Cicero Borges Bordalo Junior
Cicero Borges Bordalo Junior
Número da OAB:
OAB/AP 000152
📊 Resumo do Advogado
Processos Únicos:
10
Total de Intimações:
26
Tribunais:
TRF1, TJSP, TJSC
Nome:
CICERO BORGES BORDALO JUNIOR
Processos do Advogado
Mostrando 10 de 26 intimações encontradas para este advogado.
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Tribunal: TRF1 | Data: 02/07/2025Tipo: IntimaçãoPODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Amapá 4ª Vara Federal Criminal PROCESSO: 0000079-59.2019.4.01.3100 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) REU: ANA LUCIA BATISTA CORREA, MARCELO DIAS, JOELSON PIMENTEL DOS SANTOS, GASTAO VALENTE CALANDRINI DE AZEVEDO, JOAO BITTENCOURT DA SILVA, ADRIANO JOSE SILVA NOGUEIRA LIMA, PRISCYLLA GEMAQUE MATOS, LEA DO SOCORRO FRANCO SILVA Advogados do(a) REU: CONSTANTINO AUGUSTO TORK BRAHUNA JUNIOR - AP1051, GILMAR GONCALVES VALES JUNIOR - AP2119, KAIRON LEONE CORDOVIL DA SILVA - AP5166, VANESSA YURIKO TAKITA RANGEL - AP2446 Advogado do(a) REU: ALEX VITOR CORREA SANTOS - AP4532 Advogados do(a) REU: ANGELA MARUSKA BRAZ DA GAMA - AC2594, MARIA DE LOURDES BITENCOURT DA SILVA - AP713-B Advogado do(a) REU: CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152 Advogado do(a) REU: JOSE CALANDRINI SIDONIO JUNIOR - AP1705 Advogados do(a) REU: AMANDA DOS SANTOS LAREDO - PA32151, BIANCA CRISTINA VON GRAPP DINIZ - PA29903, DILSON JOSE FIGUEIREDO DA SILVA NUNES - PA30318, JOAO GABRIEL MARTINS DA SILVA - PA34870, JOAO VICTOR VIEIRA NOGUEIRA - PA31329, JOAO VITOR PENNA E SILVA - PA23935, PAULO VICTOR GUIMARAES DE MOURA - PA33060, VICTOR RUSSO FROES RODRIGUES - PA23863 EMENTA: DECISÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. COMPETÊNCIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. EX-SECRETÁRIOS DE ESTADO. FRAUDE À LICITAÇÃO, PECULATO, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E LAVAGEM DE CAPITAIS. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA PARA O TRF DA 1ª REGIÃO. REMESSA DOS AUTOS. Denúncia (ID 1355211785) contra Adriano José Silva Nogueira Lima, Ana Lúcia Batista Corrêa, Gastão Valente Calandrini de Azevedo, João Bittencourt da Silva, Joelson Pimentel dos Santos, Priscylla Gemaque Matos, Lea do Socorro Franco Silva e Marcelo Dias. Fatos: fraude ao Pregão Eletrônico nº 16/2017-CPL/SESA, direcionamento de lotes, sobrepreço, desvio de recursos do SUS e lavagem de capitais entre janeiro/2017 e agosto/2018. Crimes imputados: art. 90 da Lei nº 8.666/1993, art. 312 do CP, art. 1º, § 1º da Lei nº 12.850/2013 e art. 1º da Lei nº 9.613/1998. Questão em discussão: definição da competência diante da participação de Secretários de Estado com prerrogativa de foro perante o TRF da 1ª Região, conforme art. 133, II, a, da Constituição do Amapá e nova orientação do STF no HC 232.627/DF (Plenário, j. 12.03.2025). Fundamentação: 3.1 Crimes praticados durante o exercício do cargo e em razão das funções. 3.2 HC 232.627/DF fixou que o foro persiste após o afastamento do agente. 3.3 Súmulas 208 e 702 do STJ confirmam a competência da Justiça Federal e do tribunal de segundo grau. 3.4 Precedente TRF3 (HC 0011878-43.2013.4.03.0000) determina que o tribunal competente decide sobre eventual desmembramento. Dispositivo: competência declinada. Autos remetidos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ministério Público Federal intimado. Prazo de cinco dias. Tese de julgamento: “1. A prerrogativa de foro para crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste após o afastamento, conforme HC 232.627/DF. 2. Identificada autoridade com foro, cabe ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região processar e julgar a ação penal e decidir sobre eventual desmembramento.” DECISÃO Chamo o feito à ordem. Trata-se de denúncia (ID. 1355211785) ofertada em face de ADRIANO JOSÉ SILVA NOGUEIRA LIMA, ANA LÚCIA BATISTA CORRÊA, JOELSON PIMENTEL DOS SANTOS e PRISCYLLA GEMAQUE MATOS, pela suposta prática dos crimes previstos no art. 90 da Lei nº 8.666/93, art. 312 do Código Penal, art. 1º, §1º da Lei nº 12.850/2013, art. 1º da Lei nº 9.613/98, de GASTÃO VALENTE CALANDRINI DE AZEVEDO, LEA DO SOCORRO FRANCO SILVA e MARCELO DIAS, pela suposta prática dos crimes previstos no art. 90 da Lei nº 8.666/93 e art. 312 do Código Penal, e de JOÃO BITTENCOURT DA SILVA, pela suposta prática do crime previsto no art. 312 do Código Penal, haja vista a fraude ocorrida no Pregão Eletrônico nº 16/2017, que resultou em desvio de recursos públicos por sobrepreço na contratação, com posterior lavagem desses recursos. Conforme a peça acusatória, Adriano José Silva Nogueira Lima, Ana Lúcia Batista Corrêa, Gastão Valente Calandrini de Azevedo, João Bittencourt da Silva, Joelson Pimentel dos Santos, Priscylla Gemaque Matos, Lea do Socorro Franco Silva e Marcelo Dias teriam, entre janeiro de 2017 e agosto de 2018, unido esforços para fraudar o Pregão Eletrônico n.º 16/2017-CPL/SESA, manipulando cotações de preços, repartindo previamente os lotes e frustrando a competitividade, a fim de direcionar a contratação das empresas JOELSON PIMENTEL DOS SANTOS-ME (PRIMO JOSÉ ALIMENTAÇÃO COLETIVA), CNPJ nº 00.477.520/0001-90 e NUTRI & SERVICE ALIMENTOS EIRELI, CNPJ nº 10.226.181/0001-22. Em consequência, teriam apropriado e desviado vultosos recursos do SUS e, para ocultar a proveniência ilícita dos valores, procedido à lavagem de capitais. Destaca-se, com especial gravidade, a atuação dos então Secretários de Estado da Saúde. Segundo a denúncia, o primeiro gestor, Gastão Valente Calandrini de Azevedo, embora alertado pela Controladoria-Geral e pela Procuradoria-Geral do Estado sobre vícios insanáveis e sobrepreço, autorizou a abertura da licitação, homologou-a e celebrou os contratos superfaturados, providências sem as quais o esquema não prosperaria. Já o seu sucessor, João Bittencourt da Silva, prorrogou os Contratos n. 004/2018 e 006/2018 sem prévio parecer jurídico, mantendo os termos e valores inflados a despeito das irregularidades apontadas, assegurando a continuidade dos pagamentos indevidos e, por conseguinte, a perpetuação do desvio de verbas públicas, conforme relatado pelo MPF. Contudo, vejo que a presente Ação Penal tramita neste juízo de primeiro grau, tendo como réu autoridades que, à época dos fatos, exerciam cargo com prerrogativa de foro perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Secretários de Estado), consoante art. 133, II, a, da Constituição Estadual do Amapá e súmula 208 e 702 do STJ, por equiparação: Art. 133. Compete privativamente ao Tribunal de Justiça, além das competências elencadas no inciso I do art. 96 da Constituição Federal: II - processar e julgar, originariamente: a) o Vice-Governador, os Secretários de Estado, ressalvado o disposto no art. 95, XI, a, os Juízes Estaduais e os membros do Ministério Público, ressalvado o disposto no art. 95, XI, b, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os Prefeitos nos crimes comuns, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; Súmula 208 STJ. Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal. Súmula 702 STJ. A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Penal 937 QO/RJ, em 03/05/2018, firmou a tese de que (i) o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas, e (ii) após o encerramento da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência não mais se manteria em razão de o agente público ocupar ou deixar de ocupar o cargo, por qualquer motivo. Contudo, o Plenário do STF, em recente julgamento no Habeas Corpus nº 232.627/DF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em sessão realizada em 12/03/2025, alterou parcialmente o entendimento antes fixado, superando o item (ii) da tese anteriormente firmada e consignou a aplicação imediata deste novo entendimento. Vejamos: O Tribunal, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus para reconhecer a competência desta Corte para processar e julgar a ação penal 1033998-13.2020.4.01.3900, com a fixação da seguinte tese: “a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”, com aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na jurisprudência anterior. A ressalva segue a mesma fórmula utilizada nas questões de ordem suscitadas no Inq. 687, Rel. Min. Sydney Sanches, e na AP 937, Rel. Min. Roberto Barroso. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. O Ministro Flávio Dino acompanhou o Relator, efetuando um complemento à tese. Plenário, Sessão Virtual de 28.2.2025 a 11.3.2025. Nesta senda, conforme o novo entendimento, subsiste a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções, mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados posteriormente ao término do exercício funcional. No caso em exame, os fatos imputados aos acusados ocorreram durante o exercício de função que confere prerrogativa de foro perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, e guardam relação direta com as atribuições do cargo então ocupado. Ainda que os réus tenham deixado o cargo, nos termos da novel orientação jurisprudencial, a competência permanece atribuída à Corte Regional. Ademais, sendo constatada a presença de autoridade com foro por prerrogativa de função, cabe exclusivamente ao órgão judiciário de hierarquia superior a avaliação sobre a conveniência e oportunidade quanto ao eventual desmembramento do feito com relação a eventuais investigados sem prerrogativa. Trata-se de entendimento já consolidado, a exemplo do que decidiu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região no julgamento do HC 0011878-43.2013.4.03.0000, no qual se assentou que: HC 0011878-43.2013.4.03.0000 – TRF3 – Primeira Turma – Rel. Juiz Convocado Márcio Mesquita – e-DJF3 Judicial 1, 29/11/2013: “8. Constatada a presença de conversas relacionadas a pessoas detentoras de foro privilegiado, de conteúdo criminoso, em tese, não caberia ao Juízo de primeiro grau a continuidade da presidência da investigação, tampouco a autorização de medidas relativas a ela, como a prorrogação de interceptação telefônica. 9. Tampouco caberia ao Juízo impetrado acolher o desmembramento do feito, promovido de maneira indireta pelo Procurador da República de Jales/SP, ao oferecer a denúncia apenas contra os investigados sem prerrogativa de foro, e remeter à Procuradoria Regional cópia do procedimento para investigação das pessoas com prerrogativa de foro. 10. Tal manobra não poderia ter sido efetuada, dado que o envolvimento das pessoas com prerrogativa de foro nas investigações era da ciência do MPF de Jales/SP e do Juízo impetrado. Seria de rigor a remessa pela autoridade judiciária de nível hierárquico inferior à autoridade judiciária de nível hierárquico superior dos autos do inquérito e todos os seus incidentes, sendo descabido o desmembramento indireto do feito mediante oferecimento de denúncia contra as pessoas sem prerrogativa de foro e a remessa de peças para continuidade das investigações com relação às autoridades com esta prerrogativa. 11. Cabe ao órgão judiciário de hierarquia superior o juízo de conveniência e oportunidade quanto à eventual desmembramento do feito com relação às pessoas sem prerrogativa de foro.” Assim, diante da existência de autoridade com foro por prerrogativa de função, bem como do entendimento consolidado de que a competência para decidir sobre o eventual desmembramento do feito é do Tribunal de segundo grau, impõe-se o declínio de competência para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ante ao exposto, declino da competência e determino a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos termos do decidido no HC 232.627/DF, observando-se o atual entendimento consolidado pelo Plenário daquela Corte. Intimem-se o MPF. Prazo: 05 (cinco) dias. Macapá/AP, data da assinatura eletrônica. PEDRO H. CAVALCANTI BRINDEIRO Juiz Federal Substituto da 4ª Vara Federal da SJAP
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Tribunal: TRF1 | Data: 01/07/2025Tipo: IntimaçãoTribunal Regional Federal da 1ª Região 3ª Seção INTIMAÇÃO VIA DIÁRIO ELETRÔNICO PROCESSO: 1041613-46.2022.4.01.0000 CLASSE: AÇÃO RESCISÓRIA (47) POLO ATIVO: CLEISON CARVALHO LOBATO REPRESENTANTES POLO ATIVO: CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A e HERINCK SANTOS DE SOUZA - AP2840-A POLO PASSIVO:MARA ROSANA DE CARVALHO MORAIS e outros Destinatários: CLEISON CARVALHO LOBATO HERINCK SANTOS DE SOUZA - (OAB: AP2840-A) CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - (OAB: AP152-A) FINALIDADE: Intimar a(s) parte(s) indicadas acerca do(a) ato ordinatório / despacho / decisão / sentença proferido(a) nos autos do processo em epígrafe. OBSERVAÇÃO: Quando da resposta a este expediente, deve ser selecionada a intimação a que ela se refere no campo “Marque os expedientes que pretende responder com esta petição”, sob pena de o sistema não vincular a petição de resposta à intimação, com o consequente lançamento de decurso de prazo. Para maiores informações, favor consultar o Manual do PJe para Advogados e Procuradores em http://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/processual/processo-judicial-eletronico/pje/tutoriais. BRASÍLIA, 30 de junho de 2025. (assinado digitalmente) Gab. 13 - DESEMBARGADOR FEDERAL EDUARDO MARTINS
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Tribunal: TRF1 | Data: 01/07/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A RELATOR(A):MARIA DO CARMO CARDOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (doc. 2146349056) contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá (doc. 427705629), que declinou da competência para processamento e julgamento da ação penal à Justiça Estadual do Amapá. Nas razões do recurso (doc. 427705631), o MPF pleiteia a reforma da decisão para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes descritos na denúncia. Sustenta que os fatos narrados evidenciam a violação de serviços e interesses da União, revelando a existência de um grupo criminoso engajado na prática de crimes ambientais e crimes contra a Administração Pública, envolvendo madeireiros e servidores públicos, inclusive do IBAMA. Contrarrazões apresentadas pelas defesas, manifestando-se pelo não provimento do recurso criminal: Vanderley Santos de Almeida (doc. 427705635), Wellinson Maximin de Souza Severino (doc. 427705636), Kleber Machado Lobo e Walter Assunção Silva (doc. 427705637), Antônio Lúcio da Silva Oliveira (doc. 427705638), José Ricardo e Silva Vaz (doc. 429532894), Witiney Cerqueira da Silva (doc. 430683204), Nielson Silva de Souza e Cristóvão Nascimento de Carvalho, ambos assistidos pela DPU (doc. 431145373). Cumprida a formalidade prevista no art. 589 do CPP (doc. 427705639). Nessa instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento do recurso em sentido estrito (doc. 432506104). É o relatório. Encaminhem-se os autos ao revisor. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): No caso dos autos, a denúncia versa sobre a prática dos crimes descritos nos arts. 288, 317, 321, 325, todos do CP, bem como do art. 69 da Lei 9.605/1998 e foi recebida em 09/04/2021, pelo Juiz Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá, ocasião em que, expressamente, o magistrado reconheceu a competência da Justiça Federal, com fundamento na conexão instrumental entre os crimes (doc. 427705235). Após respostas à acusação, o magistrado ratificou o posicionamento, rejeitando a preliminar de incompetência da JF (doc. 427705333). No entanto, novo magistrado divergiu no entendimento e declinou a competência do julgamento da causa para a justiça estadual, com os seguintes fundamentos (doc. 427705629): (...) Nesse contexto, a presente ação penal é desdobramento da denominada operação "Usurpação", vinculada ao IPL nº 1005423-67.2020.4.01.3100, que apurava a prática de diversos crimes (associação criminosa, falsidade ideológica, etc.) contra o poder público ambiental, notadamente a manipulação criminosa no sistema DOF realizadas pelas empresas madeireiras (Id. 2136440468, folha 02). Segundo consta no referido IPL mencionado acima, a investigação concentrava-se em possível movimentação suspeita envolvendo as empresas JUAREZ GOMES ME e FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI ME em relação a emissão fraudulenta de guias no sistema DOF, visando acobertar o transporte ilegal de madeira em tora localizado na zona rural do município de Tartarugalzinho/AP (IPL 1005423-67.2020.4.01.3100, Id. 285389378, folha 04). Na ocasião, foi apreendido o aparelho telefônico de WITNEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI, dando origem aos Laudos nº 356/2020 e 358/2020SETEC/SR/AP, bem como a elaboração do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 664425/2021-SR/PF/AP, que ensejou a instauração de um novo inquérito policial, no qual se baseia a presente ação penal, bem como a Cautelar nº 1003492-92.2021.4.01.3100 (Id. 2136440468, folha 02). Nesse contexto, a partir da análise do aparelho celular de WITINEY, foi constatado que, de acordo com a investigação, servidores públicos federais e estaduais, lotados no IBAMA e SEMA, valendo-se do cargo que ocupavam, participaram de esquema de corrupção, com atuação ativa em fraudes em processos da SEMA e IBAMA culminando com a inserção de dados falsos no Sistema DOF. No caso concreto, pelos elementos de prova e pela narrativa contida na peça acusatória, observa-se que o caso em tela tem relação direta com a inserção de dados no Sistema DOF. Cumpre mencionar que o Sistema de Documento de Origem Floresta (Sistema DOF) integra o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - SINAFLOR, gerido pelo IBAMA - Instrução Normativa IBAMA nº 21, de 24/12/2014. Compulsando os autos, tem-se que não foi narrado na peça acusatória nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF. Nesse sentido: "A inserção de dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União ou órgão federal” (STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2023). Ainda, “O fato de a emissão e o controle do Documento de Origem Florestal (DOF) recaírem sobre o IBAMA, por si só, não pode significar que qualquer prática que envolva a inserção de dados no sistema da autarquia federal contenha elemento suficiente para caracterizar interesse da União ou da própria autarquia, uma vez que a proteção ao meio ambiente é de competência comum. Precedentes STJ e do TRF-1.” 3. Recurso não provido (TRF1. DÉCIMA TURMA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 1019018-52.2020.4.01.4000. Relator JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), data da publicação: 08/08/2023). É a hipótese dos autos. Embora a emissão e o controle do DOF recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema desta autarquia que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia, valendo destacar que o sistema DOF, no caso concreto, foi utilizado como meio para prática das condutas delituosas, sem ocorrência de lesão efetiva em desfavor da União. (...) Ademais, não ficou demonstrado na denúncia que as supostas irregularidades cometidas no sistema DOF objetivando a exploração de madeira ilegal ocorreram em área de interesse da União. Pelo contrário, as investigações apontam para extração em área de domínio do Estado do Amapá, o que afasta a competência da Justiça Federal. (...) Mesmo em relação aos servidores do IBAMA/AP (ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA), não ficou demonstrado de forma concreta que os crimes praticados, em tese, ofendeu bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas, pois não ficou caracterizado nos diálogos envolvendo os réus e WITINEY que o suposto pagamento de propina dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais de interesse federal e/ou mesmo que os réus estavam atuando como representantes de órgão federal, a justificar a competência da Justiça Federal (...) O MPF sustenta que o caso em análise se ajusta ao teor do art. 109, IV, da CF/1988, que dispõe competir aos juízes federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços, ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, e pretende a reforma da decisão supracitada. A decisão recorrida não esgotou a análise dos fatos narrados na denúncia (doc. 427705233): WITINEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela empresa FEIREINSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI (CNPJ 28.072.855.0001-47), de forma consciente e voluntária, constituiu associação criminosa com os servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá – SEMA JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, NIELSON SILVA DE SOUZA, WELLINSON MAXIMIN DE SOUZA SEVERINO e CRISTÓVÃO NASCIMENTO DE CARVALHO, e com os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA, objetivando a prática de crimes contra a administração pública, contra a fé pública e contra o meio ambiente, conforme constam nos diálogos, via aplicativo Whatsapp, que integram o Relatório de Análise de Material Apreendido Nº 664425/2021 – SR-PF/AP. A peça acusatória individualiza a conduta de cada acusado e demonstra os dias e as circunstâncias em que os servidores públicos da SEMA e do IBAMA solicitavam e recebiam vantagem para liberação de processos florestais, documentos e autorizações indevidas, bem como corroboravam para obstar e dificultar a fiscalização do órgão ambiental. Witiney, vulgo Baiano, era o intermediador das negociações entre os madeireiros e os servidores públicos, inclusive vinculados à autarquia federal IBAMA: Antônio Lúcio, Kleber Machado, Walter Assunção, Vanderley Santos da Silva. Merecem destaque os seguintes trechos da denúncia: (...) No dia 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, servidor do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado junto com “Orlando” para a prática de crimes, bem como obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. A conversa do “Chat nº 105”, demonstra que, na referida data, ANTÔNIO LÚCIO e WITINEY combinam de se encontrar, declinando as localidades onde estavam, tendo o servidor do IBAMA descrito o seu roteiro de atuação para WITINEY, delineado pela investigação da seguinte forma: (...) Posteriormente, ANTÔNIO LÚCIO solicita a WITINEY o pagamento/entrega de uma “carne”: “Baiano cadê aquela carne”, sendo que as mensagens são enviadas por áudio e demonstram que WITINEY comprometeu-se, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização a repassar para o servidor ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne). Ademais, constatou-se que o pagamento da propina era destinada para ANTÔNIO LÚCIO e outra pessoa, conforme apontou a perícia: (...) No dia 16/09/2019, JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, servidor público federal, lotado no IMAP (órgão extinto que foi integrado à SEMA), em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Segundo o “chat nº 168”, conversas entre WITINEY e JOSÉ RICARDO, datada de 16/09/2019, que o servidor público pediu dinheiro “emprestado” (propina) para WITINEY, no valor de R$1.000,00 (mil reais), indicando um certo grau de intimidade na relação entre eles, visto que a demanda por dinheiro é explícita e direta, demonstrando mais uma vez a influência que WITINEY tinha sobre servidores que laboravam em órgãos e entidades de proteção ambiental. (...) No dia 27/08/2019, KLEBER MACHADO LOBO, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Conforme consta no “CHAT nº 203”, em 27/08/2019, WITINEY inicia conversa com KLEBER, e abertamente este solicita vantagem ilícita ao particular, sob promessa de o recompensar em momento futuro: “dar uma força a mais pro amigo”; “Te recompenso depois”; “Boa noite meu velho”. Tais mensagens demonstram, mais uma vez, o poder e a influência que WITINEY tinha sobre os servidores que atuavam na proteção do meio ambiente, justamente nos cargos públicos que interessavam ao particular (trâmite processual e fiscalização ambiental), pedindo favores pessoais e prometendo uma recompensa futura ou oferecendo vantagens indevidas (propinas), travestidas de expressões: “dar uma força”, “empréstimos”, “encomenda”, “panetone”, etc. (...) No dia 22/10/2019, WITINEY envia para CRISTÓVÃO uma lista de nomes de pessoas cujos projetos estão com NIELSON, a saber: Antônio Martins Sales, Clodomir Cardoso Vieira, Fábio do Canaã, e o nome de uma pessoa (Maria Madalena Penha da Silva) cujo projeto estaria com Gilson e, logo em seguida, WITINEY socilita de CRISTÓVÃO uma posição e, no mesmo dia, CRISTÓVÃO responde ao particular, afirmando que falou com NIELSON, informando que este teria se comprometido em atender o solicitado após o depósito de parte do dinheiro, tendo WITINEY respondido o seguinte: “Tá fechado o compromisso”. (...) Assim, verifica-se que era comum a prática de pagamento de propina por WITINEY ao grupo de servidores públicos que integravam o consórcio criminoso, variando de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 1.000,00 (mil reais), para que dessem agilidade na movimentação processual da lista de processos enviados por WITINEY. Já VANDERLEY SANTOS DA SILVA, servidor do IBAMA, que estava associado junto com WALTER e WITINEY, para a prática de crimes, No dia 18/082019, obstou ou dificultou ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. Uma conversa entre WITINEY e VANDERLEY consta no “Chat nº 374”, na qual se verifica que o referido servidor do IBAMA informa que estava aguardando WITINEY em determinado local, ao que tudo indica já marcado em outro momento, tendo em vista que VANDERLEY afirma: “Estamos aqui”; “Cadê você?” e chama atenção a data em que a conversa foi realizada, no dia 18/08/2019, e o horário, às 00h04, uma vez que VANDERLEY, nesta época, encontrava-se em viagem de fiscalização ambiental, conforme informações coletadas pela investigação, para: “DAR CONTINUIDADE NAS AÇÕES FISCALIZATÓRIAS REFERENTES AOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS, MPF, JF E DEMAIS DEMANDAS”. Nesta senda, conhecendo o modus operandi do consórcio criminoso capitaneado por WITINEY e integrado por servidores do IBAMA e da SEMA, vislumbra-se que VANDERLEY também integra a associação criminosa, visto que não é crível que o agente fiscalizador e o fiscalizado encontram-se, em período em que VANDERLEY estava de serviço para tratar de interesses que não sejam criminosos. (...) No dia 11/06/2019, WALTER ASSUNÇÃO SILVA, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente ou indiretamente, de WITINEY, a quem estava associado junto VANDERLEY para a prática de crimes. Ademais, WALTER revelou fato de que tinha ciência em razão do cargo e que devia permanecer em segredo, bem como patrocinou interesse privado perante a administração pública e obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. (...) A conversa entre WALTER (Walter Iba Oi) e WITINEY continua no dia seguinte (12/06/2019), após a meia-noite, 00h04 até 00h14 e, a pedido de WITINEY, WALTER orienta como determinada pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, provavelmente para evitar alguma autuação, ocasião em que WALTER informa que falará com outro servidor para que ele mascare um mapa, tudo em comum acordo com WITINEY, que promete realizar posterior pagamento de propina (“depois a gente ajeita”). Destaco o teor da conversa: (...) Em 05/12/2019, WALTER e WITINEY voltam a dialogar, ocasião em que o servidor do IBAMA alerta WITINEY sobre uma fiscalização que o IBAMA estaria realizando naqueles dias e ainda se desculpa por não ter conseguido avisá-lo antes: (...) No “Chat nº 105”, consta que, em 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO (servidor do IBAMA) e WITINEY combinam de se encontrar e fazem um acerto: WITINEY prometeu, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização ambiental, a repassar para ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne), que seriam divididos entre este e outro servidor, conforme se depreende do áudio enviado por WITINEY ao referido servidor público: “aí tô lascado...botar 200 conto para cada aí, pelo amor de deus, eu tenho que pagar, não é de graça não...400 conto é meio boi...” (...) Por sua vez, no “chat 390”, consta que na conversa, datada de 12/06/2019, entre WITINEY e WALTER ASSUNÇÃO, servidor do IBAMA, este orienta como certa pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, objetivando para evitar alguma autuação, tendo WALTER se comprometido a falar com outro servidor para que ele “mascare um mapa”, com o fim de beneficiar os interesses de WITINEY, o qual prometeu realizar posterior acerto de contas, ao afirmar: “depois a gente ajeita”, isto é, prometeu vantagem indevida a servidor público, que foi efetivada no dia posterior (13/06/2019), conforme apontado nas conversas do “chat 390”, acima detalhado. A partir da análise do “Chat nº 608”, verificou-se conversa entre WITINEY e Juarez Gomes, em 25/07/2018, na qual Juarez, um dos investigados na Operação “Usurpação”, é alertado sobre a iminência de fiscalização do IBAMA em suas propriedades por WITINEY, o que demonstra que este possui informações privilegiadas por integrar uma associação criminosa com servidores públicos do IBAMA, o que lhe permite burlar a fiscalização realizada por agentes daquela autarquia que não integravam o esquema criminoso, conforme demonstrou a perícia nos áudios analisados: (...) Assim, verifica que WITINEY mantém relação espúria e constituiu uma associação criminosa com servidores públicos que recebiam vantagens indevidas para repassar aos madeireiros informações sobre fiscalizações ambientais (itinerários e como deviam proceder quando flagrados em irregularidades) e beneficiá-los, agilizando o trâmite dos procedimentos administrativos na SEMA (antigo IMAP) e no IBAMA e demais pedidos que não encontram amparo legal, tal como “mascarar mapa” (vide “chat nº 390”). (...) Em atenção aos fundamentos da decisão recorrida, cumpre observar que a denúncia sequer registra a extração ilegal de madeira ou que isso tenha ocorrido em área de domínio estadual, tampouco resume sua narrativa a fraudes na manipulação do Sistema DOF (documento de origem florestal), gerido pelo ente federal (IBAMA), para acobertar transporte ilegal de madeira no Estado do Amapá. Ao caso em análise, não se aplicam os precedentes do STJ (AgRg no CC 193.250/GO e CC 133.475/AP) citados pelo juízo, tampouco a decisão proferida por este Tribunal (RESE 1019018-52.2020.4.0.40000, relatoria do juiz federal convocado Marllon Sousa, PJe 08/08/2023), uma vez que o fato narrado na denúncia, como visto, não se limita à emissão e controle de DOF, sendo mais amplo e abarcando crimes que afetam diretamente os interesses do órgão federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é consolidada no sentido de que a ausência de interesse direto e específico da União afasta a competência da Justiça Federal para o julgamento de ação penal decorrente da prática de crime ambiental. Acrescenta que a definição da competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. (Recurso Extraordinário: 1492915 RO, relator ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe-s/n divulg. 29/11/2024, publicado em 02/12/2024). Nestes autos, o MPF descreveu, detalhadamente, crimes de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente o interesse da autarquia federal. Ainda, demonstrou que Witiney Cerqueira da Silva era o elo entre os servidores e os madeireiros. Logo, há conexão entre os crimes perpetrados pelos funcionários públicos federais, no exercício da função pública e em detrimento dos interesses da autarquia federal, com os crimes perpetrados pelos servidores públicos estaduais, no mesmo contexto, todos vinculados às negociações intermediadas por Witiney Cerqueira da Silva. Comporta aplicação das Súmulas 122 e 147 do STJ: Súmula 122 STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Súmula 147 do STJ estabelece o seguinte: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. São os mesmos elementos de prova que respaldam a acusação, diante da prática dos crimes federais pelos servidores do IBAMA e dos crimes imputados aos servidores da SEMA, o que justifica a conexão e o processamento do feito na Justiça Federal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para declarar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988, com retorno dos autos ao Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO. OBSTAR E DIFICULTAR FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS CRIMES. SEMA E IBAMA. AFETADO DIRETAMENTE INTERESSE DA AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. STJ, SÚMULAS 122 E 147. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. Compete à Justiça Federal processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de serviços ou interesses de entidades autárquicas federal, consoante art. 109, IV, da CF/1988. O STF definiu que a competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. Precedente. O MPF descreveu, detalhadamente, crime de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente serviço e interesse da autarquia federal. Compete à Justiça Federal o julgamento de crimes praticados em detrimento dos interesses e serviços do IBAMA, autarquia federal, bem como dos crimes conexos. Aplicada Súmula 122 do STJ: compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Aplicada a Súmula 147 do STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto da relatora. Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso Relatora
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Tribunal: TRF1 | Data: 01/07/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A RELATOR(A):MARIA DO CARMO CARDOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (doc. 2146349056) contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá (doc. 427705629), que declinou da competência para processamento e julgamento da ação penal à Justiça Estadual do Amapá. Nas razões do recurso (doc. 427705631), o MPF pleiteia a reforma da decisão para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes descritos na denúncia. Sustenta que os fatos narrados evidenciam a violação de serviços e interesses da União, revelando a existência de um grupo criminoso engajado na prática de crimes ambientais e crimes contra a Administração Pública, envolvendo madeireiros e servidores públicos, inclusive do IBAMA. Contrarrazões apresentadas pelas defesas, manifestando-se pelo não provimento do recurso criminal: Vanderley Santos de Almeida (doc. 427705635), Wellinson Maximin de Souza Severino (doc. 427705636), Kleber Machado Lobo e Walter Assunção Silva (doc. 427705637), Antônio Lúcio da Silva Oliveira (doc. 427705638), José Ricardo e Silva Vaz (doc. 429532894), Witiney Cerqueira da Silva (doc. 430683204), Nielson Silva de Souza e Cristóvão Nascimento de Carvalho, ambos assistidos pela DPU (doc. 431145373). Cumprida a formalidade prevista no art. 589 do CPP (doc. 427705639). Nessa instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento do recurso em sentido estrito (doc. 432506104). É o relatório. Encaminhem-se os autos ao revisor. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): No caso dos autos, a denúncia versa sobre a prática dos crimes descritos nos arts. 288, 317, 321, 325, todos do CP, bem como do art. 69 da Lei 9.605/1998 e foi recebida em 09/04/2021, pelo Juiz Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá, ocasião em que, expressamente, o magistrado reconheceu a competência da Justiça Federal, com fundamento na conexão instrumental entre os crimes (doc. 427705235). Após respostas à acusação, o magistrado ratificou o posicionamento, rejeitando a preliminar de incompetência da JF (doc. 427705333). No entanto, novo magistrado divergiu no entendimento e declinou a competência do julgamento da causa para a justiça estadual, com os seguintes fundamentos (doc. 427705629): (...) Nesse contexto, a presente ação penal é desdobramento da denominada operação "Usurpação", vinculada ao IPL nº 1005423-67.2020.4.01.3100, que apurava a prática de diversos crimes (associação criminosa, falsidade ideológica, etc.) contra o poder público ambiental, notadamente a manipulação criminosa no sistema DOF realizadas pelas empresas madeireiras (Id. 2136440468, folha 02). Segundo consta no referido IPL mencionado acima, a investigação concentrava-se em possível movimentação suspeita envolvendo as empresas JUAREZ GOMES ME e FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI ME em relação a emissão fraudulenta de guias no sistema DOF, visando acobertar o transporte ilegal de madeira em tora localizado na zona rural do município de Tartarugalzinho/AP (IPL 1005423-67.2020.4.01.3100, Id. 285389378, folha 04). Na ocasião, foi apreendido o aparelho telefônico de WITNEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI, dando origem aos Laudos nº 356/2020 e 358/2020SETEC/SR/AP, bem como a elaboração do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 664425/2021-SR/PF/AP, que ensejou a instauração de um novo inquérito policial, no qual se baseia a presente ação penal, bem como a Cautelar nº 1003492-92.2021.4.01.3100 (Id. 2136440468, folha 02). Nesse contexto, a partir da análise do aparelho celular de WITINEY, foi constatado que, de acordo com a investigação, servidores públicos federais e estaduais, lotados no IBAMA e SEMA, valendo-se do cargo que ocupavam, participaram de esquema de corrupção, com atuação ativa em fraudes em processos da SEMA e IBAMA culminando com a inserção de dados falsos no Sistema DOF. No caso concreto, pelos elementos de prova e pela narrativa contida na peça acusatória, observa-se que o caso em tela tem relação direta com a inserção de dados no Sistema DOF. Cumpre mencionar que o Sistema de Documento de Origem Floresta (Sistema DOF) integra o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - SINAFLOR, gerido pelo IBAMA - Instrução Normativa IBAMA nº 21, de 24/12/2014. Compulsando os autos, tem-se que não foi narrado na peça acusatória nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF. Nesse sentido: "A inserção de dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União ou órgão federal” (STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2023). Ainda, “O fato de a emissão e o controle do Documento de Origem Florestal (DOF) recaírem sobre o IBAMA, por si só, não pode significar que qualquer prática que envolva a inserção de dados no sistema da autarquia federal contenha elemento suficiente para caracterizar interesse da União ou da própria autarquia, uma vez que a proteção ao meio ambiente é de competência comum. Precedentes STJ e do TRF-1.” 3. Recurso não provido (TRF1. DÉCIMA TURMA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 1019018-52.2020.4.01.4000. Relator JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), data da publicação: 08/08/2023). É a hipótese dos autos. Embora a emissão e o controle do DOF recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema desta autarquia que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia, valendo destacar que o sistema DOF, no caso concreto, foi utilizado como meio para prática das condutas delituosas, sem ocorrência de lesão efetiva em desfavor da União. (...) Ademais, não ficou demonstrado na denúncia que as supostas irregularidades cometidas no sistema DOF objetivando a exploração de madeira ilegal ocorreram em área de interesse da União. Pelo contrário, as investigações apontam para extração em área de domínio do Estado do Amapá, o que afasta a competência da Justiça Federal. (...) Mesmo em relação aos servidores do IBAMA/AP (ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA), não ficou demonstrado de forma concreta que os crimes praticados, em tese, ofendeu bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas, pois não ficou caracterizado nos diálogos envolvendo os réus e WITINEY que o suposto pagamento de propina dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais de interesse federal e/ou mesmo que os réus estavam atuando como representantes de órgão federal, a justificar a competência da Justiça Federal (...) O MPF sustenta que o caso em análise se ajusta ao teor do art. 109, IV, da CF/1988, que dispõe competir aos juízes federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços, ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, e pretende a reforma da decisão supracitada. A decisão recorrida não esgotou a análise dos fatos narrados na denúncia (doc. 427705233): WITINEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela empresa FEIREINSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI (CNPJ 28.072.855.0001-47), de forma consciente e voluntária, constituiu associação criminosa com os servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá – SEMA JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, NIELSON SILVA DE SOUZA, WELLINSON MAXIMIN DE SOUZA SEVERINO e CRISTÓVÃO NASCIMENTO DE CARVALHO, e com os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA, objetivando a prática de crimes contra a administração pública, contra a fé pública e contra o meio ambiente, conforme constam nos diálogos, via aplicativo Whatsapp, que integram o Relatório de Análise de Material Apreendido Nº 664425/2021 – SR-PF/AP. A peça acusatória individualiza a conduta de cada acusado e demonstra os dias e as circunstâncias em que os servidores públicos da SEMA e do IBAMA solicitavam e recebiam vantagem para liberação de processos florestais, documentos e autorizações indevidas, bem como corroboravam para obstar e dificultar a fiscalização do órgão ambiental. Witiney, vulgo Baiano, era o intermediador das negociações entre os madeireiros e os servidores públicos, inclusive vinculados à autarquia federal IBAMA: Antônio Lúcio, Kleber Machado, Walter Assunção, Vanderley Santos da Silva. Merecem destaque os seguintes trechos da denúncia: (...) No dia 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, servidor do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado junto com “Orlando” para a prática de crimes, bem como obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. A conversa do “Chat nº 105”, demonstra que, na referida data, ANTÔNIO LÚCIO e WITINEY combinam de se encontrar, declinando as localidades onde estavam, tendo o servidor do IBAMA descrito o seu roteiro de atuação para WITINEY, delineado pela investigação da seguinte forma: (...) Posteriormente, ANTÔNIO LÚCIO solicita a WITINEY o pagamento/entrega de uma “carne”: “Baiano cadê aquela carne”, sendo que as mensagens são enviadas por áudio e demonstram que WITINEY comprometeu-se, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização a repassar para o servidor ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne). Ademais, constatou-se que o pagamento da propina era destinada para ANTÔNIO LÚCIO e outra pessoa, conforme apontou a perícia: (...) No dia 16/09/2019, JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, servidor público federal, lotado no IMAP (órgão extinto que foi integrado à SEMA), em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Segundo o “chat nº 168”, conversas entre WITINEY e JOSÉ RICARDO, datada de 16/09/2019, que o servidor público pediu dinheiro “emprestado” (propina) para WITINEY, no valor de R$1.000,00 (mil reais), indicando um certo grau de intimidade na relação entre eles, visto que a demanda por dinheiro é explícita e direta, demonstrando mais uma vez a influência que WITINEY tinha sobre servidores que laboravam em órgãos e entidades de proteção ambiental. (...) No dia 27/08/2019, KLEBER MACHADO LOBO, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Conforme consta no “CHAT nº 203”, em 27/08/2019, WITINEY inicia conversa com KLEBER, e abertamente este solicita vantagem ilícita ao particular, sob promessa de o recompensar em momento futuro: “dar uma força a mais pro amigo”; “Te recompenso depois”; “Boa noite meu velho”. Tais mensagens demonstram, mais uma vez, o poder e a influência que WITINEY tinha sobre os servidores que atuavam na proteção do meio ambiente, justamente nos cargos públicos que interessavam ao particular (trâmite processual e fiscalização ambiental), pedindo favores pessoais e prometendo uma recompensa futura ou oferecendo vantagens indevidas (propinas), travestidas de expressões: “dar uma força”, “empréstimos”, “encomenda”, “panetone”, etc. (...) No dia 22/10/2019, WITINEY envia para CRISTÓVÃO uma lista de nomes de pessoas cujos projetos estão com NIELSON, a saber: Antônio Martins Sales, Clodomir Cardoso Vieira, Fábio do Canaã, e o nome de uma pessoa (Maria Madalena Penha da Silva) cujo projeto estaria com Gilson e, logo em seguida, WITINEY socilita de CRISTÓVÃO uma posição e, no mesmo dia, CRISTÓVÃO responde ao particular, afirmando que falou com NIELSON, informando que este teria se comprometido em atender o solicitado após o depósito de parte do dinheiro, tendo WITINEY respondido o seguinte: “Tá fechado o compromisso”. (...) Assim, verifica-se que era comum a prática de pagamento de propina por WITINEY ao grupo de servidores públicos que integravam o consórcio criminoso, variando de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 1.000,00 (mil reais), para que dessem agilidade na movimentação processual da lista de processos enviados por WITINEY. Já VANDERLEY SANTOS DA SILVA, servidor do IBAMA, que estava associado junto com WALTER e WITINEY, para a prática de crimes, No dia 18/082019, obstou ou dificultou ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. Uma conversa entre WITINEY e VANDERLEY consta no “Chat nº 374”, na qual se verifica que o referido servidor do IBAMA informa que estava aguardando WITINEY em determinado local, ao que tudo indica já marcado em outro momento, tendo em vista que VANDERLEY afirma: “Estamos aqui”; “Cadê você?” e chama atenção a data em que a conversa foi realizada, no dia 18/08/2019, e o horário, às 00h04, uma vez que VANDERLEY, nesta época, encontrava-se em viagem de fiscalização ambiental, conforme informações coletadas pela investigação, para: “DAR CONTINUIDADE NAS AÇÕES FISCALIZATÓRIAS REFERENTES AOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS, MPF, JF E DEMAIS DEMANDAS”. Nesta senda, conhecendo o modus operandi do consórcio criminoso capitaneado por WITINEY e integrado por servidores do IBAMA e da SEMA, vislumbra-se que VANDERLEY também integra a associação criminosa, visto que não é crível que o agente fiscalizador e o fiscalizado encontram-se, em período em que VANDERLEY estava de serviço para tratar de interesses que não sejam criminosos. (...) No dia 11/06/2019, WALTER ASSUNÇÃO SILVA, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente ou indiretamente, de WITINEY, a quem estava associado junto VANDERLEY para a prática de crimes. Ademais, WALTER revelou fato de que tinha ciência em razão do cargo e que devia permanecer em segredo, bem como patrocinou interesse privado perante a administração pública e obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. (...) A conversa entre WALTER (Walter Iba Oi) e WITINEY continua no dia seguinte (12/06/2019), após a meia-noite, 00h04 até 00h14 e, a pedido de WITINEY, WALTER orienta como determinada pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, provavelmente para evitar alguma autuação, ocasião em que WALTER informa que falará com outro servidor para que ele mascare um mapa, tudo em comum acordo com WITINEY, que promete realizar posterior pagamento de propina (“depois a gente ajeita”). Destaco o teor da conversa: (...) Em 05/12/2019, WALTER e WITINEY voltam a dialogar, ocasião em que o servidor do IBAMA alerta WITINEY sobre uma fiscalização que o IBAMA estaria realizando naqueles dias e ainda se desculpa por não ter conseguido avisá-lo antes: (...) No “Chat nº 105”, consta que, em 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO (servidor do IBAMA) e WITINEY combinam de se encontrar e fazem um acerto: WITINEY prometeu, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização ambiental, a repassar para ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne), que seriam divididos entre este e outro servidor, conforme se depreende do áudio enviado por WITINEY ao referido servidor público: “aí tô lascado...botar 200 conto para cada aí, pelo amor de deus, eu tenho que pagar, não é de graça não...400 conto é meio boi...” (...) Por sua vez, no “chat 390”, consta que na conversa, datada de 12/06/2019, entre WITINEY e WALTER ASSUNÇÃO, servidor do IBAMA, este orienta como certa pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, objetivando para evitar alguma autuação, tendo WALTER se comprometido a falar com outro servidor para que ele “mascare um mapa”, com o fim de beneficiar os interesses de WITINEY, o qual prometeu realizar posterior acerto de contas, ao afirmar: “depois a gente ajeita”, isto é, prometeu vantagem indevida a servidor público, que foi efetivada no dia posterior (13/06/2019), conforme apontado nas conversas do “chat 390”, acima detalhado. A partir da análise do “Chat nº 608”, verificou-se conversa entre WITINEY e Juarez Gomes, em 25/07/2018, na qual Juarez, um dos investigados na Operação “Usurpação”, é alertado sobre a iminência de fiscalização do IBAMA em suas propriedades por WITINEY, o que demonstra que este possui informações privilegiadas por integrar uma associação criminosa com servidores públicos do IBAMA, o que lhe permite burlar a fiscalização realizada por agentes daquela autarquia que não integravam o esquema criminoso, conforme demonstrou a perícia nos áudios analisados: (...) Assim, verifica que WITINEY mantém relação espúria e constituiu uma associação criminosa com servidores públicos que recebiam vantagens indevidas para repassar aos madeireiros informações sobre fiscalizações ambientais (itinerários e como deviam proceder quando flagrados em irregularidades) e beneficiá-los, agilizando o trâmite dos procedimentos administrativos na SEMA (antigo IMAP) e no IBAMA e demais pedidos que não encontram amparo legal, tal como “mascarar mapa” (vide “chat nº 390”). (...) Em atenção aos fundamentos da decisão recorrida, cumpre observar que a denúncia sequer registra a extração ilegal de madeira ou que isso tenha ocorrido em área de domínio estadual, tampouco resume sua narrativa a fraudes na manipulação do Sistema DOF (documento de origem florestal), gerido pelo ente federal (IBAMA), para acobertar transporte ilegal de madeira no Estado do Amapá. Ao caso em análise, não se aplicam os precedentes do STJ (AgRg no CC 193.250/GO e CC 133.475/AP) citados pelo juízo, tampouco a decisão proferida por este Tribunal (RESE 1019018-52.2020.4.0.40000, relatoria do juiz federal convocado Marllon Sousa, PJe 08/08/2023), uma vez que o fato narrado na denúncia, como visto, não se limita à emissão e controle de DOF, sendo mais amplo e abarcando crimes que afetam diretamente os interesses do órgão federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é consolidada no sentido de que a ausência de interesse direto e específico da União afasta a competência da Justiça Federal para o julgamento de ação penal decorrente da prática de crime ambiental. Acrescenta que a definição da competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. (Recurso Extraordinário: 1492915 RO, relator ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe-s/n divulg. 29/11/2024, publicado em 02/12/2024). Nestes autos, o MPF descreveu, detalhadamente, crimes de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente o interesse da autarquia federal. Ainda, demonstrou que Witiney Cerqueira da Silva era o elo entre os servidores e os madeireiros. Logo, há conexão entre os crimes perpetrados pelos funcionários públicos federais, no exercício da função pública e em detrimento dos interesses da autarquia federal, com os crimes perpetrados pelos servidores públicos estaduais, no mesmo contexto, todos vinculados às negociações intermediadas por Witiney Cerqueira da Silva. Comporta aplicação das Súmulas 122 e 147 do STJ: Súmula 122 STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Súmula 147 do STJ estabelece o seguinte: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. São os mesmos elementos de prova que respaldam a acusação, diante da prática dos crimes federais pelos servidores do IBAMA e dos crimes imputados aos servidores da SEMA, o que justifica a conexão e o processamento do feito na Justiça Federal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para declarar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988, com retorno dos autos ao Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO. OBSTAR E DIFICULTAR FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS CRIMES. SEMA E IBAMA. AFETADO DIRETAMENTE INTERESSE DA AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. STJ, SÚMULAS 122 E 147. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. Compete à Justiça Federal processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de serviços ou interesses de entidades autárquicas federal, consoante art. 109, IV, da CF/1988. O STF definiu que a competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. Precedente. O MPF descreveu, detalhadamente, crime de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente serviço e interesse da autarquia federal. Compete à Justiça Federal o julgamento de crimes praticados em detrimento dos interesses e serviços do IBAMA, autarquia federal, bem como dos crimes conexos. Aplicada Súmula 122 do STJ: compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Aplicada a Súmula 147 do STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto da relatora. Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso Relatora
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Tribunal: TRF1 | Data: 01/07/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A RELATOR(A):MARIA DO CARMO CARDOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (doc. 2146349056) contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá (doc. 427705629), que declinou da competência para processamento e julgamento da ação penal à Justiça Estadual do Amapá. Nas razões do recurso (doc. 427705631), o MPF pleiteia a reforma da decisão para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes descritos na denúncia. Sustenta que os fatos narrados evidenciam a violação de serviços e interesses da União, revelando a existência de um grupo criminoso engajado na prática de crimes ambientais e crimes contra a Administração Pública, envolvendo madeireiros e servidores públicos, inclusive do IBAMA. Contrarrazões apresentadas pelas defesas, manifestando-se pelo não provimento do recurso criminal: Vanderley Santos de Almeida (doc. 427705635), Wellinson Maximin de Souza Severino (doc. 427705636), Kleber Machado Lobo e Walter Assunção Silva (doc. 427705637), Antônio Lúcio da Silva Oliveira (doc. 427705638), José Ricardo e Silva Vaz (doc. 429532894), Witiney Cerqueira da Silva (doc. 430683204), Nielson Silva de Souza e Cristóvão Nascimento de Carvalho, ambos assistidos pela DPU (doc. 431145373). Cumprida a formalidade prevista no art. 589 do CPP (doc. 427705639). Nessa instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento do recurso em sentido estrito (doc. 432506104). É o relatório. Encaminhem-se os autos ao revisor. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): No caso dos autos, a denúncia versa sobre a prática dos crimes descritos nos arts. 288, 317, 321, 325, todos do CP, bem como do art. 69 da Lei 9.605/1998 e foi recebida em 09/04/2021, pelo Juiz Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá, ocasião em que, expressamente, o magistrado reconheceu a competência da Justiça Federal, com fundamento na conexão instrumental entre os crimes (doc. 427705235). Após respostas à acusação, o magistrado ratificou o posicionamento, rejeitando a preliminar de incompetência da JF (doc. 427705333). No entanto, novo magistrado divergiu no entendimento e declinou a competência do julgamento da causa para a justiça estadual, com os seguintes fundamentos (doc. 427705629): (...) Nesse contexto, a presente ação penal é desdobramento da denominada operação "Usurpação", vinculada ao IPL nº 1005423-67.2020.4.01.3100, que apurava a prática de diversos crimes (associação criminosa, falsidade ideológica, etc.) contra o poder público ambiental, notadamente a manipulação criminosa no sistema DOF realizadas pelas empresas madeireiras (Id. 2136440468, folha 02). Segundo consta no referido IPL mencionado acima, a investigação concentrava-se em possível movimentação suspeita envolvendo as empresas JUAREZ GOMES ME e FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI ME em relação a emissão fraudulenta de guias no sistema DOF, visando acobertar o transporte ilegal de madeira em tora localizado na zona rural do município de Tartarugalzinho/AP (IPL 1005423-67.2020.4.01.3100, Id. 285389378, folha 04). Na ocasião, foi apreendido o aparelho telefônico de WITNEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI, dando origem aos Laudos nº 356/2020 e 358/2020SETEC/SR/AP, bem como a elaboração do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 664425/2021-SR/PF/AP, que ensejou a instauração de um novo inquérito policial, no qual se baseia a presente ação penal, bem como a Cautelar nº 1003492-92.2021.4.01.3100 (Id. 2136440468, folha 02). Nesse contexto, a partir da análise do aparelho celular de WITINEY, foi constatado que, de acordo com a investigação, servidores públicos federais e estaduais, lotados no IBAMA e SEMA, valendo-se do cargo que ocupavam, participaram de esquema de corrupção, com atuação ativa em fraudes em processos da SEMA e IBAMA culminando com a inserção de dados falsos no Sistema DOF. No caso concreto, pelos elementos de prova e pela narrativa contida na peça acusatória, observa-se que o caso em tela tem relação direta com a inserção de dados no Sistema DOF. Cumpre mencionar que o Sistema de Documento de Origem Floresta (Sistema DOF) integra o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - SINAFLOR, gerido pelo IBAMA - Instrução Normativa IBAMA nº 21, de 24/12/2014. Compulsando os autos, tem-se que não foi narrado na peça acusatória nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF. Nesse sentido: "A inserção de dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União ou órgão federal” (STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2023). Ainda, “O fato de a emissão e o controle do Documento de Origem Florestal (DOF) recaírem sobre o IBAMA, por si só, não pode significar que qualquer prática que envolva a inserção de dados no sistema da autarquia federal contenha elemento suficiente para caracterizar interesse da União ou da própria autarquia, uma vez que a proteção ao meio ambiente é de competência comum. Precedentes STJ e do TRF-1.” 3. Recurso não provido (TRF1. DÉCIMA TURMA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 1019018-52.2020.4.01.4000. Relator JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), data da publicação: 08/08/2023). É a hipótese dos autos. Embora a emissão e o controle do DOF recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema desta autarquia que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia, valendo destacar que o sistema DOF, no caso concreto, foi utilizado como meio para prática das condutas delituosas, sem ocorrência de lesão efetiva em desfavor da União. (...) Ademais, não ficou demonstrado na denúncia que as supostas irregularidades cometidas no sistema DOF objetivando a exploração de madeira ilegal ocorreram em área de interesse da União. Pelo contrário, as investigações apontam para extração em área de domínio do Estado do Amapá, o que afasta a competência da Justiça Federal. (...) Mesmo em relação aos servidores do IBAMA/AP (ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA), não ficou demonstrado de forma concreta que os crimes praticados, em tese, ofendeu bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas, pois não ficou caracterizado nos diálogos envolvendo os réus e WITINEY que o suposto pagamento de propina dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais de interesse federal e/ou mesmo que os réus estavam atuando como representantes de órgão federal, a justificar a competência da Justiça Federal (...) O MPF sustenta que o caso em análise se ajusta ao teor do art. 109, IV, da CF/1988, que dispõe competir aos juízes federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços, ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, e pretende a reforma da decisão supracitada. A decisão recorrida não esgotou a análise dos fatos narrados na denúncia (doc. 427705233): WITINEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela empresa FEIREINSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI (CNPJ 28.072.855.0001-47), de forma consciente e voluntária, constituiu associação criminosa com os servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá – SEMA JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, NIELSON SILVA DE SOUZA, WELLINSON MAXIMIN DE SOUZA SEVERINO e CRISTÓVÃO NASCIMENTO DE CARVALHO, e com os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA, objetivando a prática de crimes contra a administração pública, contra a fé pública e contra o meio ambiente, conforme constam nos diálogos, via aplicativo Whatsapp, que integram o Relatório de Análise de Material Apreendido Nº 664425/2021 – SR-PF/AP. A peça acusatória individualiza a conduta de cada acusado e demonstra os dias e as circunstâncias em que os servidores públicos da SEMA e do IBAMA solicitavam e recebiam vantagem para liberação de processos florestais, documentos e autorizações indevidas, bem como corroboravam para obstar e dificultar a fiscalização do órgão ambiental. Witiney, vulgo Baiano, era o intermediador das negociações entre os madeireiros e os servidores públicos, inclusive vinculados à autarquia federal IBAMA: Antônio Lúcio, Kleber Machado, Walter Assunção, Vanderley Santos da Silva. Merecem destaque os seguintes trechos da denúncia: (...) No dia 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, servidor do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado junto com “Orlando” para a prática de crimes, bem como obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. A conversa do “Chat nº 105”, demonstra que, na referida data, ANTÔNIO LÚCIO e WITINEY combinam de se encontrar, declinando as localidades onde estavam, tendo o servidor do IBAMA descrito o seu roteiro de atuação para WITINEY, delineado pela investigação da seguinte forma: (...) Posteriormente, ANTÔNIO LÚCIO solicita a WITINEY o pagamento/entrega de uma “carne”: “Baiano cadê aquela carne”, sendo que as mensagens são enviadas por áudio e demonstram que WITINEY comprometeu-se, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização a repassar para o servidor ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne). Ademais, constatou-se que o pagamento da propina era destinada para ANTÔNIO LÚCIO e outra pessoa, conforme apontou a perícia: (...) No dia 16/09/2019, JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, servidor público federal, lotado no IMAP (órgão extinto que foi integrado à SEMA), em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Segundo o “chat nº 168”, conversas entre WITINEY e JOSÉ RICARDO, datada de 16/09/2019, que o servidor público pediu dinheiro “emprestado” (propina) para WITINEY, no valor de R$1.000,00 (mil reais), indicando um certo grau de intimidade na relação entre eles, visto que a demanda por dinheiro é explícita e direta, demonstrando mais uma vez a influência que WITINEY tinha sobre servidores que laboravam em órgãos e entidades de proteção ambiental. (...) No dia 27/08/2019, KLEBER MACHADO LOBO, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Conforme consta no “CHAT nº 203”, em 27/08/2019, WITINEY inicia conversa com KLEBER, e abertamente este solicita vantagem ilícita ao particular, sob promessa de o recompensar em momento futuro: “dar uma força a mais pro amigo”; “Te recompenso depois”; “Boa noite meu velho”. Tais mensagens demonstram, mais uma vez, o poder e a influência que WITINEY tinha sobre os servidores que atuavam na proteção do meio ambiente, justamente nos cargos públicos que interessavam ao particular (trâmite processual e fiscalização ambiental), pedindo favores pessoais e prometendo uma recompensa futura ou oferecendo vantagens indevidas (propinas), travestidas de expressões: “dar uma força”, “empréstimos”, “encomenda”, “panetone”, etc. (...) No dia 22/10/2019, WITINEY envia para CRISTÓVÃO uma lista de nomes de pessoas cujos projetos estão com NIELSON, a saber: Antônio Martins Sales, Clodomir Cardoso Vieira, Fábio do Canaã, e o nome de uma pessoa (Maria Madalena Penha da Silva) cujo projeto estaria com Gilson e, logo em seguida, WITINEY socilita de CRISTÓVÃO uma posição e, no mesmo dia, CRISTÓVÃO responde ao particular, afirmando que falou com NIELSON, informando que este teria se comprometido em atender o solicitado após o depósito de parte do dinheiro, tendo WITINEY respondido o seguinte: “Tá fechado o compromisso”. (...) Assim, verifica-se que era comum a prática de pagamento de propina por WITINEY ao grupo de servidores públicos que integravam o consórcio criminoso, variando de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 1.000,00 (mil reais), para que dessem agilidade na movimentação processual da lista de processos enviados por WITINEY. Já VANDERLEY SANTOS DA SILVA, servidor do IBAMA, que estava associado junto com WALTER e WITINEY, para a prática de crimes, No dia 18/082019, obstou ou dificultou ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. Uma conversa entre WITINEY e VANDERLEY consta no “Chat nº 374”, na qual se verifica que o referido servidor do IBAMA informa que estava aguardando WITINEY em determinado local, ao que tudo indica já marcado em outro momento, tendo em vista que VANDERLEY afirma: “Estamos aqui”; “Cadê você?” e chama atenção a data em que a conversa foi realizada, no dia 18/08/2019, e o horário, às 00h04, uma vez que VANDERLEY, nesta época, encontrava-se em viagem de fiscalização ambiental, conforme informações coletadas pela investigação, para: “DAR CONTINUIDADE NAS AÇÕES FISCALIZATÓRIAS REFERENTES AOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS, MPF, JF E DEMAIS DEMANDAS”. Nesta senda, conhecendo o modus operandi do consórcio criminoso capitaneado por WITINEY e integrado por servidores do IBAMA e da SEMA, vislumbra-se que VANDERLEY também integra a associação criminosa, visto que não é crível que o agente fiscalizador e o fiscalizado encontram-se, em período em que VANDERLEY estava de serviço para tratar de interesses que não sejam criminosos. (...) No dia 11/06/2019, WALTER ASSUNÇÃO SILVA, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente ou indiretamente, de WITINEY, a quem estava associado junto VANDERLEY para a prática de crimes. Ademais, WALTER revelou fato de que tinha ciência em razão do cargo e que devia permanecer em segredo, bem como patrocinou interesse privado perante a administração pública e obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. (...) A conversa entre WALTER (Walter Iba Oi) e WITINEY continua no dia seguinte (12/06/2019), após a meia-noite, 00h04 até 00h14 e, a pedido de WITINEY, WALTER orienta como determinada pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, provavelmente para evitar alguma autuação, ocasião em que WALTER informa que falará com outro servidor para que ele mascare um mapa, tudo em comum acordo com WITINEY, que promete realizar posterior pagamento de propina (“depois a gente ajeita”). Destaco o teor da conversa: (...) Em 05/12/2019, WALTER e WITINEY voltam a dialogar, ocasião em que o servidor do IBAMA alerta WITINEY sobre uma fiscalização que o IBAMA estaria realizando naqueles dias e ainda se desculpa por não ter conseguido avisá-lo antes: (...) No “Chat nº 105”, consta que, em 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO (servidor do IBAMA) e WITINEY combinam de se encontrar e fazem um acerto: WITINEY prometeu, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização ambiental, a repassar para ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne), que seriam divididos entre este e outro servidor, conforme se depreende do áudio enviado por WITINEY ao referido servidor público: “aí tô lascado...botar 200 conto para cada aí, pelo amor de deus, eu tenho que pagar, não é de graça não...400 conto é meio boi...” (...) Por sua vez, no “chat 390”, consta que na conversa, datada de 12/06/2019, entre WITINEY e WALTER ASSUNÇÃO, servidor do IBAMA, este orienta como certa pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, objetivando para evitar alguma autuação, tendo WALTER se comprometido a falar com outro servidor para que ele “mascare um mapa”, com o fim de beneficiar os interesses de WITINEY, o qual prometeu realizar posterior acerto de contas, ao afirmar: “depois a gente ajeita”, isto é, prometeu vantagem indevida a servidor público, que foi efetivada no dia posterior (13/06/2019), conforme apontado nas conversas do “chat 390”, acima detalhado. A partir da análise do “Chat nº 608”, verificou-se conversa entre WITINEY e Juarez Gomes, em 25/07/2018, na qual Juarez, um dos investigados na Operação “Usurpação”, é alertado sobre a iminência de fiscalização do IBAMA em suas propriedades por WITINEY, o que demonstra que este possui informações privilegiadas por integrar uma associação criminosa com servidores públicos do IBAMA, o que lhe permite burlar a fiscalização realizada por agentes daquela autarquia que não integravam o esquema criminoso, conforme demonstrou a perícia nos áudios analisados: (...) Assim, verifica que WITINEY mantém relação espúria e constituiu uma associação criminosa com servidores públicos que recebiam vantagens indevidas para repassar aos madeireiros informações sobre fiscalizações ambientais (itinerários e como deviam proceder quando flagrados em irregularidades) e beneficiá-los, agilizando o trâmite dos procedimentos administrativos na SEMA (antigo IMAP) e no IBAMA e demais pedidos que não encontram amparo legal, tal como “mascarar mapa” (vide “chat nº 390”). (...) Em atenção aos fundamentos da decisão recorrida, cumpre observar que a denúncia sequer registra a extração ilegal de madeira ou que isso tenha ocorrido em área de domínio estadual, tampouco resume sua narrativa a fraudes na manipulação do Sistema DOF (documento de origem florestal), gerido pelo ente federal (IBAMA), para acobertar transporte ilegal de madeira no Estado do Amapá. Ao caso em análise, não se aplicam os precedentes do STJ (AgRg no CC 193.250/GO e CC 133.475/AP) citados pelo juízo, tampouco a decisão proferida por este Tribunal (RESE 1019018-52.2020.4.0.40000, relatoria do juiz federal convocado Marllon Sousa, PJe 08/08/2023), uma vez que o fato narrado na denúncia, como visto, não se limita à emissão e controle de DOF, sendo mais amplo e abarcando crimes que afetam diretamente os interesses do órgão federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é consolidada no sentido de que a ausência de interesse direto e específico da União afasta a competência da Justiça Federal para o julgamento de ação penal decorrente da prática de crime ambiental. Acrescenta que a definição da competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. (Recurso Extraordinário: 1492915 RO, relator ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe-s/n divulg. 29/11/2024, publicado em 02/12/2024). Nestes autos, o MPF descreveu, detalhadamente, crimes de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente o interesse da autarquia federal. Ainda, demonstrou que Witiney Cerqueira da Silva era o elo entre os servidores e os madeireiros. Logo, há conexão entre os crimes perpetrados pelos funcionários públicos federais, no exercício da função pública e em detrimento dos interesses da autarquia federal, com os crimes perpetrados pelos servidores públicos estaduais, no mesmo contexto, todos vinculados às negociações intermediadas por Witiney Cerqueira da Silva. Comporta aplicação das Súmulas 122 e 147 do STJ: Súmula 122 STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Súmula 147 do STJ estabelece o seguinte: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. São os mesmos elementos de prova que respaldam a acusação, diante da prática dos crimes federais pelos servidores do IBAMA e dos crimes imputados aos servidores da SEMA, o que justifica a conexão e o processamento do feito na Justiça Federal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para declarar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988, com retorno dos autos ao Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO. OBSTAR E DIFICULTAR FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS CRIMES. SEMA E IBAMA. AFETADO DIRETAMENTE INTERESSE DA AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. STJ, SÚMULAS 122 E 147. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. Compete à Justiça Federal processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de serviços ou interesses de entidades autárquicas federal, consoante art. 109, IV, da CF/1988. O STF definiu que a competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. Precedente. O MPF descreveu, detalhadamente, crime de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente serviço e interesse da autarquia federal. Compete à Justiça Federal o julgamento de crimes praticados em detrimento dos interesses e serviços do IBAMA, autarquia federal, bem como dos crimes conexos. Aplicada Súmula 122 do STJ: compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Aplicada a Súmula 147 do STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto da relatora. Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso Relatora
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Tribunal: TRF1 | Data: 01/07/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A RELATOR(A):MARIA DO CARMO CARDOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (doc. 2146349056) contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá (doc. 427705629), que declinou da competência para processamento e julgamento da ação penal à Justiça Estadual do Amapá. Nas razões do recurso (doc. 427705631), o MPF pleiteia a reforma da decisão para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes descritos na denúncia. Sustenta que os fatos narrados evidenciam a violação de serviços e interesses da União, revelando a existência de um grupo criminoso engajado na prática de crimes ambientais e crimes contra a Administração Pública, envolvendo madeireiros e servidores públicos, inclusive do IBAMA. Contrarrazões apresentadas pelas defesas, manifestando-se pelo não provimento do recurso criminal: Vanderley Santos de Almeida (doc. 427705635), Wellinson Maximin de Souza Severino (doc. 427705636), Kleber Machado Lobo e Walter Assunção Silva (doc. 427705637), Antônio Lúcio da Silva Oliveira (doc. 427705638), José Ricardo e Silva Vaz (doc. 429532894), Witiney Cerqueira da Silva (doc. 430683204), Nielson Silva de Souza e Cristóvão Nascimento de Carvalho, ambos assistidos pela DPU (doc. 431145373). Cumprida a formalidade prevista no art. 589 do CPP (doc. 427705639). Nessa instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento do recurso em sentido estrito (doc. 432506104). É o relatório. Encaminhem-se os autos ao revisor. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): No caso dos autos, a denúncia versa sobre a prática dos crimes descritos nos arts. 288, 317, 321, 325, todos do CP, bem como do art. 69 da Lei 9.605/1998 e foi recebida em 09/04/2021, pelo Juiz Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá, ocasião em que, expressamente, o magistrado reconheceu a competência da Justiça Federal, com fundamento na conexão instrumental entre os crimes (doc. 427705235). Após respostas à acusação, o magistrado ratificou o posicionamento, rejeitando a preliminar de incompetência da JF (doc. 427705333). No entanto, novo magistrado divergiu no entendimento e declinou a competência do julgamento da causa para a justiça estadual, com os seguintes fundamentos (doc. 427705629): (...) Nesse contexto, a presente ação penal é desdobramento da denominada operação "Usurpação", vinculada ao IPL nº 1005423-67.2020.4.01.3100, que apurava a prática de diversos crimes (associação criminosa, falsidade ideológica, etc.) contra o poder público ambiental, notadamente a manipulação criminosa no sistema DOF realizadas pelas empresas madeireiras (Id. 2136440468, folha 02). Segundo consta no referido IPL mencionado acima, a investigação concentrava-se em possível movimentação suspeita envolvendo as empresas JUAREZ GOMES ME e FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI ME em relação a emissão fraudulenta de guias no sistema DOF, visando acobertar o transporte ilegal de madeira em tora localizado na zona rural do município de Tartarugalzinho/AP (IPL 1005423-67.2020.4.01.3100, Id. 285389378, folha 04). Na ocasião, foi apreendido o aparelho telefônico de WITNEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI, dando origem aos Laudos nº 356/2020 e 358/2020SETEC/SR/AP, bem como a elaboração do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 664425/2021-SR/PF/AP, que ensejou a instauração de um novo inquérito policial, no qual se baseia a presente ação penal, bem como a Cautelar nº 1003492-92.2021.4.01.3100 (Id. 2136440468, folha 02). Nesse contexto, a partir da análise do aparelho celular de WITINEY, foi constatado que, de acordo com a investigação, servidores públicos federais e estaduais, lotados no IBAMA e SEMA, valendo-se do cargo que ocupavam, participaram de esquema de corrupção, com atuação ativa em fraudes em processos da SEMA e IBAMA culminando com a inserção de dados falsos no Sistema DOF. No caso concreto, pelos elementos de prova e pela narrativa contida na peça acusatória, observa-se que o caso em tela tem relação direta com a inserção de dados no Sistema DOF. Cumpre mencionar que o Sistema de Documento de Origem Floresta (Sistema DOF) integra o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - SINAFLOR, gerido pelo IBAMA - Instrução Normativa IBAMA nº 21, de 24/12/2014. Compulsando os autos, tem-se que não foi narrado na peça acusatória nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF. Nesse sentido: "A inserção de dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União ou órgão federal” (STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2023). Ainda, “O fato de a emissão e o controle do Documento de Origem Florestal (DOF) recaírem sobre o IBAMA, por si só, não pode significar que qualquer prática que envolva a inserção de dados no sistema da autarquia federal contenha elemento suficiente para caracterizar interesse da União ou da própria autarquia, uma vez que a proteção ao meio ambiente é de competência comum. Precedentes STJ e do TRF-1.” 3. Recurso não provido (TRF1. DÉCIMA TURMA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 1019018-52.2020.4.01.4000. Relator JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), data da publicação: 08/08/2023). É a hipótese dos autos. Embora a emissão e o controle do DOF recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema desta autarquia que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia, valendo destacar que o sistema DOF, no caso concreto, foi utilizado como meio para prática das condutas delituosas, sem ocorrência de lesão efetiva em desfavor da União. (...) Ademais, não ficou demonstrado na denúncia que as supostas irregularidades cometidas no sistema DOF objetivando a exploração de madeira ilegal ocorreram em área de interesse da União. Pelo contrário, as investigações apontam para extração em área de domínio do Estado do Amapá, o que afasta a competência da Justiça Federal. (...) Mesmo em relação aos servidores do IBAMA/AP (ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA), não ficou demonstrado de forma concreta que os crimes praticados, em tese, ofendeu bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas, pois não ficou caracterizado nos diálogos envolvendo os réus e WITINEY que o suposto pagamento de propina dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais de interesse federal e/ou mesmo que os réus estavam atuando como representantes de órgão federal, a justificar a competência da Justiça Federal (...) O MPF sustenta que o caso em análise se ajusta ao teor do art. 109, IV, da CF/1988, que dispõe competir aos juízes federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços, ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, e pretende a reforma da decisão supracitada. A decisão recorrida não esgotou a análise dos fatos narrados na denúncia (doc. 427705233): WITINEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela empresa FEIREINSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI (CNPJ 28.072.855.0001-47), de forma consciente e voluntária, constituiu associação criminosa com os servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá – SEMA JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, NIELSON SILVA DE SOUZA, WELLINSON MAXIMIN DE SOUZA SEVERINO e CRISTÓVÃO NASCIMENTO DE CARVALHO, e com os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA, objetivando a prática de crimes contra a administração pública, contra a fé pública e contra o meio ambiente, conforme constam nos diálogos, via aplicativo Whatsapp, que integram o Relatório de Análise de Material Apreendido Nº 664425/2021 – SR-PF/AP. A peça acusatória individualiza a conduta de cada acusado e demonstra os dias e as circunstâncias em que os servidores públicos da SEMA e do IBAMA solicitavam e recebiam vantagem para liberação de processos florestais, documentos e autorizações indevidas, bem como corroboravam para obstar e dificultar a fiscalização do órgão ambiental. Witiney, vulgo Baiano, era o intermediador das negociações entre os madeireiros e os servidores públicos, inclusive vinculados à autarquia federal IBAMA: Antônio Lúcio, Kleber Machado, Walter Assunção, Vanderley Santos da Silva. Merecem destaque os seguintes trechos da denúncia: (...) No dia 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, servidor do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado junto com “Orlando” para a prática de crimes, bem como obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. A conversa do “Chat nº 105”, demonstra que, na referida data, ANTÔNIO LÚCIO e WITINEY combinam de se encontrar, declinando as localidades onde estavam, tendo o servidor do IBAMA descrito o seu roteiro de atuação para WITINEY, delineado pela investigação da seguinte forma: (...) Posteriormente, ANTÔNIO LÚCIO solicita a WITINEY o pagamento/entrega de uma “carne”: “Baiano cadê aquela carne”, sendo que as mensagens são enviadas por áudio e demonstram que WITINEY comprometeu-se, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização a repassar para o servidor ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne). Ademais, constatou-se que o pagamento da propina era destinada para ANTÔNIO LÚCIO e outra pessoa, conforme apontou a perícia: (...) No dia 16/09/2019, JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, servidor público federal, lotado no IMAP (órgão extinto que foi integrado à SEMA), em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Segundo o “chat nº 168”, conversas entre WITINEY e JOSÉ RICARDO, datada de 16/09/2019, que o servidor público pediu dinheiro “emprestado” (propina) para WITINEY, no valor de R$1.000,00 (mil reais), indicando um certo grau de intimidade na relação entre eles, visto que a demanda por dinheiro é explícita e direta, demonstrando mais uma vez a influência que WITINEY tinha sobre servidores que laboravam em órgãos e entidades de proteção ambiental. (...) No dia 27/08/2019, KLEBER MACHADO LOBO, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Conforme consta no “CHAT nº 203”, em 27/08/2019, WITINEY inicia conversa com KLEBER, e abertamente este solicita vantagem ilícita ao particular, sob promessa de o recompensar em momento futuro: “dar uma força a mais pro amigo”; “Te recompenso depois”; “Boa noite meu velho”. Tais mensagens demonstram, mais uma vez, o poder e a influência que WITINEY tinha sobre os servidores que atuavam na proteção do meio ambiente, justamente nos cargos públicos que interessavam ao particular (trâmite processual e fiscalização ambiental), pedindo favores pessoais e prometendo uma recompensa futura ou oferecendo vantagens indevidas (propinas), travestidas de expressões: “dar uma força”, “empréstimos”, “encomenda”, “panetone”, etc. (...) No dia 22/10/2019, WITINEY envia para CRISTÓVÃO uma lista de nomes de pessoas cujos projetos estão com NIELSON, a saber: Antônio Martins Sales, Clodomir Cardoso Vieira, Fábio do Canaã, e o nome de uma pessoa (Maria Madalena Penha da Silva) cujo projeto estaria com Gilson e, logo em seguida, WITINEY socilita de CRISTÓVÃO uma posição e, no mesmo dia, CRISTÓVÃO responde ao particular, afirmando que falou com NIELSON, informando que este teria se comprometido em atender o solicitado após o depósito de parte do dinheiro, tendo WITINEY respondido o seguinte: “Tá fechado o compromisso”. (...) Assim, verifica-se que era comum a prática de pagamento de propina por WITINEY ao grupo de servidores públicos que integravam o consórcio criminoso, variando de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 1.000,00 (mil reais), para que dessem agilidade na movimentação processual da lista de processos enviados por WITINEY. Já VANDERLEY SANTOS DA SILVA, servidor do IBAMA, que estava associado junto com WALTER e WITINEY, para a prática de crimes, No dia 18/082019, obstou ou dificultou ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. Uma conversa entre WITINEY e VANDERLEY consta no “Chat nº 374”, na qual se verifica que o referido servidor do IBAMA informa que estava aguardando WITINEY em determinado local, ao que tudo indica já marcado em outro momento, tendo em vista que VANDERLEY afirma: “Estamos aqui”; “Cadê você?” e chama atenção a data em que a conversa foi realizada, no dia 18/08/2019, e o horário, às 00h04, uma vez que VANDERLEY, nesta época, encontrava-se em viagem de fiscalização ambiental, conforme informações coletadas pela investigação, para: “DAR CONTINUIDADE NAS AÇÕES FISCALIZATÓRIAS REFERENTES AOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS, MPF, JF E DEMAIS DEMANDAS”. Nesta senda, conhecendo o modus operandi do consórcio criminoso capitaneado por WITINEY e integrado por servidores do IBAMA e da SEMA, vislumbra-se que VANDERLEY também integra a associação criminosa, visto que não é crível que o agente fiscalizador e o fiscalizado encontram-se, em período em que VANDERLEY estava de serviço para tratar de interesses que não sejam criminosos. (...) No dia 11/06/2019, WALTER ASSUNÇÃO SILVA, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente ou indiretamente, de WITINEY, a quem estava associado junto VANDERLEY para a prática de crimes. Ademais, WALTER revelou fato de que tinha ciência em razão do cargo e que devia permanecer em segredo, bem como patrocinou interesse privado perante a administração pública e obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. (...) A conversa entre WALTER (Walter Iba Oi) e WITINEY continua no dia seguinte (12/06/2019), após a meia-noite, 00h04 até 00h14 e, a pedido de WITINEY, WALTER orienta como determinada pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, provavelmente para evitar alguma autuação, ocasião em que WALTER informa que falará com outro servidor para que ele mascare um mapa, tudo em comum acordo com WITINEY, que promete realizar posterior pagamento de propina (“depois a gente ajeita”). Destaco o teor da conversa: (...) Em 05/12/2019, WALTER e WITINEY voltam a dialogar, ocasião em que o servidor do IBAMA alerta WITINEY sobre uma fiscalização que o IBAMA estaria realizando naqueles dias e ainda se desculpa por não ter conseguido avisá-lo antes: (...) No “Chat nº 105”, consta que, em 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO (servidor do IBAMA) e WITINEY combinam de se encontrar e fazem um acerto: WITINEY prometeu, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização ambiental, a repassar para ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne), que seriam divididos entre este e outro servidor, conforme se depreende do áudio enviado por WITINEY ao referido servidor público: “aí tô lascado...botar 200 conto para cada aí, pelo amor de deus, eu tenho que pagar, não é de graça não...400 conto é meio boi...” (...) Por sua vez, no “chat 390”, consta que na conversa, datada de 12/06/2019, entre WITINEY e WALTER ASSUNÇÃO, servidor do IBAMA, este orienta como certa pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, objetivando para evitar alguma autuação, tendo WALTER se comprometido a falar com outro servidor para que ele “mascare um mapa”, com o fim de beneficiar os interesses de WITINEY, o qual prometeu realizar posterior acerto de contas, ao afirmar: “depois a gente ajeita”, isto é, prometeu vantagem indevida a servidor público, que foi efetivada no dia posterior (13/06/2019), conforme apontado nas conversas do “chat 390”, acima detalhado. A partir da análise do “Chat nº 608”, verificou-se conversa entre WITINEY e Juarez Gomes, em 25/07/2018, na qual Juarez, um dos investigados na Operação “Usurpação”, é alertado sobre a iminência de fiscalização do IBAMA em suas propriedades por WITINEY, o que demonstra que este possui informações privilegiadas por integrar uma associação criminosa com servidores públicos do IBAMA, o que lhe permite burlar a fiscalização realizada por agentes daquela autarquia que não integravam o esquema criminoso, conforme demonstrou a perícia nos áudios analisados: (...) Assim, verifica que WITINEY mantém relação espúria e constituiu uma associação criminosa com servidores públicos que recebiam vantagens indevidas para repassar aos madeireiros informações sobre fiscalizações ambientais (itinerários e como deviam proceder quando flagrados em irregularidades) e beneficiá-los, agilizando o trâmite dos procedimentos administrativos na SEMA (antigo IMAP) e no IBAMA e demais pedidos que não encontram amparo legal, tal como “mascarar mapa” (vide “chat nº 390”). (...) Em atenção aos fundamentos da decisão recorrida, cumpre observar que a denúncia sequer registra a extração ilegal de madeira ou que isso tenha ocorrido em área de domínio estadual, tampouco resume sua narrativa a fraudes na manipulação do Sistema DOF (documento de origem florestal), gerido pelo ente federal (IBAMA), para acobertar transporte ilegal de madeira no Estado do Amapá. Ao caso em análise, não se aplicam os precedentes do STJ (AgRg no CC 193.250/GO e CC 133.475/AP) citados pelo juízo, tampouco a decisão proferida por este Tribunal (RESE 1019018-52.2020.4.0.40000, relatoria do juiz federal convocado Marllon Sousa, PJe 08/08/2023), uma vez que o fato narrado na denúncia, como visto, não se limita à emissão e controle de DOF, sendo mais amplo e abarcando crimes que afetam diretamente os interesses do órgão federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é consolidada no sentido de que a ausência de interesse direto e específico da União afasta a competência da Justiça Federal para o julgamento de ação penal decorrente da prática de crime ambiental. Acrescenta que a definição da competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. (Recurso Extraordinário: 1492915 RO, relator ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe-s/n divulg. 29/11/2024, publicado em 02/12/2024). Nestes autos, o MPF descreveu, detalhadamente, crimes de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente o interesse da autarquia federal. Ainda, demonstrou que Witiney Cerqueira da Silva era o elo entre os servidores e os madeireiros. Logo, há conexão entre os crimes perpetrados pelos funcionários públicos federais, no exercício da função pública e em detrimento dos interesses da autarquia federal, com os crimes perpetrados pelos servidores públicos estaduais, no mesmo contexto, todos vinculados às negociações intermediadas por Witiney Cerqueira da Silva. Comporta aplicação das Súmulas 122 e 147 do STJ: Súmula 122 STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Súmula 147 do STJ estabelece o seguinte: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. São os mesmos elementos de prova que respaldam a acusação, diante da prática dos crimes federais pelos servidores do IBAMA e dos crimes imputados aos servidores da SEMA, o que justifica a conexão e o processamento do feito na Justiça Federal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para declarar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988, com retorno dos autos ao Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO. OBSTAR E DIFICULTAR FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS CRIMES. SEMA E IBAMA. AFETADO DIRETAMENTE INTERESSE DA AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. STJ, SÚMULAS 122 E 147. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. Compete à Justiça Federal processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de serviços ou interesses de entidades autárquicas federal, consoante art. 109, IV, da CF/1988. O STF definiu que a competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. Precedente. O MPF descreveu, detalhadamente, crime de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente serviço e interesse da autarquia federal. Compete à Justiça Federal o julgamento de crimes praticados em detrimento dos interesses e serviços do IBAMA, autarquia federal, bem como dos crimes conexos. Aplicada Súmula 122 do STJ: compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Aplicada a Súmula 147 do STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto da relatora. Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso Relatora
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Tribunal: TRF1 | Data: 01/07/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A RELATOR(A):MARIA DO CARMO CARDOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (doc. 2146349056) contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá (doc. 427705629), que declinou da competência para processamento e julgamento da ação penal à Justiça Estadual do Amapá. Nas razões do recurso (doc. 427705631), o MPF pleiteia a reforma da decisão para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes descritos na denúncia. Sustenta que os fatos narrados evidenciam a violação de serviços e interesses da União, revelando a existência de um grupo criminoso engajado na prática de crimes ambientais e crimes contra a Administração Pública, envolvendo madeireiros e servidores públicos, inclusive do IBAMA. Contrarrazões apresentadas pelas defesas, manifestando-se pelo não provimento do recurso criminal: Vanderley Santos de Almeida (doc. 427705635), Wellinson Maximin de Souza Severino (doc. 427705636), Kleber Machado Lobo e Walter Assunção Silva (doc. 427705637), Antônio Lúcio da Silva Oliveira (doc. 427705638), José Ricardo e Silva Vaz (doc. 429532894), Witiney Cerqueira da Silva (doc. 430683204), Nielson Silva de Souza e Cristóvão Nascimento de Carvalho, ambos assistidos pela DPU (doc. 431145373). Cumprida a formalidade prevista no art. 589 do CPP (doc. 427705639). Nessa instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento do recurso em sentido estrito (doc. 432506104). É o relatório. Encaminhem-se os autos ao revisor. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): No caso dos autos, a denúncia versa sobre a prática dos crimes descritos nos arts. 288, 317, 321, 325, todos do CP, bem como do art. 69 da Lei 9.605/1998 e foi recebida em 09/04/2021, pelo Juiz Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá, ocasião em que, expressamente, o magistrado reconheceu a competência da Justiça Federal, com fundamento na conexão instrumental entre os crimes (doc. 427705235). Após respostas à acusação, o magistrado ratificou o posicionamento, rejeitando a preliminar de incompetência da JF (doc. 427705333). No entanto, novo magistrado divergiu no entendimento e declinou a competência do julgamento da causa para a justiça estadual, com os seguintes fundamentos (doc. 427705629): (...) Nesse contexto, a presente ação penal é desdobramento da denominada operação "Usurpação", vinculada ao IPL nº 1005423-67.2020.4.01.3100, que apurava a prática de diversos crimes (associação criminosa, falsidade ideológica, etc.) contra o poder público ambiental, notadamente a manipulação criminosa no sistema DOF realizadas pelas empresas madeireiras (Id. 2136440468, folha 02). Segundo consta no referido IPL mencionado acima, a investigação concentrava-se em possível movimentação suspeita envolvendo as empresas JUAREZ GOMES ME e FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI ME em relação a emissão fraudulenta de guias no sistema DOF, visando acobertar o transporte ilegal de madeira em tora localizado na zona rural do município de Tartarugalzinho/AP (IPL 1005423-67.2020.4.01.3100, Id. 285389378, folha 04). Na ocasião, foi apreendido o aparelho telefônico de WITNEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI, dando origem aos Laudos nº 356/2020 e 358/2020SETEC/SR/AP, bem como a elaboração do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 664425/2021-SR/PF/AP, que ensejou a instauração de um novo inquérito policial, no qual se baseia a presente ação penal, bem como a Cautelar nº 1003492-92.2021.4.01.3100 (Id. 2136440468, folha 02). Nesse contexto, a partir da análise do aparelho celular de WITINEY, foi constatado que, de acordo com a investigação, servidores públicos federais e estaduais, lotados no IBAMA e SEMA, valendo-se do cargo que ocupavam, participaram de esquema de corrupção, com atuação ativa em fraudes em processos da SEMA e IBAMA culminando com a inserção de dados falsos no Sistema DOF. No caso concreto, pelos elementos de prova e pela narrativa contida na peça acusatória, observa-se que o caso em tela tem relação direta com a inserção de dados no Sistema DOF. Cumpre mencionar que o Sistema de Documento de Origem Floresta (Sistema DOF) integra o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - SINAFLOR, gerido pelo IBAMA - Instrução Normativa IBAMA nº 21, de 24/12/2014. Compulsando os autos, tem-se que não foi narrado na peça acusatória nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF. Nesse sentido: "A inserção de dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União ou órgão federal” (STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2023). Ainda, “O fato de a emissão e o controle do Documento de Origem Florestal (DOF) recaírem sobre o IBAMA, por si só, não pode significar que qualquer prática que envolva a inserção de dados no sistema da autarquia federal contenha elemento suficiente para caracterizar interesse da União ou da própria autarquia, uma vez que a proteção ao meio ambiente é de competência comum. Precedentes STJ e do TRF-1.” 3. Recurso não provido (TRF1. DÉCIMA TURMA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 1019018-52.2020.4.01.4000. Relator JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), data da publicação: 08/08/2023). É a hipótese dos autos. Embora a emissão e o controle do DOF recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema desta autarquia que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia, valendo destacar que o sistema DOF, no caso concreto, foi utilizado como meio para prática das condutas delituosas, sem ocorrência de lesão efetiva em desfavor da União. (...) Ademais, não ficou demonstrado na denúncia que as supostas irregularidades cometidas no sistema DOF objetivando a exploração de madeira ilegal ocorreram em área de interesse da União. Pelo contrário, as investigações apontam para extração em área de domínio do Estado do Amapá, o que afasta a competência da Justiça Federal. (...) Mesmo em relação aos servidores do IBAMA/AP (ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA), não ficou demonstrado de forma concreta que os crimes praticados, em tese, ofendeu bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas, pois não ficou caracterizado nos diálogos envolvendo os réus e WITINEY que o suposto pagamento de propina dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais de interesse federal e/ou mesmo que os réus estavam atuando como representantes de órgão federal, a justificar a competência da Justiça Federal (...) O MPF sustenta que o caso em análise se ajusta ao teor do art. 109, IV, da CF/1988, que dispõe competir aos juízes federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços, ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, e pretende a reforma da decisão supracitada. A decisão recorrida não esgotou a análise dos fatos narrados na denúncia (doc. 427705233): WITINEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela empresa FEIREINSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI (CNPJ 28.072.855.0001-47), de forma consciente e voluntária, constituiu associação criminosa com os servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá – SEMA JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, NIELSON SILVA DE SOUZA, WELLINSON MAXIMIN DE SOUZA SEVERINO e CRISTÓVÃO NASCIMENTO DE CARVALHO, e com os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA, objetivando a prática de crimes contra a administração pública, contra a fé pública e contra o meio ambiente, conforme constam nos diálogos, via aplicativo Whatsapp, que integram o Relatório de Análise de Material Apreendido Nº 664425/2021 – SR-PF/AP. A peça acusatória individualiza a conduta de cada acusado e demonstra os dias e as circunstâncias em que os servidores públicos da SEMA e do IBAMA solicitavam e recebiam vantagem para liberação de processos florestais, documentos e autorizações indevidas, bem como corroboravam para obstar e dificultar a fiscalização do órgão ambiental. Witiney, vulgo Baiano, era o intermediador das negociações entre os madeireiros e os servidores públicos, inclusive vinculados à autarquia federal IBAMA: Antônio Lúcio, Kleber Machado, Walter Assunção, Vanderley Santos da Silva. Merecem destaque os seguintes trechos da denúncia: (...) No dia 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, servidor do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado junto com “Orlando” para a prática de crimes, bem como obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. A conversa do “Chat nº 105”, demonstra que, na referida data, ANTÔNIO LÚCIO e WITINEY combinam de se encontrar, declinando as localidades onde estavam, tendo o servidor do IBAMA descrito o seu roteiro de atuação para WITINEY, delineado pela investigação da seguinte forma: (...) Posteriormente, ANTÔNIO LÚCIO solicita a WITINEY o pagamento/entrega de uma “carne”: “Baiano cadê aquela carne”, sendo que as mensagens são enviadas por áudio e demonstram que WITINEY comprometeu-se, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização a repassar para o servidor ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne). Ademais, constatou-se que o pagamento da propina era destinada para ANTÔNIO LÚCIO e outra pessoa, conforme apontou a perícia: (...) No dia 16/09/2019, JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, servidor público federal, lotado no IMAP (órgão extinto que foi integrado à SEMA), em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Segundo o “chat nº 168”, conversas entre WITINEY e JOSÉ RICARDO, datada de 16/09/2019, que o servidor público pediu dinheiro “emprestado” (propina) para WITINEY, no valor de R$1.000,00 (mil reais), indicando um certo grau de intimidade na relação entre eles, visto que a demanda por dinheiro é explícita e direta, demonstrando mais uma vez a influência que WITINEY tinha sobre servidores que laboravam em órgãos e entidades de proteção ambiental. (...) No dia 27/08/2019, KLEBER MACHADO LOBO, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Conforme consta no “CHAT nº 203”, em 27/08/2019, WITINEY inicia conversa com KLEBER, e abertamente este solicita vantagem ilícita ao particular, sob promessa de o recompensar em momento futuro: “dar uma força a mais pro amigo”; “Te recompenso depois”; “Boa noite meu velho”. Tais mensagens demonstram, mais uma vez, o poder e a influência que WITINEY tinha sobre os servidores que atuavam na proteção do meio ambiente, justamente nos cargos públicos que interessavam ao particular (trâmite processual e fiscalização ambiental), pedindo favores pessoais e prometendo uma recompensa futura ou oferecendo vantagens indevidas (propinas), travestidas de expressões: “dar uma força”, “empréstimos”, “encomenda”, “panetone”, etc. (...) No dia 22/10/2019, WITINEY envia para CRISTÓVÃO uma lista de nomes de pessoas cujos projetos estão com NIELSON, a saber: Antônio Martins Sales, Clodomir Cardoso Vieira, Fábio do Canaã, e o nome de uma pessoa (Maria Madalena Penha da Silva) cujo projeto estaria com Gilson e, logo em seguida, WITINEY socilita de CRISTÓVÃO uma posição e, no mesmo dia, CRISTÓVÃO responde ao particular, afirmando que falou com NIELSON, informando que este teria se comprometido em atender o solicitado após o depósito de parte do dinheiro, tendo WITINEY respondido o seguinte: “Tá fechado o compromisso”. (...) Assim, verifica-se que era comum a prática de pagamento de propina por WITINEY ao grupo de servidores públicos que integravam o consórcio criminoso, variando de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 1.000,00 (mil reais), para que dessem agilidade na movimentação processual da lista de processos enviados por WITINEY. Já VANDERLEY SANTOS DA SILVA, servidor do IBAMA, que estava associado junto com WALTER e WITINEY, para a prática de crimes, No dia 18/082019, obstou ou dificultou ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. Uma conversa entre WITINEY e VANDERLEY consta no “Chat nº 374”, na qual se verifica que o referido servidor do IBAMA informa que estava aguardando WITINEY em determinado local, ao que tudo indica já marcado em outro momento, tendo em vista que VANDERLEY afirma: “Estamos aqui”; “Cadê você?” e chama atenção a data em que a conversa foi realizada, no dia 18/08/2019, e o horário, às 00h04, uma vez que VANDERLEY, nesta época, encontrava-se em viagem de fiscalização ambiental, conforme informações coletadas pela investigação, para: “DAR CONTINUIDADE NAS AÇÕES FISCALIZATÓRIAS REFERENTES AOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS, MPF, JF E DEMAIS DEMANDAS”. Nesta senda, conhecendo o modus operandi do consórcio criminoso capitaneado por WITINEY e integrado por servidores do IBAMA e da SEMA, vislumbra-se que VANDERLEY também integra a associação criminosa, visto que não é crível que o agente fiscalizador e o fiscalizado encontram-se, em período em que VANDERLEY estava de serviço para tratar de interesses que não sejam criminosos. (...) No dia 11/06/2019, WALTER ASSUNÇÃO SILVA, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente ou indiretamente, de WITINEY, a quem estava associado junto VANDERLEY para a prática de crimes. Ademais, WALTER revelou fato de que tinha ciência em razão do cargo e que devia permanecer em segredo, bem como patrocinou interesse privado perante a administração pública e obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. (...) A conversa entre WALTER (Walter Iba Oi) e WITINEY continua no dia seguinte (12/06/2019), após a meia-noite, 00h04 até 00h14 e, a pedido de WITINEY, WALTER orienta como determinada pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, provavelmente para evitar alguma autuação, ocasião em que WALTER informa que falará com outro servidor para que ele mascare um mapa, tudo em comum acordo com WITINEY, que promete realizar posterior pagamento de propina (“depois a gente ajeita”). Destaco o teor da conversa: (...) Em 05/12/2019, WALTER e WITINEY voltam a dialogar, ocasião em que o servidor do IBAMA alerta WITINEY sobre uma fiscalização que o IBAMA estaria realizando naqueles dias e ainda se desculpa por não ter conseguido avisá-lo antes: (...) No “Chat nº 105”, consta que, em 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO (servidor do IBAMA) e WITINEY combinam de se encontrar e fazem um acerto: WITINEY prometeu, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização ambiental, a repassar para ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne), que seriam divididos entre este e outro servidor, conforme se depreende do áudio enviado por WITINEY ao referido servidor público: “aí tô lascado...botar 200 conto para cada aí, pelo amor de deus, eu tenho que pagar, não é de graça não...400 conto é meio boi...” (...) Por sua vez, no “chat 390”, consta que na conversa, datada de 12/06/2019, entre WITINEY e WALTER ASSUNÇÃO, servidor do IBAMA, este orienta como certa pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, objetivando para evitar alguma autuação, tendo WALTER se comprometido a falar com outro servidor para que ele “mascare um mapa”, com o fim de beneficiar os interesses de WITINEY, o qual prometeu realizar posterior acerto de contas, ao afirmar: “depois a gente ajeita”, isto é, prometeu vantagem indevida a servidor público, que foi efetivada no dia posterior (13/06/2019), conforme apontado nas conversas do “chat 390”, acima detalhado. A partir da análise do “Chat nº 608”, verificou-se conversa entre WITINEY e Juarez Gomes, em 25/07/2018, na qual Juarez, um dos investigados na Operação “Usurpação”, é alertado sobre a iminência de fiscalização do IBAMA em suas propriedades por WITINEY, o que demonstra que este possui informações privilegiadas por integrar uma associação criminosa com servidores públicos do IBAMA, o que lhe permite burlar a fiscalização realizada por agentes daquela autarquia que não integravam o esquema criminoso, conforme demonstrou a perícia nos áudios analisados: (...) Assim, verifica que WITINEY mantém relação espúria e constituiu uma associação criminosa com servidores públicos que recebiam vantagens indevidas para repassar aos madeireiros informações sobre fiscalizações ambientais (itinerários e como deviam proceder quando flagrados em irregularidades) e beneficiá-los, agilizando o trâmite dos procedimentos administrativos na SEMA (antigo IMAP) e no IBAMA e demais pedidos que não encontram amparo legal, tal como “mascarar mapa” (vide “chat nº 390”). (...) Em atenção aos fundamentos da decisão recorrida, cumpre observar que a denúncia sequer registra a extração ilegal de madeira ou que isso tenha ocorrido em área de domínio estadual, tampouco resume sua narrativa a fraudes na manipulação do Sistema DOF (documento de origem florestal), gerido pelo ente federal (IBAMA), para acobertar transporte ilegal de madeira no Estado do Amapá. Ao caso em análise, não se aplicam os precedentes do STJ (AgRg no CC 193.250/GO e CC 133.475/AP) citados pelo juízo, tampouco a decisão proferida por este Tribunal (RESE 1019018-52.2020.4.0.40000, relatoria do juiz federal convocado Marllon Sousa, PJe 08/08/2023), uma vez que o fato narrado na denúncia, como visto, não se limita à emissão e controle de DOF, sendo mais amplo e abarcando crimes que afetam diretamente os interesses do órgão federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é consolidada no sentido de que a ausência de interesse direto e específico da União afasta a competência da Justiça Federal para o julgamento de ação penal decorrente da prática de crime ambiental. Acrescenta que a definição da competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. (Recurso Extraordinário: 1492915 RO, relator ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe-s/n divulg. 29/11/2024, publicado em 02/12/2024). Nestes autos, o MPF descreveu, detalhadamente, crimes de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente o interesse da autarquia federal. Ainda, demonstrou que Witiney Cerqueira da Silva era o elo entre os servidores e os madeireiros. Logo, há conexão entre os crimes perpetrados pelos funcionários públicos federais, no exercício da função pública e em detrimento dos interesses da autarquia federal, com os crimes perpetrados pelos servidores públicos estaduais, no mesmo contexto, todos vinculados às negociações intermediadas por Witiney Cerqueira da Silva. Comporta aplicação das Súmulas 122 e 147 do STJ: Súmula 122 STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Súmula 147 do STJ estabelece o seguinte: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. São os mesmos elementos de prova que respaldam a acusação, diante da prática dos crimes federais pelos servidores do IBAMA e dos crimes imputados aos servidores da SEMA, o que justifica a conexão e o processamento do feito na Justiça Federal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para declarar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988, com retorno dos autos ao Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO. OBSTAR E DIFICULTAR FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS CRIMES. SEMA E IBAMA. AFETADO DIRETAMENTE INTERESSE DA AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. STJ, SÚMULAS 122 E 147. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. Compete à Justiça Federal processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de serviços ou interesses de entidades autárquicas federal, consoante art. 109, IV, da CF/1988. O STF definiu que a competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. Precedente. O MPF descreveu, detalhadamente, crime de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente serviço e interesse da autarquia federal. Compete à Justiça Federal o julgamento de crimes praticados em detrimento dos interesses e serviços do IBAMA, autarquia federal, bem como dos crimes conexos. Aplicada Súmula 122 do STJ: compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Aplicada a Súmula 147 do STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto da relatora. Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso Relatora
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Tribunal: TRF1 | Data: 01/07/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A RELATOR(A):MARIA DO CARMO CARDOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (doc. 2146349056) contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá (doc. 427705629), que declinou da competência para processamento e julgamento da ação penal à Justiça Estadual do Amapá. Nas razões do recurso (doc. 427705631), o MPF pleiteia a reforma da decisão para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes descritos na denúncia. Sustenta que os fatos narrados evidenciam a violação de serviços e interesses da União, revelando a existência de um grupo criminoso engajado na prática de crimes ambientais e crimes contra a Administração Pública, envolvendo madeireiros e servidores públicos, inclusive do IBAMA. Contrarrazões apresentadas pelas defesas, manifestando-se pelo não provimento do recurso criminal: Vanderley Santos de Almeida (doc. 427705635), Wellinson Maximin de Souza Severino (doc. 427705636), Kleber Machado Lobo e Walter Assunção Silva (doc. 427705637), Antônio Lúcio da Silva Oliveira (doc. 427705638), José Ricardo e Silva Vaz (doc. 429532894), Witiney Cerqueira da Silva (doc. 430683204), Nielson Silva de Souza e Cristóvão Nascimento de Carvalho, ambos assistidos pela DPU (doc. 431145373). Cumprida a formalidade prevista no art. 589 do CPP (doc. 427705639). Nessa instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento do recurso em sentido estrito (doc. 432506104). É o relatório. Encaminhem-se os autos ao revisor. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): No caso dos autos, a denúncia versa sobre a prática dos crimes descritos nos arts. 288, 317, 321, 325, todos do CP, bem como do art. 69 da Lei 9.605/1998 e foi recebida em 09/04/2021, pelo Juiz Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá, ocasião em que, expressamente, o magistrado reconheceu a competência da Justiça Federal, com fundamento na conexão instrumental entre os crimes (doc. 427705235). Após respostas à acusação, o magistrado ratificou o posicionamento, rejeitando a preliminar de incompetência da JF (doc. 427705333). No entanto, novo magistrado divergiu no entendimento e declinou a competência do julgamento da causa para a justiça estadual, com os seguintes fundamentos (doc. 427705629): (...) Nesse contexto, a presente ação penal é desdobramento da denominada operação "Usurpação", vinculada ao IPL nº 1005423-67.2020.4.01.3100, que apurava a prática de diversos crimes (associação criminosa, falsidade ideológica, etc.) contra o poder público ambiental, notadamente a manipulação criminosa no sistema DOF realizadas pelas empresas madeireiras (Id. 2136440468, folha 02). Segundo consta no referido IPL mencionado acima, a investigação concentrava-se em possível movimentação suspeita envolvendo as empresas JUAREZ GOMES ME e FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI ME em relação a emissão fraudulenta de guias no sistema DOF, visando acobertar o transporte ilegal de madeira em tora localizado na zona rural do município de Tartarugalzinho/AP (IPL 1005423-67.2020.4.01.3100, Id. 285389378, folha 04). Na ocasião, foi apreendido o aparelho telefônico de WITNEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI, dando origem aos Laudos nº 356/2020 e 358/2020SETEC/SR/AP, bem como a elaboração do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 664425/2021-SR/PF/AP, que ensejou a instauração de um novo inquérito policial, no qual se baseia a presente ação penal, bem como a Cautelar nº 1003492-92.2021.4.01.3100 (Id. 2136440468, folha 02). Nesse contexto, a partir da análise do aparelho celular de WITINEY, foi constatado que, de acordo com a investigação, servidores públicos federais e estaduais, lotados no IBAMA e SEMA, valendo-se do cargo que ocupavam, participaram de esquema de corrupção, com atuação ativa em fraudes em processos da SEMA e IBAMA culminando com a inserção de dados falsos no Sistema DOF. No caso concreto, pelos elementos de prova e pela narrativa contida na peça acusatória, observa-se que o caso em tela tem relação direta com a inserção de dados no Sistema DOF. Cumpre mencionar que o Sistema de Documento de Origem Floresta (Sistema DOF) integra o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - SINAFLOR, gerido pelo IBAMA - Instrução Normativa IBAMA nº 21, de 24/12/2014. Compulsando os autos, tem-se que não foi narrado na peça acusatória nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF. Nesse sentido: "A inserção de dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União ou órgão federal” (STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2023). Ainda, “O fato de a emissão e o controle do Documento de Origem Florestal (DOF) recaírem sobre o IBAMA, por si só, não pode significar que qualquer prática que envolva a inserção de dados no sistema da autarquia federal contenha elemento suficiente para caracterizar interesse da União ou da própria autarquia, uma vez que a proteção ao meio ambiente é de competência comum. Precedentes STJ e do TRF-1.” 3. Recurso não provido (TRF1. DÉCIMA TURMA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 1019018-52.2020.4.01.4000. Relator JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), data da publicação: 08/08/2023). É a hipótese dos autos. Embora a emissão e o controle do DOF recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema desta autarquia que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia, valendo destacar que o sistema DOF, no caso concreto, foi utilizado como meio para prática das condutas delituosas, sem ocorrência de lesão efetiva em desfavor da União. (...) Ademais, não ficou demonstrado na denúncia que as supostas irregularidades cometidas no sistema DOF objetivando a exploração de madeira ilegal ocorreram em área de interesse da União. Pelo contrário, as investigações apontam para extração em área de domínio do Estado do Amapá, o que afasta a competência da Justiça Federal. (...) Mesmo em relação aos servidores do IBAMA/AP (ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA), não ficou demonstrado de forma concreta que os crimes praticados, em tese, ofendeu bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas, pois não ficou caracterizado nos diálogos envolvendo os réus e WITINEY que o suposto pagamento de propina dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais de interesse federal e/ou mesmo que os réus estavam atuando como representantes de órgão federal, a justificar a competência da Justiça Federal (...) O MPF sustenta que o caso em análise se ajusta ao teor do art. 109, IV, da CF/1988, que dispõe competir aos juízes federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços, ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, e pretende a reforma da decisão supracitada. A decisão recorrida não esgotou a análise dos fatos narrados na denúncia (doc. 427705233): WITINEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela empresa FEIREINSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI (CNPJ 28.072.855.0001-47), de forma consciente e voluntária, constituiu associação criminosa com os servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá – SEMA JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, NIELSON SILVA DE SOUZA, WELLINSON MAXIMIN DE SOUZA SEVERINO e CRISTÓVÃO NASCIMENTO DE CARVALHO, e com os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA, objetivando a prática de crimes contra a administração pública, contra a fé pública e contra o meio ambiente, conforme constam nos diálogos, via aplicativo Whatsapp, que integram o Relatório de Análise de Material Apreendido Nº 664425/2021 – SR-PF/AP. A peça acusatória individualiza a conduta de cada acusado e demonstra os dias e as circunstâncias em que os servidores públicos da SEMA e do IBAMA solicitavam e recebiam vantagem para liberação de processos florestais, documentos e autorizações indevidas, bem como corroboravam para obstar e dificultar a fiscalização do órgão ambiental. Witiney, vulgo Baiano, era o intermediador das negociações entre os madeireiros e os servidores públicos, inclusive vinculados à autarquia federal IBAMA: Antônio Lúcio, Kleber Machado, Walter Assunção, Vanderley Santos da Silva. Merecem destaque os seguintes trechos da denúncia: (...) No dia 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, servidor do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado junto com “Orlando” para a prática de crimes, bem como obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. A conversa do “Chat nº 105”, demonstra que, na referida data, ANTÔNIO LÚCIO e WITINEY combinam de se encontrar, declinando as localidades onde estavam, tendo o servidor do IBAMA descrito o seu roteiro de atuação para WITINEY, delineado pela investigação da seguinte forma: (...) Posteriormente, ANTÔNIO LÚCIO solicita a WITINEY o pagamento/entrega de uma “carne”: “Baiano cadê aquela carne”, sendo que as mensagens são enviadas por áudio e demonstram que WITINEY comprometeu-se, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização a repassar para o servidor ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne). Ademais, constatou-se que o pagamento da propina era destinada para ANTÔNIO LÚCIO e outra pessoa, conforme apontou a perícia: (...) No dia 16/09/2019, JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, servidor público federal, lotado no IMAP (órgão extinto que foi integrado à SEMA), em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Segundo o “chat nº 168”, conversas entre WITINEY e JOSÉ RICARDO, datada de 16/09/2019, que o servidor público pediu dinheiro “emprestado” (propina) para WITINEY, no valor de R$1.000,00 (mil reais), indicando um certo grau de intimidade na relação entre eles, visto que a demanda por dinheiro é explícita e direta, demonstrando mais uma vez a influência que WITINEY tinha sobre servidores que laboravam em órgãos e entidades de proteção ambiental. (...) No dia 27/08/2019, KLEBER MACHADO LOBO, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Conforme consta no “CHAT nº 203”, em 27/08/2019, WITINEY inicia conversa com KLEBER, e abertamente este solicita vantagem ilícita ao particular, sob promessa de o recompensar em momento futuro: “dar uma força a mais pro amigo”; “Te recompenso depois”; “Boa noite meu velho”. Tais mensagens demonstram, mais uma vez, o poder e a influência que WITINEY tinha sobre os servidores que atuavam na proteção do meio ambiente, justamente nos cargos públicos que interessavam ao particular (trâmite processual e fiscalização ambiental), pedindo favores pessoais e prometendo uma recompensa futura ou oferecendo vantagens indevidas (propinas), travestidas de expressões: “dar uma força”, “empréstimos”, “encomenda”, “panetone”, etc. (...) No dia 22/10/2019, WITINEY envia para CRISTÓVÃO uma lista de nomes de pessoas cujos projetos estão com NIELSON, a saber: Antônio Martins Sales, Clodomir Cardoso Vieira, Fábio do Canaã, e o nome de uma pessoa (Maria Madalena Penha da Silva) cujo projeto estaria com Gilson e, logo em seguida, WITINEY socilita de CRISTÓVÃO uma posição e, no mesmo dia, CRISTÓVÃO responde ao particular, afirmando que falou com NIELSON, informando que este teria se comprometido em atender o solicitado após o depósito de parte do dinheiro, tendo WITINEY respondido o seguinte: “Tá fechado o compromisso”. (...) Assim, verifica-se que era comum a prática de pagamento de propina por WITINEY ao grupo de servidores públicos que integravam o consórcio criminoso, variando de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 1.000,00 (mil reais), para que dessem agilidade na movimentação processual da lista de processos enviados por WITINEY. Já VANDERLEY SANTOS DA SILVA, servidor do IBAMA, que estava associado junto com WALTER e WITINEY, para a prática de crimes, No dia 18/082019, obstou ou dificultou ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. Uma conversa entre WITINEY e VANDERLEY consta no “Chat nº 374”, na qual se verifica que o referido servidor do IBAMA informa que estava aguardando WITINEY em determinado local, ao que tudo indica já marcado em outro momento, tendo em vista que VANDERLEY afirma: “Estamos aqui”; “Cadê você?” e chama atenção a data em que a conversa foi realizada, no dia 18/08/2019, e o horário, às 00h04, uma vez que VANDERLEY, nesta época, encontrava-se em viagem de fiscalização ambiental, conforme informações coletadas pela investigação, para: “DAR CONTINUIDADE NAS AÇÕES FISCALIZATÓRIAS REFERENTES AOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS, MPF, JF E DEMAIS DEMANDAS”. Nesta senda, conhecendo o modus operandi do consórcio criminoso capitaneado por WITINEY e integrado por servidores do IBAMA e da SEMA, vislumbra-se que VANDERLEY também integra a associação criminosa, visto que não é crível que o agente fiscalizador e o fiscalizado encontram-se, em período em que VANDERLEY estava de serviço para tratar de interesses que não sejam criminosos. (...) No dia 11/06/2019, WALTER ASSUNÇÃO SILVA, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente ou indiretamente, de WITINEY, a quem estava associado junto VANDERLEY para a prática de crimes. Ademais, WALTER revelou fato de que tinha ciência em razão do cargo e que devia permanecer em segredo, bem como patrocinou interesse privado perante a administração pública e obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. (...) A conversa entre WALTER (Walter Iba Oi) e WITINEY continua no dia seguinte (12/06/2019), após a meia-noite, 00h04 até 00h14 e, a pedido de WITINEY, WALTER orienta como determinada pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, provavelmente para evitar alguma autuação, ocasião em que WALTER informa que falará com outro servidor para que ele mascare um mapa, tudo em comum acordo com WITINEY, que promete realizar posterior pagamento de propina (“depois a gente ajeita”). Destaco o teor da conversa: (...) Em 05/12/2019, WALTER e WITINEY voltam a dialogar, ocasião em que o servidor do IBAMA alerta WITINEY sobre uma fiscalização que o IBAMA estaria realizando naqueles dias e ainda se desculpa por não ter conseguido avisá-lo antes: (...) No “Chat nº 105”, consta que, em 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO (servidor do IBAMA) e WITINEY combinam de se encontrar e fazem um acerto: WITINEY prometeu, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização ambiental, a repassar para ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne), que seriam divididos entre este e outro servidor, conforme se depreende do áudio enviado por WITINEY ao referido servidor público: “aí tô lascado...botar 200 conto para cada aí, pelo amor de deus, eu tenho que pagar, não é de graça não...400 conto é meio boi...” (...) Por sua vez, no “chat 390”, consta que na conversa, datada de 12/06/2019, entre WITINEY e WALTER ASSUNÇÃO, servidor do IBAMA, este orienta como certa pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, objetivando para evitar alguma autuação, tendo WALTER se comprometido a falar com outro servidor para que ele “mascare um mapa”, com o fim de beneficiar os interesses de WITINEY, o qual prometeu realizar posterior acerto de contas, ao afirmar: “depois a gente ajeita”, isto é, prometeu vantagem indevida a servidor público, que foi efetivada no dia posterior (13/06/2019), conforme apontado nas conversas do “chat 390”, acima detalhado. A partir da análise do “Chat nº 608”, verificou-se conversa entre WITINEY e Juarez Gomes, em 25/07/2018, na qual Juarez, um dos investigados na Operação “Usurpação”, é alertado sobre a iminência de fiscalização do IBAMA em suas propriedades por WITINEY, o que demonstra que este possui informações privilegiadas por integrar uma associação criminosa com servidores públicos do IBAMA, o que lhe permite burlar a fiscalização realizada por agentes daquela autarquia que não integravam o esquema criminoso, conforme demonstrou a perícia nos áudios analisados: (...) Assim, verifica que WITINEY mantém relação espúria e constituiu uma associação criminosa com servidores públicos que recebiam vantagens indevidas para repassar aos madeireiros informações sobre fiscalizações ambientais (itinerários e como deviam proceder quando flagrados em irregularidades) e beneficiá-los, agilizando o trâmite dos procedimentos administrativos na SEMA (antigo IMAP) e no IBAMA e demais pedidos que não encontram amparo legal, tal como “mascarar mapa” (vide “chat nº 390”). (...) Em atenção aos fundamentos da decisão recorrida, cumpre observar que a denúncia sequer registra a extração ilegal de madeira ou que isso tenha ocorrido em área de domínio estadual, tampouco resume sua narrativa a fraudes na manipulação do Sistema DOF (documento de origem florestal), gerido pelo ente federal (IBAMA), para acobertar transporte ilegal de madeira no Estado do Amapá. Ao caso em análise, não se aplicam os precedentes do STJ (AgRg no CC 193.250/GO e CC 133.475/AP) citados pelo juízo, tampouco a decisão proferida por este Tribunal (RESE 1019018-52.2020.4.0.40000, relatoria do juiz federal convocado Marllon Sousa, PJe 08/08/2023), uma vez que o fato narrado na denúncia, como visto, não se limita à emissão e controle de DOF, sendo mais amplo e abarcando crimes que afetam diretamente os interesses do órgão federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é consolidada no sentido de que a ausência de interesse direto e específico da União afasta a competência da Justiça Federal para o julgamento de ação penal decorrente da prática de crime ambiental. Acrescenta que a definição da competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. (Recurso Extraordinário: 1492915 RO, relator ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe-s/n divulg. 29/11/2024, publicado em 02/12/2024). Nestes autos, o MPF descreveu, detalhadamente, crimes de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente o interesse da autarquia federal. Ainda, demonstrou que Witiney Cerqueira da Silva era o elo entre os servidores e os madeireiros. Logo, há conexão entre os crimes perpetrados pelos funcionários públicos federais, no exercício da função pública e em detrimento dos interesses da autarquia federal, com os crimes perpetrados pelos servidores públicos estaduais, no mesmo contexto, todos vinculados às negociações intermediadas por Witiney Cerqueira da Silva. Comporta aplicação das Súmulas 122 e 147 do STJ: Súmula 122 STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Súmula 147 do STJ estabelece o seguinte: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. São os mesmos elementos de prova que respaldam a acusação, diante da prática dos crimes federais pelos servidores do IBAMA e dos crimes imputados aos servidores da SEMA, o que justifica a conexão e o processamento do feito na Justiça Federal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para declarar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988, com retorno dos autos ao Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO. OBSTAR E DIFICULTAR FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS CRIMES. SEMA E IBAMA. AFETADO DIRETAMENTE INTERESSE DA AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. STJ, SÚMULAS 122 E 147. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. Compete à Justiça Federal processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de serviços ou interesses de entidades autárquicas federal, consoante art. 109, IV, da CF/1988. O STF definiu que a competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. Precedente. O MPF descreveu, detalhadamente, crime de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente serviço e interesse da autarquia federal. Compete à Justiça Federal o julgamento de crimes praticados em detrimento dos interesses e serviços do IBAMA, autarquia federal, bem como dos crimes conexos. Aplicada Súmula 122 do STJ: compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Aplicada a Súmula 147 do STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto da relatora. Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso Relatora
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Tribunal: TRF1 | Data: 01/07/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A RELATOR(A):MARIA DO CARMO CARDOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 RELATÓRIO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (doc. 2146349056) contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá (doc. 427705629), que declinou da competência para processamento e julgamento da ação penal à Justiça Estadual do Amapá. Nas razões do recurso (doc. 427705631), o MPF pleiteia a reforma da decisão para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar os crimes descritos na denúncia. Sustenta que os fatos narrados evidenciam a violação de serviços e interesses da União, revelando a existência de um grupo criminoso engajado na prática de crimes ambientais e crimes contra a Administração Pública, envolvendo madeireiros e servidores públicos, inclusive do IBAMA. Contrarrazões apresentadas pelas defesas, manifestando-se pelo não provimento do recurso criminal: Vanderley Santos de Almeida (doc. 427705635), Wellinson Maximin de Souza Severino (doc. 427705636), Kleber Machado Lobo e Walter Assunção Silva (doc. 427705637), Antônio Lúcio da Silva Oliveira (doc. 427705638), José Ricardo e Silva Vaz (doc. 429532894), Witiney Cerqueira da Silva (doc. 430683204), Nielson Silva de Souza e Cristóvão Nascimento de Carvalho, ambos assistidos pela DPU (doc. 431145373). Cumprida a formalidade prevista no art. 589 do CPP (doc. 427705639). Nessa instância, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina pelo provimento do recurso em sentido estrito (doc. 432506104). É o relatório. Encaminhem-se os autos ao revisor. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) n. 1004652-55.2021.4.01.3100 VOTO A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): No caso dos autos, a denúncia versa sobre a prática dos crimes descritos nos arts. 288, 317, 321, 325, todos do CP, bem como do art. 69 da Lei 9.605/1998 e foi recebida em 09/04/2021, pelo Juiz Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Amapá, ocasião em que, expressamente, o magistrado reconheceu a competência da Justiça Federal, com fundamento na conexão instrumental entre os crimes (doc. 427705235). Após respostas à acusação, o magistrado ratificou o posicionamento, rejeitando a preliminar de incompetência da JF (doc. 427705333). No entanto, novo magistrado divergiu no entendimento e declinou a competência do julgamento da causa para a justiça estadual, com os seguintes fundamentos (doc. 427705629): (...) Nesse contexto, a presente ação penal é desdobramento da denominada operação "Usurpação", vinculada ao IPL nº 1005423-67.2020.4.01.3100, que apurava a prática de diversos crimes (associação criminosa, falsidade ideológica, etc.) contra o poder público ambiental, notadamente a manipulação criminosa no sistema DOF realizadas pelas empresas madeireiras (Id. 2136440468, folha 02). Segundo consta no referido IPL mencionado acima, a investigação concentrava-se em possível movimentação suspeita envolvendo as empresas JUAREZ GOMES ME e FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI ME em relação a emissão fraudulenta de guias no sistema DOF, visando acobertar o transporte ilegal de madeira em tora localizado na zona rural do município de Tartarugalzinho/AP (IPL 1005423-67.2020.4.01.3100, Id. 285389378, folha 04). Na ocasião, foi apreendido o aparelho telefônico de WITNEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela FEIRENSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI, dando origem aos Laudos nº 356/2020 e 358/2020SETEC/SR/AP, bem como a elaboração do Relatório de Análise de Material Apreendido nº 664425/2021-SR/PF/AP, que ensejou a instauração de um novo inquérito policial, no qual se baseia a presente ação penal, bem como a Cautelar nº 1003492-92.2021.4.01.3100 (Id. 2136440468, folha 02). Nesse contexto, a partir da análise do aparelho celular de WITINEY, foi constatado que, de acordo com a investigação, servidores públicos federais e estaduais, lotados no IBAMA e SEMA, valendo-se do cargo que ocupavam, participaram de esquema de corrupção, com atuação ativa em fraudes em processos da SEMA e IBAMA culminando com a inserção de dados falsos no Sistema DOF. No caso concreto, pelos elementos de prova e pela narrativa contida na peça acusatória, observa-se que o caso em tela tem relação direta com a inserção de dados no Sistema DOF. Cumpre mencionar que o Sistema de Documento de Origem Floresta (Sistema DOF) integra o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais - SINAFLOR, gerido pelo IBAMA - Instrução Normativa IBAMA nº 21, de 24/12/2014. Compulsando os autos, tem-se que não foi narrado na peça acusatória nenhum prejuízo concreto ao ente federal ou demonstrada a ofensa a interesse direto e específico da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas com a suposta apresentação de informação falsa no sistema DOF. Nesse sentido: "A inserção de dados falsos em sistema de dados federais não fixa, por si só, a competência da Justiça Federal, a qual somente é atraída quando houver ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União ou órgão federal” (STJ. 3ª Seção. AgRg no CC 193.250-GO, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2023). Ainda, “O fato de a emissão e o controle do Documento de Origem Florestal (DOF) recaírem sobre o IBAMA, por si só, não pode significar que qualquer prática que envolva a inserção de dados no sistema da autarquia federal contenha elemento suficiente para caracterizar interesse da União ou da própria autarquia, uma vez que a proteção ao meio ambiente é de competência comum. Precedentes STJ e do TRF-1.” 3. Recurso não provido (TRF1. DÉCIMA TURMA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 1019018-52.2020.4.01.4000. Relator JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), data da publicação: 08/08/2023). É a hipótese dos autos. Embora a emissão e o controle do DOF recaiam sobre o IBAMA, isso não pode significar que qualquer prática delitiva que envolva a inserção de dados no sistema desta autarquia que armazena os registros, contenha, em si, elemento suficiente para caracterizar o interesse da União ou da própria autarquia, valendo destacar que o sistema DOF, no caso concreto, foi utilizado como meio para prática das condutas delituosas, sem ocorrência de lesão efetiva em desfavor da União. (...) Ademais, não ficou demonstrado na denúncia que as supostas irregularidades cometidas no sistema DOF objetivando a exploração de madeira ilegal ocorreram em área de interesse da União. Pelo contrário, as investigações apontam para extração em área de domínio do Estado do Amapá, o que afasta a competência da Justiça Federal. (...) Mesmo em relação aos servidores do IBAMA/AP (ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA), não ficou demonstrado de forma concreta que os crimes praticados, em tese, ofendeu bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias, fundações ou empresas públicas, pois não ficou caracterizado nos diálogos envolvendo os réus e WITINEY que o suposto pagamento de propina dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais de interesse federal e/ou mesmo que os réus estavam atuando como representantes de órgão federal, a justificar a competência da Justiça Federal (...) O MPF sustenta que o caso em análise se ajusta ao teor do art. 109, IV, da CF/1988, que dispõe competir aos juízes federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços, ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, e pretende a reforma da decisão supracitada. A decisão recorrida não esgotou a análise dos fatos narrados na denúncia (doc. 427705233): WITINEY CERQUEIRA DA SILVA, responsável pela empresa FEIREINSE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS EIRELI (CNPJ 28.072.855.0001-47), de forma consciente e voluntária, constituiu associação criminosa com os servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá – SEMA JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, NIELSON SILVA DE SOUZA, WELLINSON MAXIMIN DE SOUZA SEVERINO e CRISTÓVÃO NASCIMENTO DE CARVALHO, e com os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, KLEBER MACHADO LOBO e WALTER ASSUNÇÃO SILVA, objetivando a prática de crimes contra a administração pública, contra a fé pública e contra o meio ambiente, conforme constam nos diálogos, via aplicativo Whatsapp, que integram o Relatório de Análise de Material Apreendido Nº 664425/2021 – SR-PF/AP. A peça acusatória individualiza a conduta de cada acusado e demonstra os dias e as circunstâncias em que os servidores públicos da SEMA e do IBAMA solicitavam e recebiam vantagem para liberação de processos florestais, documentos e autorizações indevidas, bem como corroboravam para obstar e dificultar a fiscalização do órgão ambiental. Witiney, vulgo Baiano, era o intermediador das negociações entre os madeireiros e os servidores públicos, inclusive vinculados à autarquia federal IBAMA: Antônio Lúcio, Kleber Machado, Walter Assunção, Vanderley Santos da Silva. Merecem destaque os seguintes trechos da denúncia: (...) No dia 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO DA SILVA OLIVEIRA, servidor do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado junto com “Orlando” para a prática de crimes, bem como obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. A conversa do “Chat nº 105”, demonstra que, na referida data, ANTÔNIO LÚCIO e WITINEY combinam de se encontrar, declinando as localidades onde estavam, tendo o servidor do IBAMA descrito o seu roteiro de atuação para WITINEY, delineado pela investigação da seguinte forma: (...) Posteriormente, ANTÔNIO LÚCIO solicita a WITINEY o pagamento/entrega de uma “carne”: “Baiano cadê aquela carne”, sendo que as mensagens são enviadas por áudio e demonstram que WITINEY comprometeu-se, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização a repassar para o servidor ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne). Ademais, constatou-se que o pagamento da propina era destinada para ANTÔNIO LÚCIO e outra pessoa, conforme apontou a perícia: (...) No dia 16/09/2019, JOSÉ RICARDO E SILVA VAZ, servidor público federal, lotado no IMAP (órgão extinto que foi integrado à SEMA), em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Segundo o “chat nº 168”, conversas entre WITINEY e JOSÉ RICARDO, datada de 16/09/2019, que o servidor público pediu dinheiro “emprestado” (propina) para WITINEY, no valor de R$1.000,00 (mil reais), indicando um certo grau de intimidade na relação entre eles, visto que a demanda por dinheiro é explícita e direta, demonstrando mais uma vez a influência que WITINEY tinha sobre servidores que laboravam em órgãos e entidades de proteção ambiental. (...) No dia 27/08/2019, KLEBER MACHADO LOBO, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente a WITINEY, a quem estava associado para a prática de crimes. Conforme consta no “CHAT nº 203”, em 27/08/2019, WITINEY inicia conversa com KLEBER, e abertamente este solicita vantagem ilícita ao particular, sob promessa de o recompensar em momento futuro: “dar uma força a mais pro amigo”; “Te recompenso depois”; “Boa noite meu velho”. Tais mensagens demonstram, mais uma vez, o poder e a influência que WITINEY tinha sobre os servidores que atuavam na proteção do meio ambiente, justamente nos cargos públicos que interessavam ao particular (trâmite processual e fiscalização ambiental), pedindo favores pessoais e prometendo uma recompensa futura ou oferecendo vantagens indevidas (propinas), travestidas de expressões: “dar uma força”, “empréstimos”, “encomenda”, “panetone”, etc. (...) No dia 22/10/2019, WITINEY envia para CRISTÓVÃO uma lista de nomes de pessoas cujos projetos estão com NIELSON, a saber: Antônio Martins Sales, Clodomir Cardoso Vieira, Fábio do Canaã, e o nome de uma pessoa (Maria Madalena Penha da Silva) cujo projeto estaria com Gilson e, logo em seguida, WITINEY socilita de CRISTÓVÃO uma posição e, no mesmo dia, CRISTÓVÃO responde ao particular, afirmando que falou com NIELSON, informando que este teria se comprometido em atender o solicitado após o depósito de parte do dinheiro, tendo WITINEY respondido o seguinte: “Tá fechado o compromisso”. (...) Assim, verifica-se que era comum a prática de pagamento de propina por WITINEY ao grupo de servidores públicos que integravam o consórcio criminoso, variando de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 1.000,00 (mil reais), para que dessem agilidade na movimentação processual da lista de processos enviados por WITINEY. Já VANDERLEY SANTOS DA SILVA, servidor do IBAMA, que estava associado junto com WALTER e WITINEY, para a prática de crimes, No dia 18/082019, obstou ou dificultou ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. Uma conversa entre WITINEY e VANDERLEY consta no “Chat nº 374”, na qual se verifica que o referido servidor do IBAMA informa que estava aguardando WITINEY em determinado local, ao que tudo indica já marcado em outro momento, tendo em vista que VANDERLEY afirma: “Estamos aqui”; “Cadê você?” e chama atenção a data em que a conversa foi realizada, no dia 18/08/2019, e o horário, às 00h04, uma vez que VANDERLEY, nesta época, encontrava-se em viagem de fiscalização ambiental, conforme informações coletadas pela investigação, para: “DAR CONTINUIDADE NAS AÇÕES FISCALIZATÓRIAS REFERENTES AOS PROCESSOS DE APURAÇÃO DE INFRAÇÕES AMBIENTAIS, MPF, JF E DEMAIS DEMANDAS”. Nesta senda, conhecendo o modus operandi do consórcio criminoso capitaneado por WITINEY e integrado por servidores do IBAMA e da SEMA, vislumbra-se que VANDERLEY também integra a associação criminosa, visto que não é crível que o agente fiscalizador e o fiscalizado encontram-se, em período em que VANDERLEY estava de serviço para tratar de interesses que não sejam criminosos. (...) No dia 11/06/2019, WALTER ASSUNÇÃO SILVA, servidor público do IBAMA, em razão da função, solicitou vantagem indevida, para si, diretamente ou indiretamente, de WITINEY, a quem estava associado junto VANDERLEY para a prática de crimes. Ademais, WALTER revelou fato de que tinha ciência em razão do cargo e que devia permanecer em segredo, bem como patrocinou interesse privado perante a administração pública e obstou ou dificultou a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais. (...) A conversa entre WALTER (Walter Iba Oi) e WITINEY continua no dia seguinte (12/06/2019), após a meia-noite, 00h04 até 00h14 e, a pedido de WITINEY, WALTER orienta como determinada pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, provavelmente para evitar alguma autuação, ocasião em que WALTER informa que falará com outro servidor para que ele mascare um mapa, tudo em comum acordo com WITINEY, que promete realizar posterior pagamento de propina (“depois a gente ajeita”). Destaco o teor da conversa: (...) Em 05/12/2019, WALTER e WITINEY voltam a dialogar, ocasião em que o servidor do IBAMA alerta WITINEY sobre uma fiscalização que o IBAMA estaria realizando naqueles dias e ainda se desculpa por não ter conseguido avisá-lo antes: (...) No “Chat nº 105”, consta que, em 21/11/2019, ANTÔNIO LÚCIO (servidor do IBAMA) e WITINEY combinam de se encontrar e fazem um acerto: WITINEY prometeu, logo após receber informações sobre o itinerário da fiscalização ambiental, a repassar para ANTÔNIO LÚCIO valores, ou em espécie ou in natura (carne), que seriam divididos entre este e outro servidor, conforme se depreende do áudio enviado por WITINEY ao referido servidor público: “aí tô lascado...botar 200 conto para cada aí, pelo amor de deus, eu tenho que pagar, não é de graça não...400 conto é meio boi...” (...) Por sua vez, no “chat 390”, consta que na conversa, datada de 12/06/2019, entre WITINEY e WALTER ASSUNÇÃO, servidor do IBAMA, este orienta como certa pessoa deveria proceder para justificar alguma ação ilegal/irregular perante o IBAMA, objetivando para evitar alguma autuação, tendo WALTER se comprometido a falar com outro servidor para que ele “mascare um mapa”, com o fim de beneficiar os interesses de WITINEY, o qual prometeu realizar posterior acerto de contas, ao afirmar: “depois a gente ajeita”, isto é, prometeu vantagem indevida a servidor público, que foi efetivada no dia posterior (13/06/2019), conforme apontado nas conversas do “chat 390”, acima detalhado. A partir da análise do “Chat nº 608”, verificou-se conversa entre WITINEY e Juarez Gomes, em 25/07/2018, na qual Juarez, um dos investigados na Operação “Usurpação”, é alertado sobre a iminência de fiscalização do IBAMA em suas propriedades por WITINEY, o que demonstra que este possui informações privilegiadas por integrar uma associação criminosa com servidores públicos do IBAMA, o que lhe permite burlar a fiscalização realizada por agentes daquela autarquia que não integravam o esquema criminoso, conforme demonstrou a perícia nos áudios analisados: (...) Assim, verifica que WITINEY mantém relação espúria e constituiu uma associação criminosa com servidores públicos que recebiam vantagens indevidas para repassar aos madeireiros informações sobre fiscalizações ambientais (itinerários e como deviam proceder quando flagrados em irregularidades) e beneficiá-los, agilizando o trâmite dos procedimentos administrativos na SEMA (antigo IMAP) e no IBAMA e demais pedidos que não encontram amparo legal, tal como “mascarar mapa” (vide “chat nº 390”). (...) Em atenção aos fundamentos da decisão recorrida, cumpre observar que a denúncia sequer registra a extração ilegal de madeira ou que isso tenha ocorrido em área de domínio estadual, tampouco resume sua narrativa a fraudes na manipulação do Sistema DOF (documento de origem florestal), gerido pelo ente federal (IBAMA), para acobertar transporte ilegal de madeira no Estado do Amapá. Ao caso em análise, não se aplicam os precedentes do STJ (AgRg no CC 193.250/GO e CC 133.475/AP) citados pelo juízo, tampouco a decisão proferida por este Tribunal (RESE 1019018-52.2020.4.0.40000, relatoria do juiz federal convocado Marllon Sousa, PJe 08/08/2023), uma vez que o fato narrado na denúncia, como visto, não se limita à emissão e controle de DOF, sendo mais amplo e abarcando crimes que afetam diretamente os interesses do órgão federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é consolidada no sentido de que a ausência de interesse direto e específico da União afasta a competência da Justiça Federal para o julgamento de ação penal decorrente da prática de crime ambiental. Acrescenta que a definição da competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. (Recurso Extraordinário: 1492915 RO, relator ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, DJe-s/n divulg. 29/11/2024, publicado em 02/12/2024). Nestes autos, o MPF descreveu, detalhadamente, crimes de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente o interesse da autarquia federal. Ainda, demonstrou que Witiney Cerqueira da Silva era o elo entre os servidores e os madeireiros. Logo, há conexão entre os crimes perpetrados pelos funcionários públicos federais, no exercício da função pública e em detrimento dos interesses da autarquia federal, com os crimes perpetrados pelos servidores públicos estaduais, no mesmo contexto, todos vinculados às negociações intermediadas por Witiney Cerqueira da Silva. Comporta aplicação das Súmulas 122 e 147 do STJ: Súmula 122 STJ: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Súmula 147 do STJ estabelece o seguinte: Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. São os mesmos elementos de prova que respaldam a acusação, diante da prática dos crimes federais pelos servidores do IBAMA e dos crimes imputados aos servidores da SEMA, o que justifica a conexão e o processamento do feito na Justiça Federal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para declarar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988, com retorno dos autos ao Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Amapá. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1004652-55.2021.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 1004652-55.2021.4.01.3100 CLASSE: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:WITINEY CERQUEIRA DA SILVA e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: ALEXANDRE DUARTE DE LIMA - SP233864-S, JOSIMARA DO NASCIMENTO BARRA - AP2707-A, KARINA SOARES MARAMALDE - AP1745-A, WILIANE DA SILVA FAVACHO - AP1620-A, RODRIGO SILVA FRANCA DE ALMEIDA - AP3254-A, HELVIO DOS SANTOS FARIAS - AP2716-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A, CICERO BORGES BORDALO NETO - AP871-A, THYAGO LEITE CORREA DOS SANTOS - AP4486-A, ANA CELIA VALES DA SILVA - AP4281-A, PAULO LEANDRO BARROS PEREIRA - AP2131-A, MAURICIO SILVA PEREIRA - AP979-A, MILTON PEREIRA NETO - AP2083-A, MARCOS ANDRE BARROS PEREIRA - AP2830-A, LETICIA ADRIANI BARROS PEREIRA - AP3298-A, ADILSON GARCIA DO NASCIMENTO - AP4721-A e ALEXANDRE BATTAGLIN DE ALMEIDA - AP3040-A EMENTA PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO. OBSTAR E DIFICULTAR FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS CRIMES. SEMA E IBAMA. AFETADO DIRETAMENTE INTERESSE DA AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. STJ, SÚMULAS 122 E 147. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. Compete à Justiça Federal processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de serviços ou interesses de entidades autárquicas federal, consoante art. 109, IV, da CF/1988. O STF definiu que a competência, nos casos de crimes que envolvam lesão a bens, serviços ou interesse da União ou suas autarquias, está condicionada ao exame do caso concreto. Precedente. O MPF descreveu, detalhadamente, crime de associação criminosa envolvendo servidores públicos estaduais e federais, bem como crimes de corrupção ativa e passiva, além do delito de obstar a fiscalização de órgão ambiental (IBAMA), o que afeta diretamente serviço e interesse da autarquia federal. Compete à Justiça Federal o julgamento de crimes praticados em detrimento dos interesses e serviços do IBAMA, autarquia federal, bem como dos crimes conexos. Aplicada Súmula 122 do STJ: compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. Aplicada a Súmula 147 do STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto da relatora. Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso Relatora
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Tribunal: TRF1 | Data: 26/06/2025Tipo: IntimaçãoJUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001644-97.2015.4.01.3100 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001644-97.2015.4.01.3100 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: SIND SERV PUBLICOS FEDERAIS CIVIS NO ESTADO DO AMAPA REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ERICKA PATRICIA LOBATO TORRINHA - AP2199-A e JOSE LUIS WAGNER - RS18097-S POLO PASSIVO:UNIÃO FEDERAL e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: AULO CAYO DE LACERDA MIRA - AP923-A e CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A RELATOR(A):CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 1ª Região APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001644-97.2015.4.01.3100 - [Indenização por Dano Moral] Nº na Origem 0001644-97.2015.4.01.3100 Órgão Colegiado: 5ª Turma Distribuição: Gab. 14 - DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO Relator: Desembargador Federal CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO RELATÓRIO O Exmº Sr. Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão (Relator): Trata-se de Apelação interposta pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais Civis no Estado do Amapá – SINDSEP/AP em face de sentença que, nos autos da ação ordinária ajuizada por Leila Nazaré dos Santos Passos, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para condenar exclusivamente o apelante ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) à autora, em decorrência da morte de seu filho, ocorrida durante o naufrágio da embarcação B/M Reis I, em procissão fluvial alusiva ao Círio de Nazaré no ano de 2013. A sentença também condenou o SINDSEP ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, conforme o art. 85, § 2º, do CPC. Em suas razões recursais, o apelante alega, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, em razão de ausência de intimação específica para especificação de provas, o que teria impossibilitado a produção de prova testemunhal. No mérito, sustenta, em síntese: (i) a inexistência de responsabilidade civil do sindicato, por ausência de vínculo jurídico com a embarcação e com o comandante; (ii) a responsabilidade exclusiva da União ou do comandante da embarcação; (iii) a inconclusividade do conjunto probatório quanto à causa determinante do naufrágio; (iv) eventual necessidade de redução do quantum indenizatório arbitrado e dos honorários sucumbenciais, por suposta desproporcionalidade frente à capacidade econômica da entidade sindical. Por sua vez, em sede de contrarrazões, a parte autora requer o não provimento do recurso, defendendo a higidez da sentença quanto à responsabilidade objetiva do apelante, nos termos do art. 932, III, do Código Civil, ante a condição de preposto do comandante da embarcação, bem como quanto à organização do transporte pelo próprio sindicato. Aduz que a alegação de cerceamento de defesa não se sustenta diante da maturidade da causa para julgamento antecipado. A União igualmente apresentou contrarrazões, nas quais pugna pela manutenção da sentença. Rebate os argumentos do apelante e reafirma que houve fiscalização prévia da embarcação pela Capitania dos Portos, não sendo possível identificar omissão estatal, tampouco nexo de causalidade entre a atuação da União e o evento danoso, conforme apurado em inquérito administrativo marítimo arquivado. É o relatório. Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 1ª Região APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001644-97.2015.4.01.3100 - [Indenização por Dano Moral] Nº do processo na origem: 0001644-97.2015.4.01.3100 Órgão Colegiado: 5ª Turma Distribuição: Gab. 14 - DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO Relator: Desembargador Federal CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO VOTO O Exmº Sr. Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão (Relator): Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais Civis no Estado do Amapá – SINDSEP/AP, irresignado com a sentença que, nos autos de ação de procedimento comum ajuizada por Leila Nazaré dos Santos Passos em face da União e do SINDSEP/AP, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para o fim de condená-lo, exclusivamente, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), em virtude do falecimento do filho da autora, ocorrido no naufrágio da embarcação B/M Reis I, durante a procissão fluvial do Círio de Nazaré, em 12 de outubro de 2013. A alegação de nulidade da sentença, por suposto cerceamento de defesa, não merece guarida. Sustenta o apelante que não foi devidamente intimado para manifestar-se quanto à especificação de provas, razão pela qual não teria logrado produzir elementos probatórios que, em seu entendimento, poderiam modificar o desfecho da demanda. Entretanto, o magistrado sentenciante reputou-se apto a julgar a demanda com base nos elementos constantes dos autos, não havendo vício formal ou violação ao contraditório e à ampla defesa. Cumpre observar que a prova cuja produção se alega cerceada é de natureza testemunhal. À luz do princípio do livre convencimento motivado, o juízo de origem baseou-se em robusto acervo probatório, composto por documentos e múltiplos testemunhos, incluindo o do Secretário-Geral da entidade sindical, bem como de outras testemunhas indicadas na fundamentação recursal, circunstância que afasta a necessidade de reabertura da fase instrutória. A orientação jurisprudencial do TRF1 é firme no sentido de que o julgamento da lide, quando demonstrada a suficiência dos elementos constantes nos autos para a formação do convencimento judicial, não configura violação ao direito de defesa, sobretudo por incumbir ao julgador o indeferimento de provas ou diligências consideradas impertinentes ou desnecessárias, desde que reconhecida a maturidade da causa para se proferir a sentença. Confira-se: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (INCRA). REINTEGRAÇÃO DE POSSE. FRAÇÃO DE TERRA IRREGULARMENTE OCUPADA POR PARTICULARES NÃO PARTICIPANTES DE PROJETO DE ASSENTAMENTO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. BEM PÚBLICO. AUSÊNCIA DE DIREITO A RETENÇÃO OU INDENIZAÇÃO. 1. O julgamento antecipado do feito, quando este já possui elementos suficientes para formação de convencimento, não se constitui em cerceamento de defesa, em especial porque cabe ao magistrado o indeferimento de diligências inúteis uma vez verificado que a causa está madura para o pronunciamento de mérito. 2. Ademais, não se presta o feito possessório, ainda, como palco para discussões colaterais típicas de pretensão anulatória, não se mostrando pertinente a produção de prova oral e/ou pericial nesse sentido, dado que o objeto em discussão é apenas a qualidade da posse. 3. Segundo iterativo entendimento jurisprudencial a respeito, não é o magistrado obrigado a discorrer sobre cada um dos argumentos da parte, senão aqueles essenciais ao deslinde do feito, o que se nota ter sido observado pelo Juízo a quo, que analisou e afastou até mesmo questões paralelas sob a tese de inconstitucionalidade e outras, não se constituindo nula a sentença que assim o faz, seja por ausência de fundamentação, seja por ofensa ao disposto nos arts. 128 e 460 do CPC de 1973. 4. A Constituição Federal de 1988 estabelece que "os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos" (art. 189). 5. Dispunha a Lei n° 8.629/1993, com a redação vigente à época, no sentido de que (art. 21) "nos instrumentos que conferem o título de domínio ou concessão de uso, os beneficiários da reforma agrária assumirão, obrigatoriamente, o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, ou através de seu núcleo familiar, mesmo que através de cooperativas, e o de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos". 6. Constituindo a área bem público, dado tratar-se de patrimônio pertencente à União Federal, possui o INCRA legitimidade para promover/dar continuidade ao desapossamento de particulares que eventualmente a ocupem irregularmente em virtude do regime jurídico que afeta os bens públicos, este caracterizado pela inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade. 7. O Superior Tribunal de Justiça já sumulou entendimento pacífico no sentido de que ao particular que ocupe terras públicas irregularmente não cabe igualmente discutir posse, retenção ou indenização por acessões e benfeitorias, dado tratar-se de precária detenção (súmula 619). 8. Apelação a que se nega provimento. (AC 0000015-16.2010.4.01.3310, JUIZ FEDERAL SHAMYL CIPRIANO, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 17/12/2024 PAG.) (grifo nosso) No que tange à responsabilidade do apelante, a sentença guerreada merece ser mantida, por seus próprios e judiciosos fundamentos, os quais ora adoto e reforço. Com efeito, é incontroverso nos autos que a embarcação B/M Reis I foi utilizada pelo sindicato recorrente em diversas ocasiões anteriores para a participação de seus associados na tradicional procissão fluvial do Círio de Nazaré, evento de grande expressão religiosa e cultural no Estado. Ainda que não se tenha formalizado contrato escrito entre o SINDSEP e o proprietário da embarcação, as provas testemunhais e documentais acostadas aos autos demonstram que o sindicato providenciou a logística do transporte, incluindo o transporte terrestre até o porto, organização da lista de passageiros, alimentação e coordenação do embarque. Ademais, o comandante da embarcação, falecido no acidente, era parente do Secretário-Geral do sindicato e, conforme relatado, cedia anualmente o barco à entidade. Logo, o contexto revela vínculo de preposição fática, demonstrando que o comandante atuava no interesse do SINDSEP. Assim, a situação fática enquadra-se no art. 932, inciso III, do Código Civil, que consagra a responsabilidade objetiva do empregador ou comitente pelos atos de seus prepostos, mesmo que ausente culpa in eligendo ou in vigilando. A própria defesa do sindicato reconhece que o comandante, no momento do sinistro, abandonou temporariamente o timão, delegando a condução da embarcação à pessoa não identificada, conduta que se revelou determinante para a instabilidade da navegação e o consequente naufrágio. Trata-se, portanto, de negligência no exercício da função, cuja responsabilidade é imputável ao preponente. Nesse sentido: DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESVIO DE VALORES EM POSTO DE CORREIOS. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPREGADO VINCULADO À ECT. CULPA IN VIGILANDO E IN ELIGENDO DA EMPRESA PÚBLICA. RECURSO DO MUNICÍPIO PROVIDO. APELAÇÃO DA ECT PREJUDICADA. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pelo Município de Iranduba/AM e pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ECT contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de indenização por danos materiais, condenando o Município ao pagamento de R$ 22.350,82, em razão de desvio de valores por empregado vinculado à ECT no Posto de Correios de Cacau-Pirêra. 2. O juízo de origem entendeu pela responsabilidade do Município, considerando sua posição como permissionário e prestador de serviço delegado, reconhecendo nexo causal entre o prejuízo e a atuação da Prefeitura. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. Há duas questões em discussão: (i) verificar se o Município de Iranduba é responsável pelos atos do empregado vinculado à ECT; e (ii) analisar o pedido de indenização por danos morais formulado pela ECT. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A cláusula 6.1, item "p", do Termo de Compromisso firmado entre a ECT e o Município de Iranduba estabelece a obrigação da permissionária de indenizar por danos decorrentes de má-fé ou dolo de seus prepostos. No entanto, o agente causador do dano era empregado diretamente vinculado à ECT, afastando a responsabilidade do Município pela ausência de ingerência sobre o preposto. 5. Nos termos do art. 932, III, e do art. 1.177 do Código Civil, a responsabilidade recai sobre o empregador pelos atos de seus empregados no exercício de suas funções. A análise dos autos revelou culpa in eligendo e in vigilando da ECT pela falha na supervisão de seu empregado, o que exime o Município de responsabilidade. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso de apelação do Município de Iranduba/AM provido para reformar a sentença, julgando improcedente o pedido inicial e condenando a ECT ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa. Apelação da ECT prejudicada. Tese de julgamento: "1. A responsabilidade por atos de empregados vinculados diretamente à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ECT recai sobre esta, afastando-se o dever de reparação de entes públicos permissionários quando não configurada ato praticado pelos seus próprios prepostos. Legislação relevante citada: Constituição Federal, art. 37, § 6º; Código Civil, arts. 932, III e 1.177. (AC 0001775-83.2003.4.01.3200, JUIZ FEDERAL AILTON SCHRAMM DE ROCHA, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 20/12/2024) (grifo nosso) Rejeita-se, pois, a tese de ausência de nexo causal, pois a atividade desenvolvida – transporte aquaviário em evento de grande porte – impõe ao organizador o dever de garantir a segurança mínima dos participantes. Outrossim, a sentença também acertou ao afastar a responsabilidade da União. Consoante consta dos documentos acostados aos autos, inclusive relatórios técnicos, o Inquérito para Apuração de Atos e Fatos da Navegação e o acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo, a embarcação foi regularmente vistoriada pela Capitania dos Portos antes da partida, encontrando-se com lotação compatível à capacidade autorizada. O naufrágio decorreu, conforme assentado pelas instâncias administrativas, de uma guinada abrupta não explicada, sendo inviável apontar com segurança o condutor da embarcação naquele exato momento. A prova dos autos indica, ainda, que não houve omissão estatal relevante, tampouco demonstração de falha no dever específico de fiscalização que configure omissão administrativa indenizável. Nesse cenário, descabe imputar à União a responsabilidade pelo trágico evento, uma vez que não restou evidenciado o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado danoso, como exige a teoria da responsabilidade aplicável às hipóteses de omissão. No tocante à fixação de danos morais, o juiz deve levar em consideração, de forma razoável e equilibrada, diversos fatores e circunstâncias, entre os quais a gravidade do dano, repercussão familiar, existencial e profissional na vida pessoal dos ofendidos, capacidade econômica das partes, idade da vítima, situação socioeconômica, extensão e a duração dos danos morais, observando-se ao fim a finalidade pedagógica da indenização, de modo a inibir-se a repetição de comportamentos que possam causar danos morais. Ponderadas as circunstâncias do caso concreto sobre a análise, devem-se tomar em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O primeiro diz respeito a agir de acordo com a lógica, a razão e o senso comum, buscando-se soluções que sejam justas e adequadas diante de uma situação específica. Já o princípio da proporcionalidade se refere à metódica de equilibrarem-se meios e fins, garantindo-se que a fixação adotada seja adequada e necessária a proteção de direitos envolvidos. Deve ser mantida, pois, a sentença que fixou o montante devido a título de danos morais no valor de R$ 70.000,00 (sententa mil reais), corrigidos monetariamente da data do seu arbitramento por este TRF1 (Súmula 362 do STJ) e com juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ). Honorários advocatícios fixados na sentença em 10% sobre o valor da condenação restam majorados em 2%, nos termos do art. 85, §11, do CPC. Ante o exposto, nego provimento à apelação, nos termos desta fundamentação. É como voto. Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 1ª Região APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001644-97.2015.4.01.3100 Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO APELANTE: SIND SERV PUBLICOS FEDERAIS CIVIS NO ESTADO DO AMAPA Advogados do(a) APELANTE: ERICKA PATRICIA LOBATO TORRINHA - AP2199-A, JOSE LUIS WAGNER - RS18097-S APELADO: LEILA NAZARE DOS SANTOS PASSOS, UNIÃO FEDERAL Advogados do(a) APELADO: AULO CAYO DE LACERDA MIRA - AP923-A, CICERO BORGES BORDALO JUNIOR - AP152-A EMENTA DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO MORAL. MORTE DECORRENTE DE NAUFRÁGIO EM PROCISSÃO FLUVIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO SINDICATO ORGANIZADOR POR ATO DE PREPOSTO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais Civis no Estado do Amapá – SINDSEP/AP, irresignado com a sentença que, nos autos de ação de procedimento comum ajuizada em face da União e do SINDSEP/AP, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para condená-lo, exclusivamente, ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), em virtude do falecimento do filho da autora, ocorrido no naufrágio da embarcação B/M Reis I, durante a procissão fluvial do Círio de Nazaré, em 12 de outubro de 2013. 2. A orientação jurisprudencial do TRF1 é firme no sentido de que o julgamento da lide, quando demonstrada a suficiência dos elementos constantes nos autos para a formação do convencimento judicial, não configura violação ao direito de defesa, sobretudo por incumbir ao julgador o indeferimento de provas ou diligências consideradas impertinentes ou desnecessárias, desde que reconhecida a maturidade da causa para se proferir a sentença. Precedente. 3. No caso em apreço, a sentença demonstra que os autos foram suficientemente instruídos a ensejar o julgamento, não se verificando qualquer mácula de ordem formal ou afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Cumpre observar que a prova cuja produção se alega cerceada é de natureza testemunhal. À luz do princípio do livre convencimento motivado, o juízo de origem baseou-se em robusto acervo probatório, composto por documentos e múltiplos testemunhos, incluindo o do Secretário-Geral da entidade sindical, bem como de outras testemunhas indicadas na fundamentação recursal, circunstância que afasta a necessidade de reabertura da fase instrutória. 4. A interpretação conjugada dos arts. 932, III, e 933 do CC/2002 implica a responsabilidade objetiva do empregador ou comitente pelos atos praticados por seus empregados e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Precedente. 5. Na presente demanda, restou evidenciada que a embarcação B/M Reis I foi utilizada pelo sindicato apelante em diversas ocasiões anteriores para a participação de seus associados na tradicional procissão fluvial do Círio de Nazaré, evento de grande expressão religiosa e cultural no Estado. Ainda que não se tenha formalizado contrato escrito entre o SINDSEP e o proprietário/comandante da embarcação, o contexto fático delineado evidencia a existência de um vínculo de preposição material, denotando que o comandante atuava sob a égide e no interesse direto do SINDSEP, circunstância esta apta a atrair a responsabilidade da entidade sindical pelos atos por ele praticados. Ademais, as provas testemunhais e documentais acostadas aos autos demonstram que o sindicato providenciou a logística do transporte, incluindo o transporte terrestre até o porto, organização da lista de passageiros, alimentação e coordenação do embarque. 6. No tocante à responsabilidade da União, ressalta-se que, consoante consta dos documentos acostados aos autos, inclusive relatórios técnicos, o Inquérito para Apuração de Atos e Fatos da Navegação e o acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo, a embarcação foi regularmente vistoriada pela Capitania dos Portos antes da partida, encontrando-se com lotação inicial compatível à capacidade autorizada. A prova dos autos indica, ainda, que não houve omissão estatal relevante, tampouco demonstração de falha no dever específico de fiscalização que configure omissão administrativa indenizável. Nesse cenário, descabe imputar à União a responsabilidade pelo trágico evento, uma vez que não restou evidenciado o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado danoso. 7. Para a fixação de danos morais, o juiz deve levar em consideração, de forma razoável e equilibrada, diversos fatores e circunstâncias, entre os quais a gravidade do dano, repercussão familiar, existencial e profissional na vida pessoal dos ofendidos, capacidade econômica das partes, idade da vítima, situação socioeconômica, extensão e a duração dos danos morais, observando-se ao fim a finalidade pedagógica da indenização, de modo a inibir-se a repetição de comportamentos que possam causar danos morais. Ponderadas as circunstâncias do caso concreto sobre a análise, devem-se tomar em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O primeiro diz respeito a agir de acordo com a lógica, a razão e o senso comum, buscando-se soluções que sejam justas e adequadas diante de uma situação específica. Já o princípio da proporcionalidade se refere à metódica de equilibrarem-se meios e fins, garantindo-se que a fixação adotada seja adequada e necessária a proteção de direitos envolvidos. Deve ser mantida, pois, a sentença para condenar o SINDSEP/AP a título de danos morais no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), corrigidos monetariamente da data do seu arbitramento por este TRF1 (Súmula 362 do STJ) e com juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ).Honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, restam majorados em 2%, nos termos do art. 85, § 11º, do CPC. 8. Honorários advocatícios fixados na sentença em 10% sobre o valor da condenação restam majorados em 2%, nos termos do art. 85, §11, do CPC. 9. Apelação desprovida. ACÓRDÃO Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do relator. Brasília/DF, data da assinatura eletrônica. CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO Desembargador Federal - Relator
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