Amanda Conrad De Azevedo
Amanda Conrad De Azevedo
Número da OAB:
OAB/RS 084670
📋 Resumo Completo
Dr(a). Amanda Conrad De Azevedo possui 12 comunicações processuais, em 7 processos únicos, com 3 comunicações nos últimos 7 dias, processos entre 2014 e 2018, atuando em STJ, TRF4, TJRS e especializado principalmente em AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO.
Processos Únicos:
7
Total de Intimações:
12
Tribunais:
STJ, TRF4, TJRS
Nome:
AMANDA CONRAD DE AZEVEDO
📅 Atividade Recente
3
Últimos 7 dias
9
Últimos 30 dias
11
Últimos 90 dias
12
Último ano
⚖️ Classes Processuais
AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO (6)
RECURSO ESPECIAL (3)
AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI (1)
AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (1)
APELAçãO CRIMINAL (1)
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Processos do Advogado
Mostrando 10 de 12 intimações encontradas para este advogado.
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Tribunal: TJRS | Data: 15/07/2025Tipo: IntimaçãoAÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº 5009107-37.2018.8.21.0019/RS RELATOR : MAURICIO DA ROSA AVILA RÉU : LUIZ ALBERTO BASSETTO ADVOGADO(A) : Thiago Tibinka Neuwert (OAB PR061638) ADVOGADO(A) : Eduardo Sanz de Oliveira e Silva (OAB PR038716) RÉU : JOSÉ LUIZ WUTTKE ADVOGADO(A) : CARLOS EDUARDO SCHEID (OAB RS055419) ADVOGADO(A) : ISADORA HANAUER (OAB RS118683) ADVOGADO(A) : JOAO PEDRO MEINHARDT DA ROSA (OAB RS136074) RÉU : ANTONIO LUIS WUTTKE ADVOGADO(A) : AMANDA CONRAD DE AZEVEDO (OAB RS084670) ADVOGADO(A) : CARLOS EDUARDO SCHEID (OAB RS055419) ADVOGADO(A) : ISADORA HANAUER (OAB RS118683) ADVOGADO(A) : JOAO PEDRO MEINHARDT DA ROSA (OAB RS136074) ATO ORDINATÓRIO Intimação realizada no sistema eproc. O ato refere-se ao seguinte evento: Evento 157 - 14/07/2025 - Extinta a punibilidade por prescrição
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Tribunal: STJ | Data: 10/07/2025Tipo: IntimaçãoREsp 2139200/RS (2024/0145661-6) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK RECORRENTE : CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU ADVOGADOS : ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH - RS036846 CAMILE ELTZ DE LIMA - RS058443 MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS078969 RENATA MACHADO SARAIVA - RS076822 CRISTIANE PETRÓ - RS112949 RECORRENTE : MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO ADVOGADOS : PAULO OLIMPIO GOMES DE SOUZA - RS003230 CELSO SANCHEZ VILARDI - SP120797 FELIPE DREYER DE AVILA POZZEBON - RS030663 LEONEL ANNES KEUNECKE - RS057062 MICHELE DE ÁVILA RIVAROLLY LIMA - RS067390 RECORRENTE : ODILON ALBERTO MENEZES ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO SCHEID - RS0055419 AMANDA CONRAD DE AZEVEDO - RS0084670 PAULO RICARDO SULIANI - RS0065611 PAOLA REIS - RS131079 RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CORRÉU : SERGIO LUIZ KLEIN CORRÉU : SERGIO LUIZ MALLMANN CORRÉU : CARLOS JULIO GARCIA MARTINEZ CORRÉU : RICARDO LINS PORTELLA NUNES CORRÉU : CAETANO ALFREDO SILVA PINHEIRO CORRÉU : PAULO FERNANDO BILLES GOETZE CORRÉU : MARIO RACHE FREITAS CORRÉU : WOODSON MARTINS DA SILVA CORRÉU : DEOCLECIO LUIS CAUMO DECISÃO Cuida-se de recurso especial interposto por MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO em julgamento da Apelação Criminal n. 5021573-12.2014.4.04.7100/RS. Consta dos autos que, instruído o feito, sobreveio sentença (evento 1154, SENT1), julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido condenatório veiculado na denúncia para: a) ABSOLVER o réu DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; b) ABSOLVER o réu MÁRIO RACHE FREITAS da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, com base nos arts. 386, VII, do Código de Processo Penal, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; c) ABSOLVER o réu PAULO FERNANDO BILLES GOETZE da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; d) ABSOLVER o réu RICARDO LINS PORTELLA NUNES da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; e) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ KLEIN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; f) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ MALLMANN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; g) ABSOLVER o réu WOODSON MARTINS DA SILVA da prática do delito previsto no art. 333 do Código Penal, com base no art. 386, II, do Código de Processo Penal; h) CONDENAR o réu CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ como incurso nas sanções do art. 288 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime aberto, e multa de 11,6 (onze vírgula seis) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então; i) CONDENAR o réu CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 644.030,42 (seiscentos e quarenta e quatro mil trinta reais e quarenta e dois centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; j) CONDENAR o réu MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, art. 288, caput, do Código Penal e art. 333, parágrafo único do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 anos e 8 meses de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime semiaberto, e multa de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos) e 23,3 (vinte e três vírgula três) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; k) CONDENAR o réu ODILON ALBERTO MENEZES como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/90, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 147.900,93 (cento e quarenta e sete mil e novecentos reais e noventa e três centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base. Exceto quanto ao réu MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, todas as outras penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo tempo da condenação ou de limitação de final de semana, a ser definido pelo juízo da execução. b) prestação pecuniária, consistente no pagamento do valor de 20 (vinte) salários mínimos, para Carlos Júlio Garcia Martinez, e do valor de 40 (quarenta) salários mínimos cada um, para Cláudio Luiz da Silva Abreu e Odilon Alberto Menezes, considerado o valor do salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento. Em sede de apelação, o TRF a) reconheceu de ofício a extinção da punibilidade de Sérgio Mallmann, por conta da prescrição pela pena em abstrato para o delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93; b) reconheceu, de ofício, a extinção da punibilidade dos réus quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; c) deu parcial provimento ao recurso de Carlos Martinez, para reconhecer a extinção da punibilidade quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; d) negou provimento aos recursos de Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu; e) deu parcial provimento ao recurso do MPF para reconhecer como negativa a culpabilidade dos réus Carlos Martinez, Marco Camino e Odilon e as circunstâncias de todos os crimes para todos os réus e elevar a fração da continuidade delitiva para os réus Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu. Embargos de declaração opostos por SERGIO LUIZ KLEIN, MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU e ODILON ALBERTO MENEZES foram desprovidos. Em sede de recurso especial (fls. 18186/18276), a defesa apontou violação de dispositivos de lei federal, relacionados às seguintes teses jurídicas: (i) Art. 619 do Código de Processo Penal – A defesa alegou que o acórdão é omisso quanto à indicação dos elementos concretos aptos a demonstrar o “oferecimento” de vantagem indevida, elemento indispensável à caracterização do delito de corrupção ativa. Alega-se que, apesar da oposição de embargos de declaração, a contradição entre fundamentação e conclusão não foi sanada, violando o direito ao devido processo legal. (ii) Arts. 1º, 2º e 5º da Lei nº 9.296/96 e arts. 157 e 315, § 2º do Código de Processo Penal – A defesa sustenta que a inclusão do recorrente nas interceptações telefônicas foi desfundamentada, e que nove decisões de prorrogação das interceptações são nulas por falta de fundamentação. Além disso, alega-se incompetência da autoridade que decretou as interceptações, o que macula a prova do feito. (iii) Art. 333 do Código Penal – A defesa argumenta que o acórdão dispensou a exigência de que o móbil da conduta fosse um ato de ofício do servidor público, reconhecendo a prática do delito mesmo sem que os atos mercantilizados estivessem no feixe de atribuições dos funcionários públicos, o que configuraria atipicidade dos fatos. E, não fosse suficiente, a defesa ainda demonstrou que a aplicação da causa de aumento de pena, sem a indicação do ato de ofício praticado com infringência do dever funcional é absolutamente contrária ao art. 333, parágrafo único do Código Penal. (iv) Arts. 59, 109 e 110 do CP – Ao aumentar a pena-base, fixada no mínimo legal pelo MM. Juízo de primeira instância, o E. Tribunal a quo cometeu graves ilegalidades, pois, além de deixar de indicar elementos concretos para exasperação da pena, utilizou elementos próprios dos tipos penais, incorrendo no odioso bis in idem. Inclusive, considerou os elementos do delito de quadrilha, cuja prescrição foi reconhecida, para aumentar a pena-base dos delitos remanescentes, condenando o ora Recorrente indiretamente pelo delito prescrito. (v) art. 49, § 1º, do CP e negativa de vigência ao art. 315, §2º, II, III e IV do CPP. Subsidiariamente: negativa de vigência ao art. 619 do CPP – O v. acórdão fixou o valor do dia multa no máximo legal, em manifesta desproporcionalidade com a pena privativa de liberdade. Além disso, assenta genericamente como fundamento a “situação econômica do acusado” e, mesmo com a oposição e embargos de declaração, deixou de indicar os elementos concretos que embasam a conclusão. Requer o provimento do recurso para que: (1) seja reconhecida a nulidade do acórdão por violação ao art. 619 do CPP, ou a absolvição do recorrente da prática do delito de corrupção ativa; (2) seja aplicada a inutilização da prova ilícita e suas derivadas; (3) seja decretada a absolvição do recorrente por atipicidade dos fatos; (4) seja afastada a causa de aumento do parágrafo único do art. 333 do CP; (5) seja fixada a pena-base no mínimo legal; e (6) seja fixada a pena de multa no mínimo legal. Contrarrazões às fls. 18779/18828. Admitido o recurso no TJ (fls. 18850/18851), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo não conhecimento ou desprovimento do recurso especial (fls. 18890/18909). É o relatório. Decido. Sobre as omissões e contradições, o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO não as reconheceu, sustentando que as diversas alegações preliminares de nulidade foram repisadas pela defesa, já tendo sido refutadas na sentença e no voto condutor do julgado, razão porque rejeitou os embargos declaratórios defensivos. Consignou aquela Corte, ainda, que: "No mérito do crime de corrupção ativa, tampouco há vício a ser sanado. Apesar dos esforços da defesa em fazer crer que houve algum tipo de confusão entre as figuras típicas previstas no art. 333 do CP ("oferecer" ou "prometer"), fato é que restou caracterizada a oferta de vantagem indevida para que funcionário público deixasse de praticar ato de ofício, conforme preceitua referido dispositivo e consta expressamente do voto." O recorrente pretendeu nos aclaratórios a análise dos seguintes temas: 1) ilegalidade na sua inclusão nas interceptações telefônicas, pois não era alvo originário - medida deferida como prospecção; 2) nulidade das nove decisões de prorrogação das interceptações por falta de fundamentação; 3) O v. acórdão anuncia a demonstração do verbo típico “oferecer” para, em seguida, em insuperável contradição, tratar exclusivamente do verbo atípico “pagar”; 4) não demonstração do verbo típico do crime de corrupção ativa, no que toca ao ato de ofício; 5) não configuração do crime de corrupção passiva porque tem ingerência direta e inequívoca na configuração do crime bilateral de corrupção ativa. Ou seja, se não aponta com clareza o elemento probatório capaz de alterar o entendimento e a conclusão sobre aquelas ligações que discutem a entrega de um CD e a compra de carne; 6) na causa de aumento, deixou-se de indicar qual o ato de ofício foi praticado pelo funcionário público com infração do dever funcional; 7) pena-base: aumento inadequado, bis in idem e; 8) acórdão deixou de indicar quais os elementos concretos dos autos que demonstram qual a situação econômica do recorrente e porque justificaria a fixação no máximo previsto em Lei. Vejamos como as controvérsias foram deslindadas pela Corte Regional no julgamento da apelação: "1.3. Competência do juízo federal de primeiro grau As defesas de Odilon e de Marco Antônio sustentaram a nulidade da ação penal decorrente da incompetência do juízo federal de primeira instância para investigar agentes públicos com prerrogativa de foro, identificados nas interceptações telefônicas ainda em março/2008 - no caso, o envolvimento de deputados estaduais e federais nos delitos. A tese não merece prosperar, tendo sido já enfrentada essa questão por este Tribunal, no âmbito da própria Operação "Solidária", nos termos dos seguintes julgados: (...) O STF também já se manifestou a esse respeito, quando lá foi instaurado o Inquérito nº 3.305, em razão da necessidade de redirecionamento da apuração ao então deputado federal Eliseu Padilha (processo 5021824-30.2014.4.04.7100/RS, evento 470, DEC1): (...) Ainda no Inq nº 3.305, o STF autorizou o compartilhamento das provas obtidas na Operação Solidária, incluindo a interceptação telefônica, para instrução de inquérito civil público e outras ações (Informativo n. 815, STF): A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a agravo regimental em que se discutia a possibilidade de compartilhar provas colhidas em sede de investigação criminal com inquérito civil público, bem como outras ações decorrentes dos dados resultantes do afastamento do sigilo financeiro e fiscal e dos alusivos à interceptação telefônica — v. Informativos 780 e 803. O Colegiado, ao assentar a viabilidade do compartilhamento de provas, reiterou o que decidido no Inq 2.424 QO-QO/RJ (DJe de 24.8.2007) e na Pet 3.683 QO/MG (DJe de 20.2.2009), no sentido de que “dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova”. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que negavam provimento ao agravo regimental. O relator afirmava que, em face do contido no art. 5º, XII, da CF, não se poderia estender o afastamento do sigilo a situações concretas não previstas. Já o Ministro Edson Fachin destacava que o compartilhamento de provas não seria, peremptoriamente, vedado, porém sua regularidade deveria ser examinada de acordo com o caso concreto. Inq 3305 AgR/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 23.2.2016. (Inq-3305) Como bem salientou o MPF em seu parecer, o envolvimento do parlamentar federal ocorreu fortuitamente, em meio a conversas com os reais investigados cujos terminais estavam sendo interceptados, o que é inerente a esse tipo de medida e até frequente em situações semelhantes. Uma vez verificada a ligação de pessoa com prerrogativa de foro, os autos foram encaminhados ao STF, já que a investigação inicial não era voltada a autoridades com foro especial. Portanto, inexiste qualquer nulidade quanto aos investigados que não são titulares da prerrogativa de função, inclusive porque a Suprema Corte já afastou suposta usurpação de competência quanto a investigados sem foro por prerrogativa de função, no bojo da Operação Rodin, conforme o seguinte acórdão: (...) Logo, não há falar em nulidade da prova - especialmente as interceptações telefônicas - em decorrência de violação de prerrogativa de foro do parlamentar federal quanto a réus investigados que não ostentam tal condição pessoal. Reitere-se, o fato de terem sido indiretamente captadas conversas com pessoas titulares de foro por prerrogativa de função, quando os alvos iniciais não eram esses indivíduos, não acarreta, por si só, nulidade da prova, sobretudo porque, no caso em tela, foram remetidos os autos ao STF assim que constatada a participação de Parlamentares Federais e Estaduais nos delitos investigados, prosseguindo as investigações na origem somente quanto aos demais envolvidos. Assim, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal de primeiro grau no que se refere aos réus e ao objeto desta ação penal. (...) 1.5. Interceptações telefônicas deferidas com base em denúncia anônima e investigação quanto ao réu Marco Antônio Camino. A alegação de que as interceptações telefônicas foram realizadas a partir de denúncia anônima já foram analisadas por este Tribunal no âmbito da Operação Solidária (TRF4, ACR 0033019- 10.2008.404.7100, Oitava Turma, Relator Nivaldo Brunoni, D. E. 23/02/2016) e foram novamente rechaçadas na decisão do evento 459 destes autos. Na citada decisão, o magistrado de primeiro grau asseverou que as interceptações telefônicas não foram deferidas exclusivamente com base em denúncia anônima, a qual veio a se somar aos primeiros indícios de prática criminosa levantados através de depoimentos prestados ao Ministério Público Federal no ano de 2007 (evento 459, DESPADEC1). Aliás, já é assentado na jurisprudência do STF ser possível dar início a apurações preliminares com amparo em denúncia anônima ou peça apócrifa a fim de verificar a sua plausibilidade e, em caso positivo, instaurar formalmente eventuais procedimentos investigatórios. Confira-se: (...) Na situação dos autos, não houve a alegada instauração de investigação ou o deferimento de medidas de quebras de sigilo, como as interceptações telefônicas, unicamente com base em denúncia anônima, o que se verifica pelo farto material probatório constante dos feitos relacionados e também na documentação apresentada quando do oferecimento da peça acusatória (evento 1). Ademais, o STJ, ao apreciar o HC nº 315.670, impetrado pela defesa de Marco Aurélio Soares Alba - cuja ação penal tramitou em apartado - reconheceu a licitude das interceptações telefônicas ora analisadas, nos seguintes termos: (...) A respeito da investigação e inclusão do réu Marco Antônio Camino, verifica-se nos autos que a interceptação telefônica inicialmente direcionada aos desvios de recursos destinados à merenda escolar revelou contatos de Francisco Fraga (alvo) com o réu, o qual ainda não havia sido identificado. Foi a partir daí que se passou a apurar a prática de diversos outros crimes, por isso, não procede a alegação defensiva de que não havia elementos para a inclusão de Marco Antônio nas investigações e nas interceptações telefônicas. Desse modo, não há nulidade a ser reconhecida nesse ponto. (...) (fls. 17967/17971) 2. MÉRITO (...) 2.2. Crime de corrupção ativa - art. 333 do CP. A denúncia narrou que os réus Marco Camino e Woodson Martins da Silva ofereceram vantagens indevidas aos agentes públicos Marco Aurélio Soares Alba (Secretário de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul) e Juvir Costella (Chefe de Gabinete do referido Secretário), no período de 19/02/2008 a 28/05/2008, para determiná-los a colaborar com as fraudes às Concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 da CORSAN. Em primeiro grau, Marco Camino foi condenado e Woodson foi absolvido com base no art. 386, V, do CPP. O MPF recorreu para que seja condenado também Woodson por esse delito. No ponto, a sentença contou com a seguinte fundamentação: Segundo a denúncia, os denunciados MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e WOODSON MARTINS DA SILVA, no período de 19 de fevereiro de 2008 a 28 de maio de 2008 teriam oferecido vantagens indevidas a funcionários públicos, no caso, Marco Aurélio Soares Alba (Secretário de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento do Estado do Rio Grande do Sul) e Juvir Costella (Chefe de Gabinete do referido Secretário de Governo) para determiná-los a praticar ato de ofício, qual seja, colaborar com a fraude à licitação promovida no âmbito das Concorrências nº 426/08, 427/08 e 428/08, levadas a efeito pela CORSAN, conforme detalhadamente exposto no item I-A (fato 1). WOODSON MARTINS DA SILVA era funcionário da empresa MAC ENGENHARIA LTDA. A denúncia narrou que transpareceu nas interceptações telefônicas levadas a efeito pela Polícia Federal que, em 19 de fevereiro de 2008, Marco Aurélio Soares Alba contatou o empresário MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO para informá-lo que Juvir Costella (referido como seu "líder político"), passaria na MAC Engenharia Ltda. Ato contínuo, o empresário avisou seu funcionário WOODSON MARTINS DA SILVA que talvez Juvir Costella passasse "para pegar a metade daquele negócio lá". WOODSON referiu que Juvir Costella não passou lá nesta ocasião e não lembra o que seria "a metade daquele negócio" (evento 1069, pág. 102). Já, em 28 de maio de 2008, Juvir Costella teria dito a MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO que seu chefe havia pedido para que buscasse um "CD", ao que o empresário respondeu que o fizesse junto ao funcionário WOODSON MARTINS DA SILVA. Este, uma hora após, ligou para o empresário e indagou "é cinquenta quilos de costela né?", obtendo resposta positiva. Segundo o Ministério Público Federal, não se estava falando aqui em quantidade de carne, mas sim em quantia em dinheiro, provavelmente R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). MARCO CAMINO, ouvido em Juízo, alegou que os 50 Kg de costela seria de uma festa de aniversário da empresa, que estava fazendo 22 anos, salvo engano. O Woodson é o administrativo que cuida da parte burocrática da MAC e cuida desse tipo de festa que a gente regularmente faz. Todo mês tem festa dos aniversariantes da empresa, tem festa de aniversário da empresa, tem grupos particulares nossos lá, dos grupos de amizade. Então, sempre ele é quem organiza esse tipo de coisa. E eu estava solicitando para ele que comprasse 50 kg de costela, para fazer o churrasco da festa de aniversário da MAC Engenharia (evento 1068, págs. 72 e ss). Quanto ao CD referido, MARCO CAMINO sustentou que o pessoal de São Paulo lhe havia mandado um CD institucional, de como funciona Águas de Guabiroba, que é uma concessão lá de Campo Grande, em pleno funcionamento há anos. Referiu que: mandaram para mim, para eu entregar para o Governo do Estado. Por isso que eu entreguei para o rapaz lá do Alba, do Marco Alba. O Costela. E ele passou lá para pegar lá, exatamente. Não fez registro ou protocolo da entrega (evento 1068, págs. 78/79). WOODSON MARTINS DA SILVA sustentou achar que essas acusações que são dirigidas desse processo da CORSAN não são verdadeiras, uma vez que nunca recebeu ou pagou valores ou propina para quem quer que seja. E ninguém pediu para que ele assim também fizesse. Confirmou que Juvir Costella esteve lá na empresa pegando um CD. Que no CD estava escrito PPP, Participação Público Privado. Escrito em pincel preto na capa (evento 1069, pág. 93 a 105). E quanto aos 50 quilos de costela, WOODSON afirmou que era costela bovina mesmo: Nós tínhamos uma confraternização lá na empresa, aniversário da MAC, isso foi no início de junho, e foi comprado costela bovina, foi comprado e foi entregue na empresa. Negou ter entregue qualquer valor para Juvir Costella. Na festa participaram funcionários e alguns amigos, alguns fornecedores, em torno de 100 pessoas. Foi na sede da empresa, no salão de festas que fica no último andar. Não lembrou em qual açougue comprou os 50 quilos de costela. Em seguida, disse que comprou por telefone, entregaram na MAC e ele pagou. Não lembrou qual o açougue. Ainda explicou que houve um termo de acordo entre três empresas, que eram, na época, a CIB, a MAC e a CSL, do Odilon. Essas três empresas formaram esse acordo, essa parceria, para fazer uma concessão de serviços públicos na área de esgoto e de água, aqui no Rio Grande do Sul. E, nessa parceria, eles tiveram vários contatos com o Secretário Marco Alba, no sentido de viabilizar essa concessão, apresentar os projetos das PP Ps. Eles pesquisaram, fizeram um trabalho, com mais seis ou sete grupos, mapeando as condições de saneamento de 300 e poucos municípios do Rio Grande do Sul. Cada grupo apresentava uma proposta para como deveria ser feita essa concessão e entregava o projeto. O projeto da MAC, que iniciou naquela época, foi o vencedor e é o que está aí até hoje. Mas a cópia do CD, que se bota como propina, essa cópia aí era como as águas de Gabiroba, em Campo Grande, como ela começou e como ela estava evoluindo ao longo dos tempos. Isso foi entregue para o Secretário Marco Alba, porque ele ia fazer uma apresentação a nível de Governo, para mostrar e tentar o convencimento de que se fosse feita essa licitação. Essa é a história do CD. Segundo a testemunha Celso Araújo Bins (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 35), a MAC Engenharia tinha um local específico na empresa para celebrar encontros, almoços, jantares. Quem organizava os eventos e fazia os convites era o funcionário Woodson. Flavio Humberto Pelizzoli, que era funcionário da MAC, também afirmou que Woodson era o responsável pela recepção de documentos e cartas, encomendas, e por distribuí-los aos setores da empresa. Referiu que nas confraternizações da empresa não participavam funcionários ou diretores da CORSAN (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 54). O mesmo foi referido por Humberto Della Paqua (que trabalhou com a MAC Engenharia), que referiu ter sido convidado por Woodson para confraternizações ou eventos, através de e-mails (evento 1067, págs. 98/99). Rogério Araújo de Souza afirmou que Woodson trabalhava no administrativo da empresa, e somente cuidava da parte de segurança, manutenção, limpeza. No aspecto tratado neste ponto (corrupção ativa), os fatos exigem dois planos de exame: um exame contextual e um exame pontual, analítico. Quanto ao contexto, nota-se uma relação bastante próxima (talvez demasiadamente próxima) entre o empresário Marco Camino e o Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento, Marco Aurélio Soares Alba, político encarregado de setor da administração especialmente vinculado à atividade da empresa do primeiro. A relação de Marco Antônio também alcança pessoas vinculadas à CORSAN, especialmente Carlos Júlio Garcia Martinez, Diretor Administrativo e Financeiro. Não só ressalta a acessibilidade telefônica entre os referidos, como a disponibilidade para encontros informais ("no mesmo lugar de sempre"), ou seja: não são encontros constantes de agendas, em salas institucionais e com pauta pública. É relevantíssimo notar que os fatos se passam em momento em que se preparam e processam inúmeros certames administrativos que interessam sobremodo às empresas especializadas em obras de saneamento, o que o caso da MAC Engenharia. Posto esse contexto, há que se analisar as falas interceptadas, bem como as explicações de defesa sobre seus conteúdos. O primeiro aspecto que ressalta é a reticência que as caracteriza. São sucintas; não parecem esclarecer tudo o que contêm; parecem pressupor muito, porque já sabido pelos interlocutores. Tal aspecto evidencia que os detalhes claros já haviam sido fixados em encontros pessoais, em conversas presenciais. Essa reticência, é claro, levanta a suspeita de que não interessa aos interlocutores expressar telefonicamente o objeto ou o objetivo da fala. Exemplo nítido é: "pegar metade daquele negócio lá." Qual negócio? A defesa alega que seria algo vinculado às PPPs. Mas não se diz o que é. Não poderia ser a metade do CD, posteriormente invocado como justificativa. O segundo aspecto é a desconexão entre eventos verbais. Juvir Costella liga a Camino afirmando que Marco Alba pediu que buscasse um CD, ao que Camino o remete para Woodson. Uma hora após, Woodson pergunta a Camino se seriam "cinquenta quilos de costela". É claro que imaginar que um CD, em uma hora, tenha se tornado cinquenta quilos de costela é um exercício cerebrino quase irresponsável. Porém, considerado o contexto das relações e dos interesses, considerada a reticência das expressões telefônicas e considerado todo o "trabalho" desenvolvido especialmente por Marco Camino e Odilon Menezes em relação às concorrências públicas em questão, é possível concluir que os indicativos de corrupção são relevantes. A tese de que seriam realmente "cinquenta quilos de costela" para um evento na empresa não se sustenta. Não surge referência ao chope, não surge referência aos convidados, nem à preparação do ambiente, nem à contratação de assador, de garçon, et coetera. Só se tratou da costela. E sucintamente. Não surgiram fotos do alegado evento, que teria sido memorável. 50 kg de costela implica mais uns 20 kg de picanha, outros tantos de maminha, uns 30 kg de salsichão, etc. Num evento tão grandioso, não é de se supor que o fornecedor tenha sido desdenhado (Woodson não soube dizer de que açougue veio a costela). Enfim, a versão não é crível. Por último, o exame da vantagem obtida com a corrupção reforça a convicção de ocorrência desta. O favorecimento obtido por Marco Camino está flagrante na maior parte das interceptações telefônicas que dão base à denúncia. A acesso direto e livre ao administrador público, a obtenção de informações antecipadas e privilegiadas (diálogos com Carlos Martinez, nomeado por Marco Alba, escancaram isso), o canal aberto (escancarado) para pressões sobre os editais e aspectos indicativos de restritividade destes enfatiza a desigualação entre, de um lado, os "concorrentes" aliados de Marco Camino e, de outro, as demais empresas que pudessem concorrer (efetivamente). Esse tratamento, que certamente Marco Alba não dedicou a outras empresas (e não deveria, pois não deveria dedicar a qualquer empresa), consiste por si só (e não é pouco) infração de dever funcional. O tratamento isonômico dos eventuais concorrentes a certame público é dever do administrador licitante. Dever esse descumprido pelo então Secretário Estadual e pelo Diretor Administrativo e Financeiro da Corsan Carlos Júlio Garcia Martinez. (O exame da conduta deste, abaixo, relativamente à acusação de quadrilha, é expressiva no confirmar o favorecimento obtido por Marco Camino.) Consigne-se, ainda, que o uso de linguagem cifrada por Woodson ("cinquenta quilos de costela"), assim como a sua compreensão sobre a linguagem reticente de Camino ("a metade daquele negócio lá"), indicam que possuía ciência sobre a ilicitude do que fazia. Entretanto, o momento em que Woodson teria ingressado no iter criminis (entrega da vantagem), quanto ao crime examinado (corrupção ativa) já é fase de exaurimento. Não há prova (e não está na própria descrição fática da denúncia) de que tenha participado de fase em que houvesse a oferta da vantagem. Conclui-se, portanto, que, em relação a Marco Camino, não só houve o oferecimento de vantagem indevida, como houve a efetiva entrega dessa vantagem. O móbil da conduta corrupta era justamente obter todos os benefícios já referidos: acesso às instâncias decisórias do serviço público para influenciar nas suas decisões, restritividade dos editais (efetivamente verificada), informações privilegiadas e antecipadas, etc. Entretanto quanto a Woodson Martins da Silva, não se pode concluir que tenha participado da fase de realização do tipo penal. Sua conduta se insere já no momento da entrega da vantagem a Marco Alba (através de Juvir Costella), o que configura já exaurimento do crime. Assim, Woodson não contribuiu para a conduta tipificada em lei. Assim, o réu MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO praticou o fato previsto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal. Já WOODSON MARTINS DA SILVA deve ser absolvido do delito previsto no artigo 333 do Código Penal, nos termos do artigo 386, V, do CPP (não haver prova da concorrência do réu para o crime). A sentença não merece reparos quanto ao delito de corrupção ativa. Como já profundamente esmiuçado em outros casos julgados neste Tribunal, inclusive no âmbito da Operação Lava-Jato, o tipo penal em questão não exige, para sua configuração, a concretização de qualquer ato de ofício pelo funcionário público. No julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal, o voto do Ministro Relator consignou que "'o ato de ofício' deve ser representado no sentido comum, como o representam os leigos, e não em sentido técnico-jurídico", concluindo assim, citando precedente daquela Corte (AP 307, Rel. Ilmar Galvão), que "basta, para os fins dos tipos penais dos artigos 317 e 333 do Código Penal que o "ato subornado caiba no âmbito dos poderes de fato inerentes ao exercício do cargo do agente" (RTJ 162, n. 1, p. 46/47)" (STF, AP 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, D Je 22/04/2013). Depreende-se, assim, que o STF consolidou o entendimento de que, para a configuração dos delitos de corrupção, não se exige que o oferecimento da vantagem indevida guarde relação com as atividades formais do agente público, bastando que esteja relacionado com seus poderes de fato. Tal entendimento está consubstanciado nos seguintes julgados desta Corte: TRF4, EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 5023121-47.2015.404.7000, 4ª Seção, Des. Federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 04/12/2017; TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5023135-31.2015.404.7000, 8ª Turma, Des. Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 24/10/2017. No caso dos autos, esse poder de fato se verifica na potencial capacidade do servidor de, por exemplo, atrasar, facilitar ou agilizar os procedimentos atinentes às licitações de saneamento, conforme isso viesse a atender interesses dos envolvidos. Em relação a Marco Camino, ficou comprovado que houve, sim, oferta de vantagem indevida aos funcionários públicos para que houvesse benefícios a sua empresa - MAC Engenharia - no direcionamento dos editais da CORSAN. Em 19/02/2008, no meio da tarde, Marco Alba, então Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento, entrou em contato com Marco Camino para avisar que Juvir Costella ("meu líder", "meu político"), à época chefe de Gabinete da Secretaria, passaria na MAC Engenharia. Marco Camino respondeu que, caso ele próprio não estivesse na empresa, Juvir Costella deveria se dirigir a Woodson. Mais ao fim daquela tarde, Marco Camino avisou Woodson que Juvir Costella passaria “para pegar a metade daquele negócio lá”. Em 28/05/2008, Juvir Costella conversou com Marco Camino e disse que seu chefe, Marco Alba, havia pedido para que buscasse um "CD". Marco Camino então respondeu que isso fosse resolvido com Woodson, funcionário da MAC. Por sua vez, Woodson telefonou a Marco Camino, uma hora depois, para indagar "é cinquenta quilos de costela né?", obtendo resposta positiva. No mesmo dia, 28 de maio de 2008, foi assinado o contrato relativo à Concorrência nº 428/08, entre a MAC e a CORSAN. O MPF sustenta que as conversas telefônicas revelaram pagamento de propina por Marco Camino aos funcionários públicos, com intuito de favorecer sua empresa. Diz ainda que os "50kg" de costela são, na verdade, 50 mil reais para Juvir Costella. Em juízo, Marco Camino disse que os 50 quilos de costela foram comprados para uma festa de aniversário de 22 anos da empresa. Explicou que Woodson cuidava da parte burocrática da MAC e organizava essas comemorações, então, havia solicitado a ele que comprasse 50kg de costela para o churrasco da festa de aniversário da empresa. Quanto ao pedido feito por Marco Alba para que Juvir Costella buscasse um "CD", Marco Camino explicou que o pessoal de São Paulo lhe havia mandado um CD sobre PPP em Campo Grande ("Águas de Gabiroba") para ser encaminhado ao Governo do Estado do RS (evento 1068) Também em juízo, Woodson confirmou que Juvir Costella esteve na empresa pegando um CD, no qual estava escrito "PPP, Participação Público Privado", em pincel preto na capa. Quanto aos 50 quilos de costela, Woodson afirmou que era costela bovina para confraternização de aniversário da MAC, da qual participaram cerca de 100 pessoas e ocorreu na sede da empresa. Não soube dizer de qual açougue foi comprada a carne, mas que fez o pedido por telefone e ele quem pagou (evento 1069). Como bem contextualizado pelo magistrado a quo, chama a atenção a proximidade do então Secretário Estadual Marco Alba e de "seu líder político" Juvir Costella com o empresário Marco Camino. Foram vários os telefonemas, evidenciando livre acesso e constante comunicação entre eles a ponto de marcarem reuniões "no mesmo lugar" de sempre, lugar este que obviamente não era repartição pública. Nem esses encontros constavam de agenda ou de pauta publicizada. No que se refere às interceptações telefônicas em si, os diálogos são sintéticos, quase lacônicos, quando o seu teor levantaria os mais simples questionamentos. Mas não são feitas outras perguntas, justamente porque o conteúdo não deve ser dito por telefone. Por exemplo, quando Marco Camino avisou Woodson que Juvir Costella passaria “para pegar a metade daquele negócio lá”: nada além disso é dito, o que não impediu Woodson de compreender o assunto. Por óbvio, não pode ser metade de um CD sobre parcerias público-privadas. Recapitulando a sequência dos acontecimentos flagrados nas interceptações, Juvir Costella ligou para Marco Camino afirmando que Marco Alba pediu que buscasse um CD. Marco Camino encaminhou para Woodson. Depois de aproximadamente uma hora, Woodson questionou Marco Camino se seriam "cinquenta quilos de costela". Ou seja, Juvir Costella queria um CD, mas o que Woodson providenciou no mesmo dia foram "50kg de costela". Ora, não é minimamente crível que a conversa entre Woodson e Marco Camino fosse sobre a compra de quilos de costela bovina. Não há menção a nenhum outro item necessário para um churrasco comemorativo: bebidas, outras carnes, funcionários, convidados, nada disso é tratado. Numa conversa curta e sucinta, apenas se fala em 50 quilos de costela. E não há foto, cópia do convite, absolutamente nenhum registro desse evento, que, segundo os réus, contou com a presença de 100 pessoas e comemorava o aniversário da empresa. E o réu Woodson sequer lembrava de onde foi ou poderia ter sido comprada a costela. Ademais, as conversas curtas com o assunto real subentendido, o uso de linguagem em código e os termos cifrados - por exemplo, os "cinquenta quilos de costela", "a metade daquele negócio lá" - são típicas de quem trata de algo ilícito, com a preocupação nítida de não alongar o diálogo, evitando, assim, que se fale expressamente algo incriminatório. E a vantagem indevida paga por Marco Camino se coaduna com o favorecimento obtido no direcionamento das licitações da CORSAN, mais especificamente a Concorrência nº 428/2008. As interceptações telefônicas tornaram evidente que Marco Camino tinha livre acesso e canal direto com alguns funcionários públicos, o que era feito por meio de encontros, telefonemas, reuniões "no mesmo lugar" de sempre, tudo com o intuito de exercer pressão para proteger os seus interesses empresariais. No que se refere à culpa de Woodson, contudo, a situação é diversa, devendo ser mantida a absolvição. Pelo que se viu, o réu era um funcionário da empresa MAC, inclusive consultando Marco Camino sobre como proceder. Aliás, Marco Camino encaminhou Juvir Costella a Woodson para resolver a questão do "CD" e logo em seguida Woodson telefonou para Marco Camino para confirmar o que deveria fazer quanto ao pagamento daquilo que se concluiu ser R$ 50 mil reais ("50kg de costela"). Tudo leva a crer que Woodson apenas cumpria ordens. Não há elementos concretos de que tenha aderido à conduta ilícita de Marco Camino, até porque não lhe beneficiava diretamente. Pode se cogitar que Woodson tinha ciência das ilegalidades ou que delas desconfiava, mas, por outro lado, é bem possível que tenha cumprido as determinações de Marco Camino para preservar seu cargo. Além disso, do ponto de vista do tipo penal em comento - art. 333 do CP - a oferta de vantagem indevida já havia ocorrido por Marco Camino, ou seja, a entrega da vantagem, ainda que essencial para a concretização do esquema criminoso como um todo, configura exaurimento do crime de corrupção ativa. Por fim, cabe registrar que e a absolvição do Secretário Marco Alba nos autos nº 2009.04.00.025279-0, sob o fundamento da insuficiência de provas, não têm impacto direto na responsabilidade dos demais acusados. Primeiro, porque a bilateralidade não é requisito indispensável da corrupção. Para a caracterização da corrupção ativa, não é imprescindível a existência da infração prevista no art. 317 do Código Penal (corrupção passiva), embora, conforme as circunstâncias do caso, possam verificar-se ao mesmo tempo as duas figuras delituosas. Segundo, porque a valoração dos fatos e provas destes autos, percucientemente analisados na sentença, autorizam a condenação De todo modo, registre-se que Marco Alba foi absolvido na ação originária que tramitou nesta Corte por insuficiência de provas, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, por ter se entendido, naquela ocasião, que não se comprovou de forma segura ("com contornos precisos") o envolvimento do acusado nas fraudes apuradas na Operação Solidária. Em nenhum momento, contudo, se negou categoricamente a autoria, o que reforça a independência dos julgamentos. Repita-se, o crime de corrupção ativa pelo particular, aqui, está claramente demonstrado. Portanto, deve ser mantida a condenação de MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO pela prática do delito previsto art. 333 do CP, e também mantida a absolvição de WOODSON MARTINS DA SILVA da prática do mesmo crime, com base no art. 386, V, do CPP. (...) 3. DOSIMETRIA De início, consigno que a lei não estabelece critério matemático para a dosagem da pena, de tal modo que não está o magistrado obrigado a pautar-se em cálculos precisos para a sua fixação, mas sim nos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia. (...) Com efeito, não há nenhuma vinculação a critérios puramente matemáticos - como, por exemplo, os de 1/8 (um oitavo) ou 1/6 (um sexto) por vezes sugeridos pela doutrina -, mas os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia exigem que o Julgador, a fim de balizar os limites de sua discricionariedade, realize um juízo de coerência entre: (a) o número de circunstâncias judiciais concretamente avaliadas como negativas; (b) o intervalo de pena abstratamente previsto para o crime; e (c) o quantum de pena que costuma ser aplicado pela jurisprudência em casos parecidos. (AgRg no R Esp 1817386/PB, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 12/11/2020). Vale dizer, a preocupação central da individualização da pena não é a de precisamente fatiar e classificar cartesianamente a realidade entre as oito circunstâncias judiciais, mas sagrar o seu predomínio buscando encontrar, entre o mínimo e o máximo de pena previstos pelo legislador, e sem se desviar do comando legal quanto aos fatores a observar, a dose adequada àquela particular ocorrência. Passo, então, à análise das reprimendas na mesma sequência da sentença de primeiro grau. (...) 3.3. Réu Marco Antônio de Souza Camino 3.3.1. Crimes do art. 90 da Lei nº 8.666/93 (art. 337-F do CP) As penas do réu Marco Camino para os crimes de licitação foram assim fixadas em primeiro grau: III.3 - MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO III.3.1 - Delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 (três vezes) O réu fraudou três licitações nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, cometendo três delitos em continuidade delitiva, na forma do artigo 71 do CP. A dosimetria das penas será feita conjuntamente. A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 é de 02 (dois) a 04 (quatro) anos de detenção, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM5 e 6), constata-se que o réu é tecnicamente primário e tem bons antecedentes, em atenção à Súmula 444 do STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 02 (dois) anos de detenção, para cada um dos três delitos. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade, ainda em caráter provisório, fica estabelecida em 02 (dois) anos de detenção para cada um dos três delitos. Aplicando-se a continuidade delitiva entre os três delitos, nos termos do artigo 71 do CP, com o aumento de 1/6, a pena definitiva fica estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção. O regime inicial para o cumprimento de pena será definido após a aplicação do concurso material de crimes. Quanto à multa, em se tratando de crime previsto na Lei n.º 8.666/93, deve ser observado o disposto no art. 99, caput, e seus §§ 1.º e 2.º: Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. § 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. § 2o O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Em atenção ao disposto acima e às condições socioeconômicas do réu, estabeleço a multa de 2% do valor adjudicado pela empresa MAC Engenharia na licitação na qual foi vencedora (CN n.º 428/08). Para a CN n.º 428/08 o valor adjudicado foi de R$ 35.462.971,91, correspondendo a multa a R$ 709.259,43 (setecentos e nove mil duzentos e cinquenta e nove reais e quarenta e três centavos). Face à continuidade delitiva, a pena de multa deve ter igual tratamento ao da pena privativa de liberdade, não incidindo a disposição contida no art. 72 do CP, a qual se restringe aos casos de concursos material e formal. Logo, aumentando o valor da multa na fração de 1/6 (um sexto), arbitro o montante de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos). O valor deverá ser corrigido monetariamente a partir da data da adjudicação do objeto da Concorrência (14/05/2008) e será revertido em favor da União. Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu o sócio e proprietário da empresa MAC, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente, com livre trânsito e influência entre as pessoas do alto escalão do serviço público, tendo atuado como intenso articulador do esquema, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação. Reitere-se que segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível na dosimetria da pena valorar a culpabilidade mais intensamente fundamentada no fato do condenado ter atuado mediante iter criminis complexo, ter alta escolaridade; posição profissional e condição financeira favorável (AgRg no R Esp n. 1.774.165/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 19/4/2022, D Je de 10/5/2022). As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que o réu se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto. Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto. As demais vetoriais também são neutras. Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 2 anos e 6 meses de detenção. Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição. Quanto à continuidade delitiva, assiste parcial razão ao MPF ao requerer elevação da pena em maior patamar, já que, em se tratando de três infrações, a fração de aumento adequada, de acordo com a jurisprudência, deve ser de 1/5, o que resulta na pena de 3 anos de detenção, a qual torno definitiva. No que se refere à multa, com o advento da Lei n. 14.133/2021, aplica-se o preceito secundário do novel art. 337-F do Código Penal, em dias-multa, por ser mais favorável ao réu, conforme já detalhado no item 2.1 deste voto. Portanto, fixo a multa em 185 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente desde então. A esse respeito, conforme constou da sentença, o critério para a quantificação do dia-multa foi a situação econômica do acusado, não merecendo guarida o pedido de fixação no mínimo legal por ausência de fundamentação no ponto. 3.3.2. Crime de quadrilha - art. 288 do CP (redação anterior) As penas do crime de quadrilha quanto ao réu Marco Camino foram assim fixadas em primeiro grau: II.3.2 - Delito do artigo 288 do Código Penal A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 288, com a redação anterior à Lei n.º 12.850/2013 é de 01 (um) a 03 (três) anos de reclusão, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM3 e 4), constata-se que o réu é primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. O critério para a quantificação do dia-multa é o da situação econômica do acusado, razão pela qual o valor unitário foi fixado no máximo legal, conforme o estabelecido no artigo 49 do CP. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu o sócio e proprietário da empresa MAC, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente, com livre trânsito e influência entre as pessoas do alto escalão do serviço público, tendo atuado como intenso articulador do esquema, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação. As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que a quadrilha/associação criminosa se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto. Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto. As demais vetoriais também são neutras. Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição, pelo que torno definitiva a pena de 1 ano e 4 meses de reclusão. O art. 288 do CP não prevê multa, pelo que deve ser afastada de ofício a pena pecuniária fixada em primeiro grau. 3.3.3. Crime de corrupção ativa - art. 333 do CP. As penas para o réu Marco Camino quanto ao crime de corrupção ativa foram assim fixadas em primeiro grau: III.3.3 - Delito do artigo 333, §único, do Código Penal A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 333 do CP é de reclusão de dois a doze anos, e multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM3 e 4), constata-se que o réu é primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade o u conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN, devendo-se supor o prejuízo decorrente da redução de competitividade no certame, o que, porém, já é objeto de condenação por crime licitatório. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de dois anos de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. O critério para a quantificação do dia-multa é o da situação econômica do acusado, razão pela qual o valor unitário foi fixado no máximo legal, conforme o estabelecido no artigo 49 do CP. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, tendo havido a infração de dever funcional, incide o parágrafo único do art. 333 do CP, devendo as penas serem aumentadas em um terço, resultando em dois (2) anos e oito (8) meses de reclusão e treze vírgula três (13,3) dias multa à razão de cinco salários mínimos cada. Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em dois anos e oito meses de reclusão, e a pena de multa fica definitivamente estabelecida em treze vírgula três dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu o sócio e proprietário da empresa MAC, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente, com livre trânsito e influência entre as pessoas do alto escalão do serviço público, tendo atuado como intenso articulador do esquema, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação. As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que o réu se articulou para o cometimento de crimes, incluído aí o delito de corrupção, em obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto. Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto. As demais vetoriais também são neutras. Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 3 anos de reclusão. Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, incide a causa de aumento prevista no art. 333, parágrafo único, porquanto o ato de corrupção do réu efetivamente causou infração de dever funcional de funcionário público, majorando-se a pena em 1/3, o que resulta em 4 anos reclusão, a qual torno definitiva. Quanto à multa proporcional, assiste razão ao MPF para elevação, já que a sanção deve ser proporcional à privativa de liberdade fixada. Logo, estabeleço a multa em 91 dias-multa, mantido o valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente desde então. A esse respeito, conforme constou da sentença, o critério para a quantificação do dia-multa foi a situação econômica do acusado, não merecendo guarida o pedido de fixação no mínimo legal por ausência de fundamentação no ponto. 3.3.4. Prescrição pela pena aplicada. Levando-se em conta as penas aplicadas ao delito do art. 288 do CP (1 ano e 4 meses), o crime prescreve em 4 anos. Assim, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade do réu Marco Camino pela prescrição quanto ao crime do art. 288 do CP, nos termos do art. 107, IV, c/c art. 109, IV e art. 110 (redação anterior), todos do Código Penal, pois transcorridos mais de 4 anos entre as datas dos fatos (maio de 2008) e o recebimento da denúncia (26/11/2015 - evento 139) e também entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória (20/01/2020 - evento 1154) 3.3.5. Concurso de crimes. Operando-se a regra do art. 69 do CP (concurso material) devem ser somadas as penas relativas aos crimes de licitação e de corrupção passiva, o que totaliza em 7 anos de pena privativa de liberdade - sendo 3 anos de detenção e 4 anos reclusão - além de 276 dias-multa no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes na data dos fatos. O regime é o semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, "b", do CP. Incabível a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, pois não preenchidos os requisitos do art. 44 do CP." (fls. 17971/18035) Em complemento, extrai-se do julgamento dos aclaratórios opostos da sentença condenatória os seguintes fundamentos: "II.1 - Embargos declaratórios de Marco Antônio de Souza Camino a) A defesa alegou que em seus memoriais finais, no concernente às interceptações telefônicas e telemáticas, em preliminar, suscitou a nulidade das provas produzidas a partir da quebra de sigilo telefônico e telemático”, “a ausência de fundamentação das decisões judiciais proferidas” e “a ilicitude dos elementos probatórios decorrentes das decisões nulas por ausência de fundamentação”. Porém, a sentença atribuiu somente a Woodson Martins da Silva tais alegações. Com efeito, quanto às interceptações telefônicas e telemáticas, a defesa de Marco Antônio de Souza Camino, além da defesa de Woodson Martins da Silva, também suscitou preliminar em seus memoriais finais alegando a nulidade das provas produzidas a partir da quebra de sigilo telefônico e telemático”, “a ausência de fundamentação das decisões judiciais proferidas” e “a ilicitude dos elementos probatórios decorrentes das decisões nulas por ausência de fundamentação”. Assiste razão ao embargante neste ponto, devendo constar que referida questão preliminar também foi suscitada por sua defesa nos memoriais. Mantenho, no mais, a fundamentação do item II.1.2 da sentença, que afastou essa preliminar de nulidade das provas e das decisões judiciais. b) Sustenta a defesa que a sentença não indicou, pontualmente, quais seriam os “indícios razoáveis” e o “justo motivo” descritos nas decisões judiciais datadas de 14 e 19 de dezembro de 2007, incorrendo em omissão. No entanto, a decisão do evento 957, à qual reportou-se a sentença, é clara ao considerar a legalidade das decisões de 14 e 19 de dezembro de 2007, sendo o justo motivo para o deferimento da interceptação os indícios razoáveis da existência de crime consubstanciados em todas as provas então produzidas na investigação (depoimentos, interceptações e laudos periciais), não havendo qualquer omissão em sua fundamentação: Examinando a decisão judicial que deferiu a interceptação telefônica contra o terminal 51.9985.1061 (Vivo), nada há a reparar, visto que correta tanto em seus aspectos formais, quanto materiais. Veja-se que a decisão levou em conta uma suspeita de prática de crime contra a administração pública (indicíos razoáveis), e não mera liberação de recursos públicos, cujo alvo interceptado, embora inicialmente não tenha sido identificado, possuía séria conexão com o principal investigado em âmbito da "Operação Solidária", a saber, Francisco José de Oliveira Fraga ou "Chico Fraga". Assim, ao contrário do que requer a Defesa, havia sim justo motivo para o deferimento da medida extrema de interceptação telefônica, o que foi realizado com a devida fundamentação. Mas não só. As prorrogações das interceptações telefônicas que se sucederam em relação ao alvo proprietário do terminal 51.9985.1061 (Vivo) tiveram suas razões idênticas a do pedido original, não havendo nisso qualquer ilegalidade, na medida em que se tratava de um caso complexo, sendo o monitoramento telefônico, à época, prova indispensável para o aprofundamento das investigações, mormente, da relação travada entre Chico Fraga e o citado alvo, o qual adiante foi identificado como sendo Marco Antonio Camino. Por tais razões, não havendo mácula de qualquer ordem nas referidas decisões, indefiro o requerimento. Não tendo sido reconhecida a nulidade ou a falta de fundamentação das decisões judiciais supracitadas, não há qualquer ilicitude dos elementos probatórios dela decorrentes. Não há omissão na sentença. c) Quanto à alegação de que a sentença não teria se manifestado quanto à petição do evento 893, no sentido de que fosse franqueado o seu acesso à totalidade da prova originária da quebra de sigilo telefônico e telemático produzida no âmbito da “Operação Solidária” e extraída a partir do Sistema Guardião, cumpre referir que sobre essa petição já houve manifestação no evento 957, e nos autos já houve decisão (evento 459) dispondo a respeito da efetiva disponibilização das mídias nas quais constam todos os diálogos interceptados, dando condições às defesas de apresentaram suas impugnações. Não cabe ao Magistrado manifestar-se novamente, na sentença, sobre todas as petições juntadas aos autos e que já foram apreciadas no momento próprio." Vê-se dos excertos transcritos que não há omissão. Todas as controvérsias foram solucionadas pelas instâncias ordinárias, embora de modo contrário à pretensão da defesa. Foram apontados os motivos concretos para afastar as apontadas nulidades e manter a condenação do recorrente pelos delitos dos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, e 333, parágrafo único do Código Penal, dada a prescrição reconhecida para o crime do art. 288, caput, do Código Penal. Ressalta-se que omissão no julgado e entendimento contrário ao interesse da parte não se confundem. No sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS DOS DECLARATÓRIOS NÃO DEMONSTRADOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. MULTA. 1. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração destinam-se a esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material eventualmente existentes no julgado. 2. Não há espaço para aplicação do Tema n. 1.011/STF, visto que a embargante distorce a realidade dos fatos para fazer com que os autos retrocedam a fase que nem sequer lhe assiste, suscitando tese (competência da Justiça Federal ante a necessidade de a CEF integrar o polo passivo da ação) que não foi objeto de debate na origem, o que por si só inviabilizaria eventual análise da questão pela falta de prequestionamento (incidência da Súmula n. 211/STJ). 3. A competência da justiça estadual não foi objeto de análise por entender que tal questão já se encontrava acobertada pelo manto da coisa julgada ["A competência da Justiça estadual para conhecimento da lide foi definida no julgamento do agravo de instrumento n. 2193670-42.2018.8.26.0000 (relator Desembargador Maurício Campos da Silva Velho), transitando em julgado"], bem como em razão da efetiva demonstração nos autos de que a apólice regente do seguro é do ramo privado ("a apólice de seguro habitacional foi averbada no ramo 68"), o que afasta a incidência do referido Tema n. 1.011/STF à hipótese dos autos. 4. A parte embargante, inconformada, busca, com a oposição destes embargos declaratórios, ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com sua tese. Contudo, entendimento contrário ao interesse da parte não se confunde com omissão. 5. A alteração da verdade dos fatos dos autos para obter incidência de precedente (Tema n. 1.011/STF) do qual é sabedor que não tem nenhuma aplicação à hipótese autoriza a condenação por litigância de má-fé. Precedentes. Embargos de declaração rejeitados com aplicação de multa. (EDcl no AgInt no REsp n. 1.932.086/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024.) PRELIMINAR. 1. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO E PRORROGAÇÕES. Quanto ao ponto, esclareceu-se que a interceptação telefônica foi inicialmente direcionada aos desvios de recursos destinados à merenda escolar revelando contatos de Francisco Fraga (alvo) com o recorrente, o qual ainda não havia sido identificado. Foi a partir daí que se passou a apurar a prática de diversos outros crimes. A decisão levou em conta a suspeita da prática de crime contra a administração pública (indícios razoáveis). Como consignado no julgamento dos aclaratórios, a decisão do evento 957 foi clara ao considerar a legalidade das decisões de 14 e 19 de dezembro de 2007, sendo o justo motivo para o deferimento da interceptação os indícios razoáveis da existência de crime, consubstanciados em todas as provas então produzidas na investigação (depoimentos, interceptações e laudos periciais). Na hipótese, tendo as instâncias ordinárias concluído, de forma fundamentada, pela imprescindibilidade das medidas de interceptação telefônica para a obtenção dos indícios de autoria e materialidade delitiva para fins de deflagração da persecução penal, nada há de ser alterado. Conforme constou nos autos, "em crimes como os ora analisados, em que estão envolvidos diversos indivíduos com atribuições distintas, o monitoramento das conversas telefônicas consubstancia-se, muitas vezes, no único instrumento capaz de identificar a natureza das relações entre os membros, os planos para a execução das práticas delituosas e as funções por eles desempenhadas." Reforço que a análise sobre a imprescindibilidade das interceptações telefônicas ou a existência de outros meios de obtenção da prova implica revolvimento fático-probatório dos autos, procedimento vedado, em recurso especial, pelo disposto na Súmula n. 7 do STJ. As prorrogações das interceptações telefônicas que se sucederam tiveram suas razões idênticas às do pedido original, não havendo ilegalidade, na medida em que se tratava de um caso complexo, sendo o monitoramento telefônico, à época, prova indispensável para o aprofundamento das investigações, mormente, da relação travada entre Chico Fraga e o citado alvo, o qual adiante foi identificado como sendo o recorrente. Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que inexiste ilegalidade na decisão que decreta, ou prorroga, a interceptação telefônica, desde que esteja fundamentada. No sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE DELITOS GRAVES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Esta Corte Superior, pacificou o entendimento de que inexiste ilegalidade na decisão que decreta, ou prorroga, a interceptação telefônica, desde que esteja fundamentada. [...] O deferimento do mandado de busca e apreensão, deve conter fundamentação concreta, com demonstração da existência dos requisitos necessários para a decretação" (AgRg no RHC n. 144.641/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1º/12/2022). 2. No caso em tela, está demonstrada à exaustão a necessidade de diligências mais graves, como a quebra do sigilo telemático e a decretação de busca e apreensão, pelo fato de que há investigações em andamento para averiguar um possível esquema criminoso de desvio de recursos de obras públicas na Prefeitura de Presidente Kennedy. Os investigados, supostamente, utilizam a empresa SHARK NEGÓCIOS E EMPREENDIMENTOS LTDA. para participar de licitações, com um "laranja" à frente como proprietário. Esses atos ilícitos exigem provas sólidas que demonstrem materialidade, como documentos, provas escritas e comunicações que conectem efetivamente o grupo investigado, pois denúncias anônimas ou meramente testemunhais não são suficientes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 204.099/ES, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.) A propósito, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça encontra-se estabelecida no sentido de que, para a prorrogação da medida que autoriza a interceptação telefônica, é possível adotar-se a fundamentação per relationem, sem que tal proceder implique nulidade (HC n. 616.950/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 30/8/2022). Em relação à incompetência da autoridade que decretou as interceptações, como dito no aresto, a tese já foi enfrentada no âmbito da Operação Solidária, onde se concluiu que, tendo o envolvimento de parlamentar federal ocorrido fortuitamente, em meio a conversas com os reais investigados cujos terminais estavam sendo interceptados, não há nulidade a ser reconhecida, principalmente quando os autos são remetidos ao STF assim que constatada a participação dos réus com prerrogativa de foro, prosseguindo as investigações na origem somente quanto aos demais envolvidos, tal como se deu no presente feito. De fato, não tendo sido as investigações dirigidas aos parlamentares federais com prerrogativas de foro, a simples captação de conversas dos alvos investigados com aquelas autoridades não acarreta, por si só, nulidade da prova. No sentido: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 90 DA LEI N. 8.666/93, CORRUPÇÃO PASSIVA E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ACUSADO COM PRERROGATIVA DE FORO. INTERCEPTAÇÕES DETERMINADAS POR JUÍZO INCOMPETENTE. INOCORRÊNCIA. PACIENTE QUE NÃO ERA ALVO DA INVESTIGAÇÃO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA NO MOMENTO QUE SURGIRAM INDÍCIOS CONCRETOS DO ENVOLVIMENTO DE ACUSADOS COM FORO PRIVILEGIADO. MODIFICAÇÃO DA CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE REVISÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. WRIT DENEGADO. 1. O habeas corpus não é a sede adequada para desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias sobre em que momento passaram a existir elementos concretos da participação do paciente na prática dos ilícitos investigados, tendo em vista que a referida análise implica no reexame aprofundado do conjunto fático-probatório colhido ao longo das investigações, providência incompatível com os estreitos limites da via eleita, que é caracteriza pelo seu rito célere e cognição sumária. 2. Inobstante a existência de menções esporádicas ao nome do paciente nos relatórios parciais juntados aos autos, tratava-se de transcrições relativas aos agentes investigados pela autoridade policial e que eventualmente mantinham contato com o paciente. Constata-se que a autoridade policial buscava com os relatórios parciais a renovação das escutas telefônicas dos acusados que não possuíam prerrogativa de foro. O paciente, que não era alvo das investigações ao tempo dos pedidos de quebra do sigilo das comunicações, sendo que somente após o aprofundamento das investigações é que vieram a surgir indícios da participação de acusados com foro privilegiado no esquema criminoso, ocasião em que houve o declínio da competência pelo Juízo de primeiro grau. 3. A existência de "meros rumores, boatos, da participação de parlamentar em fatos investigados no primeiro grau de jurisdição não constituiria fundamento suficiente para deslocar o processo para o Supremo Tribunal Federal. Noutras palavras: enquanto não existam indícios concretos que confirmem os "rumores" de suposta participação de detentor de prerrogativa de foro nos delitos investigados, e autorizem a instauração de Inquérito contra ele, não há motivo idôneo para a declinação da competência" (Min. Luiz Fux, voto no Inq. 3305/STF, DJe 01-10-2014). Habeas Corpus denegado. (HC n. 315.670/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 2/10/2018, DJe de 15/10/2018.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. COMPOSIÇÃO DA TURMA. NÃO OCORRÊNCIA. JUÍZES CONVOCADOS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. PROVAS ILÍCITAS. NULIDADES. NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIZAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS COM BASE EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DA DENÚNCIA ANÔNIMA. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. RECORRENTE QUE NÃO POSSUI PRERROGATIVA DE FORO. ALEGAÇÃO DE PERÍODO DE INTERCEPTAÇÃO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. I - O recurso especial interposto com fulcro no art. 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal exige o atendimento dos requisitos contidos no art. 1028, § 1º do Código de Processo Civil, e no art. 255, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, para a devida demonstração do alegado dissídio jurisprudencial, pois, além da transcrição de acórdãos para a comprovação da divergência, é necessário o cotejo analítico entre o aresto recorrido e o paradigma, com a constatação da identidade das situações fáticas e a interpretação diversa emprestada ao mesmo dispositivo de legislação infraconstitucional, situação que não ocorreu, in casu. Precedentes. II - Não há se falar em ofensa ao princípio do juiz natural. Isto porque, esta eg. Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm entendimento pacificado quanto ao tema, no sentido de que "Não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto por juízes convocados, nos termos da lei" (AgR no RE n. 741.939/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 17/12/2013). Precedentes. III - Ao contrário do alegado pela defesa, as interceptações telefônicas que culminaram com o processamento e condenação do ora recorrente não foram decorrentes, diretamente, de denúncia anônima, tendo o eg. Tribunal a quo esclarecido que a denúncia anônima veio a somar à percepção dos primeiros indícios de prática criminosa levantados com os depoimentos obtidos em setembro de 2007, antes mesmo da denúncia anônima, em outubro do mesmo ano. E consoante entendimento desta Corte: "a denúncia anônima pode dar início à investigação, desde que corroborada por elementos informativos prévios que denotem a verossimilhança da comunicação" (RHC n. 59.542/PE, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/11/2016). IV - Os argumentos apresentados pela Corte de origem, justificando a necessidade das interceptações telefônicas em razão da complexidade das investigações, bem como da possibilidade de diversas prorrogações, desde que fundamentadas, como ocorreu in casu, estão de acordo com a jurisprudência firmada pelos Tribunais Superiores. Precedentes do STF e do STJ. V - As instâncias originárias, soberanas na análise do acervo fático-probatório dos autos, consignaram que não houve períodos em que a interceptação telefônica teria perdurado sem a devida autorização judicial. Concluir de forma contrária demandaria o necessário revolvimento fático-probatório, procedimento vedado na presente via recursal, nos termos da Súmula n. 7/STJ. VI - A competência firmada por prerrogativa de função (ratione muneris) é fixada em virtude do cargo ou da função exercida pelo agente, o que importa dizer, o fato de ter o Supremo Tribunal Federal decidido pelo arquivamento de inquérito contra deputado federal, em razão da não observância da prerrogativa de função do investigado, que não é parte na presente ação penal, não implica na obrigatoriedade do reconhecimento de nulidade das provas também para o ora recorrente, que não possui a prerrogativa de função. Precedentes. VII - Ademais, as alegações acerca da ilicitude das provas aviadas nesse recurso especial foram objeto de exame no RHC n. 29.658/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 8/2/2012, oriunda da mesma operação policial, tendo o e. Ministro Relator consignado que "No que concerne à alegada nulidade das escutas, o fato de que estas alcançaram a comunicação de vários parlamentares federais, sem autorização do Supremo Tribunal Federal, não possui o condão de invalidar as provas colhidas. Ora, as conversas interceptadas envolvendo os parlamentares ocorreram em razão da efetivação da medida em relação aos interlocutores que não possuem prerrogativa de foro". Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 988.527/RS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20/9/2018, DJe de 28/9/2018.) 2. CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA. ATO DE OFÍCIO. ATIPICIDADE. CAUSA DE AUMENTO. O Tribunal Regional aponta que o tema foi esmiuçado, inclusive no âmbito da Operação Lava-Jato, tendo-se concluído que o crime de corrupção ativa não exige, para sua configuração, a concretização de qualquer ato de ofício pelo funcionário público. De fato, tal entendimento não destoa da jurisprudência desta Corte. Cito precedentes: PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO LAVA JATO. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 619 E 620, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. INCOMPETÊNCIA DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS E A DISPOSITIVOS DE EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA, AINDA QUE PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO. NULIDADE. PRAZO COMUM. ALEGAÇÃO TARDIA. PRECLUSÃO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A ACUSAÇÃO E A SENTENÇA. JULGAMENTO ULTRA PETITA. INOVAÇÃO RECURSAL. PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM. CONTINUIDADE DELITIVA. AFASTAMENTO. REVOLVIMENTO DE ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. CORRUPÇÃO PASSIVA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE DE VINCULAÇÃO À PRÁTICA DE ATO DE OFÍCIO PARA CARACTERIZAR O CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE ATIVOS. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO EXPONTÂNEA. INOVAÇÃO RECURSAL. RECONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA DE CRIME ÚNICO. PROVIDÊNCIAS QUE IMPLICAM NO REEXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. CONTINUIDADE DELITIVA. NÚMERO DE INFRAÇÕES PRATICADAS. FRAÇÃO DE AUMENTO PROPORCIONAL. REPARAÇÃO DO DANO. PROGRESSÃO DE REGIME. ART. 33, 4º, DO CÓDIGO PENAL. CONSTITUCIONALIDADE. PETIÇÃO. PREJUDICADO O PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE INCOMPETÊNCIA DA 13ª VARA FEDERAL DE CURITIBA. DECISÃO MANTIDA. I - O Agravo Regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios fundamentos. II - Nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, os Embargos de Declaração objetivam extirpar da decisão reprochada eventual ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. Os Aclaratórios não constituem, segundo a iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores, via adequada para a veiculação de mero inconformismo com os fundamentos de decidir. III - Referente à tese de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o feito, nota-se que não foram infirmados os fundamentos do acórdão, que, por si só, sustentam o decisum impugnado, razão pela qual, o recurso não pode ser conhecido, nos termos em que aduz a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles". IV - Não compete a este eg. Superior Tribunal se manifestar sobre violação a princípios ou a dispositivos de extração constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Pretório STF. Precedente. V - Nos termos da jurisprudência desta Corte: Mesmo as nulidades absolutas devem ser suscitadas em momento oportuno, sujeitando-se à preclusão temporal, em observância aos princípios da segurança jurídica e da lealdade processual (AgRg nos EDcl no HC n. 668.662/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 17/12/2021). VI - O reconhecimento da nulidade de ato processual, de acordo com o princípio pas de nullité sans grief e nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, exige a demonstração do prejuízo sofrido - o que não ocorreu no presente caso. Precedentes. VII - De fato, o efeito devolutivo da Apelação encontra limites nas razões expostas pelo recorrente (tantum devolutum quantum appellatum), em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos previstos no âmbito do processo penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte detentora dos interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à clausula constitucional do devido processo legal. VIII - A reforma do v. acórdão recorrido, para rever seus fundamentos e concluir pela absolvição do réu, demanda inegável necessidade de reexame do acervo fático-probatório dos autos, soberanamente delineado perante as instâncias ordinárias, já que tal providência, como se sabe, é inviável pela estreita via do Recurso Especial, cujo escopo se limita ao debate de matérias de natureza eminentemente jurídica, nos termos do enunciado n. 7 da Súmula desta Corte, segundo a qual "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". IX Com efeito: Para a configuração do crime de corrupção passiva, ao contrário do que ocorre no crime de corrupção ativa, não se exige a comprovação de que a vantagem indevida solicitada, recebida ou aceita pelo funcionário público, esteja causalmente vinculada à prática, omissão ou retardamento de "ato de ofício". Inclusive, nem mesmo há a exigência de que o "ato de ofício" seja da competência funcional do agente corrupto (REsp 1745410/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 2/10/2018, DJe 23/10/2018 - Grifo Nosso) (AgRg no AREsp n. 1.650.032/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 01/09/2020). X - "Para este Superior Tribunal de Justiça acolher como certa a tese de ausência de ocultação ou de dissimulação, caracterizadoras do crime de lavagem de dinheiro, teria de proceder à nova esmerilação do acervo probatório constante dos autos, providência terminantemente vedada pelo óbice absoluto da Súmula n. 7/STJ" (AgRg no AREsp n. 1.546.188/DF, Sexta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 19/10/2020). XI - As circunstâncias judiciais encontram-se devidamente fundamentadas, não se podendo extrair dos argumentos deduzidos pelo c. Tribunal de origem, a ocorrência de eventual bis in idem, e, tampouco, a adoção de circunstâncias inerentes ao tipo penal para exasperação da pena-base. XII - Representa indevida inovação recursal a questão deduzida na Corte a quo nos embargos de declaração opostos após o julgamento da apelação, e enseja indevida supressão de instância o seu exame pelo Superior Tribunal de Justiça, pois não apreciada pelas instâncias ordinárias (AgRg no HC n. 699.698/SP, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 24/02/2022). XIII - Rever o entendimento assentado para reconhecer que houve crime único, demandaria necessariamente, amplo reexame do acervo fático-probatório, procedimento incompatível com via eleita. (Súmula 7/STJ). XIV - Este e. Superior Tribunal de Justiça tem adotado o seguinte critério para determinar o aumento pela pela continuidade delitiva: 1/6 para 2 infrações, 1/5 quando forem 3, 1/4 para 4, 1/3 para 5, 1/2 para 6 e 2/3 quando forem 7 ou mais. Precedentes. XV - "É firme a dicção do Excelso Pretório em reconhecer a constitucionalidade do art. 33, § 4º, do Código Penal, o qual condiciona a progressão de regime, no caso de crime contra a administração pública, à reparação do dano ou à devolução do produto do ilícito". (AgRg no REsp 1786891/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2020, DJe 23/09/2020)" (AgRg no HC n. 686.334/PE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 20/09/2021). Agravo Regimental desprovido e pedido prejudicado. (AgRg no REsp n. 1.883.830/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022.) DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO LAVA JATO. CORRUPÇÃO ATIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE FRAUDE A LICITAÇÃO E CARTEL. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. NULIDADE INOCORRÊNCIA. CORRUPÇÃO ATIVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PRÁTICA DE QUALQUER DOS VERBOS NUCLEARES DO TIPO. PRÉ-QUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 356 DO STF. CORRUPÇÃO ATIVA. ATO DE OFÍCIO. DEMONSTRAÇÃO. DESNECESSIDADE. LAVAGEM DE DINHEIRO. MEIO DE CONSUMAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. FRAUDE A LICITAÇÃO. CRIME ANTECEDENTE PARA OS FINS DO ART. 1º DA LEI 9.613/1998. POSSIBILIDADE. PENA-BASE. ILEGALIDADE PATENTE. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. ART. 61, II, "B", DO CP. LAVAGEM DE DINHEIRO. COMPATIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. EXTENSÃO DO RECONHECIMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VALOR MÍNIMO INDENIZATÓRIO. FUNDAMENTO RECURSAL NÃO VENTILADO PERANTE AS INSTÂNCIAS INFERIORES. SÚMULA 282/STF. AGRAVO DESPROVIDO. I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios fundamentos. II - Os crimes de formação de cartel e de fraude a licitação constituem infrações penais de natureza formal. A comprovação da prática dessas modalidades delitivas, portanto, pode ser aferida pela intensão de se associarem os agentes com o propósito de frustrar a concorrência, evidenciada por comportamentos lineares dos participantes do cartel, independentemente da ocorrência de prejuízo econômico alheio ou de benefício próprio imediato. III - A suposta atipicidade da conduta, sob o enfoque específico do pagamento sem prévio oferecimento ou promessa vantagem ilícita, não foi objeto de debates pela eg. Corte de Apelação e muito menos explorado em sede de Embargos de Declaração (fls. 22.269-22.281), o que faz incidir o comando da Súmula 356 do STF: "O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento." IV - O crime de corrupção ativa, diversamente do delito funcional previsto no art. 317 do CP, se consuma independe da prática de qualquer ato de ofício pelo agente público peitado. Mesmo que assim não fosse, o Tribunal de origem reconheceu que o crime de corrupção passiva perpetrados pelos corréus funcionários públicos consistiu na omissão do dever funcional de fiscalização e zelo pela coisa pública, o que acarretou a manutenção, por longos anos, de cartel entre as empreiteiras contratadas pela Petrobrás S/A. V - O crime descrito no art. 90 da Lei 8.666/1993 se enquadra na redação originária do art. 1º, inciso V, da Lei 9.613/1997, vigente à época dos fatos, mesmo que perpetrado no âmbito da Petrobrás S/A. VI - Se a origem ilícita dos recursos ilegalmente reciclados decorreu da prática dos crimes previstos nos arts. 4º, I, da Lei 8.137/1990 e 90 da Lei 8.666/1993, utilizados paralelamente para a prática de outra espécie delitiva, no caso, a corrupção ativa, não existe bis in idem na aplicação da agravante descrita no art. 61, II, "b", do CP com relação ao delito do art. 1º da Lei 9.613/1998. VII - O acolhimento do pleito de mitigação da pena-base, por meio da alteração de critérios utilizados pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise do conjunto fático-probatório, é providência que somente pode ser alvitrada em sede de Recurso Especial quando a ilegalidade resta demonstrada primo ictu oculi. VIII - A forma de cometimento do crime de corrupção, evidenciada na moldura fática estampada no acórdão guerreado, impede que o alcance do instituto da continuidade delitiva seja determinado sob o âmbito estritamente jurídico, próprio dos recursos de direito estrito, porquanto exige o profundo revolvimento do conjunto probatório. Aplicação da súmula 7 deste eg. Superior Tribunal de Justiça. IX - Não havendo as instâncias inferiores se debruçado sobre a aplicação do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, sob o enfoque que agora pretende o agravante, o conhecimento da tese defensiva encontra óbice na aplicação analógica da súmula 282 do Excelso Pretório, no sentido de que "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada." Agravado regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.774.165/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 10/5/2022.) Quanto à ausência de prova de oferta ou promessa de vantagem por parte do recorrente, o Tribunal a quo discorda da tese defensiva, porquanto aduz que "em relação a Marco Camino, ficou comprovado que houve, sim, oferta de vantagem indevida aos funcionários públicos para que houvesse benefícios a sua empresa - MAC Engenharia - no direcionamento dos editais da CORSAN". O delito de corrupção ativa é delito formal, que se consuma no momento do oferecimento da vantagem indevida, tal como se deu na hipótese. No sentido: PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 333, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - CP. CORRUPÇÃO ATIVA. ART. 2º, § 3º E § 4º, II, DA LEI N. 12.850/13. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. 1) INTIMAÇÃO PARA SESSÃO DE JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. DESCABIDA. 2) VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. SÚMULA N. 568 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. INOCORRÊNCIA. EVENTUAL VÍCIO SANÁVEL COM JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 3) PLEITO DE SUSTENTAÇÃO ORAL. AUSENTE PREVISÃO LEGAL OU REGIMENTAL. 4) VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 41 E 315, § 2º, II, III, IV E V, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP, E AO ART. 1º, § 1º E § 2º, DA LEI N. 12.850/13. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO NÃO CONSTATADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO CONSTATADA. 5) VIOLAÇÃO AO ART. 395, III, DO CPP, BEM COMO AO ART. 1º, § 1º E § 2º, DA LEI N. 12.850/13. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. 6) VIOLAÇÃO AOS ARTS. 69 E 333, CAPUT, AMBOS DO CP. TRÊS ATOS. CRIME FORMAL. 7) VIOLAÇÃO AOS ARTS. 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E, 315, § 2º, E 564, III, "D", TODOS DO CPP. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. 8) VIOLAÇÃO AO ART. 157 DO CPP, BEM COMO AO ART. 8º-A, § 4º, DA LEI N. 9.296/96. PROVA LÍCITA. 8.1) VIGÊNCIA APÓS RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 8.2) VIGÊNCIA ANTERIOR AO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. JUSTA CAUSA MANTIDA. 9) AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A apresentação em mesa do agravo regimental (recurso interno em matéria penal) para julgamento independe de inclusão em pauta, afastando-se a necessidade de intimação, consoante jurisprudência pacífica nesta Corte. 2. A decisão monocrática proferida por Relator não afronta o princípio da colegialidade e tampouco configura cerceamento de defesa, ainda que não viabilizada a sustentação oral das teses apresentadas, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão, como ocorre na espécie, permite que a matéria seja apreciada pela Turma, o que afasta absolutamente o vício suscitado pelo agravante (AgRg no HC 485.393/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 28/3/2019). 3. Tratando-se de agravo em recurso especial protocolado nesta Corte e de decisão agravada que dele conheceu para negar provimento ao recurso especial, descabida a sustentação oral na sessão de julgamento do agravo regimental, em razão da ausência de previsão legal ou regimental. 4. O Tribunal de Justiça apresentou suficientes razões de decidir para o recebimento da denúncia quanto ao crime de organização criminosa, havendo por parte do agravante discordância em relação aos fundamentos e ao resultado, o que não importa em vício do julgado. 4.1. Quanto ao art. 41 do CPP, em se tratando de organização criminosa, crime cometido por pluralidade de agentes, não se exige a descrição pormenorizada dos fatos, bastando que a denúncia implique os acusados em fatos criminosos delimitados de modo a permitir a ampla defesa e o contraditório, ficando as nuances para apuração no decorrer da instrução criminal. 4.2. Nesse sentido, a denúncia inaugura a descrição do crime de organização criminosa sem precisar exatamente o início dela, mas a delimita ao início da legislatura, em razão da posse do recorrente na condição de Prefeito. 5. Ante as razões postas no acórdão do Tribunal de Justiça diante dos elementos já produzidos, o pleito de constatação de ausência de justa causa esbarra no óbice da Súmula n. 7 desta Corte. 6. Embora para o mesmo fim, foram narrados três atos de corrupção, o que justifica a denúncia por três condutas, pois o delito de corrupção ativa prescinde de resultado naturalístico, sendo crime formal que se consuma no momento do oferecimento da vantagem indevida. 7. O Tribunal de Justiça apresentou suficiente fundamentação para rechaçar vício por quebra na cadeia de custódia, eis que não demonstrado prejuízo na forma em que manipulado o material, razão pela qual prescindível a abordagem de todos os aspectos levantados pela Defesa. 8. O art. 10-A, § 1º, da Lei n. 9.296/96, inserido pela Lei n. 13.964/19, registra que a captação realizada por um dos interlocutores para investigação ou instrução criminal sem exigível autorização judicial não é crime. Por seu turno, o art. 8º-A, § 4º, da Lei n. 9.296/96, em uma interpretação literal, permite "A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação", ou seja, tem como uma das condições o uso em matéria de defesa. 8.1. A Lei n. 13.964/19 também inseriu o art. 8º-A, § 4º, na Lei n. 9.296/96, que após vetado pelo Presidente da República teve vigência iniciada em 30/5/2021 (30 dias após a publicação da promulgação das partes vetadas), em atenção ao disposto no art. 20 da Lei n. 13.964/19. Quando do recebimento da denúncia, a referida restrição ao uso da captação ambiental não estava em vigor no mundo jurídico, razão pela qual mantém-se inalterado o conteúdo do acórdão que recebeu a denúncia. 8.2. Por seu turno, quando do julgamento dos embargos de declaração em face do acórdão que recebeu a denúncia já vigorava o art. 8º-A, § 4º, na Lei n. 9.296/96, e o Tribunal de Justiça não reconheceu seus efeitos. De todo modo, não há prejuízo no tocante ao recebimento da denúncia, ante a presença de justa causa com base também no depoimento do vereador que fez a captação ambiental. 9. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.027.796/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 13/12/2022.) Por outro lado, no que pertine à causa de aumento prevista no art. 333, parágrafo único, do CP, a tese do recorrente guarda procedência. Primeiramente se faz necessário indicar o prequestionamento ficto quanto ao ponto, porque, embora a defesa tenha sustentado nos embargos declaratórios que foi aplicada a causa de aumento de pena do art. 333, parágrafo único do Código Penal sem a indicação do ato de ofício praticado com infringência do dever funcional, no respectivo julgamento a Corte Regional restou omissa e, tendo sido indicada nas razões do recurso a violação ao art. 619 do CPP, passo à análise. Embora o TRF tenha dito no julgamento da apelação que o ato de corrupção efetivamente causou infração de dever funcional de funcionário público, não esclareceu qual teria sido este. Destarte, sem pontuar em que consiste o ato de ofício do funcionário público que teria infringido o dever funcional, deve ser decotada a causa de aumento da pena. 3. PENA-BASE. AUMENTO INADEQUADO. REFERÊNCIA GENÉRICA E ABSTRATA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. As penas-base de Marco Antônio relativas aos delitos do art. 90 da Lei de Licitações, e arts. 333 e 288, caput, do CP, foram majoradas em decorrência da negativação do vetor "culpabilidade", tendo em vista sua formação superior, livre trânsito e influência no serviço público, além de intensa articulação do esquema. E do vetor "circunstâncias", já que o crime licitatório visou obras do saneamento básico, área de infraestrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Primeiramente, não se vê descrição dos elementos do delito de associação criminosa para fins do aumento das penas, pois o fato de ser o articulador do esquema o coloca em posição de destaque. Os fundamentos ter formação superior, livre trânsito, influência no serviço público e crime com reflexos na saúde pública não são inerentes aos tipos criminosos e são idôneos para o recrudescimento das penas, denotando maior reprovabilidade às condutas. Cito precedentes desta Corte em casos semelhantes: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME LICITATÓRIO. REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. As circunstâncias do crime foram valoradas negativamente, na primeira etapa da dosimetria da pena, pela sofisticação no modo de execução do delito, considerando o quantitativo de elementos fraudulentos praticados, quais sejam, "elaborar um edital sem especificação da quilometragem a ser percorrida pelos licitantes, indicação de turno e quantidade de alunos transportados, ausência de parâmetro de fixação de preços e aceitação de propostas sem prévia descrição qualitativa dos veículos que iriam transportar os alunos", o que atrai o maior desvalor da conduta, não havendo, portanto, falar-se em bis in idem. 2. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior, "no sentido do não cabimento da revisão criminal quando utilizada como nova apelação, com vistas ao mero reexame de fatos e provas, não se verificando hipótese de contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, consoante previsão do art. 621, I, do CPP" (HC 206.847/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016). 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.384.761/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 30/11/2023, DJe de 5/12/2023.) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 90 DA LEI Nº 8.666/93. AUSÊNCIA DE OMISSÃO PELA CORTE DE ORIGEM. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Ao contrário do que sustenta a parte recorrente, não há falar em omissão, uma vez que o acórdão recorrido apreciou as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entendeu relevantes e suficientes à compreensão e à solução da controvérsia, o que, na hipótese, revelou-se suficiente ao exercício do direito de defesa. 2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. 3. As circunstâncias do crime como circunstância judicial referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi. Constata-se, assim, a existência de fundamentação concreta e idônea, a qual efetivamente evidenciou aspectos mais reprováveis do modus operandi delitivo e que não se afiguram inerentes ao próprio tipo penal, a justificar a majoração da pena, uma vez que os acusados, durante o período da prática delitiva, usavam da prefeitura de Caculé/BA como uma extensão patrimonial particular para auferir valores em detrimento dos cofres públicos, o que demonstra uma reprovabilidade superior àquela ínsita ao tipo penal, a merecer uma maior resposta do Estado. Salienta-se, no ponto, que o período em que praticado o delito foi apontado como argumento de forma supletiva na avaliação negativa das circunstâncias do crime, não podendo se falar em bis in idem com a continuidade delitiva. Ainda, é perfeitamente possível a coexistência entre o crime de formação de quadrilha e a continuidade delitiva no delito do artigo 90 da Lei nº 8.666/93, porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e os crimes, autônomos. 4. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, as instâncias de origem decidiram pela sua reprovabilidade, tendo em vista que as condutas geraram efeitos indiscutivelmente nefastos e que transcendem as consequências naturais do crime, uma vez que foram desviados recursos do escasso Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, que auxilia na alimentação escolar dos alunos do ensino municipal, que, muitas vezes, têm na merenda escolar sua principal ou única refeição do dia, aumentando a reprovabilidade da conduta, em razão dos resultados que transbordam o tipo penal. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.162.629/BA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, REPDJe de 28/10/2024, DJe de 14/10/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 90, 96, I E V, DA LEI 8.666/93. FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. ELEVAÇÃO ARBITRÁRIA DE PREÇO. ART. 312, § 1º. DO CP. PECULATO. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. MULTA. EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL DE VALOR MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.No que se refere ao pedido de absolvição dos crimes previstos nos artigos 90 e 96, I e V, da Lei 8.666/93 e 312, § 1º do CP, denota-se que a condenação decorreu da análise dos elementos de provas constantes nos autos. A desconstituição desse entendimento, para concluir pela absolvição demandaria, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto probatório, providência incompatível com o rito do recurso especial, conforme se extrai do óbice da Súmula n. 7/STJ. 2. A tese de de prescrição da pretensão punitiva não comporta acolhimento. A contagem do prazo prescricional para o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1996 se inicia com a assinatura do contrato administrativo. O Tribunal de origem destacou que a assinatura do instrumento contratual ocorreu há menos de oito anos do recebimento da denúncia, de modo que não há que se falar em prescrição nos termos postulados. 3. A instância antecedente reconheceu a existência de desígnios autônomos para aplicar o concurso material entre os delitos previstos na Lei de Licitações e o crime de peculato desvio do que se denota que a modificação dessa conclusão enseja necessário revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ. 4. O fato de a fraude no procedimento licitatório ter afetado setor agropecuário, o qual necessita de recursos públicos de forma premente para melhoria das condições de vida dos agricultores envolvidos no cultivo de tomate em pequeno munícipio do Estado do Rio de Janeiro, desborda do tipo penal do art. 90, da Lei 8.666/93 a autorizar o incremento da pena-base a título de circunstâncias do crime 5. Observa-se que a multa, da forma como fixada, não vulnerou o art. 99 da Lei n. 8.666/1993, mas antes lhe deu efetiva aplicação, em observância ao índice percentual mínimo trazido no § 1º do referido dispositivo legal, que é de 2% sobre o valor do contrato licitado. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no REsp n. 2.139.686/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 16/6/2025.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. ACRÉSCIMO DE 6 (SEIS) MESES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. QUANTUM DE AUMENTO. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA. AUSÊNCIA DE CRITÉRIO MATEMÁTICO FIXO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Ausência de enfrentamento no acórdão recorrido da matéria impugnada objeto do recurso impede o acesso à instância especial por faltar o requisito constitucional do prequestionamento. Incidência, por analogia, das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a valoração negativa da culpabilidade pode ser fundamentada na relevância do cargo exercido pelo condenado pelo crime de corrupção, especialmente quando este possui atribuições especiais de fiscalização ou vigilância, uma vez que esse fator eleva o grau de reprovabilidade da conduta. Precedente. 3. A condição de Policial Rodoviário Federal do agravante, embora seja servidor público, como exige o tipo penal da corrupção passiva, reveste-se de especial especificidade, pois se trata de agente que tem o dever específico de fiscalizar e fazer cumprir a lei nas rodovias federais. 4. Conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, não existe um critério matemático fixo para o aumento da pena-base em razão de circunstâncias judiciais desfavoráveis, sendo possível a adoção de frações diversas dentro da discricionariedade vinculada do magistrado, desde que devidamente fundamentada. Precedente. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 2.074.512/PE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/1990. DOLO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. PENA DE MULTA PROPORCIONAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que conheceu em parte do recurso especial e, nesta extensão, negou-lhe provimento. O agravante sustenta que não se aplica ao caso o óbice previsto na Súmula 7/STJ e que houve erro na valoração das circunstâncias judiciais que aumentaram a pena-base. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) Definir se a condenação do recorrente por crime contra a ordem tributária (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) se baseou em provas suficientes para demonstrar o dolo na sua conduta. (ii) Estabelecer se a exasperação da pena-base, fundamentada na culpabilidade, circunstâncias do crime e consequências do crime, observou os parâmetros legais e jurisprudenciais. (iii) Verificar a proporcionalidade da pena de multa e a regularidade das medidas patrimoniais aplicadas, diante da alegação de excesso. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Tribunal de origem analisou detalhadamente o conjunto fático-probatório e concluiu que o recorrente participou ativamente de um esquema de fraude fiscal e contábil, recebendo rendimentos não declarados e adotando artifícios para ocultar os valores da fiscalização, caracterizando o dolo exigido para a configuração do crime. 4. Para afastar a conclusão das instâncias ordinárias quanto à caracterização do dolo, seria necessário o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada pelo enunciado da Súmula 7/STJ. 5. A exasperação da pena-base foi devidamente fundamentada, considerando-se: (i) A culpabilidade do recorrente, que possuía formação superior em Ciências Contábeis e especialização em Finanças, demonstrando conhecimento técnico aprofundado sobre a ilicitude de sua conduta. (ii) As circunstâncias do crime, que envolveram a utilização de familiares para dissimulação dos valores recebidos, movimentação de contas bancárias de terceiros e uso de estrutura empresarial fictícia para ocultação de rendimentos (iii) As consequências do crime, com prejuízo aos cofres públicos em valor expressivo que justifica a majoração da pena, conforme precedentes do STJ em casos de sonegação fiscal. 6. O quantum de aumento da pena-base observou critérios proporcionais. A pena de multa aplicada manteve proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade, não tendo o recorrente demonstrado concretamente qualquer excesso. 7. Quanto ao valor da prestação pecuniária e ao bloqueio de bens, o recurso não indicou os dispositivos de lei federal supostamente violados pelo acórdão recorrido, configurando deficiência na fundamentação recursal, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: O reconhecimento do dolo no crime contra a ordem tributária, quando baseado em elementos concretos analisados pelas instâncias ordinárias, não pode ser afastado em recurso especial, sob pena de reexame fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ. A exasperação da pena-base, com fundamento na culpabilidade do agente e nas consequências do crime, é legítima quando devidamente motivada, especialmente em casos de fraude fiscal sofisticada e prejuízo expressivo ao erário. A fixação da pena de multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, sendo ônus do recorrente demonstrar eventual excesso. A ausência de indicação específica dos dispositivos de lei federal supostamente violados impede o conhecimento do recurso especial quanto à prestação pecuniária e ao bloqueio de bens, conforme a Súmula 284/STF. Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 59 e 68; Lei nº 8.137/90, art. 1º, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 2.171.488/SP, rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, j. 4/6/2024, DJe 6/6/2024. STJ, AgRg no AREsp n. 1.376.588/RJ, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 15/10/2019, DJe 22/10/2019. STJ, AgRg nos EDcl no REsp n. 2.092.749/SE, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 8/4/2024, DJe 11/4/2024. STJ, AgRg no AREsp n. 1.778.761/PB, rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe 4/10/2022. STF, Súmula 284. (AgRg no AREsp n. 2.548.333/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 18/2/2025.) 4. PENA DE MULTA. DESPROPORCIONALIDADE E AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE A SITUAÇÃO ECONÔMICA. No aspecto, a pena pecuniária do crime licitatório foi alterada pelo Tribunal a quo, porque, com o advento da Lei n. 14.133/2021, aplicar-se-ia o preceito secundário do novel art. 337-F do Código Penal, em dias-multa, por ser mais favorável ao réu, tendo sido determinada em 185 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente. Ressaltou-se terem sido sopesadas as condições econômicas do recorrente, além do caráter pedagógico e ressocializante da medida, nos termos do art. 99, caput, e seus §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.666/93. Vejamos como as penas de multa tinham sido dispostas pelo sentenciante: "Quanto à multa, em se tratando de crime previsto na Lei n.º 8.666/93, deve ser observado o disposto no art. 99, caput, e seus §§ 1.º e 2.º: Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. § 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. § 2o O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Em atenção ao disposto acima e às condições socioeconômicas do réu, estabeleço a multa de 2% do valor adjudicado pela empresa MAC Engenharia na licitação na qual foi vencedora (CN n.º 428/08). Para a CN n.º 428/08 o valor adjudicado foi de R$ 35.462.971,91, correspondendo a multa a R$ 709.259,43 (setecentos e nove mil duzentos e cinquenta e nove reais e quarenta e três centavos). Face à continuidade delitiva, a pena de multa deve ter igual tratamento ao da pena privativa de liberdade, não incidindo a disposição contida no art. 72 do CP, a qual se restringe aos casos de concursos material e formal. Logo, aumentando o valor da multa na fração de 1/6 (um sexto), arbitro o montante de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos). O valor deverá ser corrigido monetariamente a partir da data da adjudicação do objeto da Concorrência (14/05/2008) e será revertido em favor da União. (...) III.3.3 - Delito do artigo 333, §único, do Código Penal Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em dois anos e oito meses de reclusão, e a pena de multa fica definitivamente estabelecida em treze vírgula três dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. (...) III.3.3 - Do concurso material As multas aplicadas também devem ser somadas, resultando em R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos) e vinte e três vírgula três (23,3) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base. Vê-se, nos termos do decisório, que a pena de multa do crime licitatório realmente observou os critérios dispostos na lei, levando em conta a situação socioeconômica do réu e o prejuízo causado, já que os valores estão atrelados às licitações na qual sua empresa restou vencedora. Assim, não há como alterar as premissas adotadas pela Corte Regional de que tem o réu condições financeiras para suportar o ônus monetário imposto, sob pena de incursão fático-probatória - Súmula n. 7/STJ. No sentido: PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8137/90. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE ENTREGA DE DCTF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ABSOLVIÇÃO. RESPONSABILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MAJORANTE DO ART. 12, I, DA LEI N. 8.137/90. INCIDÊNCIA. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. PENA DE MULTA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. As questões acerca da inconstitucionalidade da exigência de entrega de DCTF não foram objeto de debate pela instância ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento. Incide ao caso a Súmula n. 282/STF. 2. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergiram elementos suficientemente idôneos de prova, colhidos nas fases inquisitorial e judicial, aptos a manter a condenação do acusado pelo crime do artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90. Assim, rever os fundamentos utilizados pela Corte de origem, para concluir pela absolvição do acusado, tendo em vista a ausência de prova concreta para a condenação, sendo caso de responsabilidade penal objetiva, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ. 3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. 4. Quanto ao desvalor da culpabilidade, para fins de individualização da pena, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.322.083/MT, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023). No presente caso, a intenção do envolvido ao cometer o crime contra a ordem tributária foi apenas a alteração da sua situação fiscal para, com isso, obter certidão negativa de débitos para a sua empresa poder participar de licitação, o que justifica a consideração desfavorável da aludida circunstância. 5. A ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade, devendo o julgador pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça. 6. Considerando o silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência passaram a reconhecer como critérios ideais para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador, ou de 1/6, a incidir sobre a pena mínima (AgRg no HC n. 800.983/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 22/5/2023). Precedentes. 7. Na hipótese em análise, houve a exasperação da reprimenda inicial em 6 meses, o que representa 1/4 da pena mínima, o que se encontra devidamente fundamentado, estando tal aumento razoável e proporcional, não merecendo reforma. 8. Nos termos da jurisprudência desta Corte, para aplicação da causa especial de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/1990, deve ser considerado o dano no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para tributos federais, aferido diante do seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa (ut, AgRg nos EDcl no REsp n. 1.997.086/PE, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, DJe de 16/6/2023). Na hipótese, perfeitamente aplicada a referida causa de aumento, considerando que o crédito tributário decorrente dos tributos sonegados totalizou R$ 906.080,70 (novecentos e seis mil e oitenta reais e setenta centavos), descontados juros e multa (e-STJ fl. 1374), o que nos leva a crer que, incluídos juros e multa, tal valor ultrapassa R$ 1.000.000,00. Ademais, perquirir se o importe sonegado ensejou grave dano à coletividade implica o necessário revolvimento do conteúdo probatório dos autos, providência que, como cediço, encontra óbice na Súmula n. 7/STJ. 9. Sobre a pena de multa, segundo a Corte originária, o valor unitário do dia-multa (1/4 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos) foi determinado de maneira condizente à situação socioeconômica do réu, tendo consignado que ele se trata de empresário, com defensor constituído. Assim, não há como alterar as premissas adotadas pela Corte Regional de que tem o réu condições financeiras para suportar o ônus monetário imposto, sob pena de incursão fático-probatória - Súmula n. 7/STJ. 10. No tocante à prestação pecuniária, fixada fundamentadamente pelo Tribunal de origem a prestação pecuniária, levando em conta as peculiaridades do caso e a renda mensal declarada pelo réu, o acolhimento do pleito de revisão da proporcionalidade da prestação pecuniária demandaria imprescindível reexame de matéria fático-probatória, inviável em recurso especial, ante o óbice da Súmula n. 7/STJ (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.686.679/PR, Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 13/8/2020) (AgRg no REsp n. 1.862.237/PR, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023.). 11. Salienta-se que é cabível a comprovação de impossibilidade de pagamento da prestação pecuniária perante o Juízo da execução criminal, que poderá até mesmo autorizar o parcelamento do valor de forma a permitir o pagamento pela acusada sem a privação do necessário à sua subsistência. Precedentes" (AgRg no REsp n. 1.866.787/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 5/5/2020) (AgRg no HC n. 764.125/SC, relator Ministro MESSOD AZULAY NETO, Quinta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 2/6/2023.) 12. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.215.868/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, DJe de 1/10/2024.) Ademais, é viável utilizar como base de cálculo para aplicação da multa o valor total dos contratos em que o réu saiu vitorioso ante a prática do crime licitatório (AgRg no REsp n. 2.040.788/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 25/4/2025). Já no que toca ao crime de corrupção ativa, foi imposta em 91 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente. Ela deve ser modificada, notadamente em vista do decote da causa de aumento. Passo ao refazimento da dosimetria. Pena do delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93 mantida em 3 anos de detenção e 185 dias-multa. Fica mantido também o reconhecimento da prescrição para o delito de associação criminosa. Corrupção ativa. Pena-base: 3 anos de reclusão, a qual torno definitiva em razão da ausência de intercorrências nas demais fases. A pena de multa segue o critério de proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade. Fixo-a, portanto, em 25 dias-multa. Concurso de crimes. Somadas as penas, totaliza-se 6 anos de pena privativa de liberdade - sendo 3 anos de detenção e 3 anos de reclusão - além dos 210 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigente na data dos fatos. Ficam mantidas as demais determinações legais. Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, dou-lhe parcial provimento para reduzir a pena imposta ao recorrente nos termos supramencionados. Publique-se. Intimem-se. Relator JOEL ILAN PACIORNIK
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Tribunal: STJ | Data: 10/07/2025Tipo: IntimaçãoREsp 2139200/RS (2024/0145661-6) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK RECORRENTE : CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU ADVOGADOS : ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH - RS036846 CAMILE ELTZ DE LIMA - RS058443 MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS078969 RENATA MACHADO SARAIVA - RS076822 CRISTIANE PETRÓ - RS112949 RECORRENTE : MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO ADVOGADOS : PAULO OLIMPIO GOMES DE SOUZA - RS003230 CELSO SANCHEZ VILARDI - SP120797 FELIPE DREYER DE AVILA POZZEBON - RS030663 LEONEL ANNES KEUNECKE - RS057062 MICHELE DE ÁVILA RIVAROLLY LIMA - RS067390 RECORRENTE : ODILON ALBERTO MENEZES ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO SCHEID - RS0055419 AMANDA CONRAD DE AZEVEDO - RS0084670 PAULO RICARDO SULIANI - RS0065611 PAOLA REIS - RS131079 RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CORRÉU : SERGIO LUIZ KLEIN CORRÉU : SERGIO LUIZ MALLMANN CORRÉU : CARLOS JULIO GARCIA MARTINEZ CORRÉU : RICARDO LINS PORTELLA NUNES CORRÉU : CAETANO ALFREDO SILVA PINHEIRO CORRÉU : PAULO FERNANDO BILLES GOETZE CORRÉU : MARIO RACHE FREITAS CORRÉU : WOODSON MARTINS DA SILVA CORRÉU : DEOCLECIO LUIS CAUMO DECISÃO Cuida-se de recurso especial interposto por CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO em julgamento da Apelação Criminal n. 5021573-12.2014.4.04.7100/RS. Consta dos autos que, instruído o feito, sobreveio sentença (evento 1154, SENT1), julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido condenatório veiculado na denúncia para: a) ABSOLVER o réu DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; b) ABSOLVER o réu MÁRIO RACHE FREITAS da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, com base nos arts. 386, VII, do Código de Processo Penal, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; c) ABSOLVER o réu PAULO FERNANDO BILLES GOETZE da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; d) ABSOLVER o réu RICARDO LINS PORTELLA NUNES da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; e) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ KLEIN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; f) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ MALLMANN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; g) ABSOLVER o réu WOODSON MARTINS DA SILVA da prática do delito previsto no art. 333 do Código Penal, com base no art. 386, II, do Código de Processo Penal; h) CONDENAR o réu CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ como incurso nas sanções do art. 288 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime aberto, e multa de 11,6 (onze vírgula seis) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então; i) CONDENAR o réu CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 644.030,42 (seiscentos e quarenta e quatro mil trinta reais e quarenta e dois centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; j) CONDENAR o réu MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, art. 288, caput, do Código Penal e art. 333, parágrafo único do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 anos e 8 meses de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime semiaberto, e multa de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos) e 23,3 (vinte e três vírgula três) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; k) CONDENAR o réu ODILON ALBERTO MENEZES como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/90, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 147.900,93 (cento e quarenta e sete mil e novecentos reais e noventa e três centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base. Exceto quanto ao réu MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, todas as outras penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo tempo da condenação ou de limitação de final de semana, a ser definido pelo juízo da execução. b) prestação pecuniária, consistente no pagamento do valor de 20 (vinte) salários mínimos, para Carlos Júlio Garcia Martinez, e do valor de 40 (quarenta) salários mínimos cada um, para Cláudio Luiz da Silva Abreu e Odilon Alberto Menezes, considerado o valor do salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento. Em sede de apelação, o TRF a) reconheceu de ofício a extinção da punibilidade de Sérgio Mallmann, por conta da prescrição pela pena em abstrato para o delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93; b) reconheceu, de ofício, a extinção da punibilidade dos réus quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; c) deu parcial ao recurso de Carlos Martinez, para reconhecer a extinção da punibilidade quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; d) negou provimento aos recursos de Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu; e) deu parcial provimento ao recurso do MPF para reconhecer como negativa a culpabilidade dos réus Carlos Martinez, Marco Camino e Odilon e as circunstâncias de todos os crimes para todos os réus e elevar a fração da continuidade delitiva para os réus Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu. Embargos de declaração opostos por SERGIO LUIZ KLEIN, MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU e ODILON ALBERTO MENEZES foram desprovidos. Em sede de recurso especial (fls. 18336/18406), a defesa apontou: (i) violação ao dever de individualização das condutas imputadas ao recorrente, culminando na prolação de juízo condenatório a partir do recebimento de denúncia inepta (arts. 13 do CP e 41 do CPP); (ii) a violação aos dispositivos de lei federal que regem a interceptação telefônica, acarretando a nulidade das provas obtidas (arts. 157, caput e § 1º, do CPP, e 2º, I, 5º e 6º, § 1º, da Lei n. 9.296/96), isso porque ela teria sido decretada a partir de denúncia anônima; da ilegalidade decorrente do descumprimento do limite temporal da medida, e do cerceamento de defesa diante da falta de acesso à integralidade das escutas realizadas; (iii) afronta às regras de cadeia de custódia da prova (arts. 158-A; 158-A, § 2º; 158-B e 158-F, 564, III, todos do CPP), em razão das mídias com defeito técnico - vírus, demonstrando descuido da investigação; falta de acesso à integralidade dos elementos de informação; (iv) violação às regras de produção de prova, em afronta à ampla defesa (art. 372 do CPC e art. 3º do CPP; arts. 155, 157, 564, III, todos do CPP); (v) a violação ao dever de fundamentação das decisões (arts. 315, § 2º, IV, e 619 do CPP); (vi) negativa de vigência ao art. 155 do CPP, diante de condenação fundada exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial; (vii) incorreções quanto à dosimetria da pena (arts. 45, §1º, 49, 59 e 68 do CP; art. 315, §2º, e art. 381, III, do CPP), tanto na pena-base quanto na prestação pecuniária, pois não foram tecidas consideração acerca do eventual prejuízo ou capacidade econômica do recorrente. Requer: (a) seja declarada a nulidade da decisão condenatória baseada em juízo presuntivo a partir do recebimento de denúncia carente de individualização das condutas (inepta), por violação ao art. 13 do CP e ao art. 41 do CPP; (b) seja declarada a nulidade das decisões que autorizaram e prorrogaram as interceptações telefônicas e, consequentemente, reconhecida a ilicitude dessas provas, por violação ao art. 157, caput e § 1º, do CPP, e arts. 2º, I, 5º e 6º, § 1º, da Lei 9.296/96; (c) seja reconhecida a quebra de cadeia de custódia da prova, em negativa de vigência ao art. 158-A do CPP e ss e, consequentemente, reconhecida sua ilicitude; (d) seja reconhecido o cerceamento de defesa diante da falta de acesso à integralidade dos elementos de informação, escutas realizadas e não disponibilizadas à defesa; (e) seja reconhecida a violação à produção da prova, quanto às testemunhas de acusação, em violação por violação ao art. 372 do CPC c/c art. 3º do CPP; art. 156, arts. 155, 157, 564, III, todos do CPP, bem como ao art. 14, § º, "D" do PIDCP e art. 8º, §2º, "D" e "F", da CADH; (f) seja declarada a nulidade do acórdão condenatório por vício de fundamentação, em negativa de vigência aos arts. 315, § 2º, IV, e 619 do CPP; (g) seja declarada a nulidade do acórdão condenatório por negativa de vigência ao art. 155 do CPP; (h) subsidiariamente, em não sendo declaradas as nulidades, sejam reconhecidas as violações à dosimetria da pena com (h. i) a fixação da pena-base ao mínimo legal, (h. ii) o redimensionamento da pena de prestação pecuniária, e (h. iii) a redução da pena de multa, a partir da readequação do percentual aplicado. Contrarrazões do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 18717/18778). Admitido o recurso no TJ (fls. 18844/18845), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 18910/18929). É o relatório. Decido. Sobre as omissões, o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO não as reconheceu, sustentando que as diversas alegações preliminares de nulidade foram repisadas pela defesa, já tendo sido refutadas na sentença e no voto condutor do julgado, razão porque rejeitou os embargos declaratórios defensivos. O recorrente pretendeu nos aclaratórios a análise dos seguintes temas: 1) decreto fundamentado exclusivamente com base em prova indiciária, valoração unilateral da prova e ausência de enfrentamento das teses defensivas; 2) ausência de exame individualizado, inexistência de vínculo objetivo e subjetivo; 3) ausência de manifestação sobre provas indicadas pela defesa; 4) elementos indiciários considerados insuficientes para a condenação dos corréus, mas utilizado em seu desfavor; 5) suposto acerto de propostas; 6) in dubio pro reo; 7) pena-base: aumento inadequado e inexistência de prejuízo ao erário; 8) ausência de indicação sobre a capacidade financeira, proporcionalidade da pena substituída e; 9) ausência de acesso à integralidade dos elementos de informação colhidos no curso da investigação- cadeia de custódia. Vejamos como as controvérsias foram deslindadas pela Corte Regional no julgamento da apelação: "1.4. Inépcia da denúncia A tese de inépcia da denúncia não merece prosperar, pois a extensa peça acusatória possui todos os elementos necessários para ter sido oferecida e recebida, contendo todas as circunstâncias de tempo, local e modo de execução dos fatos envolvendo os delitos imputados aos réus. Uma vez atendidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, os acusados puderam exercer plenamente a ampla defesa, respeitando-se o contraditório, tanto que discorreram livremente em suas longas peças recursais, não havendo falar em denúncia inepta. Na verdade, muitos dos argumentos utilizados para enfraquecer a acusação, como insuficiência de provas, confundem-se com o mérito e devem ser analisados no momento oportuno. Da mesma forma, a denúncia não precisa estar acompanhada de prova irrefutável para o seu oferecimento, mas sim de prova suficiente para a instauração do processo penal, o que se verificou no caso em tela, a teor do farto material documental carreado aos autos, já no evento do qual consta a própria inicial acusatória (evento 1). Por fim, impende ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de atestar a preclusão da questão atinente à inépcia da denúncia na superveniência de sentença penal condenatória, veja-se: (...) Logo, rejeito a preliminar de inépcia da denúncia. 1.5. Interceptações telefônicas deferidas com base em denúncia anônima e investigação quanto ao réu Marco Antônio Camino. A alegação de que as interceptações telefônicas foram realizadas a partir de denúncia anônima já foram analisadas por este Tribunal no âmbito da Operação Solidária (TRF4, ACR 0033019- 10.2008.404.7100, Oitava Turma, Relator Nivaldo Brunoni, D. E. 23/02/2016) e foram novamente rechaçadas na decisão do evento 459 destes autos. Na citada decisão, o magistrado de primeiro grau asseverou que as interceptações telefônicas não foram deferidas exclusivamente com base em denúncia anônima, a qual veio a se somar aos primeiros indícios de prática criminosa levantados através de depoimentos prestados ao Ministério Público Federal no ano de 2007 (evento 459, DESPADEC1). Aliás, já é assentado na jurisprudência do STF ser possível dar início a apurações preliminares com amparo em denúncia anônima ou peça apócrifa a fim de verificar a sua plausibilidade e, em caso positivo, instaurar formalmente eventuais procedimentos investigatórios. Confira-se: (...) Na situação dos autos, não houve a alegada instauração de investigação ou o deferimento de medidas de quebras de sigilo, como as interceptações telefônicas, unicamente com base em denúncia anônima, o que se verifica pelo farto material probatório constante dos feitos relacionados e também na documentação apresentada quando do oferecimento da peça acusatória (evento 1). Ademais, o STJ, ao apreciar o HC nº 315.670, impetrado pela defesa de Marco Aurélio Soares Alba - cuja ação penal tramitou em apartado - reconheceu a licitude das interceptações telefônicas ora analisadas, nos seguintes termos: (...) A respeito da investigação e inclusão do réu Marco Antônio Camino, verifica-se nos autos que a interceptação telefônica inicialmente direcionada aos desvios de recursos destinados à merenda escolar revelou contatos de Francisco Fraga (alvo) com o réu, o qual ainda não havia sido identificado. Foi a partir daí que se passou a apurar a prática de diversos outros crimes, por isso, não procede a alegação defensiva de que não havia elementos para a inclusão de Marco Antônio nas investigações e nas interceptações telefônicas. Desse modo, não há nulidade a ser reconhecida nesse ponto. 1.6. Desnecessidade de juntada da transcrição integral das conversas monitoradas Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que "é desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas (...), pois basta que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal" (HC 105527, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/03/2011, PROCESSO ELETRÔNICO D Je-089 DIVULG 12-05-2011 PUBLIC 13-05- 2011). Na mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça afirma que "é prescindível a transcrição integral das interceptações telefônicas, sendo imperioso, tão somente, a fim de assegurar o amplo exercício da defesa, a degravação dos trechos das escutas que embasaram a peça acusatória" (HC 274.969/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 23/04/2014). Ademais, caso a defesa considerasse um ou outro diálogo interceptado relevante, poderia tê-lo indicado para que providências fossem adotadas pelo Juízo, assegurando-se, assim, o amplo direito de defesa. Contudo, a alegação genérica de necessidade de transcrição dos diálogos não merece guarida, importando somente ponderar que as partes têm acesso à íntegra das gravações, ainda que nem todas tenham sido transcritas na peça acusatória ou na sentença. (...) Rejeito, portanto, a alegação de nulidade por ausência de degravação das conversas interceptadas. 1.7. Excesso de prazo e sucessivas prorrogações das interceptações. Em relação às sucessivas prorrogações, também rejeitada na decisão do evento 459.1, na decisão do evento 957.1 e novamente na sentença, cabe registrar que, em crimes como os ora analisados, em que estão envolvidos diversos indivíduos com atribuições distintas, o monitoramento das conversas telefônicas consubstancia-se, muitas vezes, no único instrumento capaz de identificar a natureza das relações entre os membros, os planos para a execução das práticas delituosas e as funções por eles desempenhadas, justificando a quebra de sigilo por período superior aos 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias, previsto na Lei nº 9.296/96 Nesse contexto, desde a primeira medida deferida pelo juízo, houve a devida fundamentação. E, especificamente quanto às sucessivas prorrogações, uníssona a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de sua adequação ao ordenamento pátrio, desde que devidamente fundamentadas e justificadas pelas peculiaridades do caso concreto - diversos investigados (restaram 18 inicialmente denunciados) e pluralidade de crimes -, como as citadas anteriormente, não havendo falar em inconstitucionalidade ou inconveniência da medida. (...) 1.8. Da cadeia de custódia e do acesso às gravações. As defesas de Marco Camino e de Cláudio sustentaram a imprestabilidade da prova oriunda das interceptações, posto que as mídias com as gravações "continham vírus". Alegaram também que deveriam ter sido respeitadas as diretrizes quanto ao manuseio e a preservação dessas provas. A defesa de Cláudio, ainda, sustentou que não foi dado pleno acesso ao material. As teses, mais uma vez, devem ser rejeitadas. Os réus não negam o teor das conversas nem apontaram algum trecho específico que tenha sido alterado ou manipulado a fim de corroborar a sua tese de nulidade, apenas alegando uma suposta violação no material. Assim, conclui-se que a alegação genérica de violação da prova não se sustenta. Como bem pontuou o magistrado de primeiro grau, inexiste "quebra da cadeia de custódia" de interceptações telefônicas, tendo sido disponibilizadas às defesas as mídias para oportunizar o exercício do contraditório e da ampla defesa. Cabe referir, na linha do exposto no tópico relativo à desnecessidade de transcrição integral dos diálogos, que o material não utilizado pelo MPF para embasar a denúncia não deve necessariamente ser disponibilizado às partes, o que se extrai do art 9º da Lei n. 9.296/1996, expressamente determinando a inutilização da gravação que não interessar à investigação criminal e à instrução processual penal. Repiso, por fim, que as alegações vagas de haver supostos diálogos em favor da defesa inacessíveis, a existência de "vírus" nas mídias ou de ter havido algum tipo de manipulação, por si só, não invalidam as interceptações, sem ter sido minimamente apontada qualquer irregularidade concreta nesse material. (...) 1.10. Nulidade da prova emprestada da acusação. A defesa de Cláudio alegou nulidade pelo fato de ter sido deferido o compartilhamento de prova testemunhal produzida nos autos da Carta de Ordem nº 5072347-46.2014.4.04.7100, referente à Ação Penal nº 2009.04.00.025279-0/RS, que tramitava na segunda instância contra Marco Aurélio Soares Alba. Sustentou que não teria participado da inquirição das testemunhas no outro processo, o que violaria, no seu entender, o contraditório e a ampla defesa. Sem razão, contudo. A tese de nulidade pela prova emprestada já foi rejeitada na sentença, com remissão expressa à decisão do evento 610. Ainda que a defesa não tenha participado da produção de tais depoimentos - que a toda evidência são referentes aos mesmos fatos - foram juntados os depoimentos na ação penal no primeiro grau ainda durante a instrução criminal. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já afirmou que o uso de prova emprestada não depende do consentimento da parte, sendo imprescindível apenas que a prova seja submetida ao exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa. Ademais, caso fosse do interesse das defesas reinquirir aquelas testemunhas, poderiam havê-las arrolado na presente demanda, tornando-as testemunhas comuns da acusação e da defesa, o que inclusive é comum na seara criminal. Além disso, o ponto foi objeto específico da Correição Parcial n. 5022929- 60.2018.4.04.0000, julgada improcedente por unanimidade por esta Turma, em que restou consignado ser pacífica orientação do Superior Tribunal de Justiça de que o uso de prova emprestada não depende do consentimento da parte, sendo imprescindível apenas que a prova seja submetida ao exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, ainda que de modo diferido, de forma que seu conteúdo possa ser amplamente impugnado pelas partes. Outrossim, conforme já explicado, a defesa não apontou qualquer elemento concreto que indicasse a necessidade de nova oitiva das testemunhas, não as incluindo no seu rol. ” (fls. 17967/17971) 2. MÉRITO 2.1. Crimes de licitação - art. 90 da Lei nº 8.666/1993. De início, cumpre tecer algumas considerações em relação às modificações legislativas atinentes aos crimes anteriormente inseridos na Lei de Licitações (Lei n. 8.666/1993) e que se encontram hoje no capítulo II-B do Código Penal ("Dos crimes em licitações e contratos administrativos"). Com o advento da Lei nº 14.133/2021, foram revogados os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666/93, passando a constar do Código Penal os delitos relativos a licitações e contratos administrativos, conforme explicado acima. Em sua maioria, os dispositivos anteriores foram replicados no CP com pequenas alterações terminológicas e também recrudescimento de penas. Especificamente no que se refere ao artigo 90 da Lei nº 8.666/93, foi ele transformado no artigo 337-F do CP, ocorrendo essa reprodução do tipo penal anterior, com modificações de alguns termos e aumento da sanção - este último ponto, evidentemente, não pode retroagir para prejudicar os réus. Pois bem, no tocante ao delito licitatório, o MPF acusou Marco Aurélio Soares Alba, Marco Antônio de Souza Camino, Odilon Alberto Menezes, Ricardo Lins Portella Nunes, Sérgio Luiz Mallmann, Sério Luiz Klein, Mário Rache de Freitas, Cláudio Luiz da Silva Abreu, Deoclécio Luiz Caumo, Caetano Alfredo Silva Pinheiro e Paulo Fernando Billes Goetze de frustrar, mediante prévio ajuste, no período de 17 de dezembro de 2007 a 30 de maio de 2008, o caráter competitivo das licitações na modalidade Concorrência nº 426/08, nº 427/08 e nº 428/08, realizadas pela CORSAN com recursos repassados pela União/Ministério das Cidades, com o intuito de obter vantagens decorrentes da adjudicação às empresas vencedoras dos certames (MAC ENGENHARIA LTDA e SULTEPA CONSTRUTORA E COMÉRCIO LTDA). Segundo a acusação, teria havido uma combinação entre os empresários para decidir quem venceria cada uma das licitações, mediante ajustes entre as empresas. Além disso, teriam sido incluídas cláusulas nos editais com o objetivo de direcionar a licitação, restringindo a competição. Mais especificamente, a denúncia narrou que as licitações nºs 426/08 e 427/08 foram adjudicadas à empresa Sultepa Construções e Comércio Ltda (nos valores de R$ 13.372.246,77 e R$ 27.601.304,38, respectivamente) e a licitação nº 428/08 à empresa MAC Engenharia Ltda (no valor de R$ 35.462.971,91) em decorrência da atuação do então Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento (MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, réu na ação penal n. 2009.04.00.025279-0), agentes públicos da CORSAN (MÁRIO RACHE FREITAS, Presidente da entidade, SÉRGIO LUIZ KLEIN, Diretor de Expansão, e SÉRGIO LUIZ MALLMANN, Superintendente de Projetos e Obras), e empresários (MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO, da MAC Engenharia Ltda.; CLÁUDIO LUIZ SILVA ABREU e RICARDO LINS PORTELLA NUNES, da Construtora Sultepa S/A e Sultepa Construções e Comércio Ltda.; CAETANO ALFREDO SILVA PINHEIRO, Diretor do SICEPOT; ODILON ALBERTO MENEZES, da CSL Construtora Sacchi Ltda e Presidente da AGEOS; e PAULO FERNANDO BILLES GOETZE, da Goetze Lobato Engenharia Ltda). Os editais das licitações foram publicados em 28/03/2008. Em primeira instância, foram condenados os réus MARCO Antônio, ODILON E CLAUDIO e foram absolvidos os réus DEOCLECIO, Mário, PAULO, RICARDO, Sérgio KLEIN E Sérgio MALLMANN. O MPF recorreu pedindo a condenação de DEOCLECIO, Mário, PAULO, RICARDO, Sérgio KLEIN E Sérgio MALLMANN (este último com punibilidade extinta por conta da prescrição, conforme item 1.1 deste voto), enquanto as defesas dos demais réus apelaram requerendo a absolvição. Em relação à materialidade delitiva e à fraude do caráter competitivo da licitação em si, a sentença de primeiro grau contou com a seguinte fundamentação (evento 1154, SENT1): II.2.1 - Materialidade As licitações tratadas nesta ação penal são as Concorrências Públicas nºs 426/08, 427/08 e 428/08. II.2.1. a) Elementos de prova que embasam a materialidade do delito descrito no fato 1. 1) Contratos de Repasse n.º 0218519-60/2007, 0224353-90/2007 e 0224352-86/2007, celebrados em 28/12/2007, entre a União/Ministério das Cidades, representada pela Caixa Econômica Federal, o Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, e a Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN, objetivando a execução de ações relativas aos serviços urbanos de água e esgoto (evento 1088, OUT5, págs. 41 a 44. 2) No âmbito do Contrato de Repasse nº 0218519-60/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 426/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto, Estação Elevatória de Esgoto - ELE e Emissário por Recalque - Lote II, na localidade de Canoas/RS. O valor da licitação era de R$ 13.372.246,77, com data de abertura em 08/05/2008 (edital da concorrência nº 426/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 176/08 firmado entre a CORSAN e a SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, vencedora do certame; e termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0218519-60/2007, tudo no evento 1088, OUT5, págs. 1 a 44 e OUT6). 3) No âmbito do Contrato de Repasse nº 0224353-90/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 427/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto Sanitário, Estações Elevatórias de Esgoto - ELE e Linhas de Recalque - Lote II, nas localidades de Alvorada e Viamão/RS. O valor da licitação era de R$ 27.751.095,82, com data de abertura em 09/05/2008 (edital da concorrência nº 427/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 168/08 firmado entre a CORSAN e a SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, vencedora do certame; termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0224353-90/2007, tudo no evento 1088, OUT13, OUT14 e OUT15). 4) No âmbito do Contrato de Repasse nº 0224352-86/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 428/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto Sanitário, Estações Elevatórias de Esgoto - ELE-1 - e Linhas de Recalque ELE-1 - Lote II, nos municípios de Esteio/Sapucaia do Sul/RS. O valor da licitação era de R$ 35.647.282,55, com data de abertura em 09/05/2008 (edital da concorrência nº 428/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 167/08 firmado entre a CORSAN e a MAC ENGENHARIA LTDA, vencedora do certame; termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0224352-86/2007, tudo no evento 1088, OUT16, OUT17, OUT18, OUT19 e OUT20). 5) Laudos n.º 598/2011 e 40/2012 – INC/DITEC/DPF, referentes à Concorrência 426/2008 (evento 1, APINQPOL67, págs. 14 a 51 e INQ11, págs. 32 a 45). 6) Laudos n.º 094/2011 e 162/2012 – UTEC/DPF/SMA/RS, referentes à Concorrência 427/2008 (evento 1, APINQPOL66, págs. 3 a 39; APINQPOL67, págs. 1 a 13 e INQ7, págs. 124 a 132 e INQ8, págs. 1 a 44). 7) Laudos n.º 462/2011 e 1582/2011 – INC/DITEC/DPF, referentes à Concorrência 428/2008 (evento 1, APINQPOL63, págs. 3 a 44; APINQPOL64, págs. 1 a 62 e INQ8, págs. 46 a 68). 8) Relatório de Demandas Especiais de n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria Geral da União, que confirma a existência de cláusulas restritivas nos editais das concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 (evento 1, INQ11, págs. 118 a 120 e INQ12, págs. 1 a 70). 9) Áudios de interceptações telefônicas e suas transcrições (Auto Circunstanciado nº 04/2008, no evento 1, AP-INQPOL19, págs. 87/88; 105/106). II.2.1. b) Exame da restritividade das cláusulas. Aspecto fundamental à identificação da materialidade delitiva do crime de fraude às licitações é a identificação da existência ou não das cláusulas restritivas ao caráter competitivo das licitações, o que pode apontar para a manipulação das exigências dos editais pelos denunciados. Em 06 de maio de 2008, antes das datas de abertura dos editais, as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais. Quanto às Concorrências 426/2008 e 427/2008, as alegações principais das empresas Goetze Lobato Engenharia Ltda, Contrutora Pelotense Ltda e Saenge Engenharia de Saneamento e Edificações Ltda (evento 249, OUT70 a OUT72) foram: a) ausência de prazo mínimo instituído em lei para a elaboração da proposta, uma vez que, segundo a impetrante (Goetze Lobato Engenharia Ltda), os projetos básicos somente teriam sido disponibilizados no dia 20/04/2008 no endereço estipulado no edital; Afrontaria o art. 21 da Lei n.º 8.666/93, que estabelece prazo mínimo de trinta dias a ser disponibilizado para que os licitantes interessados elaborem suas propostas. b) incorporação de obras de natureza distintas em um mesmo procedimento licitatório, ferindo o previsto no artigo 23 da Lei n.º 8.666/93; c) aplicação de exigências não previstas em lei para comprovação de capacidade técnica da empresa licitante (evento 1, AP_INQ_POL67). Todos os recursos de impugnação apresentados foram indeferidos pela Comissão de Licitação no dia seguinte à data de seus respectivos protocolos, sem apresentação de qualquer embasamento legal. No Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria-Geral da União, apurou-se que o edital da Concorrência Pública n.º 426/08 teve a inclusão de cláusulas não previstas na Lei Federal de Licitações, constituindo restrição ao caráter competitivo da licitação e, por consequência, irregulares. Há restrições quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado, não prevista no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93, e, desta forma, vedada) e exigências restritivas quanto à qualificação econômico- financeira das licitantes, pois o item 2.2.5, alínea "e", exige das licitantes a comprovação de Capital Social igual ou superior a R$ 1.344.930,00, o que corresponde a 10% do valor previsto para a contratação, sendo que a alínea "f" exige a apresentação de Garantia de Proposta no valor de R$ 134.493,00, que deveriam ser alternativas, conforme disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93. No mesmo relatório são apontadas outras irregularidades: a) a limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); b) de que houve restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 426/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93; como o preço de contratação alcançou valores da ordem de 13,5 milhões de reais, certamente haveria interesse de empresas de outros Estados em participar do certame, desde que, evidentemente, tomassem conhecimento da realização da Concorrência, sendo o Diário Oficial da União o único meio de divulgação, dentre os legalmente previstos, que alcança outros Estados da Federação; b) contratação de obra de engenharia, por meio da Concorrência Pública n.º 426/08, com custos unitários superiores aos de mercado, em prejuízo estimado de R$ 1.171.336,32; o item Recomposição de asfalto CBUQ, espessura 8 cm, teve preço unitário contratado de 71,73/m2, enquanto o preço referencial de mercado era de 50,45/ m2; c) houve a habilitação indevida da empresa vencedora da Concorrência Pública n.º 426/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda., pois os atestados técnicos apresentados (para demonstrar capacidade técnico-operacional) não pertenciam a essa empresa, e sim à SULTEPA S. A. Para legitimar a utilização do acervo técnico da SULTEPA S. A., as empresas firmaram entre si um contrato de assistência técnica (evento 1, INQ12, pág. 13 a 18). O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 598/2011 (evento 1, AP_INQ_POL67, págs. 14 a 51) concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 426/08: a) por meio de exigências desnecessárias, como a exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 tem rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional); b) pela limitação de uma quantidade máxima de dois atestados para a comprovação dos serviços e c) dos oito serviços exigidos na alínea "d" do Capítulo II, do item 2.2.4 do edital, cinco são tecnicamente irrelevantes (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de escoramento contínuo de madeira). O laudo concluiu também que o contrato foi celebrado a preço compatível com preços de referência oficiais à época e região, contudo, constatou-se que esses preços de referência estavam consideravelmente acima do preço competitivo de mercado. As propostas de preço das duas primeiras colocadas eram muito próximos do teto estabelecido pela CORSAN (R$ 13.449.308,37). E a proposta vencedora (R$ 13.372.246,77) tinha preço consideravelmente acima de um preço competitivo de mercado. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 40/2012, com o mesmo objeto do Laudo n.º 598/2011 (evento 1, INQ11, págs. 32 a 45), concluiu que os exames realizados não permitem confirmar a hipótese de dano ao erário na execução da obra periciada. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 094/2011 – UTEC/DPF/SMA/RS concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 427/08, de Alvorada/RS e Viamão/RS, lote II (evento 1, AP-INQPOL66, págs. 3-39 e AP-INQPOL67, págs. 1-13), por meio de exigências desnecessárias e sem o devido respaldo legal, como a exigência de comprovação de experiência por parte dos licitantes em no máximo dois atestados; a exigência de qualificação técnico operacional elencadas na alínea "d" do item 2.2.4 do edital, dos oito serviços exigidos, cinco são tecnicamente irrelevantes. Na CN 427/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda. foi considerada vencedora com uma proposta de R$ 27.601.304,38, montante 0,54% inferior ao valor máximo admitido no edital. A diferença percentual entre a proposta vencedora e a segunda colocada é também irrizória, de quatro décimos de milésimo, correspondendo a R$ 10.944,62. O Laudo concluiu que os preços globais contratados mostraram-se compatíveis com os preços globais de mercado da região à época. Porém, observou que embora não tenha havido sobrepreço global, cabe esclarecer ainda que estas variações pontuais de preços unitários, aliadas a modificações de quantidades ao longo da execução do contrato, podem dar causa a ocorrência de jogo de planilha, fenômeno este caracterizado pelo desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em desfavor da Administração Pública (evento 1, AP-INQPOL67, págs 2 a 3). O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 162/2011 (INQ7, págs. 124 a 132 e INQ8, págs. 1 a 44), que tem o mesmo objeto do Laudo n.º 094/2011, concluiu que não foram constatados elementos que pudessem fundamentar a tese de dano ao erário por ocasião da execução da obra sob análise. O Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 apurou restrição à competitividade d a Concorrência Pública n.º 427/08, por: a) exigências restritivas quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado), o que não é previsto no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93; b) exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 tem rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional); c) limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); d) exigências restritivas quanto à qualificação econômico-financeira das licitantes, pois o item 2.2.5, alínea "e", exige das licitantes a comprovação de Capital Social igual ou superior a R$ 2.775.109,00, o que corresponde a 10% do valor previsto para a contratação, sendo que a alínea "f" exige a apresentação de Garantia de Proposta no alor de R$ 277.510,00, que deveriam ser alternativas, conforme disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93; e) restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 427/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93, especialmente em se considerando que a obra alcançou valores na ordem de 27,5 milhões de reais; f) indeferimento indevido de pedidos de impugnação do edital, pela Superintendência de Obras da CORSAN, sem qualquer fundamentação; nenhuma das três empresas impugnantes pôde participar da Concorrência Pública n.º 427/08, o que demontra a efetiva restrição ao caráter competitivo da licitação; g) houve a habilitação indevida da empresa vencedora da Concorrência Pública n.º 427/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda., pois os atestados técnicos apresentados (para demonstrar capacidade técnico-operacional) não pertenciam a essa empresa, e sim à SULTEPA S. A. Para legitimar a utilização do acervo técnico da SULTEPA S. A., as empresas firmaram entre si um contrato de assistência técnica; h) contratação de obra de engenharia, por meio da Concorrência Pública n.º 427/08, com custos unitários superiores aos de mercado, em prejuízo estimado de R$ 350.198,64; o item Recomposição de asfalto CBUQ, espessura 8 cm, teve preço unitário contratado de 67,28/m2, enquanto o preço referencial de mercado era de 50,45 m2 (evento 1, INQ12). O Laudo n.º 462/2011, referente à Concorrência 428/2008 (evento 1, APINQPOL63, págs. 3 a 44; APINQPOL64, págs. 1 a 62) concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 428/08: a) por meio de exigências desnecessárias, enquanto as exigências de qualificação técnica formuladas passaram ao largo da parte mais complexa dessa obra, qual seja, a estação elevatória de esgotos, que demandam experiência e mão de obra especializada na sua implantação; b) pela limitação de uma quantidade máxima de dois atestados a comprovação dos serviços e c) dos oito serviços exigidos na alínea "d" do Capítulo II, do item 2.2.4 do edital, cinco são tecnicamente irrelevantes (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de execução de escoramento metálico). O laudo concluiu também que o contrato foi celebrado a preço compatível com preços de referência oficiais à época e região, contudo, constatou-se que esses preços de referência estavam consideravelmente acima do preço competitivo de mercado. A empresa vencedora foi a MAC Engenharia Ltda., que ofereceu proposta de R$ 35.462.971,91; após aditamentos o valor passou para R$ 43.995.457,82. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 1582/2011 – INC/DITEC/DPF, complementar ao Laudo n.º 462/2011 (INQ8, págs. 46 a 68), concluiu que não foram encontradas evidências de dano ao Erário nos exames relatados na peça. O Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 ainda apurou restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 428/08, pela: a) inclusão de exigências ilegais no instrumento convocatório, como condição para participar do certame: exigências restritivas quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado), o que não é previsto no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93; b) a exigência do subitem 2.2.4, alínea "d", de que as licitantes deveriam apresentar atestados de capacidade técnica comprovando a execução de diversos serviços afetos à obra a ser executada, dentre eles constando um pouco relevante do ponto de vista quantitativo (0,43% do valor orçado da obra), que seria o serviço de travessia subterrânea pelo método não destrutivo de 1000 mm, com comprimento mínimo de 25 metros; c) a exigência de apresentação, pelas licitantes, (item 2.2.4, alínea "d"), de licença de operação de usina de asfalto, expedida pela FEPAM em nome da licitante, ou a apresentação de contrato de fornecimento de concreto asfáltico por usina licenciada pela FEPAM, tornando-se neste caso igualmente necessária a apresentação da licença de operação expedida por esse órgão ambiental (exigência considerada ilegal pelo TCU, conforme já comentado acima); d) a limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico- operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); e) exigências restritivas quanto à qualificação econômico-financeira das licitantes, em infração ao disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93, como já tratado; f) restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 428/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93, principalmente considerando que essas obras conjuntamente alcançaram o valor aproximado de 43 milhões de reais; g) contratação de obra com custos unitários superiores aos de mercado, num prejuízo estimado de R$ 3.444.323,04 (evento 1, INQ12). Merecem um exame mais acurado as principais exigências editalícias que possuiriam a característica de restrição à competitividade dos certames. Quanto à exigência de "execução de serviços tecnicamente irrelevantes" dentre as exigências de qualificação técnico operacional (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de execução de escoramento metálico), a defesa bem afastou a questão que diz respeito ao reaterro com areia, cumprindo referir que o próprio laudo 598/2011 apontou que a exigência do uso de areia é imposição do Decreto n.º 231/99 da Prefeitura Municipal de Canoas. Sérgio Mallmann, quanto à utilização de areia nas valas, por imposição dos municípios, referiu que soube que os demais municípios, à exceção de Canoas (que já exigia há mais tempo) passaram a impor, após a finalização da licitação, a utilização de areia para o reaterro das valas; que quanto a essa exigência, apesar de não ter tido nenhuma participação, mas tendo em conta sua experiência de mais de 30 anos na área de saneamento, classifica como "no mínimo estranha" (evento 1, INQ11, pág. 82). Ebrael Schena, engenheiro de produção da MAC Engenharia entre 2008 e 2012, confirmou que houve um problema que parou a obra em virtude da exigência de reaterro das valas com areia e não com material escavado, o que foi comentado em reuniões da empresa. A necessidade de utilização de areia acarretou em aumento do custo de obra. Referiu que geralmente é uma exigência dos municípios para evitar o adensamento nas valas, então os municípios geralmente exigem areia, a maioria deles cobra isso (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 44/46). Joe José David, engenheiro civil, trabalhou na MAC Engenharia de 1989 a 2014 como gerente de contratos, confirmou que a utilização de areia no reaterro das valas ocasionou um aumento no custo da obra, pois teriam que utilizar um material importado. E que as prefeituras, além de Esteio e Sapucaia, têm essa exigência porque, se for utilizado o material escavado, ocorre o adensamento das valas; então é exigido o reaterro com material adequado, no caso areia, para uma compactação melhor, evitando o adensamento da vala (evento 1067, pág. 130 a 364). Marcos Picarelli Ferreira, que à época dos fatos era diretor de obras da construtora SULTEPA, referiu que havia um decreto municipal em Canoas que obrigava a CORSAN a colocar areia nas valas (evento 1067, pág. 208). Quanto aos demais pontos, não obstante a perícia os tenha considerado irrelevantes, não parecem ser exigências de realização de serviços de alta complexidade, que tivessem o condão de efetivamente intimidar a participação das empresas e restringir o caráter competitivo do certame. Quanto à "não publicação do aviso no Diário Oficial da União", que foi objeto de impugnação das empresas, com efeito, vai de encontro com inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93 que assim estabelece: Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: (...) I - no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais Iusra Jabbar Torres foi a única responsável por montar as pastas de documentos para todas as licitações da GEL Engenharia, entre 1992 e 2014. Quanto à Concorrência 426/08, sustentou que eles não tiveram disponibilizados todos os elementos dentro do prazo entendido adequado para fazer um orçamento competitivo; nesse caso específico foi de 18 dias, desde a disponibilização dos projetos; a CORSAN não atendeu o pedido de prorrogação de prazo feito pela empresa; logo, a empresa impugnou o edital, o que foi julgado improcedente (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 108/107). O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia, no departamento de orçamentos e propostas, disse que, no caso específico da Concorrência 426/08, o edital foi publicado nos trinta dias de antecedência, mas os elementos necessários, principalmente os projetos, foram todos disponibilizados quando faltavam 18 dias para entrega da licitação. Não tiveram o tempo necessário para fazer um estudo detalhado. Foi ele mesmo quem fez o orçamento da proposta e apurou a proposta, fez a cotação de preços de materiais e tudo mais. Levou a proposta para assinatura do Paulo Goetze, o avisando que, em função do pouco tempo que tiveram para orçar essa obra, estaria entrando no preço teto dela. Toda vez que tem uma obra que seja estratégica ou que tenha um montante muito maior de valor ou que seja uma obra muito mais interessante para a GEL, um dos dois sócios acabava participando do fechamento desses preços. No entanto, em relação à licitação 426/08, não aconteceu isso; o preço foi fechado por Régis Lobato, que tinha autonomia para fechar preços, era gerente comercial e nenhum dos dois sócios participou; como disse anteriormente, levou a proposta para o Paulo assinar, pois era ele quem estava na empresa naquele dia. Explicou que tiveram pouco tempo para executar, tinham uma situação de que a obra era em Porto Alegre, havia uma logística complicada para a mobilização de pessoal, de material e equipamentos. Então tudo isso é ponderado naquela matriz de risco, chegando à conclusão de que para essa obra, não teria como dar um preço menor em função de todos esses fatores. Informou, ainda, que venceram 26 licitações nas quais participaram próximo ao preço teto (evento 1067, págs. 345 a 348). De fato, como os preços das contratações das três licitações alcançou valores que ultrapassam 76 milhões de reais, certamente empresas de outros Estados foram prejudicadas por não tomarem conhecimento das Concorrências através do Diário Oficial da União, o único meio de divulgação, dentre os legalmente previstos, que alcança outros Estados da Federação. Quanto à "exigência de usina de asfalto instalada", o Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria-Geral da União destacou que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, pelos Acórdãos n.º 1.578/2005 - Plenário e n.º 800/2008 - Plenário, considera restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo, na fase de habilitação, que a empresa licitante já possua usina de asfalto instalada, ou, em caso negativo, que apresente declaração de terceiros detentores de usina. Segundo o Relatório, essa exigência é condição restritiva, especialmente para empresas de fora do Estado, infringindo os artigos 3.º, § 1.º, inciso I, e 30, § 6.º, ambos da Lei n.º 8.666/1993 (evento 1, INQ12), que assim estabeleciam, na época do relatório: Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. § 1o É vedado aos agentes públicos: I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato; [...] Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: I - registro ou inscrição na entidade profissional competente; II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso. [...] § 6o As exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua disponibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e de localização prévia. Embora o Relatório da CGU tenha impugnado a exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 teria rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional), o réu Cláudio Luiz da Silva Abreu (evento 1068, págs. 34/35), que era Diretor da SULTEPA à época, alegou que trata-se de questão superada, podendo ser exigido atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, tendo o TCU sumulado a matéria, citando a Súmula 263 do TCU, que dispõe o seguinte: Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado. Cláudio Luiz da Silva Abreu assim comentou a respeito dos laudos periciais : Sr. Cláudio Luiz da Silva Abreu – Eu tenho sim. Os laudos periciais, na parte que lhe é técnico e científico, que é mensurado, que é medido, ele... Os peritos furaram a espessura da obra, calcularam as quantidades executadas, medidas e pagas e chegaram à conclusão de que não apontaram danos ao erário, de que as espessuras aplicadas na obra estavam corretas e que as quantidades pagas eram realmente as quantidades executadas. Então, no tocante, na parte que eu chamaria de objetiva, do laudo pericial, os laudos absolvem totalmente as empresas de qualquer irregularidade, não encontrou nenhuma irregularidade e eu vi num depoimento, em um dos depoimentos, de um dos peritos, dizendo que esse foi um dos trabalhos mais complexos e mais completos que eles fizeram, e não encontraram nada. Nada de irregular. Mas a parte que eu chamaria de subjetiva do laudo, a parte em que se pergunta o terceiro quesito. Aliás, o primeiro quesito, “houve restritividade do edital?” O perito respondeu: “Sim.” E aqui, me parece que ele incorreu em, pelo menos, cinco equívocos, Excelência. Cinco equívocos. Se o senhor me permite, eu gostaria de declinar. O primeiro equívoco, Excelência, o perito considerou que não poderia, esse edital, exigir atestado de capacidade técnica e operacional. Por quê? Porque na lei 8.883 teria sido vetado o artigo que possibilitaria tal exigência. Não procede, Excelência. Não procede. Em favor do perito, pode-se dizer que havia uma corrente de pensamento que pensava assim, há muitos anos atrás. Mas, hoje, esse pensamento está pacificado de que pode e deve ser exigido atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, além do atestado de capacidade técnica e profissional. Isso, segundo a doutrina majoritária, segundo a júris farta, a jurisprudência e vários e vários acórdãos do TCU nesse sentido. O TCU, de tantos acórdãos que fez, ele resolveu sumular a matéria, fez a súmula 263, pacificando esse assunto. Então, eu acho que esse foi o primeiro equívoco da perícia ao analisar a resolutividade do edital. Sobre o fato de que 31 empresas retiraram o edital e não participaram da licitação, Cláudio Abreu alegou que, quase com certeza, o fator preço teve fundamental importância nessa decisão. Porque, na lista das empresas que retiraram o edital, tem empresas paulistas, tem empresas de outros estados, paranaenses, tem empresas de outros estados, que, certamente, são empresas de médio ou grande porte. Que teriam as condições de participar, mas não participaram. Porque, se o preço já é apertado para nós aqui, os caboclos da aldeia, como se diz, imagina para uma firma que vem de fora, para se instalar aqui, com acampamento, contratar engenheiro, contratar tudo, do zero aqui. Então, isto, eu diria que o fator preço foi o que afugentou a participação da maioria das empresas. A denúncia trata de outra maneira. A denúncia trata com a restritividade do edital, que teria afastado essas empresas. Eu não concordo com isso. Contudo, o próprio TCU considerou restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo, na fase de habilitação, que a empresa licitante "já possua usina de asfalto instalada", ou seja, trata-se de questão específica, e não da exigência de "execução de quantitativos mínimos" em obras ou serviços, conforme sumulado, e tampouco de exigência de atestado de capacidade técnica e operacional. Rogério Araújo de Souza, engenheiro que trabalhou na MAC, referiu que a exigência de licença de operação de usina de asfalto expedida pela FEPAM em nome da licitante ou a apresentação de contrato de fornecimento de concreto asfáltico por usina licenciado também pela FEPAM era aberta, e não restritiva, já que havia por volta de 30 usinas de asfalto; que a limitação do número de atestados para comprovação da capacidade operacional das licitantes a um atestado ou no máximo 2, e exigência de comprovação de capital social igual ou superior a 10% do valor prevista para a contratação eram "usuais"; que os editais do DNIT eram mais rigorosos do que os da CORSAN (evento 1067, págs. 298/299) O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia, no departamento de orçamentos e propostas, referiu que o edital exigia que apresentassem um documento de que teriam disponível uma usina de asfalto para atender a essa obra, muito embora o custo desse asfalto não fosse tão impactante nessa obra, mas era uma exigência do edital. Então precisaram, na época, correr atrás e tentar obter uma autorização de uma dessas empresas, de usinas de asfalto, para que pudessem participar da licitação (evento 1067, pág. 348). Não há como afastar-se a restritividade da cláusula que prevê tal exigência, que ultrapassa o rol taxativo do artigo 30 acerca dos documentos relativos à qualificação técnica, bem como ultrapassa a "exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes", sendo um dos pontos dos editais que pode ter afastado a concorrência de outras empresas. Quanto à "exigência de execução de travessia pelo método não destrutivo", houve impugnação da empresa Construtora Pelotense Ltda. ao Edital de Concorrência n.º 426/08. A empresa insurgiu- se quanto à exigência editalícia de “execução de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo de 400 mm, com comprimento mínimo de 25 m", sob o argumento de que “poucas empresas possuem atestados de execução de serviço de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo, já que se trata de serviço especializado, usualmente terceirizado (evento 249, OUT70, págs. 17/19). Paulo Fernando Billes Goetze informou que poucas empresas no Brasil possuíam a máquina específica (importada dos Estados Unidos) com tecnologia para executar tubulações por métodos não destrutivos. Ele afirmou que, pelo que sabe, na época, máquina igual a que eles tinham somente existia uma (evento 1069, pág. 15). SÉRGIO LUIZ MALLMANN, Superintendente de Projetos e Obras da CORSAN na época dos fatos, referiu, quanto à exigência de comprovação de execução de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo de 400 mm, com comprimento mínimo de 25m, que não se recordava especificamente do mesmo; no entanto, teve que analisar essa questão quando deu entrada na CORSAN uma solicitação de esclarecimentos pela Controladoria-Geral da União; que essa exigência provavelmente tenha sido determinada pela Diretoria de Expansão ou pela própria presidência da CORSAN, pois provavelmente foi considerada exigência importante para o certame (evento 1, INQ11, pág. 81). Guilherme Gonçalves Almeida, engenheiro civil, ouvido como testemunha, explicou como é o método não destrutivo: O não destrutivo, para instalar uma rede do A até o pronto B, se um poço de ataque que é uma escavação localizada no ponto A mesmo sendo visto do ponto B e com uma máquina, um equipamento instalado nesse ponto A, uma sonda vai até outro lado e puxa a tubulação que vai ficar instalada. Não se interrompe o trânsito, não se abre, não tem escavação, tem menos interrupção, não existe interrupção do tráfico; em compensação, tem vários riscos no sentido de que o conhecimento do que tem no subsolo vem de cadastro, projetos existentes e de equipamentos que se fazem a sondagem; então é um serviço muito mais técnico. (...) é um serviço de muita responsabilidade, porque problemas na execução podem causar explosão em um gasoduto, um rompimento de via de formação (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 65/66). A testemunha Márcio Ferreto, que trabalha na SULTEPA desde 1989, alegou que nas obras de Alvorada não houve a necessidade de emprego de método não destrutivo, mas nas de Canoas sim. Como Canoas já tinha uma estação de tratamento implantada e canais, rodovias, Trensurb, uma série de interferências, a solução para fazer a interligação é o uso de travessias não destrutivas; é uma solução técnica, econômica e rápida (evento 1067, pág. 200). O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia disse que a GEL executou uma obra em São Paulo e, salvo engano, em 2006 a empresa adquiriu um equipamento americano para fazer serviço pelo método não destrutivo, então possivelmente já tinham esse equipamento em 2008. Mas respondeu que não é muito comum; que no Brasil devem ter três ou quatro empresas de saneamento que possuem equipamentos similares a esse, até mesmo na data atual. Existem outros equipamentos mais simples que também fazem o método não-destrutivo, porém com diâmetros menores, que é o chamado Navigator, que é um equipamento diferente do equipamento que a GEL possui (evento 1067, págs. 362 a 363). Se, por um lado, as defesas dos réus demontraram a adequação da exigência de método não destrutivo para as obras nos municípios de Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul, em virtude da existência de rodovias movimentadas, Trensurb, e uma série de outras interferências, por outro, fica a questão relativa à exigência de características específicas (e, por consequência, de equipamento mais raro) da não destrutividade. De qualquer forma, e sopesada a sua não exigência em casos de editais referentes outras áreas, há que se concluir que tais cláusulas dos editais das Concorrências n.º 426/2008 e 428/2008 não são claramente restritivas à competitividade dos certames, por serem justificáveis pelas circunstâncias físicas. Quanto à "exigência de no máximo dois atestados", houve impugnação da Construtora Pelotense Ltda., sustentando a ilegalidade da exigência de comprovação de experiência por parte dos licitantes em no máximo dois atestados, alegando ter em seu currículo a execução de todos os serviços elencados em quantidades muito superiores às exigidas, porém em mais de dois atestados. CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU afirmou que eram dois atestados por item; então se eram sete exigências, poderiam ser admitidos 14 atestados; se fossem oito, seriam 16; os editais da CORSAN já eram assim antes. Continuaram assim depois e foram feitos assim, durante essa licitação (evento 1068, pág. 35), sendo que na Concorrência nº 426/08, a empresa Mac Engenharia Ltda foi habilitada apresentando três atestados; na Concorrência nº 427/08, as empresas Marco Projetos e Sultepa Construções e Comércio Ltda foram habilitadas apresentando quatro atestados; na Concorrência nº 428/08, a empresa Sultepa Construções e Comércio Ltda foi habilitada apresentando quatro atestados. Contudo, conforme referiu o MPF, a questão (possibilidade de até dois atestados para cada item) não estava clara no edital e não foi esclarecida para as empresas interessadas nos certames licitatórios, o que possivelmente as impediu de oferecer proposta. Esta seria mais uma cláusula restritiva. Quanto aos "custos unitários superiores aos de mercado", Cláudio Luiz Da Silva Abreu, em Juízo, sustentou que no edital da CORSAN o preço de CBUQ era R$ 73,13, salvo engano, por m², mas no diálogo está se falando de R$ 58,00 a R$ 90,00. Nunca foi R$ 58,00 e nunca chegou a R$ 90,00. Mas esse preço de R$ 73,13, ele não foi feito para essas três licitações que estão em pauta, a 426, 427 e 428. Esse preço era o praticado já para a CORSAN. Licitações anteriores adotaram esse mesmo preço (evento 1068, TERMOTRANSCDEP1, págs. 15 a 24). A testemunha Dirceu Guimarães dos Passos afirmou que era bastante comum as empresas oferecerem propostas mais próximas do preço teto, do preço oficial dos órgão contratantes, em função do aquecimento do mercado que se apresentava na época. Quanto ao diálogo de 05/03/2008, referiu que CBUQ, laje de grês e areia, são serviços comuns que são corriqueiros a qualquer tipo de obra. Mas os preços que são mencionados ali não são, não têm a ver com os preços praticados pela CORSAN. Primeiro porque no edital da CORSAN, o preço de CBUQ era R$ 73,13, salvo engano, por m², mas no diálogo está se falando de R$ 58,00 a R$ 90,00. Nunca foi R$ 58,00 e nunca chegou a R$ 90,00. Mas esse preço de R$ 73,13, ele não foi feito para essas três licitações que estão em pauta, a 426, 427 e 428. Esse preço era o praticado já para a CORSAN. Licitações anteriores adotaram esse mesmo preço (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 39/40). Algumas testemunhas, como André Leufermann, engenheiro e sócio-diretor da Brasília Guaíba Obras Públicas, comentaram que os preços praticados pela CORSAN nunca eram bons para o mercado, eram muito baixos, e não permitiam a rentabilidade esperada pelas empresas (evento 1067, pág. 20). O réu ODILON afirmou que os preços propostos pela CORSAN eram considerados defasados pela AGEOS (evento 1, INQ7, pág. 27). DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO, quanto ao diálogo do dia 05/03/08, às 08h34min, entre Marco Camino e Odilon Menezes, afirmou que em algumas ocasiões se reuniu com Odilon, inclusive para tratar sobre preços unitários, mas não tratou nada com ele acerca das obras da CORSAN; perguntado sobre a elevação de preços de alguns itens mencionados como CBUQ, laje de grês e areia, esclareceu que a AGEOS exerce um controle sobre os preços praticados no mercado, no intuito de garantir que os mesmos estejam sempre atualizados; mas apenas sugere a atualização, não tem o poder de garanti-la (evento 1, INQ7, pág. 22/23). Logo, não se verifica que os editais tenham efetivamente praticado preços unitários superiores aos de mercado, ao menos em termos gerais, sendo relevante ressaltar que os laudos periciais complementares não identificaram prejuízo ao erário na execução das obras. A isso se poderia acrescer a argumentação de defesa no sentido de que os preços estariam defasados, ainda que, pela perspectiva empresarial, tal argumentação seja conveniente. Quanto à tentativa de manipulação de alguns preços por parte dos réus, a análise se dará junto à da autoria delitiva. Pelo exposto, conclui-se que, em alguns pontos, o veredito da perícia técnica acerca de restrições à competitividade em certas cláusulas dos Editais 426/08, 427/08 e 428/08, é crível. Cumpre agora analisar se houve manipulação por parte dos réus - sejam empresários ou funcionários da CORSAN - quanto a essas exigências, para que constassem nos editais com o fim de restringir a competitividade dos certames (o direcionamento dos editais). Também há que se verificar se houve o conluio entre as empresas para a combinação prévia de preços, orçamentos ou propostas financeiras. Da mesma forma, será apurado se houve ou não o conhecimento prévio - antes da publicação - dos editais das Concorrências, por parte das empresas. Pois bem, a materialidade delitiva está bem documentada nos autos, evidenciando que, nas Concorrências Públicas nºs 426/08, 427/08 e 428/08 para obras de saneamento, com recursos repassados pela União/Ministério das Cidades, em Canoas, Alvorada, Viamão, Esteio e Sapucaia do Sul - todos municípios da região metropolitana de Porto Alegre/RS - houve fraude do caráter competitivo do certame pela imposição de cláusulas restritivas nos respectivos editais. Os recursos federais direcionados a essas obras constam dos Contratos de Repasse nºs 0218519-60/2007, 0224353-90/2007 e 0224352-86/2007, celebrados em 28/12/2007, entre a União/Ministério das Cidades, representada pela Caixa Econômica Federal, o Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, e a Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN (evento 1088). Em síntese, os documentos que concluíram ter havido fraude licitatória são os Laudos nº 598/2011 – INC/DITEC/DPF(evento 1, AP_INQ_POL67, pág. 14 a 51) e nº 40/2012– INC/DITEC/DPF (evento 1, INQ11, pág. 32 a 45), referentes à Concorrência 426/2008; Laudos nº 094/2011- UTEC/DPF/SMA/RS (evento 1, AP_INQ_POL66, pág. 3 a 39; evento 1, AP_INQ_POL67, pág. 1 a 13) e nº 162/2012-UTEC/DPF/SMA/RS (evento 1, INQ7, pág. 124 a 132 e evento 1, INQ8, pág. 1 a 44) referentes à Concorrência 427/2008; Laudos nº 462/2011 -INC/DITEC/DPF (evento 1, AP_INQ_POL63, págs. 3 a 44; evento 1, AP_INQ_POL64, pág. 1 a 62) e nº 1582/2011 – INC/DITEC/DPF (evento 1, INQ8, pág. 46 a 68), referentes à Concorrência nº 428/2008. Consta dos autos também o Relatório de Demandas Especiais de nº 00222.000317/2009- 88 da Controladoria Geral da União, corroborando a existência de cláusulas restritivas nos editais das concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 (evento 1, INQ11, pág. 118 a 120 e evento 1, INQ12, pág. 1 a 70). Em 06/05/2008, as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais, alegando irregularidades como ausência de prazo mínimo instituído em lei para a elaboração da proposta, incorporação de obras de natureza distintas em um mesmo procedimento licitatório, em desacordo com art. 23 da Lei nº 8.666/93, e aplicação de exigências não previstas em lei para comprovação de capacidade técnica da empresa participante. Todas essas impugnações foram indeferidas pela Comissão de Licitação no dia imediatamente posterior (07/05/2008), sem fundamentação ou embasamento legal expresso. No que se refere ao conteúdo dos editais, configurariam fraude à competição das licitações essas cláusulas restritivas apontadas nos documentos acima, analisadas uma a uma pelo magistrado, as quais impossibilitariam a participação de um número maior de empresas. Dentre essas exigências, o juiz sentenciante concluiu que efetivamente restringiram o caráter competitivo a "não publicação do aviso no Diário Oficial da União", a "exigência de usina de asfalto instalada" e a "exigência de no máximo dois atestados para comprovação de experiência dos licitantes". Os demais pontos dos editais não foram considerados na sentença como restritivos da competição, do que o MPF não recorreu. Sobre a não publicação do aviso no Diário Oficial da União, ponto impugnado pelas três empresas, verifica-se possível violação do art. 21, I, da Lei nº 8.666/93, o qual determina que os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, devem "ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez, no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais". E como bem pontuou o magistrado, uma vez que os preços das contratações das três licitações chegavam a R$ 76 milhões, houve prejuízo a empresas de outros estados que não tiveram pleno conhecimento das licitações pelo DOU, veículo de alcance nacional. Sobre a exigência de usina de asfalto instalada, a Controladoria-Geral da União, em seu Relatório de Demandas Especiais nº 00222.000317/2009-88, esclareceu que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (Acórdãos nº 1.578/2005 - Plenário e nº 800/2008 - Plenário), reputa que é, sim, restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo que a empresa, na fase de habilitação, já possua usina de asfalto instalada, ou, em caso negativo, que apresente declaração de terceiros detentores de usina, o que, segundo a CGU, é especialmente restritiva para empresas de fora do Estado, contrariando o art. 3.º, § 1.º, inciso I, e o art. 30, § 6.º, ambos da Lei n.º 8.666/1993 (evento 1, 1.11 e 1.12). Ao contrário do que foi alegado pelo réu Cláudio, não se trata de questão superada em súmula do TCU (Súmula nº 263) autorizando a exigência de atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, posto que o próprio Tribunal de Contas considerou restritiva a inclusão do requisito de já possuir usina de asfalto instalada. Sobre a exigência de no máximo dois atestados, a Construtora Pelotense Ltda. alegou ser uma exigência ilegal, posto que teria em seu currículo a execução de todos os serviços em quantidades muito superiores às exigidas, porém em mais de dois atestados. Quanto a isso, o réu Cláudio referiu que eram dois atestados "por item". Porém, o MPF afirmou que esse ponto não estava suficientemente claro no edital, o que poderia, sim, afastar interessados, o que se verificou no caso da própria Construtora Pelotense, o que caracteriza cláusula restritiva. Em suma, do ponto de vista do seu conteúdo, esses foram os itens dos editais considerados restritivos do caráter competitivo dos certames. Já o envolvimento dos réus para manipular a inclusão de tais exigências nos instrumentos convocatórios a fim de direcioná-los, o conluio das empresas para a combinação de propostas e o conhecimento prévio do conteúdo dos editais será analisado em conjunto com a autoria de cada réu, na mesma ordem adotada em primeiro grau. 2.1.1. réus Marco Antônio de Souza Camino, Odilon Alberto Menezes e Cláudio Luiz da Silva Abreu Os réus Marco Camino, Odilon e Cláudio foram condenados em primeira instância pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-F do CP), por terem, em suma, fraudado o caráter competitivo das licitações de Concorrência nºs 426/2008, 427/08 e 428/08. Segundo a sentença, os acusados manipularam o direcionamento dos editais, com a combinação de preços e propostas apresentadas e a vantagem de terem conhecimento prévio dos editais daqueles certames, o que estaria demonstrado pelos elementos dos autos, principalmente as interceptações telefônicas. As condenações foram proferidas nos seguintes termos (evento 1154, SENT1): (...) A sentença deve ser mantida quanto à condenação de Marco Camino, Odilon e Cláudio pela prática dos crimes de fraudar o caráter competitivo da licitação, pois as interceptações telefônicas, somadas à prova documental, não deixam dúvidas de que os réus agiram para direcionar os editais das licitações das quais se sagraram vencedoras as empresas SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA (Concorrências nºs 426/08 e 427/08) e MAC ENGENHARIA LTDA (Concorrência nº 428/08). Conforme se viu nos autos, na época dos fatos, o réu Marco Camino era sócio e proprietário da empresa MAC ENGENHARIA LTDA, o réu Odilon era sócio da empresa CSL CONSTRUTORA SACCHI LTDA e Presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento) e o réu Cláudio era o Diretor da empresa CONSTRUTORA SULTEPA S/A e administrador da SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA. O início das tratativas referentes às licitações em questão ocorreu em diálogo interceptado no dia 17/12/2007, alguns meses antes da publicação dos editais ocorrida em 28/03/2008. O então Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento, Marco Aurélio Soares Alba, comunicou ao proprietário da MAC Engenharia, o réu Marco Camino, que no dia seguinte o Ministro das Cidades iria a Porto Alegre/RS trazendo "boas notícias para o Rio Grande", convidando o réu a comparecer à Secretaria entre 10h30 e 11h. Marco Camino responde que iria entre 11h e 11h30, acertando o encontro entre eles (Auto Circuntanciado nº 04/2008, evento 1, AP_INQ_POL19, pág. 87 a 88). Em 28/12/2007, foram assinados os contratos de repasse da União/Ministério das Cidades para as obras de saneamento básico em municípios da região metropolitana de Porto Alegre. Em 03/01/2008, o réu Marco Camino conversou com o réu Odilon, sócio da CSL – Construtora Sacchi Ltda e Presidente da Associação Gaúcha de Empresas de Obras de Saneamento (AGEOS), o qual comentou que os editais que estavam para sair "seriam de materiais", que "ia trabalhar para isso" e que "o contrato foi assinado dia 28", em clara alusão ao repasse de recursos federais para aquelas obras (Auto Circunstanciado nº 04/2008, evento 1, AP_INQ_POL19, pág. 105/106). Nesse ponto, já merece atenção que o réu Odilon atuaria ("trabalharia") para que os editais fossem publicados nos termos do seu interesse. Em 16/01/2008, Marco Camino e Odilon trataram de vários aspectos relativos às licitações, com expressões que claramente se referem aos seus possíveis ganhos caso a formatação dos certames ocorresse conforme esperavam. Esse diálogo repleto de termos não compreensíveis num primeiro momento - o que é proposital nesse tipo de tratativa e já denota a sua ilicitude - demonstra sem sombra de dúvidas que havia um ajuste prévio entre Marco Camino e Odilon, mesmo sem deixar totalmente claro qual ele seria (evento 1, INQ13, pág. 47). Conforme relatório de análise da PF, em 12/02/2008, Marco Camino entrou em contato com Mário Freitas, à época Presidente da CORSAN, informando que havia agendado um café para aquela manhã e que precisava receber os projetos de janeiro (evento 1, INQ13, pág. 49). Em 29/02/2008, Marco Camino pediu a Deoclecio (Diretor da MAC Engenharia Ltda.) que entrasse em contato com Cláudio, para ver como estaria "a outra parte” e “fazer reunião com os caras para poder mudar o negócio” (evento 1, INQ13, pág. 51-52). Em 05/03/2008, foi gravado outro diálogo entre Marco Camino e Odilon, um dia após uma reunião que, de acordo com a acusação, é aquela citada na conversa de 29/02/2008. Nesse mesmo diálogo, Marco Camino e Odilon conversaram abertamente sobre alteração de valores de itens licitados ("o preço do CBUQ, aquele preço passa pra 90, vai de 58 para 90, preço da lage de gress e o preço da areia") e o que teria ficado "combinado" com Claudio (evento 1, INQ13, pág. 53). Em 17/03/2008, nova conversa entre Marcos Camino e Odilon revelaram a interferência dos empresários nas licitações, ao falarem mais uma vez de maneira aberta que mantinham contato com agentes públicos para que preços e itens fossem alterados para ficar "de acordo com aquilo que a gente tinha pedido". Em 24/03/2008, poucos dias antes das publicações dos editais de concorrência, Marco Alba convidou Marco Camino para "tomar um café". Um pouco mais tarde daquele mesmo dia, Marco Camino disse a Odilon que o "número um" o havia chamado para uma conversa à tarde, ao que Odilon responde que tinha falado com o "número dois" e que provavelmente conseguiria reunir-se com ele ao final da tarde. Ambos combinaram de conversar novamente após as suas reuniões. Naquela mesma tarde, Marco Camino falou com Odilon sobre o encontro com Marco Alba, mencionando que seria entregue algum documento a Odilon, com a recomendação de que Odilon não aceitasse "aquele papel de pão". Camino ressaltou que eles queriam "o quente, aquele que nós conversamos" (evento 1, INQ13, pág. 59). Em 26/03/2008, Marco Camino e Odilon mostraram que estavam previamente a par da confecção e do conteúdo dos editais, ao comentarem a não inclusão da exigência do método "não destrutivo" ("tem dois que eles não tão querendo botar lá 'não destrutivo'..."), dando a entender que esse item não seria exigido e caso isso ocorresse, seria prejudicial ao seus negócios. E foram além, disseram que alguma coisa deveria ser feita e que não aceitariam resposta negativa, tinha "que dar um jeito", "precisa e acabou" e que "se não der, isso tá fora das conversas", em tom até ameaçador, demonstrando inexistir muito pudor quando se tratava de interferir nas licitações do seu interesse (evento 1, INQ13, pág. 60). Esse diálogo, além de deixar clara a total falta de limites na atuação dos réus para garantir benefícios perante a administração pública, evidenciou a intenção de restringir a competitividade do certame com a inclusão do mencionado método "não destrutivo", o que, no entender dos réus, favoreceria as suas empresas, e o prévio conhecimento dos editais, posto que a Concorrência Pública nº 426/08 (Canoas/RS) e a Concorrência Pública nº 428/08 (Esteio/RS e Sapucaia do Sul/RS) exigiam a execução pelo método não destrutivo, mas a Concorrência Pública nº 427/08 (edital para dois municípios, Alvorada/RS e Viamão/RS: "tem dois que eles não tão querendo botar lá"), não exigiu o método "não destrutivo", nos exatos moldes do diálogo travado entre Marco Camino e Odilon. Em 29/03/2008, Marco Camino contou a Odilon que os editais haviam sido publicados, fazendo piada com a "eficiência fantástica", ao que Odilon responde que, mesmo sem saber da publicação, já tinha cópia deles (evento 1, INQ13, pág. 62). Já em 22/04/2008, Marco Camino entrou em contato com Carlos Júlio Garcia Martinez, então Diretor Administrativo-Financeiro da CORSAN, convidando-o para um almoço na quinta-feira seguinte. Carlos então questionou se seria "no mesmo lugar", mostrando certa intimidade entre o empresário e o funcionário público, revelando também que já houve algum encontro anterior. Marco Camino confirmou e disse que seria para tratar do "assunto de março", referindo-se aos editais das licitações publicados no mês anterior, ao que Carlos respondeu que, até quinta, teria uma "informação melhor" (evento 1, INQ13, pág. 64-65). Em 24/04/2008, quinta-feira, Marcos Camino avisou que estava esperando e Carlos respondeu que tinha se atrasado justamente porque estava "em função da informação", mas já estava no táxi a caminho (evento 1, INQ13, pág. 67-68). Vale registrar que Carlos Martinez afirmou ter sido convidado pelo então Secretário Estadual Marco Alba para ingressar na CORSAN (evento 1, INQ7 p. 20-21). O relatório policial concluiu que Carlos era tratado por Marco Camino e Odilon como "o nosso homem da CORSAN", o que indica sua importância no esquema e sua ligação com os empresários participantes de licitações na companhia (evento 1, INQ13, pág. 73). Na sequência dos fatos, em 06/05/2008, três empresas impugnaram administrativamente os três editais - GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA - GEL, CONTRUTORA PELOTENSE LTDA e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA, como já observado acima. Os pedidos foram sumariamente indeferidos pela CORSAN, em 07/05/08, apenas um dia após a apresentação das impugnações, sem qualquer fundamentação (evento 249, OUT70, evento 249, OUT71 e evento 249, OUT72). Em 07/05/2008, Marco Camino entrou novamente em contato Carlos Martinez para tratar de um “projeto de reestruturação”. Os dois marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar" e, poucos minutos após essa conversa, Marco Camino avisou Odilon de que se encontraria “com o nosso homem da CORSAN”, deixando claro que essa pessoa era, de fato, Carlos Martinez (evento 1, INQ13, pág 72). Ainda em 07/05/2008, um outro diálogo de Marco Camino, desta vez com Caetano Alfredo Silva Pinheiro (integrante da Diretoria do Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem em Geral/SICEPOT, e sócio da empresa Procon Construções, Indústria e Comércio Ltda), descreveu a participação de uma empresa de Curitiba/PR "no primeiro baile" e que "pagaria o convite e o preço cheio". Essa linguagem em código foi utilizada para tratar de que a referida empresa participaria de licitação (baile) e ofereceria o valor teto do edital (preço cheio) para dar ares de competição. Poucos minutos depois, Marco Camino reportou a Odilon a participação da empresa de Curitiba e diz que o total de participantes seria suficiente ("vai ele no 'baile' e nós três, chega?") (evento 1, INQ13, pág. 73 e 75-76). Também em 07/05/2008, o engenheiro Paulo, da MAC ENGENHARIA, avisou Marco Camino sobre as impugnações aos editais do dia anterior. Marco Camino respondeu expressamente que iria pedir "lá pros caras não acatar", deixando claro que iria interferir no julgamento das impugnações aos três editais (evento 1, INQ13, pág. 69). Em 12/05/2008, Marco Camino e Odilon combinaram de agendar almoço com Carlos Martinez. Em 14/05/2008, data em que foram publicados os avisos de julgamento das Concorrências nºs 427 e 428, Marco Camino combinou de se encontrar com Carlos Martinez e disse que avisaria Odilon (evento 1, INQ13, pág. 79-80). Em 27/05/2008, Marco Camino e Odilon trataram de marcar uma reunião "com os parceiros para acertar logo o chaca-chaca". Nessa conversa, houve menção a Ricardo Lins Nunes Portella e a Cláudio Abreu, ambos da empresa SULTEPA, que venceu as Concorrências nº 426/2008 e 427/2008 (evento 1, INQ13, pág. 83/84). Em 29/05/2008 à tarde, foram abertas as propostas da Concorrência nº 426/2008, cuja vencedora foi a Sultepa Construções e Comércio Ltda. Naquela mesma tarde, Cláudio Abreu (Sultepa) telefonou para Marco Camino (MAC Engenharia) para solicitar que alguém da MAC estivesse presente na abertura das propostas para renunciar aos prazos de recurso. Como bem pontuado na sentença, esse diálogo revelou que Cláudio já sabia que a sua empresa seria a vencedora, pois a conversa ocorreu antes do anúncio do resultado, já tendo o réu Cláudio definido que a outra empresa - a MAC - deveria abrir mão de prazo para recorrer e por isso algum representante deveria estar presente (evento 1, INQ13, pág. 87). Ora, diante do conteúdo dessas conversas, resta cristalina a atuação dos réus Marco Camino, Odilon e Cláudio Abreu para fraudar a competição das três licitações, não tendo as defesas apresentado explicações plausíveis para os diálogos incriminatórios, nem logrado êxito em infirmar as provas que recaem sobre os acusados. O réu Marco Camino, em sede policial, afirmou, em síntese, que se encontrava com o então Secretário Marco Alba para tratar de Parcerias Público-Privadas (PP Ps) na região metropolitana de Porto Alegre, na área de saneamento da CORSAN. Disse que a sua empresa, MAC Engenharia, havia firmado parceria com a empresa CIBE, de São Paulo, para levar adiante essa iniciativa junto ao Governo do RS; que muitas reuniões foram feitas nas cidades que seriam envolvidas nas obras, a fim de apresentar a ideia das PP Ps, mas o projeto acabou não sendo implementado. Sobre os contatos com Odilon, o réu Marco Camino disse que ocorreram porque Odilon era presidente da Associação Gaúcha de Empresas de Obras de Saneamento (AGEOS), e a entidade representava suas associadas, mas que não trataram de manipulação de editais. Também não soube explicar por que falou com Odilon sobre combinações com Cláudio Abreu, apenas referindo que, como soube que a SULTEPA havia sido vencedora de certame, tentou contato com seus representantes para uma empresa não prejudicar a outra quanto a contratação de profissionais e a compra de materiais (evento 1, INQ7). Em juízo, Marco Camino optou por não comentar as interceptações telefônicas. Basicamente disse que teve contato com parte dos réus mas negou qualquer influência no caráter competitivo das licitações, as quais afirmou serem com editais padrão, com pontuais modificações pelo tipo e tamanho da obra(evento 1068, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 66 e seguintes). O réu Odilon, em sede policial, disse que a CSL, empresa da qual era sócio, não preenchia os requisitos das concorrências nº 426/08, nº 427/08 e nº 428/08, e que por isso não participou dos certames, o que poderia indicar que Odilon não se beneficiou das fraudes licitatórias (evento 1, INQ7). Em juízo, Odilon permaneceu em silêncio (evento 1069, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 1 a 4 e evento 1061). Porém, o fato de a CSL não ter participado daquelas licitações não lhe causou verdadeiro prejuízo nem afasta a participação no conluio, posto que na Concorrência nº 428/08 (Esteio e Sapucaia do Sul), a vencedora do certame - MAC Engenharia, do réu Marco Camino - subcontratou outras empresas e também a CSL, mas esta num valor muito superior às outras terceirizadas. De acordo com a tabela 9 constante do Laudo nº 462/2011, a empresa CSL Construtora Sacchi Ltda foi subcontratada pela MAC Engenharia por um valor de aproximadamente R$ 6.330.000,00 (seis milhões, trezentos e trinta mil reais), num percentual de 64,3% em relação ao total de serviços terceirizados, enquanto a segunda empresa com maior porcentagem teve apenas 9,5% do total de serviços subcontratados (evento 1, AP_INQ_POL63, pág. 35). Além disso, como Presidente da AGEOS, o réu Odilon representava as empresas do ramo e, por isso, fazia essa intermediação entre elas, razão pela qual frequentemente foi flagrado conversando com Marco Camino (MAC Engenharia) e mencionando expressamente Cláudio Abreu e Ricardo Portella (Sultepa). O réu Cláudio Abreu, ouvido em juízo, também não trouxe explicações convincentes para as gravações telefônicas e demais provas dos autos. Sobre os preços de itens dos editais mencionados na conversa do dia 05/03/2008, o réu disse que "CBUQ, laje de grês e areia" são corriqueiros a qualquer tipo de obra, mas aqueles preços ditos pelos interlocutores não se referiam aos valores praticados usualmente pela CORSAN (evento 1068, TERMO_TRANSC_DEP1). A respeito do diálogo com Marco Camino em 29/05/2008, o réu Cláudio Abreu disse também em juízo que pediu a presença de algum representante da MAC Engenharia para, caso a empresa não fosse declarada vencedora, já abrisse mão do prazo para recurso, agilizando todo o processo. Mas, como já referido quando da análise desse trecho das conversas, Cláudio Abreu solicitou alguém comparecesse para abrir mão do prazo e ponto final, sem qualquer condicionante de possível empresa vencedora, o que leva à conclusão óbvia de que já sabia que a SULTEPA, a sua empresa, seria vitoriosa. Sobre a conversa de 29/02/2008 em que Marco Camino pediu a Deoclecio para contatar Cláudio Abreu para ver como estaria "a outra parte” e “fazer reunião com os caras lá para poder mudar o negócio lá”, a defesa de Cláudio Abreu afirmou que se tratava do consórcio para as obras do DMAE/PISA em Porto Alegre, juntando documentos (evento 1063). Porém, os editais de licitações das obras do PISA/DMAE não haviam sido lançados na época das conversas interceptadas, apenas os de pré-qualificação, pelo que não teria sentido o pedido de Marco Camino para “fazer reunião com os caras para mudar o negócio”. E como bem pontuou o magistrado de primeiro grau, a citação à “outra parte” indica que só havia duas empresas aptas a vencer as licitações em comento, posto que fraudaram o seu caráter competitivo, além de que as gravações telefônicas não continham em nenhum momento expressões “DMAE” ou “PISA”, por exemplo, desmontando por completo essa tese defensiva. Sobre as combinações de preços entre as empresas, a defesa de Claudio Abreu alegou que a redução de R$ 0,01 consistia apenas em correção da tabela equivocada do órgão licitante, o que não comprovaria o acerto entre os réus. Ora, esse sequer é o único elemento de convicção quanto ao conluio entre as empresas, que, aliás, apresentaram propostas idênticas com um centavo de diferença nos exatos mesmos itens. De todo modo, a diferença de apenas um centavo para os exatos mesmos itens é, sim, mais uma evidência de ajuste prévio entre os licitantes, pois não faria sentido que, somente nos itens com erros na tabela do órgão público, as empresas apresentassem propostas iguais com ínfima e idêntica diferença do valor referencial. Como bem pontuado no relatório do inquérito policial, num suposto ambiente de concorrência, seria impensável que as propostas fossem coincidentes sempre nos mesmos pontos (evento 1, INQ14, pág. 5). O réu Carlos Martinez, embora não tenha sido denunciado pelo crime de licitação, teve suas conversas gravadas e revelou contato frequente com os réus, tanto que marcava encontros "no mesmo lugar", reforçando a tese acusatória, conforme esmiuçado na análise dos diálogos de 22/04/2008 e 24/04/2008. Seu envolvimento será mais bem detalhado quando da análise do crime do art. 288 do CP. Não há dúvidas, portanto, que a atuação de Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu consistiu em fraude ao caráter competitivo das três licitações (426, 427 e 428), o que obviamente beneficiou as suas empresas - SULTEPA, MAC e CSL. Inexistem razões para a reforma da sentença quanto a esse ponto, devendo ser mantidas as condenações pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-F do CP), por três vezes. (...) 2.3. Crime de quadrilha - art. 288 do CP (redação anterior) Os réus Marco Camino, Odilon, Cláudio e Carlos Martinez foram condenados pelo crime do art. 288 do CP, com a redação vigente à época, por terem se associado para a prática de crimes. A condenação quanto a esse delito foi proferida nos seguintes termos: II.4 - Fato 5 - Quadrilha ou Bando (artigo 288, caput, do CP) Segundo a denúncia, os acusados CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, DEOCLECIO LUIZ CAUMO, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, MÁRIO RACHE FREITAS, ODILON ALBERTO MENEZES, RICARDO LINS PORTELLA NUNES, no período de 17 de dezembro de 2007 a 08 de maio de 2008, teriam se associado em quadrilha com a finalidade de praticar crimes licitatórios no âmbito da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN). Os réus CARLOS JULIO GARCIA MARTINEZ, CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, DEOCLECIO LUIS CAUMO, MARCO Antônio DE SOUZA CAMINO, Mário RACHE FREITAS, ODILON ALBERTO MENEZES e RICARDO LINS PORTELLA NUNES foram denunciados pela prática do delito previsto no artigo 288 do Código Penal, que assim dispunha, à época dos fatos (redação anterior à Lei n.º 12.850/2013): Quadrilha ou bando Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. Segundo a redação do artigo 288 à época dos fatos (não se aplica a alteração da Lei n.º 12.850/2013 por ser mais grave), para a configuração do delito de quadrilha ou bando, seria necessária a associação de pelo menos quatro pessoas, para o fim de cometer crimes. Os réus DEOCLECIO LUIS CAUMO, MÁRIO RACHE FREITAS e RICARDO LINS PORTELLA NUNES foram absolvidos quanto ao delito de fraude à licitação, e, pelos mesmos fundamentos então desenvolvidos, devem ser absolvidos quanto ao delito do artigo 288 do Código Penal, nos termos do artigo 386, V, do CPP (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal). Por outro lado, os réus MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU e ODILON ALBERTO MENEZES foram condenados pelo crime de fraude à licitação. Na fundamentação então desenvolvida fica claramente evidenciada a sua associação para o cometimento de crimes. Resta, pois, analisar o envolvimento de CARLOS JULIO MARTINEZ nos fatos. CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ era Diretor Administrativo-Financeiro da CORSAN à época dos fatos, e foi convidado pelo Secretário Marco Alba para ocupar esse cargo. Era subordinado ao Presidente Mário Rache Freitas. Em 22 de abril de 2008, às 12h09min, houve ligação entre MARCO CAMINO e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, então Diretor Administrativo- Financeiro da CORSAN: (...) Depreende-se que o Diretor da CORSAN passava informações aos acusados, pelo menos à MAC Engenharia, com relação às Concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08, cujos editais foram publicados em 28 de março de 2008, sendo que no caso da Concorrência nº 426/08, foi marcada abertura da licitação para dia 08/05/2008; das Concorrências n.º 427/08 e 428/08, foi marcada a abertura das licitações para dia 09/05/08. Sobre o diálogo acima, CARLOS MARTINEZ referiu que conversou com MARCO CAMINO em algumas ocasiões para tratar de PP Ps; quanto ao mencionado "assunto de março", esclareceu que, possivelmente, tenha relação com uma reunião em que dirigentes da CORSAN e empresários trataram do tema PP Ps, a qual tinha ocorrido, salvo engano, no mês de março; não se recorda o local onde ocorreu o almoço, recordando-se apenas que, em certa ocasião, almoçou com MARCO CAMINO no restaurante Vitrine Gaúcha, em Porto Alegre; não se recorda exatamente qual informação prestaria a CAMINO, conforme dito no diálogo, reafirmando que se relacionava à implantação das PP Ps, certamente (evento 1, INQ7, pág. 20). Em 24 de abril de 2008, às 12h25min, CARLOS MARTINEZ avisou MARCO CAMINO que atrasou-se para o almoço agendado porque estava "em função da informação" (evento 108, DESP1, pág. 4): (...) Segundo a denúncia, CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ ingressou nos quadros da CORSAN a convite do então Secretário Estadual Marco Alba (Evento 1, INQ7, p. 20-21). Era tratado por MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e ODILON ALBERTO MENEZES como o "nosso homem da CORSAN" (como concluído no relatório policial, evento 1, INQ3, pág. 73), a indicar a relevância de sua participação nas fraudes, bem como seu grau de articulação com os empresários interessados nas licitações da CORSAN. Sobre essa conversa, CARLOS MARTINEZ afirmou que, apesar de não se recordar do teor exato da "informação" que havia prometido, ela estava inserida no contexto das PP Ps, como já foi dito; que as informações mencionadas no diálogo não tinham nenhuma relação com as licitações que estavam sendo conduzidas pela CORSAN, as quais não estavam afetas às funções que exercia (evento 1, INQ7, págs. 20/21). Em Juízo, CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ alegou que foi nomeado pelo Presidente da companhia - CORSAN, e pelo Secretário à época, como sendo a pessoa que poderia, na área financeira, achar um caminho para que fossem ampliados os procedimentos de tratamento de esgoto. E isso só se antevia, na época o Governo era muito favorável a isso (Governo da Yeda Crusius), através das PPP’s. Isso na época era tratado como uma aventura, praticamente. Ele teria sido incumbido de coletar dados e se organizar, no sentido de criar um ambiente favorável informalmente a que fossem implantadas as PP Ps. Ele seria a pessoa nomeada pelo Estado, informalmente, pelo Presidente, para ser o organizador das PP Ps. Pelo que recorda, teria sido apresentado a Marco Camino e Odilon por Mário Freitas. Depois teve contatos esporádicos com Marco Camino. Referiu que levou mais de meio ano dedicando-se à implementação das PP Ps, fez várias tabelas e demonstrativos, mas não os protocolou em nenhum lugar. Não gerou nenhum documento formal, pois o projeto era muito incipiente; foram mais conjecturas (evento 1068, págs. 1 a 15). Quanto à alegação de CARLOS MARTINEZ de que fora designado, informalmente, para cuidar do assunto das PP Ps, cumpre referir a informação da CORSAN de que, relativamente ao período de 12/2007 a 08/2008, não foram localizados registros ou documentos a respeito da implementação de PPP (evento 1108, INF4). Ademais, a Secretaria de Obras e Habitação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Ofício nº 258/GAB/201967, informou que não encontrou “registros relativos a viagens, reuniões, protocolos, levantamentos ou outros documentos envolvendo as empresas relacionadas ou os agentes públicos citados, no período de 2007 e 2008” (evento 1117, OFIC1). Ademais, ainda em relação aos projetos tendentes à implantação das Parcerias Público-Privadas na CORSAN, foi informado que apenas em 05/09/2008 foi publicado no DOE a Resolução n.º 01/2008 que estabeleceu regramentos gerais para registro, seleção e aprovação de projeto básico e estudo de viabilidade de empreendimentos de parceria público-privada (evento 1, INQ12, págs. 85-86). Em 06 de maio de 2008 as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais. Em 07 de maio de 2008, às 12h05min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO voltou a conversar com CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ (Diretor Administrativo CORSAN), desta vez a respeito de um determinado “projeto de reestruturação”. Marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar". Logo em seguida, às 12h28min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO avisou ODILON ALBERTO MENEZES de que no dia seguinte haveria encontro “com o nosso homem da CORSAN”. A testemunha Vacedi Anflor Pacheco, engenheiro civil e membro da AGEOS, referiu que as empresas que vão executar obras precisam se preparar para as licitações com antecedência, e por isso fazem interlocuções com representantes dos órgãos públicos, para ficar sabendo o que o órgão vai licitar nos próximos 24 meses para se prepararem em função disto. Para tanto faziam reuniões na AGEOS semestrais ou anuais onde as diretorias da CORSAN, do DEMAE, das empresas que contratam, faziam a explanação para todos os associados de qual o seu plano de obras para os próximos meses e anos. As reuniões eram realizadas no Plaza, na Fiergs, num lugar público, feito por convocação e aberto a todos. Em 08 de maio de 2008, às 17h46min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, agendaram almoço para o dia seguinte. Em seguida, o empresário comunica ODILON ALBERTO MENEZES do encontro “com o nosso homem da CORSAN”, referindo-se a CARLOS MARTINEZ. Em 09 de maio de 2008, às 11h18min, CAMINO solicitou a seu funcionário WOODSON que aprontasse determinadas "tabelas" para serem entregues (evento 1, INQ13, págs. 77 e 78). A respeito desse diálogo em que solicitou a Woodson a preparação de tabelas para serem entregues em um almoço que teria em seguida, MARCO CAMINO esclareceu que provavelmente tenha entregue a MARTINEZ tabelas contendo o impacto financeiro da implantação das PP Ps (evento 1, INQ7, pág. 31). Contudo, como já referido, não foram mostradas essas tabelas, nem demonstrado nos autos qualquer documento que fizesse referência às parcerias público-privadas. Aliás, é estranhável que Marco Camino tenha pedido justamente a Woodson a preparação de "tabelas" sobre o "impacto financeiro da implantação das PP Ps", assunto tão recente quanto desconhecido e complexo. Segundo a prova produzida pela própria defesa, Woodson seria um funcionário encarregado da recepção de documentos e sua distribuição aos setores devidos, segundo um testemunho, ou encarregado da segurança, manutenção e limpeza, segundo outro, e que tinha entre suas atribuições a compra de carne para o churrasco, segundo a tese de defesa quanto à corrupção ativa, tudo indicando que se ocupava de atividades materiais ou intelectualmente simples. Seria realmente muito versátil caso, em breve tempo, conseguisse produzir "tabelas" sobre assunto tão árduo. (Desta forma, ainda que o fato não tenha sido denunciado pelo MPF, é de se observar que sobre tais "tabelas" também recaem dúvidas, no que se assemelham aos "cinquenta quilos de costela" examinados anteriormente.) Na mesma data (09/05/2008), houve a sessão de entrega dos envelopes com Documentação e Proposta da Concorrência nº 427/08 (Alvorada e Viamão), restando o seguinte rol de participantes: Marco Projetos Construções Ltda., Sultepa Construções e Comércio Ltda. e MAC Engenharia Ltda. Igualmente nesse dia, houve a sessão de entrega dos envelopes com a Documentação e Proposta da Concorrência nº 428/08 (Esteio e Sapucaia do Sul), tendo demonstrado interesse apenas duas empresas: Sultepa Construções e Comércio Ltda. e MAC Engenharia Ltda. Em 12 de maio de 2008 (14h42min), MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e ODILON ALBERTO MENEZES marcaram novo almoço com CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, um dia antes da publicação dos avisos de julgamento. E, tão logo publicados os avisos de julgamento de ambas as concorrências (em 13 de maio), novo encontro foi marcado entre os três envolvidos. Ressalta, pois, a intensidade do convívio entre Marco Camino, Odilon Menezes e Carlos Júlio Martinez, em evidente sincronia com os episódios licítatórios em questão. Deve-se notar mais uma vez que estas reuniões não constavam em agendas, nem tinham pautas explícitas pré-definidas, nem delas resultaram atas, nem ocorreram em locais de atendimento oficial a particulares. CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, além do crime de quadrilha ou bando, foi denunciado pelo delito previsto no artigo 321 do Código Penal (advocacia administrativa), cuja punibilidade foi extinta em face da prescrição. Pelas provas produzidas, se conclui que o réu CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ associou-se com os demais réus ora condenados com a finalidade do cometimento de crimes licitatórios. Certo que o delito do art. 90 da Lei n.º 8.666/93 já pressupõe o concurso de pessoas, mas a "associação" referida no núcleo do tipo penal do art. 288 distingue-se do mero concurso de pessoas pelo seu caráter de durabilidade e permanência, elementos indispensáveis para a caracterização do crime previsto neste tipo (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2019). No caso presente, a associação dos réus detinha esse caráter de durabilidade, tendo os réus fraudado pelo menos três procedimentos licitatórios, demonstrando que se conheciam de longa data e promoviam diversos encontros informais onde exerciam seus interesses em detrimento do de terceiros, especialmente do interesse público. Presente também o elemento subjetivo do tipo específico, consistente na finalidade de "cometer crimes". Diante de todos esses elementos, reputo comprovados materialidade, autoria e dolo. E, uma vez ausentes causas excludentes de antijuridicidade e/ou culpabilidade, os denunciados MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, ODILON ALBERTO MENEZES e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ tiveram conduta passível das sanções do artigo 288 do Código Penal. Por outro lado, não existindo provas de que tenham concorrido para a infração penal, os réus DEOCLECIO LUIS CAUMO, MÁRIO RACHE FREITAS e RICARDO LINS PORTELLA NUNES devem ser absolvidos quanto ao delito do artigo 288 do Código Penal, nos termos do artigo 386, V, do CPP. Não há o que modificar nesse ponto da sentença. O magistrado se reportou aos argumentos utilizados para a condenação quanto ao crime de licitações para os réus Marco Camino, Odilon e Claudio, acrescentando novos argumentos para o réu Carlos Martinez, que não foi denunciado por aquele delito. De fato, o ajuste para o cometimento de fraudes licitatórias restou comprovado nos autos, pelo frequente contato entre os réus e pelos encontros marcados em locais já rotineiros para os envolvidos, como claramente verificado nas interceptações telefônicas. Os reiterados contatos telefônicos entre Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu não deixam dúvidas de que se tratava de verdadeiro esquema articulado para fraudar a competição nas licitações da CORSAN, mais especificamente as concorrências nos 426/08, 427/08 e 428/08, conforme o item 2.1.1 deste voto, ao qual também me reporto por brevidade. Quanto a Carlos Martinez, então Diretor-Administrativo da CORSAN, que não foi acusado pelo delito do art. 90 da Lei nº 8.666/93 mas somente por integrar o grupo criminoso, as provas também são claras. A já analisada ligação telefônica de 22/04/2008 entre Marco Camino e Carlos Martinez demonstrou que foi combinado um almoço "no mesmo lugar" para tratar do "assunto de março", referência aos editais das licitações publicados no mês anterior, ao que Carlos respondeu que, até aquela quinta-feira, teria uma "informação melhor". É evidente que há certa intimidade entre o empresário e o funcionário público, revelando também que já houve algum encontro prévio. Em 24/04/2008 (quinta-feira), Marcos Camino avisou que estava esperando e Carlos respondeu que tinha se atrasado justamente porque estava "em função da informação", mas já estava no táxi a caminho. Cumpre reiterar que Carlos Martinez afirmou que ingressou na CORSAN por convite do então Secretário Estadual Marco Alba, o que indica ter sido uma nomeação eminentemente política. O relatório policial concluiu que Carlos era tratado por Marco Camino e Odilon como "o nosso homem da CORSAN", confirmando sua importância no esquema e sua ligação com os empresários participantes de licitações na companhia. Em 07/05/2008, Marco Camino entrou novamente em contato Carlos Martinez para tratar de um “projeto de reestruturação”. Os dois marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar" e, poucos minutos após essa conversa, Marco Camino avisou Odilon de que se encontraria “com o nosso homem da CORSAN”, deixando claro que essa pessoa era, de fato, Carlos Martinez. Em 12/05/2008, Marco Camino e Odilon combinaram de agendar almoço com Carlos Martinez. Em 14/05/2008, data em que foram publicados os avisos de julgamento das Concorrências nos 427 e 428, Marco Caminou combinou de se encontrar com Carlos Martinez e disse que avisaria Odilon. Ora, ainda que Carlos Martinez não tenha sido denunciado pelo crime de licitação, o réu teve suas conversas gravadas e revelou contato frequente com os demais, em especial Marco Camino, tanto que marcava encontros "no mesmo lugar", reforçando a tese acusatória, conforme análise dos diálogos de 22/04/2008 e 24/04/2008 e, mais detalhadamente, no item 2.1.1 deste voto. Nesse contexto, a associação de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes está suficientemente caracterizada. Como bem pontuou o magistrado a quo, houve fraude em pelo menos três procedimentos licitatórios, diversos contatos telefônicos, encontros e reuniões em locais já conhecidos pelos réus, demonstrando a estabilidade do grupo, que ultrapassou o mero concurso de agentes. Portanto, deve ser mantida a condenação de MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, ODILON ALBERTO MENEZES e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ pela prática do crime previsto no art. 288 do Código Penal (redação anterior). 3. DOSIMETRIA De início, consigno que a lei não estabelece critério matemático para a dosagem da pena, de tal modo que não está o magistrado obrigado a pautar-se em cálculos precisos para a sua fixação, mas sim nos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia. (...) Com efeito, não há nenhuma vinculação a critérios puramente matemáticos - como, por exemplo, os de 1/8 (um oitavo) ou 1/6 (um sexto) por vezes sugeridos pela doutrina -, mas os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia exigem que o Julgador, a fim de balizar os limites de sua discricionariedade, realize um juízo de coerência entre: (a) o número de circunstâncias judiciais concretamente avaliadas como negativas; (b) o intervalo de pena abstratamente previsto para o crime; e (c) o quantum de pena que costuma ser aplicado pela jurisprudência em casos parecidos. (AgRg no R Esp 1817386/PB, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, D Je 12/11/2020). Vale dizer, a preocupação central da individualização da pena não é a de precisamente fatiar e classificar cartesianamente a realidade entre as oito circunstâncias judiciais, mas sagrar o seu predomínio buscando encontrar, entre o mínimo e o máximo de pena previstos pelo legislador, e sem se desviar do comando legal quanto aos fatores a observar, a dose adequada àquela particular ocorrência. Passo, então, à análise das reprimendas na mesma sequência da sentença de primeiro grau. (...) 3.2. Réu Cláudio Luiz da Silva Abreu 3.2.1. Crimes do art. 90 da Lei n º 8.666/93 (art. 337-F do CP) As penas do réu Cláudio quanto aos crimes de licitação foram assim fixadas em primeiro grau: III.2 - CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU III.2.1 - Delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 (três vezes) O réu fraudou três licitações nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, cometendo três delitos em continuidade delitiva, na forma do artigo 71 do CP. A dosimetria das penas será feita conjuntamente. A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 é de 02 (dois) a 04 (quatro) anos de detenção, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM3 e 4), constata-se que o réu é primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 02 (dois) anos de detenção, para cada um dos três delitos. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade, ainda em caráter provisório, fica estabelecida em 02 (dois) anos de detenção para cada um dos três delitos. Aplicando-se a continuidade delitiva entre os três delitos, nos termos do artigo 71 do CP, com o aumento de 1/6, a pena definitiva fica estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção. O regime inicial para o cumprimento de pena será definido após a aplicação do concurso material de crimes. Quanto à multa, em se tratando de crime previsto na Lei n.º 8.666/93, deve ser observado o disposto no art. 99, caput, e seus §§ 1.º e 2.º: Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. § 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. § 2o O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Em atenção ao disposto acima e às condições socioeconômicas do réu, estabeleço a multa de 2% do valor adjudicado pela empresa Sultepa em cada licitação na qual foi vencedora (CN n.º 426/08 e 427/08). Para a CN n.º 426/08 o valor adjudicado foi de R$ 13.372.246,77, e para a CN n.º 427/08 o valor adjudicado foi de R$ 27.601.304,38, correspondendo as multas, respectivamente, a R$ 267.444,93 e R$ 552.026,08. Face à continuidade delitiva, a pena de multa deve ter igual tratamento ao da pena privativa de liberdade, não incidindo a disposição contida no art. 72 do CP, a qual se restringe aos casos de concursos material e formal. Logo, aplico a pena pecuniária de R$ 552.026,08, por ser a mais grave, também aumentada da fração de 1/6 (um sexto), totalizando R$ 644.030,42. O valor deverá ser corrigido monetariamente a partir da data da adjudicação do objeto das Concorrências (14/05/2008) e ser revertido em favor da União. Em relação à culpabilidade, entendo correta a valoração neutra, pois não há nada nas condições pessoais do réu que desborde da normalidade para elevar a reprimenda. As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que o réu se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto. Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto. As demais vetoriais também são neutras. Assim, havendo uma circunstância negativa, fixo a pena-base em 2 anos e 3 meses de detenção. Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição. Quanto à continuidade delitiva, assiste parcial razão ao MPF ao requerer elevação da pena em maior patamar, já que, em se tratando de três infrações, a fração de aumento adequada, de acordo com a jurisprudência, deve ser de 1/5, o que resulta na pena de 2 anos, 8 meses e 15 dias de detenção, a qual torno definitiva. No que se refere à multa, com o advento da Lei nº 14.133/2021, aplica-se o preceito secundário do novel art. 337-F do Código Penal, em dias-multa, por ser mais favorável ao réu, conforme já detalhado no item 2.1 deste voto. Portanto, fixo a multa em 132 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente desde então. A esse respeito, conforme constou da sentença, o critério para a quantificação do dia-multa foi a situação econômica do acusado, não merecendo guarida o pedido de fixação no mínimo legal por ausência de fundamentação no ponto. 3.2.2. Crime de quadrilha - art. 288 do CP (redação anterior) As penas do réu Cláudio quanto ao crime de quadrilha foram assim fixadas em primeiro grau: III.2.2 - Delito do artigo 288 do Código Penal A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 288, com a redação anterior à Lei n.º 12.850/2013 é de 01 (um) a 03 (três) anos de reclusão, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM3 e 4), constata-se que o réu é primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. O critério para a quantificação do dia-multa é o da situação econômica do acusado, razão pela qual o valor unitário foi fixado no máximo legal, conforme o estabelecido no artigo 49 do CP. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. O regime inicial para o cumprimento de pena será definido após a aplicação do concurso material de crimes. Em relação à culpabilidade, entendo correta a valoração neutra, pois não há nada nas condições pessoais do réu que desborde da normalidade para elevar a reprimenda. As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que a quadrilha/associação criminosa se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto. Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto. As demais vetoriais também são neutras. Assim, havendo uma circunstância negativa, fixo a pena-base em 1 ano e 2 meses de reclusão. Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição, pelo que torno definitiva a pena de 1 ano e 2 meses de reclusão. O art. 288 do CP não prevê multa, pelo que deve ser afastada de ofício a pena pecuniária fixada em primeiro grau. 3.2.3. Prescrição pela pena aplicada Levando-se em conta as penas aplicadas ao delito do art. 288 do CP (1 ano e 2 meses de reclusão), o crime prescreve em 4 anos. Assim, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade do réu Claudio Abreu pela prescrição quanto ao crime do art. 288 do CP, nos termos do art. 107, IV, c/c art. 109, IV e art. 110 (redação anterior), todos do Código Penal, pois transcorridos mais de 4 anos entre as datas dos fatos (maio de 2008) e o recebimento da denúncia (26/11/2015 - evento 139) e também entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória (20/01/2020 - evento 1154). 3.2.4. Substituição por penas restritivas de direitos O juízo de primeiro grau substituiu a pena privativa de liberdade, superior a 1 (um) ano, por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas ou limitação de fim de semana, pelo tempo da condenação, e na prestação pecuniária, fixada em 40 salários mínimos vigentes na data do pagamento. Mesmo com a redução da pena por conta da prescrição do crime de quadrilha, e ausente recurso do Ministério Público Federal quanto ao ponto, cabível a substituição por duas penas restritivas de direitos. No que tange à escolha da espécie de penas restritivas de direitos efetuada pelo juízo, está de acordo com os parâmetros vigentes na jurisprudência, pois a prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas é considerada como a que melhor cumpre a finalidade de prevenção e repreensão, nos moldes da Súmula nº 132 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sendo resposta criminal não invasiva do direito de liberdade e que exige maior implicação da pessoa do réu no seu cumprimento, impondo a efetiva execução de um trabalho socialmente útil. Já a prestação pecuniária, embora tenha caráter indenizatório prevalente, mantém o condenado socialmente inserido e é capaz de colaborar no restabelecimento do equilíbrio jurídico e social perturbado pela infração, uma vez que proporciona auxílio à comunidade quando da destinação dos valores pagos, os quais são preferencialmente destinados à entidade pública ou privada com finalidade social, previamente conveniada, ou para atividades de caráter essencial à segurança pública, educação e saúde, desde que estas atendam às áreas vitais de relevante cunho social, a critério da unidade gestora (artigo 2º da Resolução nº 154/2012, do Conselho Nacional de Justiça). A defesa pugnou pela redução da prestação pecuniária para 1 salário mínimo. Não acolho o pedido, porquanto a simples alegação de que não foi fixada no mínimo legal não é suficiente para que seja reduzida a sanção, a qual, vale lembrar, tem natureza de pena e deve ter impacto relevante na esfera patrimonial do condenado, a fim de puni-lo pelo crime cometido e ainda evitar que volte a delinquir. Ademais, não existe simetria direta entre a pena privativa de liberdade e a prestação pecuniária, a qual deve ser sopesada levando em conta o dano causado, a sua reparação, as condições econômicas do réu e o caráter pedagógico e ressocializante da medida. Nesse sentido: (...) É possível, ainda, o parcelamento do valor, sendo que eventual pedido deve ser direcionado e avaliado pelo juízo da execução. Portanto, mantenho a prestação pecuniária em 40 salários mínimos pelo valor vigente na data do pagamento." (fls. 17971/18031) Em complemento, nos termos da sentença condenatória: "Não obstante as alegações das defesas supracitadas, a denúncia já foi examinada pelo juízo, oportunidade em que considerou que continha os elementos mínimos para a defesa dos acusados, assim como existente a prova da materialidade e dos indícios suficientes de autoria. Para o recebimento da denúncia e desenvolvimento do processo, não é necessária a pré-existência de prova exuberante, em quantidade ou qualidade. É o que se deduz do artigo 395 do CPP, já que na fase inicial do processo o juízo há de ser de probabilidade, e não de certeza. Assim, na época oportuna, não foi julgada ("manifestamente", cf. art. 395, CPP) inepta a inicial, nem carente de justa causa para embasar a ação penal. A narrativa das condutas dos réus deve ser suficiente para viabilizar a sua plena defesa. Nesse sentido, da análise da manifestação defensiva juntada aos autos, percebe-se que a finalidade desta regra foi plenamente satisfeita, visto que os denunciados tiveram a oportunidade de exercer - e de fato exerceram - seu direito de defesa, seja por defensores constituídos, seja pessoalmente, quando interrogados pelo Juízo, com o que demonstraram que bem compreenderam o conteúdo da acusação. Como já referido na decisão do evento 459, "a peça acusatória, na forma como aportada nos autos, esmiuça a participação de cada um dos réus, em relação a cada um dos delitos a eles imputados, possibilitando, sem exceção, o pleno exercício de suas defesas. Tanto assim, que a Defesa do réu Claudio Luiz da Silva Abreu, a título de exemplo, na parte que lhe cabe na resposta à acusação, tece argumentos defensivos que contraditam a sua participação na fraude aos procedimentos licitatórios realizados pela CORSAN, o que, por si só, demonstra que os fatos denunciados estão suficientemente delimitados e que, por isso, possibilitam o exercício do contraditório e da ampla defesa pelos denunciados, não havendo qualquer infringência aos artigos 13, CP e 41, CPP". Dessa forma, conclui-se que a narrativa contida na peça inicial acerca dos fatos e da conduta dos réus não constituiu óbice ao exercício do direito à ampla defesa, inexistindo causa jurídica para amparar o requerimento de inépcia da inicial. (...) II.2.2.2 - Cláudio Luiz da Silva Abreu (3 vezes) Cláudio Abreu era o Diretor da empresa CONSTRUTORA SULTEPA S/A e administrador da SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA à época dos fatos. Foi constatado, através do Relatório de Demandas Especias n.º 00222.000317/2009/88 da Controladoria-Geral da União, que houve a habilitação indevida da empresa vencedora, a Sultepa Construções e Comércio Ltda., nas Concorrências Públicas n.º 426/08 e 427/08, pois os atestados técnicos apresentados (para demonstrar capacidade técnico-operacional) não pertenciam a essa empresa, e sim à SULTEPA S. A. Para legitimar a utilização do acervo técnico da SULTEPA S. A., ocorreu a incorporação do valor econômico de "parte do acervo técnico" da controladora (Sultepa SA) ao capital social da controlada (Sultepa Construções e Comércio Ltda), e ambas as empresas firmaram entre si um contrato de assistência técnica relacionado a esse acervo técnico. Tal foi considerado irregular, pois os atestados apresentados para fins de habilitação técnico-operacional não pertencem à licitante vencedora, e sim à outra pessoa jurídica (evento 1, INQ12, págs. 23/24). CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU referiu, diante da autoridade policial, que a participação da SULTEPA nas concorrências ocorreu sob o conhecimento do Diretor-Presidente RICARDO PORTELLA; pelo que sabe, não houve nenhuma influência das empresas pretensamente concorrentes na formulação dos editais pela CORSAN, seja no aspecto das exigências técnicas, seja nos preços fixados; esclarece, no entanto, que a CORSAN havia promovido várias licitações que restaram desertas em face da inexequibilidade dos preços propostos e, em razão disso, a AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras de Saneamento), da qual ele faz parte, empreendeu tratativas com a direção da CORSAN no sentido que de que tais preços fossem revisados; mas os preços não foram alterados, apesar da iniciativa da AGEOS; as reuniões entre a AGEOS e a CORSAN contaram com a presença do presidente da AGEOS Odilon Menezes, não havendo a participação do declarante (evento 1, INQ7, págs. 33 a 34). Em 29 de fevereiro de 2008 (15h16min), MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, referindo que o assunto se relacionava à CORSAN, solicitou a DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO (Diretor da MAC Engenharia Ltda.) que entrasse em contato com CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU (Administrador da Sultepa Construções e Comércio Ltda), para ver como estaria "a outra parte” e “fazer reunião com os caras lá para poder mudar o negócio lá” (localização do áudio na tabela do evento 108, DESP1). A referida reunião teria ocorrido e sido objeto do diálogo ocorrido em 05 de março de 2008, às 20h34 (já transcrito), entre Marco Antônio de Souza Camino e Odilon Alberto Menezes, quando este, Odilon, afirmou que “já foram passadas as metas para ele, de onde é que nós queremos chegar. O preço do CBUQ passa para R$ 90,00, vai de R$ 58,00 para R$ 90,00. O preço da laje grês e o preço da areia.” Ao que o proprietário da MAC Engenharia teria respondido: “Então, está bom. Então, daí ficou faltando a outra parte. O que ficou combinado daí, a parte que está com o Cláudio Abreu? Ao que Odilon respondeu que "ali nós estamos custeando ainda, né?". Sobre o diálogo de 29/02/2008, a defesa afirmou que se tratava do consórcio para as obras do DMAE/PISA, juntando documentos (Evento 1063, OUT2 a OUT4; Evento 1066, ANEXO5), dando conta de que no Diário Oficial de Porto Alegre de 22 de fevereiro de 2008, foi publicada o Aviso de Pré-qualificação referente à Concorrência nº 03.080066.08.9, do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), tendo como objeto pré-qualificar as empresas para a execução das obras de construção da ETE Serraria e Emissários Terrestre e Subaquático – PAC/PISA. As solicitações de pré-qualificação deveriam ser entregues até o dia 26 de março de 2008, contudo, em 25 de março de 2008, a licitação foi suspensa. De acordo com o Aviso de Pré-qualificação, os editais de licitação seriam emitidos após a pré-qualificação. No Diário Oficial da União de 25 de julho de 2008 foi publicado o resultado do julgamento da fase de pré-qualificação. No Diário Oficial de Porto Alegre de 29 de junho de 2009, foi publicada Ata de Abertura da Concorrência 003.080532.08.0, na qual foi registrada a desistência das empresas/consórcios pré-qualificados. Em juízo, CLÁUDIO ABREU sustentou que o teor da conversa de 29/02/2008 não combina, não fecha, com as licitações da CORSAN. Esclareceu que, apesar de ter sido referido por MARCO CAMINO, logo no início da conversa, que o assunto se referia à CORSAN, Marco teria falado errado; ele falou CORSAN, o que lhe causou estranheza na hora; o único assunto que tinha para tratar com o Odilon e com o Cláudio Abreu era PISA, e que foi uma falha de Marco ter referido a CORSAN. Sustentou, ainda, que nessa época a Sultepa, MAC, CSL, Construtora Brasília Guaíba, Odebrecht e CBPO estavam compondo um consórcio para participar de umas obras do DMAE, de muito vulto, umas obras muito grandes, que eram do Programa Integrado Socioambiental, a sigla era PISA. Aconteceram muitas reuniões e telefonemas entre as empresas (evento 1068, TERMOTRANSCDEP1, págs. 15 a 24). Quanto ao diálogo de 05/03/2008, CLÁUDIO ABREU referiu que CBUQ, laje de grês e areia, são serviços comuns que são corriqueiros a qualquer tipo de obra. Mas os preços que são mencionados ali não são, não têm a ver com os preços praticados pela CORSAN. Primeiro porque no edital da CORSAN, o preço de CBUQ era R$ 73,13, salvo engano, por m², mas no diálogo está se falando de R$ 58,00 a R$ 90,00. Nunca foi R$ 58,00 e nunca chegou a R$ 90,00. Mas esse preço de R$ 73,13, ele não foi feito para essas três licitações que estão em pauta, a 426, 427 e 428. Esse preço era o praticado já para a CORSAN. Licitações anteriores adotaram esse mesmo preço. CLÁUDIO ABREU também sustentou que não poderia ter participado da reunião do dia 04/03/2008 (pois na conversa de 05/03/2008 os interlocutores referem-se à "reunião de ontem"), pois viajou para o Maranhão naquela data, a serviço da Sultepa (evento 1063, OUT5 e OUT6, onde consta a entrada no hotel às 14:20, mas não tem o horário do vôo). Contudo, conforme observou o MPF, na época das conversas interceptadas, os editais de licitações das obras do PISA/DMAE sequer haviam sido lançados, mas tão somente o edital de pré- qualificação (evento 1063, OUT2, pág. 1), razão pela qual não faria sentido “fazer reunião com os caras para mudar o negócio”. Ademais, em nenhuma das conversas interceptadas há menção às palavras “consórcio”, “DMAE”, “PISA”, “ETE Serraria”, etc., ou até mesmo referência às demais empresas que participariam do Consórcio Cristal (Construtora Norberto Odebrecht S. A., CBPO Engenharia Ltda, Construtora Brasília Guaíba Ltda). A menção a “outra parte” denota a existência de apenas duas interessadas; o resultado final das licitações 426/2008, 427/2008 e 428/2008 tiveram apenas Mac Engenharia e Sultepa como vencedoras. Observe-se que os editais das Concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 foram publicados em 28 de março de 2008, e que a abertura da Concorrência nº 426/08 foi marcada para o dia 08/05/2008, enquanto a das Concorrências n.º 427/08 e 428/08 foi marcada para dia 09/05/08. Em 27 de maio de 2008, às 17h25min, houve diálogo entre MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e ODILON ALBERTO MENEZES, tratando de agendamento de encontro com RICARDO LINS NUNES PORTELLA, proprietário da SULTEPA, já vencedora das Concorrências n.º 426/2008 e 427/2008, e com CLÁUDIO LUIZ SILVA ABREU, Diretor da SULTEPA (evento 1, INQ13, págs. 83/84): (...) Este diálogo, já na fase da formalização do vínculo com a entidade pública e às vésperas do enfrentamento das responsabilidades daí decorrentes, bem como da fruição dos benefícios, indica o conluio entre empresários, tratando de prosseguir o plano pré-existente como de ajustar a forma conjunta de cumprir as responsabilidades e a forma de distribuir os ganhos. Tendo assinado o contrato, em vez de, com seus próprios meios e com sua empresa, providenciar nos meios para a sua execução, o empresário se dirige a seus "parceiros" para ajustar a forma de cumprimento do contrato e os ganhos dele oriundos. Todo o diálogo é com este fito. Mas merecem destaque alguns trechos, por sua expressividade: "o cara quer um cheque de um milhão"; "marcar uma reunião com os parceiros pra gente acertar o 'chaca-chaca'"; "botar os magrinho tudo"; "até pra firmar as próximas". Sobre esse diálogo, MARCO CAMINO asseverou que, como a SULTEPA havia ganho um dos certames, solicitou a Odilon, como Presidente da AGEOS, que providenciasse uma reunião entre representantes da MAC e da SULTEPA para fins de realização de um "pacto", no sentido de que não houvesse propostas recíprocas aos quadros de profissionais, bem como para que fosse feito um alinhamento nos preços de compra de insumos de terceiros (evento 1, INQ7, pág. 31). Segundo se depreende do diálogo, MARCO CAMINO e RICARDO LINS PORTELLA NUNES, como representantes da SULTEPA, participariam da reunião. CLÁUDIO ABREU disse não lembrar de ter participado de uma reunião assim, e que nessa data (27/05/2008) a fase da licitação já tinha sido praticamente encerrada, as propostas já tinham sido entregues, as três. Duas delas, já estavam homologadas, com a assinatura do contrato para o dia seguinte. E, quanto à terceira, as propostas estavam para serem abertas no dia seguinte. Nessa reunião não poderia ter se tratado de nenhum conluio prévio de licitação, porque a licitação já tinha acontecido (pelo menos os fatos importantes da licitação, ou seja, a entrega das propostas, já estava consagrada). Contudo, pelo teor da conversa de 27/05/2008, se verifica que não se trata de um acerto prévio às licitações, mas de um "acerto de contas" após a assinatura do contrato da CORSAN. E foi referida a participação de CLAÚDIO ABREU nos acertos. Em 29 de maio de 2008, às 14h02min e 14h04min, CLÁUDIO ABREU, Diretor da SULTEPA, estabeleceu contato com MARCO CAMINO, da MAC ENGENHARIA, solicitando que alguém da MAC estivesse na abertura das propostas, para "abrir mão de prazo de recurso", dando a entender, segundo a denúncia, que já sabia que o resultado seria a vitória da SULTEPA, já que o diálogo foi anterior à realização do ato que forneceu o resultado do certame: (...) Sobre este diálogo, CLAUDIO ABREU referiu que solicitou a presença de algum representante da MAC na sessão para que, caso tal empresa não fosse declarada vencedora do certame, pudesse abrir mão do prazo recursal imediatamente e assim imprimir celeridade ao procedimento; que também era interesse da CORSAN essa celeridade, uma vez que havia urgência na definição do certame em face da proximidade do período eleitoral, que inviabilizaria o repasse da Caixa Federal, caso não houvesse a assinatura do contrato até determinada data; que por ocasião do diálogo, o declarante não tinha conhecimento de qual proposta seria a vencedora, tendo tal ciência somente após o ato de abertura (evento 1, INQ7, pág. 34). Em juízo, CLAUDIO ABREU sustentou que essa licitação era o edital 426, das obras da CORSAN, de Canoas, que estava mais atrasada em relação aos outros processos, que tinham iniciado na mesma data. Quando chegou a ser determinada a abertura dos preços, não havia mais prazo para qualquer outra coisa, sob o risco da CORSAN perder a verba. Se houvesse recurso, que pela Lei 8.666 é de cinco dias úteis, a obra não sairia. Ou seja, bastava não estarem presentes a totalidade dos licitantes, que a comissão de licitação teria que, automaticamente, abrir o prazo para recurso nos cinco dias úteis e isso inviabilizaria a obra. A desistência de recursos, em fase de licitações, é uma praxe. As comissões de licitação, mesmo quando não se trata de ano eleitoral, as comissões de licitação, quando veem que está tudo certo, todo mundo habilitado, ela pede a alguém: “Poderia abrir mão do prazo de recurso?” E aí, já se ganha cinco dias úteis (evento 1068, TERMOTRANSCDEP1, págs. 26 a 28). MARCO CAMINO asseverou que a MAC participou e venceu licitação pública em conformidade com os preços-teto fixados pela CORSAN, os quais estão em sintonia com os usualmente fixados em âmbito nacional; e que tal conformidade foi atestada no laudo pericial juntado aos autos (evento 1, INQ7, pág. 31). A testemunha Dirceu Guimarães dos Passos, que trabalhou coordenando licitações na SULTEPA, afirmou que é bem natural que as empresas abram não do prazo recursal em licitações, para que a situação se defina o quanto antes e deixar fluir o processo, principalmente quando a economia está mais aquecida (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 39/40). Não obstante a explicação do réu, é crível que a SULTEPA soubesse de antemão que seria a empresa vitoriosa em duas das Concorrências e estivesse solicitando a participação de algum representante da MAC Engenharia (a empresa perdedora) para que, desde logo, abrisse mão do prazo recursal, diante dos fatos já demonstrados de que houve conluio prévio, acerto de preços, entre as empresas. Recapitulando, cita-se a análise das propostas financeiras efetuada durante a investigação, que apontou o ajuste entre as empresas quanto às propostas apresentadas, e já teriam formulado as tabelas que cada empresa deveria apresentar; quanto à Concorrência 427/08, verificou-se que o preço ofertado pelas licitantes MARCO, MAC e SULTEPA na fase III (Estação Elevatória de Esgoto AB02) eram exatamente iguais, com propostas R$ 0,01 (um centavo de Real) menor que o valor de referência, o que indica que foi utilizada uma mesma planilha para as propostas. No item IV (Estação Elevatória de Esgoto AF01, tanto a MAC quanto a SULTEPA apresentaram propostas com valor inferior em R$ 0,01 (um centavo de Real) em relação ao preço de referência (evento 1, INQ14, págs. 4/5). Por outro lado, o diálogo acima (de 29.5.08) dirime eventuais dúvidas sobre a ciência e participação de Cláudio Abreu no conchavo envolvendo os certames. Se noutros trechos interceptados havia apenas referências a ele, neste há sua participação. O trecho todo indica o conluio entre as empresas e, portanto, a ciência e ação desse acusado. Não só é expressivo o conhecimento de que a MAC só estava participando do certame "pro forma" ("prá ... abrir mão do prazo de recurso"), como ressalta o contato que vinha mantendo com a MAC ("... Rogério. Ontem ele tinha falado com o meu pessoal aqui, ele disse que ia mandar alguém, ..."). Talvez também mereça referência a expressão "no cliente nosso aquele." Além de parecer que, em certo momento do diálogo, houve algum pudor em revelar o seu conteúdo, o uso do pronome "nosso" na primeira pessoa do plural acaba por insinuar a parceria entre das empresas e os empresários nos negócios com a CORSAN. Assim, o réu CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU está incurso nas sanções do artigo 90 da Lei nº 8.666/93, por três vezes." (fls. 15606/15656) Vê-se dos excertos transcritos que não há omissão. Todas as controvérsias foram solucionadas pelas instâncias ordinárias, embora de modo contrário à pretensão da defesa. Foram apontados os motivos concretos para afastar as apontadas nulidades e manter a condenação do recorrente pelo delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, dada a prescrição reconhecida para o crime do art. 288, caput, do Código Penal. Ressalta-se que omissão no julgado e entendimento contrário ao interesse da parte não se confundem. No sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS DOS DECLARATÓRIOS NÃO DEMONSTRADOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. MULTA. 1. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração destinam-se a esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material eventualmente existentes no julgado. 2. Não há espaço para aplicação do Tema n. 1.011/STF, visto que a embargante distorce a realidade dos fatos para fazer com que os autos retrocedam a fase que nem sequer lhe assiste, suscitando tese (competência da Justiça Federal ante a necessidade de a CEF integrar o polo passivo da ação) que não foi objeto de debate na origem, o que por si só inviabilizaria eventual análise da questão pela falta de prequestionamento (incidência da Súmula n. 211/STJ). 3. A competência da justiça estadual não foi objeto de análise por entender que tal questão já se encontrava acobertada pelo manto da coisa julgada ["A competência da Justiça estadual para conhecimento da lide foi definida no julgamento do agravo de instrumento n. 2193670-42.2018.8.26.0000 (relator Desembargador Maurício Campos da Silva Velho), transitando em julgado"], bem como em razão da efetiva demonstração nos autos de que a apólice regente do seguro é do ramo privado ("a apólice de seguro habitacional foi averbada no ramo 68"), o que afasta a incidência do referido Tema n. 1.011/STF à hipótese dos autos. 4. A parte embargante, inconformada, busca, com a oposição destes embargos declaratórios, ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com sua tese. Contudo, entendimento contrário ao interesse da parte não se confunde com omissão. 5. A alteração da verdade dos fatos dos autos para obter incidência de precedente (Tema n. 1.011/STF) do qual é sabedor que não tem nenhuma aplicação à hipótese autoriza a condenação por litigância de má-fé. Precedentes. Embargos de declaração rejeitados com aplicação de multa. (EDcl no AgInt no REsp n. 1.932.086/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024.) PRELIMINARES. 1. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E INÉPCIA DA DENÚNCIA. Quanto ao ponto, afirma-se que Cláudio, na resposta à acusação, se defendeu dos fatos dispostos na exordial acusatória, contraditando sua participação na fraude aos procedimentos licitatórios realizados pela CORSAN, o que, por si só, já demonstra que os fatos denunciados estavam suficientemente delimitados, possibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa, nada havendo que ser alterado. Assim, tendo a exordial descrito de forma circunstanciada e em extensa narrativa toda a ação criminosa, apontando a conduta do recorrente que ensejou a formação da opinio delicti do Ministério Público, não há ilegalidade a ser reconhecida. Ademais, em se tratando de crime de autoria coletiva, praticado em concurso de agentes, notadamente em casos como o dos autos, em que se está a falar em uma operação gigantesca envolvendo várias ações penais conexas, naturalmente a imputação delitiva se dá em menor detalhamento, o que não leva automaticamente à inépcia da denúncia. Esta ação penal tem origem nas provas colhidas na Operação Solidária (Procedimento Criminal Diverso 2007.71.12.005349-3, que tratou de fraudes na licitação e execução do contrato de terceirização da merenda escolar em Canoas/RS). Além disso, sabe-se que, nos termos da jurisprudência desta Corte, a superveniência de sentença condenatória torna prejudicada a análise de inépcia da denúncia. Nos sentidos: DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. QUEBRA DE CADEIA DE CUSTÓDIA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE NA COLETA DO MATERIAL GENÉTICO. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a recurso especial, mantendo acórdão do TRF4 que afastou alegações de inépcia da denúncia, ausência de autorização judicial para coleta de material genético, quebra de cadeia de custódia e inserção indevida de perfil genético na Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber: (i) se a denúncia é inepta por falta de individualização das condutas dos acusados; (ii) se houve quebra de cadeia de custódia na coleta de material genético do agravante ou outras nulidades relativas à observância das normas concernentes à realização de exame pericial no referido material. III. Razões de decidir 3. Em se tratando de crime de autoria coletiva, praticado em concurso de agentes, naturalmente a imputação delitiva se dá em menor detalhamento, o que não leva automaticamente à inépcia da denúncia. In casu, a peça exordial foi considerada apta a deflagrar a ação penal, pois houve a exposição clara e suficiente dos fatos criminosos imputados, bem como a qualificação dos acusados e a classificação do delito, de modo a permitir o regular exercício do contraditório. Ademais, a superveniência de sentença condenatória esvazia a análise de inépcia da denúncia, conforme entendimento pacífico do STJ. 4. Pelas circunstâncias fáticas descritas pelas instâncias ordinárias, com base nas provas reunidas nos autos de origem, não foi identificada quebra de cadeia de custódia, tendo os exames periciais sido realizados com qualidade e conforme os protocolos integridade do material coletado e de preservação do local de crime. Tais circunstâncias atraem a incidência da Súmula n. 7 do STJ, já que, para investigar sobre a ocorrência de eventual nulidade, seria necessário o revolvimento fático-probatório aos autos de origem. 5. Consta dos autos também que houve a devida autorização judicial para o acesso ao material genético pelas autoridades policiais brasileiras e que a coleta do material foi consentida pelo agravante. Dessa forma, incide-se, novamente a Súmula n. 7 do STJ. Ademais, mesmo em caso de recusa, a referida coleta poderia ser obtida mediante autorização judicial para apurar autoria delitiva, nos termos da Lei n. 12.654/2012. IV. Dispositivo e tese 6. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: "1. Em caso de crimes de autoria coletiva, a denúncia não necessita de descrição minuciosa das condutas dos agentes, desde que se permita o exercício do contraditório e ampla defesa aos acusados. 2. A superveniência de sentença condenatória torna prejudicada a análise de inépcia da denúncia. 3. Incide a Súmula n. 7 do STJ quando as circunstâncias fáticas descritas pelas instâncias ordinárias não revela quebra de cadeia de custódia, considerando que os exames periciais foram realizados com qualidade e conforme os protocolos integridade do material coletado e de preservação do local de crime; 4. Considerando as informações que consta dos autos que houve a devida autorização judicial para o acesso ao material genético pelas autoridades policiais brasileiras e que a coleta do material foi consentida pelo agravante, não há que se falar em violação aos arts. 3º e 5º, ambos da Lei n. 12.037/2009, nem ao art. 1º da Lei n. 8.072/1990 ou art. 9º da Lei n. 7.210/1984, de modo a ser inevitável a aplicação, novamente, da Súmula n. 7 do STJ." Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 41; CPP, art. 158-B; Lei n. 12.037/2009, arts. 3º e 5º; Lei n. 8.072/1990, art. 1º; Lei n. 7.210/1984, art. 9º.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 1.828.230/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/6/2024; STJ, AgRg no AREsp n. 2.143.170/CE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/12/2022. (AgRg no REsp n. 2.118.533/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 2/4/2025, DJEN de 8/4/2025.) DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CONCURSO DE AGENTES. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA SUPERVENIENTE. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus, sob o fundamento de que essa via não se destina à substituição de recurso próprio, salvo em casos de flagrante ilegalidade. No writ, requereu-se o trancamento da ação penal contra Eduardo Rech da Silva, alegando inépcia da denúncia por ausência de descrição individualizada da conduta. O agravo busca a reconsideração da decisão ou, subsidiariamente, seu provimento para que seja conhecido e acolhido o habeas corpus. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se estão presentes elementos suficientes para o trancamento da ação penal na via do habeas corpus, diante da alegação de inépcia da denúncia; e (ii) estabelecer se a decisão agravada deve ser reformada à luz de eventual flagrante ilegalidade ou ausência de justa causa para a persecução penal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O trancamento da ação penal por meio de habeas corpus é medida excepcional, cabível apenas quando evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inépcia da denúncia ou a atipicidade da conduta, o que inexiste no caso concreto. 4. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, apresentando exposição suficiente dos fatos, qualificação dos denunciados, classificação jurídica e individualização mínima da conduta imputada ao agravante, especialmente no contexto de crime de autoria coletiva. 5. A imputação de associação criminosa praticada em concurso de agentes permite que a descrição das condutas seja feita com menor grau de detalhamento, desde que assegurado o pleno exercício da ampla defesa, como ocorre no caso dos autos. 6. A existência de sentença condenatória proferida nos autos da ação penal esvazia a análise sobre eventual inépcia da denúncia, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. 7. O exame das alegações defensivas demandaria incursão no conjunto fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via do habeas corpus ou do agravo regimental que o sucede. 8. A decisão agravada encontra-se em conformidade com a jurisprudência do STJ, deixando de verificar-se flagrante ilegalidade apta a justificar sua reforma. IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no HC n. 929.179/SC, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 18/6/2025.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PECULATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. POSSIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO SUCINTA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior, o trancamento do processo em habeas corpus, por ser medida excepcional, somente é cabível quando ficarem demonstradas, de maneira inequívoca e a um primeiro olhar, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade do crime e de indícios de autoria ou a existência de causa extintiva da punibilidade. 2. Observado que a denúncia é a peça processual por meio da qual o órgão acusador submete ao Poder Judiciário o exercício do direito de punir, o legislador estabeleceu alguns requisitos essenciais para a formalização da acusação, a fim de que seja assegurado ao denunciado o correto exercício do contraditório e da ampla defesa. Na verdade, a própria higidez da denúncia opera como uma garantia do acusado. 3. No caso, a inicial é expressa ao descrever que o acusado, na condição de servidor da Câmara Municipal, recebeu ilegalmente e excessivamente diárias pela participação em eventos. Dessa forma, narra a prática do crime com a descrição dos respectivos elementos objetivos e subjetivos do tipo, de forma clara e minimamente suficiente, com a individualização da conduta do denunciado, o que afasta a alegação de inépcia da exordial. 4. A justa causa para o prosseguimento da ação penal foi demonstrada pelo relatório preliminar da auditoria do Tribunal de Contas estadual, que apontou o denunciado como um dos beneficiários do pagamento indevido e excessivo de diárias. 5. Esta Corte firmou orientação de que "a decisão que recebe a denúncia ou rejeita as hipóteses de absolvição sumária não demanda motivação profunda ou exauriente, sob pena de indevida antecipação do juízo de mérito. A fundamentação sucinta não se confunde com ausência de fundamentação (HC 410.747/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017). 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no RHC n. 198.867/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 7/10/2024, DJe de 9/10/2024.) 2. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. 2.1. INVESTIGAÇÃO INICIADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. Extrai-se dos trechos acima que as interceptações telefônicas que culminaram com o processamento e condenação dos réus não são decorrentes diretamente da denúncia anônima, pois já haviam indícios da prática criminosa, levantados com base nos depoimentos das testemunhas e relatórios dos órgãos de fiscalização. Nesse sentido, "[q]ualquer incursão que escape a moldura fática ora apresentada, demandaria inegável revolvimento fático-probatório (...)" (AgRg no HC n. 624.243/SC, relator Ministro FELIX FISHER, Quinta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 1/3/2021). No mesmo sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INTERPOSIÇÃO RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO E IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS CONTRA O MESMO ACÓRDÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. DESCABIMENTO DE CONCESSÃO DE ORDEM EX OFFICIO. SUPOSTA NULIDADE DA QUEBRA DO SIGILO DE DADOS. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE CONSIGNARAM HAVER DILIGÊNCIAS PRÉVIAS À DECRETAÇÃO DA MEDIDA. REVISÃO DO ENTENDIMENTO. NÃO CABIMENTO. NECESSIDADE DE AMPLA REAPRECIAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. MEDIDA DEFERIDA PARA APURAR CRIMES APENADOS COM RECLUSÃO. NULIDADE DA DECISÃO QUE DEFERIU O COMPARTILHAMENTO DA PROVA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PEDIDO NÃO CONHECIDO AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte não admite a tramitação concomitante de recursos e habeas corpus manejados contra o mesmo ato, sob pena de violação do princípio da unirrecorribilidade. 2. Embora o art. 654 § 2.º, do Código de Processo Penal, preveja a possibilidade da concessão de habeas corpus de ofício,"[t]al providência não se presta como meio para que a Defesa obtenha pronunciamento judicial sobre o mérito de pedido deduzido em via de impugnação que não ultrapassou os requisitos de admissibilidade" (STJ, AgRg no HC n. 702.446/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/3/2022, DJe 22/3/2022). 3. A tese relativa à inadequação da fundamentação empregada na decisão que autorizou o compartilhamento das provas não foi objeto de análise prévia e específica por parte da Corte local, o que impede o exame da matéria, de forma originária, por este Sodalício, sob pena de indevida supressão de instância. 4. Afirmaram, as instâncias ordinárias, que houve a realização de diligências prévias, não sendo a quebra do sigilo temático deferida com base, exclusivamente, em denúncia anônima, que apenas teria servido para a instauração do expediente inicial denominado "Notícia de Fato" e posterior Procedimento Investigatório Criminal. Nesse sentido, "[q]ualquer incursão que escape a moldura fática ora apresentada, demandaria inegável revolvimento fáticoprobatório, não condizente com os estreitos lindes deste átrio processual, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária" (AgRg no HC n. 624.243/SC, relator Ministro FELIX FISHER, Quinta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 1/3/2021). 5. Quanto à nulidade da quebra de sigilo telemático para a apuração de crime apenado com detenção, constou no acórdão impugnado que a medida estaria "embasada em indicativos substanciais e suficientes de materialidade e de autoria das práticas delitivas apenadas com pena de reclusão, notadamente organização criminosa, corrupção ativa, além de delitos de fraudes em licitação". Assim, não se visualiza, primo ictu oculi, ilegalidade flagrante, pois "[j]á decidiu esta Corte Superior pela legitimidade da prova obtida por meio de interceptação telefônica quando essa visa à apuração de delito punido com detenção, se conexo com outro crime apenado com reclusão, como no caso dos autos" (AgRg nos EDcl no HC n. 293.680/PR, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 29/5/2018). 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 763.628/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 31/3/2023.) Não é demais dizer que a denúncia anônima, desde que verificada a sua mínima plausibilidade, pode servir de base à posterior investigação e à persecução penal em juízo. No sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ALEGADA OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. EXISTÊNCIA. DIVERSAS FRAUDES PERPETRADAS, EM TESE, CONTRA O DETRAN/RS. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DOS DOCUMENTOS FISCAIS SIGILOSOS REQUISITADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE AO FISCO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 1.040, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NECESSIDADE DE DISTINÇÃO NO PRESENTE DO DECIDIDO AO JULGAMENTO DO TEMA 990 COM REPERCUSSÃO GERAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COMPARTILHAMENTO DE DADOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL EM QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA FINS DE PERSECUÇÃO PENAL. DESCABIMENTO NO CASO OS AUTOS. NECESSÁRIA REALIZAÇÃO DE DISTINÇÃO DOS CASOS. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TESE 990 A CASOS EM NÃO HÁ INVESTIGAÇÃO DE CRIME TRIBUTÁRIOS E ANÁLOGOS. I - Nos termos do art. 619 do CPP, serão cabíveis embargos declaratórios quando houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no julgado. Podem também ser admitidos para a correção de eventual erro material, consoante entendimento preconizado pela doutrina e jurisprudência. Não constituem, portanto, recurso de revisão. II - Inviável a análise originária de tese não submetida ao crivo da Corte de origem, sob pena de indevida supressão de instância. In casu, não há falar em omissão em relação à análise da tese subsidiária da impetração, quanto à suposta ilegalidade da requisição do Parquet, na medida em que lastreada unicamente em denúncia anônima e depoimento apócrifo, porquanto não foi objeto de deliberação no acórdão da Correição Parcial. III - Ademais, ainda que assim não fosse, cediço o entendimento de que o Ministério Público, diante do recebimento de denúncia anônima, possui legitimidade para diligenciar investigações preliminares para aferição da plausibilidade da denúncia, como ocorreu no caso destes autos de forma antecedente à requisição de quebra do sigilo fiscal, por meio da instauração de procedimento administrativo. Precedentes. IV - Por outro lado, pertinente a alegação de necessária realização de distinção entre o presente caso e o versado no Tema n. 990/STF, na medida em que a possibilidade de compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da Receita Federal Brasileira com o titular da ação penal ocorreu em virtude do cometimento de crimes tributários, além de lavagem de dinheiro, apropriação indébita ou sonegação de contribuição previdenciária, bem como contrabando ou descaminho, o que não é o caso dos autos, em que a embargante e corréus foram processados por crimes outros (formação de quadrilha, dispensa indevida de licitação e peculato-desvio) não versando, por conseguinte, de caso no qual se possa aplicar o entendimento firmado no tema supracitado, ainda mais porque os documentos foram objeto de requisição pelo Ministério Público Federal e não, como o caso tratado pela Corte Suprema, de representação para fins penais da Receita Federal Brasileira. V - Com efeito, colhe-se do voto condutor do acórdão que resultou na edição do tema 990 da repercussão geral a seguinte determinação à Receita Federal Brasileira, verbis: "Nessa conformidade, proponho o seguinte no tocante à Receita Federal: i) É constitucional o compartilhamento pela Receita Federal com órgãos de persecução penal, via representação fiscal para fins penais, de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de crimes a) de descaminho ou contrabando (DL 2.848/40, arts. 334 e 334-A), ou b) contra a ordem tributária ou a Previdência Social (art. 83 da Lei 9.430/96)", delitos peolos quais não foi a ora embagrante denunciada. VI - A 3ª Seção deste Sodalício, apreciando dois recursos em habeas corpus da mesma temática (RHC n. 83.233/SP e 83.447/SP), da relatoria do eminente Ministro Sebastião Reis Júnior, entendeu pela ilegalidade da requisição pelo Ministério Público de dados fiscais protegidos por sigilo, sem a imprescindível autorização judicial, na medida em que se tratava de ação penal nos quais os acusados foram denunciados pelos crimes de estelionato majorado, falsidade ideológica e uso de documento falso, hipótese similar ao caso destes autos. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para restabelecer a decisão concessiva de habeas corpus. (EDcl no AgRg no HC n. 234.857/RS, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 25/2/2022.) 2.2. LIMITE TEMPORAL E ACESSO A INTEGRALIDADE DAS ESCUTAS. Na hipótese, as instâncias ordinárias concluíram, de forma devidamente fundamentada, pela imprescindibilidade das medidas de interceptação telefônica e das sucessivas prorrogações para a obtenção dos indícios de autoria e materialidade delitiva para fins de deflagração da persecução penal. Conforme constou nos autos, "em crimes como os ora analisados, em que estão envolvidos diversos indivíduos com atribuições distintas, o monitoramento das conversas telefônicas consubstancia-se, muitas vezes, no único instrumento capaz de identificar a natureza das relações entre os membros, os planos para a execução das práticas delituosas e as funções por eles desempenhadas." Reforço que a análise sobre a imprescindibilidade das interceptações telefônicas ou a existência de outros meios de obtenção da prova implica revolvimento fático-probatório dos autos, procedimento vedado, em recurso especial, pelo disposto na Súmula n. 7 do STJ. A nulidade por ausência de transcrição integral das escutas foi afastada pela Corte Regional, ao argumento de que a Lei n. 9.296/96 não prevê obrigatoriedade de degravação integral dos áudios, apoiando-se em jurisprudência dos Tribunais. Tal entendimento realmente encontra amparo em precedentes desta Corte. Cita-se: RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONCUSSÃO EM CONTINUIDADE DELITIVA (HERMES) E CONCUSSÃO (MARILEY). VIOLAÇÃO DO ART. 70 DO CPP. ALEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA TERRITORIAL DA COMARCA DE JACIARA/MT. INOCORRÊNCIA. CONSUMAÇÃO DO CRIME: CUIABÁ/MT, LOCAL ONDE SE DEU A EXIGÊNCIA DE VANTAGEM INDEVIDA. VIOLAÇÃO DO ART. 302 DO CPP. TESE DE INEXISTÊNCIA DO ESTADO DE FLAGRÂNCIA. CONFIGURAÇÃO DO FLAGRANTE ESPERADO, ACEITO PELA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA 7ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CUIABÁ. TESE DE AUSÊNCIA DE MOTIVO ATRATIVO DA COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA. VIOLAÇÃO ÀS REGRAS DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA. ARTS. 75 E SEGUINTES DO CPP. INOCORRÊNCIA. RESPEITO AO JUIZ NATURAL E ALTERAÇÃO DE REGRAS DE COMPETÊNCIA MATERIAL DO ÓRGÃO JUDICIAL, POR RAZÕES DE REORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA ACEITA PELA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. VIOLAÇÃO DOS ARS 155 E 157, AMBOS DO CPP, E 5° DA LEI N. 9.296/96. TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE PLENO CONTRADITÓRIO, AINDA QUE DIFERIDO, POR AUSÊNCIA DE MECANISMOS POSSIBILITADORES DE VERIFICAÇÃO DA INTEGRIDADE DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NULIDADE INVIÁVEL DE SER RECONHECIDA. DEFESA QUE NÃO REQUEREU O ACESSO INTEGRAL DO CONTEÚDO DAS CONVERSAS. PRECLUSÃO. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS REGULARMENTE REALIZADAS. PRESCINDIBILIDADE DE TRANSCRIÇÃO INTEGRAL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 386, VII, DO CPP. TESE DE CONDENAÇÃO SEM QUE HOUVESSE PROVAS SUFICIENTES PARA TANTO. MATERIALIDADES E AUTORIAS COMPROVADAS NOS AUTOS. REVISÃO DE ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. O crime de concussão, por ser delito de natureza formal, consuma-se quando é feita a exigência da vantagem indevida. 2. O crime de extorsão é delito formal, que se consuma com a exigência da vantagem indevida (AgRg no REsp n. 1.763.917/SP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 24/10/2018). 3. [...] as ligações que exigiam vantagens foram feitas da residência dos recorrentes, localizada na Comarca de Cuiabá-MT; portanto, não se divide a presença de nulidade, porquanto, para a jurisprudência desta Corte Superior, a regra geral da fixação da competência criminal, insculpida no art. 70 do Código de Processo Penal - CPP, determina que o local da consumação do crime servirá para determinar o juízo competente (AgRg no HC n. 531.810/PR, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe de 13/5/2020). 4. O entendimento manifestado está em sintonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, haja vista a configuração do flagrante esperado (o crime já havia se consumado), que difere do quanto proposto pelos recorrente, pois, no flagrante preparado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede a sua consumação, cuidando-se, assim, de crime impossível. 5. A vítima, ameaçada pelos acusados, comunicou a corregedoria da polícia, mas cumpriu a exigência de entrega dos valores. A ação policial apenas evitou a obtenção/fruição da vantagem indevida - mero exaurimento da conduta -, porém não impediu que o ofendido cedesse ao constrangimento. Crime consumado (AgRg no REsp n. 1.868.140/GO, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 14/8/2020). 6. Não há que se falar em incompetência da referida Vara especializada, onde ocorreu o devido respeito ao Juiz natural, primeiro porque o crime inicial se consumou na Comarca de Cuiabá-MT; segundo, porque, nos termos do combatido aresto, de acordo com o provimento n. 004/2008/CM e Quadro de Competência da Corregedoria Geral da Justiça de Mato Grosso, o Juízo da Sétima Vara Criminal desta Comarca, possui competência para processar e julgar crimes contra a Administração Pública, praticados na Capital; em razão do crime de concussão ser praticado contra a Administração Pública. 7. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, não ofende os princípios do juiz natural e da perpetuação da jurisdição a redistribuição de processo pela criação de nova vara especializada na Comarca com consequente alteração da competência em razão da matéria, para fins de melhor prestar a jurisdição e não de remanejar, de forma excepcional e por razões personalíssimas, um único processo. [...] A redistribuição do processo do paciente não foi casuística, mas decorreu de alteração de regras de competência material do órgão judicial, por razões de reorganização judiciária (HC n. 322.632/BA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 22/9/2015). 8. Inviável o reconhecimento de nulidade, notadamente em face da defesa não ter requerido anteriormente o acesso integral do conteúdo das conversas, o que evidencia a preclusão, bem como porque as interceptações foram regularmente realizadas e os relatórios juntados conforme prevê o art. 6.°, § 2°, da Lei 9296/96, sendo certo que a Legislação, dispõe que o Auto Circunstanciado conterá o resumo das operações realizadas, e não sua integralidade. 9. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no caso de nulidades processuais, a lei adjetiva vigente adota o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual somente será declarada a nulidade se estiver demonstrada nos autos a efetiva ocorrência de prejuízo para a parte. [...] No caso, a alegação de nulidade foi aduzida a destempo, em primeiro grau, e, em momento algum, foi requerido acesso às transcrições da interceptação telefônica, o que demonstra a preclusão da pretensão. Precedentes. [...] Ademais, não há que se falar em nulidade, uma vez que não ficou demonstrado eventual cerceamento à defesa (RHC n. 78.383/MT, Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 7/3/2019). 10. Ao interpretar o disposto no art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.296/1996, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Inq n. 3.693/PA (DJe 30/10/2014), de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, decidiu ser prescindível a transcrição integral dos diálogos obtidos por meio de interceptação telefônica, bastando que haja a transcrição do que seja relevante para o esclarecimento dos fatos e que seja disponibilizada às partes cópia integral das interceptações colhidas, de modo que possam elas exercer plenamente o seu direito constitucional à ampla defesa (HC 573.166/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/02/2022, DJe 24/02/2022), o que ocorreu no presente feito, não havendo falar-se em ilegalidade (AgRg no AREsp n. 2.009.864/TO, Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 1/7/2022). 11. Não sendo evidenciada nenhuma irregularidade na obtenção das provas que conduziram à condenação dos recorrentes, inviável na via eleita o reexame do caderno probatório, ante o óbice constante da Súmula 7/STJ. 12. Alterar a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias e decidir pela absolvição do agravante demandaria, necessariamente, revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula 7/STJ (AgRg no AREsp n. 1.773.536/AM, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 17/8/2021). [...] Concluindo o Tribunal de origem pela autoria e materialidade delitiva, a alteração do julgado, para fins de absolvição, demandaria revolvimento fáticoprobatório, o que não se admite a teor da Súmula 7/STJ (REsp n. 1.482.076/CE, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 10/4/2019). 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (REsp n. 1.805.173/MT, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 11/10/2022, DJe de 14/10/2022.) Como afirmado, as partes tiveram acesso à íntegra das gravações, o que possibilitou a ampla defesa, ainda que nem todas tenham sido transcritas na peça acusatória ou na sentença. Sendo assim, também não se pode alterar tal premissa, sob pena de incursão fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 3. DA CADEIA DE CUSTÓDIA. O recorrente sustenta que as mídias continham defeito técnico - vírus, e que, mais uma vez, não foi lhe dado acesso à integralidade dos elementos de informação. A Corte a quo sustentou que são alegações vagas por não ter sido minimamente apontada qualquer irregularidade concreta no material apresentado. Em resposta, nas razões do recurso especial, o réu aduz ser ônus do Estado a comprovação da integridade e da confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. Ocorre que tal premissa não foi aposta nos embargos declaratórios opostos na origem e, por consequência, não foi objeto de incursão pelo Tribunal Regional, caso em que aplicável os óbices das Súmulas n. 282 e 356 do STF, por ausência de prequestionamento. Ademais, com a afirmativa das instâncias ordinárias de que houve o acesso à íntegra das gravações, não é possível revertê-la, sob pena de incursão fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 4. IMPRESTABILIDADE DA PROVA EMPRESTADA. No aspecto, o acórdão atacado sustentou que o uso de prova emprestada não dependeria do consentimento da parte, sendo imprescindível apenas que a prova fosse submetida ao exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, tal como feito. Com efeito, o aresto hostilizado não destoa da jurisprudência desta Corte, de que a utilização de prova emprestada é válida no processo penal, desde que regularmente produzida e submetida ao contraditório (AgRg no AREsp n. 2.864.805/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 17/6/2025). No mesmo sentido: PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. DESCABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O MESMO FIM. ILICITUDE DA PROVA REFERENTE À MATERIALIDADE DELITIVA POR QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTO À OCORRÊNCIA DE ADULTERAÇÃO E DO EFETIVO PREJUÍZO. NULIDADE DECORRENTE DA JUNTADA DE PROVA EMPRESTADA. INEXISTÊNCIA. CONTRADITÓRIO GARANTIDO. POSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DE PRODUÇÃO DA PROVA, DE OFÍCIO, PELO JUIZ. BUSCA DA VERDADE REAL. TESE DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. COMPROVAÇÃO DA ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE COLABORAÇÃO PARA O TRÁFICO. MATÉRIA NÃO ENFRENTADA NA ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. APLICAÇÃO DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. REQUISITOS LEGAIS NÃO PREENCHIDOS. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. APLICAÇÃO CORRETA DA SÚMULA 231/STJ. AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 40, VI, DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. Ordem denegada. (HC n. 859.440/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 4/6/2025, DJEN de 10/6/2025.) Direito processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Interceptações telefônicas. PROVA EMPRESTADA. AUSÊNCIA DE ACESSO À INTEGRA DO PROCEDIMENTO. Cerceamento de defesa. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO . I. Caso em exame 1. Recurso ordinário em habeas corpus interposto por condenados por corrupção ativa, alegando cerceamento de defesa devido à ausência de acesso integral ao procedimento de interceptação telefônica utilizado como prova emprestada. 2. A defesa solicitou a juntada integral dos autos da interceptação telefônica, o que foi parcialmente atendido. A sentença condenatória foi proferida sem que a defesa tivesse acesso completo aos elementos de prova. 3. O Tribunal de Justiça de São Paulo denegou a ordem de habeas corpus, entendendo não haver cerceamento de defesa, pois a acusação providenciou a juntada de parte dos elementos, cabendo à defesa buscar o restante. II. Questão em discussão 4. A questão em discussão consiste em saber se a ausência de acesso integral ao procedimento de interceptação telefônica, utilizado como prova emprestada, configura cerceamento de defesa e viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. III. Razões de decidir 5. A ausência de acesso integral ao procedimento de interceptação telefônica viola os princípios do contraditório e da ampla defesa, conforme a Súmula n. 14 do STF, que garante ao defensor o acesso amplo aos elementos de prova, assim como o princípio da paridade de armas. 6. A utilização de prova emprestada exige que o contraditório e a ampla defesa sejam assegurados com a mesma amplitude das garantias existentes nos autos em que foram produzidas. 7. A nulidade do processo deve ser declarada a partir da fase das alegações finais, permitindo à defesa acesso à íntegra da prova emprestada e a oportunidade de se manifestar antes da formação do convencimento do julgador. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso parcialmente provido para, concedendo de ofício a ordem em menor extensão, declarar a nulidade do processo desde a fase das alegações finais, determinando-se a abertura de novo prazo para a defesa após acesso à íntegra da prova emprestada. Tese de julgamento: "1. A ausência de acesso integral ao procedimento de interceptação telefônica utilizado como prova emprestada configura cerceamento de defesa. 2. A utilização de prova emprestada exige a garantia do contraditório e da ampla defesa com a mesma amplitude das garantias existentes nos autos originais". Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 156; CPP, art. 580; CPP, art. 573, § 1º.Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula 14; STJ, REsp 1.800.516/SP, Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 15.06.2021; STJ, AgRg no HC n. 735.027/SP, Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), relator para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 26.09.2023; STJ, REsp n. 1.898.968/RS, Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 02.03.2021; STJ, REsp 1.796.236/RS, Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27.09.2022. (RHC n. 186.861/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 28/5/2025, DJEN de 2/6/2025.) 5. CONDENAÇÃO FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS DO INQUÉRITO. IN DUBIO PRO REO. O recorrente assegura que, para além da análise feita pela Polícia Federal e do Relatório da CGU, não há qualquer menção à farta prova judicializada que sustente a suposta restritividade das cláusulas editalícias [ou, mesmo, conluio para apresentação de propostas ou conhecimento prévio dos editais], baseando-se, tão somente, nos elementos obtidos fase inquisitorial, os quais são isolados e em oposição ao que se produziu sob o contraditório judicial. Não tem razão. Constam vários documentos oficiais apresentados na fase extrajudicial e confirmados em juízo que comprovam a restritividade das cláusulas editalícias, tais como: "O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 598/2011 (evento 1, AP_INQ_POL67, págs. 14 a 51) concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 426/08: a) por meio de exigências desnecessárias, como a exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 tem rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional); b) pela limitação de uma quantidade máxima de dois atestados para a comprovação dos serviços e c) dos oito serviços exigidos na alínea "d" do Capítulo II, do item 2.2.4 do edital, cinco são tecnicamente irrelevantes (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ1 e de escoramento contínuo de madeira). O laudo concluiu também que o contrato foi celebrado a preço compatível com preços de referência oficiais à época e região, contudo, constatou-se que esses preços de referência estavam consideravelmente acima do preço competitivo de mercado. As propostas de preço das duas primeiras colocadas eram muito próximos do teto estabelecido pela CORSAN (R$ 13.449.308,37). E a proposta vencedora (R$ 13.372.246,77) tinha preço consideravelmente acima de um preço competitivo de mercado. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 40/2012, com o mesmo objeto do Laudo n.º 598/2011 (evento 1, INQ11, págs. 32 a 45), concluiu que os exames realizados não permitem confirmar a hipótese de dano ao erário na execução da obra periciada. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 094/2011 – UTEC/DPF/SMA/RS concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 427/08, de Alvorada/RS e Viamão/RS, lote II (evento 1, AP-INQPOL66, págs. 3-39 e AP-INQPOL67, págs. 1-13), por meio de exigências desnecessárias e sem o devido respaldo legal, como a exigência de comprovação de experiência por parte dos licitantes em no máximo dois atestados; a exigência de qualificação técnico operacional elencadas na alínea "d" do item 2.2.4 do edital, dos oito serviços exigidos, cinco são tecnicamente irrelevantes." (fl. 15611) Além de depoimentos, incluindo parecer do TCU, dentre outros: "Iusra Jabbar Torres foi a única responsável por montar as pastas de documentos para todas as licitações da GEL Engenharia, entre 1992 e 2014. Quanto à Concorrência 426/08, sustentou que eles não tiveram disponibilizados todos os elementos dentro do prazo entendido adequado para fazer um orçamento competitivo; nesse caso específico foi de 18 dias, desde a disponibilização dos projetos; a CORSAN não atendeu o pedido de prorrogação de prazo feito pela empresa; logo, a empresa impugnou o edital, o que foi julgado improcedente (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 108/107). O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a GeEngenharia, no departamento de orçamentos e propostas, disse que, no caso específico da Concorrência 426/08, o edital foi publicado nos trinta dias de antecedência, mas os elementos necessários, principalmente os projetos, foram todos disponibilizados quando faltavam 18 dias para entrega da licitação. Não tiveram o tempo necessário para fazer um estudo detalhado. Foi ele mesmo quem fez o orçamento da proposta e apurou a proposta, fez a cotação de preços de materiais e tudo mais. Levou a proposta para assinatura do Paulo Goetze, o avisando que, em função do pouco tempo que tiveram para orçar essa obra, estaria entrando no preço teto dela. Toda vez que tem uma obra que seja estratégica ou que tenha um montante muito maior de valor ou que seja uma obra muito mais interessante para a GEL, um dos dois sócios acabava participando do fechamento desses preços. No entanto, em relação à licitação 426/08, não aconteceu isso; o preço foi fechado por Régis Lobato, que tinha autonomia para fechar preços, era gerente comercial e nenhum dos dois sócios participou; como disse anteriormente, levou a proposta para o Paulo assinar, pois era ele quem estava na empresa naquele dia. Explicou que tiveram pouco tempo para executar, tinham uma situação de que a obra era em Porto Alegre, havia uma logística complicada para a mobilização de pessoal, de material e equipamentos. Então tudo isso é ponderado naquela matriz de risco, chegando à conclusão de que para essa obra, não teria como dar um preço menor em função de todos esses fatores. Informou, ainda, que venceram 26 licitações nas quais participaram próximo ao preço teto (evento 1067, págs. 345 a 348). (...) Contudo, o próprio TCU considerou restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo, na fase de habilitação, que a empresa licitante "já possua usina de asfalto instalada", ou seja, trata-se de questão específica, e não da exigência de "execução de quantitativos mínimos" em obras ou serviços, conforme sumulado, e tampouco de exigência de atestado de capacidade técnica e operacional. Rogério Araújo de Souza, engenheiro que trabalhou na MAC, referiu que a exigência de licença de operação de usina de asfalto expedida pela FEPAM em nome da licitante ou a apresentação de contrato de fornecimento de concreto asfáltico por usina licenciado também pela FEPAM era aberta, e não restritiva, já que havia por volta de 30 usinas de asfalto; que a limitação do número de atestados para comprovação da capacidade operacional das licitantes a um atestado ou no máximo 2, e exigência de comprovação de capital social igual ou superior a 10% do valor prevista para a contratação eram "usuais"; que os editais do DNIT eram mais rigorosos do que os da CORSAN (evento 1067, págs. 298/299). O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia, no departamento de orçamentos e propostas, referiu que o edital exigia que apresentassem um documento de que teriam disponível uma usina de asfalto para atender a essa obra, muito embora o custo desse asfalto não fosse tão impactante nessa obra, mas era uma exigência do edital. Então precisaram, na época, correr atrás e tentar obter uma autorização de uma dessas empresas, de usinas de asfalto, para que pudessem participar da licitação" (evento 1067, pág. 348). No que se refere ao conteúdo dos editais, o juiz sentenciante concluiu que os réus efetivamente restringiram o caráter competitivo com "não publicação do aviso no Diário Oficial da União"; a "exigência de usina de asfalto instalada"; e a "exigência de no máximo dois atestados para comprovação de experiência dos licitantes". Em relação ao conluio, este restou confirmado por meio de relatório de demandas especiais da CGU e interceptações telefônicas, provas que foram levadas ao crivo do contraditório: "Foi constatado, através do Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009/88 da Controladoria-Geral da União, que houve a habilitação indevida da empresa vencedora, a Sultepa Construções e Comércio Ltda., nas Concorrências Públicas n.º 426/08 e 427/08, pois os atestados técnicos apresentados (para demonstrar capacidade técnico-operacional) não pertenciam a essa empresa, e sim à SULTEPA S. A. Para legitimar a utilização do acervo técnico da SULTEPA S. A., ocorreu a incorporação do valor econômico de "parte do acervo técnico" da controladora (Sultepa SA) ao capital social da controlada (Sultepa Construções e Comércio Ltda), e ambas as empresas firmaram entre si um contrato de assistência técnica relacionado a esse acervo técnico. Tal foi considerado irregular, pois os atestados apresentados para fins de habilitação técnico-operacional não pertencem à licitante vencedora, e sim à outra pessoa jurídica (evento 1, INQ12, págs. 23/24). (...) O trecho todo indica o conluio entre as empresas e, portanto, a ciência e ação desse acusado. Não só é expressivo o conhecimento de que a MAC só estava participando do certame "pro forma" ("prá ... abrir mão do prazo de recurso"), como ressalta o contato que vinha mantendo com a MAC ("... Rogério. Ontem ele tinha falado com o meu pessoal aqui, ele disse que ia mandar alguém, ..."). Talvez também mereça referência a expressão "no cliente nosso aquele." Além de parecer que, em certo momento do diálogo, houve algum pudor em revelar o seu conteúdo, o uso do pronome "nosso" na primeira pessoa do plural acaba por insinuar a parceria entre das empresas e os empresários nos negócios com a CORSAN." (fls. 15636/15640). A sentença considerou que Claudio Abreu tinha ciência de quem seria o vencedor do certame, e que os elementos que a comprovam estão discorridos no item II.2.2.2 da sentença, em cotejo com toda a fundamentação. Segundo a decisão, o acusado manipulou o direcionamento dos editais, com a combinação de preços e propostas apresentadas, tendo a vantagem de ter conhecimento prévio dos editais daqueles certames, o que estaria demonstrado pelos elementos dos autos, principalmente nas interceptações telefônicas. Destarte, não é possível entender pela insuficiência de provas judiciais para se acolher o pleito de nulidade ou mesmo acatar o requerimento absolutório baseado no princípio in dubio pro reo, também ante o óbice da Súmula n. 7/STJ. 6. Ressalta-se que os argumentos relativos aos ELEMENTOS INDICIÁRIOS CONSIDERADOS INSUFICIENTES PARA CONDENAÇÃO DE CORRÉUS, MAS UTILIZADOS EM DESFAVOR DO RECORRENTE e INDIVISIBILIDADE DA PROVA DECLARADA ILÍCITA PELO E. STF não foram sanados pela Corte Regional e também não foram alvo dos aclaratórios opostos na origem. Assim, incide às hipóteses as Súmulas n. 282 e 356 do STF. 7. PENA-BASE. AUMENTO INADEQUADO. REFERÊNCIA GENÉRICA E ABSTRATA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. As penas-base de Cláudio relativas aos delitos dos arts. 90 da Lei de Licitações e 288, caput, do CP, foram majoradas em decorrência da negativação do vetor "circunstâncias do crime", em razão da gravidade, pois o réu articulou o crime licitatório para obras do saneamento básico, área de infraestrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Trata-se de fundamentação idônea e concreta para o recrudescimento das penas, não inerente ao tipo criminoso, denotando maior reprovabilidade à conduta, devendo ser mantida. Cito precedentes desta Corte em casos semelhantes: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME LICITATÓRIO. REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. As circunstâncias do crime foram valoradas negativamente, na primeira etapa da dosimetria da pena, pela sofisticação no modo de execução do delito, considerando o quantitativo de elementos fraudulentos praticados, quais sejam, "elaborar um edital sem especificação da quilometragem a ser percorrida pelos licitantes, indicação de turno e quantidade de alunos transportados, ausência de parâmetro de fixação de preços e aceitação de propostas sem prévia descrição qualitativa dos veículos que iriam transportar os alunos", o que atrai o maior desvalor da conduta, não havendo, portanto, falar-se em bis in idem. 2. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior, "no sentido do não cabimento da revisão criminal quando utilizada como nova apelação, com vistas ao mero reexame de fatos e provas, não se verificando hipótese de contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, consoante previsão do art. 621, I, do CPP" (HC 206.847/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016). 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.384.761/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 30/11/2023, DJe de 5/12/2023.) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 90 DA LEI Nº 8.666/93. AUSÊNCIA DE OMISSÃO PELA CORTE DE ORIGEM. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Ao contrário do que sustenta a parte recorrente, não há falar em omissão, uma vez que o acórdão recorrido apreciou as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entendeu relevantes e suficientes à compreensão e à solução da controvérsia, o que, na hipótese, revelou-se suficiente ao exercício do direito de defesa. 2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. 3. As circunstâncias do crime como circunstância judicial referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi. Constata-se, assim, a existência de fundamentação concreta e idônea, a qual efetivamente evidenciou aspectos mais reprováveis do modus operandi delitivo e que não se afiguram inerentes ao próprio tipo penal, a justificar a majoração da pena, uma vez que os acusados, durante o período da prática delitiva, usavam da prefeitura de Caculé/BA como uma extensão patrimonial particular para auferir valores em detrimento dos cofres públicos, o que demonstra uma reprovabilidade superior àquela ínsita ao tipo penal, a merecer uma maior resposta do Estado. Salienta-se, no ponto, que o período em que praticado o delito foi apontado como argumento de forma supletiva na avaliação negativa das circunstâncias do crime, não podendo se falar em bis in idem com a continuidade delitiva. Ainda, é perfeitamente possível a coexistência entre o crime de formação de quadrilha e a continuidade delitiva no delito do artigo 90 da Lei nº 8.666/93, porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e os crimes, autônomos. 4. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, as instâncias de origem decidiram pela sua reprovabilidade, tendo em vista que as condutas geraram efeitos indiscutivelmente nefastos e que transcendem as consequências naturais do crime, uma vez que foram desviados recursos do escasso Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, que auxilia na alimentação escolar dos alunos do ensino municipal, que, muitas vezes, têm na merenda escolar sua principal ou única refeição do dia, aumentando a reprovabilidade da conduta, em razão dos resultados que transbordam o tipo penal. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.162.629/BA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, REPDJe de 28/10/2024, DJe de 14/10/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 90, 96, I E V, DA LEI 8.666/93. FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. ELEVAÇÃO ARBITRÁRIA DE PREÇO. ART. 312, § 1º. DO CP. PECULATO. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. MULTA. EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL DE VALOR MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.No que se refere ao pedido de absolvição dos crimes previstos nos artigos 90 e 96, I e V, da Lei 8.666/93 e 312, § 1º do CP, denota-se que a condenação decorreu da análise dos elementos de provas constantes nos autos. A desconstituição desse entendimento, para concluir pela absolvição demandaria, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto probatório, providência incompatível com o rito do recurso especial, conforme se extrai do óbice da Súmula n. 7/STJ. 2. A tese de de prescrição da pretensão punitiva não comporta acolhimento. A contagem do prazo prescricional para o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1996 se inicia com a assinatura do contrato administrativo. O Tribunal de origem destacou que a assinatura do instrumento contratual ocorreu há menos de oito anos do recebimento da denúncia, de modo que não há que se falar em prescrição nos termos postulados. 3. A instância antecedente reconheceu a existência de desígnios autônomos para aplicar o concurso material entre os delitos previstos na Lei de Licitações e o crime de peculato desvio do que se denota que a modificação dessa conclusão enseja necessário revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ. 4. O fato de a fraude no procedimento licitatório ter afetado setor agropecuário, o qual necessita de recursos públicos de forma premente para melhoria das condições de vida dos agricultores envolvidos no cultivo de tomate em pequeno munícipio do Estado do Rio de Janeiro, desborda do tipo penal do art. 90, da Lei 8.666/93 a autorizar o incremento da pena-base a título de circunstâncias do crime 5. Observa-se que a multa, da forma como fixada, não vulnerou o art. 99 da Lei n. 8.666/1993, mas antes lhe deu efetiva aplicação, em observância ao índice percentual mínimo trazido no § 1º do referido dispositivo legal, que é de 2% sobre o valor do contrato licitado. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no REsp n. 2.139.686/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 16/6/2025.) III.III PENA DE MULTA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE A SITUAÇÃO ECONÔMICA DO EMBARGADO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 49, 59, 60, 68 DO CP; ART. 315, §2º, I, III E IV, E ART. 387, II, DO CPP 8. PENA DE MULTA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE A SITUAÇÃO ECONÔMICA E PREJUÍZO. No aspecto, a pena pecuniária do crime licitatório foi alterada pelo Tribunal a quo, porque, com o advento da Lei n. 14.133/2021, aplicar-se-ia o preceito secundário do novel art. 337-F do Código Penal, em dias-multa, por ser mais favorável ao réu, sendo determinada em 132 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente. Ressaltou-se terem sido sopesadas as condições econômicas do recorrente, além do caráter pedagógico e ressocializante da medida, nos termos do art. 99, caput, e seus §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.666/93. Vejamos como a pena de multa foi disposta pelo sentenciante: "Em atenção ao disposto acima e às condições socioeconômicas do réu, estabeleço a multa de 2% do valor adjudicado pela empresa Sultepa em cada licitação na qual foi vencedora (CN n.º 426/08 e 427/08). Para a CN n.º 426/08 o valor adjudicado foi de R$ 13.372.246,77, e para a CN n.º 427/08 o valor adjudicado foi de R$ 27.601.304,38, correspondendo as multas, respectivamente, a R$ 267.444,93 e R$ 552.026,08. Face à continuidade delitiva, a pena de multa deve ter igual tratamento ao da pena privativa de liberdade, não incidindo a disposição contida no art. 72 do CP, a qual se restringe aos casos de concursos material e formal. Logo, aplico a pena pecuniária de R$ 552.026,08, por ser a mais grave, também aumentada da fração de 1/6 (um sexto), totalizando R$ 644.030,42." Vê-se, nos termos do decisório, que a pena de multa realmente observou os critérios dispostos na lei, levando em conta a situação socioeconômica do réu e o prejuízo causado, já que os valores estão atrelados às licitações nas quais sua empresa restou vencedora. Assim, não há como alterar as premissas adotadas pela Corte Regional, de que tem o réu condições financeiras para suportar o ônus monetário imposto, sob pena de incursão fático-probatória - Súmula n. 7/STJ. No sentido: PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8137/90. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE ENTREGA DE DCTF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ABSOLVIÇÃO. RESPONSABILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MAJORANTE DO ART. 12, I, DA LEI N. 8.137/90. INCIDÊNCIA. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. PENA DE MULTA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. As questões acerca da inconstitucionalidade da exigência de entrega de DCTF não foram objeto de debate pela instância ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento. Incide ao caso a Súmula n. 282/STF. 2. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergiram elementos suficientemente idôneos de prova, colhidos nas fases inquisitorial e judicial, aptos a manter a condenação do acusado pelo crime do artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90. Assim, rever os fundamentos utilizados pela Corte de origem, para concluir pela absolvição do acusado, tendo em vista a ausência de prova concreta para a condenação, sendo caso de responsabilidade penal objetiva, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ. 3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. 4. Quanto ao desvalor da culpabilidade, para fins de individualização da pena, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.322.083/MT, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023). No presente caso, a intenção do envolvido ao cometer o crime contra a ordem tributária foi apenas a alteração da sua situação fiscal para, com isso, obter certidão negativa de débitos para a sua empresa poder participar de licitação, o que justifica a consideração desfavorável da aludida circunstância. 5. A ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade, devendo o julgador pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça. 6. Considerando o silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência passaram a reconhecer como critérios ideais para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador, ou de 1/6, a incidir sobre a pena mínima (AgRg no HC n. 800.983/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 22/5/2023). Precedentes. 7. Na hipótese em análise, houve a exasperação da reprimenda inicial em 6 meses, o que representa 1/4 da pena mínima, o que se encontra devidamente fundamentado, estando tal aumento razoável e proporcional, não merecendo reforma. 8. Nos termos da jurisprudência desta Corte, para aplicação da causa especial de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/1990, deve ser considerado o dano no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) para tributos federais, aferido diante do seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa (ut, AgRg nos EDcl no REsp n. 1.997.086/PE, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, DJe de 16/6/2023). Na hipótese, perfeitamente aplicada a referida causa de aumento, considerando que o crédito tributário decorrente dos tributos sonegados totalizou R$ 906.080,70 (novecentos e seis mil e oitenta reais e setenta centavos), descontados juros e multa (e-STJ fl. 1374), o que nos leva a crer que, incluídos juros e multa, tal valor ultrapassa R$ 1.000.000,00. Ademais, perquirir se o importe sonegado ensejou grave dano à coletividade implica o necessário revolvimento do conteúdo probatório dos autos, providência que, como cediço, encontra óbice na Súmula n. 7/STJ. 9. Sobre a pena de multa, segundo a Corte originária, o valor unitário do dia-multa (1/4 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos) foi determinado de maneira condizente à situação socioeconômica do réu, tendo consignado que ele se trata de empresário, com defensor constituído. Assim, não há como alterar as premissas adotadas pela Corte Regional de que tem o réu condições financeiras para suportar o ônus monetário imposto, sob pena de incursão fático-probatória - Súmula n. 7/STJ. 10. No tocante à prestação pecuniária, fixada fundamentadamente pelo Tribunal de origem a prestação pecuniária, levando em conta as peculiaridades do caso e a renda mensal declarada pelo réu, o acolhimento do pleito de revisão da proporcionalidade da prestação pecuniária demandaria imprescindível reexame de matéria fático-probatória, inviável em recurso especial, ante o óbice da Súmula n. 7/STJ (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.686.679/PR, Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 13/8/2020) (AgRg no REsp n. 1.862.237/PR, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023.). 11. Salienta-se que é cabível a comprovação de impossibilidade de pagamento da prestação pecuniária perante o Juízo da execução criminal, que poderá até mesmo autorizar o parcelamento do valor de forma a permitir o pagamento pela acusada sem a privação do necessário à sua subsistência. Precedentes" (AgRg no REsp n. 1.866.787/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 5/5/2020) (AgRg no HC n. 764.125/SC, relator Ministro MESSOD AZULAY NETO, Quinta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 2/6/2023.) 12. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.215.868/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, DJe de 1/10/2024.) Ademais, é viável utilizar como base de cálculo para aplicação da multa o valor total dos contratos em que o réu saiu vitorioso ante a prática do crime licitatório (AgRg no REsp n. 2.040.788/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 25/4/2025). Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, nego-lhe provimento. Publique-se. Intimem-se. Relator JOEL ILAN PACIORNIK
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Tribunal: STJ | Data: 10/07/2025Tipo: IntimaçãoREsp 2139200/RS (2024/0145661-6) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK RECORRENTE : CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU ADVOGADOS : ALEXANDRE LIMA WUNDERLICH - RS036846 CAMILE ELTZ DE LIMA - RS058443 MARCELO AZAMBUJA ARAUJO - RS078969 RENATA MACHADO SARAIVA - RS076822 CRISTIANE PETRÓ - RS112949 RECORRENTE : MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO ADVOGADOS : PAULO OLIMPIO GOMES DE SOUZA - RS003230 CELSO SANCHEZ VILARDI - SP120797 FELIPE DREYER DE AVILA POZZEBON - RS030663 LEONEL ANNES KEUNECKE - RS057062 MICHELE DE ÁVILA RIVAROLLY LIMA - RS067390 RECORRENTE : ODILON ALBERTO MENEZES ADVOGADOS : CARLOS EDUARDO SCHEID - RS0055419 AMANDA CONRAD DE AZEVEDO - RS0084670 PAULO RICARDO SULIANI - RS0065611 PAOLA REIS - RS131079 RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CORRÉU : SERGIO LUIZ KLEIN CORRÉU : SERGIO LUIZ MALLMANN CORRÉU : CARLOS JULIO GARCIA MARTINEZ CORRÉU : RICARDO LINS PORTELLA NUNES CORRÉU : CAETANO ALFREDO SILVA PINHEIRO CORRÉU : PAULO FERNANDO BILLES GOETZE CORRÉU : MARIO RACHE FREITAS CORRÉU : WOODSON MARTINS DA SILVA CORRÉU : DEOCLECIO LUIS CAUMO DECISÃO Cuida-se de recurso especial interposto por ODILON ALBERTO MENEZES com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO em julgamento da Apelação Criminal n. 5021573-12.2014.4.04.7100/RS. Consta dos autos que, instruído o feito, sobreveio sentença (evento 1154, SENT1), julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido condenatório veiculado na denúncia para: a) ABSOLVER o réu DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; b) ABSOLVER o réu MÁRIO RACHE FREITAS da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, com base nos arts. 386, VII, do Código de Processo Penal, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; c) ABSOLVER o réu PAULO FERNANDO BILLES GOETZE da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; d) ABSOLVER o réu RICARDO LINS PORTELLA NUNES da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; e) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ KLEIN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; f) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ MALLMANN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; g) ABSOLVER o réu WOODSON MARTINS DA SILVA da prática do delito previsto no art. 333 do Código Penal, com base no art. 386, II, do Código de Processo Penal; h) CONDENAR o réu CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ como incurso nas sanções do art. 288 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime aberto, e multa de 11,6 (onze vírgula seis) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então; i) CONDENAR o réu CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 644.030,42 (seiscentos e quarenta e quatro mil trinta reais e quarenta e dois centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; j) CONDENAR o réu MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, art. 288, caput, do Código Penal e art. 333, parágrafo único do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 anos e 8 meses de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime semiaberto, e multa de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos) e 23,3 (vinte e três vírgula três) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; k) CONDENAR o réu ODILON ALBERTO MENEZES como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/90, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 147.900,93 (cento e quarenta e sete mil e novecentos reais e noventa e três centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base. Exceto quanto ao réu MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, todas as outras penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo tempo da condenação ou de limitação de final de semana, a ser definido pelo juízo da execução. b) prestação pecuniária, consistente no pagamento do valor de 20 (vinte) salários mínimos, para Carlos Júlio Garcia Martinez, e do valor de 40 (quarenta) salários mínimos cada um, para Cláudio Luiz da Silva Abreu e Odilon Alberto Menezes, considerado o valor do salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento. Em sede de apelação, o TRF a) reconheceu de ofício a extinção da punibilidade de Sérgio Mallmann, por conta da prescrição pela pena em abstrato para o delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93; b) reconheceu, de ofício, a extinção da punibilidade dos réus quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; c) deu parcial ao recurso de Carlos Martinez, para reconhecer a extinção da punibilidade quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; d) negou provimento aos recursos de Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu; e) deu parcial provimento ao recurso do MPF para reconhecer como negativa a culpabilidade dos réus Carlos Martinez, Marco Camino e Odilon e as circunstâncias de todos os crimes para todos os réus e elevar a fração da continuidade delitiva para os réus Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu. Embargos de declaração opostos por SERGIO LUIZ KLEIN, MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU e ODILON ALBERTO MENEZES foram desprovidos. Em sede de recurso especial (fls. 18503/18577), a defesa apontou violação de dispositivos de lei federal, relacionados às seguintes teses jurídicas: (i) Arts. 157, caput e §§, 315, §2.º, incs. II e III, 619 e 620 do Código de Processo Penal e arts. 1.º e 5.º da Lei n. 9.296/96 – A defesa alegou nulidade das interceptações telefônicas devido à ausência de fundamentação idônea para as sucessivas prorrogações, em desacordo com os parâmetros fixados pelo STF no julgamento do Tema 661. Sustentou a inobservância de foro por prerrogativa de função, uma vez que a captação de diálogos nos quais o recorrente figura como interlocutor ocorreu após o conhecimento sobre o envolvimento de parlamentares, configurando usurpação da competência do STF. Salienta que a decisão de prorrogação da quebra de sigilo, a partir da qual foram interceptadas as conversas do recorrente é de abril de 2008, ou seja, posterior à ciência de que se investigavam sujeitos com prerrogativas. (ii) Art. 59 do Código Penal e art. 315, §2.º, incs. I a III, do Código de Processo Penal – A defesa argumentou que houve ilegalidades na dosimetria das penas, especialmente por ausência de fundamentação para exasperação da pena-base. A culpabilidade e as circunstâncias do crime foram desqualificadas com base em elementos inerentes ao tipo penal e desacompanhados de devida comprovação, notadamente quando se atestou inexistência de dano ao erário. (iii) Arts. 315, §2.º, incs. II e III, 619 e 620 do Código de Processo Penal – A defesa alegou que as teses apresentadas não foram devidamente enfrentadas, mesmo com a oposição dos pertinentes embargos de declaração, configurando negativa de prestação jurisdicional. Requer o provimento do recurso para que sejam anuladas as interceptações telefônicas que fazem menção ao recorrente e determinado o seu desentranhamento, além de ajustar a dosimetria das penas ao mínimo legal. Contrarrazões do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 18616/18647). Admitido o recurso no TJ (fls. 18850/18851), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo não conhecimento ou desprovimento do recurso especial (fls. 18910/18929). É o relatório. Decido. Sobre as omissões, o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO não as reconheceu, sustentando que as diversas alegações preliminares de nulidade foram repisadas pela defesa, já tendo sido refutadas na sentença e no voto condutor do julgado, razão porque rejeitou os embargos declaratórios defensivos. O recorrente pretendeu nos aclaratórios a análise dos seguintes temas: 1) ilicitude dos diálogos interceptados em relação a si; 2) violação ao princípio constitucional do juiz natural; 3) indevida prorrogação por período superior ao previsto em lei (Tema 661 de repercussão geral) e; dosimetria da pena sem fundamentação concreta e com bis in idem. Vejamos como as controvérsias foram deslindadas pela Corte Regional no julgamento da apelação: "1.3. Competência do juízo federal de primeiro grau As defesas de Odilon e de Marco Antônio sustentaram a nulidade da ação penal decorrente da incompetência do juízo federal de primeira instância para investigar agentes públicos com prerrogativa de foro, identificados nas interceptações telefônicas ainda em março/2008 - no caso, o envolvimento de deputados estaduais e federais nos delitos. A tese não merece prosperar, tendo sido já enfrentada essa questão por este Tribunal, no âmbito da própria Operação "Solidária", nos termos dos seguintes julgados. (...) O STF também já se manifestou a esse respeito, quando lá foi instaurado o Inquérito nº 3.305, em razão da necessidade de redirecionamento da apuração ao então deputado federal Eliseu Padilha (processo 5021824-30.2014.4.04.7100/RS, evento 470, DEC1): (...) Ainda no Inq nº 3.305, o STF autorizou o compartilhamento das provas obtidas na Operação Solidária, incluindo a interceptação telefônica, para instrução de inquérito civil público e outras ações (Informativo n. 815, STF): (...) Como bem salientou o MPF em seu parecer, o envolvimento do parlamentar federal ocorreu fortuitamente, em meio a conversas com os reais investigados cujos terminais estavam sendo interceptados, o que é inerente a esse tipo de medida e até frequente em situações semelhantes. Uma vez verificada a ligação de pessoa com prerrogativa de foro, os autos foram encaminhados ao STF, já que a investigação inicial não era voltada a autoridades com foro especial. Portanto, inexiste qualquer nulidade quanto aos investigados que não são titulares da prerrogativa de função, inclusive porque a Suprema Corte já afastou suposta usurpação de competência quanto a investigados sem foro por prerrogativa de função, no bojo da Operação Rodin, conforme o seguinte acórdão: (...) Logo, não há falar em nulidade da prova - especialmente as interceptações telefônicas - em decorrência de violação de prerrogativa de foro do parlamentar federal quanto a réus investigados que não ostentam tal condição pessoal. Reitere-se, o fato de terem sido indiretamente captadas conversas com pessoas titulares de foro por prerrogativa de função, quando os alvos iniciais não eram esses indivíduos, não acarreta, por si só, nulidade da prova, sobretudo porque, no caso em tela, foram remetidos os autos ao STF assim que constatada a participação de Parlamentares Federais e Estaduais nos delitos investigados, prosseguindo as investigações na origem somente quanto aos demais envolvidos. Assim, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal de primeiro grau no que se refere aos réus e ao objeto desta ação penal. (...) 1.5. Interceptações telefônicas deferidas com base em denúncia anônima e investigação quanto ao réu Marco Antônio Camino. A alegação de que as interceptações telefônicas foram realizadas a partir de denúncia anônima já foram analisadas por este Tribunal no âmbito da Operação Solidária (TRF4, ACR 0033019- 10.2008.404.7100, Oitava Turma, Relator Nivaldo Brunoni, D. E. 23/02/2016) e foram novamente rechaçadas na decisão do evento 459 destes autos. Na citada decisão, o magistrado de primeiro grau asseverou que as interceptações telefônicas não foram deferidas exclusivamente com base em denúncia anônima, a qual veio a se somar aos primeiros indícios de prática criminosa levantados através de depoimentos prestados ao Ministério Público Federal no ano de 2007 (evento 459, DESPADEC1). Aliás, já é assentado na jurisprudência do STF ser possível dar início a apurações preliminares com amparo em denúncia anônima ou peça apócrifa a fim de verificar a sua plausibilidade e, em caso positivo, instaurar formalmente eventuais procedimentos investigatórios. Confira-se: (...) Na situação dos autos, não houve a alegada instauração de investigação ou o deferimento de medidas de quebras de sigilo, como as interceptações telefônicas, unicamente com base em denúncia anônima, o que se verifica pelo farto material probatório constante dos feitos relacionados e também na documentação apresentada quando do oferecimento da peça acusatória (evento 1). Ademais, o STJ, ao apreciar o HC nº 315.670, impetrado pela defesa de Marco Aurélio Soares Alba - cuja ação penal tramitou em apartado - reconheceu a licitude das interceptações telefônicas ora analisadas, nos seguintes termos: (...) A respeito da investigação e inclusão do réu Marco Antônio Camino, verifica-se nos autos que a interceptação telefônica inicialmente direcionada aos desvios de recursos destinados à merenda escolar revelou contatos de Francisco Fraga (alvo) com o réu, o qual ainda não havia sido identificado. Foi a partir daí que se passou a apurar a prática de diversos outros crimes, por isso, não procede a alegação defensiva de que não havia elementos para a inclusão de Marco Antônio nas investigações e nas interceptações telefônicas. Desse modo, não há nulidade a ser reconhecida nesse ponto. (...) 1.7. Excesso de prazo e sucessivas prorrogações das interceptações Em relação às sucessivas prorrogações, também rejeitada na decisão do evento 459.1, na decisão do evento 957.1 e novamente na sentença, cabe registrar que, em crimes como os ora analisados, em que estão envolvidos diversos indivíduos com atribuições distintas, o monitoramento das conversas telefônicas consubstancia-se, muitas vezes, no único instrumento capaz de identificar a natureza das relações entre os membros, os planos para a execução das práticas delituosas e as funções por eles desempenhadas, justificando a quebra de sigilo por período superior aos 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias, previsto na Lei nº 9.296/96 Nesse contexto, desde a primeira medida deferida pelo juízo, houve a devida fundamentação. E, especificamente quanto às sucessivas prorrogações, uníssona a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de sua adequação ao ordenamento pátrio, desde que devidamente fundamentadas e justificadas pelas peculiaridades do caso concreto - diversos investigados (restaram 18 inicialmente denunciados) e pluralidade de crimes -, como as citadas anteriormente, não havendo falar em inconstitucionalidade ou inconveniência da medida. (...) "(fls. 17967/17971) 2. MÉRITO 2.1. Crimes de licitação - art. 90 da Lei nº 8.666/1993. De início, cumpre tecer algumas considerações em relação às modificações legislativas atinentes aos crimes anteriormente inseridos na Lei de Licitações (Lei n. 8.666/1993) e que se encontram hoje no capítulo II-B do Código Penal ("Dos crimes em licitações e contratos administrativos"). Com o advento da Lei nº 14.133/2021, foram revogados os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666/93, passando a constar do Código Penal os delitos relativos a licitações e contratos administrativos, conforme explicado acima. Em sua maioria, os dispositivos anteriores foram replicados no CP com pequenas alterações terminológicas e também recrudescimento de penas. Especificamente no que se refere ao artigo 90 da Lei nº 8.666/93, foi ele transformado no artigo 337-F do CP, ocorrendo essa reprodução do tipo penal anterior, com modificações de alguns termos e aumento da sanção - este último ponto, evidentemente, não pode retroagir para prejudicar os réus. Pois bem, no tocante ao delito licitatório, o MPF acusou Marco Aurélio Soares Alba, Marco Antônio de Souza Camino, Odilon Alberto Menezes, Ricardo Lins Portella Nunes, Sérgio Luiz Mallmann, Sério Luiz Klein, Mário Rache de Freitas, Cláudio Luiz da Silva Abreu, Deoclécio Luiz Caumo, Caetano Alfredo Silva Pinheiro e Paulo Fernando Billes Goetze de frustrar, mediante prévio ajuste, no período de 17 de dezembro de 2007 a 30 de maio de 2008, o caráter competitivo das licitações na modalidade Concorrência nº 426/08, nº 427/08 e nº 428/08, realizadas pela CORSAN com recursos repassados pela União/Ministério das Cidades, com o intuito de obter vantagens decorrentes da adjudicação às empresas vencedoras dos certames (MAC ENGENHARIA LTDA e SULTEPA CONSTRUTORA E COMÉRCIO LTDA). Segundo a acusação, teria havido uma combinação entre os empresários para decidir quem venceria cada uma das licitações, mediante ajustes entre as empresas. Além disso, teriam sido incluídas cláusulas nos editais com o objetivo de direcionar a licitação, restringindo a competição. Mais especificamente, a denúncia narrou que as licitações nºs 426/08 e 427/08 foram adjudicadas à empresa Sultepa Construções e Comércio Ltda (nos valores de R$ 13.372.246,77 e R$ 27.601.304,38, respectivamente) e a licitação nº 428/08 à empresa MAC Engenharia Ltda (no valor de R$ 35.462.971,91) em decorrência da atuação do então Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento (MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, réu na ação penal n. 2009.04.00.025279-0), agentes públicos da CORSAN (MÁRIO RACHE FREITAS, Presidente da entidade, SÉRGIO LUIZ KLEIN, Diretor de Expansão, e SÉRGIO LUIZ MALLMANN, Superintendente de Projetos e Obras), e empresários (MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO, da MAC Engenharia Ltda.; CLÁUDIO LUIZ SILVA ABREU e RICARDO LINS PORTELLA NUNES, da Construtora Sultepa S/A e Sultepa Construções e Comércio Ltda.; CAETANO ALFREDO SILVA PINHEIRO, Diretor do SICEPOT; ODILON ALBERTO MENEZES, da CSL Construtora Sacchi Ltda e Presidente da AGEOS; e PAULO FERNANDO BILLES GOETZE, da Goetze Lobato Engenharia Ltda). Os editais das licitações foram publicados em 28/03/2008. Em primeira instância, foram condenados os réus MARCO Antônio, ODILON E CLAUDIO e foram absolvidos os réus DEOCLECIO, Mário, PAULO, RICARDO, Sérgio KLEIN E Sérgio MALLMANN. O MPF recorreu pedindo a condenação de DEOCLECIO, Mário, PAULO, RICARDO, Sérgio KLEIN E Sérgio MALLMANN (este último com punibilidade extinta por conta da prescrição, conforme item 1.1 deste voto), enquanto as defesas dos demais réus apelaram requerendo a absolvição. Em relação à materialidade delitiva e à fraude do caráter competitivo da licitação em si, a sentença de primeiro grau contou com a seguinte fundamentação (evento 1154, SENT1): II.2.1 - Materialidade As licitações tratadas nesta ação penal são as Concorrências Públicas nºs 426/08, 427/08 e 428/08. II.2.1. a) Elementos de prova que embasam a materialidade do delito descrito no fato 1. 1) Contratos de Repasse n.º 0218519-60/2007, 0224353-90/2007 e 0224352-86/2007, celebrados em 28/12/2007, entre a União/Ministério das Cidades, representada pela Caixa Econômica Federal, o Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, e a Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN, objetivando a execução de ações relativas aos serviços urbanos de água e esgoto (evento 1088, OUT5, págs. 41 a 44. 2) No âmbito do Contrato de Repasse nº 0218519-60/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 426/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto, Estação Elevatória de Esgoto - ELE e Emissário por Recalque - Lote II, na localidade de Canoas/RS. O valor da licitação era de R$ 13.372.246,77, com data de abertura em 08/05/2008 (edital da concorrência nº 426/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 176/08 firmado entre a CORSAN e a SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, vencedora do certame; e termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0218519-60/2007, tudo no evento 1088, OUT5, págs. 1 a 44 e OUT6). 3) No âmbito do Contrato de Repasse nº 0224353-90/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 427/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto Sanitário, Estações Elevatórias de Esgoto - ELE e Linhas de Recalque - Lote II, nas localidades de Alvorada e Viamão/RS. O valor da licitação era de R$ 27.751.095,82, com data de abertura em 09/05/2008 (edital da concorrência nº 427/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 168/08 firmado entre a CORSAN e a SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, vencedora do certame; termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0224353-90/2007, tudo no evento 1088, OUT13, OUT14 e OUT15). 4) No âmbito do Contrato de Repasse nº 0224352-86/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 428/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto Sanitário, Estações Elevatórias de Esgoto - ELE-1 - e Linhas de Recalque ELE-1 - Lote II, nos municípios de Esteio/Sapucaia do Sul/RS. O valor da licitação era de R$ 35.647.282,55, com data de abertura em 09/05/2008 (edital da concorrência nº 428/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 167/08 firmado entre a CORSAN e a MAC ENGENHARIA LTDA, vencedora do certame; termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0224352-86/2007, tudo no evento 1088, OUT16, OUT17, OUT18, OUT19 e OUT20). 5) Laudos n.º 598/2011 e 40/2012 – INC/DITEC/DPF, referentes à Concorrência 426/2008 (evento 1, APINQPOL67, págs. 14 a 51 e INQ11, págs. 32 a 45). 6) Laudos n.º 094/2011 e 162/2012 – UTEC/DPF/SMA/RS, referentes à Concorrência 427/2008 (evento 1, APINQPOL66, págs. 3 a 39; APINQPOL67, págs. 1 a 13 e INQ7, págs. 124 a 132 e INQ8, págs. 1 a 44). 7) Laudos n.º 462/2011 e 1582/2011 – INC/DITEC/DPF, referentes à Concorrência 428/2008 (evento 1, APINQPOL63, págs. 3 a 44; APINQPOL64, págs. 1 a 62 e INQ8, págs. 46 a 68). 8) Relatório de Demandas Especiais de n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria Geral da União, que confirma a existência de cláusulas restritivas nos editais das concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 (evento 1, INQ11, págs. 118 a 120 e INQ12, págs. 1 a 70). 9) Áudios de interceptações telefônicas e suas transcrições (Auto Circunstanciado nº 04/2008, no evento 1, AP-INQPOL19, págs. 87/88; 105/106). II.2.1. b) Exame da restritividade das cláusulas. Aspecto fundamental à identificação da materialidade delitiva do crime de fraude às licitações é a identificação da existência ou não das cláusulas restritivas ao caráter competitivo das licitações, o que pode apontar para a manipulação das exigências dos editais pelos denunciados. Em 06 de maio de 2008, antes das datas de abertura dos editais, as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais. Quanto às Concorrências 426/2008 e 427/2008, as alegações principais das empresas Goetze Lobato Engenharia Ltda, Contrutora Pelotense Ltda e Saenge Engenharia de Saneamento e Edificações Ltda (evento 249, OUT70 a OUT72) foram: a) ausência de prazo mínimo instituído em lei para a elaboração da proposta, uma vez que, segundo a impetrante (Goetze Lobato Engenharia Ltda), os projetos básicos somente teriam sido disponibilizados no dia 20/04/2008 no endereço estipulado no edital; Afrontaria o art. 21 da Lei n.º 8.666/93, que estabelece prazo mínimo de trinta dias a ser disponibilizado para que os licitantes interessados elaborem suas propostas. b) incorporação de obras de natureza distintas em um mesmo procedimento licitatório, ferindo o previsto no artigo 23 da Lei n.º 8.666/93; c) aplicação de exigências não previstas em lei para comprovação de capacidade técnica da empresa licitante (evento 1, AP_INQ_POL67). Todos os recursos de impugnação apresentados foram indeferidos pela Comissão de Licitação no dia seguinte à data de seus respectivos protocolos, sem apresentação de qualquer embasamento legal. No Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria-Geral da União, apurou-se que o edital da Concorrência Pública n.º 426/08 teve a inclusão de cláusulas não previstas na Lei Federal de Licitações, constituindo restrição ao caráter competitivo da licitação e, por consequência, irregulares. Há restrições quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado, não prevista no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93, e, desta forma, vedada) e exigências restritivas quanto à qualificação econômico- financeira das licitantes, pois o item 2.2.5, alínea "e", exige das licitantes a comprovação de Capital Social igual ou superior a R$ 1.344.930,00, o que corresponde a 10% do valor previsto para a contratação, sendo que a alínea "f" exige a apresentação de Garantia de Proposta no valor de R$ 134.493,00, que deveriam ser alternativas, conforme disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93. No mesmo relatório são apontadas outras irregularidades: a) a limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); b) de que houve restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 426/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93; como o preço de contratação alcançou valores da ordem de 13,5 milhões de reais, certamente haveria interesse de empresas de outros Estados em participar do certame, desde que, evidentemente, tomassem conhecimento da realização da Concorrência, sendo o Diário Oficial da União o único meio de divulgação, dentre os legalmente previstos, que alcança outros Estados da Federação; b) contratação de obra de engenharia, por meio da Concorrência Pública n.º 426/08, com custos unitários superiores aos de mercado, em prejuízo estimado de R$ 1.171.336,32; o item Recomposição de asfalto CBUQ, espessura 8 cm, teve preço unitário contratado de 71,73/m2, enquanto o preço referencial de mercado era de 50,45/ m2; c) houve a habilitação indevida da empresa vencedora da Concorrência Pública n.º 426/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda., pois os atestados técnicos apresentados (para demonstrar capacidade técnico-operacional) não pertenciam a essa empresa, e sim à SULTEPA S. A. Para legitimar a utilização do acervo técnico da SULTEPA S. A., as empresas firmaram entre si um contrato de assistência técnica (evento 1, INQ12, pág. 13 a 18). O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 598/2011 (evento 1, AP_INQ_POL67, págs. 14 a 51) concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 426/08: a) por meio de exigências desnecessárias, como a exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 tem rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional); b) pela limitação de uma quantidade máxima de dois atestados para a comprovação dos serviços e c) dos oito serviços exigidos na alínea "d" do Capítulo II, do item 2.2.4 do edital, cinco são tecnicamente irrelevantes (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de escoramento contínuo de madeira). O laudo concluiu também que o contrato foi celebrado a preço compatível com preços de referência oficiais à época e região, contudo, constatou-se que esses preços de referência estavam consideravelmente acima do preço competitivo de mercado. As propostas de preço das duas primeiras colocadas eram muito próximos do teto estabelecido pela CORSAN (R$ 13.449.308,37). E a proposta vencedora (R$ 13.372.246,77) tinha preço consideravelmente acima de um preço competitivo de mercado. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 40/2012, com o mesmo objeto do Laudo n.º 598/2011 (evento 1, INQ11, págs. 32 a 45), concluiu que os exames realizados não permitem confirmar a hipótese de dano ao erário na execução da obra periciada. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 094/2011 – UTEC/DPF/SMA/RS concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 427/08, de Alvorada/RS e Viamão/RS, lote II (evento 1, AP-INQPOL66, págs. 3-39 e AP-INQPOL67, págs. 1-13), por meio de exigências desnecessárias e sem o devido respaldo legal, como a exigência de comprovação de experiência por parte dos licitantes em no máximo dois atestados; a exigência de qualificação técnico operacional elencadas na alínea "d" do item 2.2.4 do edital, dos oito serviços exigidos, cinco são tecnicamente irrelevantes. Na CN 427/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda. foi considerada vencedora com uma proposta de R$ 27.601.304,38, montante 0,54% inferior ao valor máximo admitido no edital. A diferença percentual entre a proposta vencedora e a segunda colocada é também irrizória, de quatro décimos de milésimo, correspondendo a R$ 10.944,62. O Laudo concluiu que os preços globais contratados mostraram-se compatíveis com os preços globais de mercado da região à época. Porém, observou que embora não tenha havido sobrepreço global, cabe esclarecer ainda que estas variações pontuais de preços unitários, aliadas a modificações de quantidades ao longo da execução do contrato, podem dar causa a ocorrência de jogo de planilha, fenômeno este caracterizado pelo desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em desfavor da Administração Pública (evento 1, AP-INQPOL67, págs 2 a 3). O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 162/2011 (INQ7, págs. 124 a 132 e INQ8, págs. 1 a 44), que tem o mesmo objeto do Laudo n.º 094/2011, concluiu que não foram constatados elementos que pudessem fundamentar a tese de dano ao erário por ocasião da execução da obra sob análise. O Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 apurou restrição à competitividade d a Concorrência Pública n.º 427/08, por: a) exigências restritivas quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado), o que não é previsto no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93; b) exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 tem rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional); c) limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); d) exigências restritivas quanto à qualificação econômico-financeira das licitantes, pois o item 2.2.5, alínea "e", exige das licitantes a comprovação de Capital Social igual ou superior a R$ 2.775.109,00, o que corresponde a 10% do valor previsto para a contratação, sendo que a alínea "f" exige a apresentação de Garantia de Proposta no alor de R$ 277.510,00, que deveriam ser alternativas, conforme disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93; e) restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 427/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93, especialmente em se considerando que a obra alcançou valores na ordem de 27,5 milhões de reais; f) indeferimento indevido de pedidos de impugnação do edital, pela Superintendência de Obras da CORSAN, sem qualquer fundamentação; nenhuma das três empresas impugnantes pôde participar da Concorrência Pública n.º 427/08, o que demontra a efetiva restrição ao caráter competitivo da licitação; g) houve a habilitação indevida da empresa vencedora da Concorrência Pública n.º 427/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda., pois os atestados técnicos apresentados (para demonstrar capacidade técnico-operacional) não pertenciam a essa empresa, e sim à SULTEPA S. A. Para legitimar a utilização do acervo técnico da SULTEPA S. A., as empresas firmaram entre si um contrato de assistência técnica; h) contratação de obra de engenharia, por meio da Concorrência Pública n.º 427/08, com custos unitários superiores aos de mercado, em prejuízo estimado de R$ 350.198,64; o item Recomposição de asfalto CBUQ, espessura 8 cm, teve preço unitário contratado de 67,28/m2, enquanto o preço referencial de mercado era de 50,45 m2 (evento 1, INQ12). O Laudo n.º 462/2011, referente à Concorrência 428/2008 (evento 1, APINQPOL63, págs. 3 a 44; APINQPOL64, págs. 1 a 62) concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 428/08: a) por meio de exigências desnecessárias, enquanto as exigências de qualificação técnica formuladas passaram ao largo da parte mais complexa dessa obra, qual seja, a estação elevatória de esgotos, que demandam experiência e mão de obra especializada na sua implantação; b) pela limitação de uma quantidade máxima de dois atestados a comprovação dos serviços e c) dos oito serviços exigidos na alínea "d" do Capítulo II, do item 2.2.4 do edital, cinco são tecnicamente irrelevantes (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de execução de escoramento metálico). O laudo concluiu também que o contrato foi celebrado a preço compatível com preços de referência oficiais à época e região, contudo, constatou-se que esses preços de referência estavam consideravelmente acima do preço competitivo de mercado. A empresa vencedora foi a MAC Engenharia Ltda., que ofereceu proposta de R$ 35.462.971,91; após aditamentos o valor passou para R$ 43.995.457,82. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 1582/2011 – INC/DITEC/DPF, complementar ao Laudo n.º 462/2011 (INQ8, págs. 46 a 68), concluiu que não foram encontradas evidências de dano ao Erário nos exames relatados na peça. O Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 ainda apurou restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 428/08, pela: a) inclusão de exigências ilegais no instrumento convocatório, como condição para participar do certame: exigências restritivas quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado), o que não é previsto no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93; b) a exigência do subitem 2.2.4, alínea "d", de que as licitantes deveriam apresentar atestados de capacidade técnica comprovando a execução de diversos serviços afetos à obra a ser executada, dentre eles constando um pouco relevante do ponto de vista quantitativo (0,43% do valor orçado da obra), que seria o serviço de travessia subterrânea pelo método não destrutivo de 1000 mm, com comprimento mínimo de 25 metros; c) a exigência de apresentação, pelas licitantes, (item 2.2.4, alínea "d"), de licença de operação de usina de asfalto, expedida pela FEPAM em nome da licitante, ou a apresentação de contrato de fornecimento de concreto asfáltico por usina licenciada pela FEPAM, tornando-se neste caso igualmente necessária a apresentação da licença de operação expedida por esse órgão ambiental (exigência considerada ilegal pelo TCU, conforme já comentado acima); d) a limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico- operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); e) exigências restritivas quanto à qualificação econômico-financeira das licitantes, em infração ao disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93, como já tratado; f) restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 428/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93, principalmente considerando que essas obras conjuntamente alcançaram o valor aproximado de 43 milhões de reais; g) contratação de obra com custos unitários superiores aos de mercado, num prejuízo estimado de R$ 3.444.323,04 (evento 1, INQ12). Merecem um exame mais acurado as principais exigências editalícias que possuiriam a característica de restrição à competitividade dos certames. Quanto à exigência de "execução de serviços tecnicamente irrelevantes" dentre as exigências de qualificação técnico operacional (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de execução de escoramento metálico), a defesa bem afastou a questão que diz respeito ao reaterro com areia, cumprindo referir que o próprio laudo 598/2011 apontou que a exigência do uso de areia é imposição do Decreto n.º 231/99 da Prefeitura Municipal de Canoas. Sérgio Mallmann, quanto à utilização de areia nas valas, por imposição dos municípios, referiu que soube que os demais municípios, à exceção de Canoas (que já exigia há mais tempo) passaram a impor, após a finalização da licitação, a utilização de areia para o reaterro das valas; que quanto a essa exigência, apesar de não ter tido nenhuma participação, mas tendo em conta sua experiência de mais de 30 anos na área de saneamento, classifica como "no mínimo estranha" (evento 1, INQ11, pág. 82). Ebrael Schena, engenheiro de produção da MAC Engenharia entre 2008 e 2012, confirmou que houve um problema que parou a obra em virtude da exigência de reaterro das valas com areia e não com material escavado, o que foi comentado em reuniões da empresa. A necessidade de utilização de areia acarretou em aumento do custo de obra. Referiu que geralmente é uma exigência dos municípios para evitar o adensamento nas valas, então os municípios geralmente exigem areia, a maioria deles cobra isso (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 44/46). Joe José David, engenheiro civil, trabalhou na MAC Engenharia de 1989 a 2014 como gerente de contratos, confirmou que a utilização de areia no reaterro das valas ocasionou um aumento no custo da obra, pois teriam que utilizar um material importado. E que as prefeituras, além de Esteio e Sapucaia, têm essa exigência porque, se for utilizado o material escavado, ocorre o adensamento das valas; então é exigido o reaterro com material adequado, no caso areia, para uma compactação melhor, evitando o adensamento da vala (evento 1067, pág. 130 a 364). Marcos Picarelli Ferreira, que à época dos fatos era diretor de obras da construtora SULTEPA, referiu que havia um decreto municipal em Canoas que obrigava a CORSAN a colocar areia nas valas (evento 1067, pág. 208). Quanto aos demais pontos, não obstante a perícia os tenha considerado irrelevantes, não parecem ser exigências de realização de serviços de alta complexidade, que tivessem o condão de efetivamente intimidar a participação das empresas e restringir o caráter competitivo do certame. Quanto à "não publicação do aviso no Diário Oficial da União", que foi objeto de impugnação das empresas, com efeito, vai de encontro com inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93 que assim estabelece: Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: (...) I - no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais Iusra Jabbar Torres foi a única responsável por montar as pastas de documentos para todas as licitações da GEL Engenharia, entre 1992 e 2014. Quanto à Concorrência 426/08, sustentou que eles não tiveram disponibilizados todos os elementos dentro do prazo entendido adequado para fazer um orçamento competitivo; nesse caso específico foi de 18 dias, desde a disponibilização dos projetos; a CORSAN não atendeu o pedido de prorrogação de prazo feito pela empresa; logo, a empresa impugnou o edital, o que foi julgado improcedente (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 108/107). O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia, no departamento de orçamentos e propostas, disse que, no caso específico da Concorrência 426/08, o edital foi publicado nos trinta dias de antecedência, mas os elementos necessários, principalmente os projetos, foram todos disponibilizados quando faltavam 18 dias para entrega da licitação. Não tiveram o tempo necessário para fazer um estudo detalhado. Foi ele mesmo quem fez o orçamento da proposta e apurou a proposta, fez a cotação de preços de materiais e tudo mais. Levou a proposta para assinatura do Paulo Goetze, o avisando que, em função do pouco tempo que tiveram para orçar essa obra, estaria entrando no preço teto dela. Toda vez que tem uma obra que seja estratégica ou que tenha um montante muito maior de valor ou que seja uma obra muito mais interessante para a GEL, um dos dois sócios acabava participando do fechamento desses preços. No entanto, em relação à licitação 426/08, não aconteceu isso; o preço foi fechado por Régis Lobato, que tinha autonomia para fechar preços, era gerente comercial e nenhum dos dois sócios participou; como disse anteriormente, levou a proposta para o Paulo assinar, pois era ele quem estava na empresa naquele dia. Explicou que tiveram pouco tempo para executar, tinham uma situação de que a obra era em Porto Alegre, havia uma logística complicada para a mobilização de pessoal, de material e equipamentos. Então tudo isso é ponderado naquela matriz de risco, chegando à conclusão de que para essa obra, não teria como dar um preço menor em função de todos esses fatores. Informou, ainda, que venceram 26 licitações nas quais participaram próximo ao preço teto (evento 1067, págs. 345 a 348). De fato, como os preços das contratações das três licitações alcançou valores que ultrapassam 76 milhões de reais, certamente empresas de outros Estados foram prejudicadas por não tomarem conhecimento das Concorrências através do Diário Oficial da União, o único meio de divulgação, dentre os legalmente previstos, que alcança outros Estados da Federação. Quanto à "exigência de usina de asfalto instalada", o Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria-Geral da União destacou que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, pelos Acórdãos n.º 1.578/2005 - Plenário e n.º 800/2008 - Plenário, considera restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo, na fase de habilitação, que a empresa licitante já possua usina de asfalto instalada, ou, em caso negativo, que apresente declaração de terceiros detentores de usina. Segundo o Relatório, essa exigência é condição restritiva, especialmente para empresas de fora do Estado, infringindo os artigos 3.º, § 1.º, inciso I, e 30, § 6.º, ambos da Lei n.º 8.666/1993 (evento 1, INQ12), que assim estabeleciam, na época do relatório: Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. § 1o É vedado aos agentes públicos: I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato; [...] Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: I - registro ou inscrição na entidade profissional competente; II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso. [...] § 6o As exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua disponibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e de localização prévia. Embora o Relatório da CGU tenha impugnado a exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 teria rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional), o réu Cláudio Luiz da Silva Abreu (evento 1068, págs. 34/35), que era Diretor da SULTEPA à época, alegou que trata-se de questão superada, podendo ser exigido atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, tendo o TCU sumulado a matéria, citando a Súmula 263 do TCU, que dispõe o seguinte: Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado. Cláudio Luiz da Silva Abreu assim comentou a respeito dos laudos periciais : Sr. Cláudio Luiz da Silva Abreu – Eu tenho sim. Os laudos periciais, na parte que lhe é técnico e científico, que é mensurado, que é medido, ele... Os peritos furaram a espessura da obra, calcularam as quantidades executadas, medidas e pagas e chegaram à conclusão de que não apontaram danos ao erário, de que as espessuras aplicadas na obra estavam corretas e que as quantidades pagas eram realmente as quantidades executadas. Então, no tocante, na parte que eu chamaria de objetiva, do laudo pericial, os laudos absolvem totalmente as empresas de qualquer irregularidade, não encontrou nenhuma irregularidade e eu vi num depoimento, em um dos depoimentos, de um dos peritos, dizendo que esse foi um dos trabalhos mais complexos e mais completos que eles fizeram, e não encontraram nada. Nada de irregular. Mas a parte que eu chamaria de subjetiva do laudo, a parte em que se pergunta o terceiro quesito. Aliás, o primeiro quesito, “houve restritividade do edital?” O perito respondeu: “Sim.” E aqui, me parece que ele incorreu em, pelo menos, cinco equívocos, Excelência. Cinco equívocos. Se o senhor me permite, eu gostaria de declinar. O primeiro equívoco, Excelência, o perito considerou que não poderia, esse edital, exigir atestado de capacidade técnica e operacional. Por quê? Porque na lei 8.883 teria sido vetado o artigo que possibilitaria tal exigência. Não procede, Excelência. Não procede. Em favor do perito, pode-se dizer que havia uma corrente de pensamento que pensava assim, há muitos anos atrás. Mas, hoje, esse pensamento está pacificado de que pode e deve ser exigido atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, além do atestado de capacidade técnica e profissional. Isso, segundo a doutrina majoritária, segundo a júris farta, a jurisprudência e vários e vários acórdãos do TCU nesse sentido. O TCU, de tantos acórdãos que fez, ele resolveu sumular a matéria, fez a súmula 263, pacificando esse assunto. Então, eu acho que esse foi o primeiro equívoco da perícia ao analisar a resolutividade do edital. Sobre o fato de que 31 empresas retiraram o edital e não participaram da licitação, Cláudio Abreu alegou que, quase com certeza, o fator preço teve fundamental importância nessa decisão. Porque, na lista das empresas que retiraram o edital, tem empresas paulistas, tem empresas de outros estados, paranaenses, tem empresas de outros estados, que, certamente, são empresas de médio ou grande porte. Que teriam as condições de participar, mas não participaram. Porque, se o preço já é apertado para nós aqui, os caboclos da aldeia, como se diz, imagina para uma firma que vem de fora, para se instalar aqui, com acampamento, contratar engenheiro, contratar tudo, do zero aqui. Então, isto, eu diria que o fator preço foi o que afugentou a participação da maioria das empresas. A denúncia trata de outra maneira. A denúncia trata com a restritividade do edital, que teria afastado essas empresas. Eu não concordo com isso. Contudo, o próprio TCU considerou restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo, na fase de habilitação, que a empresa licitante "já possua usina de asfalto instalada", ou seja, trata-se de questão específica, e não da exigência de "execução de quantitativos mínimos" em obras ou serviços, conforme sumulado, e tampouco de exigência de atestado de capacidade técnica e operacional. Rogério Araújo de Souza, engenheiro que trabalhou na MAC, referiu que a exigência de licença de operação de usina de asfalto expedida pela FEPAM em nome da licitante ou a apresentação de contrato de fornecimento de concreto asfáltico por usina licenciado também pela FEPAM era aberta, e não restritiva, já que havia por volta de 30 usinas de asfalto; que a limitação do número de atestados para comprovação da capacidade operacional das licitantes a um atestado ou no máximo 2, e exigência de comprovação de capital social igual ou superior a 10% do valor prevista para a contratação eram "usuais"; que os editais do DNIT eram mais rigorosos do que os da CORSAN (evento 1067, págs. 298/299) O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia, no departamento de orçamentos e propostas, referiu que o edital exigia que apresentassem um documento de que teriam disponível uma usina de asfalto para atender a essa obra, muito embora o custo desse asfalto não fosse tão impactante nessa obra, mas era uma exigência do edital. Então precisaram, na época, correr atrás e tentar obter uma autorização de uma dessas empresas, de usinas de asfalto, para que pudessem participar da licitação (evento 1067, pág. 348). Não há como afastar-se a restritividade da cláusula que prevê tal exigência, que ultrapassa o rol taxativo do artigo 30 acerca dos documentos relativos à qualificação técnica, bem como ultrapassa a "exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes", sendo um dos pontos dos editais que pode ter afastado a concorrência de outras empresas. Quanto à "exigência de execução de travessia pelo método não destrutivo", houve impugnação da empresa Construtora Pelotense Ltda. ao Edital de Concorrência n.º 426/08. A empresa insurgiu- se quanto à exigência editalícia de “execução de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo de 400 mm, com comprimento mínimo de 25 m", sob o argumento de que “poucas empresas possuem atestados de execução de serviço de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo, já que se trata de serviço especializado, usualmente terceirizado (evento 249, OUT70, págs. 17/19). Paulo Fernando Billes Goetze informou que poucas empresas no Brasil possuíam a máquina específica (importada dos Estados Unidos) com tecnologia para executar tubulações por métodos não destrutivos. Ele afirmou que, pelo que sabe, na época, máquina igual a que eles tinham somente existia uma (evento 1069, pág. 15). SÉRGIO LUIZ MALLMANN, Superintendente de Projetos e Obras da CORSAN na época dos fatos, referiu, quanto à exigência de comprovação de execução de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo de 400 mm, com comprimento mínimo de 25m, que não se recordava especificamente do mesmo; no entanto, teve que analisar essa questão quando deu entrada na CORSAN uma solicitação de esclarecimentos pela Controladoria-Geral da União; que essa exigência provavelmente tenha sido determinada pela Diretoria de Expansão ou pela própria presidência da CORSAN, pois provavelmente foi considerada exigência importante para o certame (evento 1, INQ11, pág. 81). Guilherme Gonçalves Almeida, engenheiro civil, ouvido como testemunha, explicou como é o método não destrutivo: O não destrutivo, para instalar uma rede do A até o pronto B, se um poço de ataque que é uma escavação localizada no ponto A mesmo sendo visto do ponto B e com uma máquina, um equipamento instalado nesse ponto A, uma sonda vai até outro lado e puxa a tubulação que vai ficar instalada. Não se interrompe o trânsito, não se abre, não tem escavação, tem menos interrupção, não existe interrupção do tráfico; em compensação, tem vários riscos no sentido de que o conhecimento do que tem no subsolo vem de cadastro, projetos existentes e de equipamentos que se fazem a sondagem; então é um serviço muito mais técnico. (...) é um serviço de muita responsabilidade, porque problemas na execução podem causar explosão em um gasoduto, um rompimento de via de formação (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 65/66). A testemunha Márcio Ferreto, que trabalha na SULTEPA desde 1989, alegou que nas obras de Alvorada não houve a necessidade de emprego de método não destrutivo, mas nas de Canoas sim. Como Canoas já tinha uma estação de tratamento implantada e canais, rodovias, Trensurb, uma série de interferências, a solução para fazer a interligação é o uso de travessias não destrutivas; é uma solução técnica, econômica e rápida (evento 1067, pág. 200). O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia disse que a GEL executou uma obra em São Paulo e, salvo engano, em 2006 a empresa adquiriu um equipamento americano para fazer serviço pelo método não destrutivo, então possivelmente já tinham esse equipamento em 2008. Mas respondeu que não é muito comum; que no Brasil devem ter três ou quatro empresas de saneamento que possuem equipamentos similares a esse, até mesmo na data atual. Existem outros equipamentos mais simples que também fazem o método não-destrutivo, porém com diâmetros menores, que é o chamado Navigator, que é um equipamento diferente do equipamento que a GEL possui (evento 1067, págs. 362 a 363). Se, por um lado, as defesas dos réus demontraram a adequação da exigência de método não destrutivo para as obras nos municípios de Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul, em virtude da existência de rodovias movimentadas, Trensurb, e uma série de outras interferências, por outro, fica a questão relativa à exigência de características específicas (e, por consequência, de equipamento mais raro) da não destrutividade. De qualquer forma, e sopesada a sua não exigência em casos de editais referentes outras áreas, há que se concluir que tais cláusulas dos editais das Concorrências n.º 426/2008 e 428/2008 não são claramente restritivas à competitividade dos certames, por serem justificáveis pelas circunstâncias físicas. Quanto à "exigência de no máximo dois atestados", houve impugnação da Construtora Pelotense Ltda., sustentando a ilegalidade da exigência de comprovação de experiência por parte dos licitantes em no máximo dois atestados, alegando ter em seu currículo a execução de todos os serviços elencados em quantidades muito superiores às exigidas, porém em mais de dois atestados. CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU afirmou que eram dois atestados por item; então se eram sete exigências, poderiam ser admitidos 14 atestados; se fossem oito, seriam 16; os editais da CORSAN já eram assim antes. Continuaram assim depois e foram feitos assim, durante essa licitação (evento 1068, pág. 35), sendo que na Concorrência nº 426/08, a empresa Mac Engenharia Ltda foi habilitada apresentando três atestados; na Concorrência nº 427/08, as empresas Marco Projetos e Sultepa Construções e Comércio Ltda foram habilitadas apresentando quatro atestados; na Concorrência nº 428/08, a empresa Sultepa Construções e Comércio Ltda foi habilitada apresentando quatro atestados. Contudo, conforme referiu o MPF, a questão (possibilidade de até dois atestados para cada item) não estava clara no edital e não foi esclarecida para as empresas interessadas nos certames licitatórios, o que possivelmente as impediu de oferecer proposta. Esta seria mais uma cláusula restritiva. Quanto aos "custos unitários superiores aos de mercado", Cláudio Luiz Da Silva Abreu, em Juízo, sustentou que no edital da CORSAN o preço de CBUQ era R$ 73,13, salvo engano, por m², mas no diálogo está se falando de R$ 58,00 a R$ 90,00. Nunca foi R$ 58,00 e nunca chegou a R$ 90,00. Mas esse preço de R$ 73,13, ele não foi feito para essas três licitações que estão em pauta, a 426, 427 e 428. Esse preço era o praticado já para a CORSAN. Licitações anteriores adotaram esse mesmo preço (evento 1068, TERMOTRANSCDEP1, págs. 15 a 24). A testemunha Dirceu Guimarães dos Passos afirmou que era bastante comum as empresas oferecerem propostas mais próximas do preço teto, do preço oficial dos órgão contratantes, em função do aquecimento do mercado que se apresentava na época. Quanto ao diálogo de 05/03/2008, referiu que CBUQ, laje de grês e areia, são serviços comuns que são corriqueiros a qualquer tipo de obra. Mas os preços que são mencionados ali não são, não têm a ver com os preços praticados pela CORSAN. Primeiro porque no edital da CORSAN, o preço de CBUQ era R$ 73,13, salvo engano, por m², mas no diálogo está se falando de R$ 58,00 a R$ 90,00. Nunca foi R$ 58,00 e nunca chegou a R$ 90,00. Mas esse preço de R$ 73,13, ele não foi feito para essas três licitações que estão em pauta, a 426, 427 e 428. Esse preço era o praticado já para a CORSAN. Licitações anteriores adotaram esse mesmo preço (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 39/40). Algumas testemunhas, como André Leufermann, engenheiro e sócio-diretor da Brasília Guaíba Obras Públicas, comentaram que os preços praticados pela CORSAN nunca eram bons para o mercado, eram muito baixos, e não permitiam a rentabilidade esperada pelas empresas (evento 1067, pág. 20). O réu ODILON afirmou que os preços propostos pela CORSAN eram considerados defasados pela AGEOS (evento 1, INQ7, pág. 27). DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO, quanto ao diálogo do dia 05/03/08, às 08h34min, entre Marco Camino e Odilon Menezes, afirmou que em algumas ocasiões se reuniu com Odilon, inclusive para tratar sobre preços unitários, mas não tratou nada com ele acerca das obras da CORSAN; perguntado sobre a elevação de preços de alguns itens mencionados como CBUQ, laje de grês e areia, esclareceu que a AGEOS exerce um controle sobre os preços praticados no mercado, no intuito de garantir que os mesmos estejam sempre atualizados; mas apenas sugere a atualização, não tem o poder de garanti-la (evento 1, INQ7, pág. 22/23). Logo, não se verifica que os editais tenham efetivamente praticado preços unitários superiores aos de mercado, ao menos em termos gerais, sendo relevante ressaltar que os laudos periciais complementares não identificaram prejuízo ao erário na execução das obras. A isso se poderia acrescer a argumentação de defesa no sentido de que os preços estariam defasados, ainda que, pela perspectiva empresarial, tal argumentação seja conveniente. Quanto à tentativa de manipulação de alguns preços por parte dos réus, a análise se dará junto à da autoria delitiva. Pelo exposto, conclui-se que, em alguns pontos, o veredito da perícia técnica acerca de restrições à competitividade em certas cláusulas dos Editais 426/08, 427/08 e 428/08, é crível. Cumpre agora analisar se houve manipulação por parte dos réus - sejam empresários ou funcionários da CORSAN - quanto a essas exigências, para que constassem nos editais com o fim de restringir a competitividade dos certames (o direcionamento dos editais). Também há que se verificar se houve o conluio entre as empresas para a combinação prévia de preços, orçamentos ou propostas financeiras. Da mesma forma, será apurado se houve ou não o conhecimento prévio - antes da publicação - dos editais das Concorrências, por parte das empresas. Pois bem, a materialidade delitiva está bem documentada nos autos, evidenciando que, nas Concorrências Públicas nºs 426/08, 427/08 e 428/08 para obras de saneamento, com recursos repassados pela União/Ministério das Cidades, em Canoas, Alvorada, Viamão, Esteio e Sapucaia do Sul - todos municípios da região metropolitana de Porto Alegre/RS - houve fraude do caráter competitivo do certame pela imposição de cláusulas restritivas nos respectivos editais. Os recursos federais direcionados a essas obras constam dos Contratos de Repasse nºs 0218519-60/2007, 0224353-90/2007 e 0224352-86/2007, celebrados em 28/12/2007, entre a União/Ministério das Cidades, representada pela Caixa Econômica Federal, o Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, e a Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN (evento 1088). Em síntese, os documentos que concluíram ter havido fraude licitatória são os Laudos nº 598/2011 – INC/DITEC/DPF(evento 1, AP_INQ_POL67, pág. 14 a 51) e nº 40/2012– INC/DITEC/DPF (evento 1, INQ11, pág. 32 a 45), referentes à Concorrência 426/2008; Laudos nº 094/2011- UTEC/DPF/SMA/RS (evento 1, AP_INQ_POL66, pág. 3 a 39; evento 1, AP_INQ_POL67, pág. 1 a 13) e nº 162/2012-UTEC/DPF/SMA/RS (evento 1, INQ7, pág. 124 a 132 e evento 1, INQ8, pág. 1 a 44) referentes à Concorrência 427/2008; Laudos nº 462/2011 -INC/DITEC/DPF (evento 1, AP_INQ_POL63, págs. 3 a 44; evento 1, AP_INQ_POL64, pág. 1 a 62) e nº 1582/2011 – INC/DITEC/DPF (evento 1, INQ8, pág. 46 a 68), referentes à Concorrência nº 428/2008. Consta dos autos também o Relatório de Demandas Especiais de nº 00222.000317/2009- 88 da Controladoria Geral da União, corroborando a existência de cláusulas restritivas nos editais das concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 (evento 1, INQ11, pág. 118 a 120 e evento 1, INQ12, pág. 1 a 70). Em 06/05/2008, as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais, alegando irregularidades como ausência de prazo mínimo instituído em lei para a elaboração da proposta, incorporação de obras de natureza distintas em um mesmo procedimento licitatório, em desacordo com art. 23 da Lei nº 8.666/93, e aplicação de exigências não previstas em lei para comprovação de capacidade técnica da empresa participante. Todas essas impugnações foram indeferidas pela Comissão de Licitação no dia imediatamente posterior (07/05/2008), sem fundamentação ou embasamento legal expresso. No que se refere ao conteúdo dos editais, configurariam fraude à competição das licitações essas cláusulas restritivas apontadas nos documentos acima, analisadas uma a uma pelo magistrado, as quais impossibilitariam a participação de um número maior de empresas. Dentre essas exigências, o juiz sentenciante concluiu que efetivamente restringiram o caráter competitivo a "não publicação do aviso no Diário Oficial da União", a "exigência de usina de asfalto instalada" e a "exigência de no máximo dois atestados para comprovação de experiência dos licitantes". Os demais pontos dos editais não foram considerados na sentença como restritivos da competição, do que o MPF não recorreu. Sobre a não publicação do aviso no Diário Oficial da União, ponto impugnado pelas três empresas, verifica-se possível violação do art. 21, I, da Lei nº 8.666/93, o qual determina que os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, devem "ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez, no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais". E como bem pontuou o magistrado, uma vez que os preços das contratações das três licitações chegavam a R$ 76 milhões, houve prejuízo a empresas de outros estados que não tiveram pleno conhecimento das licitações pelo DOU, veículo de alcance nacional. Sobre a exigência de usina de asfalto instalada, a Controladoria-Geral da União, em seu Relatório de Demandas Especiais nº 00222.000317/2009-88, esclareceu que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (Acórdãos nº 1.578/2005 - Plenário e nº 800/2008 - Plenário), reputa que é, sim, restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo que a empresa, na fase de habilitação, já possua usina de asfalto instalada, ou, em caso negativo, que apresente declaração de terceiros detentores de usina, o que, segundo a CGU, é especialmente restritiva para empresas de fora do Estado, contrariando o art. 3.º, § 1.º, inciso I, e o art. 30, § 6.º, ambos da Lei n.º 8.666/1993 (evento 1, 1.11 e 1.12). Ao contrário do que foi alegado pelo réu Cláudio, não se trata de questão superada em súmula do TCU (Súmula nº 263) autorizando a exigência de atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, posto que o próprio Tribunal de Contas considerou restritiva a inclusão do requisito de já possuir usina de asfalto instalada. Sobre a exigência de no máximo dois atestados, a Construtora Pelotense Ltda. alegou ser uma exigência ilegal, posto que teria em seu currículo a execução de todos os serviços em quantidades muito superiores às exigidas, porém em mais de dois atestados. Quanto a isso, o réu Cláudio referiu que eram dois atestados "por item". Porém, o MPF afirmou que esse ponto não estava suficientemente claro no edital, o que poderia, sim, afastar interessados, o que se verificou no caso da própria Construtora Pelotense, o que caracteriza cláusula restritiva. Em suma, do ponto de vista do seu conteúdo, esses foram os itens dos editais considerados restritivos do caráter competitivo dos certames. Já o envolvimento dos réus para manipular a inclusão de tais exigências nos instrumentos convocatórios a fim de direcioná-los, o conluio das empresas para a combinação de propostas e o conhecimento prévio do conteúdo dos editais será analisado em conjunto com a autoria de cada réu, na mesma ordem adotada em primeiro grau. 2.1.1. réus Marco Antônio de Souza Camino, Odilon Alberto Menezes e Cláudio Luiz da Silva Abreu Os réus Marco Camino, Odilon e Cláudio foram condenados em primeira instância pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-F do CP), por terem, em suma, fraudado o caráter competitivo das licitações de Concorrência nºs 426/2008, 427/08 e 428/08. Segundo a sentença, os acusados manipularam o direcionamento dos editais, com a combinação de preços e propostas apresentadas e a vantagem de terem conhecimento prévio dos editais daqueles certames, o que estaria demonstrado pelos elementos dos autos, principalmente as interceptações telefônicas. As condenações foram proferidas nos seguintes termos (evento 1154, SENT1): (...) A sentença deve ser mantida quanto à condenação de Marco Camino, Odilon e Cláudio pela prática dos crimes de fraudar o caráter competitivo da licitação, pois as interceptações telefônicas, somadas à prova documental, não deixam dúvidas de que os réus agiram para direcionar os editais das licitações das quais se sagraram vencedoras as empresas SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA (Concorrências nºs 426/08 e 427/08) e MAC ENGENHARIA LTDA (Concorrência nº 428/08). Conforme se viu nos autos, na época dos fatos, o réu Marco Camino era sócio e proprietário da empresa MAC ENGENHARIA LTDA, o réu Odilon era sócio da empresa CSL CONSTRUTORA SACCHI LTDA e Presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento) e o réu Cláudio era o Diretor da empresa CONSTRUTORA SULTEPA S/A e administrador da SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA. O início das tratativas referentes às licitações em questão ocorreu em diálogo interceptado no dia 17/12/2007, alguns meses antes da publicação dos editais ocorrida em 28/03/2008. O então Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento, Marco Aurélio Soares Alba, comunicou ao proprietário da MAC Engenharia, o réu Marco Camino, que no dia seguinte o Ministro das Cidades iria a Porto Alegre/RS trazendo "boas notícias para o Rio Grande", convidando o réu a comparecer à Secretaria entre 10h30 e 11h. Marco Camino responde que iria entre 11h e 11h30, acertando o encontro entre eles (Auto Circuntanciado nº 04/2008, evento 1, AP_INQ_POL19, pág. 87 a 88). Em 28/12/2007, foram assinados os contratos de repasse da União/Ministério das Cidades para as obras de saneamento básico em municípios da região metropolitana de Porto Alegre. Em 03/01/2008, o réu Marco Camino conversou com o réu Odilon, sócio da CSL – Construtora Sacchi Ltda e Presidente da Associação Gaúcha de Empresas de Obras de Saneamento (AGEOS), o qual comentou que os editais que estavam para sair "seriam de materiais", que "ia trabalhar para isso" e que "o contrato foi assinado dia 28", em clara alusão ao repasse de recursos federais para aquelas obras (Auto Circunstanciado nº 04/2008, evento 1, AP_INQ_POL19, pág. 105/106). Nesse ponto, já merece atenção que o réu Odilon atuaria ("trabalharia") para que os editais fossem publicados nos termos do seu interesse. Em 16/01/2008, Marco Camino e Odilon trataram de vários aspectos relativos às licitações, com expressões que claramente se referem aos seus possíveis ganhos caso a formatação dos certames ocorresse conforme esperavam. Esse diálogo repleto de termos não compreensíveis num primeiro momento - o que é proposital nesse tipo de tratativa e já denota a sua ilicitude - demonstra sem sombra de dúvidas que havia um ajuste prévio entre Marco Camino e Odilon, mesmo sem deixar totalmente claro qual ele seria (evento 1, INQ13, pág. 47). Conforme relatório de análise da PF, em 12/02/2008, Marco Camino entrou em contato com Mário Freitas, à época Presidente da CORSAN, informando que havia agendado um café para aquela manhã e que precisava receber os projetos de janeiro (evento 1, INQ13, pág. 49). Em 29/02/2008, Marco Camino pediu a Deoclecio (Diretor da MAC Engenharia Ltda.) que entrasse em contato com Cláudio, para ver como estaria "a outra parte” e “fazer reunião com os caras para poder mudar o negócio” (evento 1, INQ13, pág. 51-52). Em 05/03/2008, foi gravado outro diálogo entre Marco Camino e Odilon, um dia após uma reunião que, de acordo com a acusação, é aquela citada na conversa de 29/02/2008. Nesse mesmo diálogo, Marco Camino e Odilon conversaram abertamente sobre alteração de valores de itens licitados ("o preço do CBUQ, aquele preço passa pra 90, vai de 58 para 90, preço da lage de gress e o preço da areia") e o que teria ficado "combinado" com Claudio (evento 1, INQ13, pág. 53). Em 17/03/2008, nova conversa entre Marcos Camino e Odilon revelaram a interferência dos empresários nas licitações, ao falarem mais uma vez de maneira aberta que mantinham contato com agentes públicos para que preços e itens fossem alterados para ficar "de acordo com aquilo que a gente tinha pedido". Em 24/03/2008, poucos dias antes das publicações dos editais de concorrência, Marco Alba convidou Marco Camino para "tomar um café". Um pouco mais tarde daquele mesmo dia, Marco Camino disse a Odilon que o "número um" o havia chamado para uma conversa à tarde, ao que Odilon responde que tinha falado com o "número dois" e que provavelmente conseguiria reunir-se com ele ao final da tarde. Ambos combinaram de conversar novamente após as suas reuniões. Naquela mesma tarde, Marco Camino falou com Odilon sobre o encontro com Marco Alba, mencionando que seria entregue algum documento a Odilon, com a recomendação de que Odilon não aceitasse "aquele papel de pão". Camino ressaltou que eles queriam "o quente, aquele que nós conversamos" (evento 1, INQ13, pág. 59). Em 26/03/2008, Marco Camino e Odilon mostraram que estavam previamente a par da confecção e do conteúdo dos editais, ao comentarem a não inclusão da exigência do método "não destrutivo" ("tem dois que eles não tão querendo botar lá 'não destrutivo'..."), dando a entender que esse item não seria exigido e caso isso ocorresse, seria prejudicial ao seus negócios. E foram além, disseram que alguma coisa deveria ser feita e que não aceitariam resposta negativa, tinha "que dar um jeito", "precisa e acabou" e que "se não der, isso tá fora das conversas", em tom até ameaçador, demonstrando inexistir muito pudor quando se tratava de interferir nas licitações do seu interesse (evento 1, INQ13, pág. 60). Esse diálogo, além de deixar clara a total falta de limites na atuação dos réus para garantir benefícios perante a administração pública, evidenciou a intenção de restringir a competitividade do certame com a inclusão do mencionado método "não destrutivo", o que, no entender dos réus, favoreceria as suas empresas, e o prévio conhecimento dos editais, posto que a Concorrência Pública nº 426/08 (Canoas/RS) e a Concorrência Pública nº 428/08 (Esteio/RS e Sapucaia do Sul/RS) exigiam a execução pelo método não destrutivo, mas a Concorrência Pública nº 427/08 (edital para dois municípios, Alvorada/RS e Viamão/RS: "tem dois que eles não tão querendo botar lá"), não exigiu o método "não destrutivo", nos exatos moldes do diálogo travado entre Marco Camino e Odilon. Em 29/03/2008, Marco Camino contou a Odilon que os editais haviam sido publicados, fazendo piada com a "eficiência fantástica", ao que Odilon responde que, mesmo sem saber da publicação, já tinha cópia deles (evento 1, INQ13, pág. 62). Já em 22/04/2008, Marco Camino entrou em contato com Carlos Júlio Garcia Martinez, então Diretor Administrativo-Financeiro da CORSAN, convidando-o para um almoço na quinta-feira seguinte. Carlos então questionou se seria "no mesmo lugar", mostrando certa intimidade entre o empresário e o funcionário público, revelando também que já houve algum encontro anterior. Marco Camino confirmou e disse que seria para tratar do "assunto de março", referindo-se aos editais das licitações publicados no mês anterior, ao que Carlos respondeu que, até quinta, teria uma "informação melhor" (evento 1, INQ13, pág. 64-65). Em 24/04/2008, quinta-feira, Marcos Camino avisou que estava esperando e Carlos respondeu que tinha se atrasado justamente porque estava "em função da informação", mas já estava no táxi a caminho (evento 1, INQ13, pág. 67-68). Vale registrar que Carlos Martinez afirmou ter sido convidado pelo então Secretário Estadual Marco Alba para ingressar na CORSAN (evento 1, INQ7 p. 20-21). O relatório policial concluiu que Carlos era tratado por Marco Camino e Odilon como "o nosso homem da CORSAN", o que indica sua importância no esquema e sua ligação com os empresários participantes de licitações na companhia (evento 1, INQ13, pág. 73). Na sequência dos fatos, em 06/05/2008, três empresas impugnaram administrativamente os três editais - GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA - GEL, CONTRUTORA PELOTENSE LTDA e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA, como já observado acima. Os pedidos foram sumariamente indeferidos pela CORSAN, em 07/05/08, apenas um dia após a apresentação das impugnações, sem qualquer fundamentação (evento 249, OUT70, evento 249, OUT71 e evento 249, OUT72). Em 07/05/2008, Marco Camino entrou novamente em contato Carlos Martinez para tratar de um “projeto de reestruturação”. Os dois marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar" e, poucos minutos após essa conversa, Marco Camino avisou Odilon de que se encontraria “com o nosso homem da CORSAN”, deixando claro que essa pessoa era, de fato, Carlos Martinez (evento 1, INQ13, pág 72). Ainda em 07/05/2008, um outro diálogo de Marco Camino, desta vez com Caetano Alfredo Silva Pinheiro (integrante da Diretoria do Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem em Geral/SICEPOT, e sócio da empresa Procon Construções, Indústria e Comércio Ltda), descreveu a participação de uma empresa de Curitiba/PR "no primeiro baile" e que "pagaria o convite e o preço cheio". Essa linguagem em código foi utilizada para tratar de que a referida empresa participaria de licitação (baile) e ofereceria o valor teto do edital (preço cheio) para dar ares de competição. Poucos minutos depois, Marco Camino reportou a Odilon a participação da empresa de Curitiba e diz que o total de participantes seria suficiente ("vai ele no 'baile' e nós três, chega?") (evento 1, INQ13, pág. 73 e 75-76). Também em 07/05/2008, o engenheiro Paulo, da MAC ENGENHARIA, avisou Marco Camino sobre as impugnações aos editais do dia anterior. Marco Camino respondeu expressamente que iria pedir "lá pros caras não acatar", deixando claro que iria interferir no julgamento das impugnações aos três editais (evento 1, INQ13, pág. 69). Em 12/05/2008, Marco Camino e Odilon combinaram de agendar almoço com Carlos Martinez. Em 14/05/2008, data em que foram publicados os avisos de julgamento das Concorrências nºs 427 e 428, Marco Camino combinou de se encontrar com Carlos Martinez e disse que avisaria Odilon (evento 1, INQ13, pág. 79-80). Em 27/05/2008, Marco Camino e Odilon trataram de marcar uma reunião "com os parceiros para acertar logo o chaca-chaca". Nessa conversa, houve menção a Ricardo Lins Nunes Portella e a Cláudio Abreu, ambos da empresa SULTEPA, que venceu as Concorrências nº 426/2008 e 427/2008 (evento 1, INQ13, pág. 83/84). Em 29/05/2008 à tarde, foram abertas as propostas da Concorrência nº 426/2008, cuja vencedora foi a Sultepa Construções e Comércio Ltda. Naquela mesma tarde, Cláudio Abreu (Sultepa) telefonou para Marco Camino (MAC Engenharia) para solicitar que alguém da MAC estivesse presente na abertura das propostas para renunciar aos prazos de recurso. Como bem pontuado na sentença, esse diálogo revelou que Cláudio já sabia que a sua empresa seria a vencedora, pois a conversa ocorreu antes do anúncio do resultado, já tendo o réu Cláudio definido que a outra empresa - a MAC - deveria abrir mão de prazo para recorrer e por isso algum representante deveria estar presente (evento 1, INQ13, pág. 87). Ora, diante do conteúdo dessas conversas, resta cristalina a atuação dos réus Marco Camino, Odilon e Cláudio Abreu para fraudar a competição das três licitações, não tendo as defesas apresentado explicações plausíveis para os diálogos incriminatórios, nem logrado êxito em infirmar as provas que recaem sobre os acusados. O réu Marco Camino, em sede policial, afirmou, em síntese, que se encontrava com o então Secretário Marco Alba para tratar de Parcerias Público-Privadas (PP Ps) na região metropolitana de Porto Alegre, na área de saneamento da CORSAN. Disse que a sua empresa, MAC Engenharia, havia firmado parceria com a empresa CIBE, de São Paulo, para levar adiante essa iniciativa junto ao Governo do RS; que muitas reuniões foram feitas nas cidades que seriam envolvidas nas obras, a fim de apresentar a ideia das PP Ps, mas o projeto acabou não sendo implementado. Sobre os contatos com Odilon, o réu Marco Camino disse que ocorreram porque Odilon era presidente da Associação Gaúcha de Empresas de Obras de Saneamento (AGEOS), e a entidade representava suas associadas, mas que não trataram de manipulação de editais. Também não soube explicar por que falou com Odilon sobre combinações com Cláudio Abreu, apenas referindo que, como soube que a SULTEPA havia sido vencedora de certame, tentou contato com seus representantes para uma empresa não prejudicar a outra quanto a contratação de profissionais e a compra de materiais (evento 1, INQ7). Em juízo, Marco Camino optou por não comentar as interceptações telefônicas. Basicamente disse que teve contato com parte dos réus mas negou qualquer influência no caráter competitivo das licitações, as quais afirmou serem com editais padrão, com pontuais modificações pelo tipo e tamanho da obra(evento 1068, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 66 e seguintes). O réu Odilon, em sede policial, disse que a CSL, empresa da qual era sócio, não preenchia os requisitos das concorrências nº 426/08, nº 427/08 e nº 428/08, e que por isso não participou dos certames, o que poderia indicar que Odilon não se beneficiou das fraudes licitatórias (evento 1, INQ7). Em juízo, Odilon permaneceu em silêncio (evento 1069, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 1 a 4 e evento 1061). Porém, o fato de a CSL não ter participado daquelas licitações não lhe causou verdadeiro prejuízo nem afasta a participação no conluio, posto que na Concorrência nº 428/08 (Esteio e Sapucaia do Sul), a vencedora do certame - MAC Engenharia, do réu Marco Camino - subcontratou outras empresas e também a CSL, mas esta num valor muito superior às outras terceirizadas. De acordo com a tabela 9 constante do Laudo nº 462/2011, a empresa CSL Construtora Sacchi Ltda foi subcontratada pela MAC Engenharia por um valor de aproximadamente R$ 6.330.000,00 (seis milhões, trezentos e trinta mil reais), num percentual de 64,3% em relação ao total de serviços terceirizados, enquanto a segunda empresa com maior porcentagem teve apenas 9,5% do total de serviços subcontratados (evento 1, AP_INQ_POL63, pág. 35). Além disso, como Presidente da AGEOS, o réu Odilon representava as empresas do ramo e, por isso, fazia essa intermediação entre elas, razão pela qual frequentemente foi flagrado conversando com Marco Camino (MAC Engenharia) e mencionando expressamente Cláudio Abreu e Ricardo Portella (Sultepa). O réu Cláudio Abreu, ouvido em juízo, também não trouxe explicações convincentes para as gravações telefônicas e demais provas dos autos. Sobre os preços de itens dos editais mencionados na conversa do dia 05/03/2008, o réu disse que "CBUQ, laje de grês e areia" são corriqueiros a qualquer tipo de obra, mas aqueles preços ditos pelos interlocutores não se referiam aos valores praticados usualmente pela CORSAN (evento 1068, TERMO_TRANSC_DEP1). A respeito do diálogo com Marco Camino em 29/05/2008, o réu Cláudio Abreu disse também em juízo que pediu a presença de algum representante da MAC Engenharia para, caso a empresa não fosse declarada vencedora, já abrisse mão do prazo para recurso, agilizando todo o processo. Mas, como já referido quando da análise desse trecho das conversas, Cláudio Abreu solicitou alguém comparecesse para abrir mão do prazo e ponto final, sem qualquer condicionante de possível empresa vencedora, o que leva à conclusão óbvia de que já sabia que a SULTEPA, a sua empresa, seria vitoriosa. Sobre a conversa de 29/02/2008 em que Marco Camino pediu a Deoclecio para contatar Cláudio Abreu para ver como estaria "a outra parte” e “fazer reunião com os caras lá para poder mudar o negócio lá”, a defesa de Cláudio Abreu afirmou que se tratava do consórcio para as obras do DMAE/PISA em Porto Alegre, juntando documentos (evento 1063). Porém, os editais de licitações das obras do PISA/DMAE não haviam sido lançados na época das conversas interceptadas, apenas os de pré-qualificação, pelo que não teria sentido o pedido de Marco Camino para “fazer reunião com os caras para mudar o negócio”. E como bem pontuou o magistrado de primeiro grau, a citação à “outra parte” indica que só havia duas empresas aptas a vencer as licitações em comento, posto que fraudaram o seu caráter competitivo, além de que as gravações telefônicas não continham em nenhum momento expressões “DMAE” ou “PISA”, por exemplo, desmontando por completo essa tese defensiva. Sobre as combinações de preços entre as empresas, a defesa de Claudio Abreu alegou que a redução de R$ 0,01 consistia apenas em correção da tabela equivocada do órgão licitante, o que não comprovaria o acerto entre os réus. Ora, esse sequer é o único elemento de convicção quanto ao conluio entre as empresas, que, aliás, apresentaram propostas idênticas com um centavo de diferença nos exatos mesmos itens. De todo modo, a diferença de apenas um centavo para os exatos mesmos itens é, sim, mais uma evidência de ajuste prévio entre os licitantes, pois não faria sentido que, somente nos itens com erros na tabela do órgão público, as empresas apresentassem propostas iguais com ínfima e idêntica diferença do valor referencial. Como bem pontuado no relatório do inquérito policial, num suposto ambiente de concorrência, seria impensável que as propostas fossem coincidentes sempre nos mesmos pontos (evento 1, INQ14, pág. 5). O réu Carlos Martinez, embora não tenha sido denunciado pelo crime de licitação, teve suas conversas gravadas e revelou contato frequente com os réus, tanto que marcava encontros "no mesmo lugar", reforçando a tese acusatória, conforme esmiuçado na análise dos diálogos de 22/04/2008 e 24/04/2008. Seu envolvimento será mais bem detalhado quando da análise do crime do art. 288 do CP. Não há dúvidas, portanto, que a atuação de Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu consistiu em fraude ao caráter competitivo das três licitações (426, 427 e 428), o que obviamente beneficiou as suas empresas - SULTEPA, MAC e CSL. Inexistem razões para a reforma da sentença quanto a esse ponto, devendo ser mantidas as condenações pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-F do CP), por três vezes. (...) 2.3. Crime de quadrilha - art. 288 do CP (redação anterior) Os réus Marco Camino, Odilon, Cláudio e Carlos Martinez foram condenados pelo crime do art. 288 do CP, com a redação vigente à época, por terem se associado para a prática de crimes. A condenação quanto a esse delito foi proferida nos seguintes termos: II.4 - Fato 5 - Quadrilha ou Bando (artigo 288, caput, do CP) Segundo a denúncia, os acusados CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, DEOCLECIO LUIZ CAUMO, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, MÁRIO RACHE FREITAS, ODILON ALBERTO MENEZES, RICARDO LINS PORTELLA NUNES, no período de 17 de dezembro de 2007 a 08 de maio de 2008, teriam se associado em quadrilha com a finalidade de praticar crimes licitatórios no âmbito da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN). Os réus CARLOS JULIO GARCIA MARTINEZ, CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, DEOCLECIO LUIS CAUMO, MARCO Antônio DE SOUZA CAMINO, Mário RACHE FREITAS, ODILON ALBERTO MENEZES e RICARDO LINS PORTELLA NUNES foram denunciados pela prática do delito previsto no artigo 288 do Código Penal, que assim dispunha, à época dos fatos (redação anterior à Lei n.º 12.850/2013): Quadrilha ou bando Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. Segundo a redação do artigo 288 à época dos fatos (não se aplica a alteração da Lei n.º 12.850/2013 por ser mais grave), para a configuração do delito de quadrilha ou bando, seria necessária a associação de pelo menos quatro pessoas, para o fim de cometer crimes. Os réus DEOCLECIO LUIS CAUMO, MÁRIO RACHE FREITAS e RICARDO LINS PORTELLA NUNES foram absolvidos quanto ao delito de fraude à licitação, e, pelos mesmos fundamentos então desenvolvidos, devem ser absolvidos quanto ao delito do artigo 288 do Código Penal, nos termos do artigo 386, V, do CPP (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal). Por outro lado, os réus MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU e ODILON ALBERTO MENEZES foram condenados pelo crime de fraude à licitação. Na fundamentação então desenvolvida fica claramente evidenciada a sua associação para o cometimento de crimes. Resta, pois, analisar o envolvimento de CARLOS JULIO MARTINEZ nos fatos. CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ era Diretor Administrativo-Financeiro da CORSAN à época dos fatos, e foi convidado pelo Secretário Marco Alba para ocupar esse cargo. Era subordinado ao Presidente Mário Rache Freitas. Em 22 de abril de 2008, às 12h09min, houve ligação entre MARCO CAMINO e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, então Diretor Administrativo- Financeiro da CORSAN: (...) Depreende-se que o Diretor da CORSAN passava informações aos acusados, pelo menos à MAC Engenharia, com relação às Concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08, cujos editais foram publicados em 28 de março de 2008, sendo que no caso da Concorrência nº 426/08, foi marcada abertura da licitação para dia 08/05/2008; das Concorrências n.º 427/08 e 428/08, foi marcada a abertura das licitações para dia 09/05/08. Sobre o diálogo acima, CARLOS MARTINEZ referiu que conversou com MARCO CAMINO em algumas ocasiões para tratar de PP Ps; quanto ao mencionado "assunto de março", esclareceu que, possivelmente, tenha relação com uma reunião em que dirigentes da CORSAN e empresários trataram do tema PP Ps, a qual tinha ocorrido, salvo engano, no mês de março; não se recorda o local onde ocorreu o almoço, recordando-se apenas que, em certa ocasião, almoçou com MARCO CAMINO no restaurante Vitrine Gaúcha, em Porto Alegre; não se recorda exatamente qual informação prestaria a CAMINO, conforme dito no diálogo, reafirmando que se relacionava à implantação das PP Ps, certamente (evento 1, INQ7, pág. 20). Em 24 de abril de 2008, às 12h25min, CARLOS MARTINEZ avisou MARCO CAMINO que atrasou-se para o almoço agendado porque estava "em função da informação" (evento 108, DESP1, pág. 4): (...) Segundo a denúncia, CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ ingressou nos quadros da CORSAN a convite do então Secretário Estadual Marco Alba (Evento 1, INQ7, p. 20-21). Era tratado por MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e ODILON ALBERTO MENEZES como o "nosso homem da CORSAN" (como concluído no relatório policial, evento 1, INQ3, pág. 73), a indicar a relevância de sua participação nas fraudes, bem como seu grau de articulação com os empresários interessados nas licitações da CORSAN. Sobre essa conversa, CARLOS MARTINEZ afirmou que, apesar de não se recordar do teor exato da "informação" que havia prometido, ela estava inserida no contexto das PP Ps, como já foi dito; que as informações mencionadas no diálogo não tinham nenhuma relação com as licitações que estavam sendo conduzidas pela CORSAN, as quais não estavam afetas às funções que exercia (evento 1, INQ7, págs. 20/21). Em Juízo, CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ alegou que foi nomeado pelo Presidente da companhia - CORSAN, e pelo Secretário à época, como sendo a pessoa que poderia, na área financeira, achar um caminho para que fossem ampliados os procedimentos de tratamento de esgoto. E isso só se antevia, na época o Governo era muito favorável a isso (Governo da Yeda Crusius), através das PPP’s. Isso na época era tratado como uma aventura, praticamente. Ele teria sido incumbido de coletar dados e se organizar, no sentido de criar um ambiente favorável informalmente a que fossem implantadas as PP Ps. Ele seria a pessoa nomeada pelo Estado, informalmente, pelo Presidente, para ser o organizador das PP Ps. Pelo que recorda, teria sido apresentado a Marco Camino e Odilon por Mário Freitas. Depois teve contatos esporádicos com Marco Camino. Referiu que levou mais de meio ano dedicando-se à implementação das PP Ps, fez várias tabelas e demonstrativos, mas não os protocolou em nenhum lugar. Não gerou nenhum documento formal, pois o projeto era muito incipiente; foram mais conjecturas (evento 1068, págs. 1 a 15). Quanto à alegação de CARLOS MARTINEZ de que fora designado, informalmente, para cuidar do assunto das PP Ps, cumpre referir a informação da CORSAN de que, relativamente ao período de 12/2007 a 08/2008, não foram localizados registros ou documentos a respeito da implementação de PPP (evento 1108, INF4). Ademais, a Secretaria de Obras e Habitação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Ofício nº 258/GAB/201967, informou que não encontrou “registros relativos a viagens, reuniões, protocolos, levantamentos ou outros documentos envolvendo as empresas relacionadas ou os agentes públicos citados, no período de 2007 e 2008” (evento 1117, OFIC1). Ademais, ainda em relação aos projetos tendentes à implantação das Parcerias Público-Privadas na CORSAN, foi informado que apenas em 05/09/2008 foi publicado no DOE a Resolução n.º 01/2008 que estabeleceu regramentos gerais para registro, seleção e aprovação de projeto básico e estudo de viabilidade de empreendimentos de parceria público-privada (evento 1, INQ12, págs. 85-86). Em 06 de maio de 2008 as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais. Em 07 de maio de 2008, às 12h05min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO voltou a conversar com CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ (Diretor Administrativo CORSAN), desta vez a respeito de um determinado “projeto de reestruturação”. Marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar". Logo em seguida, às 12h28min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO avisou ODILON ALBERTO MENEZES de que no dia seguinte haveria encontro “com o nosso homem da CORSAN”. A testemunha Vacedi Anflor Pacheco, engenheiro civil e membro da AGEOS, referiu que as empresas que vão executar obras precisam se preparar para as licitações com antecedência, e por isso fazem interlocuções com representantes dos órgãos públicos, para ficar sabendo o que o órgão vai licitar nos próximos 24 meses para se prepararem em função disto. Para tanto faziam reuniões na AGEOS semestrais ou anuais onde as diretorias da CORSAN, do DEMAE, das empresas que contratam, faziam a explanação para todos os associados de qual o seu plano de obras para os próximos meses e anos. As reuniões eram realizadas no Plaza, na Fiergs, num lugar público, feito por convocação e aberto a todos. Em 08 de maio de 2008, às 17h46min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, agendaram almoço para o dia seguinte. Em seguida, o empresário comunica ODILON ALBERTO MENEZES do encontro “com o nosso homem da CORSAN”, referindo-se a CARLOS MARTINEZ. Em 09 de maio de 2008, às 11h18min, CAMINO solicitou a seu funcionário WOODSON que aprontasse determinadas "tabelas" para serem entregues (evento 1, INQ13, págs. 77 e 78). A respeito desse diálogo em que solicitou a Woodson a preparação de tabelas para serem entregues em um almoço que teria em seguida, MARCO CAMINO esclareceu que provavelmente tenha entregue a MARTINEZ tabelas contendo o impacto financeiro da implantação das PP Ps (evento 1, INQ7, pág. 31). Contudo, como já referido, não foram mostradas essas tabelas, nem demonstrado nos autos qualquer documento que fizesse referência às parcerias público-privadas. Aliás, é estranhável que Marco Camino tenha pedido justamente a Woodson a preparação de "tabelas" sobre o "impacto financeiro da implantação das PP Ps", assunto tão recente quanto desconhecido e complexo. Segundo a prova produzida pela própria defesa, Woodson seria um funcionário encarregado da recepção de documentos e sua distribuição aos setores devidos, segundo um testemunho, ou encarregado da segurança, manutenção e limpeza, segundo outro, e que tinha entre suas atribuições a compra de carne para o churrasco, segundo a tese de defesa quanto à corrupção ativa, tudo indicando que se ocupava de atividades materiais ou intelectualmente simples. Seria realmente muito versátil caso, em breve tempo, conseguisse produzir "tabelas" sobre assunto tão árduo. (Desta forma, ainda que o fato não tenha sido denunciado pelo MPF, é de se observar que sobre tais "tabelas" também recaem dúvidas, no que se assemelham aos "cinquenta quilos de costela" examinados anteriormente.) Na mesma data (09/05/2008), houve a sessão de entrega dos envelopes com Documentação e Proposta da Concorrência nº 427/08 (Alvorada e Viamão), restando o seguinte rol de participantes: Marco Projetos Construções Ltda., Sultepa Construções e Comércio Ltda. e MAC Engenharia Ltda. Igualmente nesse dia, houve a sessão de entrega dos envelopes com a Documentação e Proposta da Concorrência nº 428/08 (Esteio e Sapucaia do Sul), tendo demonstrado interesse apenas duas empresas: Sultepa Construções e Comércio Ltda. e MAC Engenharia Ltda. Em 12 de maio de 2008 (14h42min), MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e ODILON ALBERTO MENEZES marcaram novo almoço com CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, um dia antes da publicação dos avisos de julgamento. E, tão logo publicados os avisos de julgamento de ambas as concorrências (em 13 de maio), novo encontro foi marcado entre os três envolvidos. Ressalta, pois, a intensidade do convívio entre Marco Camino, Odilon Menezes e Carlos Júlio Martinez, em evidente sincronia com os episódios licítatórios em questão. Deve-se notar mais uma vez que estas reuniões não constavam em agendas, nem tinham pautas explícitas pré-definidas, nem delas resultaram atas, nem ocorreram em locais de atendimento oficial a particulares. CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, além do crime de quadrilha ou bando, foi denunciado pelo delito previsto no artigo 321 do Código Penal (advocacia administrativa), cuja punibilidade foi extinta em face da prescrição. Pelas provas produzidas, se conclui que o réu CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ associou-se com os demais réus ora condenados com a finalidade do cometimento de crimes licitatórios. Certo que o delito do art. 90 da Lei n.º 8.666/93 já pressupõe o concurso de pessoas, mas a "associação" referida no núcleo do tipo penal do art. 288 distingue-se do mero concurso de pessoas pelo seu caráter de durabilidade e permanência, elementos indispensáveis para a caracterização do crime previsto neste tipo (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2019). No caso presente, a associação dos réus detinha esse caráter de durabilidade, tendo os réus fraudado pelo menos três procedimentos licitatórios, demonstrando que se conheciam de longa data e promoviam diversos encontros informais onde exerciam seus interesses em detrimento do de terceiros, especialmente do interesse público. Presente também o elemento subjetivo do tipo específico, consistente na finalidade de "cometer crimes". Diante de todos esses elementos, reputo comprovados materialidade, autoria e dolo. E, uma vez ausentes causas excludentes de antijuridicidade e/ou culpabilidade, os denunciados MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, ODILON ALBERTO MENEZES e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ tiveram conduta passível das sanções do artigo 288 do Código Penal. Por outro lado, não existindo provas de que tenham concorrido para a infração penal, os réus DEOCLECIO LUIS CAUMO, MÁRIO RACHE FREITAS e RICARDO LINS PORTELLA NUNES devem ser absolvidos quanto ao delito do artigo 288 do Código Penal, nos termos do artigo 386, V, do CPP. Não há o que modificar nesse ponto da sentença. O magistrado se reportou aos argumentos utilizados para a condenação quanto ao crime de licitações para os réus Marco Camino, Odilon e Claudio, acrescentando novos argumentos para o réu Carlos Martinez, que não foi denunciado por aquele delito. De fato, o ajuste para o cometimento de fraudes licitatórias restou comprovado nos autos, pelo frequente contato entre os réus e pelos encontros marcados em locais já rotineiros para os envolvidos, como claramente verificado nas interceptações telefônicas. Os reiterados contatos telefônicos entre Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu não deixam dúvidas de que se tratava de verdadeiro esquema articulado para fraudar a competição nas licitações da CORSAN, mais especificamente as concorrências nos 426/08, 427/08 e 428/08, conforme o item 2.1.1 deste voto, ao qual também me reporto por brevidade. Quanto a Carlos Martinez, então Diretor-Administrativo da CORSAN, que não foi acusado pelo delito do art. 90 da Lei nº 8.666/93 mas somente por integrar o grupo criminoso, as provas também são claras. A já analisada ligação telefônica de 22/04/2008 entre Marco Camino e Carlos Martinez demonstrou que foi combinado um almoço "no mesmo lugar" para tratar do "assunto de março", referência aos editais das licitações publicados no mês anterior, ao que Carlos respondeu que, até aquela quinta-feira, teria uma "informação melhor". É evidente que há certa intimidade entre o empresário e o funcionário público, revelando também que já houve algum encontro prévio. Em 24/04/2008 (quinta-feira), Marcos Camino avisou que estava esperando e Carlos respondeu que tinha se atrasado justamente porque estava "em função da informação", mas já estava no táxi a caminho. Cumpre reiterar que Carlos Martinez afirmou que ingressou na CORSAN por convite do então Secretário Estadual Marco Alba, o que indica ter sido uma nomeação eminentemente política. O relatório policial concluiu que Carlos era tratado por Marco Camino e Odilon como "o nosso homem da CORSAN", confirmando sua importância no esquema e sua ligação com os empresários participantes de licitações na companhia. Em 07/05/2008, Marco Camino entrou novamente em contato Carlos Martinez para tratar de um “projeto de reestruturação”. Os dois marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar" e, poucos minutos após essa conversa, Marco Camino avisou Odilon de que se encontraria “com o nosso homem da CORSAN”, deixando claro que essa pessoa era, de fato, Carlos Martinez. Em 12/05/2008, Marco Camino e Odilon combinaram de agendar almoço com Carlos Martinez. Em 14/05/2008, data em que foram publicados os avisos de julgamento das Concorrências nos 427 e 428, Marco Caminou combinou de se encontrar com Carlos Martinez e disse que avisaria Odilon. Ora, ainda que Carlos Martinez não tenha sido denunciado pelo crime de licitação, o réu teve suas conversas gravadas e revelou contato frequente com os demais, em especial Marco Camino, tanto que marcava encontros "no mesmo lugar", reforçando a tese acusatória, conforme análise dos diálogos de 22/04/2008 e 24/04/2008 e, mais detalhadamente, no item 2.1.1 deste voto. Nesse contexto, a associação de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes está suficientemente caracterizada. Como bem pontuou o magistrado a quo, houve fraude em pelo menos três procedimentos licitatórios, diversos contatos telefônicos, encontros e reuniões em locais já conhecidos pelos réus, demonstrando a estabilidade do grupo, que ultrapassou o mero concurso de agentes. Portanto, deve ser mantida a condenação de MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, ODILON ALBERTO MENEZES e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ pela prática do crime previsto no art. 288 do Código Penal (redação anterior). 3. DOSIMETRIA De início, consigno que a lei não estabelece critério matemático para a dosagem da pena, de tal modo que não está o magistrado obrigado a pautar-se em cálculos precisos para a sua fixação, mas sim nos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia. (...) Com efeito, não há nenhuma vinculação a critérios puramente matemáticos - como, por exemplo, os de 1/8 (um oitavo) ou 1/6 (um sexto) por vezes sugeridos pela doutrina -, mas os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia exigem que o Julgador, a fim de balizar os limites de sua discricionariedade, realize um juízo de coerência entre: (a) o número de circunstâncias judiciais concretamente avaliadas como negativas; (b) o intervalo de pena abstratamente previsto para o crime; e (c) o quantum de pena que costuma ser aplicado pela jurisprudência em casos parecidos. (AgRg no R Esp 1817386/PB, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, D Je 12/11/2020). Vale dizer, a preocupação central da individualização da pena não é a de precisamente fatiar e classificar cartesianamente a realidade entre as oito circunstâncias judiciais, mas sagrar o seu predomínio buscando encontrar, entre o mínimo e o máximo de pena previstos pelo legislador, e sem se desviar do comando legal quanto aos fatores a observar, a dose adequada àquela particular ocorrência. Passo, então, à análise das reprimendas na mesma sequência da sentença de primeiro grau. (...) 3.4. Réu Odilon Alberto Menezes 3.4.1. Crimes do art. 90 da Lei nº 8.666/93 (art. 337-F do CP) As penas do réu Odilon para os crimes de licitação foram assim fixadas em primeiro grau: III.4 - ODILON ALBERTO MENEZES III.4.1 - Delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 (três vezes) O réu fraudou três licitações nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, cometendo três delitos em continuidade delitiva, na forma do artigo 71 do CP. A dosimetria das penas será feita conjuntamente. A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 é de 02 (dois) a 04 (quatro) anos de detenção, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM7 e 8), constata-se que o réu é tecnicamente primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 02 (dois) anos de detenção, para cada um dos três delitos. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade, ainda em caráter provisório, fica estabelecida em 02 (dois) anos de detenção para cada um dos três delitos. Aplicando-se a continuidade delitiva entre os três delitos, nos termos do artigo 71 do CP, com o aumento de 1/6, a pena definitiva fica estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção. O regime inicial para o cumprimento de pena será definido após a aplicação do concurso material de crimes. Quanto à multa, considero que o valor efetivamente auferido pelo réu sobreveio da subcontratação da empresa CSL Construtora Sacchi Ltda pela Mac Engenharia, para a execução das obras nos municípios de Sapucaia do Sul e Esteio (Concorrência 428/2008 - Contrato nº 167/2008) (evento 1, AP- INQPOL63, pág. 35). Em atenção ao disposto no art. 99, caput, e seus §§ 1.º e 2 da Lei nº. 8.666/93 e às condições socioeconômicas do réu, estabeleço a multa em 2% sobre o valor de R$ 6.338.611,97, correspondendo a R$ 126.772,23 (cento e vinte e seis mil setecentos e setenta e dois reais e vinte e três centavos). Face à continuidade delitiva, a pena de multa deve ter igual tratamento ao da pena privativa de liberdade, não incidindo a disposição contida no art. 72 do CP, a qual se restringe aos casos de concursos material e formal. Logo, aumentando o valor da multa na fração de 1/6 (um sexto), arbitro o montante de R$ 147.900,93 (cento e quarenta e sete mil e novecentos reais e noventa e três centavos). Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu Presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneament, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente. Odilon também mantinha contato e exercia influência em esferas de poder, com interlocução entre os envolvidos no esquema, agindo como intenso articulador, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação. As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que o réu se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto. Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto. As demais vetoriais também são neutras. Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 2 anos e 6 meses de detenção. Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição. Quanto à continuidade delitiva, assiste parcial razão ao MPF ao requerer elevação da pena em maior patamar, já que, em se tratando de três infrações, a fração de aumento adequada, de acordo com a jurisprudência, deve ser de 1/5, o que resulta na pena de 3 anos de detenção, a qual torno definitiva. No que se refere à multa, com o advento da Lei n. 14.133/2021, aplica-se o preceito secundário do novel art. 337-F do Código Penal, em dias-multa, por ser mais favorável ao réu, conforme já detalhado no item 2.1 deste voto. Portanto, fixo a multa em 185 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente desde então. A esse respeito, conforme constou da sentença, o critério para a quantificação do dia-multa foi a situação econômica do acusado, não merecendo guarida o pedido de fixação no mínimo legal por ausência de fundamentação no ponto. 3.4.2. Crime de quadrilha - art. 288 do CP (redação anterior) As penas do crime de quadrilha quanto ao réu Odilon foram assim fixadas em primeiro grau: III.4.2 - Delito do artigo 288 do Código Penal A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 288, com a redação anterior à Lei n.º 12.850/2013 é de 01 (um) a 03 (três) anos de reclusão, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM7 e 8), constata-se que o réu é primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. O critério para a quantificação do dia-multa é o da situação econômica do acusado, razão pela qual o valor unitário foi fixado no máximo legal, conforme o estabelecido no artigo 49 do CP. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu Presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente. Odilon também mantinha contato e exercia influência em esferas de poder, com interlocução entre os envolvidos no esquema, agindo como intenso articulador, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação. As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que a quadrilha/associação criminosa se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto. Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto. As demais vetoriais também são neutras. Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão. Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição, pelo que torno definitiva a pena de 1 ano e 4 meses de reclusão. O art. 288 do CP não prevê multa, pelo que deve ser afastada de ofício a pena pecuniária fixada em primeiro grau. 3.4.3. Prescrição pela pena aplicada Levando-se em conta as penas aplicadas ao delito do art. 288 do CP (1 ano e 4 meses de reclusão), o crime prescreve em 4 anos. Assim, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade do réu Odilon pela prescrição quanto ao crime do art. 288 do CP, nos termos do art. 107, IV, c/c art. 109, IV e art. 110 (redação anterior), todos do Código Penal, pois transcorridos mais de 4 anos entre as datas dos fatos (maio de 2008) e o recebimento da denúncia (26/11/2015 - evento 139) e também entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória (20/01/2020 - evento 1154). 3.4.4. Substituição por penas restritivas de direitos O juízo de primeiro grau substituiu a pena privativa de liberdade, superior a 1 (um) ano, por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas ou limitação de fim de semana, pelo tempo da condenação, e na prestação pecuniária, fixada em 40 salários mínimos vigentes na data do pagamento. Mesmo com a redução da pena por conta da prescrição do crime de quadrilha, e ausente recurso do Ministério Público Federal quanto ao ponto, cabível a substituição por duas penas restritivas de direitos. No que tange à escolha da espécie de penas restritivas de direitos efetuada pelo juízo, está de acordo com os parâmetros vigentes na jurisprudência, pois a prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas é considerada como a que melhor cumpre a finalidade de prevenção e retribuição, nos moldes da Súmula nº 132 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sendo resposta criminal não invasiva do direito de liberdade e que exige maior implicação da pessoa do réu no seu cumprimento, impondo a efetiva execução de um trabalho socialmente útil. Já a prestação pecuniária, embora tenha caráter indenizatório prevalente, mantém o condenado socialmente inserido e é capaz de colaborar no restabelecimento do equilíbrio jurídico e social perturbado pela infração, uma vez que proporciona auxílio à comunidade quando da destinação dos valores pagos, os quais são preferencialmente destinados à entidade pública ou privada com finalidade social, previamente conveniada, ou para atividades de caráter essencial à segurança pública, educação e saúde, desde que estas atendam às áreas vitais de relevante cunho social, a critério da unidade gestora (artigo 2º da Resolução nº 154/2012, do Conselho Nacional de Justiça). A defesa pugnou pela redução da prestação pecuniária para 1 salário mínimo. Não acolho o pedido, porquanto a simples alegação de que não foi fixada no mínimo legal não é suficiente para que seja reduzida a sanção, a qual, vale lembrar, tem natureza de pena e deve ter impacto relevante na esfera patrimonial do condenado, a fim de puni-lo pelo crime cometido e ainda evitar que volte a delinquir. Ademais, não existe simetria direta entre a pena privativa de liberdade e a prestação pecuniária, a qual deve ser sopesada levando em conta o dano causado, a sua reparação, as condições econômicas do réu e o caráter pedagógico e ressocializante da medida. Nesse sentido: (...) É possível, ainda, o parcelamento do valor, sendo que eventual pedido deve ser direcionado e avaliado pelo juízo da execução. Portanto, mantenho a prestação pecuniária em 40 salários mínimos pelo valor vigente na data do pagamento. (fls. 17971/18039) Vê-se dos excertos transcritos que não há omissão. Todas as controvérsias foram solucionadas pelas instâncias ordinárias, embora de modo contrário à pretensão da defesa. Foram apontados os motivos concretos para afastar as apontadas nulidades e manter a condenação do recorrente pelo delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, dada a prescrição reconhecida para o crime do art. 288, caput, do Código Penal. Ressalta-se que omissão no julgado e entendimento contrário ao interesse da parte não se confundem. No sentido: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS DOS DECLARATÓRIOS NÃO DEMONSTRADOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. MULTA. 1. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração destinam-se a esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material eventualmente existentes no julgado. 2. Não há espaço para aplicação do Tema n. 1.011/STF, visto que a embargante distorce a realidade dos fatos para fazer com que os autos retrocedam a fase que nem sequer lhe assiste, suscitando tese (competência da Justiça Federal ante a necessidade de a CEF integrar o polo passivo da ação) que não foi objeto de debate na origem, o que por si só inviabilizaria eventual análise da questão pela falta de prequestionamento (incidência da Súmula n. 211/STJ). 3. A competência da justiça estadual não foi objeto de análise por entender que tal questão já se encontrava acobertada pelo manto da coisa julgada ["A competência da Justiça estadual para conhecimento da lide foi definida no julgamento do agravo de instrumento n. 2193670-42.2018.8.26.0000 (relator Desembargador Maurício Campos da Silva Velho), transitando em julgado"], bem como em razão da efetiva demonstração nos autos de que a apólice regente do seguro é do ramo privado ("a apólice de seguro habitacional foi averbada no ramo 68"), o que afasta a incidência do referido Tema n. 1.011/STF à hipótese dos autos. 4. A parte embargante, inconformada, busca, com a oposição destes embargos declaratórios, ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com sua tese. Contudo, entendimento contrário ao interesse da parte não se confunde com omissão. 5. A alteração da verdade dos fatos dos autos para obter incidência de precedente (Tema n. 1.011/STF) do qual é sabedor que não tem nenhuma aplicação à hipótese autoriza a condenação por litigância de má-fé. Precedentes. Embargos de declaração rejeitados com aplicação de multa. (EDcl no AgInt no REsp n. 1.932.086/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024.) PRELIMINARES. 1. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. 1.1. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA AS SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES E EXCESSO DE PRAZO. Na hipótese, as instâncias ordinárias concluíram, de forma devidamente fundamentada, pela imprescindibilidade das medidas de interceptação telefônica e das sucessivas prorrogações para a obtenção dos indícios de autoria e materialidade delitiva para fins de deflagração da persecução penal. Conforme constou nos autos, "em crimes como os ora analisados, em que estão envolvidos diversos indivíduos com atribuições distintas, o monitoramento das conversas telefônicas consubstancia-se, muitas vezes, no único instrumento capaz de identificar a natureza das relações entre os membros, os planos para a execução das práticas delituosas e as funções por eles desempenhadas, justificando a quebra de sigilo por período superior aos 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias, previsto na Lei nº 9.296/96." Consoante se destacou, "desde a primeira medida deferida pelo juízo, houve a devida fundamentação. E, especificamente quanto às sucessivas prorrogações, uníssona a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de sua adequação ao ordenamento pátrio, desde que devidamente fundamentadas e justificadas pelas peculiaridades do caso concreto - diversos investigados (restaram 18 inicialmente denunciados) e pluralidade de crimes -, como as citadas anteriormente, não havendo falar em inconstitucionalidade ou inconveniência da medida". A tese firmada em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema n. 661/STF, é a seguinte: "São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei n. 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações". No caso concreto, as prorrogações das interceptações telefônicas que se sucederam tiveram suas razões idênticas às do pedido original, não havendo ilegalidade, na medida em que se tratava de um caso complexo, sendo o monitoramento telefônico, à época, prova indispensável para o aprofundamento das investigações. Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que inexiste ilegalidade na decisão que decreta, ou prorroga, a interceptação telefônica, desde que esteja fundamentada. No sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE DELITOS GRAVES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Esta Corte Superior, pacificou o entendimento de que inexiste ilegalidade na decisão que decreta, ou prorroga, a interceptação telefônica, desde que esteja fundamentada. [...] O deferimento do mandado de busca e apreensão, deve conter fundamentação concreta, com demonstração da existência dos requisitos necessários para a decretação" (AgRg no RHC n. 144.641/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1º/12/2022). 2. No caso em tela, está demonstrada à exaustão a necessidade de diligências mais graves, como a quebra do sigilo telemático e a decretação de busca e apreensão, pelo fato de que há investigações em andamento para averiguar um possível esquema criminoso de desvio de recursos de obras públicas na Prefeitura de Presidente Kennedy. Os investigados, supostamente, utilizam a empresa SHARK NEGÓCIOS E EMPREENDIMENTOS LTDA. para participar de licitações, com um "laranja" à frente como proprietário. Esses atos ilícitos exigem provas sólidas que demonstrem materialidade, como documentos, provas escritas e comunicações que conectem efetivamente o grupo investigado, pois denúncias anônimas ou meramente testemunhais não são suficientes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 204.099/ES, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.) A propósito, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça encontra-se estabelecida no sentido de que, para a prorrogação da medida que autoriza a interceptação telefônica, é possível adotar-se a fundamentação per relationem, sem que tal proceder implique nulidade (HC n. 616.950/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 30/8/2022). Em acréscimo à fundamentação, "dúvidas não há de que a lei permite a prorrogação das interceptações diante da demonstração da indispensabilidade da prova, sendo que as razões tanto podem manter-se idênticas às do pedido original quanto podem alterar-se, desde que a medida ainda seja considerada indispensável. Por certo que essas posteriores decisões não precisam reproduzir os fundamentos do decisum inicial, no qual já se demonstrou, de maneira pormenorizada e concretamente motivada, o preenchimento de todos os requisitos necessários à autorização da medida, à luz dos requisitos constantes da Lei n. 9.296/1996. Com efeito, a jurisprudência desta Corte entende não ser necessária a apresentação de fundamentos inéditos para a continuidade das investigações a cada pedido de renovação da interceptação telefônica" (AgRg no HC n. 1.003.213/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/6/2025, DJEN de 27/6/2025). 1.2. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DOS PARLAMENTARES. Quanto ao ponto, nos termos do aresto, a tese já foi enfrentada no âmbito da Operação Solidária, onde se concluiu que, tendo o envolvimento de parlamentar federal ocorrido fortuitamente, em meio a conversas com os reais investigados cujos terminais estavam sendo interceptados, não há nulidade a ser reconhecida, principalmente quando os autos são remetidos ao STF assim que constatada a participação dos réus com prerrogativa de foro, prosseguindo as investigações na origem somente quanto aos demais envolvidos. De fato, não tendo sido as investigações dirigidas aos parlamentares federais com prerrogativas de foro, ainda que os diálogos nos quais o recorrente figura como interlocutor tenham ocorrido após o conhecimento sobre o envolvimento de parlamentares, a simples captação de conversas dos alvos investigados com aquelas autoridades não acarreta, por si só, nulidade da prova. No sentido: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 90 DA LEI N. 8.666/93, CORRUPÇÃO PASSIVA E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ACUSADO COM PRERROGATIVA DE FORO. INTERCEPTAÇÕES DETERMINADAS POR JUÍZO INCOMPETENTE. INOCORRÊNCIA. PACIENTE QUE NÃO ERA ALVO DA INVESTIGAÇÃO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA NO MOMENTO QUE SURGIRAM INDÍCIOS CONCRETOS DO ENVOLVIMENTO DE ACUSADOS COM FORO PRIVILEGIADO. MODIFICAÇÃO DA CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE REVISÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. WRIT DENEGADO. 1. O habeas corpus não é a sede adequada para desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias sobre em que momento passaram a existir elementos concretos da participação do paciente na prática dos ilícitos investigados, tendo em vista que a referida análise implica no reexame aprofundado do conjunto fático-probatório colhido ao longo das investigações, providência incompatível com os estreitos limites da via eleita, que é caracteriza pelo seu rito célere e cognição sumária. 2. Inobstante a existência de menções esporádicas ao nome do paciente nos relatórios parciais juntados aos autos, tratava-se de transcrições relativas aos agentes investigados pela autoridade policial e que eventualmente mantinham contato com o paciente. Constata-se que a autoridade policial buscava com os relatórios parciais a renovação das escutas telefônicas dos acusados que não possuíam prerrogativa de foro. O paciente, que não era alvo das investigações ao tempo dos pedidos de quebra do sigilo das comunicações, sendo que somente após o aprofundamento das investigações é que vieram a surgir indícios da participação de acusados com foro privilegiado no esquema criminoso, ocasião em que houve o declínio da competência pelo Juízo de primeiro grau. 3. A existência de "meros rumores, boatos, da participação de parlamentar em fatos investigados no primeiro grau de jurisdição não constituiria fundamento suficiente para deslocar o processo para o Supremo Tribunal Federal. Noutras palavras: enquanto não existam indícios concretos que confirmem os "rumores" de suposta participação de detentor de prerrogativa de foro nos delitos investigados, e autorizem a instauração de Inquérito contra ele, não há motivo idôneo para a declinação da competência" (Min. Luiz Fux, voto no Inq. 3305/STF, DJe 01-10-2014). Habeas Corpus denegado. (HC n. 315.670/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 2/10/2018, DJe de 15/10/2018.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. COMPOSIÇÃO DA TURMA. NÃO OCORRÊNCIA. JUÍZES CONVOCADOS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. PROVAS ILÍCITAS. NULIDADES. NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIZAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS COM BASE EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DA DENÚNCIA ANÔNIMA. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. RECORRENTE QUE NÃO POSSUI PRERROGATIVA DE FORO. ALEGAÇÃO DE PERÍODO DE INTERCEPTAÇÃO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. I - O recurso especial interposto com fulcro no art. 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal exige o atendimento dos requisitos contidos no art. 1028, § 1º do Código de Processo Civil, e no art. 255, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, para a devida demonstração do alegado dissídio jurisprudencial, pois, além da transcrição de acórdãos para a comprovação da divergência, é necessário o cotejo analítico entre o aresto recorrido e o paradigma, com a constatação da identidade das situações fáticas e a interpretação diversa emprestada ao mesmo dispositivo de legislação infraconstitucional, situação que não ocorreu, in casu. Precedentes. II - Não há se falar em ofensa ao princípio do juiz natural. Isto porque, esta eg. Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm entendimento pacificado quanto ao tema, no sentido de que "Não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto por juízes convocados, nos termos da lei" (AgR no RE n. 741.939/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 17/12/2013). Precedentes. III - Ao contrário do alegado pela defesa, as interceptações telefônicas que culminaram com o processamento e condenação do ora recorrente não foram decorrentes, diretamente, de denúncia anônima, tendo o eg. Tribunal a quo esclarecido que a denúncia anônima veio a somar à percepção dos primeiros indícios de prática criminosa levantados com os depoimentos obtidos em setembro de 2007, antes mesmo da denúncia anônima, em outubro do mesmo ano. E consoante entendimento desta Corte: "a denúncia anônima pode dar início à investigação, desde que corroborada por elementos informativos prévios que denotem a verossimilhança da comunicação" (RHC n. 59.542/PE, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/11/2016). IV - Os argumentos apresentados pela Corte de origem, justificando a necessidade das interceptações telefônicas em razão da complexidade das investigações, bem como da possibilidade de diversas prorrogações, desde que fundamentadas, como ocorreu in casu, estão de acordo com a jurisprudência firmada pelos Tribunais Superiores. Precedentes do STF e do STJ. V - As instâncias originárias, soberanas na análise do acervo fático-probatório dos autos, consignaram que não houve períodos em que a interceptação telefônica teria perdurado sem a devida autorização judicial. Concluir de forma contrária demandaria o necessário revolvimento fático-probatório, procedimento vedado na presente via recursal, nos termos da Súmula n. 7/STJ. VI - A competência firmada por prerrogativa de função (ratione muneris) é fixada em virtude do cargo ou da função exercida pelo agente, o que importa dizer, o fato de ter o Supremo Tribunal Federal decidido pelo arquivamento de inquérito contra deputado federal, em razão da não observância da prerrogativa de função do investigado, que não é parte na presente ação penal, não implica na obrigatoriedade do reconhecimento de nulidade das provas também para o ora recorrente, que não possui a prerrogativa de função. Precedentes. VII - Ademais, as alegações acerca da ilicitude das provas aviadas nesse recurso especial foram objeto de exame no RHC n. 29.658/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 8/2/2012, oriunda da mesma operação policial, tendo o e. Ministro Relator consignado que "No que concerne à alegada nulidade das escutas, o fato de que estas alcançaram a comunicação de vários parlamentares federais, sem autorização do Supremo Tribunal Federal, não possui o condão de invalidar as provas colhidas. Ora, as conversas interceptadas envolvendo os parlamentares ocorreram em razão da efetivação da medida em relação aos interlocutores que não possuem prerrogativa de foro". Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 988.527/RS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20/9/2018, DJe de 28/9/2018.) 2. PENA-BASE. AUMENTO INADEQUADO. REFERÊNCIA GENÉRICA E ABSTRATA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. As penas-base de Odilon relativas aos delitos dos arts. 90 da Lei de Licitações e 288, caput, do CP, foram majoradas em decorrência da negativação do vetor "circunstâncias do crime", em razão da gravidade, pois o réu articulou o crime licitatório para obras do saneamento básico, área de infraestrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. E do vetor culpabilidade, tendo em vista ser presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento), com formação superior, ter influência no serviço público, além de intensa articulação do esquema. Os fundamentos ter formação superior, influência no serviço público e crime com reflexos na saúde pública não são inerentes aos tipos criminosos e são idôneos para o recrudescimento das penas, denotando maior reprovabilidade às condutas. Cito precedentes desta Corte em casos semelhantes: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME LICITATÓRIO. REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. As circunstâncias do crime foram valoradas negativamente, na primeira etapa da dosimetria da pena, pela sofisticação no modo de execução do delito, considerando o quantitativo de elementos fraudulentos praticados, quais sejam, "elaborar um edital sem especificação da quilometragem a ser percorrida pelos licitantes, indicação de turno e quantidade de alunos transportados, ausência de parâmetro de fixação de preços e aceitação de propostas sem prévia descrição qualitativa dos veículos que iriam transportar os alunos", o que atrai o maior desvalor da conduta, não havendo, portanto, falar-se em bis in idem. 2. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior, "no sentido do não cabimento da revisão criminal quando utilizada como nova apelação, com vistas ao mero reexame de fatos e provas, não se verificando hipótese de contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, consoante previsão do art. 621, I, do CPP" (HC 206.847/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016). 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.384.761/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 30/11/2023, DJe de 5/12/2023.) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 90 DA LEI Nº 8.666/93. AUSÊNCIA DE OMISSÃO PELA CORTE DE ORIGEM. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Ao contrário do que sustenta a parte recorrente, não há falar em omissão, uma vez que o acórdão recorrido apreciou as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entendeu relevantes e suficientes à compreensão e à solução da controvérsia, o que, na hipótese, revelou-se suficiente ao exercício do direito de defesa. 2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. 3. As circunstâncias do crime como circunstância judicial referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi. Constata-se, assim, a existência de fundamentação concreta e idônea, a qual efetivamente evidenciou aspectos mais reprováveis do modus operandi delitivo e que não se afiguram inerentes ao próprio tipo penal, a justificar a majoração da pena, uma vez que os acusados, durante o período da prática delitiva, usavam da prefeitura de Caculé/BA como uma extensão patrimonial particular para auferir valores em detrimento dos cofres públicos, o que demonstra uma reprovabilidade superior àquela ínsita ao tipo penal, a merecer uma maior resposta do Estado. Salienta-se, no ponto, que o período em que praticado o delito foi apontado como argumento de forma supletiva na avaliação negativa das circunstâncias do crime, não podendo se falar em bis in idem com a continuidade delitiva. Ainda, é perfeitamente possível a coexistência entre o crime de formação de quadrilha e a continuidade delitiva no delito do artigo 90 da Lei nº 8.666/93, porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e os crimes, autônomos. 4. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, as instâncias de origem decidiram pela sua reprovabilidade, tendo em vista que as condutas geraram efeitos indiscutivelmente nefastos e que transcendem as consequências naturais do crime, uma vez que foram desviados recursos do escasso Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, que auxilia na alimentação escolar dos alunos do ensino municipal, que, muitas vezes, têm na merenda escolar sua principal ou única refeição do dia, aumentando a reprovabilidade da conduta, em razão dos resultados que transbordam o tipo penal. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.162.629/BA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, REPDJe de 28/10/2024, DJe de 14/10/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 90, 96, I E V, DA LEI 8.666/93. FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. ELEVAÇÃO ARBITRÁRIA DE PREÇO. ART. 312, § 1º. DO CP. PECULATO. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. MULTA. EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL DE VALOR MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.No que se refere ao pedido de absolvição dos crimes previstos nos artigos 90 e 96, I e V, da Lei 8.666/93 e 312, § 1º do CP, denota-se que a condenação decorreu da análise dos elementos de provas constantes nos autos. A desconstituição desse entendimento, para concluir pela absolvição demandaria, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto probatório, providência incompatível com o rito do recurso especial, conforme se extrai do óbice da Súmula n. 7/STJ. 2. A tese de de prescrição da pretensão punitiva não comporta acolhimento. A contagem do prazo prescricional para o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1996 se inicia com a assinatura do contrato administrativo. O Tribunal de origem destacou que a assinatura do instrumento contratual ocorreu há menos de oito anos do recebimento da denúncia, de modo que não há que se falar em prescrição nos termos postulados. 3. A instância antecedente reconheceu a existência de desígnios autônomos para aplicar o concurso material entre os delitos previstos na Lei de Licitações e o crime de peculato desvio do que se denota que a modificação dessa conclusão enseja necessário revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ. 4. O fato de a fraude no procedimento licitatório ter afetado setor agropecuário, o qual necessita de recursos públicos de forma premente para melhoria das condições de vida dos agricultores envolvidos no cultivo de tomate em pequeno munícipio do Estado do Rio de Janeiro, desborda do tipo penal do art. 90, da Lei 8.666/93 a autorizar o incremento da pena-base a título de circunstâncias do crime 5. Observa-se que a multa, da forma como fixada, não vulnerou o art. 99 da Lei n. 8.666/1993, mas antes lhe deu efetiva aplicação, em observância ao índice percentual mínimo trazido no § 1º do referido dispositivo legal, que é de 2% sobre o valor do contrato licitado. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no REsp n. 2.139.686/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 16/6/2025.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. ACRÉSCIMO DE 6 (SEIS) MESES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. QUANTUM DE AUMENTO. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA. AUSÊNCIA DE CRITÉRIO MATEMÁTICO FIXO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Ausência de enfrentamento no acórdão recorrido da matéria impugnada objeto do recurso impede o acesso à instância especial por faltar o requisito constitucional do prequestionamento. Incidência, por analogia, das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a valoração negativa da culpabilidade pode ser fundamentada na relevância do cargo exercido pelo condenado pelo crime de corrupção, especialmente quando este possui atribuições especiais de fiscalização ou vigilância, uma vez que esse fator eleva o grau de reprovabilidade da conduta. Precedente. 3. A condição de Policial Rodoviário Federal do agravante, embora seja servidor público, como exige o tipo penal da corrupção passiva, reveste-se de especial especificidade, pois se trata de agente que tem o dever específico de fiscalizar e fazer cumprir a lei nas rodovias federais. 4. Conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, não existe um critério matemático fixo para o aumento da pena-base em razão de circunstâncias judiciais desfavoráveis, sendo possível a adoção de frações diversas dentro da discricionariedade vinculada do magistrado, desde que devidamente fundamentada. Precedente. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 2.074.512/PE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/1990. DOLO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. PENA DE MULTA PROPORCIONAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que conheceu em parte do recurso especial e, nesta extensão, negou-lhe provimento. O agravante sustenta que não se aplica ao caso o óbice previsto na Súmula 7/STJ e que houve erro na valoração das circunstâncias judiciais que aumentaram a pena-base. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) Definir se a condenação do recorrente por crime contra a ordem tributária (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) se baseou em provas suficientes para demonstrar o dolo na sua conduta. (ii) Estabelecer se a exasperação da pena-base, fundamentada na culpabilidade, circunstâncias do crime e consequências do crime, observou os parâmetros legais e jurisprudenciais. (iii) Verificar a proporcionalidade da pena de multa e a regularidade das medidas patrimoniais aplicadas, diante da alegação de excesso. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Tribunal de origem analisou detalhadamente o conjunto fático-probatório e concluiu que o recorrente participou ativamente de um esquema de fraude fiscal e contábil, recebendo rendimentos não declarados e adotando artifícios para ocultar os valores da fiscalização, caracterizando o dolo exigido para a configuração do crime. 4. Para afastar a conclusão das instâncias ordinárias quanto à caracterização do dolo, seria necessário o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada pelo enunciado da Súmula 7/STJ. 5. A exasperação da pena-base foi devidamente fundamentada, considerando-se: (i) A culpabilidade do recorrente, que possuía formação superior em Ciências Contábeis e especialização em Finanças, demonstrando conhecimento técnico aprofundado sobre a ilicitude de sua conduta. (ii) As circunstâncias do crime, que envolveram a utilização de familiares para dissimulação dos valores recebidos, movimentação de contas bancárias de terceiros e uso de estrutura empresarial fictícia para ocultação de rendimentos (iii) As consequências do crime, com prejuízo aos cofres públicos em valor expressivo que justifica a majoração da pena, conforme precedentes do STJ em casos de sonegação fiscal. 6. O quantum de aumento da pena-base observou critérios proporcionais. A pena de multa aplicada manteve proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade, não tendo o recorrente demonstrado concretamente qualquer excesso. 7. Quanto ao valor da prestação pecuniária e ao bloqueio de bens, o recurso não indicou os dispositivos de lei federal supostamente violados pelo acórdão recorrido, configurando deficiência na fundamentação recursal, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: O reconhecimento do dolo no crime contra a ordem tributária, quando baseado em elementos concretos analisados pelas instâncias ordinárias, não pode ser afastado em recurso especial, sob pena de reexame fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ. A exasperação da pena-base, com fundamento na culpabilidade do agente e nas consequências do crime, é legítima quando devidamente motivada, especialmente em casos de fraude fiscal sofisticada e prejuízo expressivo ao erário. A fixação da pena de multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, sendo ônus do recorrente demonstrar eventual excesso. A ausência de indicação específica dos dispositivos de lei federal supostamente violados impede o conhecimento do recurso especial quanto à prestação pecuniária e ao bloqueio de bens, conforme a Súmula 284/STF. Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 59 e 68; Lei nº 8.137/90, art. 1º, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 2.171.488/SP, rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, j. 4/6/2024, DJe 6/6/2024. STJ, AgRg no AREsp n. 1.376.588/RJ, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 15/10/2019, DJe 22/10/2019. STJ, AgRg nos EDcl no REsp n. 2.092.749/SE, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 8/4/2024, DJe 11/4/2024. STJ, AgRg no AREsp n. 1.778.761/PB, rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe 4/10/2022. STF, Súmula 284. (AgRg no AREsp n. 2.548.333/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 18/2/2025.) As circunstâncias judiciais encontram-se devidamente fundamentadas, não se podendo extrair dos argumentos deduzidos pelo eg. Tribunal de origem a adoção de circunstâncias inerentes ao tipo penal para exasperação da pena-base. A inexistência de dano ao erário não se confunde com os citados reflexos na saúde pública, não se podendo concluir, como quer a defesa, que tal consequência não se efetivou ou que não foi provada, sob pena de incursão fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, nego-lhe provimento. Publique-se. Intimem-se. Relator JOEL ILAN PACIORNIK
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Tribunal: TRF4 | Data: 09/07/2025Tipo: IntimaçãoAÇÃO PENAL Nº 5004395-71.2015.4.04.7114/RS RÉU : THIAGO SCHLOTTFELDT LEITE ADVOGADO(A) : DIETER AXT (OAB RS120459) ADVOGADO(A) : BETINA SCHERRER DA SILVA (OAB RS115340) ADVOGADO(A) : RODRIGO MORAES DE OLIVEIRA (OAB RS041700) ADVOGADO(A) : Fabio Roberto D'Avila (OAB RS039546) ADVOGADO(A) : LAÍS POLESELLO GARDA (OAB RS135864) RÉU : SERGIO ALBERTO SEEWALD ADVOGADO(A) : FELIPE MATEUS HOPPE (OAB RS086617) ADVOGADO(A) : NICHOLAS HORN (OAB RS103962) RÉU : RONEI NIEDERAUER LEOTE ADVOGADO(A) : Gilberto Carlos Weber (OAB RS053594) RÉU : PAULO JAIME PETRY ADVOGADO(A) : MARCOS VINICIUS ZANUZO (OAB RS124467) ADVOGADO(A) : MARCO ALFREDO MEJIA (OAB RS029095) RÉU : MIRIA TERESINHA HAUSCHILD ADVOGADO(A) : CARLOS GUSTAVO LENGLER (OAB RS088750) RÉU : JORGE LUIZ PINTO SOARES ADVOGADO(A) : LUIZ GUSTAVO PUPERI (OAB RS064134) RÉU : GILMAR LAUTERT ADVOGADO(A) : ANDRÉ ROBERTO MALLMANN (OAB RS022940) RÉU : ROGÉRIO ERNANI LOPES DA SILVA ADVOGADO(A) : ANDRÉ ROBERTO MALLMANN (OAB RS022940) RÉU : PAULO REGIS MOTTA ADVOGADO(A) : MARCOS VINICIUS ZANUZO (OAB RS124467) ADVOGADO(A) : MARCO ALFREDO MEJIA (OAB RS029095) RÉU : MÁRIO STOCKMANN ADVOGADO(A) : Carlos Eduardo Scheid (OAB RS055419) ADVOGADO(A) : PAULO RICARDO SULIANI (OAB RS065611) ADVOGADO(A) : AMANDA CONRAD DE AZEVEDO (OAB RS084670) RÉU : ÉRCIO VANOR KLEIN ADVOGADO(A) : DIORGE DIANDER DA CUNHA ROCHA (OAB RS111421) DESPACHO/DECISÃO 1. Designo audiência de instrução para o dia 10 de setembro de 2025, às 13h45min , na qual serão ouvidos: a) testemunhas arroladas pela acusação que serão ouvidas de forma virtual via ZOOM: - Alaete Girardi e Carlos Alberto Seewald (Ev. 478); b) testemunhas arroladas pelas defesas que serão ouvidas de forma virtual via ZOOM: - Ciro Galvan, testemunha arrolada pelo réu SÉRGIO (Ev. 514); - Sérgio Borba, Tiago Spitiba e Júlia Kormbauer Lange, testemunhas arroladas pelo réu ÉRCIO (Ev. 515); - Ricardo Severo Berleze, testemunha arrolada pelo réu RONEI (Ev. 46); - José Hermero Hoffmann, testemunha arrolada pelo réu MÁRIO (Ev. 476); - Luiz Pedro Leite, testemunha arrolada pelo réu THIAGO (Ev. 474) ; - Thiago Machado Delabary, testemunha arrolada pela ré MIRIA (Ev. 479) ; c) testemunhas arroladas pelas defesas que serão ouvidas de forma presencial na Subseção Judiciária de Lajeado: - Eraldo Antonio Schneider, testemunha arrolada pelos réus SÉRGIO e ÉLCIO (Ev. 514 e 515) ; - Carli Huwe, testemunha arrolada pelos réus SÉRGIO e ROGÉRIO (Ev. 514 e 475) ; - Luís Fernando Mallmann, testemunha arrolada pelos réus GILMAR e ROGÉRIO (Ev. 475) ; - Alexandre Schossler, testemunha arrolada pelo réu SÉRGIO (Ev. 514); 2. Designo audiência de instrução para o dia 16 de setembro de 2025, às 13h45min , na qual serão ouvidos: - Francisco de Souza Abrahão, Márcia Dick, Renato Kremeier, Leodi Luiz Pav, Itamar Henz, Gilmar Hoss, Marcelo Drebes, Reginaldo Morais, Jocélia Junqueira, Rugard Inácio Posselt, Daniel Kuhn e Fabio Vedoy, testemunhas arroladas pelo réu ÉRCIO (Ev. 515); - Luiz Carlos Locatelli, testemunha arrolada pela ré MIRIA (Ev. 479) ; 3. Designo audiência de instrução para o dia 17 de setembro de 2025, às 13h45min , na qual serão ouvidos: - Valmor Mantelli, Roberto Scorsatto, Arleide Scaravanattizen, Valmor Kappler e Luiz Carlos Haenssgen, testemunhas arroladas pelo réu MÁRIO (Ev. 476); - Moacir Moisés Martins e Carlos Alberto da Silva, testemunha arrolada pelo réu ROGÉRIO (Ev. 475); - Roque Vargas, testemunha arrolada pelo réu GILMAR (Ev. 475); - Joel de Moraes Flores, Luciane Ester de Gregori Dutra, Mateus Henrique Turba e Roger Ramos Niederauer Leote, testemunhas arroladas pelo réu RONEI (Ev. 46); - Léo Antônio Schereen e Pedro Roque Schneider, testemunhas arroladas pelo réu JORGE (Ev. 86). 4. Designo audiência de instrução para o dia 30 de setembro de 2025, às 13h45min , na qual serão interrogados os acusados: a) SERGIO ALBERTO SEEWALD , de forma virtual via ZOOM junto à PENITENCIARIA MODULADA ESTADUAL DE OSORIO; b) JORGE LUIZ PINTO SOARES , ÉRCIO VANOR KLEIN , MÁRIO STOCKMANN , PAULO JAIME PETRY e ROGÉRIO ERNANI LOPES DA SILVA , de forma presencial na Subseção Judiciária de Lajeado/RS; 5. Designo audiência de instrução para o dia 01 de outubro de 2025, às 13h45min , na qual serão ouvidos: c) RONEI NIEDERAUER LEOTE e MIRIA TERESINHA HAUSCHILD , de forma presencial na Subseção Judiciária de Santa Maria/RS; d) PAULO REGIS MOTTA , de forma virtual via ZOOM; e) THIAGO SCHLOTTFELDT LEITE , de forma presencial na Subseção Judiciária de Porto Alegre/RS; f) GILMAR LAUTERT , de forma presencial na Subseção Judiciária de Capão da Canoa/RS; Ressalto, por oportuno, que o depoimento de testemunhas meramente abonatórias poderá ser substituído por declarações escritas . Saliento que fica facultado aos réus a sua participação virtual via ZOOM nas oitivas das testemunhas, devendo, obrigatoriamente , estarem presentes na ocasião de seu interrogatório, com exceção do réu PAULO RÉGIS que participará de todos os atos de forma virtual, considerando estar integrado ao sistema PROTEGE. Com relação ao MPF e defensores, fica facultada a sua participação em todos os atos de audiência por meio virtual, via ZOOM, através dos links: Dia 10/09/2025 às 13h45min: https://jfrs-jus-br.zoom.us/j/84426822061 Dia 16/09/2025 às 13h45min: https://jfrs-jus-br.zoom.us/j/81507855832 Dia 17/09/2025 às 13h45min: https://jfrs-jus-br.zoom.us/j/82520382454 Dia 30/09/2025 às 13h45min: https://jfrs-jus-br.zoom.us/j/84937837785 Dia 01/10/2025 às 13h45min: https://jfrs-jus-br.zoom.us/j/88089219346 Intimem-se preferencialmente por meios eletrônicos.
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Tribunal: TJRS | Data: 07/07/2025Tipo: IntimaçãoAÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº 5009107-37.2018.8.21.0019/RS RÉU : LUIZ ALBERTO BASSETTO ADVOGADO(A) : Thiago Tibinka Neuwert (OAB PR061638) ADVOGADO(A) : Eduardo Sanz de Oliveira e Silva (OAB PR038716) RÉU : JOSÉ LUIZ WUTTKE ADVOGADO(A) : CARLOS EDUARDO SCHEID (OAB RS055419) ADVOGADO(A) : ISADORA HANAUER (OAB RS118683) ADVOGADO(A) : JOAO PEDRO MEINHARDT DA ROSA (OAB RS136074) RÉU : ANTONIO LUIS WUTTKE ADVOGADO(A) : AMANDA CONRAD DE AZEVEDO (OAB RS084670) ADVOGADO(A) : CARLOS EDUARDO SCHEID (OAB RS055419) ADVOGADO(A) : ISADORA HANAUER (OAB RS118683) ADVOGADO(A) : JOAO PEDRO MEINHARDT DA ROSA (OAB RS136074) SENTENÇA Ante o exposto, diante da prescrição da pretensão punitiva estatal, declaro EXTINTA A PUNIBILIDADE do réu JOSÉ LUIZ WUTTKE, com relação aos fatos delituosos descritos na denúncia, com base no art. 107, IV, do Código Penal.
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Tribunal: TJRS | Data: 18/06/2025Tipo: IntimaçãoProcesso sigiloso Para visualização do documento, consulte os autos digitais
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