 3) toda documentação necessária para elaboração dos custos do serviço, ou seja, as planilhas das Composições de Preços Unitários, Produção das Equipes Mecânicas e Custo Horário de Utilização de Equipamentos, entregues pela BETA e pela PROJETUS, em relação aos Lotes 3 e 4, tiveram a mesma origem, sendo confeccionadas pela mesma pessoa ou em conjunto entre as duas empresas. Assim, as semelhanças encontradas evidenciam ajuste/combinação entre as empresas, com o fim de fraudar a licitação. Ouvidos em sede policial, os denunciados GUSTAVO VALMÓRBIDA, BRUNO LEONARDO BRANDI PIETROBON, JOSÉ LUIZ ROVER e FAUSTO MOURA confessaram a trama delituosa que envolveu a Concorrência Pública nº 001/2011/CEO (ID 241834346 - Pág. 89-90, 93-96, 102-103, 113-116, 179 e 180). 2.2. FATO 01 – PECULATO EM FAVOR DAS EMPRESAS VENCEDORAS DA LICITAÇÃO (ART. 312 C/C ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO PENAL) Como narrado anteriormente, houve ajuste entre os agentes públicos responsáveis pela Administração Municipal de Vilhena-RO – JOSÉ ROVER, GUSTAVO VALMÓRBIDA, BRUNO PIETROBON, SEVERINO DE BARROS JUNIOR e EMERSON CIOFFI – e os administradores das empresas vencedoras da Concorrência Pública nº 001/2011/CEO (Processo Administrativo nº 5413/2011/SEMOSP) – JEFERSON PICCOLI DA COSTA e LUIZ VIRGÍLIO DA COSTA (BETA); ALSEU MACHADO e TIAGO LUIZ MACHADO (DETERRA); e FAUSTO MOURA (PROJETUS) –, com vistas a direcionar o aludido certame em benefício das sociedades empresárias. Entretanto, tal combinação também serviu ao propósito de superfaturar a referida licitação, fazendo com que todos os lotes adjudicados tivessem valores superiores aos praticados no mercado, em comparação com preços da mesma época. Nesse diapasão, os Laudos nº 0253/2016, nº 0359/2017, nº 0371/2017 e nº 0373-SETEC/SR/DPF/RO apontam os seguintes itens em sobrepreço para cada um dos lotes (ID 241803495 - Pág. 38-64 e 210-223 e ID 241834346 - Pág. 1-18, 22-43 e 44-65): [...] 2.3. FATOS 02, 03 e 04 – CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO [...] Esse acordo permitiu, de um lado, que as empresas BETA, DETERRA e PROJETUS se sagrassem vencedoras dos lotes da referida licitação (direcionamento do certame), sendo eles adjudicados em valores superiores aos praticados no mercado (superfaturamento). Em contrapartida, o recebimento de valores superfaturados pelas empresas viabilizou o pagamento de propina a JOSÉ ROVER, GUSTAVO VALMÓRBIDA, BRUNO PIETROBON, SEVERINO DE BARROS JUNIOR e EMERSON CIOFFI, em função de suas atuações ilícitas durante o procedimento licitatório. A partir da análise de movimentações bancárias obtidas por meio dos Autos nº 0001316-34.2016.4.01.4103 (SIMBA nº 002-PF-002389), verificou-se que EMERSON CIOFFI, presidente da Comissão Permanente de Licitação de Materiais e Obras da Prefeitura de Vilhena-RO (CPL) e atuante na Concorrência Pública nº 001/2011/CEO (Processo Administrativo nº 5413/2011/SEMOSP), recebeu, por meio de parentes – especialmente seu irmão FLAVIO CIOFFI JUNIOR3 –, vantagens indevidas da BETA. Sobre isso, identificaram-se 03 (três) pagamentos por meio de cheques dos sócios-administradores da BETA a FLAVIO CIOFFI JUNIOR – irmão de EMERSON – e a KENIA ALVES DE OLIVEIRA – esposa de FLAVIO e cunhada de EMERSON [...] Ademais, os administradores da BETA também efetuaram pagamento indevido em benefício de SEVERINO MIGUEL DE BARROS JUNIOR, secretário de Fazenda interino no mandato de JOSÉ ROVER, sendo responsável pela liberação de boa parte dos recursos da obra de macrodrenagem. Nesse sentido, em 10/10/2012, CLAUDICEIA SARAIVA ALENCAR DE BARROS, esposa de SEVERINO DE BARROS JUNIOR, creditou em sua conta um cheque no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), emitido pela BETA. [...] Os repasses ilícitos ocorreram, ainda, por ocasião de aditivo às obras do sistema de macrodrenagem. Em 03 de abril de 2014, a BETA realizou requerimento solicitando reajustamento da obra da macrodrenagem (Processo nº 5413/2011), o que foi atendido. Desse reajustamento, a Prefeitura de Vilhena-RO, em 16/05/2014, repassou à BETA o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), por meio de cheques, dos quais 02 (dois) foram entregues a GUSTAVO VALMÓRBIDA, cada um no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). [...] Sob outro giro, também ocorreu a movimentação de valores ilícitos por meio de empresas estranhas à licitação pública, com o fito de ocultar e dissimular a origem, propriedade e movimentação destes recursos (lavagem de dinheiro). Sobre isso, a empresa PATO BRANCO ALIMENTOS LTDA, por meio de seu administrador SANDRO SIGNOR, recebia dinheiro proveniente de empresas que realizavam serviços ou obras para a Prefeitura de Vilhena-RO, como a BETA, atuando no branqueamento destes ativos. Em seus depoimentos colhidos perante a autoridade policial, JOSÉ ROVER, FAUSTO MOURA e GUSTAVO VALMÓRBIDA relatam a realização de lavagem de dinheiro da ORCRIM por meio da PATO BRANCO ALIMENTOS LTDA (ID 241834346 - Pág. 93-96, 102-103 e 113-116). [...] Além do GRUPO PATO BRANCO, os denunciados se valeram da empresa LEONORA COM DE PAPEIS IMP EXP, de propriedade de ALBERI ANTONIO RODRIGUES, para o branqueamento de ativos financeiros. [...] Ainda, a empresa de LEONORA COM DE PAPEIS IMP EXP foi uma das que realizou doações para a campanha à reeleição do então prefeito JOSÉ ROVER em 2012, com um valor total de R$ 141.460,01 (cento e quarenta e um mil, quatrocentos e sessenta reais e um centavo)4 . 2.4. FATO 05 – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA Como se viu, entre os anos de 2011 e 2015, os denunciados realizaram diversas atividades ilícitas voltadas a fraudar a Concorrência Pública nº 001/2011/CEO (Processo Administrativo nº 5413/2011/SEMOSP), bem como cometeram os delitos supranarrados. A atuação concatenada entre os denunciados somente foi possível em razão do vínculo estável e permanente formado entre eles, haja vista que o grupo foi responsável pelo direcionamento e superfaturamento do certame, pagamento de vantagens indevidas, lavagem destes valores, entre outros. Em realidade, formatou-se verdadeira organização criminosa formada por agentes públicos de destaque da Administração Municipal e empresários do ramo de construção civil. As funções desempenhadas pelos integrantes da organização criminosa foram narradas ao longo desta denúncia, mas podem ser resumidamente divididas em 3 (três) núcleos: 1) Núcleo 1 (agentes públicos): era composto por JOSÉ ROVER, então prefeito e líder da organização criminosa; GUSTAVO VALMÓRBIDA, ex-secretário municipal de Integração Governamental; BRUNO PIETROBON, ex-chefe de gabinete da Prefeitura; EMERSON CIOFFI, então presidente da CPL da Prefeitura de Vilhena-RO; e SEVERINO DE BARROS JUNIOR, então secretário de Fazenda interino. Os três primeiros – JOSÉ ROVER, GUSTAVO VALMÓRBIDA e BRUNO PIETROBON – tinham papel de destaque, tendo arquitetado todo o esquema para fraude da licitação das obras do sistema de macrodrenagem de Vilhena-RO, auferindo vantagem mediante o recebimento de propina, com diversos recursos ilícitos ingressando sob o pretexto de doações para companha de reeleição de JOSE ROVER. EMERSON CIOFFI atuou diretamente na Concorrência Pública nº 001/2011/CEO (Processo Administrativo nº 5413/2011/SEMOSP), direcionando-a para que as empresas envolvidas com a ORCRIM se sagrassem vencedoras e recebessem pagamentos muito acima do que seria esperado em uma licitação sem fraudes (superfaturamento). Ainda, beneficiou-se do recebimento de vantagens indevidas pela sua atuação. Já SEVERINO DE BARROS JUNIOR era responsável pela gestão das verbas públicas federais e pagamentos às empresas vencedoras do certame, também recebendo valores indevidos em troca (propina); 2) Núcleo 2 (sócios das empresas participantes da licitação): composto por JEFERSON PICCOLI DA COSTA e LUIZ VIRGÍLIO DA COSTA – sócios da BETA (Lote 1) –; ALSEU MACHADO e TIAGO LUIZ MACHADO – sócios da DETERRA (Lote 2) –; e FAUSTO MOURA – sócio da PROJETUS (Lotes 3 e 4) –, todos beneficiados com a adjudicação do objeto da licitação fraudada e o recebimento de valores superfaturados. Além disso, identificou-se o pagamento de vantagens indevidas aos servidores públicos membros da ORCRIM, especialmente no que diz respeito à BETA; 3) Núcleo 3 (responsáveis pelo branqueamento de capitais): integrado por SANDRO SIGNOR – administrador da PATO BRANCO ALIMENTOS LTDA – e por ALBERI RODRIGUES – sócio da LEONORA COM DE PAPEIS IMP EXP. Parte dos valores desviados dos cofres públicos pelos demais integrantes da ORCRIM (Núcleos 1 e 2) eram entregues a estes dois denunciados para que fossem inseridos em suas atividades comerciais, com a finalidade de ocultar e dissimular a origem, propriedade e movimentação destes recursos delituosos. A denúncia foi oferecida no âmbito do inquérito policial 102/2015 - IPL 2020.0027458 - DPF/VLA/RO (Operação Dreno) - instaurado pela Polícia Federal por requisição do Ministério Público Federal para apurar "irregularidades na obra pública da macrodrenagem realizada pela (...) gestão administrativa do Município de Vilhena/RO" (ID 1617129891, p. 9, autos 1000869-87.2020.4.01.4103). Pela decisão de ID 1807100682 dos autos, este Juízo recebeu a denúncia e determinou a citação dos acusados. Por fim, nos autos 1001837-20.2020.4.01.4103, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de EMERSON e outras pessoas, em razão da prática, em tese, dos delitos tipificados no art. 337-F do Código Penal, nas penas do art. 90 da Lei 8.666/93, c/c art. 84, § 2º, da Lei 8.666/93, art. 312 c/c art. 327, § 2º, do Código Penal, art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, do Código Penal, art. 333, parágrafo único, do Código Penal, art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, do Código Penal. Os fatos, em tese, delituosos foram expostos da seguinte forma (ID 516548959 autos 1001837-20.2020.4.01.4103): Fato 01 (art. 337-F do Código Penal, nas penas do art. 90 da Lei nº 8.666/93, c/c art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/93) Entre agosto e novembro de 2009, no Município de Vilhena/RO, o denunciado E. S. C., na qualidade de pregoeiro da Comissão Permanente de Licitação de Materiais e Obras da Prefeitura de Vilhena/RO, com consciência e vontade, mediante ajuste com representante da NORTEMEDICA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA, frustrou o caráter competitivo do Pregão Presencial nº 200/2009, com o intuito de obter, para esta empresa, vantagem decorrente da adjudicação da maior parte dos lotes da referida licitação. Fato 02 (art. 312 c/c art. 327, § 2º, do Código Penal) Entre agosto de 2009 e , pelo menos, janeiro de 2010, no Município de Vilhena/RO, o denunciado E. S. C., na qualidade de pregoeiro da Comissão Permanente de Licitação de Materiais e Obras da Prefeitura de Vilhena/RO, juntamente ao denunciado JONATAS DA SILVA FERREIRA, sócio-administrador da NORTEMEDICA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, com consciência e vontade, desviaram recursos públicos relacionados ao Pregão Presencial nº 200/2009, do Município de Vilhena/RO, em proveito da empresa NORTEMEDICA. Fato 03 (art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, do Código Penal) Entre agosto de 2009 e, pelo menos, janeiro de 2010, no Município de Vilhena/RO, o denunciado E. S. C., com consciência e vontade, na qualidade de pregoeiro da Comissão Permanente de Licitação de Materiais e Obras da Prefeitura de Vilhena/RO, solicitou e recebeu, para si, direta e indiretamente, em razão de sua função pública, vantagem indevida, consistente no pagamento de propina, com o fim de direcionar o Pregão Presencial nº 200/2009, do Município de Vilhena/RO, com valores superfaturados, em benefício da NORTEMEDICA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA, o que efetivamente ocorreu. Fato 04 (art. 333, parágrafo único, do Código Penal) Entre agosto de 2009 e, pelo menos, janeiro de 2010, no Município de Vilhena/RO, o denunciado JONATAS DA SILVA FERREIRA, com consciência e vontade, na qualidade de sócio-administrador da NORTEMEDICA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA, ofereceu vantagem indevida a E. S. C., então pregoeiro da Comissão Permanente de Licitação de Materiais e Obras da Prefeitura de Vilhena/RO, para determiná-lo a direcionar o Pregão Presencial nº 200/2009, do Município de Vilhena/RO, com valores superfaturados, em favor da empresa NORTEMEDICA, o que efetivamente ocorreu. Fato 05 (art. 317, § 1º, c/c art. 327, § 2º, do Código Penal) Entre os anos de 2010 e 2016, no Município de Vilhena/RO, os denunciados JOSÉ LUIZ ROVER e E. S. C., em comunhão de esforços e unidade de desígnios, com consciência e vontade, na qualidade de prefeito municipal de Vilhena/RO e presidente da Comissão Permanente de Licitação de Materiais e Obras da Prefeitura de Vilhena/RO, respectivamente, solicitaram e receberam, por diversas vezes, para si, direta e indiretamente, em razão de suas funções públicas, vantagem indevida, consistente no pagamento de propina, com o fim de direcionar certame licitatório em benefício da PROJETUS ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA, o que efetivamente ocorreu. Fato 06 (art. 1º, caput e § 4º, da Lei nº 9.613/98) Pelo menos desde o ano de 2009 até, ao menos, o ano de 2016, os denunciados E. S. C., FLÁVIO CIOFFI JUNIOR, RAFAEL CIOFFI NETO e JAQUELINE RODRIGUES DA COSTA, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, com consciência e vontade, de forma reiterada, por meio das pessoas jurídicas J. RODRIGUES DA COSTA – ME e E. S. C. - ASSESSORIA ME, ocultaram e dissimularam a natureza, origem, movimentação e propriedade de bens e valores provenientes, direta e indiretamente, de crimes licitatórios e contra a Administração Pública. Fato 07 (art. 2º, caput e § 4º, inciso II, da Lei nº 12.850/13) Pelo menos desde o ano de 2009 até, ao menos, o ano de 2016, os denunciados E. S. C., valendo-se da sua função de servidor público do Munícipio de Vilhena/RO, FLÁVIO CIOFFI JUNIOR, valendo-se da sua função de servidor público do Estado de Rondônia e do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, RAFAEL CIOFFI NETO e JAQUELINE RODRIGUES DA COSTA, com consciência e vontade, integraram organização criminosa, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter, direta e indiretamente, vantagem de natureza patrimonial, mediante a prática de crimes licitatórios, contra a Administração Pública e de lavagem de dinheiro. Pela decisão de ID 641403967 do mencionado processo, a denúncia foi recebida e foi determinada a citação dos acusados. A ação penal está em fase de instrução. 2.4. Do mérito As exceções são meio de defesa do acusado contra o processo (DEZEM, 2020, p. 529), ou seja, não atacam o mérito da causa (não há negação de materialidade e autoria), mas, sim, destinam-se a retardar (exceções dilatórias) ou pôr fim ao processo (peremptórias). Além disso, é exemplo de exceção dilatória a de incompetência e, por sua vez, as exceções de coisa julgada e litispendência são exemplos de exceções peremptórias. Como regra e como forma de melhor gerir os procedimentos judiciais, o sistema processual eletrônico possui classes distintas para cada uma das exceções ora apresentadas pelo réu, EMERSON SANTOS (incompetência, coisa julgada e litispendência); no entanto, nos termos do art. 110, §1º, do CPP: se a parte houver de opor mais de uma dessas exceções, deverá fazê-lo numa só petição ou articulado. Assim, superada a análise quanto à legitimidade e o momento para a oposição das exceções, passo à análise do mérito. 2.4.1. Da competência A defesa argumenta, em síntese, que os fatos denunciados na ação penal 1000869-87.2020.4.01.4103 "são de competência da Justiça Estadual. Isso porque, embora se tratasse de valores oriundos da União Federal, foram incorporados ao patrimônio do município" e, por essa razão, ao caso deve se aplicar a Súmula 209, do Superior Tribunal de Justiça que dispõe: compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal. O Ministério Público Federal refutou o argumento defensivo, esclarecendo que (ID 2184309354, p. 2): Os recursos desviados são provenientes do Ministério das Cidades, porém o contrato de repasse não tem o condão de transmudar a origem dos valores. Aplica-se à espécie o disposto na Súmula 208 do STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”. Ao contrário do que argumentado pelo requerente, os delitos atrelados a verbas federais atraem a competência federal, na forma do art. 109, inciso IV, da CF/88. (Grifo) Assiste razão ao Ministério Público Federal, senão vejamos. O caso concreto envolve crimes, em tese, perpetrados no âmbito de licitação realizada pela Prefeitura Municipal de Vilhena/RO para a contratação de empresa especializada na execução de sistema de macrodrenagem (galerias de águas pluviais e canais de drenagem urbana) naquele município, o que foi financiado, quase totalmente, com recursos repassados pelo Ministério das Cidades (União) por meio do contrato de repasse 351.057-98/2011. Ora, a competência da Justiça Federal encontra-se delineada no art. 108 e 109 da Constituição Federal; em relação aos Juízes de Primeiro Grau, a competência está assim estabelecida: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. Observe-se que a competência criminal dos juízes federais estará presente quando: (i) as infrações penais forem praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas, (ii) se tratar de crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; (iii) se tratar de crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que em hipóteses como a dos autos, a competência deve recair sobre a Justiça Federal: [...] a Justiça Federal é competente para o julgamento de crimes relativos à desvio ou à apropriação de verba federal destinada à realização de serviços de competência privativa da União ou de competência comum da União e do ente beneficiário, ou de verba cuja utilização se submeta à fiscalização por órgão federal." (STF, RE 696.533 AgR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/09/2016, DJe 26/09/2016, grifo). E o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça é semelhante, nesse sentido é o teor da Súmula 208/STJ: Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal. (SÚMULA 208, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/1998, DJ 03/06/1998, p. 68). Recentemente, aliás, o STJ reafirmou este entendimento: A Justiça Federal é competente para julgar crimes envolvendo recursos federais não incorporados ao ente estadual. (AgRg no REsp n. 2.000.106/PE, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 17/6/2025, DJEN de 26/6/2025, grifo). O cerne da questão, ou seja, o que define, verdadeiramente, se ao caso concreto se aplica a Súmula 209/STJ (hipótese aventada pelo excipiente) ou a Súmula 208/STJ (defendida pelo MPF) reside, entende este Juízo, na (i) natureza do recurso e (ii) nas obrigações assumidas pelas partes envolvidas no repasse de verbas, na origem, federais, afinal: Nem toda transferência de verba que um ente federado faz para outro enseja o entendimento de que o dinheiro veio a incluir seu patrimônio. A questão depende do exame das cláusulas dos convênios e/ou da análise da natureza da verba transferida. Assim, a depender da situação fático-jurídica delineada no caso, pode-se aplicar o entendimento da Súmula n. 209 do STJ ("compete a Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal") ou aquele outro constante da Súmula n. 208 do STJ ("compete à justiça federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal"). (REsp n. 1.391.212/PE, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 2/9/2014, DJe de 9/9/2014, grifo). No caso concreto, o valor transferido pela União ao Município de Vilhena/RO foi obtido a partir da assinatura do termo de compromisso 351.057-98/2011, firmado entre a União, por meio do Ministério das Cidades, e a Prefeitura Municipal de Vilhena/RO, com base no disposto na Lei 11.578/2011 que trata sobre "a transferência obrigatória de recursos financeiros para a execução pelos Estados, Distrito Federal e Municípios de ações do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, e sobre a forma de operacionalização do Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH nos exercícios de 2007 e 2008". O art. 7º da referida Lei 11.578/2011 dispõe que a fiscalização das verbas repassadas na forma da referida lei cabe ao Tribunal de Contas da União: Art. 7º A fiscalização quanto à regularidade da aplicação dos recursos financeiros transferidos com base nesta Lei é de competência do Tribunal de Contas da União, da Controladoria-Geral da União e das unidades gestoras da União perante as quais forem apresentados os termos de compromisso (Grifo). Inclusive a "cláusula décima quarta - da auditoria" do termo de compromisso firmado entre União e Município de Vilhena esclarecia: CLAUSULA DECIMA QUARTA - DA AUDITORIA 14 - Os serviços de auditoria serão realizados pelos órgãos de controle interno e externo da União, sem elidir a competência dos órgãos de controle interno e externo do COMPROMISSARIO, em conformidade com o Capitulo VI do Decreto n° 93.872/86. (Grifo) Aliás, a partir da leitura do anexo do termo de compromisso firmado entre União e Município de Vilhena, nota-se que os recursos para a realização da obra, de fato, não eram incorporados ao patrimônio da municipalidade, mas, sim, foram transferidos para uma conta bancária aberta na Caixa Econômica Federal que efetuava os repasses ao município conforme critério de desembolso e prestação de contas oferecida pelo Município de Vilhena. E a prova cabal do desembolso financeiro são as informações constantes do sítio oficial do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União, no qual é possível observar os inúmeros pagamentos realizados no período da vigência do convênio/acordo (09.09.2011 a 30.11.2021) que somam R$ 24.706,13 (vinte e quatro milhões setecentos e seis mil reais e treze centavos): E o pagamento das parcelas (o desembolso) é feito às custas de órgãos da União, conforme se observa do detalhamento dos documentos de pagamento (abaixo, a título de exemplo, observe-se o comprovante de pagamento relativos aos pagamentos realizados em 04.12.2020 e 13.07.2018): Logo, (i) não se tratando de verba incorporada ao patrimônio do município e (ii) considerando que a verba foi repassada à municipalidade na forma da Lei 11.578/2006, que possui expressa previsão sobre a competência da União (Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União e unidades gestoras da União - Ministérios -) para fiscalização e prestação de contas, ao caso se deve aplicar a Súmula 208 do STJ e reconhecer, porque adequado, a competência da Justiça Federal. 2.4.2. Da litispendência 2.4.2.1. Dos requisitos formais Verifica-se litispendência quando se repete ação que está em curso; ademais, "uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido" (art. 337, §2º do CPC). O Código de Processo Penal não possui expressa definição de litispendência, assim o conceito de litispendência no âmbito do processo penal é emprestado, afinal, "trata-se de uma terminologia do processo civil que foi incorporada ao processo penal para designar a situação processual em que se encontra a causa posta ao julgamento do juiz" (ARCENTALES, 2018, p. 51):[2] A construção da litispendência, no processo penal, empresta do processo civil não só a terminologia mas também o mecanismo de identificação e correção dessa situação especial. É assim que, quando alguém propõe contra outrem, no mesmo juízo ou em juízo diverso, novamente a mesma causa, pode o réu arguir litispendência, isto é, alegar que aquela causa já pende de julgamento e não pode ser objeto de dois processos. (Grifo) Ressalte-se que o fundamento lógico da exceção de litispendência é a vedação ao ne bis idem, isto é, a proibição de processar o mesmo indivíduo, mais de uma vez, pelo mesmo fato. Constata-se litispendência quando: A litispendência resta configurada quando se repete ação em curso. É firme a jurisprudência deste Tribunal no sentido de ser necessária a pendência de causa anterior, com as mesmas partes, causa de pedir e pedido para induzir a litispendência, o que não ocorre na situação dos autos. (MS n. 25.989/DF, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 12/6/2024, DJe de 18/6/2024, grifo). À disposição do réu para se defender nesse caso há a exceção de litispendência, prevista no art. 95, III do Código de Processo Penal cujo processamento é feito na forma do art. 108 c/c art. 110 e art. 396-A, §1º todos do CPP. No caso dos autos, a exceção foi oposta adequadamente, no prazo da resposta à acusação (art. 396-A, §1º do CPP), pelo que passo à análise. 2.4.2.2. Do mérito Em resumo, a defesa de EMERSON DO SANTOS CIOFFI (ID 2181559094): i) argumenta que, em relação à imputação da prática do crime de organização criminosa (art. 2º, da Lei 12.850/2013), há litispendência, afinal, o excipiente foi denunciado em outras ações pelo crime em comento, sendo que, em várias delas, foi absolvido; ii) defende que essa dupla (multi) imputação só foi possível graças ao "fatiamento de denúncias"; iii) salienta que na ação penal 06000585-72.2020.6.22.0004, que tramitou perante o Juízo da 4ª Zona Eleitoral de Vilhena/RO, ao lado de JOSÉ LUIZ ROVER, GUSTAVO VALMÓRBIDA e BRUNO PIETROBON, foi, igualmente, denunciado pelo crime de organização criminosa e, ao final, absolvido; iv) afirma que, da mesma forma, foi denunciado pelo delito em comento, nas ações penais 0000521-23.2019.4.01.4103 e 0000215-25.2017.4.01.4103, as quais tramitaram junto à Vara Federal Única da Subseção Judiciária de Vilhena/RO e, ao final, também restou completamente absolvido da imputações; v) sustenta que todos os requisitos necessários para confirmação da litispendência (ou coisa julgada) estão presentes no caso (fatos, partes e pedidos idênticos). A fim de corroborar suas alegações, o excipiente acostou aos autos: (i) denúncia oferecida pelo MPF nos autos 1000869-87.2020.4.01.4103 (ID 2181560138); (ii) decisão deste Juízo que recebeu a referida denúncia (ID 2181560157); (iii) sentença proferida na ação penal 0000215-25.2017.4.01.4103 que absolveu o interessado do crime de organização criminosa (ID 2181560207); (iv) sentença proferida na ação penal 0000521-23.2019.4.01.4103 que absolveu o interessado do crime de organização criminosa (ID 2181560228); (v) sentença proferida na ação penal 0600585-72.2020.6.22.0004 (Juízo Eleitoral) que absolveu EMERSON da imputação da prática do delito de organização criminosa (ID 2181560262) e (vi) sentença proferida na ação penal 0000197-38.2016.4.01.4103 que absolveu EMERSON de diversas imputações relativas a delitos licitatórios e o condenou pela prática do crime tipificado no art. 317, do CP, envolvendo, fato ocorridos entre os anos de 2009 e 2010. O Ministério Público Federal se manifestou contrário ao reconhecimento da litispendência/coisa julgada, afinal "as ações propostas pelo MPF e pelo Ministério Público Eleitoral não possuem total identidade de pedido, partes e causa de pedir, nos termos do artigo 337, §§ 1º, 2º e 3º, do CPC" (ID 2184309354). Pois bem. Inicialmente, cumpre observar que a sentença proferida na ação penal 0000197-38.2016.4.01.4103, acostada no ID 2181560269, nada menciona quanto ao delito de organização criminosa, ou seja, o delito em comento não foi objeto daquela ação penal, por essa razão, referidos autos não foram mencionados no item 2.3, acima. Apesar do esforço argumentativo da defesa, no caso concreto, não deve prosperar a tese aventada de litispendência e/ou coisa julgada, senão vejamos. Consoante mencionado no item 2.4.2.1., acima, há litispendência quando se repete "causa anterior, com as mesmas partes, causa de pedir e pedido para induzir a litispendência" (MS n. 25.989/DF, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 12/6/2024, DJe de 18/6/2024). De toda forma, analisando-se detidamente cada um desses requisitos, observa-se que não houve, em nenhuma das ações penais oferecidas em desfavor de EMERSON DOS SANTOS CIOFFI, completa coincidência concernente às partes (denunciados), à causa de pedir (fatos - delitos - e fundamentos jurídicos) e ao pedido (de forma geral, na ação penal, o pedido é a condenação). Repita-se: "a litispendência penal pressupõe identidade entre as partes, os fatos e a causa de pedir. No caso, embora ambas as ações penais imputem ao recorrente o crime de lavagem de dinheiro, as denúncias descrevem fatos com particularidades que afastam a duplicidade". (RHC n. 183.741/SP, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 17/6/2025, grifo). Aliás, valendo-se de premissa trazida pela defesa, a partir das lições de AURY LOPES JR., a análise da exceção de litispendência e, por consequência, de coisa julgada, se assenta sobre o conceito de imputação ou acusação repetidas. Ora, imputação/acusação da prática de um delito tem estreita relação com o art. 41, do CPP que traz os requisitos da denúncia (exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, qualificação do acusado, classificação do crime etc.) e com a existência de justa causa para o exercício da ação penal (indícios de materialidade e autoria delitiva). E, partir do que se observa do item 2.3., acima, em que há um breve resumo de todas as imputações feitas pelo Ministério Público Federal em desfavor de E. S. C., nota-se que elas envolvem, como regra: (i) processos/procedimentos licitatórios, (ii) períodos e (iii) pessoas distintas - ainda que haja repetição dos principais envolvidos - o que, no entender deste Juízo afasta o reconhecimento de dupla imputação (bis in idem). Semelhante conclusão, se observa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para quem: Em consonância com a jurisprudência consolidada do STJ, não há falar em litispendência ou bis in idem na apuração do delito de associação para o tráfico, quando as ações confrontadas referem-se a períodos e fatos distintos, circunstâncias diferentes, envolvendo associados diversos em cada ação, além de outros delitos conexos. (AgRg no HC n. 555.960/RJ, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 16/6/2020, DJe de 23/6/2020, grifo). No mesmo sentido, eis o trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia no HC 208429/PE: Configura-se a litispendência quando em curso duas ações penais versando sobre os mesmos fatos delituosos e o mesmo acusado. Nesse sentido, a jurisprudência deste Supremo Tribunal firmou entendimento de que “não há falar em litispendência se os fatos imputados nas duas ações penais são diversos” (HC n. 89.788, Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJe. 5.2.2010). (STF. HC 208429, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA. J. 12.11.2021. DJe. 17.11.2021, grifo). Para além disso, não se pode esquecer que é plenamente possível a coexistência de organizações criminosas distintas que, eventualmente, envolvam, em parte, os mesmos agentes. Nesse sentido, eis a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. IMPUTAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO EM DUAS ORGANIZAÇÕES CRIMINAIS. ALEGAÇÃO DE LITISPENDÊNCIA. BIS IN IDEM. NÃO VERIFICAÇÃO. CONDUTAS INDEPENDENTES E AUTÔNOMAS. MOMENTO, LOCAL, CRIMES, MODUS OPERANDI, INTEGRANTES E OBJETIVOS DISTINTOS. 2. CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA AFERIDA A PARTIR DA DOCUMENTAÇÃO TRAZIDA. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. PANORAMA QUE NÃO REVELA CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 3. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ALEGAÇÃO PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO. DISTRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL DE COMPETÊNCIAS. MATÉRIA NÃO EXAMINADA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 4. ALEGADA CONEXÃO. NÃO CONSTATAÇÃO. AÇÕES PENAIS COM OBJETIVOS QUE NÃO CONVERGEM. PROLAÇÃO DE SENTENÇA NA JUSTIÇA ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE DE REUNIÃO DOS PROCESSOS. ART. 82 DO CPP. SÚMULA 235/STJ. 5. RECURSO EM HABEAS CORPUS CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO. 1. O impetrante se insurge, em um primeiro momento, contra a imputação de dois crimes de organização criminosa, um na esfera estadual e outro na esfera federal, por considerar se tratar de litispendência. Contudo, as instâncias ordinárias consignaram que a hipótese não revela a existência de litispendência, uma vez que a imputação formulada na Justiça Federal (Operação Deforest II) e a formulada na Justiça Estadual (Operação Deforest I) possuem em comum apenas a participação do paciente. - Diante do contexto fático delineado, com base em elementos concretos dos autos, tem-se devidamente definida a independência entre as organizações criminosas. A Operação Deforest I, em trâmite na Justiça Estadual, diz respeito a organização criminosa armada, destinada à prática de crimes de extorsão, os quais ocorreram entre 2018 e 22/10/2019. Já a Operação Deforest II, em trâmite na Justiça Federal, se refere a organização criminosa dedicada à extração ilegal e comercialização de madeiras retiradas de áreas de proteção ambiental, praticada entre 2012 e 2020. Ademais, não há identidade quanto aos integrantes de cada organização criminosa, com ressalva apenas do recorrente, que, em tese, lidera ambas. - A prática dos fatos em localidades distintas também reforça a independência das organizações criminosas, já assentada com fundamento em diversos outros elementos fáticos. Dessa forma, o fato de as localidades se encontrarem na mesma região metropolitana em nada altera a configuração das duas organizações criminosas, uma vez que se trata de mera circunstância acidental. Ainda que assim não fosse, não é possível vincular a extorsão praticada em Ariquemes/RO e Cujubim/RO aos crimes ambientais ocorridos em Ponta do Abunã/RO. - O fato de a Polícia Federal, durante as investigações, ter afirmado se tratar de uma única organização criminosa ou o fato de a denúncia apresentada na Justiça Estadual afirmar a possibilidade de prática de outros crimes não tem o condão de vincular a descoberta de outros crimes à mesma organização criminosa ou à mesma competência, cuidando-se de frase que denota, em verdade, a continuidade das investigações, as quais, de fato, revelaram uma série de outros crimes. No entanto, a adequada delimitação e tipificação das condutas é atribuição do Ministério Público, cabendo ao judiciário analisar eventuais ilegalidades, não verificadas na hipótese. 2. O exame dos fatos trazidos nos autos é feito a partir dos documentos juntados pela defesa, em observância às decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, uma vez que não compete ao STJ, na via eleita, o revolvimento de fatos e provas. Nessa linha de intelecção, a partir do panorama delineado, não se verifica o alegado constrangimento ilegal. 3. No que diz respeito à alegada incompetência da Justiça Estadual, constato que não seria possível o reconhecimento da mencionada incompetência pelo TRF. De fato, a distribuição constitucional e legislativa das competências não autoriza a ingerência da Justiça Federal na Estadual, quando atua em sua competência ordinária, havendo mecanismos processuais próprios para se discutir eventual incompetência. Assim, não competindo ao TRF reconhecer eventual incompetência da Justiça Estadual, tem-se, no ponto, supressão de instância, o que inviabiliza o conhecimento da alegação pelo STJ. 4. A Corte local assentou não haver conexão entre as ações penais, haja vista as organizações criminosas possuírem "objetivos que não se convergem, sendo que o simples compartilhamento de provas da Operação Deforest I (em trâmite perante juízo estadual) para a Operação Deforest II (em trâmite perante juízo federal), não implica na conexão capaz de ensejar a competência do juízo federal para processo e julgamento da ação penal que tramita perante o juízo estadual". Ademais, conforme explicitado pelo próprio impetrante, a ação penal em trâmite na Justiça Estadual já foi sentenciada, o que, nos termos do art. 82 do CPP excepciona eventual possibilidade de se avocar o processo. No mesmo sentido, tem-se a Súmula 235/STJ. 5. Recurso em habeas corpus conhecido em parte e improvido. (RHC n. 158.083/RO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022.) Ademais, muito embora se observe a repetição de alguns dos investigados em vários eventos, em tese, delitivos (GUSTAVO VALMÓRBIDA, JOSÉ LUIZ ROVER, BRUNO LEONARDO BRANDI PIETROBON, EMERSON DOS SANTOS CIOFFI etc.) e, com efeito, também se observa mais de uma imputação alusiva à prática do delito previsto no art. 2º, da Lei 12.850/2013 (organização criminosa), não há se falar em bis in idem porque não são, pois, os mesmos fatos. Finalmente, não se pode esquecer que o delito previsto no art. 2º, da Lei 12.850/2013, sobretudo, na forma "integrar" é crime permanente cuja consumação se protrai no tempo: Já em relação à alegada ausência de contemporaneidade, destacou o Tribunal a quo que, "ao contrário do alegado pela defesa, a medida hostilizada se mostra contemporânea aos fatos investigados, considerando que os delitos de integrar organização criminosa, exercer o tráfico e associação para o tráfico, supostamente cometidos pelo paciente e demais corréus, são de natureza permanente, assim compreendidos aqueles em que a consumação se protrai no tempo". (AgRg no RHC n. 192.398/CE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 10/6/2024, DJe de 12/6/2024, grifo). Logo, a consumação do delito em comento se renova enquanto não cessar a permanência. Ou seja, é possível se ventilar da renovação (nova consumação) do delito de organização criminosa ao longo dos anos, de modo que, apesar de, em relação aos fatos ocorridos em 2012 (caso da ação penal 0000521-23.2019.4.01.4103 e da ação penal 0600585-72.2020.6.22.0004), inexistir indícios suficientes de materialidade/autoria da organização criminosa, a continuidade (ou o surgimento, nos anos subsequentes), em tese, da associação (estável e permanente) de quatro ou mais pessoas, caracterizada pela divisão de tarefas e hierarquia, evidencia a possibilidade de se reconhecer novo delito a par dos denunciados anteriormente: A consumação da infração penal prevista no art. 2º, caput, da Lei 12.850/2013 protrai-se durante o período em que os agentes permanecem reunidos pelos propósitos ilícitos comuns, circunstância que caracteriza a estabilidade e a permanência que o diferem do mero concurso de agentes, motivo pelo qual é conceituado pela doutrina como crime permanente. (Inq 4325, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26-06-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-08-2023 PUBLIC 02-08-2023, grifo). Portanto, a partir da análise das imputações feitas em desfavor do excipiente nas várias ações penais em que está envolvido e considerando a jurisprudência dos tribunais superiores aplicados à espécie, não merece prosperar o pedido ora formulado. 3. DISPOSITIVO Diante do exposto, nos termos do art. 3º, art. 69, III, art. 95, II, III e V, art. 108 e 110, todos do Código de Processo Penal c/c art. 109, IV da Constituição Federal e art. 487, I do CPC, REJEITO a exceção de incompetência, litispendência e coisa julgada oposta por EMERSON DA SANTOS CIOFFI e MANTENHO a tramitação da ação penal 100869-87.2020.4.01.4103 inalterada. Traslade-se cópia desta sentença para os autos da ação penal 100869-87.2020.4.01.4103. Intimem-se. Cumpra-se. Com o trânsito em julgado, arquive-se. Porto Velho/RO, data e assinatura do sistema. REGINALDO ACHRE SIQUEIRA Juiz Federal Substituto no exercício da titularidade plena da 3ª Vara da SJRO (Ato Presi n. 1039/2025 ________________________ 1 - Há erro na numeração dos itens na denúncia, de forma que não constou o item 2.5. 2 - ARCENTALES, G. E. P. Ne bis in idem e investigações simultâneas no processo penal brasileiro. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-25092020-161432/publico/6853865_Dissertacao_Original.pdf>. ACESSO29JUL2025.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear