Charlles Roney Barbosa De Oliveira
Charlles Roney Barbosa De Oliveira
Número da OAB:
OAB/AC 002556
📋 Resumo Completo
Dr(a). Charlles Roney Barbosa De Oliveira possui 10 comunicações processuais, em 2 processos únicos, com 1 comunicação nos últimos 7 dias, processos entre 2000 e 2012, atuando em TRF1, TJAC e especializado principalmente em APELAçãO CíVEL.
Processos Únicos:
2
Total de Intimações:
10
Tribunais:
TRF1, TJAC
Nome:
CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA
📅 Atividade Recente
1
Últimos 7 dias
10
Últimos 30 dias
10
Últimos 90 dias
10
Último ano
⚖️ Classes Processuais
APELAçãO CíVEL (9)
CUMPRIMENTO DE SENTENçA (1)
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Processos do Advogado
Mostrando 10 de 10 intimações encontradas para este advogado.
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Tribunal: TRF1 | Data: 25/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0009973-15.2012.4.01.3000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0009973-15.2012.4.01.3000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: IRIS PASTOR DE SOUZA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545, CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A e HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas por Íris Pastor de Souza e por José Carlos Pereira Lira e Outros contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara federal da Seção Judiciária do Acre, que, nos autos da ação civil pública de improbidade, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus pela prática de atos de improbidade previstos no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos (IDs. 168447427 e 168447448): a) os réus José Carlos Pereira Lira, Waldemiro Queiroz da Silva, Maria Angélica da Costa Camilo e Íris Pastor de Souza, como base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 152.677,73 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) os réus José Carlos Pereira Lira, Maria Angélica da Costa Camilo, Albert Alencar de Almeida, Luiz de Souza Santos e Íris Pastor de Souza, com base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 560.793,22 (quinhentos e sessenta reais, setecentos e noventa e três reais e vinte e dois centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço) do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios. Sustenta a apelante Íris Pastor de Souza, no tocante ao cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, no que diz respeito à sua participação, não restou comprovada a má-fé e a desonestidade apontada pelo Ministério Público Federal, nem tampouco a individualização da conduta da apelante, ressaltando que o referido cancelamento não foi questionado por nenhuma das empresas participantes, pois não foi publicado o anexo do edital do certame com as especificações do cardápio objeto do pregão, falha reconhecida pelo Tribunal de Contas da União no bojo do Acórdão 4.050/2012 e pelo Juízo Criminal nos autos da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000. Quanto ao Procedimento de Dispensa de Licitação 4/2007 e ao Pregão Presencial 14/2007, a apelante nega a alegada tentativa de interferência ou conluio com os agentes públicos envolvidos em favor da empresa Souza & Pastor, da qual é sócia, inexistindo também qualquer prova em tal sentido, o que revela a ausência de sobrepreço ou dano ao erário, como verificado pelo TCU e pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre (ID. 168447443). Os apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros, por sua vez, pugnam, de início, pela gratuidade de justiça. No mérito, sustentam, em síntese, a inexistência de ato de improbidade administrativa; a ausência de dolo ou má-fé; e que a absolvição na esfera criminal e a rejeição da responsabilização em sede de tomada de contas especial do TCU devem repercutir na absolvição na presente ação de improbidade. Aduzem a) que o cancelamento do Pregão Eletrônico ocorreu pela impossibilidade de continuidade de seu andamento, posto que, entre outros motivos, não foi publicado no anexo de seu edital o cardápio a ser seguido pelos vencedores da licitação, haja vista que o objeto do certame destina-se a alimentação de indígenas enfermos, fato este comprovado por testemunha ouvida na Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000; b) que a diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007 e da Dispensa de Licitação 04/2007 deu-se em razão das exigências alimentares do cardápio; c) que, à época, a recém implantada plataforma de pregão eletrônico, sem qualquer treinamento, aliado ao reduzido número de funcionários, os quais não possuíam a capacitação devida, acarretaram os vícios procedimentais no processo licitatório, o que denota a ausência de dolo ou má-fe dos apelantes; d) por ocasião da Dispensa de Licitação 04/2007, foram realizadas 5 (cinco) coletas de preços e que os valores foram significativamente elevados em razão de não terem anteriormente levado em consideração o cardápio não publicado; e) a adoção da modalidade de pregão presencial foi devidamente justificada, nos termos do Decreto 5.450/2005, e que a inserção no edital do Pregão Presencial 17/2007 do item que previa a vistoria in loco na cozinha e instalações da licitante decorreu apenas das especificidades do objeto do certame, que envolvia a saúde de indígenas enfermos, sem a presença de qualquer conduta dolosa por parte dos servidores envolvidos para frustrar a concorrência ou beneficiar a vencedora; e f) em momento algum foi questionado o efetivo fornecimento das refeições aos indígenas enfermos, o que comprova a ausência de desvio de recursos públicos e dano ao erário (ID. 168447460). Com contrarrazões da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (IDs. 168447454 e 168447466) e do MPF (IDs. 168447459 e 168447467). O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos (ID. 180899047). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta da petição inicial, em síntese, que os apelantes praticaram atos de improbidade administrativa no que diz respeito à suposta contratação irregular da empresa Souza & Pastor Ltda. para fornecer refeições a Casa de Saúde lndígena de Rio Branco - CASA, com o cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, à Dispensa de Licitação 04/2007 e à contratação com sobrepreço por meio do Pregão Presencial 17/2007, com a finalidade de frustrar o caráter competitivo do certame e beneficiar ilicitamente a empresa Souza & Pastor Ltda., acarretando enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário na ordem de R$ 1.042.386,24 (hum milhão, quarenta e dois mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e quatro centavos). Na sentença, o magistrado concluiu pela procedência parcial do pedido inicial, nos seguintes termos: (...) Do primeiro fato: Pregão Eletrônico n. 01/2007 e Dispensa de Licitação n. 4/2007 36. O primeiro fato narrado pelo Ministério Público Federal diz respeito às supostas irregularidades no âmbito do Pregão Eletrônico n. 01/2007 e da Dispensa de Licitação n. 4/2007. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 63. José Carlos Pereira Lira: solicitou a abertura de novo procedimento licitatório após os “erros cometidos no Pregão Eletrônico n. 01/2007” (Apenso 03, fl. 177), quando o esperado seria a correção destes erros ou, no mínimo, a designação de nova data para apresentação das propostas e lances, e não a abertura de um novo procedimento, sobretudo se considerado que o contrato vigente estava em vias de seu término. Além disso, mesmo ciente do parecer da Procuradoria Federal quanto à inexistência de um motivo justificável de urgência, o requerido autorizou e homologou a Dispensa de Licitação 04/2007 (fls. 04 e 63 do Apenso 05), que na verdade constituiu uma forma de legitimar a prestação de serviço já iniciada pela empresa Souza & Pastor Ltda., a qual percebeu por serviços realizados desde 1º/02/2007, cerca de um mês e meio antes da homologação da dispensa de licitação. 64. Waldemiro Queiroz da Silva: foi o responsável pelo indevido cancelamento do Pregão 01/2007, sobretudo se considerado que foi o próprio requerido quem determinou às empresas MG Alimentos Ltda. e Barros & Rocha Ltda. que alterassem as propostas para apresentação de preço unitário e não global, tendo posteriormente indicado a necessidade de cancelamento do pregão em razão de o preço não ter sido ofertado de forma global. Registra-se que o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal consignou que tal fato consistia em mera questão formal, porquanto possível ser lançado o valor global no sistema, conforme orientação extraído do próprio “Manual do Pregoeiro”, fls. 156/159 do Apenso 02. 65. Maria Angélica da Costa Camillo: foi a responsável pela coleta de preços na Dispensa de Licitação nº 04/2007. Antes do parecer exarado pela Procuradoria Federal, a requerida apenas coletou, além da Souza & Pastor Ltda., o preço de duas empresas que possuíam os mesmos sócios no quadro societário, deixando de colher, por exemplo, os preços apresentados pelas empresas melhores classificadas no Pregão Eletrônico n. 01/2007. Além disso, foi a referida requerida quem elaborou o Ato de Dispensa de Licitação nº 04/07, conforme fls. 31/32 do Apenso 20. 66. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 67. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. (...) Do segundo fato: Pregão Presencial n. 17/2007 Passo, doravante, à análise do segundo fato indicado na inicial, relacionado com o Pregão Presencial n. 17/2007. 71. Os elementos probatórios contidos nos presentes autos evidenciam que este procedimento licitatório, assim como os demais, foi indevidamente conduzido com a precípua finalidade de consagrar, vencedora, a empresa Souza & Pastor Ltda. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 91. José Carlos Pereira Lira: determinou que fosse reiniciado outro procedimento após o cancelamento do Pregão Eletrônico n. 01/2007, no lugar de apenas designar nova data (Apenso 18, fl. 174). Além disso, homologou o Pregão Presencial 17/2007, sendo conivente com a modalidade presencial, mesmo havendo parecer em sentido contrário da Procuradoria Federal (Apenso 06, fl. 369). 92. Maria Angélica da Costa Camillo: propôs o pregão na modalidade presencial (Apenso 13, fls. 97/98), sendo também responsável pela ineficiente coleta para preços de referência, deixando de aferir os preços apresentados pelas melhores ofertas em pregão anterior (Pregão Eletrônico n. 01/2007). 93. Alberto Alencar de Almeida: autorizou a abertura do pregão presencial, em detrimento do pregão eletrônico (Apenso 02, fl. 119). Ressalto que o requerido, mesmo diante de parecer da Procuradoria Federal que atestava a ausência de justificativa para afastar o pregão na modalidade eletrônica, limitou-se a repetir justificativa já apresentada anteriormente e analisada pela consultoria jurídica, insistindo na indevida escolha da modalidade presencial do pregão. 94. Luiz de Souza Santos: na condição de pregoeiro do Pregão Presencial n. 17/2007, desclassificou indevidamente a empresa Novo Rumo Indústria e Comércio Ltda., propiciando que empresa Souza & Pastor sagrasse vencedora do certame, a despeito de não ter oferecido a proposta mais vantajosa ao Erário Público. Quanto a este requerido, atento que a despeito de o mesmo ter encaminhado e-mail ao CRN para consultar a validade territorial dos documentos apresentados pela empresa Novo Rumo, a resposta apresentada pelo referido Conselho não era influente, uma vez que não se exigiu, no edital, o registro dos documentos no CRN/AC, conforme fundamentado acima. Além disso, a jurisprudência do TCU, já na época dos fatos, era pacífica no sentido de que o registro no conselho regional profissional do estado da prestação do serviço deveria ser promovido quando da contratação e não como condição para habilitação, conforme ilustrado a seguir: (...) 95. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 96. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. Como visto, os réus foram condenados pela prática de atos capitulados no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, o qual se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (...). Analisando a questão, verifico que a ação de improbidade foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Extrai-se do entendimento fixado pelo STF, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, observo que, ao contrário do que alega o MPF, não restou comprovado a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Na verdade, prova testemunhal produzida no bojo da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000 (representante legal de empresa concorrente), que trata dos mesmos fatos aqui expostos, corrobora as afirmações dos apelantes no sentido de falha procedimental com a ausência de publicação do cardápio especial a ser fornecido a indígenas enfermos, o que influenciou de maneira substancial o valor ofertado pelas licitantes e deu causa à diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007, os cotados na Dispensa de Licitação 04/2007 e o valor final obtido por meio da realização do Pregão Presencial 17/2007. Friso, por oportuno, que o parquet federal não logrou trazer aos autos quaisquer elementos probantes em sentido contrário. Na mesma direção, entendo que o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. Ademais, não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. O que se extrai dos autos é que, a despeito das irregularidades formais detectadas, os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, bem como a falha na capacitação dos envolvidos no que diz respeito à utilização da plataforma utilizada para a realização da licitação na modalidade pregão eletrônico. Nesse contexto, não estando comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não há que se falar em dolo específico. Assim, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovado o não fornecimento das refeições, nem tampouco que a empresa contratada tenha vencido o certame em decorrência de fraude ou conluio com os réus, ora apelantes. Esta Corte já decidiu que a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01. 3600. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, assim como a efetiva ocorrência de dano, o que não restou comprovado no caso. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. Nesse sentido, citem-se os julgados desta Corte: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, E ART 11, VI, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE DOLO NA CONDUTA. MERAS IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. Diante de toda prova colhida, não resta evidenciado nos autos prejuízo ao erário, sequer dolo específico na conduta do réu, uma vez realizada a prestação de contas pelo ex-gestor municipal, assim como construída a obra objeto do convênio firmado pelo município com a FUNASA. 6. Ainda que tenha havido pendências na prestação de contas, não há que se falar em conduta típica do inciso VI do art. 11 da LIA, pois, de fato, as contas foram prestadas. Tampouco restou demonstrada conduta dolosa com a finalidade de ocultar irregularidades na execução do convênio. 7. As irregularidades técnicas apontadas não são suficientes para condenar por ato de improbidade que causa dano ao erário. Ademais, não se colhe dos autos, como alhures dito, a prova do dolo específico na conduta do requerido, elemento exigido pela norma de regência. 8. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não se podem confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade. 9. Apelação provida, julgando-se improcedente o pedido inicial. (ACP 0001264-33.2009.4.01.3311, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Cesar Jatahy, PJe 20/05/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023). Para configuração do ato de improbidade previsto no caput do art. 10 e nos seus incisos da Lei 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico. Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. Ressalte-se, outrossim, que, a despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado, em 04/09/2024, da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. Por fim, registro que, para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, "Em se tratando de concessão da assistência judiciária gratuita (...) basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza" (AgRg no Ag 1.345.625/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08/02/2011), o que impõe o deferimento do pedido de gratuidade de justiça deduzido pelos apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros. Ante o exposto, defiro o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dou provimento às apelações para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 APELANTE: WALDEMIRO QUEIROZ DA SILVA, IRIS PASTOR DE SOUZA, ALBERTO ALENCAR DE ALMEIDA, EVANIA SALETE PEREIRA DE ARAUJO, ALZIRA FARIAS CAMELO, ADEMIR MENEZES DE FARIAS, JOSE CARLOS PEREIRA LIRA, MARIA ANGELICA DA COSTA CAMILLO, LUIZ DE SOUZA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545 Advogados do(a) APELANTE: CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A Advogados do(a) APELANTE: CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A, HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. AÇÃO PENAL, TRANSITADA EM JULGADO, ENVOLVENDO OS MESMOS RÉUS E OS MESMOS FATOS. ADI 7236. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇAÕES PROVIDAS. 1. Apelações interpostas contra sentença que condenou os réus com base no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, impondo sanções de ressarcimento ao erário, multa civil, perda da função pública, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Os apelantes alegam ausência de dolo e de individualização de condutas, além da inexistência de dano ao erário. 2. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. 3. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). 5. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 6. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, não restou comprovada a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Ademais, o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. 7. Não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. 8. Não comprovada a existência de dano ao erário, tampouco o dolo específico na prática da conduta, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo. 9. A despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. 10. Pedido de gratuidade deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros deferido. Apelações providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, deferir o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dar provimento às apelações. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 25/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0009973-15.2012.4.01.3000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0009973-15.2012.4.01.3000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: IRIS PASTOR DE SOUZA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545, CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A e HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas por Íris Pastor de Souza e por José Carlos Pereira Lira e Outros contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara federal da Seção Judiciária do Acre, que, nos autos da ação civil pública de improbidade, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus pela prática de atos de improbidade previstos no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos (IDs. 168447427 e 168447448): a) os réus José Carlos Pereira Lira, Waldemiro Queiroz da Silva, Maria Angélica da Costa Camilo e Íris Pastor de Souza, como base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 152.677,73 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) os réus José Carlos Pereira Lira, Maria Angélica da Costa Camilo, Albert Alencar de Almeida, Luiz de Souza Santos e Íris Pastor de Souza, com base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 560.793,22 (quinhentos e sessenta reais, setecentos e noventa e três reais e vinte e dois centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço) do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios. Sustenta a apelante Íris Pastor de Souza, no tocante ao cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, no que diz respeito à sua participação, não restou comprovada a má-fé e a desonestidade apontada pelo Ministério Público Federal, nem tampouco a individualização da conduta da apelante, ressaltando que o referido cancelamento não foi questionado por nenhuma das empresas participantes, pois não foi publicado o anexo do edital do certame com as especificações do cardápio objeto do pregão, falha reconhecida pelo Tribunal de Contas da União no bojo do Acórdão 4.050/2012 e pelo Juízo Criminal nos autos da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000. Quanto ao Procedimento de Dispensa de Licitação 4/2007 e ao Pregão Presencial 14/2007, a apelante nega a alegada tentativa de interferência ou conluio com os agentes públicos envolvidos em favor da empresa Souza & Pastor, da qual é sócia, inexistindo também qualquer prova em tal sentido, o que revela a ausência de sobrepreço ou dano ao erário, como verificado pelo TCU e pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre (ID. 168447443). Os apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros, por sua vez, pugnam, de início, pela gratuidade de justiça. No mérito, sustentam, em síntese, a inexistência de ato de improbidade administrativa; a ausência de dolo ou má-fé; e que a absolvição na esfera criminal e a rejeição da responsabilização em sede de tomada de contas especial do TCU devem repercutir na absolvição na presente ação de improbidade. Aduzem a) que o cancelamento do Pregão Eletrônico ocorreu pela impossibilidade de continuidade de seu andamento, posto que, entre outros motivos, não foi publicado no anexo de seu edital o cardápio a ser seguido pelos vencedores da licitação, haja vista que o objeto do certame destina-se a alimentação de indígenas enfermos, fato este comprovado por testemunha ouvida na Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000; b) que a diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007 e da Dispensa de Licitação 04/2007 deu-se em razão das exigências alimentares do cardápio; c) que, à época, a recém implantada plataforma de pregão eletrônico, sem qualquer treinamento, aliado ao reduzido número de funcionários, os quais não possuíam a capacitação devida, acarretaram os vícios procedimentais no processo licitatório, o que denota a ausência de dolo ou má-fe dos apelantes; d) por ocasião da Dispensa de Licitação 04/2007, foram realizadas 5 (cinco) coletas de preços e que os valores foram significativamente elevados em razão de não terem anteriormente levado em consideração o cardápio não publicado; e) a adoção da modalidade de pregão presencial foi devidamente justificada, nos termos do Decreto 5.450/2005, e que a inserção no edital do Pregão Presencial 17/2007 do item que previa a vistoria in loco na cozinha e instalações da licitante decorreu apenas das especificidades do objeto do certame, que envolvia a saúde de indígenas enfermos, sem a presença de qualquer conduta dolosa por parte dos servidores envolvidos para frustrar a concorrência ou beneficiar a vencedora; e f) em momento algum foi questionado o efetivo fornecimento das refeições aos indígenas enfermos, o que comprova a ausência de desvio de recursos públicos e dano ao erário (ID. 168447460). Com contrarrazões da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (IDs. 168447454 e 168447466) e do MPF (IDs. 168447459 e 168447467). O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos (ID. 180899047). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta da petição inicial, em síntese, que os apelantes praticaram atos de improbidade administrativa no que diz respeito à suposta contratação irregular da empresa Souza & Pastor Ltda. para fornecer refeições a Casa de Saúde lndígena de Rio Branco - CASA, com o cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, à Dispensa de Licitação 04/2007 e à contratação com sobrepreço por meio do Pregão Presencial 17/2007, com a finalidade de frustrar o caráter competitivo do certame e beneficiar ilicitamente a empresa Souza & Pastor Ltda., acarretando enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário na ordem de R$ 1.042.386,24 (hum milhão, quarenta e dois mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e quatro centavos). Na sentença, o magistrado concluiu pela procedência parcial do pedido inicial, nos seguintes termos: (...) Do primeiro fato: Pregão Eletrônico n. 01/2007 e Dispensa de Licitação n. 4/2007 36. O primeiro fato narrado pelo Ministério Público Federal diz respeito às supostas irregularidades no âmbito do Pregão Eletrônico n. 01/2007 e da Dispensa de Licitação n. 4/2007. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 63. José Carlos Pereira Lira: solicitou a abertura de novo procedimento licitatório após os “erros cometidos no Pregão Eletrônico n. 01/2007” (Apenso 03, fl. 177), quando o esperado seria a correção destes erros ou, no mínimo, a designação de nova data para apresentação das propostas e lances, e não a abertura de um novo procedimento, sobretudo se considerado que o contrato vigente estava em vias de seu término. Além disso, mesmo ciente do parecer da Procuradoria Federal quanto à inexistência de um motivo justificável de urgência, o requerido autorizou e homologou a Dispensa de Licitação 04/2007 (fls. 04 e 63 do Apenso 05), que na verdade constituiu uma forma de legitimar a prestação de serviço já iniciada pela empresa Souza & Pastor Ltda., a qual percebeu por serviços realizados desde 1º/02/2007, cerca de um mês e meio antes da homologação da dispensa de licitação. 64. Waldemiro Queiroz da Silva: foi o responsável pelo indevido cancelamento do Pregão 01/2007, sobretudo se considerado que foi o próprio requerido quem determinou às empresas MG Alimentos Ltda. e Barros & Rocha Ltda. que alterassem as propostas para apresentação de preço unitário e não global, tendo posteriormente indicado a necessidade de cancelamento do pregão em razão de o preço não ter sido ofertado de forma global. Registra-se que o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal consignou que tal fato consistia em mera questão formal, porquanto possível ser lançado o valor global no sistema, conforme orientação extraído do próprio “Manual do Pregoeiro”, fls. 156/159 do Apenso 02. 65. Maria Angélica da Costa Camillo: foi a responsável pela coleta de preços na Dispensa de Licitação nº 04/2007. Antes do parecer exarado pela Procuradoria Federal, a requerida apenas coletou, além da Souza & Pastor Ltda., o preço de duas empresas que possuíam os mesmos sócios no quadro societário, deixando de colher, por exemplo, os preços apresentados pelas empresas melhores classificadas no Pregão Eletrônico n. 01/2007. Além disso, foi a referida requerida quem elaborou o Ato de Dispensa de Licitação nº 04/07, conforme fls. 31/32 do Apenso 20. 66. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 67. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. (...) Do segundo fato: Pregão Presencial n. 17/2007 Passo, doravante, à análise do segundo fato indicado na inicial, relacionado com o Pregão Presencial n. 17/2007. 71. Os elementos probatórios contidos nos presentes autos evidenciam que este procedimento licitatório, assim como os demais, foi indevidamente conduzido com a precípua finalidade de consagrar, vencedora, a empresa Souza & Pastor Ltda. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 91. José Carlos Pereira Lira: determinou que fosse reiniciado outro procedimento após o cancelamento do Pregão Eletrônico n. 01/2007, no lugar de apenas designar nova data (Apenso 18, fl. 174). Além disso, homologou o Pregão Presencial 17/2007, sendo conivente com a modalidade presencial, mesmo havendo parecer em sentido contrário da Procuradoria Federal (Apenso 06, fl. 369). 92. Maria Angélica da Costa Camillo: propôs o pregão na modalidade presencial (Apenso 13, fls. 97/98), sendo também responsável pela ineficiente coleta para preços de referência, deixando de aferir os preços apresentados pelas melhores ofertas em pregão anterior (Pregão Eletrônico n. 01/2007). 93. Alberto Alencar de Almeida: autorizou a abertura do pregão presencial, em detrimento do pregão eletrônico (Apenso 02, fl. 119). Ressalto que o requerido, mesmo diante de parecer da Procuradoria Federal que atestava a ausência de justificativa para afastar o pregão na modalidade eletrônica, limitou-se a repetir justificativa já apresentada anteriormente e analisada pela consultoria jurídica, insistindo na indevida escolha da modalidade presencial do pregão. 94. Luiz de Souza Santos: na condição de pregoeiro do Pregão Presencial n. 17/2007, desclassificou indevidamente a empresa Novo Rumo Indústria e Comércio Ltda., propiciando que empresa Souza & Pastor sagrasse vencedora do certame, a despeito de não ter oferecido a proposta mais vantajosa ao Erário Público. Quanto a este requerido, atento que a despeito de o mesmo ter encaminhado e-mail ao CRN para consultar a validade territorial dos documentos apresentados pela empresa Novo Rumo, a resposta apresentada pelo referido Conselho não era influente, uma vez que não se exigiu, no edital, o registro dos documentos no CRN/AC, conforme fundamentado acima. Além disso, a jurisprudência do TCU, já na época dos fatos, era pacífica no sentido de que o registro no conselho regional profissional do estado da prestação do serviço deveria ser promovido quando da contratação e não como condição para habilitação, conforme ilustrado a seguir: (...) 95. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 96. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. Como visto, os réus foram condenados pela prática de atos capitulados no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, o qual se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (...). Analisando a questão, verifico que a ação de improbidade foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Extrai-se do entendimento fixado pelo STF, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, observo que, ao contrário do que alega o MPF, não restou comprovado a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Na verdade, prova testemunhal produzida no bojo da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000 (representante legal de empresa concorrente), que trata dos mesmos fatos aqui expostos, corrobora as afirmações dos apelantes no sentido de falha procedimental com a ausência de publicação do cardápio especial a ser fornecido a indígenas enfermos, o que influenciou de maneira substancial o valor ofertado pelas licitantes e deu causa à diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007, os cotados na Dispensa de Licitação 04/2007 e o valor final obtido por meio da realização do Pregão Presencial 17/2007. Friso, por oportuno, que o parquet federal não logrou trazer aos autos quaisquer elementos probantes em sentido contrário. Na mesma direção, entendo que o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. Ademais, não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. O que se extrai dos autos é que, a despeito das irregularidades formais detectadas, os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, bem como a falha na capacitação dos envolvidos no que diz respeito à utilização da plataforma utilizada para a realização da licitação na modalidade pregão eletrônico. Nesse contexto, não estando comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não há que se falar em dolo específico. Assim, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovado o não fornecimento das refeições, nem tampouco que a empresa contratada tenha vencido o certame em decorrência de fraude ou conluio com os réus, ora apelantes. Esta Corte já decidiu que a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01. 3600. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, assim como a efetiva ocorrência de dano, o que não restou comprovado no caso. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. Nesse sentido, citem-se os julgados desta Corte: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, E ART 11, VI, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE DOLO NA CONDUTA. MERAS IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. Diante de toda prova colhida, não resta evidenciado nos autos prejuízo ao erário, sequer dolo específico na conduta do réu, uma vez realizada a prestação de contas pelo ex-gestor municipal, assim como construída a obra objeto do convênio firmado pelo município com a FUNASA. 6. Ainda que tenha havido pendências na prestação de contas, não há que se falar em conduta típica do inciso VI do art. 11 da LIA, pois, de fato, as contas foram prestadas. Tampouco restou demonstrada conduta dolosa com a finalidade de ocultar irregularidades na execução do convênio. 7. As irregularidades técnicas apontadas não são suficientes para condenar por ato de improbidade que causa dano ao erário. Ademais, não se colhe dos autos, como alhures dito, a prova do dolo específico na conduta do requerido, elemento exigido pela norma de regência. 8. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não se podem confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade. 9. Apelação provida, julgando-se improcedente o pedido inicial. (ACP 0001264-33.2009.4.01.3311, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Cesar Jatahy, PJe 20/05/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023). Para configuração do ato de improbidade previsto no caput do art. 10 e nos seus incisos da Lei 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico. Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. Ressalte-se, outrossim, que, a despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado, em 04/09/2024, da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. Por fim, registro que, para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, "Em se tratando de concessão da assistência judiciária gratuita (...) basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza" (AgRg no Ag 1.345.625/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08/02/2011), o que impõe o deferimento do pedido de gratuidade de justiça deduzido pelos apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros. Ante o exposto, defiro o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dou provimento às apelações para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 APELANTE: WALDEMIRO QUEIROZ DA SILVA, IRIS PASTOR DE SOUZA, ALBERTO ALENCAR DE ALMEIDA, EVANIA SALETE PEREIRA DE ARAUJO, ALZIRA FARIAS CAMELO, ADEMIR MENEZES DE FARIAS, JOSE CARLOS PEREIRA LIRA, MARIA ANGELICA DA COSTA CAMILLO, LUIZ DE SOUZA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545 Advogados do(a) APELANTE: CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A Advogados do(a) APELANTE: CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A, HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. AÇÃO PENAL, TRANSITADA EM JULGADO, ENVOLVENDO OS MESMOS RÉUS E OS MESMOS FATOS. ADI 7236. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇAÕES PROVIDAS. 1. Apelações interpostas contra sentença que condenou os réus com base no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, impondo sanções de ressarcimento ao erário, multa civil, perda da função pública, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Os apelantes alegam ausência de dolo e de individualização de condutas, além da inexistência de dano ao erário. 2. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. 3. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). 5. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 6. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, não restou comprovada a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Ademais, o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. 7. Não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. 8. Não comprovada a existência de dano ao erário, tampouco o dolo específico na prática da conduta, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo. 9. A despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. 10. Pedido de gratuidade deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros deferido. Apelações providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, deferir o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dar provimento às apelações. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 25/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0009973-15.2012.4.01.3000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0009973-15.2012.4.01.3000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: IRIS PASTOR DE SOUZA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545, CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A e HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas por Íris Pastor de Souza e por José Carlos Pereira Lira e Outros contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara federal da Seção Judiciária do Acre, que, nos autos da ação civil pública de improbidade, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus pela prática de atos de improbidade previstos no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos (IDs. 168447427 e 168447448): a) os réus José Carlos Pereira Lira, Waldemiro Queiroz da Silva, Maria Angélica da Costa Camilo e Íris Pastor de Souza, como base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 152.677,73 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) os réus José Carlos Pereira Lira, Maria Angélica da Costa Camilo, Albert Alencar de Almeida, Luiz de Souza Santos e Íris Pastor de Souza, com base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 560.793,22 (quinhentos e sessenta reais, setecentos e noventa e três reais e vinte e dois centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço) do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios. Sustenta a apelante Íris Pastor de Souza, no tocante ao cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, no que diz respeito à sua participação, não restou comprovada a má-fé e a desonestidade apontada pelo Ministério Público Federal, nem tampouco a individualização da conduta da apelante, ressaltando que o referido cancelamento não foi questionado por nenhuma das empresas participantes, pois não foi publicado o anexo do edital do certame com as especificações do cardápio objeto do pregão, falha reconhecida pelo Tribunal de Contas da União no bojo do Acórdão 4.050/2012 e pelo Juízo Criminal nos autos da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000. Quanto ao Procedimento de Dispensa de Licitação 4/2007 e ao Pregão Presencial 14/2007, a apelante nega a alegada tentativa de interferência ou conluio com os agentes públicos envolvidos em favor da empresa Souza & Pastor, da qual é sócia, inexistindo também qualquer prova em tal sentido, o que revela a ausência de sobrepreço ou dano ao erário, como verificado pelo TCU e pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre (ID. 168447443). Os apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros, por sua vez, pugnam, de início, pela gratuidade de justiça. No mérito, sustentam, em síntese, a inexistência de ato de improbidade administrativa; a ausência de dolo ou má-fé; e que a absolvição na esfera criminal e a rejeição da responsabilização em sede de tomada de contas especial do TCU devem repercutir na absolvição na presente ação de improbidade. Aduzem a) que o cancelamento do Pregão Eletrônico ocorreu pela impossibilidade de continuidade de seu andamento, posto que, entre outros motivos, não foi publicado no anexo de seu edital o cardápio a ser seguido pelos vencedores da licitação, haja vista que o objeto do certame destina-se a alimentação de indígenas enfermos, fato este comprovado por testemunha ouvida na Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000; b) que a diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007 e da Dispensa de Licitação 04/2007 deu-se em razão das exigências alimentares do cardápio; c) que, à época, a recém implantada plataforma de pregão eletrônico, sem qualquer treinamento, aliado ao reduzido número de funcionários, os quais não possuíam a capacitação devida, acarretaram os vícios procedimentais no processo licitatório, o que denota a ausência de dolo ou má-fe dos apelantes; d) por ocasião da Dispensa de Licitação 04/2007, foram realizadas 5 (cinco) coletas de preços e que os valores foram significativamente elevados em razão de não terem anteriormente levado em consideração o cardápio não publicado; e) a adoção da modalidade de pregão presencial foi devidamente justificada, nos termos do Decreto 5.450/2005, e que a inserção no edital do Pregão Presencial 17/2007 do item que previa a vistoria in loco na cozinha e instalações da licitante decorreu apenas das especificidades do objeto do certame, que envolvia a saúde de indígenas enfermos, sem a presença de qualquer conduta dolosa por parte dos servidores envolvidos para frustrar a concorrência ou beneficiar a vencedora; e f) em momento algum foi questionado o efetivo fornecimento das refeições aos indígenas enfermos, o que comprova a ausência de desvio de recursos públicos e dano ao erário (ID. 168447460). Com contrarrazões da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (IDs. 168447454 e 168447466) e do MPF (IDs. 168447459 e 168447467). O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos (ID. 180899047). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta da petição inicial, em síntese, que os apelantes praticaram atos de improbidade administrativa no que diz respeito à suposta contratação irregular da empresa Souza & Pastor Ltda. para fornecer refeições a Casa de Saúde lndígena de Rio Branco - CASA, com o cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, à Dispensa de Licitação 04/2007 e à contratação com sobrepreço por meio do Pregão Presencial 17/2007, com a finalidade de frustrar o caráter competitivo do certame e beneficiar ilicitamente a empresa Souza & Pastor Ltda., acarretando enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário na ordem de R$ 1.042.386,24 (hum milhão, quarenta e dois mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e quatro centavos). Na sentença, o magistrado concluiu pela procedência parcial do pedido inicial, nos seguintes termos: (...) Do primeiro fato: Pregão Eletrônico n. 01/2007 e Dispensa de Licitação n. 4/2007 36. O primeiro fato narrado pelo Ministério Público Federal diz respeito às supostas irregularidades no âmbito do Pregão Eletrônico n. 01/2007 e da Dispensa de Licitação n. 4/2007. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 63. José Carlos Pereira Lira: solicitou a abertura de novo procedimento licitatório após os “erros cometidos no Pregão Eletrônico n. 01/2007” (Apenso 03, fl. 177), quando o esperado seria a correção destes erros ou, no mínimo, a designação de nova data para apresentação das propostas e lances, e não a abertura de um novo procedimento, sobretudo se considerado que o contrato vigente estava em vias de seu término. Além disso, mesmo ciente do parecer da Procuradoria Federal quanto à inexistência de um motivo justificável de urgência, o requerido autorizou e homologou a Dispensa de Licitação 04/2007 (fls. 04 e 63 do Apenso 05), que na verdade constituiu uma forma de legitimar a prestação de serviço já iniciada pela empresa Souza & Pastor Ltda., a qual percebeu por serviços realizados desde 1º/02/2007, cerca de um mês e meio antes da homologação da dispensa de licitação. 64. Waldemiro Queiroz da Silva: foi o responsável pelo indevido cancelamento do Pregão 01/2007, sobretudo se considerado que foi o próprio requerido quem determinou às empresas MG Alimentos Ltda. e Barros & Rocha Ltda. que alterassem as propostas para apresentação de preço unitário e não global, tendo posteriormente indicado a necessidade de cancelamento do pregão em razão de o preço não ter sido ofertado de forma global. Registra-se que o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal consignou que tal fato consistia em mera questão formal, porquanto possível ser lançado o valor global no sistema, conforme orientação extraído do próprio “Manual do Pregoeiro”, fls. 156/159 do Apenso 02. 65. Maria Angélica da Costa Camillo: foi a responsável pela coleta de preços na Dispensa de Licitação nº 04/2007. Antes do parecer exarado pela Procuradoria Federal, a requerida apenas coletou, além da Souza & Pastor Ltda., o preço de duas empresas que possuíam os mesmos sócios no quadro societário, deixando de colher, por exemplo, os preços apresentados pelas empresas melhores classificadas no Pregão Eletrônico n. 01/2007. Além disso, foi a referida requerida quem elaborou o Ato de Dispensa de Licitação nº 04/07, conforme fls. 31/32 do Apenso 20. 66. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 67. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. (...) Do segundo fato: Pregão Presencial n. 17/2007 Passo, doravante, à análise do segundo fato indicado na inicial, relacionado com o Pregão Presencial n. 17/2007. 71. Os elementos probatórios contidos nos presentes autos evidenciam que este procedimento licitatório, assim como os demais, foi indevidamente conduzido com a precípua finalidade de consagrar, vencedora, a empresa Souza & Pastor Ltda. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 91. José Carlos Pereira Lira: determinou que fosse reiniciado outro procedimento após o cancelamento do Pregão Eletrônico n. 01/2007, no lugar de apenas designar nova data (Apenso 18, fl. 174). Além disso, homologou o Pregão Presencial 17/2007, sendo conivente com a modalidade presencial, mesmo havendo parecer em sentido contrário da Procuradoria Federal (Apenso 06, fl. 369). 92. Maria Angélica da Costa Camillo: propôs o pregão na modalidade presencial (Apenso 13, fls. 97/98), sendo também responsável pela ineficiente coleta para preços de referência, deixando de aferir os preços apresentados pelas melhores ofertas em pregão anterior (Pregão Eletrônico n. 01/2007). 93. Alberto Alencar de Almeida: autorizou a abertura do pregão presencial, em detrimento do pregão eletrônico (Apenso 02, fl. 119). Ressalto que o requerido, mesmo diante de parecer da Procuradoria Federal que atestava a ausência de justificativa para afastar o pregão na modalidade eletrônica, limitou-se a repetir justificativa já apresentada anteriormente e analisada pela consultoria jurídica, insistindo na indevida escolha da modalidade presencial do pregão. 94. Luiz de Souza Santos: na condição de pregoeiro do Pregão Presencial n. 17/2007, desclassificou indevidamente a empresa Novo Rumo Indústria e Comércio Ltda., propiciando que empresa Souza & Pastor sagrasse vencedora do certame, a despeito de não ter oferecido a proposta mais vantajosa ao Erário Público. Quanto a este requerido, atento que a despeito de o mesmo ter encaminhado e-mail ao CRN para consultar a validade territorial dos documentos apresentados pela empresa Novo Rumo, a resposta apresentada pelo referido Conselho não era influente, uma vez que não se exigiu, no edital, o registro dos documentos no CRN/AC, conforme fundamentado acima. Além disso, a jurisprudência do TCU, já na época dos fatos, era pacífica no sentido de que o registro no conselho regional profissional do estado da prestação do serviço deveria ser promovido quando da contratação e não como condição para habilitação, conforme ilustrado a seguir: (...) 95. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 96. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. Como visto, os réus foram condenados pela prática de atos capitulados no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, o qual se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (...). Analisando a questão, verifico que a ação de improbidade foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Extrai-se do entendimento fixado pelo STF, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, observo que, ao contrário do que alega o MPF, não restou comprovado a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Na verdade, prova testemunhal produzida no bojo da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000 (representante legal de empresa concorrente), que trata dos mesmos fatos aqui expostos, corrobora as afirmações dos apelantes no sentido de falha procedimental com a ausência de publicação do cardápio especial a ser fornecido a indígenas enfermos, o que influenciou de maneira substancial o valor ofertado pelas licitantes e deu causa à diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007, os cotados na Dispensa de Licitação 04/2007 e o valor final obtido por meio da realização do Pregão Presencial 17/2007. Friso, por oportuno, que o parquet federal não logrou trazer aos autos quaisquer elementos probantes em sentido contrário. Na mesma direção, entendo que o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. Ademais, não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. O que se extrai dos autos é que, a despeito das irregularidades formais detectadas, os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, bem como a falha na capacitação dos envolvidos no que diz respeito à utilização da plataforma utilizada para a realização da licitação na modalidade pregão eletrônico. Nesse contexto, não estando comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não há que se falar em dolo específico. Assim, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovado o não fornecimento das refeições, nem tampouco que a empresa contratada tenha vencido o certame em decorrência de fraude ou conluio com os réus, ora apelantes. Esta Corte já decidiu que a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01. 3600. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, assim como a efetiva ocorrência de dano, o que não restou comprovado no caso. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. Nesse sentido, citem-se os julgados desta Corte: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, E ART 11, VI, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE DOLO NA CONDUTA. MERAS IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. Diante de toda prova colhida, não resta evidenciado nos autos prejuízo ao erário, sequer dolo específico na conduta do réu, uma vez realizada a prestação de contas pelo ex-gestor municipal, assim como construída a obra objeto do convênio firmado pelo município com a FUNASA. 6. Ainda que tenha havido pendências na prestação de contas, não há que se falar em conduta típica do inciso VI do art. 11 da LIA, pois, de fato, as contas foram prestadas. Tampouco restou demonstrada conduta dolosa com a finalidade de ocultar irregularidades na execução do convênio. 7. As irregularidades técnicas apontadas não são suficientes para condenar por ato de improbidade que causa dano ao erário. Ademais, não se colhe dos autos, como alhures dito, a prova do dolo específico na conduta do requerido, elemento exigido pela norma de regência. 8. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não se podem confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade. 9. Apelação provida, julgando-se improcedente o pedido inicial. (ACP 0001264-33.2009.4.01.3311, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Cesar Jatahy, PJe 20/05/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023). Para configuração do ato de improbidade previsto no caput do art. 10 e nos seus incisos da Lei 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico. Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. Ressalte-se, outrossim, que, a despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado, em 04/09/2024, da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. Por fim, registro que, para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, "Em se tratando de concessão da assistência judiciária gratuita (...) basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza" (AgRg no Ag 1.345.625/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08/02/2011), o que impõe o deferimento do pedido de gratuidade de justiça deduzido pelos apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros. Ante o exposto, defiro o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dou provimento às apelações para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 APELANTE: WALDEMIRO QUEIROZ DA SILVA, IRIS PASTOR DE SOUZA, ALBERTO ALENCAR DE ALMEIDA, EVANIA SALETE PEREIRA DE ARAUJO, ALZIRA FARIAS CAMELO, ADEMIR MENEZES DE FARIAS, JOSE CARLOS PEREIRA LIRA, MARIA ANGELICA DA COSTA CAMILLO, LUIZ DE SOUZA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545 Advogados do(a) APELANTE: CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A Advogados do(a) APELANTE: CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A, HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. AÇÃO PENAL, TRANSITADA EM JULGADO, ENVOLVENDO OS MESMOS RÉUS E OS MESMOS FATOS. ADI 7236. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇAÕES PROVIDAS. 1. Apelações interpostas contra sentença que condenou os réus com base no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, impondo sanções de ressarcimento ao erário, multa civil, perda da função pública, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Os apelantes alegam ausência de dolo e de individualização de condutas, além da inexistência de dano ao erário. 2. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. 3. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). 5. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 6. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, não restou comprovada a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Ademais, o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. 7. Não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. 8. Não comprovada a existência de dano ao erário, tampouco o dolo específico na prática da conduta, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo. 9. A despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. 10. Pedido de gratuidade deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros deferido. Apelações providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, deferir o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dar provimento às apelações. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 25/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0009973-15.2012.4.01.3000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0009973-15.2012.4.01.3000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: IRIS PASTOR DE SOUZA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545, CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A e HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas por Íris Pastor de Souza e por José Carlos Pereira Lira e Outros contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara federal da Seção Judiciária do Acre, que, nos autos da ação civil pública de improbidade, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus pela prática de atos de improbidade previstos no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos (IDs. 168447427 e 168447448): a) os réus José Carlos Pereira Lira, Waldemiro Queiroz da Silva, Maria Angélica da Costa Camilo e Íris Pastor de Souza, como base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 152.677,73 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) os réus José Carlos Pereira Lira, Maria Angélica da Costa Camilo, Albert Alencar de Almeida, Luiz de Souza Santos e Íris Pastor de Souza, com base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 560.793,22 (quinhentos e sessenta reais, setecentos e noventa e três reais e vinte e dois centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço) do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios. Sustenta a apelante Íris Pastor de Souza, no tocante ao cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, no que diz respeito à sua participação, não restou comprovada a má-fé e a desonestidade apontada pelo Ministério Público Federal, nem tampouco a individualização da conduta da apelante, ressaltando que o referido cancelamento não foi questionado por nenhuma das empresas participantes, pois não foi publicado o anexo do edital do certame com as especificações do cardápio objeto do pregão, falha reconhecida pelo Tribunal de Contas da União no bojo do Acórdão 4.050/2012 e pelo Juízo Criminal nos autos da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000. Quanto ao Procedimento de Dispensa de Licitação 4/2007 e ao Pregão Presencial 14/2007, a apelante nega a alegada tentativa de interferência ou conluio com os agentes públicos envolvidos em favor da empresa Souza & Pastor, da qual é sócia, inexistindo também qualquer prova em tal sentido, o que revela a ausência de sobrepreço ou dano ao erário, como verificado pelo TCU e pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre (ID. 168447443). Os apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros, por sua vez, pugnam, de início, pela gratuidade de justiça. No mérito, sustentam, em síntese, a inexistência de ato de improbidade administrativa; a ausência de dolo ou má-fé; e que a absolvição na esfera criminal e a rejeição da responsabilização em sede de tomada de contas especial do TCU devem repercutir na absolvição na presente ação de improbidade. Aduzem a) que o cancelamento do Pregão Eletrônico ocorreu pela impossibilidade de continuidade de seu andamento, posto que, entre outros motivos, não foi publicado no anexo de seu edital o cardápio a ser seguido pelos vencedores da licitação, haja vista que o objeto do certame destina-se a alimentação de indígenas enfermos, fato este comprovado por testemunha ouvida na Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000; b) que a diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007 e da Dispensa de Licitação 04/2007 deu-se em razão das exigências alimentares do cardápio; c) que, à época, a recém implantada plataforma de pregão eletrônico, sem qualquer treinamento, aliado ao reduzido número de funcionários, os quais não possuíam a capacitação devida, acarretaram os vícios procedimentais no processo licitatório, o que denota a ausência de dolo ou má-fe dos apelantes; d) por ocasião da Dispensa de Licitação 04/2007, foram realizadas 5 (cinco) coletas de preços e que os valores foram significativamente elevados em razão de não terem anteriormente levado em consideração o cardápio não publicado; e) a adoção da modalidade de pregão presencial foi devidamente justificada, nos termos do Decreto 5.450/2005, e que a inserção no edital do Pregão Presencial 17/2007 do item que previa a vistoria in loco na cozinha e instalações da licitante decorreu apenas das especificidades do objeto do certame, que envolvia a saúde de indígenas enfermos, sem a presença de qualquer conduta dolosa por parte dos servidores envolvidos para frustrar a concorrência ou beneficiar a vencedora; e f) em momento algum foi questionado o efetivo fornecimento das refeições aos indígenas enfermos, o que comprova a ausência de desvio de recursos públicos e dano ao erário (ID. 168447460). Com contrarrazões da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (IDs. 168447454 e 168447466) e do MPF (IDs. 168447459 e 168447467). O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos (ID. 180899047). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta da petição inicial, em síntese, que os apelantes praticaram atos de improbidade administrativa no que diz respeito à suposta contratação irregular da empresa Souza & Pastor Ltda. para fornecer refeições a Casa de Saúde lndígena de Rio Branco - CASA, com o cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, à Dispensa de Licitação 04/2007 e à contratação com sobrepreço por meio do Pregão Presencial 17/2007, com a finalidade de frustrar o caráter competitivo do certame e beneficiar ilicitamente a empresa Souza & Pastor Ltda., acarretando enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário na ordem de R$ 1.042.386,24 (hum milhão, quarenta e dois mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e quatro centavos). Na sentença, o magistrado concluiu pela procedência parcial do pedido inicial, nos seguintes termos: (...) Do primeiro fato: Pregão Eletrônico n. 01/2007 e Dispensa de Licitação n. 4/2007 36. O primeiro fato narrado pelo Ministério Público Federal diz respeito às supostas irregularidades no âmbito do Pregão Eletrônico n. 01/2007 e da Dispensa de Licitação n. 4/2007. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 63. José Carlos Pereira Lira: solicitou a abertura de novo procedimento licitatório após os “erros cometidos no Pregão Eletrônico n. 01/2007” (Apenso 03, fl. 177), quando o esperado seria a correção destes erros ou, no mínimo, a designação de nova data para apresentação das propostas e lances, e não a abertura de um novo procedimento, sobretudo se considerado que o contrato vigente estava em vias de seu término. Além disso, mesmo ciente do parecer da Procuradoria Federal quanto à inexistência de um motivo justificável de urgência, o requerido autorizou e homologou a Dispensa de Licitação 04/2007 (fls. 04 e 63 do Apenso 05), que na verdade constituiu uma forma de legitimar a prestação de serviço já iniciada pela empresa Souza & Pastor Ltda., a qual percebeu por serviços realizados desde 1º/02/2007, cerca de um mês e meio antes da homologação da dispensa de licitação. 64. Waldemiro Queiroz da Silva: foi o responsável pelo indevido cancelamento do Pregão 01/2007, sobretudo se considerado que foi o próprio requerido quem determinou às empresas MG Alimentos Ltda. e Barros & Rocha Ltda. que alterassem as propostas para apresentação de preço unitário e não global, tendo posteriormente indicado a necessidade de cancelamento do pregão em razão de o preço não ter sido ofertado de forma global. Registra-se que o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal consignou que tal fato consistia em mera questão formal, porquanto possível ser lançado o valor global no sistema, conforme orientação extraído do próprio “Manual do Pregoeiro”, fls. 156/159 do Apenso 02. 65. Maria Angélica da Costa Camillo: foi a responsável pela coleta de preços na Dispensa de Licitação nº 04/2007. Antes do parecer exarado pela Procuradoria Federal, a requerida apenas coletou, além da Souza & Pastor Ltda., o preço de duas empresas que possuíam os mesmos sócios no quadro societário, deixando de colher, por exemplo, os preços apresentados pelas empresas melhores classificadas no Pregão Eletrônico n. 01/2007. Além disso, foi a referida requerida quem elaborou o Ato de Dispensa de Licitação nº 04/07, conforme fls. 31/32 do Apenso 20. 66. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 67. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. (...) Do segundo fato: Pregão Presencial n. 17/2007 Passo, doravante, à análise do segundo fato indicado na inicial, relacionado com o Pregão Presencial n. 17/2007. 71. Os elementos probatórios contidos nos presentes autos evidenciam que este procedimento licitatório, assim como os demais, foi indevidamente conduzido com a precípua finalidade de consagrar, vencedora, a empresa Souza & Pastor Ltda. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 91. José Carlos Pereira Lira: determinou que fosse reiniciado outro procedimento após o cancelamento do Pregão Eletrônico n. 01/2007, no lugar de apenas designar nova data (Apenso 18, fl. 174). Além disso, homologou o Pregão Presencial 17/2007, sendo conivente com a modalidade presencial, mesmo havendo parecer em sentido contrário da Procuradoria Federal (Apenso 06, fl. 369). 92. Maria Angélica da Costa Camillo: propôs o pregão na modalidade presencial (Apenso 13, fls. 97/98), sendo também responsável pela ineficiente coleta para preços de referência, deixando de aferir os preços apresentados pelas melhores ofertas em pregão anterior (Pregão Eletrônico n. 01/2007). 93. Alberto Alencar de Almeida: autorizou a abertura do pregão presencial, em detrimento do pregão eletrônico (Apenso 02, fl. 119). Ressalto que o requerido, mesmo diante de parecer da Procuradoria Federal que atestava a ausência de justificativa para afastar o pregão na modalidade eletrônica, limitou-se a repetir justificativa já apresentada anteriormente e analisada pela consultoria jurídica, insistindo na indevida escolha da modalidade presencial do pregão. 94. Luiz de Souza Santos: na condição de pregoeiro do Pregão Presencial n. 17/2007, desclassificou indevidamente a empresa Novo Rumo Indústria e Comércio Ltda., propiciando que empresa Souza & Pastor sagrasse vencedora do certame, a despeito de não ter oferecido a proposta mais vantajosa ao Erário Público. Quanto a este requerido, atento que a despeito de o mesmo ter encaminhado e-mail ao CRN para consultar a validade territorial dos documentos apresentados pela empresa Novo Rumo, a resposta apresentada pelo referido Conselho não era influente, uma vez que não se exigiu, no edital, o registro dos documentos no CRN/AC, conforme fundamentado acima. Além disso, a jurisprudência do TCU, já na época dos fatos, era pacífica no sentido de que o registro no conselho regional profissional do estado da prestação do serviço deveria ser promovido quando da contratação e não como condição para habilitação, conforme ilustrado a seguir: (...) 95. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 96. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. Como visto, os réus foram condenados pela prática de atos capitulados no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, o qual se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (...). Analisando a questão, verifico que a ação de improbidade foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Extrai-se do entendimento fixado pelo STF, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, observo que, ao contrário do que alega o MPF, não restou comprovado a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Na verdade, prova testemunhal produzida no bojo da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000 (representante legal de empresa concorrente), que trata dos mesmos fatos aqui expostos, corrobora as afirmações dos apelantes no sentido de falha procedimental com a ausência de publicação do cardápio especial a ser fornecido a indígenas enfermos, o que influenciou de maneira substancial o valor ofertado pelas licitantes e deu causa à diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007, os cotados na Dispensa de Licitação 04/2007 e o valor final obtido por meio da realização do Pregão Presencial 17/2007. Friso, por oportuno, que o parquet federal não logrou trazer aos autos quaisquer elementos probantes em sentido contrário. Na mesma direção, entendo que o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. Ademais, não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. O que se extrai dos autos é que, a despeito das irregularidades formais detectadas, os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, bem como a falha na capacitação dos envolvidos no que diz respeito à utilização da plataforma utilizada para a realização da licitação na modalidade pregão eletrônico. Nesse contexto, não estando comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não há que se falar em dolo específico. Assim, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovado o não fornecimento das refeições, nem tampouco que a empresa contratada tenha vencido o certame em decorrência de fraude ou conluio com os réus, ora apelantes. Esta Corte já decidiu que a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01. 3600. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, assim como a efetiva ocorrência de dano, o que não restou comprovado no caso. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. Nesse sentido, citem-se os julgados desta Corte: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, E ART 11, VI, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE DOLO NA CONDUTA. MERAS IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. Diante de toda prova colhida, não resta evidenciado nos autos prejuízo ao erário, sequer dolo específico na conduta do réu, uma vez realizada a prestação de contas pelo ex-gestor municipal, assim como construída a obra objeto do convênio firmado pelo município com a FUNASA. 6. Ainda que tenha havido pendências na prestação de contas, não há que se falar em conduta típica do inciso VI do art. 11 da LIA, pois, de fato, as contas foram prestadas. Tampouco restou demonstrada conduta dolosa com a finalidade de ocultar irregularidades na execução do convênio. 7. As irregularidades técnicas apontadas não são suficientes para condenar por ato de improbidade que causa dano ao erário. Ademais, não se colhe dos autos, como alhures dito, a prova do dolo específico na conduta do requerido, elemento exigido pela norma de regência. 8. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não se podem confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade. 9. Apelação provida, julgando-se improcedente o pedido inicial. (ACP 0001264-33.2009.4.01.3311, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Cesar Jatahy, PJe 20/05/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023). Para configuração do ato de improbidade previsto no caput do art. 10 e nos seus incisos da Lei 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico. Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. Ressalte-se, outrossim, que, a despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado, em 04/09/2024, da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. Por fim, registro que, para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, "Em se tratando de concessão da assistência judiciária gratuita (...) basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza" (AgRg no Ag 1.345.625/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08/02/2011), o que impõe o deferimento do pedido de gratuidade de justiça deduzido pelos apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros. Ante o exposto, defiro o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dou provimento às apelações para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 APELANTE: WALDEMIRO QUEIROZ DA SILVA, IRIS PASTOR DE SOUZA, ALBERTO ALENCAR DE ALMEIDA, EVANIA SALETE PEREIRA DE ARAUJO, ALZIRA FARIAS CAMELO, ADEMIR MENEZES DE FARIAS, JOSE CARLOS PEREIRA LIRA, MARIA ANGELICA DA COSTA CAMILLO, LUIZ DE SOUZA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545 Advogados do(a) APELANTE: CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A Advogados do(a) APELANTE: CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A, HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. AÇÃO PENAL, TRANSITADA EM JULGADO, ENVOLVENDO OS MESMOS RÉUS E OS MESMOS FATOS. ADI 7236. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇAÕES PROVIDAS. 1. Apelações interpostas contra sentença que condenou os réus com base no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, impondo sanções de ressarcimento ao erário, multa civil, perda da função pública, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Os apelantes alegam ausência de dolo e de individualização de condutas, além da inexistência de dano ao erário. 2. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. 3. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). 5. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 6. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, não restou comprovada a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Ademais, o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. 7. Não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. 8. Não comprovada a existência de dano ao erário, tampouco o dolo específico na prática da conduta, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo. 9. A despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. 10. Pedido de gratuidade deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros deferido. Apelações providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, deferir o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dar provimento às apelações. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 25/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0009973-15.2012.4.01.3000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0009973-15.2012.4.01.3000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: IRIS PASTOR DE SOUZA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545, CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A e HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas por Íris Pastor de Souza e por José Carlos Pereira Lira e Outros contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara federal da Seção Judiciária do Acre, que, nos autos da ação civil pública de improbidade, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus pela prática de atos de improbidade previstos no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos (IDs. 168447427 e 168447448): a) os réus José Carlos Pereira Lira, Waldemiro Queiroz da Silva, Maria Angélica da Costa Camilo e Íris Pastor de Souza, como base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 152.677,73 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) os réus José Carlos Pereira Lira, Maria Angélica da Costa Camilo, Albert Alencar de Almeida, Luiz de Souza Santos e Íris Pastor de Souza, com base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 560.793,22 (quinhentos e sessenta reais, setecentos e noventa e três reais e vinte e dois centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço) do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios. Sustenta a apelante Íris Pastor de Souza, no tocante ao cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, no que diz respeito à sua participação, não restou comprovada a má-fé e a desonestidade apontada pelo Ministério Público Federal, nem tampouco a individualização da conduta da apelante, ressaltando que o referido cancelamento não foi questionado por nenhuma das empresas participantes, pois não foi publicado o anexo do edital do certame com as especificações do cardápio objeto do pregão, falha reconhecida pelo Tribunal de Contas da União no bojo do Acórdão 4.050/2012 e pelo Juízo Criminal nos autos da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000. Quanto ao Procedimento de Dispensa de Licitação 4/2007 e ao Pregão Presencial 14/2007, a apelante nega a alegada tentativa de interferência ou conluio com os agentes públicos envolvidos em favor da empresa Souza & Pastor, da qual é sócia, inexistindo também qualquer prova em tal sentido, o que revela a ausência de sobrepreço ou dano ao erário, como verificado pelo TCU e pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre (ID. 168447443). Os apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros, por sua vez, pugnam, de início, pela gratuidade de justiça. No mérito, sustentam, em síntese, a inexistência de ato de improbidade administrativa; a ausência de dolo ou má-fé; e que a absolvição na esfera criminal e a rejeição da responsabilização em sede de tomada de contas especial do TCU devem repercutir na absolvição na presente ação de improbidade. Aduzem a) que o cancelamento do Pregão Eletrônico ocorreu pela impossibilidade de continuidade de seu andamento, posto que, entre outros motivos, não foi publicado no anexo de seu edital o cardápio a ser seguido pelos vencedores da licitação, haja vista que o objeto do certame destina-se a alimentação de indígenas enfermos, fato este comprovado por testemunha ouvida na Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000; b) que a diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007 e da Dispensa de Licitação 04/2007 deu-se em razão das exigências alimentares do cardápio; c) que, à época, a recém implantada plataforma de pregão eletrônico, sem qualquer treinamento, aliado ao reduzido número de funcionários, os quais não possuíam a capacitação devida, acarretaram os vícios procedimentais no processo licitatório, o que denota a ausência de dolo ou má-fe dos apelantes; d) por ocasião da Dispensa de Licitação 04/2007, foram realizadas 5 (cinco) coletas de preços e que os valores foram significativamente elevados em razão de não terem anteriormente levado em consideração o cardápio não publicado; e) a adoção da modalidade de pregão presencial foi devidamente justificada, nos termos do Decreto 5.450/2005, e que a inserção no edital do Pregão Presencial 17/2007 do item que previa a vistoria in loco na cozinha e instalações da licitante decorreu apenas das especificidades do objeto do certame, que envolvia a saúde de indígenas enfermos, sem a presença de qualquer conduta dolosa por parte dos servidores envolvidos para frustrar a concorrência ou beneficiar a vencedora; e f) em momento algum foi questionado o efetivo fornecimento das refeições aos indígenas enfermos, o que comprova a ausência de desvio de recursos públicos e dano ao erário (ID. 168447460). Com contrarrazões da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (IDs. 168447454 e 168447466) e do MPF (IDs. 168447459 e 168447467). O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos (ID. 180899047). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta da petição inicial, em síntese, que os apelantes praticaram atos de improbidade administrativa no que diz respeito à suposta contratação irregular da empresa Souza & Pastor Ltda. para fornecer refeições a Casa de Saúde lndígena de Rio Branco - CASA, com o cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, à Dispensa de Licitação 04/2007 e à contratação com sobrepreço por meio do Pregão Presencial 17/2007, com a finalidade de frustrar o caráter competitivo do certame e beneficiar ilicitamente a empresa Souza & Pastor Ltda., acarretando enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário na ordem de R$ 1.042.386,24 (hum milhão, quarenta e dois mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e quatro centavos). Na sentença, o magistrado concluiu pela procedência parcial do pedido inicial, nos seguintes termos: (...) Do primeiro fato: Pregão Eletrônico n. 01/2007 e Dispensa de Licitação n. 4/2007 36. O primeiro fato narrado pelo Ministério Público Federal diz respeito às supostas irregularidades no âmbito do Pregão Eletrônico n. 01/2007 e da Dispensa de Licitação n. 4/2007. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 63. José Carlos Pereira Lira: solicitou a abertura de novo procedimento licitatório após os “erros cometidos no Pregão Eletrônico n. 01/2007” (Apenso 03, fl. 177), quando o esperado seria a correção destes erros ou, no mínimo, a designação de nova data para apresentação das propostas e lances, e não a abertura de um novo procedimento, sobretudo se considerado que o contrato vigente estava em vias de seu término. Além disso, mesmo ciente do parecer da Procuradoria Federal quanto à inexistência de um motivo justificável de urgência, o requerido autorizou e homologou a Dispensa de Licitação 04/2007 (fls. 04 e 63 do Apenso 05), que na verdade constituiu uma forma de legitimar a prestação de serviço já iniciada pela empresa Souza & Pastor Ltda., a qual percebeu por serviços realizados desde 1º/02/2007, cerca de um mês e meio antes da homologação da dispensa de licitação. 64. Waldemiro Queiroz da Silva: foi o responsável pelo indevido cancelamento do Pregão 01/2007, sobretudo se considerado que foi o próprio requerido quem determinou às empresas MG Alimentos Ltda. e Barros & Rocha Ltda. que alterassem as propostas para apresentação de preço unitário e não global, tendo posteriormente indicado a necessidade de cancelamento do pregão em razão de o preço não ter sido ofertado de forma global. Registra-se que o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal consignou que tal fato consistia em mera questão formal, porquanto possível ser lançado o valor global no sistema, conforme orientação extraído do próprio “Manual do Pregoeiro”, fls. 156/159 do Apenso 02. 65. Maria Angélica da Costa Camillo: foi a responsável pela coleta de preços na Dispensa de Licitação nº 04/2007. Antes do parecer exarado pela Procuradoria Federal, a requerida apenas coletou, além da Souza & Pastor Ltda., o preço de duas empresas que possuíam os mesmos sócios no quadro societário, deixando de colher, por exemplo, os preços apresentados pelas empresas melhores classificadas no Pregão Eletrônico n. 01/2007. Além disso, foi a referida requerida quem elaborou o Ato de Dispensa de Licitação nº 04/07, conforme fls. 31/32 do Apenso 20. 66. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 67. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. (...) Do segundo fato: Pregão Presencial n. 17/2007 Passo, doravante, à análise do segundo fato indicado na inicial, relacionado com o Pregão Presencial n. 17/2007. 71. Os elementos probatórios contidos nos presentes autos evidenciam que este procedimento licitatório, assim como os demais, foi indevidamente conduzido com a precípua finalidade de consagrar, vencedora, a empresa Souza & Pastor Ltda. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 91. José Carlos Pereira Lira: determinou que fosse reiniciado outro procedimento após o cancelamento do Pregão Eletrônico n. 01/2007, no lugar de apenas designar nova data (Apenso 18, fl. 174). Além disso, homologou o Pregão Presencial 17/2007, sendo conivente com a modalidade presencial, mesmo havendo parecer em sentido contrário da Procuradoria Federal (Apenso 06, fl. 369). 92. Maria Angélica da Costa Camillo: propôs o pregão na modalidade presencial (Apenso 13, fls. 97/98), sendo também responsável pela ineficiente coleta para preços de referência, deixando de aferir os preços apresentados pelas melhores ofertas em pregão anterior (Pregão Eletrônico n. 01/2007). 93. Alberto Alencar de Almeida: autorizou a abertura do pregão presencial, em detrimento do pregão eletrônico (Apenso 02, fl. 119). Ressalto que o requerido, mesmo diante de parecer da Procuradoria Federal que atestava a ausência de justificativa para afastar o pregão na modalidade eletrônica, limitou-se a repetir justificativa já apresentada anteriormente e analisada pela consultoria jurídica, insistindo na indevida escolha da modalidade presencial do pregão. 94. Luiz de Souza Santos: na condição de pregoeiro do Pregão Presencial n. 17/2007, desclassificou indevidamente a empresa Novo Rumo Indústria e Comércio Ltda., propiciando que empresa Souza & Pastor sagrasse vencedora do certame, a despeito de não ter oferecido a proposta mais vantajosa ao Erário Público. Quanto a este requerido, atento que a despeito de o mesmo ter encaminhado e-mail ao CRN para consultar a validade territorial dos documentos apresentados pela empresa Novo Rumo, a resposta apresentada pelo referido Conselho não era influente, uma vez que não se exigiu, no edital, o registro dos documentos no CRN/AC, conforme fundamentado acima. Além disso, a jurisprudência do TCU, já na época dos fatos, era pacífica no sentido de que o registro no conselho regional profissional do estado da prestação do serviço deveria ser promovido quando da contratação e não como condição para habilitação, conforme ilustrado a seguir: (...) 95. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 96. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. Como visto, os réus foram condenados pela prática de atos capitulados no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, o qual se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (...). Analisando a questão, verifico que a ação de improbidade foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Extrai-se do entendimento fixado pelo STF, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, observo que, ao contrário do que alega o MPF, não restou comprovado a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Na verdade, prova testemunhal produzida no bojo da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000 (representante legal de empresa concorrente), que trata dos mesmos fatos aqui expostos, corrobora as afirmações dos apelantes no sentido de falha procedimental com a ausência de publicação do cardápio especial a ser fornecido a indígenas enfermos, o que influenciou de maneira substancial o valor ofertado pelas licitantes e deu causa à diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007, os cotados na Dispensa de Licitação 04/2007 e o valor final obtido por meio da realização do Pregão Presencial 17/2007. Friso, por oportuno, que o parquet federal não logrou trazer aos autos quaisquer elementos probantes em sentido contrário. Na mesma direção, entendo que o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. Ademais, não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. O que se extrai dos autos é que, a despeito das irregularidades formais detectadas, os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, bem como a falha na capacitação dos envolvidos no que diz respeito à utilização da plataforma utilizada para a realização da licitação na modalidade pregão eletrônico. Nesse contexto, não estando comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não há que se falar em dolo específico. Assim, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovado o não fornecimento das refeições, nem tampouco que a empresa contratada tenha vencido o certame em decorrência de fraude ou conluio com os réus, ora apelantes. Esta Corte já decidiu que a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01. 3600. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, assim como a efetiva ocorrência de dano, o que não restou comprovado no caso. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. Nesse sentido, citem-se os julgados desta Corte: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, E ART 11, VI, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE DOLO NA CONDUTA. MERAS IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. Diante de toda prova colhida, não resta evidenciado nos autos prejuízo ao erário, sequer dolo específico na conduta do réu, uma vez realizada a prestação de contas pelo ex-gestor municipal, assim como construída a obra objeto do convênio firmado pelo município com a FUNASA. 6. Ainda que tenha havido pendências na prestação de contas, não há que se falar em conduta típica do inciso VI do art. 11 da LIA, pois, de fato, as contas foram prestadas. Tampouco restou demonstrada conduta dolosa com a finalidade de ocultar irregularidades na execução do convênio. 7. As irregularidades técnicas apontadas não são suficientes para condenar por ato de improbidade que causa dano ao erário. Ademais, não se colhe dos autos, como alhures dito, a prova do dolo específico na conduta do requerido, elemento exigido pela norma de regência. 8. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não se podem confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade. 9. Apelação provida, julgando-se improcedente o pedido inicial. (ACP 0001264-33.2009.4.01.3311, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Cesar Jatahy, PJe 20/05/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023). Para configuração do ato de improbidade previsto no caput do art. 10 e nos seus incisos da Lei 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico. Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. Ressalte-se, outrossim, que, a despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado, em 04/09/2024, da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. Por fim, registro que, para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, "Em se tratando de concessão da assistência judiciária gratuita (...) basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza" (AgRg no Ag 1.345.625/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08/02/2011), o que impõe o deferimento do pedido de gratuidade de justiça deduzido pelos apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros. Ante o exposto, defiro o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dou provimento às apelações para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 APELANTE: WALDEMIRO QUEIROZ DA SILVA, IRIS PASTOR DE SOUZA, ALBERTO ALENCAR DE ALMEIDA, EVANIA SALETE PEREIRA DE ARAUJO, ALZIRA FARIAS CAMELO, ADEMIR MENEZES DE FARIAS, JOSE CARLOS PEREIRA LIRA, MARIA ANGELICA DA COSTA CAMILLO, LUIZ DE SOUZA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545 Advogados do(a) APELANTE: CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A Advogados do(a) APELANTE: CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A, HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. AÇÃO PENAL, TRANSITADA EM JULGADO, ENVOLVENDO OS MESMOS RÉUS E OS MESMOS FATOS. ADI 7236. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇAÕES PROVIDAS. 1. Apelações interpostas contra sentença que condenou os réus com base no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, impondo sanções de ressarcimento ao erário, multa civil, perda da função pública, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Os apelantes alegam ausência de dolo e de individualização de condutas, além da inexistência de dano ao erário. 2. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. 3. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). 5. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 6. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, não restou comprovada a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Ademais, o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. 7. Não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. 8. Não comprovada a existência de dano ao erário, tampouco o dolo específico na prática da conduta, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo. 9. A despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. 10. Pedido de gratuidade deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros deferido. Apelações providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, deferir o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dar provimento às apelações. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 25/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0009973-15.2012.4.01.3000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0009973-15.2012.4.01.3000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: IRIS PASTOR DE SOUZA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545, CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A e HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas por Íris Pastor de Souza e por José Carlos Pereira Lira e Outros contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara federal da Seção Judiciária do Acre, que, nos autos da ação civil pública de improbidade, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus pela prática de atos de improbidade previstos no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos (IDs. 168447427 e 168447448): a) os réus José Carlos Pereira Lira, Waldemiro Queiroz da Silva, Maria Angélica da Costa Camilo e Íris Pastor de Souza, como base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 152.677,73 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) os réus José Carlos Pereira Lira, Maria Angélica da Costa Camilo, Albert Alencar de Almeida, Luiz de Souza Santos e Íris Pastor de Souza, com base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 560.793,22 (quinhentos e sessenta reais, setecentos e noventa e três reais e vinte e dois centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço) do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios. Sustenta a apelante Íris Pastor de Souza, no tocante ao cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, no que diz respeito à sua participação, não restou comprovada a má-fé e a desonestidade apontada pelo Ministério Público Federal, nem tampouco a individualização da conduta da apelante, ressaltando que o referido cancelamento não foi questionado por nenhuma das empresas participantes, pois não foi publicado o anexo do edital do certame com as especificações do cardápio objeto do pregão, falha reconhecida pelo Tribunal de Contas da União no bojo do Acórdão 4.050/2012 e pelo Juízo Criminal nos autos da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000. Quanto ao Procedimento de Dispensa de Licitação 4/2007 e ao Pregão Presencial 14/2007, a apelante nega a alegada tentativa de interferência ou conluio com os agentes públicos envolvidos em favor da empresa Souza & Pastor, da qual é sócia, inexistindo também qualquer prova em tal sentido, o que revela a ausência de sobrepreço ou dano ao erário, como verificado pelo TCU e pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre (ID. 168447443). Os apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros, por sua vez, pugnam, de início, pela gratuidade de justiça. No mérito, sustentam, em síntese, a inexistência de ato de improbidade administrativa; a ausência de dolo ou má-fé; e que a absolvição na esfera criminal e a rejeição da responsabilização em sede de tomada de contas especial do TCU devem repercutir na absolvição na presente ação de improbidade. Aduzem a) que o cancelamento do Pregão Eletrônico ocorreu pela impossibilidade de continuidade de seu andamento, posto que, entre outros motivos, não foi publicado no anexo de seu edital o cardápio a ser seguido pelos vencedores da licitação, haja vista que o objeto do certame destina-se a alimentação de indígenas enfermos, fato este comprovado por testemunha ouvida na Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000; b) que a diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007 e da Dispensa de Licitação 04/2007 deu-se em razão das exigências alimentares do cardápio; c) que, à época, a recém implantada plataforma de pregão eletrônico, sem qualquer treinamento, aliado ao reduzido número de funcionários, os quais não possuíam a capacitação devida, acarretaram os vícios procedimentais no processo licitatório, o que denota a ausência de dolo ou má-fe dos apelantes; d) por ocasião da Dispensa de Licitação 04/2007, foram realizadas 5 (cinco) coletas de preços e que os valores foram significativamente elevados em razão de não terem anteriormente levado em consideração o cardápio não publicado; e) a adoção da modalidade de pregão presencial foi devidamente justificada, nos termos do Decreto 5.450/2005, e que a inserção no edital do Pregão Presencial 17/2007 do item que previa a vistoria in loco na cozinha e instalações da licitante decorreu apenas das especificidades do objeto do certame, que envolvia a saúde de indígenas enfermos, sem a presença de qualquer conduta dolosa por parte dos servidores envolvidos para frustrar a concorrência ou beneficiar a vencedora; e f) em momento algum foi questionado o efetivo fornecimento das refeições aos indígenas enfermos, o que comprova a ausência de desvio de recursos públicos e dano ao erário (ID. 168447460). Com contrarrazões da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (IDs. 168447454 e 168447466) e do MPF (IDs. 168447459 e 168447467). O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos (ID. 180899047). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta da petição inicial, em síntese, que os apelantes praticaram atos de improbidade administrativa no que diz respeito à suposta contratação irregular da empresa Souza & Pastor Ltda. para fornecer refeições a Casa de Saúde lndígena de Rio Branco - CASA, com o cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, à Dispensa de Licitação 04/2007 e à contratação com sobrepreço por meio do Pregão Presencial 17/2007, com a finalidade de frustrar o caráter competitivo do certame e beneficiar ilicitamente a empresa Souza & Pastor Ltda., acarretando enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário na ordem de R$ 1.042.386,24 (hum milhão, quarenta e dois mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e quatro centavos). Na sentença, o magistrado concluiu pela procedência parcial do pedido inicial, nos seguintes termos: (...) Do primeiro fato: Pregão Eletrônico n. 01/2007 e Dispensa de Licitação n. 4/2007 36. O primeiro fato narrado pelo Ministério Público Federal diz respeito às supostas irregularidades no âmbito do Pregão Eletrônico n. 01/2007 e da Dispensa de Licitação n. 4/2007. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 63. José Carlos Pereira Lira: solicitou a abertura de novo procedimento licitatório após os “erros cometidos no Pregão Eletrônico n. 01/2007” (Apenso 03, fl. 177), quando o esperado seria a correção destes erros ou, no mínimo, a designação de nova data para apresentação das propostas e lances, e não a abertura de um novo procedimento, sobretudo se considerado que o contrato vigente estava em vias de seu término. Além disso, mesmo ciente do parecer da Procuradoria Federal quanto à inexistência de um motivo justificável de urgência, o requerido autorizou e homologou a Dispensa de Licitação 04/2007 (fls. 04 e 63 do Apenso 05), que na verdade constituiu uma forma de legitimar a prestação de serviço já iniciada pela empresa Souza & Pastor Ltda., a qual percebeu por serviços realizados desde 1º/02/2007, cerca de um mês e meio antes da homologação da dispensa de licitação. 64. Waldemiro Queiroz da Silva: foi o responsável pelo indevido cancelamento do Pregão 01/2007, sobretudo se considerado que foi o próprio requerido quem determinou às empresas MG Alimentos Ltda. e Barros & Rocha Ltda. que alterassem as propostas para apresentação de preço unitário e não global, tendo posteriormente indicado a necessidade de cancelamento do pregão em razão de o preço não ter sido ofertado de forma global. Registra-se que o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal consignou que tal fato consistia em mera questão formal, porquanto possível ser lançado o valor global no sistema, conforme orientação extraído do próprio “Manual do Pregoeiro”, fls. 156/159 do Apenso 02. 65. Maria Angélica da Costa Camillo: foi a responsável pela coleta de preços na Dispensa de Licitação nº 04/2007. Antes do parecer exarado pela Procuradoria Federal, a requerida apenas coletou, além da Souza & Pastor Ltda., o preço de duas empresas que possuíam os mesmos sócios no quadro societário, deixando de colher, por exemplo, os preços apresentados pelas empresas melhores classificadas no Pregão Eletrônico n. 01/2007. Além disso, foi a referida requerida quem elaborou o Ato de Dispensa de Licitação nº 04/07, conforme fls. 31/32 do Apenso 20. 66. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 67. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. (...) Do segundo fato: Pregão Presencial n. 17/2007 Passo, doravante, à análise do segundo fato indicado na inicial, relacionado com o Pregão Presencial n. 17/2007. 71. Os elementos probatórios contidos nos presentes autos evidenciam que este procedimento licitatório, assim como os demais, foi indevidamente conduzido com a precípua finalidade de consagrar, vencedora, a empresa Souza & Pastor Ltda. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 91. José Carlos Pereira Lira: determinou que fosse reiniciado outro procedimento após o cancelamento do Pregão Eletrônico n. 01/2007, no lugar de apenas designar nova data (Apenso 18, fl. 174). Além disso, homologou o Pregão Presencial 17/2007, sendo conivente com a modalidade presencial, mesmo havendo parecer em sentido contrário da Procuradoria Federal (Apenso 06, fl. 369). 92. Maria Angélica da Costa Camillo: propôs o pregão na modalidade presencial (Apenso 13, fls. 97/98), sendo também responsável pela ineficiente coleta para preços de referência, deixando de aferir os preços apresentados pelas melhores ofertas em pregão anterior (Pregão Eletrônico n. 01/2007). 93. Alberto Alencar de Almeida: autorizou a abertura do pregão presencial, em detrimento do pregão eletrônico (Apenso 02, fl. 119). Ressalto que o requerido, mesmo diante de parecer da Procuradoria Federal que atestava a ausência de justificativa para afastar o pregão na modalidade eletrônica, limitou-se a repetir justificativa já apresentada anteriormente e analisada pela consultoria jurídica, insistindo na indevida escolha da modalidade presencial do pregão. 94. Luiz de Souza Santos: na condição de pregoeiro do Pregão Presencial n. 17/2007, desclassificou indevidamente a empresa Novo Rumo Indústria e Comércio Ltda., propiciando que empresa Souza & Pastor sagrasse vencedora do certame, a despeito de não ter oferecido a proposta mais vantajosa ao Erário Público. Quanto a este requerido, atento que a despeito de o mesmo ter encaminhado e-mail ao CRN para consultar a validade territorial dos documentos apresentados pela empresa Novo Rumo, a resposta apresentada pelo referido Conselho não era influente, uma vez que não se exigiu, no edital, o registro dos documentos no CRN/AC, conforme fundamentado acima. Além disso, a jurisprudência do TCU, já na época dos fatos, era pacífica no sentido de que o registro no conselho regional profissional do estado da prestação do serviço deveria ser promovido quando da contratação e não como condição para habilitação, conforme ilustrado a seguir: (...) 95. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 96. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. Como visto, os réus foram condenados pela prática de atos capitulados no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, o qual se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (...). Analisando a questão, verifico que a ação de improbidade foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Extrai-se do entendimento fixado pelo STF, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, observo que, ao contrário do que alega o MPF, não restou comprovado a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Na verdade, prova testemunhal produzida no bojo da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000 (representante legal de empresa concorrente), que trata dos mesmos fatos aqui expostos, corrobora as afirmações dos apelantes no sentido de falha procedimental com a ausência de publicação do cardápio especial a ser fornecido a indígenas enfermos, o que influenciou de maneira substancial o valor ofertado pelas licitantes e deu causa à diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007, os cotados na Dispensa de Licitação 04/2007 e o valor final obtido por meio da realização do Pregão Presencial 17/2007. Friso, por oportuno, que o parquet federal não logrou trazer aos autos quaisquer elementos probantes em sentido contrário. Na mesma direção, entendo que o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. Ademais, não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. O que se extrai dos autos é que, a despeito das irregularidades formais detectadas, os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, bem como a falha na capacitação dos envolvidos no que diz respeito à utilização da plataforma utilizada para a realização da licitação na modalidade pregão eletrônico. Nesse contexto, não estando comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não há que se falar em dolo específico. Assim, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovado o não fornecimento das refeições, nem tampouco que a empresa contratada tenha vencido o certame em decorrência de fraude ou conluio com os réus, ora apelantes. Esta Corte já decidiu que a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01. 3600. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, assim como a efetiva ocorrência de dano, o que não restou comprovado no caso. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. Nesse sentido, citem-se os julgados desta Corte: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, E ART 11, VI, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE DOLO NA CONDUTA. MERAS IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. Diante de toda prova colhida, não resta evidenciado nos autos prejuízo ao erário, sequer dolo específico na conduta do réu, uma vez realizada a prestação de contas pelo ex-gestor municipal, assim como construída a obra objeto do convênio firmado pelo município com a FUNASA. 6. Ainda que tenha havido pendências na prestação de contas, não há que se falar em conduta típica do inciso VI do art. 11 da LIA, pois, de fato, as contas foram prestadas. Tampouco restou demonstrada conduta dolosa com a finalidade de ocultar irregularidades na execução do convênio. 7. As irregularidades técnicas apontadas não são suficientes para condenar por ato de improbidade que causa dano ao erário. Ademais, não se colhe dos autos, como alhures dito, a prova do dolo específico na conduta do requerido, elemento exigido pela norma de regência. 8. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não se podem confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade. 9. Apelação provida, julgando-se improcedente o pedido inicial. (ACP 0001264-33.2009.4.01.3311, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Cesar Jatahy, PJe 20/05/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023). Para configuração do ato de improbidade previsto no caput do art. 10 e nos seus incisos da Lei 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico. Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. Ressalte-se, outrossim, que, a despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado, em 04/09/2024, da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. Por fim, registro que, para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, "Em se tratando de concessão da assistência judiciária gratuita (...) basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza" (AgRg no Ag 1.345.625/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08/02/2011), o que impõe o deferimento do pedido de gratuidade de justiça deduzido pelos apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros. Ante o exposto, defiro o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dou provimento às apelações para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 APELANTE: WALDEMIRO QUEIROZ DA SILVA, IRIS PASTOR DE SOUZA, ALBERTO ALENCAR DE ALMEIDA, EVANIA SALETE PEREIRA DE ARAUJO, ALZIRA FARIAS CAMELO, ADEMIR MENEZES DE FARIAS, JOSE CARLOS PEREIRA LIRA, MARIA ANGELICA DA COSTA CAMILLO, LUIZ DE SOUZA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545 Advogados do(a) APELANTE: CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A Advogados do(a) APELANTE: CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A, HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. AÇÃO PENAL, TRANSITADA EM JULGADO, ENVOLVENDO OS MESMOS RÉUS E OS MESMOS FATOS. ADI 7236. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇAÕES PROVIDAS. 1. Apelações interpostas contra sentença que condenou os réus com base no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, impondo sanções de ressarcimento ao erário, multa civil, perda da função pública, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Os apelantes alegam ausência de dolo e de individualização de condutas, além da inexistência de dano ao erário. 2. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. 3. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). 5. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 6. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, não restou comprovada a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Ademais, o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. 7. Não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. 8. Não comprovada a existência de dano ao erário, tampouco o dolo específico na prática da conduta, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo. 9. A despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. 10. Pedido de gratuidade deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros deferido. Apelações providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, deferir o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dar provimento às apelações. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 25/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0009973-15.2012.4.01.3000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0009973-15.2012.4.01.3000 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: IRIS PASTOR DE SOUZA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545, CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A e HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas por Íris Pastor de Souza e por José Carlos Pereira Lira e Outros contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara federal da Seção Judiciária do Acre, que, nos autos da ação civil pública de improbidade, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus pela prática de atos de improbidade previstos no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos (IDs. 168447427 e 168447448): a) os réus José Carlos Pereira Lira, Waldemiro Queiroz da Silva, Maria Angélica da Costa Camilo e Íris Pastor de Souza, como base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 152.677,73 (cento e cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e sete reais e setenta e três centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; b) os réus José Carlos Pereira Lira, Maria Angélica da Costa Camilo, Albert Alencar de Almeida, Luiz de Souza Santos e Íris Pastor de Souza, com base no art. 12, II, da Lei 8.429/1992, ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 560.793,22 (quinhentos e sessenta reais, setecentos e noventa e três reais e vinte e dois centavos), ao pagamento de multa civil no valor de 1/3 (um terço) do dano ao erário, à perda da função pública eventualmente ocupada quando da prática do delito, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios. Sustenta a apelante Íris Pastor de Souza, no tocante ao cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, no que diz respeito à sua participação, não restou comprovada a má-fé e a desonestidade apontada pelo Ministério Público Federal, nem tampouco a individualização da conduta da apelante, ressaltando que o referido cancelamento não foi questionado por nenhuma das empresas participantes, pois não foi publicado o anexo do edital do certame com as especificações do cardápio objeto do pregão, falha reconhecida pelo Tribunal de Contas da União no bojo do Acórdão 4.050/2012 e pelo Juízo Criminal nos autos da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000. Quanto ao Procedimento de Dispensa de Licitação 4/2007 e ao Pregão Presencial 14/2007, a apelante nega a alegada tentativa de interferência ou conluio com os agentes públicos envolvidos em favor da empresa Souza & Pastor, da qual é sócia, inexistindo também qualquer prova em tal sentido, o que revela a ausência de sobrepreço ou dano ao erário, como verificado pelo TCU e pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre (ID. 168447443). Os apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros, por sua vez, pugnam, de início, pela gratuidade de justiça. No mérito, sustentam, em síntese, a inexistência de ato de improbidade administrativa; a ausência de dolo ou má-fé; e que a absolvição na esfera criminal e a rejeição da responsabilização em sede de tomada de contas especial do TCU devem repercutir na absolvição na presente ação de improbidade. Aduzem a) que o cancelamento do Pregão Eletrônico ocorreu pela impossibilidade de continuidade de seu andamento, posto que, entre outros motivos, não foi publicado no anexo de seu edital o cardápio a ser seguido pelos vencedores da licitação, haja vista que o objeto do certame destina-se a alimentação de indígenas enfermos, fato este comprovado por testemunha ouvida na Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000; b) que a diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007 e da Dispensa de Licitação 04/2007 deu-se em razão das exigências alimentares do cardápio; c) que, à época, a recém implantada plataforma de pregão eletrônico, sem qualquer treinamento, aliado ao reduzido número de funcionários, os quais não possuíam a capacitação devida, acarretaram os vícios procedimentais no processo licitatório, o que denota a ausência de dolo ou má-fe dos apelantes; d) por ocasião da Dispensa de Licitação 04/2007, foram realizadas 5 (cinco) coletas de preços e que os valores foram significativamente elevados em razão de não terem anteriormente levado em consideração o cardápio não publicado; e) a adoção da modalidade de pregão presencial foi devidamente justificada, nos termos do Decreto 5.450/2005, e que a inserção no edital do Pregão Presencial 17/2007 do item que previa a vistoria in loco na cozinha e instalações da licitante decorreu apenas das especificidades do objeto do certame, que envolvia a saúde de indígenas enfermos, sem a presença de qualquer conduta dolosa por parte dos servidores envolvidos para frustrar a concorrência ou beneficiar a vencedora; e f) em momento algum foi questionado o efetivo fornecimento das refeições aos indígenas enfermos, o que comprova a ausência de desvio de recursos públicos e dano ao erário (ID. 168447460). Com contrarrazões da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA (IDs. 168447454 e 168447466) e do MPF (IDs. 168447459 e 168447467). O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos (ID. 180899047). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta da petição inicial, em síntese, que os apelantes praticaram atos de improbidade administrativa no que diz respeito à suposta contratação irregular da empresa Souza & Pastor Ltda. para fornecer refeições a Casa de Saúde lndígena de Rio Branco - CASA, com o cancelamento do Pregão Eletrônico 01/2007, à Dispensa de Licitação 04/2007 e à contratação com sobrepreço por meio do Pregão Presencial 17/2007, com a finalidade de frustrar o caráter competitivo do certame e beneficiar ilicitamente a empresa Souza & Pastor Ltda., acarretando enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário na ordem de R$ 1.042.386,24 (hum milhão, quarenta e dois mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e quatro centavos). Na sentença, o magistrado concluiu pela procedência parcial do pedido inicial, nos seguintes termos: (...) Do primeiro fato: Pregão Eletrônico n. 01/2007 e Dispensa de Licitação n. 4/2007 36. O primeiro fato narrado pelo Ministério Público Federal diz respeito às supostas irregularidades no âmbito do Pregão Eletrônico n. 01/2007 e da Dispensa de Licitação n. 4/2007. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 63. José Carlos Pereira Lira: solicitou a abertura de novo procedimento licitatório após os “erros cometidos no Pregão Eletrônico n. 01/2007” (Apenso 03, fl. 177), quando o esperado seria a correção destes erros ou, no mínimo, a designação de nova data para apresentação das propostas e lances, e não a abertura de um novo procedimento, sobretudo se considerado que o contrato vigente estava em vias de seu término. Além disso, mesmo ciente do parecer da Procuradoria Federal quanto à inexistência de um motivo justificável de urgência, o requerido autorizou e homologou a Dispensa de Licitação 04/2007 (fls. 04 e 63 do Apenso 05), que na verdade constituiu uma forma de legitimar a prestação de serviço já iniciada pela empresa Souza & Pastor Ltda., a qual percebeu por serviços realizados desde 1º/02/2007, cerca de um mês e meio antes da homologação da dispensa de licitação. 64. Waldemiro Queiroz da Silva: foi o responsável pelo indevido cancelamento do Pregão 01/2007, sobretudo se considerado que foi o próprio requerido quem determinou às empresas MG Alimentos Ltda. e Barros & Rocha Ltda. que alterassem as propostas para apresentação de preço unitário e não global, tendo posteriormente indicado a necessidade de cancelamento do pregão em razão de o preço não ter sido ofertado de forma global. Registra-se que o laudo pericial elaborado pela Polícia Federal consignou que tal fato consistia em mera questão formal, porquanto possível ser lançado o valor global no sistema, conforme orientação extraído do próprio “Manual do Pregoeiro”, fls. 156/159 do Apenso 02. 65. Maria Angélica da Costa Camillo: foi a responsável pela coleta de preços na Dispensa de Licitação nº 04/2007. Antes do parecer exarado pela Procuradoria Federal, a requerida apenas coletou, além da Souza & Pastor Ltda., o preço de duas empresas que possuíam os mesmos sócios no quadro societário, deixando de colher, por exemplo, os preços apresentados pelas empresas melhores classificadas no Pregão Eletrônico n. 01/2007. Além disso, foi a referida requerida quem elaborou o Ato de Dispensa de Licitação nº 04/07, conforme fls. 31/32 do Apenso 20. 66. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 67. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. (...) Do segundo fato: Pregão Presencial n. 17/2007 Passo, doravante, à análise do segundo fato indicado na inicial, relacionado com o Pregão Presencial n. 17/2007. 71. Os elementos probatórios contidos nos presentes autos evidenciam que este procedimento licitatório, assim como os demais, foi indevidamente conduzido com a precípua finalidade de consagrar, vencedora, a empresa Souza & Pastor Ltda. (...) Quanto à responsabilidade dos requeridos pelo fato aqui analisado, temos o seguinte contexto fático: 91. José Carlos Pereira Lira: determinou que fosse reiniciado outro procedimento após o cancelamento do Pregão Eletrônico n. 01/2007, no lugar de apenas designar nova data (Apenso 18, fl. 174). Além disso, homologou o Pregão Presencial 17/2007, sendo conivente com a modalidade presencial, mesmo havendo parecer em sentido contrário da Procuradoria Federal (Apenso 06, fl. 369). 92. Maria Angélica da Costa Camillo: propôs o pregão na modalidade presencial (Apenso 13, fls. 97/98), sendo também responsável pela ineficiente coleta para preços de referência, deixando de aferir os preços apresentados pelas melhores ofertas em pregão anterior (Pregão Eletrônico n. 01/2007). 93. Alberto Alencar de Almeida: autorizou a abertura do pregão presencial, em detrimento do pregão eletrônico (Apenso 02, fl. 119). Ressalto que o requerido, mesmo diante de parecer da Procuradoria Federal que atestava a ausência de justificativa para afastar o pregão na modalidade eletrônica, limitou-se a repetir justificativa já apresentada anteriormente e analisada pela consultoria jurídica, insistindo na indevida escolha da modalidade presencial do pregão. 94. Luiz de Souza Santos: na condição de pregoeiro do Pregão Presencial n. 17/2007, desclassificou indevidamente a empresa Novo Rumo Indústria e Comércio Ltda., propiciando que empresa Souza & Pastor sagrasse vencedora do certame, a despeito de não ter oferecido a proposta mais vantajosa ao Erário Público. Quanto a este requerido, atento que a despeito de o mesmo ter encaminhado e-mail ao CRN para consultar a validade territorial dos documentos apresentados pela empresa Novo Rumo, a resposta apresentada pelo referido Conselho não era influente, uma vez que não se exigiu, no edital, o registro dos documentos no CRN/AC, conforme fundamentado acima. Além disso, a jurisprudência do TCU, já na época dos fatos, era pacífica no sentido de que o registro no conselho regional profissional do estado da prestação do serviço deveria ser promovido quando da contratação e não como condição para habilitação, conforme ilustrado a seguir: (...) 95. Iris Pastor de Souza: trata-se da pessoa proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., beneficiada pelas irregularidades apresentadas nos itens passados. Prestou os serviços licitados à Funasa entre os anos de 2002 e 2009, percebendo, nos últimos 3 anos, valores com sobrepreço, conforme apontado anteriormente. 96. Configurada, portanto, a prática da conduta descrita no art. 10, incisos I e VIII (redação anterior à Lei 13.019/2014) da Lei n. 8.429/92. Como visto, os réus foram condenados pela prática de atos capitulados no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, o qual se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014) (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; (...). Analisando a questão, verifico que a ação de improbidade foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Extrai-se do entendimento fixado pelo STF, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, observo que, ao contrário do que alega o MPF, não restou comprovado a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Na verdade, prova testemunhal produzida no bojo da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000 (representante legal de empresa concorrente), que trata dos mesmos fatos aqui expostos, corrobora as afirmações dos apelantes no sentido de falha procedimental com a ausência de publicação do cardápio especial a ser fornecido a indígenas enfermos, o que influenciou de maneira substancial o valor ofertado pelas licitantes e deu causa à diferença de valores cotados no Pregão Eletrônico 01/2007, os cotados na Dispensa de Licitação 04/2007 e o valor final obtido por meio da realização do Pregão Presencial 17/2007. Friso, por oportuno, que o parquet federal não logrou trazer aos autos quaisquer elementos probantes em sentido contrário. Na mesma direção, entendo que o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. Ademais, não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. O que se extrai dos autos é que, a despeito das irregularidades formais detectadas, os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, bem como a falha na capacitação dos envolvidos no que diz respeito à utilização da plataforma utilizada para a realização da licitação na modalidade pregão eletrônico. Nesse contexto, não estando comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não há que se falar em dolo específico. Assim, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovado o não fornecimento das refeições, nem tampouco que a empresa contratada tenha vencido o certame em decorrência de fraude ou conluio com os réus, ora apelantes. Esta Corte já decidiu que a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01. 3600. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, assim como a efetiva ocorrência de dano, o que não restou comprovado no caso. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. Nesse sentido, citem-se os julgados desta Corte: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, E ART 11, VI, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE DOLO NA CONDUTA. MERAS IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. Diante de toda prova colhida, não resta evidenciado nos autos prejuízo ao erário, sequer dolo específico na conduta do réu, uma vez realizada a prestação de contas pelo ex-gestor municipal, assim como construída a obra objeto do convênio firmado pelo município com a FUNASA. 6. Ainda que tenha havido pendências na prestação de contas, não há que se falar em conduta típica do inciso VI do art. 11 da LIA, pois, de fato, as contas foram prestadas. Tampouco restou demonstrada conduta dolosa com a finalidade de ocultar irregularidades na execução do convênio. 7. As irregularidades técnicas apontadas não são suficientes para condenar por ato de improbidade que causa dano ao erário. Ademais, não se colhe dos autos, como alhures dito, a prova do dolo específico na conduta do requerido, elemento exigido pela norma de regência. 8. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não se podem confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade. 9. Apelação provida, julgando-se improcedente o pedido inicial. (ACP 0001264-33.2009.4.01.3311, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Cesar Jatahy, PJe 20/05/2024.) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023). Para configuração do ato de improbidade previsto no caput do art. 10 e nos seus incisos da Lei 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico. Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. Ressalte-se, outrossim, que, a despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado, em 04/09/2024, da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. Por fim, registro que, para a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, "Em se tratando de concessão da assistência judiciária gratuita (...) basta a simples afirmação da parte de que não possui condições de arcar com as custas do processo, sem prejuízo próprio e/ou de sua família, cabendo à parte contrária, por se tratar de presunção relativa, comprovar a inexistência ou cessação do alegado estado de pobreza" (AgRg no Ag 1.345.625/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 08/02/2011), o que impõe o deferimento do pedido de gratuidade de justiça deduzido pelos apelantes José Carlos Pereira Lira e Outros. Ante o exposto, defiro o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dou provimento às apelações para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0009973-15.2012.4.01.3000 APELANTE: WALDEMIRO QUEIROZ DA SILVA, IRIS PASTOR DE SOUZA, ALBERTO ALENCAR DE ALMEIDA, EVANIA SALETE PEREIRA DE ARAUJO, ALZIRA FARIAS CAMELO, ADEMIR MENEZES DE FARIAS, JOSE CARLOS PEREIRA LIRA, MARIA ANGELICA DA COSTA CAMILLO, LUIZ DE SOUZA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: ADAIR JOSE LONGUINI - AC436-A, PASCAL ABOU KHALIL - AC1696-A, RUI OSCAR DE SOUZA ABRANTES GUEDES - AC2545 Advogados do(a) APELANTE: CHARLLES RONEY BARBOSA DE OLIVEIRA - AC2556-A, CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A Advogados do(a) APELANTE: CIRO FACUNDO DE ALMEIDA - AC84-A, CRISTOPHER CAPPER MARIANO DE ALMEIDA - AC3604-A, HELEN DE FREITAS CAVALCANTE - AC3082-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), FUNDACAO NACIONAL DE SAUDE EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. AÇÃO PENAL, TRANSITADA EM JULGADO, ENVOLVENDO OS MESMOS RÉUS E OS MESMOS FATOS. ADI 7236. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇAÕES PROVIDAS. 1. Apelações interpostas contra sentença que condenou os réus com base no art. 10, I e VIII, da Lei 8.429/1992, impondo sanções de ressarcimento ao erário, multa civil, perda da função pública, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público. Os apelantes alegam ausência de dolo e de individualização de condutas, além da inexistência de dano ao erário. 2. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. 3. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). 5. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 6. No caso dos autos, no tocante ao cancelamento alegadamente indevido do Pregão Eletrônico 01/2007, não restou comprovada a efetiva publicação do cardápio no anexo de seu edital, fato que, dentre outras irregularidades, deu causa ao cancelamento do certame e a realização de outra licitação. Ademais, o objeto da licitação cancelada ensejava do órgão público responsável providências urgentes no sentido que garantir o fornecimento das 5 (cinco) refeições diárias aos indígenas enfermos da Casa de Saúde lndígena de Rio Branco, o que se mostra como fundamento suficiente para a Dispensa de Licitação 04/2007 e a realização de novo certame. 7. Não há indícios da ausência de fornecimento das refeições aos indígenas, como concluído pelo TCU no Acórdão 4.050/2012, no bojo da TCE 004.0091/2010-8, o qual expõe, inclusive, as dificuldades operacionais enfrentadas pela FUNASA á época quanto à plataforma utilizada para a realização do pregão eletrônico, o que corrobora a ausência do intuito dos réus em lesar o erário. 8. Não comprovada a existência de dano ao erário, tampouco o dolo específico na prática da conduta, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo. 9. A despeito de ainda estar sendo debatido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, na ADI 7236, a constitucionalidade do § 4º do art. 21 da Lei 8.429/1992, introduzido pela Lei 14.230/2021, que prevê que o impedimento do trâmite da ação de improbidade em caso de absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, cabe deixar consignado o trânsito em julgado da Ação Penal 0002984-56.2013.4.01.3000, envolvendo os mesmos réus e os mesmos fatos aqui tratados, cuja sentença, confirmada por este Regional em sede de apelação, de minha relatoria, absolveu os réus, ora apelante, por insuficiência de provas. 10. Pedido de gratuidade deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros deferido. Apelações providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, deferir o pedido de gratuidade de justiça deduzido por José Carlos Pereira Lira e Outros e dar provimento às apelações. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator