Nieli Nascimento Araújo Fernandes
Nieli Nascimento Araújo Fernandes
Número da OAB:
OAB/AM 001089
📋 Resumo Completo
Dr(a). Nieli Nascimento Araújo Fernandes possui 8 comunicações processuais, em 4 processos únicos, com 2 comunicações nos últimos 7 dias, processos entre 2004 e 2025, atuando em TJAM, TJSP, TRF1 e especializado principalmente em APELAçãO CRIMINAL.
Processos Únicos:
4
Total de Intimações:
8
Tribunais:
TJAM, TJSP, TRF1
Nome:
NIELI NASCIMENTO ARAÚJO FERNANDES
📅 Atividade Recente
2
Últimos 7 dias
8
Últimos 30 dias
8
Últimos 90 dias
8
Último ano
⚖️ Classes Processuais
APELAçãO CRIMINAL (5)
CARTA PRECATóRIA CíVEL (1)
Guarda de Família (1)
ALIMENTOS - LEI ESPECIAL Nº 5.478/68 (1)
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Mostrando 8 de 8 intimações encontradas para este advogado.
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Tribunal: TRF1 | Data: 30/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003271-16.2004.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003271-16.2004.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: MARCELO MARCIO SANTIAGO e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A e JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A POLO PASSIVO:ELIZON FERREIRA MARICAL e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A, JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 e NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pelos réus Roberto Nogueira de Souza, Marcelo Márcio Santiago, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical contra sentença que os condenou por crimes de tortura previstos na Lei 9.455/1997. Os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, todos policiais militares, foram condenados com base no art. 1º, §§ 1º e 4º, incisos I e II, da Lei 9.455/1997, em razão de os crimes terem sido praticados contra adolescente e por agentes públicos. Marcelo Márcio Santiago, por sua vez, foi condenado com fundamento no § 2º do mesmo dispositivo legal. As penas fixadas para Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical foram de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada. Já Marcelo Márcio Santiago foi condenado à pena de 1 (um) ano de detenção, também em regime inicial aberto, cumulada com 15 (quinze) dias-multa. A pena de multa foi calculada à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo da época dos fatos. Não foram aplicadas substituições das penas privativas de liberdade, por se tratar de crimes cometidos com violência. Todos os réus também foram condenados à perda do cargo, função ou emprego público, com interdição para seu exercício pelo dobro do tempo da pena, nos termos do § 5º do art. 1º da Lei de Tortura (fls. 49/67 do ID. 92114530). Narra a denúncia, em síntese, que os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, todos policiais militares, juntamente com outros agentes públicos, teriam participado da invasão de residências na comunidade indígena Cajuriri Atravessado, localizada no município de Coari/AM, com o objetivo de recuperar sacas de castanha supostamente retiradas de área em litígio entre indígenas e posseiros. Durante a operação, foram praticadas ameaças, agressões físicas e, em especial, a prisão ilegal e espancamento do adolescente indígena Moab Marins da Cruz no interior da Delegacia local. Roberto Nogueira de Souza foi reconhecido como o primeiro agressor de Moab, sendo apontado como um dos principais responsáveis pelas agressões cometidas na unidade policial. Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical também foram identificados como integrantes da equipe policial que efetuou a prisão e participou diretamente das agressões contra o menor indígena. O então delegado Marcelo Márcio Santiago, embora ciente da violência sofrida por Moab - fato confirmado por laudo pericial -, teria se omitido diante dos atos de tortura ocorridos em sua unidade, deixando de adotar qualquer providência investigativa e mantendo o menor sob custódia sem justificativa legal, incorrendo, assim, em responsabilidade por omissão dolosa (fls. 02/09 do ID. 92114542). A inicial acusatória foi recebida em 08/06/2004. Em suas razões de apelação, o Ministério Público Federal sustenta que as penas impostas aos réus Marcelo Márcio Santiago, Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical devem ser majoradas, diante da gravidade dos fatos e das circunstâncias judiciais amplamente desfavoráveis. Em relação a Marcelo Márcio Santiago, então Delegado de Polícia em Coari/AM, o MPF defende sua responsabilização como garantidor legal, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal, destacando que, além de ter ordenado a prisão do adolescente indígena Moab Marins da Cruz, encontrava-se presente na delegacia durante os atos de tortura, sem adotar qualquer medida para impedir ou apurar a violência. Por essa razão, requer a aplicação das causas de aumento previstas no art. 1º, § 4º, I e II, da Lei 9.455/1997, bem como da agravante do art. 62, I, do Código Penal (fls. 104/132 do ID. 92114530). A Defensoria Pública da União interpõe apelação em favor de Roberto Nogueira de Souza e Elizon Ferreira Marical, pleiteando por suas absolvições, ou, subsidiariamente, pela desclassificação da conduta de tortura para o crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal). Sustenta que os laudos periciais não apontam sofrimento intenso ou prolongado, mas apenas lesões físicas de menor gravidade, sendo insuficiente para a configuração do tipo penal do art. 1º, II, da Lei 9.455/1997. Alega, ainda, que eventual agressão não foi praticada de forma cruel, nem gerou incapacidade funcional ou risco de vida, e que o menor Moab Marins da Cruz teve assistência médica, familiar e institucional durante a apuração dos fatos. Além disso, questiona a aplicação das causas de aumento previstas no art. 1º, § 4º, incisos I e II, da Lei de Tortura, por configurar, no caso concreto, bis in idem, já que a condição de agente público é elemento do tipo penal imputado e a alegada condição de adolescente da vítima não teria sido de conhecimento dos réus. Por fim, defende que, caso mantida a condenação, as majorantes sejam aplicadas na fração mínima de 1/6 (um sexto), por ausência de fundamentação concreta para o aumento em 1/3 (um terço) fixado na sentença, violando o dever constitucional de motivação (art. 93, IX, da CF) (fls. 184/202 do ID. 92114530). Fae Marques Pereira e José Pereira de Oliveira também interpõem apelação, sustentando, em preliminar, a nulidade do processo por cerceamento de defesa, pois, sendo policiais militares, não foram devidamente intimados por meio do chefe do respectivo serviço, conforme exige o art. 358 do CPP. Alegam que não tiveram ciência da atuação da Defensoria Pública da União, que apresentou as alegações finais, o que comprometeu o exercício pleno da ampla defesa. No mérito, afirmam que não estavam de serviço no momento dos fatos e que não há provas seguras da prática de tortura, tampouco testemunhas que confirmem a acusação. Ressaltam que a vítima não confirmou a denúncia e que o proprietário do local onde os fatos teriam ocorrido não foi ouvido. Sustentam que a sentença é deficiente quanto à fundamentação sobre a conduta social, a qual seria favorável, não podendo ser confundida com antecedentes penais. Requerem, assim, a anulação do processo desde a intimação irregular, ou, caso ultrapassadas as preliminares, a absolvição por ausência de provas (art. 386, III, do CPP). Subsidiariamente, pedem o afastamento da pena de perda do cargo público, uma vez que ambos estão na reserva remunerada da Polícia Militar e dependem dessa fonte para sua subsistência (fls. 204/209 do ID. 92114530). Ao final, Marcelo Márcio Santiago, em suas razões de apelação, alega nulidade processual, sustentando, em preliminar, que foi interrogado sem a presença de defensor, em violação ao art. 185 do CPP, já sob a vigência da Lei 10.792/2003, o que comprometeu a ampla defesa e configura nulidade absoluta, nos termos do art. 564, III, c, do CPP e art. 5º, LIV, da CF/1988. Aduz, ainda, que não lhe foi oferecida a proposta de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995, benefício ao qual teria direito, por preencher os requisitos legais. A ausência da proposta, sem justificativa, acarretaria nulidade desde o recebimento da denúncia. Requer o reconhecimento das nulidades e a anulação do processo desde o interrogatório ou, alternativamente, desde o recebimento da denúncia. No mérito, pleiteia a absolvição por insuficiência de provas (art. 386, III, do CPP) ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta e a substituição da pena por restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal (fls. 36/48 do ID. 92114531). Com contrarrazões fls. 146/161, 170/182 e 249/264 do ID. 9211430, fls. 25/35 e 54/59 do ID. 92114531 e fls. 57/63 e 87/90 do ID. 922114518. Parecer do Ministério Público Federal (PRR1) pelo parcial provimento da apelação do parquet e pelo não provimento das apelações dos réus (fls. 94/111 do ID. 92114518). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Inicialmente, analiso as preliminares aventadas pelos réus em seus recursos de apelação. Faé Marques Pereira e José Pereira de Oliveira sustentam a nulidade do processo por cerceamento de defesa, sob o argumento de que, sendo policiais militares, não foram devidamente intimados por meio do chefe do respectivo serviço, conforme previsto no art. 358 do CPP, tampouco foram cientificados da atuação da Defensoria Pública da União, que apresentou as alegações finais. Entretanto, como se depreende dos autos, a intimação foi regularmente efetivada (fl. 227 do ID. 92114555 e fl. 28 do ID. 92114530), e não houve comprovação de prejuízo concreto, sendo inaplicável a nulidade processual sem demonstração de efetivo prejuízo (pas de nullité sans grief). Marcelo Márcio Santiago, por sua vez, alega nulidade do interrogatório por ausência de defensor, em afronta ao art. 185 do CPP, já sob a vigência da Lei 10.792/2003. Aduz também a não oferta da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995. Contudo, os autos demonstram que houve defesa técnica regular e que o crime imputado é doloso, com previsão de pena mínima superior a um ano, e cometido com violência, o que afasta o cabimento do benefício. Afasta-se, pois, as preliminares suscitadas. No mérito, como se vê do relatório, a pretensão recursal dos réus é pela reforma da sentença que os condenou pela prática do crime de tortura, previsto no art. 1º, II, § 1º, § 2º e § 4º, I e II, da Lei 9.455/1997, in verbis: Art. 1º (...) II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. §1º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão, de quatro a dez anos. §2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de um a quatro anos de detenção. §4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II - se o crime é cometido contra adolescente (...). Para a configuração do crime de tortura exige-se a demonstração de dolo específico de submeter a vítima a sofrimento físico ou mental intenso, com finalidade de castigo ou coerção. No caso concreto, os autos evidenciam que os policiais militares Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical participaram de operação policial em comunidade indígena no município de Coari/AM, ocasião em que o adolescente Moab Marins da Cruz foi submetido a prisão ilegal e espancamento. A materialidade do crime restou comprovada por dois laudos de exame de corpo de delito, realizados em 18 e 21/01/2000 (fls. 52 do ID. 92114542 e 29 do ID. 92114543), os quais atestaram que a vítima apresentava hematomas decorrentes de ação contundente, compatíveis com agressões físicas. Ademais, corroboram os relatos da vítima Moab Marins da Cruz, que declarou perante a Polícia Federal (fls. 14/15 do ID. 92114545) que foi espancado dentro da delegacia por vários policiais militares. Tal narrativa é reforçada pelas declarações de sua mãe, Eunerina Marins da Cruz (fls. 37/38 do ID. 92114542), que o encontrou preso na delegacia com marcas evidentes de espancamento, inclusive com hematomas visíveis no rosto e um dos olhos roxo. A autoria também restou demonstrada. Roberto Nogueira de Souza foi reconhecido pela vítima Moab Marins da Cruz, em depoimento à Polícia Federal (fls. 14/15 do ID. 92114545), como o primeiro agressor dentro da Delegacia de Polícia de Coari/AM. No mesmo procedimento de reconhecimento fotográfico (fls. 16/17 do ID. 92114545), o adolescente também identificou Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical como integrantes da equipe policial que o prendeu e o agrediu. As agressões ocorreram enquanto a vítima se encontrava sob custódia do Estado. Quanto a Marcelo Márcio Santiago, embora não estivesse presente no momento dos atos de violência, restou comprovado que, após tomar conhecimento da tortura sofrida por Moab - inclusive por meio do exame de corpo de delito que ele próprio solicitou (fl. 31 do ID. 92114543) -, deixou de adotar qualquer providência investigativa ou punitiva, incorrendo, assim, na omissão penalmente relevante prevista no § 2º do art. 1º da Lei 9.455/1997. Importante destacar que a motivação dos crimes foi claramente arbitrária: como a vítima era parente de indígenas envolvidos em conflito agrário com posseiros, os policiais decidiram castigá-lo em retaliação, conforme declarado pelo próprio Moab em juízo. As defesas alegam que os réus não estavam de serviço, ou que não concorreram para a infração. No entanto, a presença dos réus nos fatos está documentalmente comprovada, e a alegação de ausência de serviço não elide a responsabilidade penal pelos atos praticados, sobretudo quando se trata de agentes públicos uniformizados em atuação conjunta. No tocante à alegação de que não houve crueldade suficiente para caracterizar o crime de tortura, cumpre registrar que o tipo penal não exige conduta "cruel", bastando o sofrimento físico ou mental intenso, o que se comprovou nos autos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a responsabilização criminal de agentes públicos que, tendo o dever de agir, se omitem diante de práticas de tortura, conforme se extrai do seguinte julgado: A tortura-omissão, prevista no § 2º do art. 1º da Lei 9.455/1997, configura-se quando o agente, embora tenha o dever legal ou funcional de agir, se omite diante da prática do crime de tortura, deixando de evitá-la ou de apurá-la. Trata-se de tipo penal de natureza subsidiária, aplicável apenas quando o agente não concorre diretamente para a prática de uma das modalidades comissivas da tortura (art. 1º, I, II ou § 1º). (REsp 2.082.894/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/08/2023.) Do mesmo modo, tem-se admitido como suficiente para a configuração do delito o sofrimento físico ou mental intenso, independentemente de prova de crueldade extrema ou lesão grave: “Para a configuração do crime de tortura previsto no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997, não se exige especial fim de agir, bastando o dolo na prática da conduta típica, sendo suficiente que a vítima, mesmo sob custódia, tenha sido submetida a sofrimento físico intenso.” (REsp 856.706/AC, STJ, Quinta Turma, Rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, DJe 28/06/2010). Diante desse conjunto probatório, evidencia-se a configuração do crime de tortura nos termos delineados na denúncia, com elementos suficientes para sustentar a condenação de Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical pela prática direta dos atos de violência, e de Marcelo Márcio Santiago pela omissão dolosa no dever funcional de evitar ou apurar tais atos. Assim, a sentença condenatória merece ser mantida quanto à tipificação penal e à responsabilidade dos acusados. DOSIMETRIA DA PENA A pena privativa de liberdade cominada ao crime de tortura (art. 1º, II, da Lei 9.455/1997) é de reclusão de dois a oito anos. Quando presentes as causas de aumento previstas no § 4º do mesmo artigo, o legislador autorizou a elevação da pena de um sexto até um terço. Consoante pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. A pena-base deve pautar-se pelos critérios elencados no art. 59 do Código Penal, de sorte que não se afigura legítima sua majoração sem a devida fundamentação, sob pena de violação ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.” (HC 255.955/PE, STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 1º/07/2013). No caso concreto, a sentença analisou adequadamente as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, fixando a pena-base no mínimo legal - 2 (dois) anos de reclusão - para os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, uma vez que se tratam de réus primários, sem registros desabonadores, e sem circunstâncias agravantes. Na segunda fase, inexistentes agravantes ou atenuantes, manteve-se a pena. Na terceira fase, o Juízo a quo aplicou corretamente as causas de aumento do § 4º, incisos I e II, da Lei 9.455/1997, elevando a pena em 1/3 (um terço), diante de os crimes terem sido cometidos por agentes públicos e contra adolescente, majorando-se a reprimenda para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além de 15 (quinze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Quanto a Marcelo Márcio Santiago, a pena foi fixada em 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto. Na sentença, não foi aplicada a causa de aumento do § 4º da Lei 9.455/1997 sob o fundamento de que a conduta se deu por omissão. Contudo, como bem destacou o parecer do Ministério Público Federal, ainda que o crime previsto no § 2º da Lei de Tortura exija uma condição especial de agente - ou seja, o dever funcional de agir -, isso não afasta a incidência da majorante prevista no inciso II do § 4º, já que a vítima era adolescente. Assim, deve-se aplicar à sua penalidade a causa de aumento em 1/6 (um sexto). Com o acréscimo da causa de aumento, a pena de Marcelo Márcio Santiago passa a ser de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, além de 18 (dezoito) dias-multa, nos mesmos termos da sentença quanto ao valor do dia-multa. Por fim, quanto à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, correta a negativa do Juízo, por se tratar de crime cometido com violência contra pessoa, hipótese expressamente excluída pelo art. 44, I, do Código Penal. Também não merece reparo a imposição do efeito extrapenal de perda do cargo público, prevista no § 5º do art. 1º da Lei 9.455/1997, que tem natureza automática e obrigatória, conforme já consolidado pela jurisprudência do STJ: “A perda do cargo público constitui efeito automático da condenação pelo crime de tortura, nos termos do art. 1º, § 5º, da Lei n. 9.455/1997.” (AgRg no AREsp 2.409.545/SP, STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/04/2025). Ante o exposto, nego provimento às apelações interpostas por Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira, Elizon Ferreira Marical e Marcelo Márcio Santiago e dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, apenas para aplicar ao réu Marcelo Márcio Santiago a causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei 9.455/1997, fixando sua pena definitiva em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região GAB. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0003271-16.2004.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003271-16.2004.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) APELANTE: ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA, FAE MARQUES PEREIRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, ELIZON FERREIRA MARICAL Advogado do(a) APELANTE: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogado do(a) APELANTE: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogados do(a) APELANTE: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A APELADO: ELIZON FERREIRA MARICAL, FAE MARQUES PEREIRA, JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA VOTO REVISOR O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (Revisor): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público e por acusados condenados por crime de tortura, com fundamento na Lei 9.455/1997. Os acusados foram denunciados no contexto de prática de violência física contra adolescente sob custódia e à omissão de agente público com dever funcional de agir. Adiro aos bem lançados fundamentos constantes do voto do e. Relator, tanto no que se refere às preliminares quanto à questão de mérito. Há prova, acima de dúvida razoável, suficiente para a manutenção da condenação dos réus. Quanto à dosimetria, igualmente sem consideração adicional o voto do E. Relator. A pena-base para os réus Roberto, Faé, José Pereira e Elizon foi fixada no mínimo legal. Correta, outrossim, a incidência das causas de aumento do § 4º da Lei 9.455/97. Deve ser acolhida, ademais, a pretensão ministerial de que, em relação ao réu Marcelo Márcio, incida a causa de aumento do inciso II do § 4º da Lei 9.455/97. Como destacado pelo e. Relator, "ainda que o crime previsto no § 2º da Lei de Tortura exija uma condição especial de agente - ou seja, o dever funcional de agir -, isso não afasta a incidência da majorante prevista no inciso II do § 4º, já que a vítima era adolescente.". Ante o exposto, acompanho o e. Relator. É como voto. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Revisor M PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 APELANTE: ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA, FAE MARQUES PEREIRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, ELIZON FERREIRA MARICAL Advogado do(a) APELANTE: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogado do(a) APELANTE: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogados do(a) APELANTE: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A APELADO: ELIZON FERREIRA MARICAL, FAE MARQUES PEREIRA, JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogado do(a) APELADO: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogados do(a) APELADO: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA COMETIDA POR AGENTES PÚBLICOS CONTRA ADOLESCENTE. OMISSÃO FUNCIONAL. VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL. LEGALIDADE DA MAJORAÇÃO DA PENA E DA PERDA AUTOMÁTICA DO CARGO PÚBLICO. LEI 9.455/1997, ART. 1º, §§ 1º, 2º, 4º E 5º. APELAÇÃO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÕES DOS RÉUS NÃO PROVIDAS. 1. Apelações interpostas pelo Ministério Público e por acusados condenados por crime de tortura, com fundamento na Lei 9.455/1997. As condenações referem-se à prática direta de violência física contra adolescente sob custódia e à omissão de agente público com dever funcional de agir. O órgão acusador postula a majoração das penas. As defesas requerem absolvição, desclassificação da conduta, reconhecimento de nulidades processuais e afastamento da pena de perda do cargo público. 2. Há quatro questões em discussão: (i) verificar a existência de nulidades processuais por falhas na intimação e ausência de defensor em interrogatório; (ii) definir se restou caracterizado o crime de tortura, inclusive na forma omissiva; (iii) analisar a legalidade da dosimetria da pena e da aplicação das causas de aumento previstas na Lei 9.455/1997; (iv) examinar a obrigatoriedade da perda do cargo público em decorrência da condenação por tortura. 3. Embora os réus aleguem nulidade por não terem sido intimados por seu superior hierárquico e por desconhecerem a atuação da Defensoria Pública, os autos comprovam que as intimações ocorreram regularmente. Como não houve prejuízo à ampla defesa, não se configura nulidade processual, nos termos do princípio pas de nullité sans grief. 4. A alegação de nulidade do interrogatório por ausência de defensor não prospera, pois os autos demonstram que houve defesa técnica regularmente constituída ao longo do processo. Além disso, é incabível a proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995) nos crimes de tortura, por se tratar de infração dolosa, cometida com violência e com pena mínima superior a um ano, o que afasta os requisitos legais para o benefício. 5. A materialidade e a autoria do crime de tortura foram comprovadas por laudos periciais, depoimentos da vítima e de testemunhas, que relataram agressões físicas enquanto a vítima estava sob custódia do Estado. Os elementos dos autos demonstram que os acusados, policiais militares, participaram diretamente da prisão ilegal e das agressões, configurando conduta dolosa com o fim específico de causar sofrimento físico intenso, nos termos do art. 1º, II, da Lei 9.455/1997. 6. Fica caracterizada a tortura por omissão quando o agente, mesmo tendo o dever funcional de agir e conhecimento dos fatos, deixa de adotar qualquer medida para impedir ou apurar a violência, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 9.455/1997. 7. A dosimetria observou adequadamente as fases do art. 68 do Código Penal, fixando penas no mínimo legal e aplicando majorantes de forma justificada com base nos incisos I e II do § 4º do art. 1º da Lei de Tortura. 8. É cabível a aplicação da causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei 9.455/1997 mesmo na modalidade omissiva, quando a vítima for adolescente. 9. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é vedada quando o crime for cometido com violência contra a pessoa, nos termos do art. 44, I, do Código Penal. 10. A perda do cargo público constitui efeito automático e obrigatório da condenação por tortura, conforme disposto no § 5º do art. 1º da Lei 9.455/1997 e consolidado pela jurisprudência. 11. Apelação do MPF parcialmente provida. Apelações dos réus não providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal e negar provimento às apelações dos réus. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 30/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003271-16.2004.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003271-16.2004.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: MARCELO MARCIO SANTIAGO e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A e JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A POLO PASSIVO:ELIZON FERREIRA MARICAL e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A, JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 e NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pelos réus Roberto Nogueira de Souza, Marcelo Márcio Santiago, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical contra sentença que os condenou por crimes de tortura previstos na Lei 9.455/1997. Os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, todos policiais militares, foram condenados com base no art. 1º, §§ 1º e 4º, incisos I e II, da Lei 9.455/1997, em razão de os crimes terem sido praticados contra adolescente e por agentes públicos. Marcelo Márcio Santiago, por sua vez, foi condenado com fundamento no § 2º do mesmo dispositivo legal. As penas fixadas para Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical foram de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada. Já Marcelo Márcio Santiago foi condenado à pena de 1 (um) ano de detenção, também em regime inicial aberto, cumulada com 15 (quinze) dias-multa. A pena de multa foi calculada à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo da época dos fatos. Não foram aplicadas substituições das penas privativas de liberdade, por se tratar de crimes cometidos com violência. Todos os réus também foram condenados à perda do cargo, função ou emprego público, com interdição para seu exercício pelo dobro do tempo da pena, nos termos do § 5º do art. 1º da Lei de Tortura (fls. 49/67 do ID. 92114530). Narra a denúncia, em síntese, que os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, todos policiais militares, juntamente com outros agentes públicos, teriam participado da invasão de residências na comunidade indígena Cajuriri Atravessado, localizada no município de Coari/AM, com o objetivo de recuperar sacas de castanha supostamente retiradas de área em litígio entre indígenas e posseiros. Durante a operação, foram praticadas ameaças, agressões físicas e, em especial, a prisão ilegal e espancamento do adolescente indígena Moab Marins da Cruz no interior da Delegacia local. Roberto Nogueira de Souza foi reconhecido como o primeiro agressor de Moab, sendo apontado como um dos principais responsáveis pelas agressões cometidas na unidade policial. Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical também foram identificados como integrantes da equipe policial que efetuou a prisão e participou diretamente das agressões contra o menor indígena. O então delegado Marcelo Márcio Santiago, embora ciente da violência sofrida por Moab - fato confirmado por laudo pericial -, teria se omitido diante dos atos de tortura ocorridos em sua unidade, deixando de adotar qualquer providência investigativa e mantendo o menor sob custódia sem justificativa legal, incorrendo, assim, em responsabilidade por omissão dolosa (fls. 02/09 do ID. 92114542). A inicial acusatória foi recebida em 08/06/2004. Em suas razões de apelação, o Ministério Público Federal sustenta que as penas impostas aos réus Marcelo Márcio Santiago, Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical devem ser majoradas, diante da gravidade dos fatos e das circunstâncias judiciais amplamente desfavoráveis. Em relação a Marcelo Márcio Santiago, então Delegado de Polícia em Coari/AM, o MPF defende sua responsabilização como garantidor legal, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal, destacando que, além de ter ordenado a prisão do adolescente indígena Moab Marins da Cruz, encontrava-se presente na delegacia durante os atos de tortura, sem adotar qualquer medida para impedir ou apurar a violência. Por essa razão, requer a aplicação das causas de aumento previstas no art. 1º, § 4º, I e II, da Lei 9.455/1997, bem como da agravante do art. 62, I, do Código Penal (fls. 104/132 do ID. 92114530). A Defensoria Pública da União interpõe apelação em favor de Roberto Nogueira de Souza e Elizon Ferreira Marical, pleiteando por suas absolvições, ou, subsidiariamente, pela desclassificação da conduta de tortura para o crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal). Sustenta que os laudos periciais não apontam sofrimento intenso ou prolongado, mas apenas lesões físicas de menor gravidade, sendo insuficiente para a configuração do tipo penal do art. 1º, II, da Lei 9.455/1997. Alega, ainda, que eventual agressão não foi praticada de forma cruel, nem gerou incapacidade funcional ou risco de vida, e que o menor Moab Marins da Cruz teve assistência médica, familiar e institucional durante a apuração dos fatos. Além disso, questiona a aplicação das causas de aumento previstas no art. 1º, § 4º, incisos I e II, da Lei de Tortura, por configurar, no caso concreto, bis in idem, já que a condição de agente público é elemento do tipo penal imputado e a alegada condição de adolescente da vítima não teria sido de conhecimento dos réus. Por fim, defende que, caso mantida a condenação, as majorantes sejam aplicadas na fração mínima de 1/6 (um sexto), por ausência de fundamentação concreta para o aumento em 1/3 (um terço) fixado na sentença, violando o dever constitucional de motivação (art. 93, IX, da CF) (fls. 184/202 do ID. 92114530). Fae Marques Pereira e José Pereira de Oliveira também interpõem apelação, sustentando, em preliminar, a nulidade do processo por cerceamento de defesa, pois, sendo policiais militares, não foram devidamente intimados por meio do chefe do respectivo serviço, conforme exige o art. 358 do CPP. Alegam que não tiveram ciência da atuação da Defensoria Pública da União, que apresentou as alegações finais, o que comprometeu o exercício pleno da ampla defesa. No mérito, afirmam que não estavam de serviço no momento dos fatos e que não há provas seguras da prática de tortura, tampouco testemunhas que confirmem a acusação. Ressaltam que a vítima não confirmou a denúncia e que o proprietário do local onde os fatos teriam ocorrido não foi ouvido. Sustentam que a sentença é deficiente quanto à fundamentação sobre a conduta social, a qual seria favorável, não podendo ser confundida com antecedentes penais. Requerem, assim, a anulação do processo desde a intimação irregular, ou, caso ultrapassadas as preliminares, a absolvição por ausência de provas (art. 386, III, do CPP). Subsidiariamente, pedem o afastamento da pena de perda do cargo público, uma vez que ambos estão na reserva remunerada da Polícia Militar e dependem dessa fonte para sua subsistência (fls. 204/209 do ID. 92114530). Ao final, Marcelo Márcio Santiago, em suas razões de apelação, alega nulidade processual, sustentando, em preliminar, que foi interrogado sem a presença de defensor, em violação ao art. 185 do CPP, já sob a vigência da Lei 10.792/2003, o que comprometeu a ampla defesa e configura nulidade absoluta, nos termos do art. 564, III, c, do CPP e art. 5º, LIV, da CF/1988. Aduz, ainda, que não lhe foi oferecida a proposta de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995, benefício ao qual teria direito, por preencher os requisitos legais. A ausência da proposta, sem justificativa, acarretaria nulidade desde o recebimento da denúncia. Requer o reconhecimento das nulidades e a anulação do processo desde o interrogatório ou, alternativamente, desde o recebimento da denúncia. No mérito, pleiteia a absolvição por insuficiência de provas (art. 386, III, do CPP) ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta e a substituição da pena por restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal (fls. 36/48 do ID. 92114531). Com contrarrazões fls. 146/161, 170/182 e 249/264 do ID. 9211430, fls. 25/35 e 54/59 do ID. 92114531 e fls. 57/63 e 87/90 do ID. 922114518. Parecer do Ministério Público Federal (PRR1) pelo parcial provimento da apelação do parquet e pelo não provimento das apelações dos réus (fls. 94/111 do ID. 92114518). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Inicialmente, analiso as preliminares aventadas pelos réus em seus recursos de apelação. Faé Marques Pereira e José Pereira de Oliveira sustentam a nulidade do processo por cerceamento de defesa, sob o argumento de que, sendo policiais militares, não foram devidamente intimados por meio do chefe do respectivo serviço, conforme previsto no art. 358 do CPP, tampouco foram cientificados da atuação da Defensoria Pública da União, que apresentou as alegações finais. Entretanto, como se depreende dos autos, a intimação foi regularmente efetivada (fl. 227 do ID. 92114555 e fl. 28 do ID. 92114530), e não houve comprovação de prejuízo concreto, sendo inaplicável a nulidade processual sem demonstração de efetivo prejuízo (pas de nullité sans grief). Marcelo Márcio Santiago, por sua vez, alega nulidade do interrogatório por ausência de defensor, em afronta ao art. 185 do CPP, já sob a vigência da Lei 10.792/2003. Aduz também a não oferta da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995. Contudo, os autos demonstram que houve defesa técnica regular e que o crime imputado é doloso, com previsão de pena mínima superior a um ano, e cometido com violência, o que afasta o cabimento do benefício. Afasta-se, pois, as preliminares suscitadas. No mérito, como se vê do relatório, a pretensão recursal dos réus é pela reforma da sentença que os condenou pela prática do crime de tortura, previsto no art. 1º, II, § 1º, § 2º e § 4º, I e II, da Lei 9.455/1997, in verbis: Art. 1º (...) II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. §1º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão, de quatro a dez anos. §2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de um a quatro anos de detenção. §4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II - se o crime é cometido contra adolescente (...). Para a configuração do crime de tortura exige-se a demonstração de dolo específico de submeter a vítima a sofrimento físico ou mental intenso, com finalidade de castigo ou coerção. No caso concreto, os autos evidenciam que os policiais militares Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical participaram de operação policial em comunidade indígena no município de Coari/AM, ocasião em que o adolescente Moab Marins da Cruz foi submetido a prisão ilegal e espancamento. A materialidade do crime restou comprovada por dois laudos de exame de corpo de delito, realizados em 18 e 21/01/2000 (fls. 52 do ID. 92114542 e 29 do ID. 92114543), os quais atestaram que a vítima apresentava hematomas decorrentes de ação contundente, compatíveis com agressões físicas. Ademais, corroboram os relatos da vítima Moab Marins da Cruz, que declarou perante a Polícia Federal (fls. 14/15 do ID. 92114545) que foi espancado dentro da delegacia por vários policiais militares. Tal narrativa é reforçada pelas declarações de sua mãe, Eunerina Marins da Cruz (fls. 37/38 do ID. 92114542), que o encontrou preso na delegacia com marcas evidentes de espancamento, inclusive com hematomas visíveis no rosto e um dos olhos roxo. A autoria também restou demonstrada. Roberto Nogueira de Souza foi reconhecido pela vítima Moab Marins da Cruz, em depoimento à Polícia Federal (fls. 14/15 do ID. 92114545), como o primeiro agressor dentro da Delegacia de Polícia de Coari/AM. No mesmo procedimento de reconhecimento fotográfico (fls. 16/17 do ID. 92114545), o adolescente também identificou Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical como integrantes da equipe policial que o prendeu e o agrediu. As agressões ocorreram enquanto a vítima se encontrava sob custódia do Estado. Quanto a Marcelo Márcio Santiago, embora não estivesse presente no momento dos atos de violência, restou comprovado que, após tomar conhecimento da tortura sofrida por Moab - inclusive por meio do exame de corpo de delito que ele próprio solicitou (fl. 31 do ID. 92114543) -, deixou de adotar qualquer providência investigativa ou punitiva, incorrendo, assim, na omissão penalmente relevante prevista no § 2º do art. 1º da Lei 9.455/1997. Importante destacar que a motivação dos crimes foi claramente arbitrária: como a vítima era parente de indígenas envolvidos em conflito agrário com posseiros, os policiais decidiram castigá-lo em retaliação, conforme declarado pelo próprio Moab em juízo. As defesas alegam que os réus não estavam de serviço, ou que não concorreram para a infração. No entanto, a presença dos réus nos fatos está documentalmente comprovada, e a alegação de ausência de serviço não elide a responsabilidade penal pelos atos praticados, sobretudo quando se trata de agentes públicos uniformizados em atuação conjunta. No tocante à alegação de que não houve crueldade suficiente para caracterizar o crime de tortura, cumpre registrar que o tipo penal não exige conduta "cruel", bastando o sofrimento físico ou mental intenso, o que se comprovou nos autos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a responsabilização criminal de agentes públicos que, tendo o dever de agir, se omitem diante de práticas de tortura, conforme se extrai do seguinte julgado: A tortura-omissão, prevista no § 2º do art. 1º da Lei 9.455/1997, configura-se quando o agente, embora tenha o dever legal ou funcional de agir, se omite diante da prática do crime de tortura, deixando de evitá-la ou de apurá-la. Trata-se de tipo penal de natureza subsidiária, aplicável apenas quando o agente não concorre diretamente para a prática de uma das modalidades comissivas da tortura (art. 1º, I, II ou § 1º). (REsp 2.082.894/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/08/2023.) Do mesmo modo, tem-se admitido como suficiente para a configuração do delito o sofrimento físico ou mental intenso, independentemente de prova de crueldade extrema ou lesão grave: “Para a configuração do crime de tortura previsto no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997, não se exige especial fim de agir, bastando o dolo na prática da conduta típica, sendo suficiente que a vítima, mesmo sob custódia, tenha sido submetida a sofrimento físico intenso.” (REsp 856.706/AC, STJ, Quinta Turma, Rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, DJe 28/06/2010). Diante desse conjunto probatório, evidencia-se a configuração do crime de tortura nos termos delineados na denúncia, com elementos suficientes para sustentar a condenação de Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical pela prática direta dos atos de violência, e de Marcelo Márcio Santiago pela omissão dolosa no dever funcional de evitar ou apurar tais atos. Assim, a sentença condenatória merece ser mantida quanto à tipificação penal e à responsabilidade dos acusados. DOSIMETRIA DA PENA A pena privativa de liberdade cominada ao crime de tortura (art. 1º, II, da Lei 9.455/1997) é de reclusão de dois a oito anos. Quando presentes as causas de aumento previstas no § 4º do mesmo artigo, o legislador autorizou a elevação da pena de um sexto até um terço. Consoante pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. A pena-base deve pautar-se pelos critérios elencados no art. 59 do Código Penal, de sorte que não se afigura legítima sua majoração sem a devida fundamentação, sob pena de violação ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.” (HC 255.955/PE, STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 1º/07/2013). No caso concreto, a sentença analisou adequadamente as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, fixando a pena-base no mínimo legal - 2 (dois) anos de reclusão - para os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, uma vez que se tratam de réus primários, sem registros desabonadores, e sem circunstâncias agravantes. Na segunda fase, inexistentes agravantes ou atenuantes, manteve-se a pena. Na terceira fase, o Juízo a quo aplicou corretamente as causas de aumento do § 4º, incisos I e II, da Lei 9.455/1997, elevando a pena em 1/3 (um terço), diante de os crimes terem sido cometidos por agentes públicos e contra adolescente, majorando-se a reprimenda para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além de 15 (quinze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Quanto a Marcelo Márcio Santiago, a pena foi fixada em 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto. Na sentença, não foi aplicada a causa de aumento do § 4º da Lei 9.455/1997 sob o fundamento de que a conduta se deu por omissão. Contudo, como bem destacou o parecer do Ministério Público Federal, ainda que o crime previsto no § 2º da Lei de Tortura exija uma condição especial de agente - ou seja, o dever funcional de agir -, isso não afasta a incidência da majorante prevista no inciso II do § 4º, já que a vítima era adolescente. Assim, deve-se aplicar à sua penalidade a causa de aumento em 1/6 (um sexto). Com o acréscimo da causa de aumento, a pena de Marcelo Márcio Santiago passa a ser de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, além de 18 (dezoito) dias-multa, nos mesmos termos da sentença quanto ao valor do dia-multa. Por fim, quanto à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, correta a negativa do Juízo, por se tratar de crime cometido com violência contra pessoa, hipótese expressamente excluída pelo art. 44, I, do Código Penal. Também não merece reparo a imposição do efeito extrapenal de perda do cargo público, prevista no § 5º do art. 1º da Lei 9.455/1997, que tem natureza automática e obrigatória, conforme já consolidado pela jurisprudência do STJ: “A perda do cargo público constitui efeito automático da condenação pelo crime de tortura, nos termos do art. 1º, § 5º, da Lei n. 9.455/1997.” (AgRg no AREsp 2.409.545/SP, STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/04/2025). Ante o exposto, nego provimento às apelações interpostas por Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira, Elizon Ferreira Marical e Marcelo Márcio Santiago e dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, apenas para aplicar ao réu Marcelo Márcio Santiago a causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei 9.455/1997, fixando sua pena definitiva em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região GAB. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0003271-16.2004.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003271-16.2004.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) APELANTE: ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA, FAE MARQUES PEREIRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, ELIZON FERREIRA MARICAL Advogado do(a) APELANTE: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogado do(a) APELANTE: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogados do(a) APELANTE: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A APELADO: ELIZON FERREIRA MARICAL, FAE MARQUES PEREIRA, JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA VOTO REVISOR O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (Revisor): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público e por acusados condenados por crime de tortura, com fundamento na Lei 9.455/1997. Os acusados foram denunciados no contexto de prática de violência física contra adolescente sob custódia e à omissão de agente público com dever funcional de agir. Adiro aos bem lançados fundamentos constantes do voto do e. Relator, tanto no que se refere às preliminares quanto à questão de mérito. Há prova, acima de dúvida razoável, suficiente para a manutenção da condenação dos réus. Quanto à dosimetria, igualmente sem consideração adicional o voto do E. Relator. A pena-base para os réus Roberto, Faé, José Pereira e Elizon foi fixada no mínimo legal. Correta, outrossim, a incidência das causas de aumento do § 4º da Lei 9.455/97. Deve ser acolhida, ademais, a pretensão ministerial de que, em relação ao réu Marcelo Márcio, incida a causa de aumento do inciso II do § 4º da Lei 9.455/97. Como destacado pelo e. Relator, "ainda que o crime previsto no § 2º da Lei de Tortura exija uma condição especial de agente - ou seja, o dever funcional de agir -, isso não afasta a incidência da majorante prevista no inciso II do § 4º, já que a vítima era adolescente.". Ante o exposto, acompanho o e. Relator. É como voto. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Revisor M PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 APELANTE: ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA, FAE MARQUES PEREIRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, ELIZON FERREIRA MARICAL Advogado do(a) APELANTE: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogado do(a) APELANTE: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogados do(a) APELANTE: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A APELADO: ELIZON FERREIRA MARICAL, FAE MARQUES PEREIRA, JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogado do(a) APELADO: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogados do(a) APELADO: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA COMETIDA POR AGENTES PÚBLICOS CONTRA ADOLESCENTE. OMISSÃO FUNCIONAL. VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL. LEGALIDADE DA MAJORAÇÃO DA PENA E DA PERDA AUTOMÁTICA DO CARGO PÚBLICO. LEI 9.455/1997, ART. 1º, §§ 1º, 2º, 4º E 5º. APELAÇÃO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÕES DOS RÉUS NÃO PROVIDAS. 1. Apelações interpostas pelo Ministério Público e por acusados condenados por crime de tortura, com fundamento na Lei 9.455/1997. As condenações referem-se à prática direta de violência física contra adolescente sob custódia e à omissão de agente público com dever funcional de agir. O órgão acusador postula a majoração das penas. As defesas requerem absolvição, desclassificação da conduta, reconhecimento de nulidades processuais e afastamento da pena de perda do cargo público. 2. Há quatro questões em discussão: (i) verificar a existência de nulidades processuais por falhas na intimação e ausência de defensor em interrogatório; (ii) definir se restou caracterizado o crime de tortura, inclusive na forma omissiva; (iii) analisar a legalidade da dosimetria da pena e da aplicação das causas de aumento previstas na Lei 9.455/1997; (iv) examinar a obrigatoriedade da perda do cargo público em decorrência da condenação por tortura. 3. Embora os réus aleguem nulidade por não terem sido intimados por seu superior hierárquico e por desconhecerem a atuação da Defensoria Pública, os autos comprovam que as intimações ocorreram regularmente. Como não houve prejuízo à ampla defesa, não se configura nulidade processual, nos termos do princípio pas de nullité sans grief. 4. A alegação de nulidade do interrogatório por ausência de defensor não prospera, pois os autos demonstram que houve defesa técnica regularmente constituída ao longo do processo. Além disso, é incabível a proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995) nos crimes de tortura, por se tratar de infração dolosa, cometida com violência e com pena mínima superior a um ano, o que afasta os requisitos legais para o benefício. 5. A materialidade e a autoria do crime de tortura foram comprovadas por laudos periciais, depoimentos da vítima e de testemunhas, que relataram agressões físicas enquanto a vítima estava sob custódia do Estado. Os elementos dos autos demonstram que os acusados, policiais militares, participaram diretamente da prisão ilegal e das agressões, configurando conduta dolosa com o fim específico de causar sofrimento físico intenso, nos termos do art. 1º, II, da Lei 9.455/1997. 6. Fica caracterizada a tortura por omissão quando o agente, mesmo tendo o dever funcional de agir e conhecimento dos fatos, deixa de adotar qualquer medida para impedir ou apurar a violência, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 9.455/1997. 7. A dosimetria observou adequadamente as fases do art. 68 do Código Penal, fixando penas no mínimo legal e aplicando majorantes de forma justificada com base nos incisos I e II do § 4º do art. 1º da Lei de Tortura. 8. É cabível a aplicação da causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei 9.455/1997 mesmo na modalidade omissiva, quando a vítima for adolescente. 9. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é vedada quando o crime for cometido com violência contra a pessoa, nos termos do art. 44, I, do Código Penal. 10. A perda do cargo público constitui efeito automático e obrigatório da condenação por tortura, conforme disposto no § 5º do art. 1º da Lei 9.455/1997 e consolidado pela jurisprudência. 11. Apelação do MPF parcialmente provida. Apelações dos réus não providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal e negar provimento às apelações dos réus. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 30/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003271-16.2004.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003271-16.2004.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: MARCELO MARCIO SANTIAGO e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A e JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A POLO PASSIVO:ELIZON FERREIRA MARICAL e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A, JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 e NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pelos réus Roberto Nogueira de Souza, Marcelo Márcio Santiago, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical contra sentença que os condenou por crimes de tortura previstos na Lei 9.455/1997. Os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, todos policiais militares, foram condenados com base no art. 1º, §§ 1º e 4º, incisos I e II, da Lei 9.455/1997, em razão de os crimes terem sido praticados contra adolescente e por agentes públicos. Marcelo Márcio Santiago, por sua vez, foi condenado com fundamento no § 2º do mesmo dispositivo legal. As penas fixadas para Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical foram de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada. Já Marcelo Márcio Santiago foi condenado à pena de 1 (um) ano de detenção, também em regime inicial aberto, cumulada com 15 (quinze) dias-multa. A pena de multa foi calculada à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo da época dos fatos. Não foram aplicadas substituições das penas privativas de liberdade, por se tratar de crimes cometidos com violência. Todos os réus também foram condenados à perda do cargo, função ou emprego público, com interdição para seu exercício pelo dobro do tempo da pena, nos termos do § 5º do art. 1º da Lei de Tortura (fls. 49/67 do ID. 92114530). Narra a denúncia, em síntese, que os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, todos policiais militares, juntamente com outros agentes públicos, teriam participado da invasão de residências na comunidade indígena Cajuriri Atravessado, localizada no município de Coari/AM, com o objetivo de recuperar sacas de castanha supostamente retiradas de área em litígio entre indígenas e posseiros. Durante a operação, foram praticadas ameaças, agressões físicas e, em especial, a prisão ilegal e espancamento do adolescente indígena Moab Marins da Cruz no interior da Delegacia local. Roberto Nogueira de Souza foi reconhecido como o primeiro agressor de Moab, sendo apontado como um dos principais responsáveis pelas agressões cometidas na unidade policial. Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical também foram identificados como integrantes da equipe policial que efetuou a prisão e participou diretamente das agressões contra o menor indígena. O então delegado Marcelo Márcio Santiago, embora ciente da violência sofrida por Moab - fato confirmado por laudo pericial -, teria se omitido diante dos atos de tortura ocorridos em sua unidade, deixando de adotar qualquer providência investigativa e mantendo o menor sob custódia sem justificativa legal, incorrendo, assim, em responsabilidade por omissão dolosa (fls. 02/09 do ID. 92114542). A inicial acusatória foi recebida em 08/06/2004. Em suas razões de apelação, o Ministério Público Federal sustenta que as penas impostas aos réus Marcelo Márcio Santiago, Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical devem ser majoradas, diante da gravidade dos fatos e das circunstâncias judiciais amplamente desfavoráveis. Em relação a Marcelo Márcio Santiago, então Delegado de Polícia em Coari/AM, o MPF defende sua responsabilização como garantidor legal, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal, destacando que, além de ter ordenado a prisão do adolescente indígena Moab Marins da Cruz, encontrava-se presente na delegacia durante os atos de tortura, sem adotar qualquer medida para impedir ou apurar a violência. Por essa razão, requer a aplicação das causas de aumento previstas no art. 1º, § 4º, I e II, da Lei 9.455/1997, bem como da agravante do art. 62, I, do Código Penal (fls. 104/132 do ID. 92114530). A Defensoria Pública da União interpõe apelação em favor de Roberto Nogueira de Souza e Elizon Ferreira Marical, pleiteando por suas absolvições, ou, subsidiariamente, pela desclassificação da conduta de tortura para o crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal). Sustenta que os laudos periciais não apontam sofrimento intenso ou prolongado, mas apenas lesões físicas de menor gravidade, sendo insuficiente para a configuração do tipo penal do art. 1º, II, da Lei 9.455/1997. Alega, ainda, que eventual agressão não foi praticada de forma cruel, nem gerou incapacidade funcional ou risco de vida, e que o menor Moab Marins da Cruz teve assistência médica, familiar e institucional durante a apuração dos fatos. Além disso, questiona a aplicação das causas de aumento previstas no art. 1º, § 4º, incisos I e II, da Lei de Tortura, por configurar, no caso concreto, bis in idem, já que a condição de agente público é elemento do tipo penal imputado e a alegada condição de adolescente da vítima não teria sido de conhecimento dos réus. Por fim, defende que, caso mantida a condenação, as majorantes sejam aplicadas na fração mínima de 1/6 (um sexto), por ausência de fundamentação concreta para o aumento em 1/3 (um terço) fixado na sentença, violando o dever constitucional de motivação (art. 93, IX, da CF) (fls. 184/202 do ID. 92114530). Fae Marques Pereira e José Pereira de Oliveira também interpõem apelação, sustentando, em preliminar, a nulidade do processo por cerceamento de defesa, pois, sendo policiais militares, não foram devidamente intimados por meio do chefe do respectivo serviço, conforme exige o art. 358 do CPP. Alegam que não tiveram ciência da atuação da Defensoria Pública da União, que apresentou as alegações finais, o que comprometeu o exercício pleno da ampla defesa. No mérito, afirmam que não estavam de serviço no momento dos fatos e que não há provas seguras da prática de tortura, tampouco testemunhas que confirmem a acusação. Ressaltam que a vítima não confirmou a denúncia e que o proprietário do local onde os fatos teriam ocorrido não foi ouvido. Sustentam que a sentença é deficiente quanto à fundamentação sobre a conduta social, a qual seria favorável, não podendo ser confundida com antecedentes penais. Requerem, assim, a anulação do processo desde a intimação irregular, ou, caso ultrapassadas as preliminares, a absolvição por ausência de provas (art. 386, III, do CPP). Subsidiariamente, pedem o afastamento da pena de perda do cargo público, uma vez que ambos estão na reserva remunerada da Polícia Militar e dependem dessa fonte para sua subsistência (fls. 204/209 do ID. 92114530). Ao final, Marcelo Márcio Santiago, em suas razões de apelação, alega nulidade processual, sustentando, em preliminar, que foi interrogado sem a presença de defensor, em violação ao art. 185 do CPP, já sob a vigência da Lei 10.792/2003, o que comprometeu a ampla defesa e configura nulidade absoluta, nos termos do art. 564, III, c, do CPP e art. 5º, LIV, da CF/1988. Aduz, ainda, que não lhe foi oferecida a proposta de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995, benefício ao qual teria direito, por preencher os requisitos legais. A ausência da proposta, sem justificativa, acarretaria nulidade desde o recebimento da denúncia. Requer o reconhecimento das nulidades e a anulação do processo desde o interrogatório ou, alternativamente, desde o recebimento da denúncia. No mérito, pleiteia a absolvição por insuficiência de provas (art. 386, III, do CPP) ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta e a substituição da pena por restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal (fls. 36/48 do ID. 92114531). Com contrarrazões fls. 146/161, 170/182 e 249/264 do ID. 9211430, fls. 25/35 e 54/59 do ID. 92114531 e fls. 57/63 e 87/90 do ID. 922114518. Parecer do Ministério Público Federal (PRR1) pelo parcial provimento da apelação do parquet e pelo não provimento das apelações dos réus (fls. 94/111 do ID. 92114518). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Inicialmente, analiso as preliminares aventadas pelos réus em seus recursos de apelação. Faé Marques Pereira e José Pereira de Oliveira sustentam a nulidade do processo por cerceamento de defesa, sob o argumento de que, sendo policiais militares, não foram devidamente intimados por meio do chefe do respectivo serviço, conforme previsto no art. 358 do CPP, tampouco foram cientificados da atuação da Defensoria Pública da União, que apresentou as alegações finais. Entretanto, como se depreende dos autos, a intimação foi regularmente efetivada (fl. 227 do ID. 92114555 e fl. 28 do ID. 92114530), e não houve comprovação de prejuízo concreto, sendo inaplicável a nulidade processual sem demonstração de efetivo prejuízo (pas de nullité sans grief). Marcelo Márcio Santiago, por sua vez, alega nulidade do interrogatório por ausência de defensor, em afronta ao art. 185 do CPP, já sob a vigência da Lei 10.792/2003. Aduz também a não oferta da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995. Contudo, os autos demonstram que houve defesa técnica regular e que o crime imputado é doloso, com previsão de pena mínima superior a um ano, e cometido com violência, o que afasta o cabimento do benefício. Afasta-se, pois, as preliminares suscitadas. No mérito, como se vê do relatório, a pretensão recursal dos réus é pela reforma da sentença que os condenou pela prática do crime de tortura, previsto no art. 1º, II, § 1º, § 2º e § 4º, I e II, da Lei 9.455/1997, in verbis: Art. 1º (...) II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. §1º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão, de quatro a dez anos. §2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de um a quatro anos de detenção. §4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II - se o crime é cometido contra adolescente (...). Para a configuração do crime de tortura exige-se a demonstração de dolo específico de submeter a vítima a sofrimento físico ou mental intenso, com finalidade de castigo ou coerção. No caso concreto, os autos evidenciam que os policiais militares Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical participaram de operação policial em comunidade indígena no município de Coari/AM, ocasião em que o adolescente Moab Marins da Cruz foi submetido a prisão ilegal e espancamento. A materialidade do crime restou comprovada por dois laudos de exame de corpo de delito, realizados em 18 e 21/01/2000 (fls. 52 do ID. 92114542 e 29 do ID. 92114543), os quais atestaram que a vítima apresentava hematomas decorrentes de ação contundente, compatíveis com agressões físicas. Ademais, corroboram os relatos da vítima Moab Marins da Cruz, que declarou perante a Polícia Federal (fls. 14/15 do ID. 92114545) que foi espancado dentro da delegacia por vários policiais militares. Tal narrativa é reforçada pelas declarações de sua mãe, Eunerina Marins da Cruz (fls. 37/38 do ID. 92114542), que o encontrou preso na delegacia com marcas evidentes de espancamento, inclusive com hematomas visíveis no rosto e um dos olhos roxo. A autoria também restou demonstrada. Roberto Nogueira de Souza foi reconhecido pela vítima Moab Marins da Cruz, em depoimento à Polícia Federal (fls. 14/15 do ID. 92114545), como o primeiro agressor dentro da Delegacia de Polícia de Coari/AM. No mesmo procedimento de reconhecimento fotográfico (fls. 16/17 do ID. 92114545), o adolescente também identificou Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical como integrantes da equipe policial que o prendeu e o agrediu. As agressões ocorreram enquanto a vítima se encontrava sob custódia do Estado. Quanto a Marcelo Márcio Santiago, embora não estivesse presente no momento dos atos de violência, restou comprovado que, após tomar conhecimento da tortura sofrida por Moab - inclusive por meio do exame de corpo de delito que ele próprio solicitou (fl. 31 do ID. 92114543) -, deixou de adotar qualquer providência investigativa ou punitiva, incorrendo, assim, na omissão penalmente relevante prevista no § 2º do art. 1º da Lei 9.455/1997. Importante destacar que a motivação dos crimes foi claramente arbitrária: como a vítima era parente de indígenas envolvidos em conflito agrário com posseiros, os policiais decidiram castigá-lo em retaliação, conforme declarado pelo próprio Moab em juízo. As defesas alegam que os réus não estavam de serviço, ou que não concorreram para a infração. No entanto, a presença dos réus nos fatos está documentalmente comprovada, e a alegação de ausência de serviço não elide a responsabilidade penal pelos atos praticados, sobretudo quando se trata de agentes públicos uniformizados em atuação conjunta. No tocante à alegação de que não houve crueldade suficiente para caracterizar o crime de tortura, cumpre registrar que o tipo penal não exige conduta "cruel", bastando o sofrimento físico ou mental intenso, o que se comprovou nos autos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a responsabilização criminal de agentes públicos que, tendo o dever de agir, se omitem diante de práticas de tortura, conforme se extrai do seguinte julgado: A tortura-omissão, prevista no § 2º do art. 1º da Lei 9.455/1997, configura-se quando o agente, embora tenha o dever legal ou funcional de agir, se omite diante da prática do crime de tortura, deixando de evitá-la ou de apurá-la. Trata-se de tipo penal de natureza subsidiária, aplicável apenas quando o agente não concorre diretamente para a prática de uma das modalidades comissivas da tortura (art. 1º, I, II ou § 1º). (REsp 2.082.894/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/08/2023.) Do mesmo modo, tem-se admitido como suficiente para a configuração do delito o sofrimento físico ou mental intenso, independentemente de prova de crueldade extrema ou lesão grave: “Para a configuração do crime de tortura previsto no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997, não se exige especial fim de agir, bastando o dolo na prática da conduta típica, sendo suficiente que a vítima, mesmo sob custódia, tenha sido submetida a sofrimento físico intenso.” (REsp 856.706/AC, STJ, Quinta Turma, Rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, DJe 28/06/2010). Diante desse conjunto probatório, evidencia-se a configuração do crime de tortura nos termos delineados na denúncia, com elementos suficientes para sustentar a condenação de Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical pela prática direta dos atos de violência, e de Marcelo Márcio Santiago pela omissão dolosa no dever funcional de evitar ou apurar tais atos. Assim, a sentença condenatória merece ser mantida quanto à tipificação penal e à responsabilidade dos acusados. DOSIMETRIA DA PENA A pena privativa de liberdade cominada ao crime de tortura (art. 1º, II, da Lei 9.455/1997) é de reclusão de dois a oito anos. Quando presentes as causas de aumento previstas no § 4º do mesmo artigo, o legislador autorizou a elevação da pena de um sexto até um terço. Consoante pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. A pena-base deve pautar-se pelos critérios elencados no art. 59 do Código Penal, de sorte que não se afigura legítima sua majoração sem a devida fundamentação, sob pena de violação ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.” (HC 255.955/PE, STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 1º/07/2013). No caso concreto, a sentença analisou adequadamente as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, fixando a pena-base no mínimo legal - 2 (dois) anos de reclusão - para os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, uma vez que se tratam de réus primários, sem registros desabonadores, e sem circunstâncias agravantes. Na segunda fase, inexistentes agravantes ou atenuantes, manteve-se a pena. Na terceira fase, o Juízo a quo aplicou corretamente as causas de aumento do § 4º, incisos I e II, da Lei 9.455/1997, elevando a pena em 1/3 (um terço), diante de os crimes terem sido cometidos por agentes públicos e contra adolescente, majorando-se a reprimenda para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além de 15 (quinze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Quanto a Marcelo Márcio Santiago, a pena foi fixada em 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto. Na sentença, não foi aplicada a causa de aumento do § 4º da Lei 9.455/1997 sob o fundamento de que a conduta se deu por omissão. Contudo, como bem destacou o parecer do Ministério Público Federal, ainda que o crime previsto no § 2º da Lei de Tortura exija uma condição especial de agente - ou seja, o dever funcional de agir -, isso não afasta a incidência da majorante prevista no inciso II do § 4º, já que a vítima era adolescente. Assim, deve-se aplicar à sua penalidade a causa de aumento em 1/6 (um sexto). Com o acréscimo da causa de aumento, a pena de Marcelo Márcio Santiago passa a ser de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, além de 18 (dezoito) dias-multa, nos mesmos termos da sentença quanto ao valor do dia-multa. Por fim, quanto à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, correta a negativa do Juízo, por se tratar de crime cometido com violência contra pessoa, hipótese expressamente excluída pelo art. 44, I, do Código Penal. Também não merece reparo a imposição do efeito extrapenal de perda do cargo público, prevista no § 5º do art. 1º da Lei 9.455/1997, que tem natureza automática e obrigatória, conforme já consolidado pela jurisprudência do STJ: “A perda do cargo público constitui efeito automático da condenação pelo crime de tortura, nos termos do art. 1º, § 5º, da Lei n. 9.455/1997.” (AgRg no AREsp 2.409.545/SP, STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/04/2025). Ante o exposto, nego provimento às apelações interpostas por Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira, Elizon Ferreira Marical e Marcelo Márcio Santiago e dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, apenas para aplicar ao réu Marcelo Márcio Santiago a causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei 9.455/1997, fixando sua pena definitiva em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região GAB. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0003271-16.2004.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003271-16.2004.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) APELANTE: ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA, FAE MARQUES PEREIRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, ELIZON FERREIRA MARICAL Advogado do(a) APELANTE: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogado do(a) APELANTE: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogados do(a) APELANTE: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A APELADO: ELIZON FERREIRA MARICAL, FAE MARQUES PEREIRA, JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA VOTO REVISOR O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (Revisor): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público e por acusados condenados por crime de tortura, com fundamento na Lei 9.455/1997. Os acusados foram denunciados no contexto de prática de violência física contra adolescente sob custódia e à omissão de agente público com dever funcional de agir. Adiro aos bem lançados fundamentos constantes do voto do e. Relator, tanto no que se refere às preliminares quanto à questão de mérito. Há prova, acima de dúvida razoável, suficiente para a manutenção da condenação dos réus. Quanto à dosimetria, igualmente sem consideração adicional o voto do E. Relator. A pena-base para os réus Roberto, Faé, José Pereira e Elizon foi fixada no mínimo legal. Correta, outrossim, a incidência das causas de aumento do § 4º da Lei 9.455/97. Deve ser acolhida, ademais, a pretensão ministerial de que, em relação ao réu Marcelo Márcio, incida a causa de aumento do inciso II do § 4º da Lei 9.455/97. Como destacado pelo e. Relator, "ainda que o crime previsto no § 2º da Lei de Tortura exija uma condição especial de agente - ou seja, o dever funcional de agir -, isso não afasta a incidência da majorante prevista no inciso II do § 4º, já que a vítima era adolescente.". Ante o exposto, acompanho o e. Relator. É como voto. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Revisor M PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 APELANTE: ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA, FAE MARQUES PEREIRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, ELIZON FERREIRA MARICAL Advogado do(a) APELANTE: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogado do(a) APELANTE: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogados do(a) APELANTE: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A APELADO: ELIZON FERREIRA MARICAL, FAE MARQUES PEREIRA, JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogado do(a) APELADO: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogados do(a) APELADO: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA COMETIDA POR AGENTES PÚBLICOS CONTRA ADOLESCENTE. OMISSÃO FUNCIONAL. VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL. LEGALIDADE DA MAJORAÇÃO DA PENA E DA PERDA AUTOMÁTICA DO CARGO PÚBLICO. LEI 9.455/1997, ART. 1º, §§ 1º, 2º, 4º E 5º. APELAÇÃO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÕES DOS RÉUS NÃO PROVIDAS. 1. Apelações interpostas pelo Ministério Público e por acusados condenados por crime de tortura, com fundamento na Lei 9.455/1997. As condenações referem-se à prática direta de violência física contra adolescente sob custódia e à omissão de agente público com dever funcional de agir. O órgão acusador postula a majoração das penas. As defesas requerem absolvição, desclassificação da conduta, reconhecimento de nulidades processuais e afastamento da pena de perda do cargo público. 2. Há quatro questões em discussão: (i) verificar a existência de nulidades processuais por falhas na intimação e ausência de defensor em interrogatório; (ii) definir se restou caracterizado o crime de tortura, inclusive na forma omissiva; (iii) analisar a legalidade da dosimetria da pena e da aplicação das causas de aumento previstas na Lei 9.455/1997; (iv) examinar a obrigatoriedade da perda do cargo público em decorrência da condenação por tortura. 3. Embora os réus aleguem nulidade por não terem sido intimados por seu superior hierárquico e por desconhecerem a atuação da Defensoria Pública, os autos comprovam que as intimações ocorreram regularmente. Como não houve prejuízo à ampla defesa, não se configura nulidade processual, nos termos do princípio pas de nullité sans grief. 4. A alegação de nulidade do interrogatório por ausência de defensor não prospera, pois os autos demonstram que houve defesa técnica regularmente constituída ao longo do processo. Além disso, é incabível a proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995) nos crimes de tortura, por se tratar de infração dolosa, cometida com violência e com pena mínima superior a um ano, o que afasta os requisitos legais para o benefício. 5. A materialidade e a autoria do crime de tortura foram comprovadas por laudos periciais, depoimentos da vítima e de testemunhas, que relataram agressões físicas enquanto a vítima estava sob custódia do Estado. Os elementos dos autos demonstram que os acusados, policiais militares, participaram diretamente da prisão ilegal e das agressões, configurando conduta dolosa com o fim específico de causar sofrimento físico intenso, nos termos do art. 1º, II, da Lei 9.455/1997. 6. Fica caracterizada a tortura por omissão quando o agente, mesmo tendo o dever funcional de agir e conhecimento dos fatos, deixa de adotar qualquer medida para impedir ou apurar a violência, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 9.455/1997. 7. A dosimetria observou adequadamente as fases do art. 68 do Código Penal, fixando penas no mínimo legal e aplicando majorantes de forma justificada com base nos incisos I e II do § 4º do art. 1º da Lei de Tortura. 8. É cabível a aplicação da causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei 9.455/1997 mesmo na modalidade omissiva, quando a vítima for adolescente. 9. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é vedada quando o crime for cometido com violência contra a pessoa, nos termos do art. 44, I, do Código Penal. 10. A perda do cargo público constitui efeito automático e obrigatório da condenação por tortura, conforme disposto no § 5º do art. 1º da Lei 9.455/1997 e consolidado pela jurisprudência. 11. Apelação do MPF parcialmente provida. Apelações dos réus não providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal e negar provimento às apelações dos réus. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TRF1 | Data: 30/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0003271-16.2004.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003271-16.2004.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) POLO ATIVO: MARCELO MARCIO SANTIAGO e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A e JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A POLO PASSIVO:ELIZON FERREIRA MARICAL e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A, JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 e NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pelos réus Roberto Nogueira de Souza, Marcelo Márcio Santiago, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical contra sentença que os condenou por crimes de tortura previstos na Lei 9.455/1997. Os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, todos policiais militares, foram condenados com base no art. 1º, §§ 1º e 4º, incisos I e II, da Lei 9.455/1997, em razão de os crimes terem sido praticados contra adolescente e por agentes públicos. Marcelo Márcio Santiago, por sua vez, foi condenado com fundamento no § 2º do mesmo dispositivo legal. As penas fixadas para Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical foram de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada. Já Marcelo Márcio Santiago foi condenado à pena de 1 (um) ano de detenção, também em regime inicial aberto, cumulada com 15 (quinze) dias-multa. A pena de multa foi calculada à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo da época dos fatos. Não foram aplicadas substituições das penas privativas de liberdade, por se tratar de crimes cometidos com violência. Todos os réus também foram condenados à perda do cargo, função ou emprego público, com interdição para seu exercício pelo dobro do tempo da pena, nos termos do § 5º do art. 1º da Lei de Tortura (fls. 49/67 do ID. 92114530). Narra a denúncia, em síntese, que os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, todos policiais militares, juntamente com outros agentes públicos, teriam participado da invasão de residências na comunidade indígena Cajuriri Atravessado, localizada no município de Coari/AM, com o objetivo de recuperar sacas de castanha supostamente retiradas de área em litígio entre indígenas e posseiros. Durante a operação, foram praticadas ameaças, agressões físicas e, em especial, a prisão ilegal e espancamento do adolescente indígena Moab Marins da Cruz no interior da Delegacia local. Roberto Nogueira de Souza foi reconhecido como o primeiro agressor de Moab, sendo apontado como um dos principais responsáveis pelas agressões cometidas na unidade policial. Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical também foram identificados como integrantes da equipe policial que efetuou a prisão e participou diretamente das agressões contra o menor indígena. O então delegado Marcelo Márcio Santiago, embora ciente da violência sofrida por Moab - fato confirmado por laudo pericial -, teria se omitido diante dos atos de tortura ocorridos em sua unidade, deixando de adotar qualquer providência investigativa e mantendo o menor sob custódia sem justificativa legal, incorrendo, assim, em responsabilidade por omissão dolosa (fls. 02/09 do ID. 92114542). A inicial acusatória foi recebida em 08/06/2004. Em suas razões de apelação, o Ministério Público Federal sustenta que as penas impostas aos réus Marcelo Márcio Santiago, Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical devem ser majoradas, diante da gravidade dos fatos e das circunstâncias judiciais amplamente desfavoráveis. Em relação a Marcelo Márcio Santiago, então Delegado de Polícia em Coari/AM, o MPF defende sua responsabilização como garantidor legal, nos termos do art. 13, § 2º, do Código Penal, destacando que, além de ter ordenado a prisão do adolescente indígena Moab Marins da Cruz, encontrava-se presente na delegacia durante os atos de tortura, sem adotar qualquer medida para impedir ou apurar a violência. Por essa razão, requer a aplicação das causas de aumento previstas no art. 1º, § 4º, I e II, da Lei 9.455/1997, bem como da agravante do art. 62, I, do Código Penal (fls. 104/132 do ID. 92114530). A Defensoria Pública da União interpõe apelação em favor de Roberto Nogueira de Souza e Elizon Ferreira Marical, pleiteando por suas absolvições, ou, subsidiariamente, pela desclassificação da conduta de tortura para o crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal). Sustenta que os laudos periciais não apontam sofrimento intenso ou prolongado, mas apenas lesões físicas de menor gravidade, sendo insuficiente para a configuração do tipo penal do art. 1º, II, da Lei 9.455/1997. Alega, ainda, que eventual agressão não foi praticada de forma cruel, nem gerou incapacidade funcional ou risco de vida, e que o menor Moab Marins da Cruz teve assistência médica, familiar e institucional durante a apuração dos fatos. Além disso, questiona a aplicação das causas de aumento previstas no art. 1º, § 4º, incisos I e II, da Lei de Tortura, por configurar, no caso concreto, bis in idem, já que a condição de agente público é elemento do tipo penal imputado e a alegada condição de adolescente da vítima não teria sido de conhecimento dos réus. Por fim, defende que, caso mantida a condenação, as majorantes sejam aplicadas na fração mínima de 1/6 (um sexto), por ausência de fundamentação concreta para o aumento em 1/3 (um terço) fixado na sentença, violando o dever constitucional de motivação (art. 93, IX, da CF) (fls. 184/202 do ID. 92114530). Fae Marques Pereira e José Pereira de Oliveira também interpõem apelação, sustentando, em preliminar, a nulidade do processo por cerceamento de defesa, pois, sendo policiais militares, não foram devidamente intimados por meio do chefe do respectivo serviço, conforme exige o art. 358 do CPP. Alegam que não tiveram ciência da atuação da Defensoria Pública da União, que apresentou as alegações finais, o que comprometeu o exercício pleno da ampla defesa. No mérito, afirmam que não estavam de serviço no momento dos fatos e que não há provas seguras da prática de tortura, tampouco testemunhas que confirmem a acusação. Ressaltam que a vítima não confirmou a denúncia e que o proprietário do local onde os fatos teriam ocorrido não foi ouvido. Sustentam que a sentença é deficiente quanto à fundamentação sobre a conduta social, a qual seria favorável, não podendo ser confundida com antecedentes penais. Requerem, assim, a anulação do processo desde a intimação irregular, ou, caso ultrapassadas as preliminares, a absolvição por ausência de provas (art. 386, III, do CPP). Subsidiariamente, pedem o afastamento da pena de perda do cargo público, uma vez que ambos estão na reserva remunerada da Polícia Militar e dependem dessa fonte para sua subsistência (fls. 204/209 do ID. 92114530). Ao final, Marcelo Márcio Santiago, em suas razões de apelação, alega nulidade processual, sustentando, em preliminar, que foi interrogado sem a presença de defensor, em violação ao art. 185 do CPP, já sob a vigência da Lei 10.792/2003, o que comprometeu a ampla defesa e configura nulidade absoluta, nos termos do art. 564, III, c, do CPP e art. 5º, LIV, da CF/1988. Aduz, ainda, que não lhe foi oferecida a proposta de suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995, benefício ao qual teria direito, por preencher os requisitos legais. A ausência da proposta, sem justificativa, acarretaria nulidade desde o recebimento da denúncia. Requer o reconhecimento das nulidades e a anulação do processo desde o interrogatório ou, alternativamente, desde o recebimento da denúncia. No mérito, pleiteia a absolvição por insuficiência de provas (art. 386, III, do CPP) ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta e a substituição da pena por restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal (fls. 36/48 do ID. 92114531). Com contrarrazões fls. 146/161, 170/182 e 249/264 do ID. 9211430, fls. 25/35 e 54/59 do ID. 92114531 e fls. 57/63 e 87/90 do ID. 922114518. Parecer do Ministério Público Federal (PRR1) pelo parcial provimento da apelação do parquet e pelo não provimento das apelações dos réus (fls. 94/111 do ID. 92114518). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Inicialmente, analiso as preliminares aventadas pelos réus em seus recursos de apelação. Faé Marques Pereira e José Pereira de Oliveira sustentam a nulidade do processo por cerceamento de defesa, sob o argumento de que, sendo policiais militares, não foram devidamente intimados por meio do chefe do respectivo serviço, conforme previsto no art. 358 do CPP, tampouco foram cientificados da atuação da Defensoria Pública da União, que apresentou as alegações finais. Entretanto, como se depreende dos autos, a intimação foi regularmente efetivada (fl. 227 do ID. 92114555 e fl. 28 do ID. 92114530), e não houve comprovação de prejuízo concreto, sendo inaplicável a nulidade processual sem demonstração de efetivo prejuízo (pas de nullité sans grief). Marcelo Márcio Santiago, por sua vez, alega nulidade do interrogatório por ausência de defensor, em afronta ao art. 185 do CPP, já sob a vigência da Lei 10.792/2003. Aduz também a não oferta da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/1995. Contudo, os autos demonstram que houve defesa técnica regular e que o crime imputado é doloso, com previsão de pena mínima superior a um ano, e cometido com violência, o que afasta o cabimento do benefício. Afasta-se, pois, as preliminares suscitadas. No mérito, como se vê do relatório, a pretensão recursal dos réus é pela reforma da sentença que os condenou pela prática do crime de tortura, previsto no art. 1º, II, § 1º, § 2º e § 4º, I e II, da Lei 9.455/1997, in verbis: Art. 1º (...) II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. §1º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão, de quatro a dez anos. §2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de um a quatro anos de detenção. §4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II - se o crime é cometido contra adolescente (...). Para a configuração do crime de tortura exige-se a demonstração de dolo específico de submeter a vítima a sofrimento físico ou mental intenso, com finalidade de castigo ou coerção. No caso concreto, os autos evidenciam que os policiais militares Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical participaram de operação policial em comunidade indígena no município de Coari/AM, ocasião em que o adolescente Moab Marins da Cruz foi submetido a prisão ilegal e espancamento. A materialidade do crime restou comprovada por dois laudos de exame de corpo de delito, realizados em 18 e 21/01/2000 (fls. 52 do ID. 92114542 e 29 do ID. 92114543), os quais atestaram que a vítima apresentava hematomas decorrentes de ação contundente, compatíveis com agressões físicas. Ademais, corroboram os relatos da vítima Moab Marins da Cruz, que declarou perante a Polícia Federal (fls. 14/15 do ID. 92114545) que foi espancado dentro da delegacia por vários policiais militares. Tal narrativa é reforçada pelas declarações de sua mãe, Eunerina Marins da Cruz (fls. 37/38 do ID. 92114542), que o encontrou preso na delegacia com marcas evidentes de espancamento, inclusive com hematomas visíveis no rosto e um dos olhos roxo. A autoria também restou demonstrada. Roberto Nogueira de Souza foi reconhecido pela vítima Moab Marins da Cruz, em depoimento à Polícia Federal (fls. 14/15 do ID. 92114545), como o primeiro agressor dentro da Delegacia de Polícia de Coari/AM. No mesmo procedimento de reconhecimento fotográfico (fls. 16/17 do ID. 92114545), o adolescente também identificou Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical como integrantes da equipe policial que o prendeu e o agrediu. As agressões ocorreram enquanto a vítima se encontrava sob custódia do Estado. Quanto a Marcelo Márcio Santiago, embora não estivesse presente no momento dos atos de violência, restou comprovado que, após tomar conhecimento da tortura sofrida por Moab - inclusive por meio do exame de corpo de delito que ele próprio solicitou (fl. 31 do ID. 92114543) -, deixou de adotar qualquer providência investigativa ou punitiva, incorrendo, assim, na omissão penalmente relevante prevista no § 2º do art. 1º da Lei 9.455/1997. Importante destacar que a motivação dos crimes foi claramente arbitrária: como a vítima era parente de indígenas envolvidos em conflito agrário com posseiros, os policiais decidiram castigá-lo em retaliação, conforme declarado pelo próprio Moab em juízo. As defesas alegam que os réus não estavam de serviço, ou que não concorreram para a infração. No entanto, a presença dos réus nos fatos está documentalmente comprovada, e a alegação de ausência de serviço não elide a responsabilidade penal pelos atos praticados, sobretudo quando se trata de agentes públicos uniformizados em atuação conjunta. No tocante à alegação de que não houve crueldade suficiente para caracterizar o crime de tortura, cumpre registrar que o tipo penal não exige conduta "cruel", bastando o sofrimento físico ou mental intenso, o que se comprovou nos autos. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a responsabilização criminal de agentes públicos que, tendo o dever de agir, se omitem diante de práticas de tortura, conforme se extrai do seguinte julgado: A tortura-omissão, prevista no § 2º do art. 1º da Lei 9.455/1997, configura-se quando o agente, embora tenha o dever legal ou funcional de agir, se omite diante da prática do crime de tortura, deixando de evitá-la ou de apurá-la. Trata-se de tipo penal de natureza subsidiária, aplicável apenas quando o agente não concorre diretamente para a prática de uma das modalidades comissivas da tortura (art. 1º, I, II ou § 1º). (REsp 2.082.894/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/08/2023.) Do mesmo modo, tem-se admitido como suficiente para a configuração do delito o sofrimento físico ou mental intenso, independentemente de prova de crueldade extrema ou lesão grave: “Para a configuração do crime de tortura previsto no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.455/1997, não se exige especial fim de agir, bastando o dolo na prática da conduta típica, sendo suficiente que a vítima, mesmo sob custódia, tenha sido submetida a sofrimento físico intenso.” (REsp 856.706/AC, STJ, Quinta Turma, Rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, DJe 28/06/2010). Diante desse conjunto probatório, evidencia-se a configuração do crime de tortura nos termos delineados na denúncia, com elementos suficientes para sustentar a condenação de Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical pela prática direta dos atos de violência, e de Marcelo Márcio Santiago pela omissão dolosa no dever funcional de evitar ou apurar tais atos. Assim, a sentença condenatória merece ser mantida quanto à tipificação penal e à responsabilidade dos acusados. DOSIMETRIA DA PENA A pena privativa de liberdade cominada ao crime de tortura (art. 1º, II, da Lei 9.455/1997) é de reclusão de dois a oito anos. Quando presentes as causas de aumento previstas no § 4º do mesmo artigo, o legislador autorizou a elevação da pena de um sexto até um terço. Consoante pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime. A pena-base deve pautar-se pelos critérios elencados no art. 59 do Código Penal, de sorte que não se afigura legítima sua majoração sem a devida fundamentação, sob pena de violação ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.” (HC 255.955/PE, STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 1º/07/2013). No caso concreto, a sentença analisou adequadamente as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, fixando a pena-base no mínimo legal - 2 (dois) anos de reclusão - para os réus Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira e Elizon Ferreira Marical, uma vez que se tratam de réus primários, sem registros desabonadores, e sem circunstâncias agravantes. Na segunda fase, inexistentes agravantes ou atenuantes, manteve-se a pena. Na terceira fase, o Juízo a quo aplicou corretamente as causas de aumento do § 4º, incisos I e II, da Lei 9.455/1997, elevando a pena em 1/3 (um terço), diante de os crimes terem sido cometidos por agentes públicos e contra adolescente, majorando-se a reprimenda para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além de 15 (quinze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Quanto a Marcelo Márcio Santiago, a pena foi fixada em 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto. Na sentença, não foi aplicada a causa de aumento do § 4º da Lei 9.455/1997 sob o fundamento de que a conduta se deu por omissão. Contudo, como bem destacou o parecer do Ministério Público Federal, ainda que o crime previsto no § 2º da Lei de Tortura exija uma condição especial de agente - ou seja, o dever funcional de agir -, isso não afasta a incidência da majorante prevista no inciso II do § 4º, já que a vítima era adolescente. Assim, deve-se aplicar à sua penalidade a causa de aumento em 1/6 (um sexto). Com o acréscimo da causa de aumento, a pena de Marcelo Márcio Santiago passa a ser de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, além de 18 (dezoito) dias-multa, nos mesmos termos da sentença quanto ao valor do dia-multa. Por fim, quanto à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, correta a negativa do Juízo, por se tratar de crime cometido com violência contra pessoa, hipótese expressamente excluída pelo art. 44, I, do Código Penal. Também não merece reparo a imposição do efeito extrapenal de perda do cargo público, prevista no § 5º do art. 1º da Lei 9.455/1997, que tem natureza automática e obrigatória, conforme já consolidado pela jurisprudência do STJ: “A perda do cargo público constitui efeito automático da condenação pelo crime de tortura, nos termos do art. 1º, § 5º, da Lei n. 9.455/1997.” (AgRg no AREsp 2.409.545/SP, STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 28/04/2025). Ante o exposto, nego provimento às apelações interpostas por Roberto Nogueira de Souza, Faé Marques Pereira, José Pereira de Oliveira, Elizon Ferreira Marical e Marcelo Márcio Santiago e dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, apenas para aplicar ao réu Marcelo Márcio Santiago a causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei 9.455/1997, fixando sua pena definitiva em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região GAB. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 0003271-16.2004.4.01.3200 PROCESSO REFERÊNCIA: 0003271-16.2004.4.01.3200 CLASSE: APELAÇÃO CRIMINAL (417) APELANTE: ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA, FAE MARQUES PEREIRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, ELIZON FERREIRA MARICAL Advogado do(a) APELANTE: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogado do(a) APELANTE: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogados do(a) APELANTE: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A APELADO: ELIZON FERREIRA MARICAL, FAE MARQUES PEREIRA, JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA VOTO REVISOR O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (Revisor): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público e por acusados condenados por crime de tortura, com fundamento na Lei 9.455/1997. Os acusados foram denunciados no contexto de prática de violência física contra adolescente sob custódia e à omissão de agente público com dever funcional de agir. Adiro aos bem lançados fundamentos constantes do voto do e. Relator, tanto no que se refere às preliminares quanto à questão de mérito. Há prova, acima de dúvida razoável, suficiente para a manutenção da condenação dos réus. Quanto à dosimetria, igualmente sem consideração adicional o voto do E. Relator. A pena-base para os réus Roberto, Faé, José Pereira e Elizon foi fixada no mínimo legal. Correta, outrossim, a incidência das causas de aumento do § 4º da Lei 9.455/97. Deve ser acolhida, ademais, a pretensão ministerial de que, em relação ao réu Marcelo Márcio, incida a causa de aumento do inciso II do § 4º da Lei 9.455/97. Como destacado pelo e. Relator, "ainda que o crime previsto no § 2º da Lei de Tortura exija uma condição especial de agente - ou seja, o dever funcional de agir -, isso não afasta a incidência da majorante prevista no inciso II do § 4º, já que a vítima era adolescente.". Ante o exposto, acompanho o e. Relator. É como voto. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Revisor M PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CRIMINAL (417) 0003271-16.2004.4.01.3200 APELANTE: ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA, FAE MARQUES PEREIRA, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, ELIZON FERREIRA MARICAL Advogado do(a) APELANTE: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogado do(a) APELANTE: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogados do(a) APELANTE: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A APELADO: ELIZON FERREIRA MARICAL, FAE MARQUES PEREIRA, JOSE PEREIRA DE OLIVEIRA, MARCELO MARCIO SANTIAGO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ROBERTO NOGUEIRA DE SOUZA Advogado do(a) APELADO: JONILSON MAIA PEREIRA - AM7871 Advogado do(a) APELADO: JOSE JULIO CESAR CORREA - AM7810-A Advogados do(a) APELADO: JAMMES BEZERRA DE OLIVEIRA - AM10038-A, NIELI NASCIMENTO ARAUJO FERNANDES - AM1089-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TORTURA COMETIDA POR AGENTES PÚBLICOS CONTRA ADOLESCENTE. OMISSÃO FUNCIONAL. VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL. LEGALIDADE DA MAJORAÇÃO DA PENA E DA PERDA AUTOMÁTICA DO CARGO PÚBLICO. LEI 9.455/1997, ART. 1º, §§ 1º, 2º, 4º E 5º. APELAÇÃO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÕES DOS RÉUS NÃO PROVIDAS. 1. Apelações interpostas pelo Ministério Público e por acusados condenados por crime de tortura, com fundamento na Lei 9.455/1997. As condenações referem-se à prática direta de violência física contra adolescente sob custódia e à omissão de agente público com dever funcional de agir. O órgão acusador postula a majoração das penas. As defesas requerem absolvição, desclassificação da conduta, reconhecimento de nulidades processuais e afastamento da pena de perda do cargo público. 2. Há quatro questões em discussão: (i) verificar a existência de nulidades processuais por falhas na intimação e ausência de defensor em interrogatório; (ii) definir se restou caracterizado o crime de tortura, inclusive na forma omissiva; (iii) analisar a legalidade da dosimetria da pena e da aplicação das causas de aumento previstas na Lei 9.455/1997; (iv) examinar a obrigatoriedade da perda do cargo público em decorrência da condenação por tortura. 3. Embora os réus aleguem nulidade por não terem sido intimados por seu superior hierárquico e por desconhecerem a atuação da Defensoria Pública, os autos comprovam que as intimações ocorreram regularmente. Como não houve prejuízo à ampla defesa, não se configura nulidade processual, nos termos do princípio pas de nullité sans grief. 4. A alegação de nulidade do interrogatório por ausência de defensor não prospera, pois os autos demonstram que houve defesa técnica regularmente constituída ao longo do processo. Além disso, é incabível a proposta de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995) nos crimes de tortura, por se tratar de infração dolosa, cometida com violência e com pena mínima superior a um ano, o que afasta os requisitos legais para o benefício. 5. A materialidade e a autoria do crime de tortura foram comprovadas por laudos periciais, depoimentos da vítima e de testemunhas, que relataram agressões físicas enquanto a vítima estava sob custódia do Estado. Os elementos dos autos demonstram que os acusados, policiais militares, participaram diretamente da prisão ilegal e das agressões, configurando conduta dolosa com o fim específico de causar sofrimento físico intenso, nos termos do art. 1º, II, da Lei 9.455/1997. 6. Fica caracterizada a tortura por omissão quando o agente, mesmo tendo o dever funcional de agir e conhecimento dos fatos, deixa de adotar qualquer medida para impedir ou apurar a violência, nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 9.455/1997. 7. A dosimetria observou adequadamente as fases do art. 68 do Código Penal, fixando penas no mínimo legal e aplicando majorantes de forma justificada com base nos incisos I e II do § 4º do art. 1º da Lei de Tortura. 8. É cabível a aplicação da causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei 9.455/1997 mesmo na modalidade omissiva, quando a vítima for adolescente. 9. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é vedada quando o crime for cometido com violência contra a pessoa, nos termos do art. 44, I, do Código Penal. 10. A perda do cargo público constitui efeito automático e obrigatório da condenação por tortura, conforme disposto no § 5º do art. 1º da Lei 9.455/1997 e consolidado pela jurisprudência. 11. Apelação do MPF parcialmente provida. Apelações dos réus não providas. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal e negar provimento às apelações dos réus. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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Tribunal: TJAM | Data: 26/06/2025Tipo: IntimaçãoADV: Sidney Pinto Loureiro Júnior (OAB 9367/AM), Nieli Nascimento Araújo Fernandes (OAB 1089/AM), Adriana Santos Monteiro (OAB 13849/AM), Edillainny Rodrigues de Araújo (OAB 14531/AM), Anita Beatriz Nascimento Lira Barros (OAB 16351/AM) Processo 0600287-83.2024.8.04.0001 - Alimentos - Lei Especial Nº 5.478/68 - Criança interes: M. C. T. C. C. - Alimentante: F. C. S. - Nos termos do artigo 357 do CPC, passo a sanear e decidir. Analiso a questão pendente referente ao pleito de justiça gratuita requerido pela parte ré. Diante dos documentos colacionados aos autos junto à contestação, aliado ao fato de que a hipossuficiência alegada por pessoa natural presume-se verdadeira, conforme artigo 99, §3º do CPC, não hesito em afirmar que a concessão da gratuidade da justiça é medida que se impõe. Desta feita, concedo ao réu os benefícios da justiça gratuita. A controvérsia cinge-se quanto ao percentual dos alimentos a serem pagos pelo alimentante, ora requerido o qual pugna pela fixação dos alimentos em virtude de suas despesas. Para a solução do litígio, faz-se mister a constituição de provas pela parte autora que demonstrem as necessidades que justifiquem o patamar pleiteado, colacionando planilha de despesas com os respectivos comprovantes, assim como os comprovantes de rendimentos de sua genitora; quanto a parte requerida, esta deverá colacionar aos autos comprovantes de rendimentos, cópia dos 3 últimos contracheques, e declaração de imposto de renda. Desta feita, intimem-se as partes, por seus respectivos advogados, para, no prazo de 15 dias, colacionarem as provas acima delineadas, sob pena de preclusão. Após, com ou sem manifestação das partes, dê-se vista ao Ministério Público.