Rosa Maria Neves Abade

Rosa Maria Neves Abade

Número da OAB: OAB/SP 109664

📋 Resumo Completo

Dr(a). Rosa Maria Neves Abade possui 67 comunicações processuais, em 25 processos únicos, com 17 comunicações nos últimos 7 dias, processos entre 1984 e 2025, atuando em TJSP, TJRJ, TRF3 e especializado principalmente em APELAçãO CRIMINAL.

Processos Únicos: 25
Total de Intimações: 67
Tribunais: TJSP, TJRJ, TRF3
Nome: ROSA MARIA NEVES ABADE

📅 Atividade Recente

17
Últimos 7 dias
50
Últimos 30 dias
66
Últimos 90 dias
67
Último ano

⚖️ Classes Processuais

APELAçãO CRIMINAL (25) AGRAVO DE INSTRUMENTO (8) EXECUçãO DA PENA (6) AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO (4) AGRAVO DE EXECUçãO PENAL (4)
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Processos do Advogado

Mostrando 10 de 67 intimações encontradas para este advogado.

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  2. Tribunal: TJSP | Data: 23/07/2025
    Tipo: Intimação
    Processo 0003491-28.2022.8.26.0007 (apensado ao processo 1021508-37.2018.8.26.0007) (processo principal 1021508-37.2018.8.26.0007) - Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica - Direito de Vizinhança - Rozangela Soares Batista Kikugawa - - Francisco Manuel Toste da Silva Junior - - Gustavo Dib Costa - - Horus Participações Ltda - Vistos. Cumpra-se a r. decisão do(a) Exmo(a). Desembargador(a) Relator(a) que concedeu efeito suspensivo ao recurso. Mantenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos. Feito suspenso. Voltem conclusos em 90 dias. Int. - ADV: ALTEMAR BENJAMIN MARCONDES CHAGAS (OAB 255022/SP), ROSA MARIA NEVES ABADE (OAB 109664/SP), ROSA MARIA NEVES ABADE (OAB 109664/SP), DENISE DE FATIMA CANTIERI (OAB 151842/SP), ELI ALVES NUNES (OAB 154226/SP), FILIPE BARONE (OAB 364098/SP), FILIPE BARONE (OAB 364098/SP), PRISCILLA LACOTIZ (OAB 275339/SP), ALTEMAR BENJAMIN MARCONDES CHAGAS (OAB 255022/SP)
  3. Tribunal: TRF3 | Data: 22/07/2025
    Tipo: Intimação
    PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A Advogados do(a) APELANTE: MARCELA TERRA DE MACEDO - SP381227-A, RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Foram interpostas Apelações pelas defesas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 56 – ID 170518607 e fls. 207/256 - ID170518682), VAGNER FABIANO MOREIRA (fls. 59/85 - ID 170518607), MAURO SERGIO ARANDA (fl. 215 – ID 170518759 e fls. 57/61 - ID 170518682), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (fl. 218 - ID 170518759 e fls. 163/206 - ID 170518682), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (fl. 156 – ID 170518607 e fls. 163/206 - ID 170518682), EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (fl. 219 - ID 170518759 e fls. 263/301 - ID 170518682), FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (fl. 03 – ID 170518607 e fls. 86/93 - ID 170518607), MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (fl. 04 – ID 170518607e fls. 51/55 - ID 170518682), EDSON FERREIRA DA SILVA (fl. 05 - ID 170518607 e fls. 62/65 - ID 170518682), JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (fls. 06/17 - ID 170518607) e CLEIDE MARIA RIBEIRO (fl. 27 ID 170518607 e fls. 157/169 - ID 170518607), em face da r. sentença, proferida, em 10.05.2018 (fls. 58/184 – ID 170518759 e fls. 236/243 - ID 170518759), pelo Exmo. Juiz Federal Silvio Luis Ferreira da Rocha (10ª Vara Federal Criminal de São Paulo-SP), que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para: rejeitar parcialmente a denúncia, para todos os acusados, por inépcia, tão somente em relação às acusações de prática do delito de formação de quadrilha (associação criminosa), previsto no art. 288 do Código Penal (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013). condenar VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), nascido em 24.07.1962, pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), de dois delitos de corrupção passiva qualificada (2ª e 7ª condutas) e de três delitos de corrupção passiva (6ª, 8ª e 11ª condutas) – em concurso material; pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva; pela prática de quatro delitos de violação de sigilo funcional (1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) – em continuidade delitiva; e pela prática de um delito de lavagem de dinheiro, à pena de 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa; absolver VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), por insuficiência de provas, de duas acusações relacionadas à prática de corrupção passiva (3ª e 5ª condutas), de três acusações relacionadas à prática de corrupção passiva qualificada (9ª conduta) e de uma acusação relacionada à prática de violação de sigilo funcional (2ª conduta); absolver DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 02.07.1976, por insuficiência de provas, das acusações relacionadas à prática de três delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª e 4ª condutas), de um delito de corrupção ativa (3ª conduta) e de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), nascido em 12.04.1976, pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, bem como pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição; absolver VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) de acusação relacionada à prática de um delito de violação de sigilo funcional (2ª conduta); condenar MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), nascido em 04.11.1967, pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), nascida em 15.05.1958, pela prática, por três vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (5ª conduta), à pena de 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de três delitos de corrupção ativa (9ª conduta); condenar JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), nascido em 09.02.1963, pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 24.07.1981, pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar MAURO SERGIO ARANDA, nascido em 08.1.1969, pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), nascido em 03.10.1964, pela prática, por duas vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas), à pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), nascido em 01.06.1938, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), nascida em 24.06.1950, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), nascida em 29.08.1975, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se apurou a suposta existência de quadrilha (associação criminosa), em tese liderada pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializada em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros membros da quadrilha a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, VAGNER FABIANO MOREIRA, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, todos relacionados a escritórios de contabilidade, seriam, também, membros da agremiação criminosa e responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia a DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se apurou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. As condutas criminosas praticadas foram assim descritas, em síntese, na denúncia (fls. 03/38 – ID 170518764): CRIME DE QUADRILHA (art. 288 do CP, antes do advento da Lei n.° 12.850/2013). Narrou a exordial que, pelo menos desde o início de 2011 até o dia 16 de maio de 2013, VITOR, DENIS, VAGNER, MÁRCIO, CLEIDE, SIQUEIRA, DARCY, IZA e EDILAINE associaram-se, em quadrilha, com estabilidade e permanência, para o fim de cometer crimes contra a Administração Pública e de ‘lavagem’ de ativos financeiros (...) – fls. 04/05 – ID 170518764. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA (artigos 317 e 333 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP, por duas vezes): no dia 26.03.2013, às 21h43, por intermédio de mensagem SMS, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que suspendesse o processamento das DIRPFs de quatro contribuintes (“clientes”). Em razão disso, em 01.04.2013, às 12h04 e às 12h06, VITOR, cedendo a tal pedido, efetuou a suspensão da contagem dos prazos relativos às declarações (DIRPF-2012) de dois daqueles contribuintes (Luiz Cesar Nogueira e Andrea Bicudo Leite), ambas retidas em “malha fina”, não o fazendo no tocante aos demais contribuintes, porque estes não possuíam domicílio em São Paulo-SP. - 2ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS (contador), para si, diretamente, em razão de sua função, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luis Fernando, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. - 3ª Conduta - VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 10h48, por meio de trocas de mensagens via telefone celular, DENIS (contador) ofereceu o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a VITOR (auditor fiscal), para que este “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) da contribuinte Daiana. Em resposta, VITOR solicitou, como contrapartida, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), o que foi aceito por DENIS. - 4ª Conduta – VITOR e DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 23.04.2013, às 10h45, por meio de conversa telefônica, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) do contribuinte Chafik, retido em função de deduções com despesas médicas, tendo sido esse pedido prontamente atendido por VITOR. - 5ª Conduta - VITOR, DENIS E FÁBIO (prática de corrupção passiva com concurso de agentes – art. 317, caput, do CP): no dia 21.04.2013, às 14h53, DENIS e FÁBIO (contadores), previamente ajustados com unidade de desígnios e identidade de propósitos com VITOR (auditor fiscal), solicitaram, para eles e para VITOR, diretamente, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dos quais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) seriam destinados a VITOR, como contrapartida pela “liberação da malha fina” de duas declarações (DIRPF) relacionadas a pessoa conhecida como Hernan. - 6ª Conduta – VITOR E VAGNER (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 14h36, VAGNER (contador) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que a declaração (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador fosse “retirada da malha fina”, tendo sido a referida proposta aceita por VITOR. - 7ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula, o que foi feito no dia 17.04.2013, às 13h53, tendo sido a restituição da referida contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. - 8ª Conduta – VITOR E MÁRCIO (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput e 333, ambos do CP): no dia 25.04.2013, às 9h34, MÁRCIO (contador e advogado) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente no pagamento de valor a ser decidido pelo funcionário público, a fim de que este “liberasse da malha fina” as declarações (DIRPFs) dos contribuintes Emerson Favero e Lilian Martzioros, proposta esta que foi aceita por VITOR. Posteriormente, além de fornecer a MÁRCIO (contador) orientações sobre como elaborar as declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes, VITOR (auditor fiscal) informou que as declarações seriam retidas em “malha fina” e que cobraria R$ 10.000,00 (dez mil reais) para “liberar” a DIRPF de Emerson e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para “liberar” a DIRPF de Lilian. Durante a execução de mandado de busca e apreensão, as DIRPFs/2013 desses dois contribuintes foram apreendidas na residência de VITOR (auditor fiscal). - 9ª Conduta – VITOR E CLEIDE (prática de corrupção passiva qualificada e ativa – artigos 317, caput e §1º, e 333, ambos do CP): no dia 10.04.2023, às 13h45, CLEIDE (contadora), por intermédio de correio eletrônico, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagens indevidas consistentes em pagamentos de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e R$ 6.000,00 (seis mil reais), a fim de que ele “retirasse da malha fina” alguns clientes da contadora, dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide. No dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, VITOR (auditor fiscal) efetuou a “liberação da malha fina” das declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano, mesmo sem emissão de intimações aos contribuintes nem elaboração de dossiês eletrônicos e, no dia 12.06.2012, às 9h45, VITOR “liberou da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de Gerson Gomide. As declarações supracitadas apresentavam deduções elevadas a título de pagamentos de despesas médicas inidôneas ao Hospital Albert Einstein, expediente fraudulento que foi citado por CLEIDE (contadora) na mensagem eletrônica. - 10ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 22.03.2013, às 13h27, VITOR (auditor fiscal), por intermédio do sistema informatizado da Secretaria da Recita Federal, infringiu dever funcional ao alterar o conteúdo da declaração (DIRPF/2012) de Marina Andrade de Campos Maia, o que ocorreu porque VITOR cedeu ao pedido de Eduardo (funcionário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), que, em conversa interceptada no dia 22.03.2013, solicitou a VITOR (auditor fiscal) que efetuasse as alterações necessárias na DIRPF/2012 de Marina. A alteração consistiu na glosa de despesas médicas de R$ 4.251,50 (quatro mil, duzentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos), gerando liberação de restituição de imposto de renda em benefício de Marina. De acordo com a exordial acusatória, era prática comum VITOR elaborar ou modificar DIRPF a pedido de Eduardo, todas relacionadas com supostos funcionários públicos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 14 – ID 170518764). - 11ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva – art. 317, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 15h46, VITOR (auditor fiscal) solicitou a SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. CRIMES DE PECULATO ELETRÔNICO (art. 313-A do CP). - 1ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h07, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, mediante a afirmação (inverídica) de que EDSON teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2010). No dia 30.06.2010, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2010 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF, bem como “liberou-a da malha fina”, inserindo no sistema as informações mencionadas. Assim, em 01.03.2012, foi disponibilizada a EDSON restituição de imposto de renda no montante de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos). - 2ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h08, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, referentes à declaração (DIRPF/2011) desse contribuinte. No dia 12.05.2011, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2011 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF/2011, bem como “liberou-a da malha fina”, tendo sido disponibilizada a EDSON, em 01.03.2012, restituição de imposto de renda no montante de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos). - 3ª Conduta – VITOR E FÁBIO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 01.04.2013, às 12h18, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com FÁBIO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2010) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada, ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição de imposto de renda. Segundo consta, poucos dias depois, em 08.04.2013 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, sobre a referida liberação, demonstrando que ambos tinham conhecimento sobre ela. - 4ª Conduta VITOR E SIQUEIRA (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): nos dias 18.03.2013, às 15h11, e 19.03.2013, às 11h53, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com SIQUEIRA (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, a fim de “liberá-la da malha fina”, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Verificou-se, durante conversa interceptada no dia 26.03.2013, que SIQUEIRA (contador) perguntou a VITOR (auditor fiscal) sobre a situação da DIRPF de Marcelo, respondendo VITOR que já havia realizado a sua parte. - 5ª Conduta - VITOR E CLEIDE (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como em 12.06.2012, às 09h45, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com CLEIDE (contadora), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José, Olavo e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações. Após as declarações terem sido “liberadas da malha fina”, foram disponibilizadas, aos contribuintes, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.0800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Segundo consta, CLEIDE (contadora), por intermédio de e-mail enviado em 10.04.2013, prometeu pagamentos indevidos a VITOR para que este “retirasse” seus clientes da “malha fina” e aduziu que preencheria as DIRPFs 2013 da mesma forma que fez no ano passado, com exceção das declarações de Maria José, de Olavo e de Gerson Gomide (fls. 18/19 – ID 170518764), o que demonstra que VITOR e CLEIDE agiam em conjunto ao menos desde 2012. - 6ª Conduta – VITOR E MAURO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 26.04.2013, às 13h44, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com MAURO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à DIRPF/2012 de Henry Luis Fornitano, mediante a afirmação (inverídica) de que este teria comprovado as deduções constantes de suas declarações. Segundo consta, a referida DIRPF havia sido retida em “malha fina” em 10.04.2013 e, em 17.04.2013, MAURO relatou que havia pendência com lançamento referente ao Bradesco Saúde, oportunidade em que VITOR declarou que iria “resolver o problema”. Como resultado, a conduta criminosa gerou, em favor do contribuinte, a restituição de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). CRIMES DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art. 325 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 19.03.2013, às 11h18, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à suspensão do Cadastro de Pessoa Física (CPF) de Álvaro Affonso de Miranda Netto (“Doda”) em razão de não ter sido entregue a declaração (DIRPF/2012), fato de que teve ciência em razão de sua função. Durante conversa telefônica entre VITOR e VAGNER, o contador (VAGNER) pediu ao auditor fiscal (VITOR) que pesquisasse no sistema da Delegacia da Receita Federal o motivo pelo qual o CPF de “Doda” encontrava-se suspenso. - 2ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 22.03.2013, às 14h01, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informações sigilosas relacionadas ao sistema de “malha fina” das quais teve ciência em razão de sua função. Em diálogo interceptado, o contador (VAGNER) indagou ao auditor fiscal (VITOR) se rendimentos com aluguéis e royalties poderiam ser lançados na declaração de imposto de renda de pessoa jurídica como sendo “Livro Caixa”, ao que VITOR respondeu que não, porque o sistema da DRFB não aceitava ‘Livro Caixa’ para essa situação, somente sendo permitido no caso de DIRPF (fl. 20 – ID 170518764). - 3ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 25.03.2013, às 13h39, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à declaração (DIRPF) de Daniela Bonfá, ex-esposa de VAGNER, da qual teve ciência em razão de sua função. Por meio de mensagem SMS, VAGNER perguntou a VITOR se este poderia acessar a DIRPF de sua ex-esposa e, no mesmo dia, VITOR revelou que a referida DIRPF ainda estava sendo processada no sistema. - 4 ª Conduta – VITOR E ANTONIO (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 03.04.2013, às 15h30, e em 09.04.2013, às 11h55, VITOR (auditor fiscal) revelou a ANTONIO ANGELO FARAGONE informações sigilosas acerca da sociedade empresária KOMPAC SERVIÇOS ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO LTDA, estas relacionadas ao cadastro, identidade dos sócios, patrimônio dos sócios e declarações de imposto de renda, das quais teve ciência em razão de sua função. - 5ª Conduta – VITOR E MARCOS (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 09h44, 09h46, 09h47 e 09h50, VITOR (auditor fiscal) revelou a MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA informações sigilosas relacionadas a bens imóveis de propriedade do pai, irmão e mãe de MARCOS (Wilma Menin de Avila), bem como da sociedade empresária WILMA MENIN DE AVILA ME, das quais teve ciência em razão de sua função. CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS (art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998, com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012). Narrou a denúncia que, entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013, VITOR, EDILAINE (ex-esposa), DARCY (sogro) e IZA (sogra), agindo com unidade de desígnios e identidade de propósitos, por, pelo menos, 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. Segundo a exordial: VITOR se utilizava dessas pessoas, com o conhecimento delas, para o desiderato de ocultar e dissimular o proveito criminoso das infrações penais funcionais por ele perpetradas (...). Apurou-se, de ato, que VITOR registrava parte de seus bens em nome de seu núcleo familiar. Ocorre que essas pessoas não tinham como comprovar renda suficiente que confirmasse a possibilidade de suportar os bens registrados em seus nomes, razão pela qual VITOR, valendo-se do cargo de Auditor–fiscal lotado no setor de ‘malha fina’ da DRFB, elaborava declarações de imposto de renda fictícias, criando rendas inexistentes, capazes, então, de comprovar o patrimônio declarado. (...) em 2006, VITOR e EDILAINE possuíam um total de recursos disponíveis de R$ 71.253,69 (setenta e um mil, duzentos e cinquenta e três reais e sessenta e nove centavos), sendo que, em 2011, totalizavam o valor de R$ 133.219,35 (cento e trinta e três mil, duzentos e dezenove reais e trinta e cinco centavos). EDILAINE, na DIRPF 2012, a título de ‘indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho; FGTS’, declarou, como rendimento isento, o valor de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais), mesmo afirmando que não trabalhava (...). Não obstante, registre-se que EDILAINE não exercia qualquer atividade remunerada que pudesse justificar todo patrimônio que estava declarado em seu nome (...). Ainda sob esse contexto, observe-se a variação patrimonial dos sogros de VITOR, que declararam recursos disponíveis negativos em 2006 e, no ano de 2011, um saldo positivo de R$ 52.847,76 (cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta e sete reais e setenta e seis centavos) (...). DARCY e IZA declararam R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) como rendimentos recebidos de pessoa física, entre os anos de 2006 e 2011, sem, contudo, demonstrarem a origem dos valores, restando apurado que, em verdade, esses recursos são oriundos dos delitos funcionais levados a efeito por VITOR (...). Em 20/03/2013, às 11:19 (horário inicial), VITOR dialogou com DARCY acerca da abertura de uma conta bancária, indicando que ele era peça fundamental para o cometimento do delito de ‘branqueamento’ de ativos financeiros perpetrado pelo núcleo familiar de VITOR e por outros integrantes da quadrilha (...). Deveras, nova conversa telefônica travada entre VITOR e DARCY no dia 21/03/2013, às 18:52 horas (horário inicial), demonstra claramente que DARCY e IZA possuíam contas bancárias que serviam para a ocultação e a dissimulação dos proveitos dos delitos cometidos pela quadrilha (...). Outro elemento de convicção constante dos autos emerge do diálogo entre VITOR e DARCY, ocorrido na data de 04/04/2013, às 17:07 horas (horário inicial). Nele, os interlocutores conversaram sobre cartões oriundos do Banco Itaú. Ressalte-se que DARCY asseverou a VITOR que chegaram as cartas do ‘nosso’ banco (...). Ainda, tratando das contas bancárias utilizadas pela quadrilha, em 05/04/2013, às 15:55 horas (horário inicial), VITOR conversou com FABIANA, gerente do Banco Itaú Personnalité, no qual VITOR possui uma conta. Na conversa, a gerente ressaltou o volume expressivo de recursos na conta bancária de VITOR, incompatíveis com a sua atividade profissional. Na mesma oportunidade, ela ofereceu um investimento ao denunciado para volume acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). O ponto mais importante da conversa é o momento em que VITOR afirma que opera as contas de seus sogros, mesmo sem possuir procuração para tanto (...), o que, mais uma vez, denota a importância do núcleo familiar para o cometimento do delito de ‘lavagem’ de dinheiro. Ainda nessa mesma linha, observe-se o caso do ‘serviço’ prestado em favor de JESUALDO GUEDES PEREIRA FILHO. Em troca da elaboração da DIRPF do particular, com informações inverídicas, VITOR recebeu R$ 2.000,00 (dois mil reais), os quais foram depositados, a pedido de VITOR, na conta n.° 045113-4 (...), pertencente a DARCY (...). Ademais, o ‘e-mail’ enviado por VITOR a MAICEL ANESIO TITTO, outra pessoa que se beneficiava das ilegalidades praticadas pela associação criminosa, no dia 08/04/2013, às 19:06 horas, é mais um demonstrativo de que VITOR se utilizava das contas bancárias de DARCY e de IZA, ambas mantidas no Banco Itaú, (...), sempre com a anuência destes, visando o recebimento de valores provenientes de suas atividades criminosas (...). (...) foi elaborada pela Delegacia da Receita Federal uma relação dos cheques emitidos em favor do núcleo familiar de VITOR e dos contribuintes que tiveram suas declarações de imposto de renda acessadas pelo Auditor-Fiscal (...). Veja-se que foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco do Brasil, o total de 126 (cento e vinte e seis cheques) (...). Por sua vez, foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco Itaú, o montante de 140 (cento e quarenta) cheques (...). A somatória dos valores dos cheques supramencionados ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo que, em relação a todos esses contribuintes, VITOR acessou suas DIRPF no sistema da SRFB para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Além dos cheques supracitados, também foram apreendidos na residência de VITOR outros cheques de clientes da quadrilha, cuja soma alcança a cifra de R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais) (...). Ademais, na execução de mandado de busca e apreensão na residência de EDILAINE, foi apreendida também grande quantidade de cheques emitidos para o pagamento pelos ‘serviços’ da associação criminosa. A soma dos valores lançados nos títulos de crédito aponta para o importe de R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais). Dentre os cheques apreendidos na ocasião, encontram-se (i) cheques nominais ao investigado DENIS, totalizando o valor de R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais); (ii) cheques de contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP (‘internet protocol’) de VITOR (...), cuja soma é de R$ 13.900,00 (treze mil e novecentos reais); e (iii) cheques de contribuintes mencionados pelos denunciados durante as interceptações telefônicas (...), perfazendo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Todos os cheques foram emitidos à guisa de pagamento pelos crimes cometidos pela quadrilha, em benefício dos contribuintes, sendo os depósitos efetuados nas contas de DARCY, IZA e EDILAINE para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Reforça essa assertiva o fato de que, após a deflagração da ‘Operação Publicano’, os contribuintes Rebeca Maria Filgueiras Moura Sampaio, Luiz Antonio Moura Sampaio e Alberto de Souza Cotrim Filho enviaram à SRFB declarações retificadoras de imposto de renda com um aumento significativo do valor de imposto devido. Por fim, VITOR também se utilizava da aquisição de imóveis no nome de pessoas de seu núcleo familiar para ocultar e dissimular a origem dos valores provenientes dos delitos praticados pela quadrilha. Nesse sentido, em 23/03/2013, às 12:01 horas (horário inicial), VITOR afirmou ao corretor de imóveis LUIS que adquiriu um terreno na Alameda Piava, construindo ali um imóvel, apesar de esse bem estar declarado nas DIRPFs de DARCY e IZA (...). Na conversa, VITOR afirmou que pagou R$650/m2, o que faria com que o valor total da transação fosse de aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Contudo, no registro do referido imóvel, aparece que ele foi adquirido por DARCY e IZA mediante o pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou seja, em torno de R$ 240/m2 (...). Portanto, além de VITOR ter registrado o bem no nome de seus sogros, também declarou um valor muito inferior do que o realmente pago, utilizando-se de valores provenientes dos crimes perpetrados pela quadrilha (...) - (fls. 23/35 – ID 170518764). Assim, o Ministério Público Federal denunciou: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes), corrupção passiva (por 5 –cinco – vezes, referentes às 3ª, 5ª, 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 5 – cinco – vezes, referentes às 2ª, 9ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quatro – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas) e violação de sigilo funcional (por 5 – cinco – vezes); 2. DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta), corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 3ª conduta) e corrupção privilegiada (por 3 – três – vezes, referentes às 1ª e 4ª condutas); 3. VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 3 – três – vezes); 4. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). 5. CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 3 – três – vezes, referentes à 9ª conduta) e peculato eletrônico (por 3 – três – vezes); 6. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 7. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 8. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 9. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 10. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez) e corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta); 11. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 12. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes); 13. ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma – vez); 14. MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma - vez). Tipificação: art. 288, caput (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013), art. 317, caput e §§ 1 º e 2º, art. 333, art. 313-A, art. 325, caput, todos do Código Penal e art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998 (com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012), c.c. art. 71, caput, do Código Penal. A denúncia foi recebida em 07.01.2014 (fls. 45/52 – ID 170518764). Em 29.08.2014, após a redistribuição do feito nos termos do Provimento CJF3R n.° 417/2014, anulou-se o recebimento da denúncia tão-somente em relação ao acusado VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a fim de que lhe fosse dada a oportunidade de oferecer defesa preliminar, na forma do art. 514 do Código de Processo Penal (fls. 184/186 - ID 170518762). Depois de sopesados os argumentos apresentados, a denúncia foi recebida, em face de VITOR, em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612). Em relação ao corréu ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), os autos foram desmembrados (distribuídos sob n.° 0002347-09.2016.403.6181) e, em 12.09.2016, reconheceu-se a prescrição da pretensão punitiva, tendo sido declarada extinta a punibilidade deste corréu (fl. 54 – ID 170518611). Em relação ao corréu MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, os autos foram desmembrados em 19.01.2017 (distribuídos sob o n.° 0000445-84.2017.6681), em razão da concessão de Habeas Corpus em seu favor. Em relação ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, transitou em julgado, em 14.12.2016, decisão proferida pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no bojo do RHC n.° 75520 - Habeas Corpus n.° 0001857-03.2016.4.03.0000, que reconheceu, para ele, a inépcia da denúncia no tocante ao delito de formação de quadrilha (associação criminosa). O Ministério Público Federal requereu, então, a extensão dos efeitos dessa decisão aos corréus, o que foi deferido pelo r. juízo a quo no bojo da r. sentença, tendo sido a imputação da prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal excluída em relação a todos os réus (fl. 83 – ID 170518759). A r. sentença (fls. 58/184 – ID 170518759) julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, determinando: i) para o crime de quadrilha: a rejeição, por inépcia, da denúncia e a correspondente exclusão da imputação da prática desse delito em relação a todos os réus; ii) para os crimes de corrupção ativa e passiva: a condenação dos acusados pela prática das 1ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 2ª, 4ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 6ª, 7ª, 8ª, 10ª e 11ª condutas e a absolvição dos acusados em relação às 3ª, 5ª e 9ª condutas; iii) para os crimes de peculato eletrônico: a condenação dos acusados pela prática das 6 (seis) condutas descritas; iv) para os crimes de violação de sigilo funcional: a condenação dos acusados pela prática das 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas e a absolvição destes em relação à 2ª conduta; v) para os crimes de lavagem: a condenação de todos os acusados. Foi determinada, como efeito extrapenal da condenação, a perda do cargo de auditor-fiscal em que estava regularmente investido VITOR AURÉLIO SZWARTUCH. Foi decretada a perda, em favor da União, dos seguintes bens: i) imóvel registrado em nome dos corréus DARCY e IZA; ii) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR, EDILAINE, IZA e DARCY; iii) valores bloqueados em contas de titularidade dos acusados; iv) valores bloqueados relativos a planos de previdência em nome dos acusados. Foi fixada, como valor mínimo para a reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais). Foram condenados: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes, em continuidade delitiva), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, em continuidade delitiva, tendo havido absolvição em relação a uma das imputações), corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas, tendo havido absolvição em relação às 3ª e 5ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas, tendo havido absolvição em relação à 9ª conduta) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas). Para os crimes de corrupção passiva, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva qualificada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva privilegiada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de peculato eletrônico, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 2/3 (dois terços) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 4 (quarto) anos e 2 (dois) meses de reclusão de 22 (vinte e dois) dias-multa. Para os crimes de violação de sigilo funcional, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/4 (um quarto) pela continuidade delitiva (vide fl. 240 – ID 170518759), ficando a pena definitiva fixada em 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção. Para o crime de lavagem de dinheiro, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A soma dessas penas resultou em 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa. Houve, ainda, a determinação de perda do cargo de Auditor Fiscal. 2. VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática dos delitos de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva, referentes à 1ª e 3ª condutas). Para os crimes de violação de sigilo funcional, foi reconhecida a extinção da punibilidade do acusado em razão do decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da r. sentença condenatória. Para o crime de corrupção ativa, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 3. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática do delito de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 4. CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 3 –três – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/5 (um quinto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 5. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 6. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 7. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 8. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/6 (um sexto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 9. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 10. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 11. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos. Em suas razões de Apelação (fls. 207/256 - ID170518682), a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682) e tendo-se em vista que houve “decisões diferentes em condutas envolvendo mesmos réus” (fl. 226 - ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) “o juiz não está autorizado a condenar o réu naqueles processos em que o Ministério Público se manifestou pela sua absolvição” (fl. 232 - ID 170518682), razão pela qual o acusado deve ser absolvido das acusações relacionadas aos crimes de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, tendo-se em vista o posicionamento ministerial pela absolvição em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do CPP pela Constituição Federal; iv) em relação à 1ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois a suspensão provisória do prazo é procedimento normal realizado por auditores fiscais, sendo o encerramento realizado de maneira automática quando não há a apresentação de documentos comprobatórios de despesas, não se havendo de falar, portando, violação de dever funcional; v) em relação à 2ª conduta (corrupção passiva qualificada), não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento; vi) em relação à 4ª conduta (corrupção passiva privilegiada), as transcrições não comprovam qualquer ilicitude relacionada à liberação do contribuinte Chafik Kanhouce da “malha fina”, a qual se deu “por trâmite normal” (fl. 237 – ID 170518682); vii) em relação à 6ª conduta (corrupção passiva), há atipicidade, pois o que ocorreu foi mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Afirma que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682); viii) em relação à 10ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois o réu “agiu de acordo com o que exige a sua função” (fl. 239 – ID 170518682); ix) em relação aos delitos de peculato eletrônico, o próprio órgão acusador posicionou-se pela absolvição de todos os réus. Aduz que todas as condutas são atípicas, já que não existiu inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682); x) em relação aos delitos de violação de sigilo funcional, as 1ª e 3ª condutas são atípicas, pois as informações reveladas pelo apelante não possuíam “nenhuma relevância ou importância, não tendo o condão de serem classificadas como ‘segredo’” (fl. 246 – ID 170518682) e, quanto às 4ª e 5ª condutas, estas “não se referem a sigilo funcional, mas sim a segredo profissional revestido de outro caráter, que é a inviolabilidade da intimidade daquele que tem o segredo revelado” (fls. 246/247 – ID 170518682), de modo que deveria haver a “reclassificação (...) para o previsto no artigo 154 do Código Penal” (fl. 247– ID 170518682), com a consequente extinção da punibilidade do acusado, nos termos do art. 109, V, do CP; xi) quanto ao delito de lavagem de dinheiro, afirma que o que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro; xii), quanto à dosimetria, deve ser afastado o concurso material dos crimes de corrupção, devendo ser aplicada a fração de aumento prevista no art. 71 do Código Penal; xiii) em relação aos delitos de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, deveria ter sido aplicada pena privativa de liberdade ou multa, mas não ambas cumulativamente. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “foram desconsideradas as questões subjetivas de cada agente e de sua participação no delito” (fl. 277 – ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), uma vez que “a apelante não tinha conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682); iv) requer, subsidiariamente, a incidência da causa de diminuição prevista no art. 29, §1º, do CP (participação de menor importância), a fim de que a pena seja reduzida em 1/3 (um terço); v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a majoração da pena em 1/4 (um quarto); vi) deve haver, diante da revisão da pena, a extinção da punibilidade pela prescrição; vii) deve haver, como consequência da extinção da punibilidade, o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome dos apelantes” (fl. 204 – Id 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alega, em síntese: i) que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, foram opostos embargos de declaração pleiteando-se o levantamento imediato do excesso dos valores constritos e que, no entanto, ao apreciar os referidos embargos declaratórios, o r. juízo a quo acabou determinando, em favor da União, a perda da totalidade do valor bloqueado, equivalente a R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos), bem como aduz ter havido reformatio in pejus, pois a r. sentença havia determinado, tão–somente, o pagamento de dez salários mínimos a título de prestação pecuniária; ii) violação ao princípio da congruência, uma vez que a denúncia não imputou a VAGNER a prática de quaisquer dos crimes de violação de sigilo funcional e, no entanto, este acusado foi condenado pela prática de dois desses delitos; iii) ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607); iv) atipicidade da sexta conduta de corrupção narrada na denúncia; v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa dos vetores “culpabilidade”, “motivos” e “consequências do crime”. Em suas razões de Apelação (fls. 57/61 - ID 170518682), a defesa de MAURO SERGIO ARANDA alega, em síntese, que não há provas suficientes do envolvimento do apelante com os fatos criminosos, razão pela qual este deve ser absolvido. Em suas razões de Apelação (fls. 87/93 - ID 170518607), a defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. Em suas razões de Apelação (fls. 52/55 - ID 170518682), a defesa de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 62/65 - ID 170518682), a defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 07/17 - ID 170518607), a defesa de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA alega, em síntese, que o acusado deve ser absolvido, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607); ii) que não há prova de que a apelante teria concorrido para a prática dos delitos de peculato eletrônico; iii) que o aumento de 1/2 (metade) pela continuidade delitiva se mostrou exacerbado e que deveria ter sido aplicada a fração de aumento mínima de 1/6 (um sexto). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contrarrazões às fls. 21/25 - ID 170518607, fls. 181/196 - ID 170518607, fls. 197/203 - ID 170518607, fls. 204/208 - ID 170518607, fls. 22/45 - ID 170518605, fls. 46/53 - ID 170518605, fls. 54/61- ID 170518605, fls. 62/66 - ID 170518605, fls. 67/71 - ID 170518605 e fls. 72/76 - ID 170518605. Oficiando nesta instância (fls. 87/111 - ID 170518605), o órgão ministerial opinou pela declaração de extinção da punibilidade de Darcy de Oliveira Lopes, pelo transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva estatal, restando prejudicado seu recurso de apelação; pelo provimento parcial do recurso de apelação de Cleide Maria Ribeiro, apenas para o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71, CP); e pelo desprovimento dos recursos de apelação dos demais apelantes (fl. 111 - ID 170518605). Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: ESCLARECIMENTOS INICIAIS SOBRE O RELATÓRIO. O despacho proferido pelo Exmo. Revisor em 26.05.2025 confirmou o Relatório com ressalvas, nos seguintes termos (ID 325722803): Confirmo o relatório, ressalvando que: i) em vez de absolvição, houve a declaração de extinção da punibilidade de VAGNER FABIANO MOREIRA quanto às imputações de violação de sigilo funcional, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal (ID 170518759, p. 178); ii) o recebimento de denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH se deu em 16.6.2015 (ID 170518612, p. 201). Peço dia para julgamento. Em relação à primeira ressalva apontada, é pertinente esclarecer que o corréu VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) foi denunciado pela suposta prática de 3 (três) delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 2ª e 3ª condutas descritas na denúncia) e que, conforme constou do Relatório (vide item “6”), foi absolvido, por ausência de crime, em relação a uma dessas imputações de violação de sigilo funcional (2ª conduta) – vide fl. 126 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759 – e fl. 240 da decisão que apreciou Embargos de Declaração – ID 170518759). Já em relação às outras duas imputações de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), VAGNER FABIANO MOREIRA foi, incialmente, condenado (vide fls. 123/125 e 126/127 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759). Posteriormente, contudo, no corpo da própria sentença (vide fls. 152/153 e 178 da r. sentença - ID 170518759), o r. juízo a quo entendeu por bem reconhecer o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade em relação às três condutas de violação de sigilo funcional, sem se atentar, contudo, à absolvição da 2ª conduta. A página 178 da r. sentença contém, portanto, erro material que, posteriormente, foi corrigido em sede de Embargos de Declaração (fl. 240 – ID 170518759). Ademais, retifico o terceiro parágrafo (item 2) do Relatório. Onde se lê: “pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, leia-se: “pela prática de oito delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, tendo-se em vista que a 5ª conduta refere-se à imputação de três delitos de peculato eletrônico. CONTEXTUALIZAÇÃO. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se investigou, por meio de inquérito policial instaurado em 25.02.2013, a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH requereu o reconhecimento da nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Aduziu, também, que deve ser reconhecida a nulidade da r. sentença por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente). A esse respeito, cabe esclarecer que não se há de falar em nulidade por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. In casu, a única circunstância de ordem subjetiva avaliada como desfavorável em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi a “culpabilidade”, não se havendo de falar, portanto, a despeito do que se alegou, em nulidade por ausência de manifestação expressa, no bojo da r. sentença, acerca dos vetores “antecedentes”, “conduta social” e “personalidade do agente”. Observa-se que, para os crimes em tese praticados por VITOR (corrupção, peculato eletrônico, violação de sigilo funcional e lavagem), considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” por tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fl. 145 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fl. 145 – ID 170518759). O incremento das penas-base foi, portanto, adequadamente motivado, não se havendo de falar em nulidade. Note-se que a valoração negativa do vetor culpabilidade para outros corréus fundamentou-se em razões distintas, relacionadas às características do exercício da profissão de contador, p. ex., de maneira que, em relação a esta circunstância de ordem subjetiva, não prospera a alegação de que “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Por fim, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), constou da fundamentação da dosimetria referente ao corréu VITOR, que: i) os motivos dos crimes teriam sido, “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146 – ID 170518682) e que ii) as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Muito embora, na dosimetria de outros corréus, tenham sido feitas alusões semelhantes para fundamentar-se a valoração negativa desses mesmos vetores, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, até porque se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Ante o exposto, não se vislumbram, no corpo da r. sentença, quaisquer vícios processuais que comprometam a sua validade. Eventual manutenção (ou reforma) da decisão de valorar negativamente tais circunstâncias judiciais será analisada oportunamente, no tópico referente à dosimetria da pena. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS COMO MEIO DE PROVA. O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. De seu turno, o inciso XII do mesmo artigo traz uma ressalva a esse direito, ao dispor sobre a possibilidade de, mediante autorização judicial, haver interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas, desde que para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A expressão "último caso", prevista no inciso XII do referido artigo 5º, refere-se tanto às comunicações telefônicas quanto às telegráficas e de dados, porquanto o legislador constitucional empregou a conjunção "e", tendo optado por distinguir entre o sigilo da correspondência e o sigilo das outras modalidades de comunicação: telegráfica, de dados e telefônica. A Lei n.° 9.296, de 24.07.1996, regulamenta, em doze artigos, os requisitos de aplicabilidade e de autorização, bem como o tempo de duração da interceptação telefônica e/ou telemática, além de tipificar como crime o uso desse meio de prova fora dos parâmetros legais. O prazo regular para a interceptação telefônica é de 15 (quinze) dias, contados a partir da efetivação da medida constritiva, isto é, contados a partir de sua efetiva implementação. Passado esse tempo, é possível a prorrogação, sem limite de vezes, mas sempre mediante autorização judicial e comprovação de que a escuta é indispensável como meio de prova. Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência pátria: EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado. (STF, Primeira Turma, HC n.° 106129 MS, Rel. Min. Dias Toffoli, Julg. em 06.03.2012, DJe-061 Divulg. em 23.03.2012 e Public. em 26.03.2012) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO. PRORROGAÇÃO POR MAIS DE 30 DIAS. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, não ocorrente no presente caso. 2. Segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, desde que devidamente fundamentadas. 3. O Juízo de primeiro grau autorizou o monitoramento das ligações telefônicas por entender que os elementos, já colhidos, demonstravam indícios gravosos de prática criminosa e apontavam para a imprescindibilidade do deferimento da medida excepcional. Posteriormente, prorrogou o prazo das interceptações telefônicas, por concluir que os indícios apurados demonstravam que se tratava de tráfico internacional de cocaína, sendo impossível a utilização de outros meios de prova diante da organização e sofisticação dos criminosos. 4. Habeas corpus não conhecido. (STJ, Sexta Turma, HC n.° 300.768/GO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 16.10.2014, DJe de 06.11.2014) A propósito, a questão ficou pacificada no julgamento de Recurso Extraordinário n.º 625263, tendo sido fixada a seguinte tese (Tema 661): “São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”. Confira-se: CONSTITUCIONAL E PENAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AFASTAMENTO DO SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS QUE SOMENTE PODERÁ SER DECRETADO, DE FORMA EXCEPCIONAL, POR ORDEM JUDICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PELO JUIZ COMPETENTE PARA A AÇÃO PRINCIPAL, QUANDO O FATO INVESTIGADO CONSTITUIR INFRAÇÃO PENAL PUNIDA COM RECLUSÃO E DESDE QUE PRESENTE A INDISPENSABILIDADE DESSE MEIO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÕES SUCESSIVAS DESDE QUE DEMONSTRADA A SUA NECESSIDADE DIANTE DE ELEMENTOS CONCRETOS E A COMPLEXIDADE DA INVESTIGAÇÃO, RESPEITADO O LIMITE DE 15 (QUINZE) DIAS ENTRE CADA UMA DELAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. A interceptação telefônica, prevista no art. 5º, XII, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 9.296/96, dependerá de ordem judicial (cláusula de reserva jurisdicional) e deverá ser expedida pelo juiz competente para a ação principal, em decisão devidamente fundamentada que demonstre a sua conveniência e a indispensabilidade desse meio de prova (HC 94.028/AM, Rel. Min. CÁMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 29/05/2009; Inq 2.424/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe de 26/03/2010; HC 103.418/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 14/11/2011; HC 96.056/PE Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 08/05/2012). 2. O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão e presente a imprescindibilidade desse meio de prova, pois a citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, não podendo, em regra, ser a primeira providência investigatória realizada pela autoridade policial. 3. Possibilidade de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica, desde que demonstrada a necessidade de renovar a medida e respeitado o limite de 15 (quinze) dias entre cada uma delas, sem que exista violação ao art. 5º, da Lei n. 9.296/96. Precedentes da CORTE: RHC 120.111/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 31/03/2014; HC 145.569-AgR/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 28/09/2017; HC 137.820/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Redator para o acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 12/06/2018; HC 130.596-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 30/08/2018; HC 128.755-AgR/PA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 18/02/2020; RHC 192.427-AgR/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 30/11/2020; HC 201.609-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 17/06/2021; ARE 1.320.336-AgR/GO, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 29/09/2021; HC 204.378-AgR/MT, Rel. Min. NUNES MARQUES, DJe de 3/2/2022. 4. No caso concreto, diante da demonstração, mínima e razoável, de que a medida era imprescindível para elucidação dos fatos, especialmente se levada em conta as ações criminosas investigadas, não há como declarar a nulidade das decisões que, embora sucintas, estão de acordo com o dever de fundamentação exigido pelo art. 93, IX, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese para o Tema 661: "São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto. (STF, Tribunal Pleno, RE n.° 625263, Rel. Gilmar Mendes, Rel. p/ acórdão Alexandre de Moraes, Julgado em 17.03.2022, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-109, Divulg. em 03.06.2022, Public. em 06.06.2022) Destaque-se que a interceptação telefônica não se confunde com a quebra de sigilo telefônico, uma vez que, no primeiro caso, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, enquanto, no segundo (quebra do sigilo), a única informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas. Além disso, interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina são medidas distintas. Na interceptação telefônica, nenhum dos dois interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada por um terceiro. Na escuta, um dos dois interlocutores sabe que eles estão sendo gravados por um terceiro. Na gravação, um dos interlocutores é quem grava a conversa. Tanto a interceptação telefônica quanto a escuta precisam, necessariamente, de autorização judicial para que sejam consideradas provas lícitas, o que não se dá em relação à gravação, a qual pode ser feita sem autorização do juiz. Tratando-se a interceptação telefônica de captação de conversa sem que haja o conhecimento dos interlocutores, esse procedimento revela-se um importantíssimo meio de prova em investigação criminal. Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve atuar com rapidez e efetividade, conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1º, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 6º da Constituição Federal) e adotando ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa. Contudo, a fim de impedir intromissão desmedida na esfera privada, a autorização de interceptação deve ser balizada pelos princípios da intimidade e da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, do nemo tenetur se detegere - princípio da não autoincriminação, da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e da instrumentalidade constitucional do processo penal. Nesse contexto, a Lei regulamentadora elencou as hipóteses de não cabimento da interceptação telefônica, quais sejam: i) quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; ii) quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; iii) quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção (inteligência dos incisos I, II e III do art. 2º da Lei n.° 9.296/1996), ressalvando-se, nesse último caso, a possibilidade de se autorizar a interceptação telefônica para apurar crime punível com detenção, desde que conexo com outros delitos puníveis com reclusão. As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T.E.I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 1º, “l”, e artigo 11, que prevê a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa acerca da entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina sobre a entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como para permitir a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A., artigo 5º), ou mesmo com a legislação nacional (Lei n.º 9.613, de 03.03.1998, alterada pelas Leis n.ºs 10.701/2003, 12.683/2012, 13.964/2019 e 14.478/2022 e pela Lei Complementar n.º 167/2019). O parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996, estabelece que o disposto nesta Lei se aplica à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que a Lei pode ser empregada para a interceptação de e-mails, de conversas estabelecidas pela internet e por intermédio de programas de computador. Estão inseridas as comunicações por fac símile, messenger, e-mail, whatsapp etc, já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros). A evolução tecnológica determinou o tratamento jurídico conjunto dessas duas modalidades, na medida em que a comunicação de dados acaba se valendo da estrutura destinada à comunicação telefônica, sem contar que o legislador constituinte não diferenciou a interceptação das comunicações telefônicas das telemáticas, donde se conclui que a Lei n.º 9.296/1996 deve ser adotada para ambos os tipos de comunicação. Luiz Flávio Gomes, em parceria com Silvio Maciel, definiu: comunicações telefônicas 'de qualquer natureza', destarte, significa qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, com uso ou não da informática (in Interceptação Telefônica - Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996, 2ª ed. 2013, p. 47, ed. Revista dos Tribunais). Ademais, não se pode esquecer que o procedimento de interceptação telefônica e/ou telemática possui natureza cautelar, cujo propósito é o de coletar elementos para a propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) e/ou para a instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que se cogita da prática de infração punida com pena de reclusão. Assim, sendo certo que a Constituição Federal determina, no inciso IX do artigo 93, a fundamentação das decisões judiciais (todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação), a demonstração do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" deverá ficar evidenciada na fundamentação de decisium que, eventualmente, deferir a interceptação telefônica e/ou telemática, já que a importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados de que o homem pode usufruir, principalmente em vista dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana (STJ, HC 248.263/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, v.u., DJe 02.10.2012). Porém, não se exige que a decisão seja demasiadamente pormenorizada, com motivação exaustiva e minudente, porquanto se cuida de procedimento cautelar em que o juiz realiza juízo sumário, analisando os fatos a ele apresentados na representação policial. A fundamentação da decisão que defere interceptação telefônica/telemática deverá demonstrar, tão-somente, a imprescindibilidade do meio de prova pretendido pela autoridade policial e a presença de indícios concretos de autoria e materialidade delitivas, ou seja, de que a pessoa possa estar cometendo crime punível com pena de reclusão, mas não realizar juízo de certeza sobre a culpa do investigado. Em suma, a decisão que defere medida de interceptação de telecomunicações deve conter elementos suficientes para revelar a pertinência do pedido, as razões empregadas na motivação judicial e o suporte legal da medida, de modo a ser possível eventual impugnação pelas partes. É o que basta. Importante destacar, ainda, que não há óbice a que a decisão que defira a interceptação ou que, simplesmente, renove a autorização de interceptação, faça menção, em sua fundamentação, ao pedido inicialmente realizado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, o qual, nesse caso, passará a integrar o decisium (fundamentação "per relationem"), uma vez que propiciará às partes conhecer os fundamentos encampados por aquela decisão judicial. Trata-se de prática já reconhecida como válida pelos Tribunais Superiores (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.º 2007.03.00.103554-3/SP, Rel. Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, v.u., DJU de 29.04.2008, p. 380). Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: é assente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há que se cogitar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o juiz, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à sentença anteriormente prolatada, ou mesmo ao parecer do Ministério Público, na denominada fundamentação 'per relationem' (STJ, Sexta Turma, AgRg no AgRg no AREsp n.º 17.227/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, v.u., DJe de 08.02.2012). No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao permitir a renovação de autorização de interceptação telefônica a despeito de não terem sido inseridos novos motivos: este Tribunal firmou o entendimento de que 'as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). O Plenário desta Corte já decidiu que é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996 (STF, Habeas Corpus, n.° 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim). A fim de assegurar-se a lisura de todo o procedimento de interceptação, seu conteúdo integral deverá, oportunamente, ser disponibilizado à defesa (cf. Inquérito n.º 2.424, Relator Min. Cesar Peluso, Tribunal Pleno, STF, DJe de 26.03.2010), sendo desnecessária, contudo, a degravação integral dos diálogos interceptados, mormente daqueles que em nada se referem aos fatos, porquanto a Lei n.° 9.296/1996 não faz nenhuma exigência nesse sentido (STJ, 6ª Turma, HC n.° 278.794, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 07.10.2014). Caso haja alegação de que a transcrição contém alguma imprecisão, deverá a defesa indicar a desconformidade, a fim de que possa ser saneada eventual inconsistência. Neste caso, em havendo solicitação de realização de perícia, tal pedido deverá ser analisado pelo juiz. Cabe mencionar, por último, que, no que diz respeito a pedidos de perícia para identificação de vozes, isto é, para se aferir se as vozes captadas pertencem, de fato, aos acusados, a jurisprudência é uníssona ao se posicionar pela prescindibilidade dessa diligência, já que a Lei n.º 9.296/1996 não prevê a necessidade de submissão dos diálogos gravados à análise técnica fonográfica: AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’ SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE O RELATOR DECIDIR MONOCRATICAMENTE. PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO MANTIDA PELO TRIBUNAL REVISOR E CERTIFICADO O TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE PROCESSUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PERÍCIA DE VOZ. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. ‘Esta Corte Superior entende que é despicienda a perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, por ausência de previsão legal na Lei n. 9.296/96 e quando puder ser aferida por outros meios de provas, sendo incabível o revolvimento do acervo probatório para fins de identificação do interlocutor ante a Súmula n. 7/STJ’ (HC 541.328/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020) (...). (STJ, Quinta Turma, AgRg no Habeas Corpus n.° 649.489/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Julgado em 03.08.2021, DJe de 10.08.2021) – destaque nosso. RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 9.º DA LEI N.º 9.296/1996 E AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR. TÓPICOS NÃO EXAMINADOS PELO TRIBUNAL LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PERÍCIA DE VOZ. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (...) 2. No que tange à tese remanescente, o ‘decisum’ vai ao encontro de entendimento pacífico deste Superior Tribunal de ser dispensável a realização de perícia para identificação das vozes captadas por meio de interceptações telefônicas, em razão da falta de previsão expressa na Lei n.º 9.296/1996, bem como da possibilidade de comprovação da autenticidade da voz por outros meios de provas. (...). (STJ, Sexta Turma, RHC n.° 102.679/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Julgado em 14.05.2019, DJe de 24.05.2019) PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. OPERAÇÃO ‘14 BIS’. DESCAMINHO. CORRUPÇÃO ATIVA. CORRRUPÇÃO PASSIVA. FACILITAÇÃO AO DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. PRELIMINARES DE NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, POR EXCESSO DE PRAZO, POR AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS GRAVAÇÕES POR PERITOS, PELA NEGATIVA DE PERÍCIA DE VOZ: REJEITADAS. PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA/CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO FISCAL: REJEITADA. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO: PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. MATERIALIDADES DOS DELITOS DO ARTIGO 334, 333, 317 E 318 DO CP COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CAUSA DE AUMENTO DO TRANSPORTE AÉREO CONFIGURADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INCABÍVEL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. ART. 92, CP. APELOS DA DEFESA DESPROVIDOS. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 7. Interceptação telefônica. Afastada a alegação de nulidade por ausência de perícia de voz. A Lei n.º 9.296/96 nada disciplina sobre a necessidade de submissão dos diálogos obtidos por interceptação telefônica à perícia de voz. Precedentes do STJ. Além disso, a conclusão de que as vozes constantes dos áudios pertencem realmente aos acusados é possível ser extraída dos elementos de convicção coligidos nos autos (art. 157 CPP). Registre-se, por fim, que os próprios acusados reconheceram os diálogos interceptados. (...). (TRF3, Primeira Turma, ApCrim n.° 53058 - autos n.° 0009503-34.2006.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, Julgado em 11.02.2020, e-DJF3 Judicial 1 de 19.02.2020) PENAL. PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DAS PROVAS NÃO VERIFICADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) 5. A Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação das comunicações telefônicas, não possui nenhuma previsão a respeito da necessidade de realização de perícia fonográfica quando da realização das interceptações, sendo que a identificação do acusado pode ser aferida por outros meios de prova, o que torna desnecessária a perícia de voz. (...). (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 5010776-85.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Mauricio Yukikazu Kato, Julgado em 28.08.2019, e - DJF3 Judicial 1 de 30.08.2019) DA VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES REALIZADAS NO CASO CONCRETO. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607). A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, por sua vez, afirmou que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682). Aduz, em relação à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, que a conversa interceptada na aludida data foi a única prova que embasou a condenação de VITOR E VAGNER e que, em se tratando de prova ilícita, os acusados devem ser absolvidos (fl. 238 – ID 170518682). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou, em síntese, ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). Pois bem. É certo que, para cogitar-se de autorização judicial de interceptação telefônica/telemática, deve haver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão, bem como é certo que, nos termos do art. 2°, II, da Lei n.° 9.296/1996, será descabida essa autorização se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, de maneira que, em se vislumbrando outra forma (menos invasiva) para a obtenção de elementos aptos a comprovar o delito, não se haverá de falar em adoção dessa medida como meio de prova. No caso em questão, contudo, diferentemente do que alegou a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO, as interceptações telefônicas e/ou telemáticas não foram as primeiras diligências encetadas. As investigações referentes à denominada "Operação Publicano" se iniciaram a partir de apurações realizadas pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), que, por meio de certos parâmetros objetivos, constatou que determinado grupo de contribuintes “da área médica” (grupo homogêneo de profissionais liberais que enviava declarações de um mesmo local), apresentava imposto retido na fonte muito aquém do padrão de rendimentos auferidos como declarados, o que, segundo se verificou, se devia à elevação fraudulenta de despesas com “Livro Caixa”, manobra utilizada para acobertar a emissão de recibos falsos emitidos para dedução de despesas médicas em favor do grupo, tudo com o intuito de diminuir o valor de Imposto de Renda Pessoa Física a pagar (graças à elevação fraudulenta de valores de deduções e de rendimentos isentos). Quando selecionadas para averiguações, tais declarações “levantaram suspeitas de facilitação na liberação da malha” (vide relatório à fl. 05 - ID 170518579). Apurou-se, inicialmente, distintos acessos às declarações suspeitas pelo servidor VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (lotado no setor de “malha fina” – Defis/SP/Sevic/Eqac), bem como constatou-se que o IP 201.87.133.194, utilizado por VITOR para transmitir suas declarações (e de seus familiares), havia sido, também, utilizado para transmitir ao menos doze das aludidas declarações selecionadas por suspeita de fraude. Ao se examinar a evolução patrimonial do auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (e de seu núcleo familiar), concluiu-se pela ocorrência “de variação patrimonial a descoberto no montante de R$ 1.080.353,98 (um milhão, oitenta mil, trezentos e cinquenta e três reais e noventa e oito centavos), decorrente de origens não confirmadas ou com fortíssimos indícios de inverossimilhança” (fl. 89 – ID 170518759), o que revelou fortes indícios de envolvimento do servidor com as fraudes detectadas. Verificou-se, também, que diversas declarações tidas como suspeitas haviam sido transmitidas pelo IP 200.161.88.161, que, aparentemente, estava relacionado a algum prestador de serviços de contabilidade, tendo o servidor VITOR realizado diversos acessos a DIRPFs entregues pelo referido IP, bem como consultado diversas informações fiscais em datas próximas às de transmissão de declarações retificadoras igualmente suspeitas. Após receber relatórios sobre as supostas irregularidades fiscais apuradas pela Corregedoria da Receita Federal (ESCOR08) e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI) – fls. 53/71 - ID 170518766, a Polícia Federal, considerando a gravidade, a complexidade e a sofisticação da atuação criminosa, identificou a necessidade de, para aprofundamento das investigações, afastar-se o sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas dos envolvidos, meio que, naquele momento, revelou-se como o único hábil a elucidar os fatos e a possibilitar a coleta de elementos de prova substanciais (fl. 88 – ID 170518766). Interceptações telefônicas de linhas relacionadas aos investigados VITOR e EDILAINE foram, então, regularmente autorizadas pelo r. juízo a quo (em 15.03.2013) e implementadas a partir de 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Com efeito, a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso serve de fundamento para o deferimento de interceptações telefônicas como último mecanismo apto a levar adiante a investigação criminal, dada a dificuldade de, nessas situações, proceder-se à colheita de provas por meios tradicionais: Habeas corpus. 2. Operação Navalha. 3. Interceptação telefônica. Autorização devidamente fundamentada. 4. Gravidade dos delitos supostamente cometidos pela organização e complexidade do esquema que envolve agentes públicos e políticos salientam a dificuldade de colher provas tradicionais. Pedido de interceptação baseado em relatório da Polícia Federal que demonstra envolvimento do paciente. 5. Motivação per relationem. 6. Ordem denegada. (STF, Segunda Turma, HC n.° 118882, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgado em 10.06.2014, Processo Eletrônico DJe-166, Divulg. em 27.08.2014, Public. em 28.08.2014) - destaque nosso. Em suma, observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). A propósito, a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de considerar legítima a prova obtida por meio de interceptação telefônica quando cumpridos os requisitos exigidos pela legislação de regência: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECURSO SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÕES. POSSIBLIDADE. PRECEDENTES. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DE TODAS AS CONVERSAS GRAVADAS. DESNECESSIDADE. PERÍCIA DE VOZ. INDEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA SOBRE O INTERLOCUTOR. RECURSO IMPROVIDO. (...) II - É legítima a prova oriunda de interceptação de comunicação telefônica autorizada judicialmente, de forma fundamentada e com observância dos requisitos legais: i) existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em ilícito penal; ii) único meio disponível para comprovar o fato investigado; iii) o crime investigado deve ser punido com pena mais gravosa que a detenção. III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que a interceptação de comunicação telefônica seja prorrogada, desde que a ordem seja fundamentada e respeite o prazo legal. Precedentes. (...) VII - Recurso Ordinário em Habeas Corpus improvido. (STF, Segunda Turma, RHC n.° 128485, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 25.10.2016, Processo Eletrônico DJe-246, Divulg. 18.11.2016, Public. 21.11.2016) - destaque nosso. No mesmo sentido, seguem outros dois julgados, o primeiro exarado pelo C. Supremo Tribunal Federal e o segundo por esta E. Corte Regional: Habeas corpus. Banco de tecidos musculoesqueléticos clandestino. Venda, guarda e distribuição de tecidos ou parte do corpo humano (arts. 15 e 17 da Lei nº 9.434/97). Investigação criminal. Violação do princípio do promotor natural. Não ocorrência. Inexistência de manipulação casuística ou de designação seletiva pela chefia do Ministério Público. Precedentes. Interceptação telefônica. Nulidade. Não ocorrência. Medida invasiva precedida de atos de investigação. Único meio de se apurar o fato criminoso. Testemunha sigilosa. Depoimento. Nulidade. Inexistência. Necessidade de preservação de sua higidez física ou psíquica, ante o temor de represálias. Inidoneidade do writ para revolvimento desses fatos. Ordem denegada. (...) 4. O afastamento do sigilo das comunicações telefônicas dos pacientes foi precedido de diligências realizadas no curso de uma investigação formalmente instaurada, restando suficientemente demonstrada a necessidade da medida extrema e a dificuldade para a apuração dos fatos por outros meios. 5. É o quanto basta para se legitimar o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas (HC nº 114.321/MG, Segunda Turma, Relatora a Ministra Carmen Lúcia, DJe de 19/12/13). (...) (STF, Segunda Turma, HC n.° 136503/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgamento em 04.04.2017, DJe-089, Divulg. 28.04.2017, Public. 02.05.2017) - destaque nosso. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. 'OPERAÇÃO TRAVESSIA'. PRELIMINAR REJEITADA. VALIDADE DS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. A utilização de interceptação em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96. 2. O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. (...) (TRF3, Décima Primeira Turma, ACR n.° 00000257620144036119 - Apelação Criminal - 67937, Rel. Des. Fed. Nildo Toldo, Julg. em 25.07.2017, v.u., e-DJF3 Judicial 1 de 01.08.2017) - destaque nosso. Inclusive, o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar a imprescindibilidade da interceptação telefônica, como meio de prova, quando evidenciada a prática de infrações penais via terminais telefônicos, vale dizer, quando o telefone (seja ele fixo, seja ele celular) seja, justamente, o expediente utilizado pelo delinquente para praticar o(s) delito(s) investigado(s), a exemplo do que ocorreu in casu, em que as promessas/oferecimentos e/ou as solicitações/aceitações de vantagens indevidas teriam se dado, conforme descreve a denúncia, via telefone. A propósito: Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico e associação para o tráfico (arts. 33 e 35 da Lei nº 11343/06). Impetração dirigida contra a decisão de negativa de seguimento ao HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça e contra o acórdão com que a Quinta Turma não conheceu do HC nº 286.219/PE. Não conhecimento da impetração em relação ao primeiro habeas corpus, em razão de não submissão da decisão singular ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Ausência de ilegalidade flagrante no julgamento colegiado do segundo writ. Prisão preventiva. Falta de fundamentação idônea. Não caracterização. Custódia justificada na garantia da ordem pública. Paciente integrante de bem estruturada organização criminosa voltada à distribuição de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais. Gravidade em concreto da conduta e periculosidade do paciente, evidenciadas pelo modus operandi da organização. Excesso de prazo. Complexidade do feito, consubstanciada na pluralidade de réus (15 acusados) e na necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de 2 (dois) acusados. Notícia constante do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco de que a instrução chegou a termo. Prejudicialidade. Precedentes. Alegada ausência de elementos concretos para corroborar a justa causa para a ação penal. Necessário reexame de fatos e de provas não admitido em sede de habeas corpus. Precedentes. Nulidade das interceptações telefônicas pelo não esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova. Não ocorrência. Procedimento devidamente fundamentado. Demonstração inequívoca da necessidade da medida. Utilização de terminal telefônico como meio de comunicação entre integrantes da organização presos e em liberdade para fomentar o tráfico. Alegações de não observância do prazo do § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do pedido de interceptação telefônica, de supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos em seu cumprimento. Temas não analisados pelas instâncias antecedentes. Dupla supressão de instância configurada, o que impede sua análise de forma originária pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada. (...) 9. Não procede a tese de nulidade das interceptações telefônicas levadas a cabo por não ter havido o esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova na espécie. 10. A decisão do juízo processante autorizando o procedimento em questão foi devidamente fundamentada, indicando com clareza a situação objeto da investigação e a necessidade da medida, mormente se levada em conta a notícia de que um dos investigados, de dentro da unidade prisional, utilizava terminal telefônico para se comunicar com os integrantes da organização criminosa e fomentar o tráfico de drogas, atendendo, portanto, a exigência prevista na lei de regência (art. 4º da Lei nº 9.296/96). (...) 13. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada (STF, Segunda Turma, HC n.° 128650, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgado em 20.09.2016, Processo Eletrônico DJe -212, Divulg. em 04.10.2016, Public. em 05.10.2016) - destaque nosso. As defesas alegaram, ainda, que a interceptação realizada no dia 16.04.2013, principal elemento de prova relacionado à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, teria ocorrido “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682), bem como que “qualquer interceptação telefônica com relação ao corréu VAGNER ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013 estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). A esse respeito, cumpre asseverar que as interceptações telefônicas em questão se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida (fl. 69 – ID 270552785), por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013 (fl. 79 - ID 270552785). Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), bem como solicitou-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013 (fls. 134/145 – ID 270552785). Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013 (vide o segundo relatório de inteligência policial - fl. 189 – ID 270552785), não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER (fls. 06 e 11 – ID 270552786). Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. Como bem asseverou o r. juízo a quo, o fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação (vide fl. 86 – ID 170518759). DA COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, quanto aos delitos de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, que o próprio órgão acusador se posicionou pela absolvição de todos os réus. Requer a absolvição do acusado, tendo-se em vista o posicionamento ministerial em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal. O artigo 385 do Código de Processo Penal assim dispõe: Art. 385: Nos os crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Não se ignora que, para alguns doutrinadores, o artigo 385 do Código de Processo Penal não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que, supostamente, violaria princípios e/ou parâmetros relacionados ao denominado “sistema acusatório” como, p. ex., os princípios da imparcialidade e da separação entre as funções de “julgar” e “acusar”. Não se deve perder de vista, entretanto, que a Constituição não demarcou, de maneira definitiva, os contornos do modelo acusatório por ela adotado. “Ao atribuir privativamente ao Ministério Público o encargo de promover a ação penal pública, o Constituinte ressalvou, no art. 129, I, que isso deveria ser exercido ‘na forma da lei’, de modo a resguardar ao legislador ordinário alguma margem de conformação constitucional para tratar da matéria, dentro da qual se enquadra a disposição contida no art. 385 do CPP” (STJ, Sexta Turma, Resp n.° 2.022.413-PA – 2022/0035644-0 -, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 14.02.2023, Dje de 07.03.2023). É inequívoco que, a fim de garantir-se a imparcialidade do julgador, não se pode admitir o início da persecução penal sem que haja a iniciativa do titular do ius puniendi (Ministério Público). Todavia, deve haver, no bojo do processo penal, alguma margem para a iniciativa do magistrado, a fim de, justamente, assegurar-se a realização de um processo justo e igualitário, em observância ao metaprincípio do devido processo legal. É este, p. ex., o objetivo da previsão contida no art. 156 do Código de Processo Penal, a qual faculta ao magistrado determinar, de ofício, a produção antecipada de provas e/ou a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, tendo-se em vista o risco de a busca da verdade ficar, exclusivamente, a cargo das partes. Nesse contexto, não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Ora, caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. Se, por um lado, é inquestionável, à luz dos princípios constitucionais, que o Ministério Público possui autonomia para decidir se vai (ou não) iniciar a persecução penal, por outro, compete exclusivamente ao juiz, de maneira indeclinável e indelegável, “dizer o direito”, de modo que, uma vez recebida a denúncia, mesmo que o órgão acusatório pugne pela absolvição, ao juiz incumbirá, a partir das provas produzidas nos autos, decidir se acolherá ou não esse pedido. Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça já pacificou seu entendimento: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. POSSIBILIDADE DE O JUIZ PROFERIR SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO TENHA OPINADO PELA ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte pacificou sua jurisprudência no sentido de que ‘conforme dispõe o art. 385 do Código de Processo Penal, é possível que o juiz condene o réu ainda que o Ministério Público peça a absolvição do acusado em alegações finais. Esse dispositivo legal está em consonância com o sistema acusatório adotado no Brasil e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, que introduziu o art. 3º-A no Código de Processo Penal’ (REsp n. 2.022.413/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 7/3/2023). 2. A análise acerca da alegada violação ao art. 155 do Código de Processo Penal demandaria revolvimento do acervo fático-probatório, desautorizado pela Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, 6 Turma, AgRg no REsp 2102020/SC - 2023/0369166-3 - Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Julg. em 02.04.2025, DJEN de 08.04.2025) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MANIFESTAÇÃO DO PARQUET PELA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO MAGISTRADO. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. ‘Consoante jurisprudência desta Corte, o pedido de absolvição do Ministério Público não vincula o julgador, que decide com base no princípio do livre convencimento motivado, sem que daí se extraia qualquer ofensa ao princípio acusatório’ (AgRg no HC n. 789.674/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 894527/SP - 2024/0065947-7. Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Julg. em 11.02.2025, DJEN de 18.02.2025) Com tais considerações, reconhece-se a recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal, bem como a validade da r. sentença que condenou os acusados a despeito de, em alegações finais, o Ministério Público ter se manifestado pela absolvição. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA (ARTIGOS 333 E 317 DO CÓDIGO PENAL). O ordenamento pátrio, ao estabelecer a imputação de um mesmo crime a todos os que concorrem para a sua prática (inteligência do art. 29 do Código Penal), adotou, como regra, a teoria monista (ou unitária), à exceção dos raros casos em que o legislador optou por adotar, extraordinariamente, a teoria pluralista, a exemplo dos crimes de corrupção ativa e passiva, em que há tipificações separadas, inclusive em capítulos distintos, para as condutas de oferecer/prometer e de solicitar/receber/aceitar vantagem indevida (inteligência dos artigos 333 e 317 do Código Penal). Embora seja intuitivo, a princípio, supor que, se há um corruptor/extraneus, haverá, necessariamente, um corrompido/intraneus (e vice-versa), a leitura dos artigos específicos revela ser perfeitamente possível vislumbrar-se a ocorrência de corrupção ativa e/ou passiva de maneiras independentes. A corrupção nem sempre é bilateral, senão vejamos: O art. 333 do Código Penal assim dispõe: Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O art. 317, caput, §1º e §2º do Código Penal, por sua vez, assim dispõe: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003). § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Os crimes de corrupção ativa e passiva tutelam, tanto um quanto o outro, o regular funcionamento da Administração Pública, a moralidade, a impessoalidade e a probidade administrativa, com o propósito de punir a mercancia da função pública. Ambos possuem, em regra, natureza formal, prescindindo do resultado naturalístico para a sua consumação. Admitem, apenas, a forma dolosa, sendo possível vislumbrar-se a possibilidade de tentativa, caso, p. ex., a oferta/promessa ou a solicitação/aceitação de vantagem indevida seja feita por escrito e, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não chegue ao conhecimento do destinatário. Na modalidade ativa (crime comum), a consumação da corrupção se dará no momento em que o particular oferecer/prometer a vantagem indevida (em troca da prática/omissão/lentidão de ato de ofício), independentemente do aceite por parte do funcionário público, bastando que a oferta/promessa chegue ao conhecimento deste. Na modalidade passiva (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada), a corrupção se consumará não apenas em face do efetivo recebimento, mas também da aceitação da promessa ou da solicitação, por parte do funcionário público, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, da vantagem indevida (patrimonial ou não), sendo que, nas hipóteses de aceite/solicitação, a efetiva entrega da vantagem se traduzirá em mero exaurimento do crime. Inclusive, a corrupção passiva não se confunde com o delito previsto no art. 316 do CP, uma vez que, na concussão, o verbo típico previsto é “exigir” (o que é diferente de solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida). O caput do art. 317 do Código Penal, diferentemente dos seus respectivos parágrafos e do art. 333 do mesmo diploma, não cita, em sua literalidade, como elementar do tipo, a expressão “ato de ofício”, razão pela qual doutrina e jurisprudência divergem sobre a indispensabilidade de, para cogitar-se da prática de corrupção passiva, determinar-se qual ato, exatamente, o funcionário público deveria praticar, retardar ou deixar de praticar em troca da vantagem indevida. Enquanto, para alguns, é indispensável a existência de nexo de causalidade entre a solicitação/recebimento/aceitação da vantagem pelo funcionário e a realização de determinado ato funcional de sua competência (ato de ofício), para outros, o tipo penal de corrupção passiva não exige comprovação de que a vantagem esteja, necessariamente, vinculada a "ato de ofício” englobado pelo plexo de atribuições formais daquele funcionário público. Para os adeptos da primeira corrente, não se pode abrir mão da indicação precisa do “ato de ofício” concretamente mercadejado (objeto de transação), o qual deve, necessariamente, ser da competência do agente e/ou estar intrinsecamente relacionado com o exercício de sua função. Já para os adeptos da segunda corrente, o crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada (STJ, 6ª Turma, Recurso Especial n.º 1.745.410 - SP - 2017/0007371-4, Rel. Sebastião Reis Júnior, Relatora para Acórdão: Min. Laurita Vaz, Julg. em 02.08.2018). Em outras palavras, para aqueles que adotam este último entendimento, dentre os quais me incluo, será suficiente, para a configuração da corrupção, que a vantagem seja solicitada/recebida/aceita em razão do cargo ocupado pelo funcionário público, isto é, em razão dos poderes de fato que o seu cargo lhe confere (e não, pura e simplesmente, em razão das atividades formalmente atribuídas àquele funcionário). Ademais, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como coautores ou partícipes pelo crime de corrupção passiva. Se, como consequência da vantagem ou promessa, o funcionário público, infringindo dever funcional, efetivamente praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva qualificada, devendo a pena ser aumentada em 1/3 (um terço) - inteligência do §1° do art. 317 do CP. De outro turno, se o funcionário público, infringindo dever funcional, praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício porque cedeu a pedido ou influência (social, moral ou econômica) de outrem, porém sem que tenha havido oferta/promessa nem solicitação/recebimento de vantagem indevida, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP). Diferentemente da corrupção passiva comum, portanto, as modalidades de corrupção passiva qualificada e privilegiada, previstas nos parágrafos 1° e 2° do art. 317 do Código Penal, possuem natureza material, já que exigem, para a sua consumação, a produção de resultado naturalístico (efetiva prática do ato de ofício que beneficiará o particular). Em relação ao delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP), é relevante mencionar, ainda, que, apesar das semelhanças (inclusive quanto à amplitude das penas), este difere do delito de prevaricação (previsto no art. 319 do CP), especialmente no que diz respeito ao dolo específico (ânimo) do agente, já que, na prevaricação, o agente pratica a conduta para satisfazer interesse ou sentimento próprio (pessoal), enquanto que, na corrupção passiva privilegiada, o funcionário público atua sob a influência e/ou para satisfazer interesse de terceiro. Por fim, é importante destacar que a conduta punida é mercadejar, transacionar, colocar “à venda” atos de ofício em troca de uma contrapartida que não lhe é legitimamente devida nem lhe será entregue pela normal remuneração da profissão. Nesse contexto, existirá crime independentemente de o ato objeto de transação ser regular ou irregular, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto, contrário ou não ao dever do funcionário. Em outras palavras, haverá crime tanto se o agente atuar contrariamente aos deveres do cargo público (corrupção própria) quanto se a vantagem for solicitada/recebida/aceita para a prática de ato regular e legal (corrupção imprópria), pois o que a Lei pretende coibir é o tráfico da função pública, sendo dispensável, para a configuração do delito, que o ato praticado, omitido ou retardado pelo funcionário público seja ilícito. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. No que diz respeito aos crimes de corrupção descritos na denúncia, foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em concurso material, de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª (por duas vezes), 4ª e 10ª condutas); VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta); MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA – ARTIGOS 317, ‘CAPUT’, E 333, AMBOS DO CP (6ª, 8ª E 11ª CONDUTAS). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). Segundo consta, “um conhecido” (ou “cliente/contribuinte”) de VAGNER teve sua declaração (DIRPF 2012) retida em “malha fina” em virtude de deduções com pensão alimentícia, o que deu ensejo a que o contador solicitasse a VITOR (auditor fiscal) o referido “serviço (ilícito) de liberação”, em troca do que VAGNER cobraria, de seu “conhecido” (ou “cliente/contribuinte”), valor em dinheiro a ser, posteriormente, dividido entre ele (VAGNER) e VITOR. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 104 – ID 170518759): VAGNER — Tá, se eu te levar só esse Informe, você consegue liberar para ele? Obviamente que a gente vai cobrar pelo serviço, mas você consegue liberar só com o Informe? Porque está bem evidenciado o CPF da mulher e o valor deduzido do salário dele. VITOR — Sim. Em suas razões de Apelação, as defesas de VAGNER e VITOR requereram o reconhecimento da atipicidade da conduta. De acordo com a defesa de VITOR, teria ocorrido mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Contudo, da leitura do diálogo interceptado é possível extrair, com clareza, que foi a promessa de pagamento em dinheiro (vantagem indevida) feita pelo contador (VAGNER) o que, verdadeiramente, motivou o auditor fiscal (VITOR) a dizer sim para o pleito de “liberação da malha fina” daquela declaração. Não se pode esquecer que a referida conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Segundo apurou o Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal - ESCOR08, VITOR, por diversas vezes, entregou DIRPFs a partir do IP instalado em sua casa, as quais foram retidas em malha fina, consultadas por ele no sistema oficial da Receita Federal e retificadas, também por ele, a partir de seu computador pessoal (fl. 12 – ID 270552758). Constou do relatório elaborado pela Receita Federal (ESCOR08), por exemplo, que, por meio de uma das declarações retificadoras entregues a partir de seu computador pessoal, VITOR “transformou o pagamento de R$ 759,08 de imposto de renda em uma restituição de R$ 34.530,90” (fl. 12 – ID 270552785). Note-se, ainda, que, no relatório de inteligência policial apresentado em 28.03.2013, os investigadores mencionam que, durante o primeiro período da interceptação telefônica (de 18.03.2013 a 27.03.2013 - fl. 79 - ID 270552785), VITOR manteve contato frequente, bem como travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), o que reforça a versão de que VITOR aceitava, habitualmente, propina em troca do serviço ilícito de “liberação da malha fina” de “clientes” daquele contador. Assim, não restam dúvidas a respeito de ter ocorrido a consumação dos delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP) referentes à 6ª conduta descrita na denúncia. Frise-se, por fim, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de Emerson Favero e Lilian Martzioros. Segundo consta, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) “colocou à disposição” de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) pagamentos de valores a serem “orçados” pelo funcionário público em troca da “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Isto deu ensejo a que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), VITOR (auditor fiscal): i) fornecesse orientações sobre como MÁRCIO (contador) deveria preencher, de maneira fraudulenta (com dados falsos), as aludidas declarações, de maneira a reduzir e/ou isentar o pagamento do imposto devido e a não levantar suspeitas sobre a fraude; ii) informasse a MÁRCIO que tais declarações seriam, de qualquer sorte, retidas em “malha fina”; iii) não apenas aceitasse a promessa de vantagem, como definisse, em conjunto e de comum acordo com MÁRCIO, os exatos valores a serem pagos em troca da “liberação da malha fina” de cada declaração (estabelecidos em R$ 10.000,00 – dez mil reais - para a declaração de Emerson e em R$ 5.000,00 – cinco mil reais – para a declaração de Lilian). A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fls. 108/110 – ID 170518759): MÁRCIO — Oi! VITOR — Então... MÁRCIO — Podemos abrir? VITOR — ‘Vamo’ lá! MÁRCIO — Primeiro ‘vamo’ ... Você quer falar de quem? VITOR — ‘Vamo’ falar do EMERSON, que é o pior caso. MÁRCIO — Tá ... Eu tô com ele aqui. Pode falar... VITOR —Abre a Declaração dele lá nos Rendimentos, tá? MÁRCIO — Hamhamm! Hã... Pode falar! VITOR — Então, primeira correção. Na Unimed Paulistana... MÁRCIO — Hã! VITOR — Você jogou 61.066... Tá? MÁRCIO — Tá VITOR - o valor correto... Anote! MÁRCIO —Paulistana... Tá .. Cinquenta e.. Eu tinha 61.066,69...O correto... VITOR — O correto é 58... MÁRCIO — 58... VICTOR - 122... MÁRCIO -122... VITOR - ... e 90. MÁRCIO — 90. VITOR — O resto não mexe. MÁRCIO — Tá! VITOR —Acrescenta aí fonte pagadora. MÁRCIO — Pode falar. VITOR — Puta, eu vou ter que ver pra você quem é essa fonte, né? Você não vai... Vai saber. MÁRCIO —Se você me der o CNPJ eu puxo. VITOR — Ou eu vejo aqui para você...Para agilizar, né? Fazer valer os meus HONORÁRIOS... MÁRCIO — (Risos) (...) MÁRCIO - Não, não vai dar não. Não vai dar não... Vai dar 31.000 aqui. VITOR — 31 mesmo? MÁRCIO — Porque é o seguinte... Já pagou 6. VITOR — Como pagou? MÁRCIO — Já foi retido 6.000,00. VITOR — Hã! Não, tá Beleza! Aí você vai fazer o seguinte, você vai por livro-caixa pra esse cara até dar alguma coisinha pra ele pagar. Você não vai me puxar uma restituição nesse cara, que você vai me foder. MÁRCIO — Não, tá... Até pagar. VITOR — Sei lá quanto que vai dar esse livro-caixa... Vai dar uns... 100 mil? Depois você faz. Você pode jogar, assim, um valor cheio... MÁRCIO — Hum! VITOR — 100 mil é o suficiente? Depois você divide mês a mês. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Vê aí... 100 mil bate? Já zera? MÁRCIO — Não, não consigo fazer agora. Esse aqui é o único que eu tenho... É...É ... Aqui. Tá num ‘pendrive’ na minha casa. Só que eu tenho ele aqui em texto e cópia. VITOR — Tá você vai... Então você vai colocar ... Hã... Hã... O livro- caixa. Tem que dar alguma coisinha pra ele pagar. Tá bom? MÁRCIO — Tá uns 1000 ... 1500 reais? VITOR — Nem precisa ser tanto! Põe R$ 200,00 pro cara pagar. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Ele vai cair em malha, tá? Hã... Aí, depois... Então, pra eu liberar da malha eu vou cobrar então uns 10. Tá bom? MÁRCIO — Tá... Perfeito. VITOR — Bom, ‘vamo’ na outra: LILIAN. MÁRCIO — Hã! VITOR — É ... A LILIAN vai ser a mesma coisa. É (...) você vai ter que colocar despesas que ela realmente tem, tá? Porque do jeito que tá, você não jogou lá valores nem nada. MÁRCIO —Não, só tem... só tem duas despesas. VITOR — É, para nós assim... não... não... não faz diferença, Tá? Nós vamos fazer... vai cair em malha também, nós vamos fazer o mesmo jogo do livro-caixa. Você vê ... aí... aí tá dando ... É você vai diminuir as despesas médicas, sei lá, vai dar... Sei lá! 15.000... 16.000... O que que a gente pode fazer nisso? Eu acho que... Esse caso é... Eu cobraria dela 6. MÁRCIO — Tá! VITOR — E nos podemos fazer o seguinte... Nós podemos... Você...Você... Vai por o que ela realmente tem de despesa, você aumenta esse livro-caixa. MÁRCIO — Certo. VITOR — Você pode aumentar esse livro-caixa até dar uma restituição para ela de 5.000. MÁRCIO —Até 5.000. VITOR — E eu cobro 6. Ou então... Ou então... Se você quer fazer... Pode dar uma restituição para ela de 6... MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Que aí, é o valor do meu honorário, ela não vai gastar nada. MÁRCIO — Tá faz 5 pra mim cobra 6, meu! VITOR — Tá bom! Tá bom! Faço... (...) MÁRCIO — Tá... VITOR —Aí, então fica 5 pra essa... Fica 10 pro outro ... É ... Como é que você quer fazer? Hã... Você vai conversar com ele, você vai transmitir e aí eu te provo que tá em malha... Não precisa provar, você vê pelo sistema... Porque vai aparecer ‘em processamento’. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alega a respeito dessa 8ª conduta, enquanto a defesa de MÁRCIO alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Contudo, da leitura do trecho de diálogo aqui transcrito, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Frise-se que, para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. In casu, é inequívoco que, durante a conversa ora mencionada, MÁRCIO se comprometeu, ainda que implicitamente, a entregar a referida vantagem financeira, ou seja, que houve corrupção bilateral, tendo ambos os acusados agido dolosamente para praticar os delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP). Note-se, por fim, que embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Emerson Favero e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Lilian Martzioros, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. Extrai-se do conjunto probatório que VITOR (auditor fiscal) e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), durante acerto prévio, teriam combinado a “liberação da malha fina” e a viabilização da restituição de cerca de R$ 46.000,00 (quarenta e seis mil reais) em favor do contribuinte Rodrigo Sepetiba, cliente do contador (SIQUEIRA), o que, contudo, ocorreria sob a condição de VITOR receber, como “garantia”, um cheque daquele cliente/contribuinte no valor da propina acordada. Assim, durante conversa travada em 26.03.2013 (interceptada às 15h46), VITOR solicita a SIQUEIRA, expressamente, a entrega do referido cheque (vantagem indevida) e, ao ser informado por SIQUEIRA que Rodrigo Sepetiba “só usa cartão”, os interlocutores combinam que o contador (SIQUEIRA) entregaria ao servidor (VITOR) “um cheque seu” como “garantia”. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 115 – ID 170518759): SIQUEIRA — Oi! VITOR — Oi, Siqueira. Eu já saí do serviço... É ... Lá não dava para conversar direito.... Você falou que o ... O... Tá tudo resolvido lá... Como é o nome do cara? SIQUEIRA — Rodrigo Sepetiba. VITOR— Sepetiba! Cê tá... Tá resolvido... Você pegou um cheque na mão? SIQUEIRA — Ele não tem cheque. Ele só usa cartão. VITOR — Não, e aí? SIQUEIRA — E aí você quer um cheque meu? Eu dou procê. VITOR — Eu preciso de uma garantia naquele valor. SIQUEIRA — Não, pode ficar tranquilo. Ele tá me devendo já desde o ano passado. VITOR — Porque é assim, não é só você... Que garantia você tem que ele vai te pagar? SIQUEIRA —Eu conheço o cara há mais de 20 anos. VITOR — Hã! Porque se ele não te paga, você vai chegar para mim e vai falar: Ó SIQUEIRA — Ele nunca ficou me devendo. Só no ano passado que ele não pagou. VITOR — É... SIQUEIRA — Porque não fiz a Declaração dele. Então não é que ele não me pagou. Ficamos elas por elas. Entendeu? Aí eu fiz um acordo com ele: Tá bom, então não precisa me pagar não. Quando sair a restituição, você paga. Ele falou: Fechado! Então foi um acordo das duas partes. Entendeu? VITOR — E, eu... Eu não gosto muito dessa situação, porque você até pode falar... SIQUEIRA —Não, mas aí... Você vai... Você vai receber o 16 e mais o 30, cara! VITOR — Não, não vejo problema! Assim... Eu fico pensando se ele não te paga, você vai chegar pra mim e falar ‘Ele não pagou’, né? Não é nem... nem falta de confiança em você. Não é isso não. É no cara mesmo que o valor é muito grande para ele, né? SIQUEIRA - Não, mas ele...mas acontece que o ano retrasado também ele recebeu restituição alta. Lembra? VITOR — É... Bom... SIQUEIRA — Talvez a gente.... (Incompreensível) VITOR — Tá você..., você então me dá um cheque seu? SIQUEIRA — Claro! Sem problema! VITOR — Tá... Tá bom! Então ficamos combinados assim. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 11ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, tendo-se em vista o evidente teor ilícito das tratativas realizadas, tendo havido, inclusive, expressa solicitação, por parte de VITOR, de um cheque assinado pelo contador (SIQUEIRA) em troca da viabilização da restituição do contribuinte Rodrigo Sepetiba, não poderia ser outra a conclusão senão a de que, também nessa ocasião (correspondente à 11ª conduta), VITOR praticou o delito de corrupção passiva. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática de 3 (três) delitos de corrupção passiva (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), bem como devem ser mantidas as condenações de VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 6ª conduta), e de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA – ART. 317, CAPUT E §1º, DO CP (2ª e 7ª condutas). No tocante à 2ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Segundo consta do Relatório de Inteligência Policial RIP n.° 02/2013 fl. 219 – ID 270552785), policiais federais diligenciaram, em 28.03.2013, no endereço da empresa de contabilidade de nome CONFITEC CONTABILIDADE LTDA (DHF ASSESSORIA CONTÁBIL & FISCAL), onde trabalhava o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, uma vez que, conforme tinha apurado o Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI), um grande volume de declarações tidas como fraudulentas havia sido enviado por meio do endereço de IP pertencente à CONFITEC. Consta que, por volta das 11h, os policiais federais avistaram o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA juntos, conversando “na varanda do piso superior do referido imóvel” (fl. 219 – ID 270552785), onde permaneceram alguns minutos, tendo, na sequência, retornado para o interior do imóvel (vide fotografias acostadas às fls. 219/221 – ID 270552785). Depois disso, apurou-se ter havido, no dia 01.04.2013, diversas trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e DENIS com o seguinte teor (fls. 222/229 – ID 270552785): SMS: Mande os cpf p/ suspender urgente. SMS: Recebeu esta no cel. SMS: Oi, segue alguns casos para v suspender: 565.156.267-20 luiz 983.122.518-04 neusa 523.069.258-87 Oridio 160553.258-45 Andrea bicudo, essa médica é da li. SMS: Troquei de aparelho e perdi sorry. (...) SMS: (...) até de 2010 sua. Depois me ligue ok. SMS: Te enviei agora. SMS: Recebeu? SMS: Ok. SMS: Show. SMS: Neusa e oridio são de outra jurisdição. SMS: Já estão em são Paulo. SMS: Não estão. Vc altera end c/ ID 2013. SMS: Vou alterar agora. SMS: Ok. Na sequência, em ligações interceptadas às 9h52 e às 9h57 do dia 04.04.2013, DENIS e VITOR mencionam, expressamente, o nome do contribuinte Luiz Fernando Rubira Gatto, um dos clientes do contador DENIS (fls. 230/231 – ID 270552785): VITOR: ‘Digue’ lá! DENIS: Preciso de um recibo aí, você consegue pra mim aí? VITOR: Claro, filho! Pode falar o CPF. (...) VITOR: Cícero Davi...Oh, o Davi! DENIS: É...você conhece ele. VITOR: Davi...2011...2011, base 10, Certo? DENIS: Certo. (...) DENIS: (Inaudível) também? O cara tá enchendo a minha paciência. É o Luis Gatto (inaudível). Não tem nenhuma pendência não, só mesmo as despesas. VITOR: É... DENIS: Você quer o CPF dele pra você ver aí? VITOR: Fala aí. DENIS: Pera aí, Vitão...o cara já para de me seguir (inaudível). VITOR: esse Davi já caiu em malha 2013, em omissão de rendimentos, viu? Alô! (...) DENIS: Você consegue puxar e ver? É Luis Fernando Rubira Gatto. VITOR: Luis com ‘S”? DENIS: É! VITOR: Luis... DENIS:... Fernando Rubira Gatto. VITOR: ...Fernando...Isso eu já descubro. Rubira...acho que isso já é suficiente. É! Fernando Rubira Gatto. Achei! Tá aqui. DENIS: Ah, é? Deu aí? VITOR: Humhumm! DENIS: você libera esse (inaudível). (...) VITOR: e aqueles outros casos. Você já retificou? Alô (cai a ligação). VITOR: Alô! DENIS: Oi, meu sinal tá ruim, viu! (...) VITOR: É, é...eu já liberei, tá? DENIS: Beleza pura! VITOR: Esses dois, o DAVI e o LUIS já estão em malha 2013. DENIS: eu sei! Eu sei! É...(inaudível) VITOR: Oi? DENIS: Luis Gatto fez 2013? VITOR: Fez. DENIS: Ah, ele fez? VITOR: Ele tem omissão de rendimentos. DENIS: 2013, né? Ele já fez, então? VITOR: Já. DENIS: Tá legal, bacana! te falar que tá tudo certo. Porque ele deu uma estressada comigo...ah, então ele já fez. Tá legal. Azar o dele. Beleza! (...) VITOR: Nós estamos falando de quem? Do Luis Rubira Gatto, né? DENIS: É. Já fez 2013? VITOR: Já fez. O Davi também. Só que os dois “tão” em malha. DENIS: Legal! Beleza...Tranquilo! VITOR: Tá bom? DENIS: Beleza pura! VITOR: Ok! DENIS: Falou, velhão. Depois te ligo aí. Abraço VITOR: Falou, tchau! DENIS: Tchau, tchau. Repare que, durante o referido diálogo (travado em 04.04.2013) VITOR, ao que tudo indica se referindo à declaração de Luís Fernando Rubira Gatto, diz: “eu já liberei, tá?” (fl. 230 – ID 270552785). Em face desses indícios, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que, às 9h46 do dia 04.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto (cliente do contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA), sob a justificativa formal de que o contribuinte havia apresentado comprovação das deduções pleiteadas ou demonstrado sua admissibilidade, o que, de acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), teria sido feito de maneira flagrantemente irregular, isto é, sem a elaboração de dossiê eletrônico em nome do contribuinte e sem que tenha havido atendimento presencial (vide fls. 178/181 e 204 – ID 270552801). Além disso, quatro dias depois (em 08.04.2013), VITOR (auditor fiscal), valendo-se do endereço eletrônico titoreceita@yahoo.com.br, enviou um e-mail ao contador (DENIS), no corpo do qual solicitou, expressamente (e por escrito), como contrapartida pela referida “liberação da malha fina” (ocorrida em 04.04.2013), o pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). A transcrição do referido e-mail enviado por VITOR ao contador (DENIS) é a seguinte (fl. 101 – ID 170518759): Chequei as declarações fechadas de 2012 e não encontrei o Luís Fernando... eu já liberei, então vc. Me deve r$ 4 mil. Muito embora, em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR alegue que não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento em relação à presente conduta (2ª conduta descrita na denúncia), os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva em sua forma qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula Silva Ferreira (CPF: 168.826.978-92). Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Segundo consta, VAGNER (contador) disse a VITOR (auditor fiscal), em diálogo interceptado no dia 16.04.2013, às 14h46, que a DIRPF 2012 de Jane Paula (cliente daquele contador) teria sido retida em “malha fina”. Informado por VAGNER (contador) de que este cobraria, de sua cliente, a título de honorários pelo serviço de “liberação da malha fina”, valor correspondente ao da restituição do imposto de renda, equivalente a cerca de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), VITOR solicita, para si, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais). VAGNER diz, então, que ficaria com restante do montante a ser restituído no mês seguinte (cerca de R$ 1.500,00 – mil e quinhentos reais), caso a contribuinte (Jane Paula) aceitasse a proposta. A transcrição de parte do referido diálogo é a seguinte (fls. 88/89 - ID 270552786 e fl. 106 – ID 170518759): VAGNER – Agora é o seguinte, lembra de uma mulher que eu falei que a burra foi retificando a Declaração dela porque foi dando inconsistência e ela ficou na malha retificadora? VITOR – Sim. VAGNER – Aí você falou assim ‘deixa aí essa porra...uma hora a gente vê...’ VITOR – Hã! VAGNER – Ela tem uma restituição legal pra gente trabalhar, mas assim...ela precisa que libera a declaração dela do ano passado, cara! Porque ela falou assim ‘cara, eu não sei mais o que fazer...’ eu falei pra ela ‘não mexa mais nessa porra. Deixa parado esse negócio lá que eu vou ver o que eu resolvo’. Ela tá pedindo de volta 4 ‘pau’. É... eu falei pra ela o seguinte, ‘se você pagar esses 4 ‘pau’ eu acho que eu consigo te ajudar. Só que você vai ficar sem nada, mas acho que eu consigo te ajudar’. E aí eu te pergundo: o que você acha? VITOR – Então, eu preciso ver, né? VAGNER – Você quer o CPF dela? (...) (...). VITOR — Tava o meu colega aqui do lado, não dava pra falar abertamente. Me dá o CPF dela, então... (...). VITOR — Olha, eu posso até... Eu posso até... Eu posso até liberar, mas assim... Hã... Eu libero, você não precisa retificar, nem nada. Só que a minha proposta é a seguinte: quando ela receber... Ela vai receber 4.418. Ela me dá 3. VAGNER — Tá bom! Eu pego 1.000 pra mim. Vou cobrar tudo dela. VITOR — É... você pega... VAGNER — Vou falar para ela ‘É pegar ou largar, filha’! VITOR —Não, você vai pegar mil... 1.500, mais ou menos... VAGNER — Quanto que dá de correção... Você sabe? VITOR — É um ano de correção... A SEL1C lá na faixa de 07... É 7% de correção. Com certeza! VAGNER — É 4.700, que vai dar. Eu vou falar pra ela o seguinte... É...É...E 4.700 os honorários para liberar isso aqui. E aí, se você liberar agora, já sai o mês que vem essa porra..., vou falar para ela. VITOR — É. VAGNER — Vou fazer essa proposta então. VITOR — Tá. VAGNER Tá bom? VITOR — Tá! Aí você faz... Você faz o seguinte, você pede algum...um cheque, né? Dela... Depois disso, apurou-se ter havido, às 16h16 do dia 16.04.2013 e às 10h06, 10h08 e 10h09 do dia 17.04.2013, trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e VAGNER com o seguinte teor (fls. 90/91 – ID 270552786): SMS: Pode liberar a Jane. Ela topou. (...). SMS: Bom dia. Não esquece de liberar a Jane. Abs. SMS: Já foi. SMS: Ela vai mandar o cheque amanhã. Com efeito, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que VITOR efetuou uma série de consultas à DIRPF 2012 de Jane Paula no mesmo horário em que conversou com VAGNER ao telefone e que, às 13h33 do dia 17.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) daquela contribuinte (cliente do contador VAGNER FABIANO MOREIRA). De acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), em 01.05.2013, o sistema promoveu a emissão do lote de restituição para a DIRPF 2012 de Jane Paula Silva Ferreira, tendo sido o valor disponibilizado para a contribuinte em 15.05.2013 (vide fl. 166 – ID 270552802). Ainda de acordo com o Relatório elaborado pela Receita Federal, “não foram encontrados quaisquer registros de atendimento da referida contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA. Também não foi encontrado nenhum dossiê contendo os documentos que o Auditor-Fiscal afirma terem sido apresentados pela contribuinte para comprovar as deduções pleiteadas e/ou demonstrar sua admissibilidade” (fl. 168 – ID 270552802). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 7ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de, nessa ocasião, VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante tudo o que foi exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática de outros 2 (dois) delitos de corrupção passiva qualificada (referentes às 2ª e 7ª condutas). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA – ART. 317, §2º, DO CP (1ª, 4ª e 10ª condutas). PRESCRIÇÃO. A prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). No caso concreto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) foi condenado pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), com fulcro no artigo 317, §2º, do Código Penal. Houve, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa de três circunstâncias judiciais (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Operou-se o trânsito em julgado para a acusação, de maneira que o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de corrupção passiva privilegiada não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de corrupção passiva privilegiada ocorreram em 22.03.2013, 26.03.2013 e 23.04.2013 (fls. 08/15 – ID 170518764), isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE PECULATO ELETRÔNICO (ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL). O art. 313-A do Código Penal, assim dispõe: Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O delito de "inserção de dados falsos em sistema de informações" ou "peculato eletrônico" é misto alternativo (ou de ação múltipla), que possui, no seu bojo, vários verbos nucleares, quais sejam: "inserir" (introduzir, implantar, incluir), "facilitar a inserção" (auxiliar, tornar fácil a inserção), "alterar" (mudar, modificar) e "excluir" (remover, afastar, eliminar), de modo que, praticada quaisquer das condutas descritas, estará consumado o crime. Inclusive, a prática, em um mesmo contexto fático, de dois ou mais dos comportamentos previstos, enseja, em princípio, a responsabilização por uma única infração penal, não se havendo de falar em concurso de crimes. Além disso, para que se possa atribuir a um sujeito a autoria do delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, é indispensável a presença do dolo, isto é, da vontade livre e consciente de inserir/facilitar a inserção de dados sabidamente falsos (ou de alterar/excluir indevidamente dados corretos) em sistema ou banco de dados da Administração, bem como é imprescindível que o agente atue com a especial finalidade (elemento subjetivo que transcende ao dolo) de causar dano ou de obter vantagem indevida (de qualquer natureza) para si ou para outrem. Atente-se que, embora seja indispensável, para a caracterização deste crime, que o agente atue com o especial propósito de causar dano ou obter vantagem indevida (elemento subjetivo que transcende ao dolo), não se exige a efetiva produção de um resultado naturalístico para a sua consumação. Por se tratar de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá com a inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. OBTENÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDA. PENAS DE MULTA REDIMENSIONADAS. (...) 4. Restou demonstrado que foram inseridas informações falsas nos sistemas informatizados do INSS com o fim de garantir que a segurada cumprisse a carência necessária à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que deve ser mantida a condenação das apelantes pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. 5. O delito em questão, por ser crime formal, não exige a comprovação da ocorrência de resultado naturalístico para a sua consumação. Portanto, é irrelevante para a sua configuração a demonstração da efetiva obtenção de vantagem indevida. 6. A conduta narrada na denúncia - inserção de dados falsos no sistema da Previdência a fim de obter vantagem para si ou para outrem - subsome-se ao delito tipificado no art. 313-A do Código Penal, que foi aplicado com base no princípio da especialidade. (...) 11. Apelações desprovidas. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0007023-87.2014.4.03.6110, Rel. Nino Toldo, DJF3 Judicial 1 de 11.02.2019) APELAÇÕES CRIMINAIS. ARTIGOS 171 §3º e 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS VISANDO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA. NULIDADE AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. Crime formal, não exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico. Consuma-se, portanto, com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo penal, independentemente de efetiva obtenção de vantagem indevida ou ocorrência de prejuízo, que configuram exaurimento do crime. Segundo a acusação, a ré foi contratada para intermediar o requerimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Por sua vez, o outro réu, então servidor do INSS, tinha a incumbência de inserir dados falsos no sistema da autarquia, com a finalidade de garantir o êxito do requerimento do benefício. A conduta imputada aos acusados subsome-se ao crime descrito no art. 313-A do Código Penal. Prescrição afastada. Pena em concreto. (...) Apelação do réu a que se nega provimento. Apelação da ré a que se dá parcial provimento. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0008014-32.2015.4.03.6109, Rel. José Lunardelli, e-DJF3 Judicial 1 de 07.01.2019) Trata-se de crime próprio, que somente pode ser praticado por funcionário público (ou alguém a ele equiparado, nos termos do art. 327, caput e respectivos parágrafos, do CP). Além disso, apenas pode figurar como sujeito ativo o funcionário público que, além de ostentar essa qualidade, é autorizado a acessar/operar, por meio de senha ou qualquer outro comando, determinado sistema de informações da Administração Pública não aberto a outros funcionários ou ao público em geral. Em se tratando o agente de funcionário público "não autorizado", ficará afastada a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP, podendo se caracterizar, nessa hipótese, o delito de falsidade ideológica (inteligência do art. 299 do CP) ou, ainda, o delito previsto no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, por exemplo. É relevante salientar que, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como co-autores ou partícipes pelo crime previsto no artigo 313-A do Código Penal, desde que tenham pleno conhecimento de que o executor primário se trata de um funcionário público, isto é, desde que saibam que o delito está sendo praticado juntamente com um funcionário público. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: PENAL. ART. 313-A CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1- A denúncia aponta que os réus obtiveram vantagem ilícita, mediante fraude, em detrimento do INSS. A fraude supostamente utilizada pelos réus envolveu a utilização de sistemas informatizados e/ou banco de dados do INSS o que atrai a incidência do art. 313-A do Código Penal, específico para a situação. 2- A interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público Federal visando ao aumento da pena dos réus conduz à fixação do prazo prescricional segundo a pena máxima abstrata. Prescrição afastada. Entre os marcos interruptivos da prescrição, não decorreu prazo superior a 16 (dezesseis) anos. 3- Reconhecido o concurso de pessoas na prática do crime previsto no art. 313-A, o particular (não funcionário público) que tenha a vontade livre e consciente para agir com o funcionário público na obtenção de vantagem ilícita, deve responder pelo crime funcional como coautor ou partícipe. 4- Materialidade e autoria demonstrada. Prova documental e testemunhal. Confissão de um dos réus. 5- (...) (TRF3, Décima Primeira Turma , APCRIM 0001204-89.2007.4.03.6119, Rel. José Lunardelli, E-Djf3 Judicial 1 de 14.02.2017) O bem jurídico tutelado é a probidade administrativa, a moralidade e o patrimônio público, além da confiabilidade social nos sistemas e/ou banco de dados mantidos pela Administração Pública e respectivo conjunto de informações neles contidas, razão pela qual não se há de falar em aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: PENAL. PROCESSO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CP, ART. 313-A. NULIDADES. CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INAPLICABILIDADE. DEFESA DO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OMISSÃO. PREJUÍZO. COMPROVAÇÃO. EXIGIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENSÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. STJ, SÚMULA N. 444. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, o procedimento previsto no art. 514 do Código de Processão Penal não é aplicado se o funcionário público deixou de exercer a função na qual estava investido (STF, AP n. 465, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.04.14; STF, RHC n. 114116, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.12.12 e STF, HC n. 110361, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.06.12). 2. Embora o inquérito policial não supra a defesa prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, a omissão desta somente enseja nulidade se comprovado o efetivo prejuízo, consoante os precedentes do Supremo Tribunal Federal. (STF, Ag. Reg. no RHC n. 121.094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14 e STF, RHC n. 120.569, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.14). Para o Supremo Tribunal Federal, a prolação de sentença condenatória prejudica a alegação de nulidade por inobservância do art. 514 do Código de Processo Penal (STF, RHC n. 12.7296, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.06.15 e STF, Ag. Reg. no RHC n. 121094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14). 3. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a Administração Pública, não só no seu aspecto material mas também no moral, como sucede nos casos de peculato e inserção de dados falsos em sistema de informações (STJ, HC n. 165.725, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16.06.11; REsp n. 1378710, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.06.13, decisão monocrática; TRF da 3ª Região, ACR n. 00063043820044036181, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.01.13). 4. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito, é mantida a condenação da ré. 5. Dosimetria. No tocante a personalidade voltada para o crime, em consideração às condenações da ré pelo mesmo delito por outros fatos, não cabe valorá-los em prejuízo da ré sem a comprovação de trânsito em julgado, conforme dispõe a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Preliminar rejeitada. 7. Apelações desprovidas. (TRF3, Quinta Turma, ApCrim 0009695-23.2013.4.03.6104, Rel. André Nekatschalow, e-DJF3 Judicial 1 de18.10.2019) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância não é aplicável ao caso, ainda que seja de pequeno valor o prejuízo causado aos cofres da União, pois há um alto grau de reprovabilidade na conduta, que atinge a coletividade como um todo e a moralidade administrativa. 2. Apelação provida. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0006637-46.2012.4.03.6104, Rel. Nino Toldo, e-DJF3 Judicial 1 de 02.10.2019) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMÁTICA. CADASTRO DO BOLSA FAMÍLIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. SAQUES DO BENEFÍCIO DEPOSITADO EM CONTA DA AGENTE. ESTELIONATO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CP. DOLO NÃO COMPROVADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE COISA HAVIDA POR ERRO. - Comete o crime do art. 313-A do CP o agente que, na condição de menor aprendiz da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Trabalho (SEDEST) de Petrolina/PE, lotado no setor responsável pelo cadastro do Bolsa Família, insere dados falsos no sistema de informática com o objetivo de beneficiar terceiro que não preenchia os requisitos para integrar o referido programa de transferência de renda. Inteligência do art. 327, parágrafo 1º, do CP. - O delito tipificado no art. 313-A do Código Penal é modalidade de crime contra a administração pública, que resguarda, não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica, razão pela qual a ele não se aplica o princípio da insignificância. Precedente citado: STJ, AgRg no REsp n. 1.382.289/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE 11/6/2014. Hipótese, ademais, em que o valor total recebido pela apelante beneficiada pelo Bolsa Família perfez o montante de R$ 2.652,00, o qual supera em muito o salário mínimo vigente à época do fato e, ausente de dúvida, não pode ser tido como valor irrisório. - "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231 do STJ). Entendimento consolidado na jurisprudência com reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF, que reafirmou a orientação no sentido de que "circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (RE 597.270-RG-QO/RS). Pena mantida em 2 (dois) anos de reclusão, o mínimo previsto em lei para o crime do art. 313-A do Código Penal. - Não provimento do apelo interposto pelo agente responsável pela inserção de dados falsos em sistema informatizado da Administração Pública. (...) - Apelação do réu não provida e apelação da ré provida, em parte, para desclassificar a conduta descrita na denúncia para a do art. 169 do CP, com a fixação de nova pena. (TRF5, Quarta Turma, ACR - Apelação Criminal - 13833 0000028-69.2015.4.05.8308, Rel. Rubens de Mendonça Canuto, DJe de 12.08.2016, Página 160) CASO CONCRETO. Quanto aos crimes de peculato eletrônico, apurou-se, em síntese, que o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, agindo em conjunto com contadores e/ou contribuintes beneficiários, teria inserido, no sistema informatizado da Receita Federal, por diversas vezes, dados falsos consistentes em afirmações (inverídicas) de que contribuintes teriam comprovado deduções constantes de suas declarações de imposto de renda (DIRPFs), bem como teria emitido comandos de desbloqueio (com base em informações sabidamente falsas), possibilitando, assim, emissões irregulares de notificações de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir. Foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em continuidade delitiva, de oito delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas descritas na denúncia); EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia); FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia); JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia); CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática, em continuidade delitiva, de três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia); MAURO SERGIO ARANDA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese, que todas as condutas de peculato eletrônico descritas da denúncia são atípicas, já que não teria existido inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682). A defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). A defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. As defesas de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e MAURO SERGIO ARANDA alegam, em síntese, que os acusados devem ser absolvidos, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico (fls. 07/17 - ID 170518607, fls. 157/169 - ID 170518607 e fls. 57/61 - ID 170518682). Pois bem. No tocante às 1ª e 2ª condutas, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, após as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) de EDSON terem sido bloqueadas, por suspeita de fraude, nos dias 30.06.2010 e 12.05.2011, respectivamente, VITOR, em 15.02.2012, consultou as referidas declarações (às 10h05) e, na sequência (às 10h07 e às 10h08, respectivamente), desbloqueou-as, liberando-as, irregularmente, da “malha fina”, mediante afirmações (inverídicas) de que o contribuinte teria comprovado as deduções constantes de cada uma dessas declarações, o que possibilitou a disponibilização, em 01.03.2012, em favor de EDSON, de restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos) – correspondente à DIRPF/2010 - e de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos) – correspondente à DIRPF/2011 (vide fls. 165/175 - ID 270552801). Quanto à alegação da defesa de EDSON no sentido de que este “não obteve qualquer benefício com a suposta conduta” (fl. 64 – ID 170518682), cabe reiterar que, para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. In casu, de qualquer sorte, o Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas (vide fls. 165/175 - ID 270552801), revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções. Conforme explicitado na r. sentença, constou do aludido relatório que, em 15.02.2012, o servidor VITOR consultou as DIRPFs de EDSON e “efetuou o desbloqueio da lista (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB) e, automaticamente, o sistema a selecionou para a malha fina, o que levou o corréu a liberar a DIRPF mediante informação inverídica de que o contribuinte comprovara as deduções (...)” – fls. 117/118 – ID 170518759. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de EDSON FERREIRA DA SILVA pela prática, em concurso de agentes, de ambos os delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia). No tocante à 3ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que a declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa constava em malha fiscal e que, após a emissão eletrônica de intimação (em 30.12.2012), o servidor VITOR procedeu, em 01.04.2013, à liberação daquela DIRPF da “malha fina”, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da seguinte informação: “O CONTRIBUINTE APRESENTOU COMPROVAÇÃO DAS DEDUÇÕES PLEITEADAS E/OU DEMONSTROU SUA ADMISSIILIDADE” (fl. 180 – ID 270552801). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome de Marco Antonio de Castro Correa (conforme fl. 181 – ID 270552801). Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la (fl. 119 – ID 170518759): Vitão de acordo aquele processo referente ao ano de 2009 de Marco Antonio de Castro Corea, já foi deferido. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 4ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, em 05.05.2012, às 15h05, houve o bloqueio, para fins de fiscalização, da DIRPF/2012 de Marcelo Melro Mendonça e que, posteriormente (em 18.03.2013, às 15h11), o servidor VITOR “desbloqueou” a referida DIRPF (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB), tendo, ainda, no dia seguinte (em 19.03.2013, às 11h53) inserido dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal, a fim de “liberar” a declaração e possibilitar a emissão de notificação para restituição (indevida) de montante equivalente a R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos) – vide fls. 32/34 – ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte Marcelo Melro Mendonça. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF de Marcelo e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito (vide fl. 32 – ID 270552802). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 5ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que (vide fls. 160/164 – ID 270552801): “a DIRPF 2012 da contribuinte Maria José Marchetti Torrano foi incluída em malha em face de: a) inconsistência de dados de fontes pagadoras (código MF 210); b) suspeita de despesas médicas inidôneas (código MF400), especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão, não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 125.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fls. 163/164 – ID 270552801); “a DIRPF 2012 de Olavo Marchetti Torrano foi incluída em malha devido a suspeita de omissão de rendimentos de aluguéis recebidos de pessoa física pelo titular (Código MF 300) e de suspeita de despesas médicas inidôneas (Código MF400); especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 68.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fl. 164 – ID 270552801); A DIRPF 2012 de Gerson Gomide ficou “retida em malha fiscal por suspeita de declarações médicas inidôneas (parâmetro MF 400)” – fl. 122 - ID 170518759. Demonstrou, também, que as declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano foram “liberadas da malha fina” pelo servidor VITOR no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, respectivamente, bem como que a DIRPF/2012 de Gerson Gomide foi “liberada” da malha fiscal, também pelo servidor VITOR, em 12.06.2012, sempre mediante a informação inverídica de que os contribuintes teriam comprovado as deduções sob suspeita ou demonstrado sua admissibilidade. Consta, inclusive, que, graças às aludidas inserções de dados falsos no sistema da Receita Federal, os contribuintes receberam, indevidamente, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Em 12.03.2013 e em 19.03.2013, p.ex., trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 207 – ID 170518766): De: cleidemariac (...) Para: Vitor (...) Enviadas: Terça-feira, 12 de Março de 2013 16:12 Assunto: Notificação de nosso contribuinte. Olá Vitor Anexo a notificação do contribuinte, ele pagou na ocasião. Aguardo retorno Desde já agradeço abs Cleide Maria. De: Vítor Aurélio (...) Para: cleidemariac (...) Enviada em: terça-feira, 19 de março de 2013 18:47 Assunto: Re: Notificação de nosso contribuinte. Cleide, Desculpe a demora p/ responder este caso. Já está liberado. Abs. Em 05.04.2013, às 11h28 e às 12h10, CLEIDE e VITOR trocam, via SMS, as seguintes mensagens: CLEIDE: Oi Vitor, t perdida, ainda n)o fiz nenhum ir, e se eu fizer quase todos igual ano passado? O que vc acha? Abs VITOR: funciona. exceto p/ casos q liberei. Por fim, apurou-se que, em 10.04.2013 (às 13h45), a contadora (CLEIDE) encaminhou, ao auditor fiscal (VITOR), mensagem de correio eletrônico (e-mail) com o seguinte teor (fl. 03 – ID 170518943): Oi Vitor Não querendo incomodar mas já incomodando......não tem jeito de fazermos apenas uns 10. O repasse do serviços para você seria de R$ 4.000,00, com exceção da Maria José que seria R$ 6.000,00. Eu poderia fazer + ou - igual ao ano passado, somente teria alteração quanto a Maria José Torrano, Olavo Torrano e Gerson Gomide que foi lançado o Albert Einsten...pois não sei se pode usar este recurso.... Faríamos somente este ano, e já aviso aos mesmos que não será possível a partir de 2014. Senão for possível eu entendo, não podemos nos prejudicar de maneira alguma. Obrigada Cleide Maria Ora, não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide), é firme, com base nas trocas de mensagens supramencionadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 de Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de CLEIDE MARIA RIBEIRO pela prática, em concurso de agentes, dos referidos três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) revelou que, no dia 26.04.2013, às 13h44, o servidor VITOR efetivamente liberou, da “malha fina”, a referida declaração, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da informação (inverídica) de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções pleiteadas. Como resultado, a conduta criminosa gerou a restituição (indevida), em favor do contribuinte, de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos) – vide fls. 168/169 - ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome de Henry Luis Fornitano. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração de Henry Luis Fornitano (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração de Henry Luis Fornitano. Em 04.04.2013 e em 08.04.2013, os corréus trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 101 – ID 170518943) De: Mauro Aranda (...) Para: Victor (...) Enviadas: Quinta-feira, 4 de Abril de 2013 10:23 Anexar: 21401986897-1RPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao.pdf; 21401986897-1RPF-2012- 20111-retif-imagem-declaracao.pdf Assunto: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-1RPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Devidas correções feitas. De: Vitor Aurélio (...) Para: Mauro Aranda (...) Enviada em: segunda-feira, 8 de abril de 2013 19:10 Assunto: Re: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-IRPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Agora sim... pode transmitir o Henry. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) de Henry Luís Fornitano ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. Transcreve-se, aqui, o referido diálogo interceptado em 17.04.2013, às 11h47 (fls. 102/103 – ID 170518943): VITOR - Alô! MAURO - Alô! VITOR - Ô, meu! O que aconteceu...Você tava preso? (...). MAURO - Graças a Deus a coisa tá fluindo. Eu tô com um negócio aqui, eu preciso que você me ajude. Você viu que eu mandei do HENRY de novo, né? VITOR - Pera aí... Repete. Não entendi nada. MAURO - Você viu que eu mandei o IR do HENRY de novo... VITOR - Não, não vi. Você mandou? MAURO - Puta... Você não falou pra mandar... Você mandou um e-mail pra mim que podia mandar daquele jeito que tava? VITOR - Sim! MAURO - E tá dando pendência no Bradesco Saúde. VITOR - Ah, que... !MAURO - Você consegue ver isso aí? 1VITOR - Bom... É, bom... Paciência, né? Aí é... Aí é comigo. MAURO - (Risos)... Faz o seguinte, você vai fazer o que hoje à noite? VITOR - Hoje... Ah, hoje eu vou lá no puteiro perto de casa. MAURO - Meu, para com isso! Vira evangélico. Para de fazer bagunça! Vamo trabalhar... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tô com uma pilha de Imposto de Renda da minha frente. Eu tô olhando pra ela, tô com vontade de rasgar tudo e sair correndo... Você não tem noção (inaudível) trabalhar, tem um monte de coisa na minha mesa. Tô pensando em jogar tudo fora. VITOR - (Inaudível) MAURO - (Inaudível) tá vindo o pessoal do banco pra cá... Banco Safra. VITOR - Imagino que você esteja quase louco, mas... MAURO - Você vai... Você vai lá na Pompéia então? VITOR - Eu tô lá! MAURO - Que horas que você vai pra lá? Acho que vou lá conhecer. Vamo marcar umas 7h00 lá? VITOR - Ah, vamo... Você não quer ir um pouco mais tarde? MAURO - Pode ser. Você que me fala. Que horas? iVITOR - É... Eu tô... Eu tô pensando, assim... Você podia ir lá umas 8 e meia. MAURO - (Inaudível) sair daqui, eu te ligo. É mais fácil. VITOR - muito tarde? MAURO - Não, pra mim tudo bem. Não tem problema. Eu... preciso tirar esse monte de pendência da minha vida aqui...São coisas que eu acabo passando até vergonha aqui, porque eu não resolvo as coisas. VITOR - É... Mas escuta, você tem notícias da CRISTINA? MAURO - Tenho, tá aqui a carta que chegou aqui, só que ela tá viajando. Chegou a carta dela aqui... Cadê? Tá aqui na minha frente... Puta, os caras bateram palma... Por isso que eu tô... O pessoal do Banco Safra todinho vai vir pra cá agora por causa disso. Eles acharam o trabalho excelente, tudo... Tirando as mancadas que eu deixei... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tomei uma puta bronca. Ela falou ‘Meu, esse ROBERTO aqui não aparece...’, eu falei ‘Você quer que o cara aparece, manda carta dele, um cartão de Natal pra você, mas ele não vai botar o nome dele aqui...’. Ele mandou outro cara fazer a intimação dela. Então, fica tranquilo eu te passo hoje à tarde como é que tá a posição. VITOR - Ué? Mas eles já tavam sabendo que isso ia acontecer? MAURO - É... Não falei pra você que o marido dela é um cara que passa os negócios pra gente...O que que ele fez? Ele automaticamente... Falei ‘O, sua esposa vai receber intimação. Eu já recebi lá pra fechar...’, porque tava achando que não ia fechar a operação nunca. VITOR - Hã! MAURO – ‘Pode ficar tranquilo que tá fechando. Ela vai receber a carta...’, ele falou ‘Meu, o problema é que se minha mulher pegar isso aí na mão, ela vai ter um infarto’, falei ‘Então, avisa ela que ela vai ser intimada pra não ficar... Não ter infarto antes da hora’. VITOR - Pô, mas até o marido tá sabendo disso? Por quê? Não tô entendendo... MAURO - Não, o cara que passa o trabalho pra gente. Não, fica tranquilo! Eu te explico, mas assim... 100% seguro. Pode ficar sossegado. VITOR - É, porque, eu pensei assim, que era você que tava fazendo isso pra dar um susto nela. MAURO - Não, não, não... É pra garantir os próximos serviços dele. Porque ele ficou meio... Ele achou meio estranho porque... Como o dele caiu lá na situação e ninguém resolveu, ele ficou doido. Ele falou ‘Meu, cadê sua força?’, falei ‘Cadê minha força... Não me dá carta na mão, como é que eu posso ter força?’, mas eu te explico. Fica tranquilo que à noite eu te explico. VITOR - Bom, mas ele tava sabendo que você ia pedir pra um fiscal fazer a intimação? MAURO - Não, não. Ele não tava sabendo. Eu falei ‘Ela vai dançar, porque ela...’. VITOR - Ah, bom! MAURO - ... ‘Tem um patrimônio não declarado, que entrou uma puta grana na conta dela, ninguém explica nada, então ela vai dançar. Vai ser automático isso aí’, aí, ele falou ‘Como é que vai resolver?’, falei ‘Meu, a hora que chegar a carta, não esquenta. Me dá a carta que eu resolvo...’. VITOR - (Inaudível) MAURO – ‘Eu tenho gente que me ajuda a fazer Isso ai’. VITOR - Tá bom! MAURO - É isso que ele queria entender. VITOR - Ah... Hamhamm! MAURO - Ele não sabia quem era. VITOR - Tá... Tá bom! Belê! MAURO - Pode deixar comigo então. Umas 8, 8 e meia a gente se fala. VITOR - Tá bom. Falou! MAURO - Um abraço! VITOR - Outro, tchau! Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de MAURO SERGIO ARANDA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART. 325 DO CÓDIGO PENAL). O art. 325, caput e §1°, do Código Penal, assim dispõe: Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) O crime de violação de sigilo funcional (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada) se caracteriza pela conduta de, oralmente ou por escrito, revelar e/ou facilitar a revelação de informações confidenciais conhecidas em razão do cargo ocupado pelo agente público. O sigilo pode decorrer de Lei, de determinação judicial ou de determinação administrativa, p. ex., sendo que, para a caracterização do delito, é necessário que o funcionário tenha consciência da necessidade do segredo, por força de sua função, e que o segredo seja de interesse público. Note-se que, em se tratando de fornecimento de informações protegidas por sigilo que caracterize violação de sigilo fiscal, ato que, inclusive, configura improbidade administrativa, há, no âmbito administrativo, previsão de aplicação de pena de demissão (inteligência do art. 132, IX, da Lei n.° 8.112 de 11.12.1990), podendo o servidor, ainda, responder no âmbito cível, em ação de reparação de danos materiais e morais. E mesmo em se tratando de meros dados cadastrais, os quais, em regra, não são protegidos por sigilo fiscal, é certo que a lei determina o dever funcional de sigilo sobre assuntos da administração pública (inteligência do art. 116, incisos III e VIII, da Lei n.° 8.112/1990, os quais devem ser combinados com normas internas de cada órgão da administração), de maneira que o servidor público que, imotivadamente, acessar dados cadastrais para divulgá-los ou fornecê-los a quem não esteja legalmente autorizado a conhecê-los, estará descumprindo, eventualmente, dever funcional de observância às normas legais e regulamentares e, consequentemente, estará sujeito às sanções previstas no art. 325 do Código Penal. O bem jurídico tutelado é o regular funcionamento da Administração Pública, que poderia ser comprometido pela divulgação não autorizada de informações sigilosas. A norma visa coibir funcionários públicos de, no exercício de suas funções, revelarem fatos que devam permanecer em segredo, assegurando, assim, a confidencialidade necessária para a manutenção da eficácia administrativa e a salvaguarda do interesse público. Trata-se de crime formal, uma vez que se consuma no momento em que a informação sigilosa se torna conhecida por pessoa não autorizada, e que apenas admite a modalidade dolosa. Importante mencionar, por fim, que o delito em questão não se confunde com o de violação de segredo profissional, previsto no art. 154 do Código Penal, o qual pune a conduta de “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Neste último caso, os sujeitos ativos não se tratam de funcionários públicos responsáveis por sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública, mas sim de profissionais do setor privado, conhecidos como “confidentes necessários”, a exemplo dos advogados, sacerdotes, médicos e psicólogos, p. ex.. CASO CONCRETO. PRESCRIÇÃO. Quanto aos crimes de violação de sigilo funcional, houve a condenação de: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática, em continuidade delitiva, de quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª e 3ª condutas descritas na denúncia). Quanto ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, o r. juízo a quo reconheceu o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade deste acusado em relação aos delitos de violação de sigilo funcional. Em face do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a denúncia foi recebida apenas em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612), razão pela qual afastou-se, no momento da prolação da r. sentença (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759), a ocorrência de prescrição em relação a este acusado. Foi-lhe, pois, imputada, a pena de 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção pela prática, em continuidade delitiva, dos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). Não obstante, considerando que, no presente momento, já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição também em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH. Reitere-se que a prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de violação de sigilo funcional não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de violação de sigilo funcional ocorreram nos dias 19.03.2013 (1ª conduta), 25.03.2013 (3ª conduta), 03.04.2013 e 09.04.2013 (4ª conduta) e 26.03.2013 (5ª conduta) – fls. 03/38 – ID 170518764, isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI Nº 9.613, DE 03.03.1998). O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem (ilação que deve ser compreendida em coerência com a aplicação dos postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção do Direito Penal). Cumpre asseverar que, de acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente (cite-se, como exemplo, as operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras realizadas de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas - vide STF, AP n. 996, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29.05.2018, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção); controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas. Imperioso destacar, que, para fins de consumação do delito, não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas, dispensando-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. No que tange à desnecessidade da ocorrência de todas as etapas da lavagem e da sofisticação das condutas, confira-se: “Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de ‘lavagem de capitais’ mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, ‘caput’): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’ transnacional, com os quais se ocupa a literatura”. (STF, RHC 80816, Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18.06.2001) A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Tendo em vista a especial efetividade de que a persecução estatal deve imbuir-se no combate à criminalidade organizada, consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal, de sorte que o legislador pátrio o fez refletir na Lei nº 9.613/1998, cujo art. 2º, inc. II e § 1º, estabelece que: “II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. A autonomia da repressão ao delito de lavagem mostra-se certíssima medida processual penal assimilada pelo sistema normativo atual, o qual exige apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 1º, INCISO V, DA LEI 9.613/98. ABSOLVIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE: INOCORRÊNCIA DO CRIME DE LAVAGEM. CRIME DE DESCAMINHO. MODALIDADE TER EM DEPOSITO. APREENSÃO DA MERCADORIA: AUSENCIA DE PROVEITO ECONÔMICO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, que rejeitou a absolvição sumária do paciente, nos autos da ação penal nº 0000172-23.2008.403.6181. 2. O paciente foi denunciado porque teria ocultado a propriedade de bens, provenientes de delito contra a Administração Pública, consistente em contrabando e descaminho, crime este apurado nos autos 2007.61.81.014628-5. 3. A Primeira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento da apelação 2007.61.81.014628-5, por unanimidade, negou provimento ao apelo da acusação e deu parcial provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", c.c art. 29, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo o acórdão transitado em julgado. 4. Considerada a absolvição do crime antecedente, não há que se falar na ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. 5. Nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, e artigo 2º, inciso II, e §1º, da referida lei, prescinde-se da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente. Não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente. 6. No caso em tela, há uma particularidade, o crime antecedente nessa ação penal foi um crime bem definido e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem. E não houve prova suficiente para condenação do réu no crime antecedente, de modo que não restou caracterizado o crime de lavagem, por ausência da prévia ocorrência de crime do qual o numerário seja proveniente. 7. Caso não fosse imputada a autoria conhecida a alguém, o fato de não existir condenação não impediria que o crime de lavagem fosse imputado a outra pessoa. Mas uma vez imputada a autoria do crime de lavagem a um autor, que é o mesmo agente que se imputa o crime de lavagem, a absolvição com relação ao crime antecedente, esvazia a própria imputação de lavagem. 8. O Estado reconheceu em outra ação penal que não existe prova suficiente para relacionar o acusado com a obtenção ilícita daqueles bens. Assim, não há como imputar a esse acusado a mera ocultação da proveniência ilícita desses bens. Se o Estado não conseguiu provar que o agente obteve ilicitamente o bem, não pode mais tentar provar que o agente está ocultando ou dissimulando bem que tinha conhecimento que era ilícito. Sobrevindo sentença absolutória em relação ao crime antecedente, ainda que por insuficiência de provas em relação à autoria delitiva, entendo que não subsiste o crime de lavagem de capitais. 9. Ainda que assim não se entenda, observa-se que foi apontado na denúncia como crime antecedente ao da lavagem de dinheiro, o descaminho na modalidade 'ter em depósito'. Nessa modalidade de descaminho, ter em depósito, a única dissimulação ou ocultação possível seria dos próprios bens descaminhados, mas isso não existe, pois os bens foram aprendidos naquela operação, ou seja, para que seja possível o crime de lavagem nessa modalidade (ter em depósito), teria que se imputar ao paciente a ocultação dos próprios bens descaminhados, o que não ocorreu. Ao contrário, a denúncia imputa ao paciente a conduta de ter adquirido outros bens em nome de terceiras pessoas, na modalidade dissimulação, dissimulando a propriedade daqueles bens. 10. Se as mercadorias, objeto do crime de descaminho, não foram vendidas, pois foram apreendidas, imputando-se ao agente crime na modalidade ter em depósito, como esse agente poderia ter transformado o produto do descaminho apreendido em dinheiro, para posteriormente adquirir os bens que foram colocados em nomes de terceiros? Seria necessário que o agente vendesse o produto descaminhado, para conseguir transformá-los em dinheiro e adquirir aqueles bens que colocou em nome de outras pessoas. 11. É certo que os bens adquiridos em nome de terceiros poderiam ter sido adquiridos com o proveito de outros crimes de descaminho, em outras modalidades, mas não foi esse crime antecedente que a denúncia se referiu. A denúncia é explícita, apontando um crime específico como antecedente, qual seja, o descaminho relativo à apreensão ocorrida no dia 14/11/2007 que resultou na ação penal 2007.61.81.014628-5. E no tocante a esse descaminho, toda mercadoria que era mantida em depósito foi apreendida, não havendo que se falar em proveito econômico advindo do descaminho, de modo que não resta caracterizada um dos elementos objetivos do crime de lavagem, que é a proveniência ilícita dos bens. 12. Ausência de justa causa. Ordem concedida”. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 52049 - 0033971-34.2012.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 22.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.10.2013 - destaque nosso) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO V, DA LEI 8.137/1990 COMO DELITO ANTECEDENTE. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DENÚNCIAS QUE NARRAM A OCORRÊNCIA DE CRIME MATERIAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Embora independa a persecução pelo crime de lavagem de valores do processo e julgamento pelo crime antecedente, na forma do art. 2º, II, da Lei nº 9613/1998, exigido é que a denúncia seja instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012). (...) 4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro. (...)”. (STJ, RHC 73.599/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.09.2016, DJe de 20.09.2016) Em suma, deverá o órgão acusatório indicar na denúncia, de maneira certa, específica e individualizada, quais infrações subjacentes levaram à conclusão sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou valores, de modo a permitir ao acusado sua ampla defesa e o respeito ao princípio do contraditório. A devida caracterização do tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 exige que os fatos delituosos descritos não tenham caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Especificamente acerca do que se acaba de tratar, vide as palavras de Renato Brasileiro: “Em se tratando de crime de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrado que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, estabelece que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p. 173) - destaque nosso. A esse respeito, válida a referência à fundamentação irretocável trazida no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual se determinou o trancamento da ação penal precisamente em razão da inicial acusatória falhar em delimitar, de maneira clara, precisa e individualizada, as infrações subjacentes que embasavam a lavagem de dinheiro. In verbis: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N. 9.618/98. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO REPASSE DE VALORES AO PACIENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FORMA PRECISA E OBJETIVA DOS CRIMES ANTECEDENTES. FALTA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS VALORES RECEBIDOS PELO PACIENTE E OS SUPOSTOS EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O paciente foi denunciado pelo crime capitulado no artigo 1º, caput, incisos V e VI e § 1º, inciso II, da Lei n. 9.613/98, cujo feito foi instaurado a partir do desmembramento do Inquérito Policial 2.474 em curso no STF, com o escopo de investigar os diversos repasses efetuados pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, no valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao paciente. 2. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 3. Em casos extremos, todavia, em que a acusação se desenvolve de maneira claudicante, isto é, apresentando denúncia imprecisa, genérica e indeterminada, a jurisprudência não fecha a porta à possibilidade de trancamento da ação penal, especialmente, quando, pela imprecisão ou generalidade da peça acusatória, falhando no dever de bem delimitar e individualizar os fatos delituosos, dificulte a defesa de ordem a concretizar violação à ampla defesa e ao contraditório. 4. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 5. O Supremo Tribunal Federal tem imposto mesmo ao Ministério Público o dever de deduzir denúncia com idoneidade, de ordem a narrar os fatos de forma certa, determinada e precisa, para propiciar ao acusado a possibilidade de, sabendo a natureza e extensão da acusação contra ele dirigida, bem poder se defender. 6. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: 'O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado 'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado' (HC 84580, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513). 7. No caso, a denúncia relata que o paciente, no ano de 2003, teria recebido das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, indicado na AP 470/STF como operador do 'Mensalão', quatro depósitos bancários, que totalizaram o valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Posteriormente, consoante a denúncia, o paciente, em 23/06/2005, teria retificado sua Declaração do Imposto de Renda referente ao ano-calendário 2003, para declarar os valores recebidos como sendo provenientes de serviços prestados, sem, contudo, ter sido demonstrado documentalmente que se tratava de recursos obtidos em virtude da atividade profissional do paciente. 8. A denúncia, em redação pouco precisa, às vezes sem congruência, indica, num primeiro passo, ao início da descrição dos fatos delituosos, que os chamados crimes antecedentes consistiriam estritamente em empréstimos fraudulentos de onde originariam os recursos, posteriormente, transferidos à conta do paciente; sendo que, contraditoriamente, num segundo passo, em capítulo final, especialmente aberto para descrever e delimitar os crimes antecedentes, parece pretender imputar ao paciente, como crimes antecedentes que compõe a conduta a ele imputada, todos os crimes que eventualmente tenham sido processados e julgados na referida ação 470 (Mensalão). 9. No particular, verifica-se que não há qualquer remissão acerca dos crimes antecedentes ao suposto de crime de lavagem de dinheiro, limitando-se a denúncia a tecer considerações acerca dos crimes apurados na AP 470/STF. Ou seja, a denúncia não logrou demonstrar a vinculação objetiva ou subjetiva dos alegados crimes antecedentes com o ilícito de lavagem de ativos imputado ao paciente. Pior do que não indicar, com certeza e precisão, quais os crimes anteriores de que o acusado deve se defender, é atribuir-lhe uma quantidade indeterminada de delitos, afogando a sua defesa em indeterminação e incerteza. 10. Assim, embora tenha sido consignado na denúncia todos os crimes apurados na AP 470/STF (corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e formação de quadrilha), não houve a indicação de qual ou quais seria(m) o(s) crime(s) antecedente(s) do crime de lavagem de dinheiro atribuído ao paciente, restando apenas genérica imputação de que seriam os crimes apurados na referida ação penal. 11. Aliás, o próprio Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, após a realização de diversas diligências, que objetivavam esclarecimentos por parte dos peritos da Polícia Federal acerca da demonstração de vínculo entre os repasses realizados ao paciente e os supostos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do empresário Marcos Valério, em manifestação anterior à denúncia ora sob análise, havia requerido, em petição datada de 30/03/2015, o arquivamento do inquérito policial, por entender não presentes as evidências de que os repasses realizados em favor do paciente se vinculavam aos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, assim como por não reunir elementos indiciários da prática do crime de lavagem de dinheiro. Porém o pedido de arquivamento foi indeferido pelo juízo a quo e a denúncia foi apresentada por determinação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. 12. Consta dos autos que a manifestação técnica, que subsidiou à época o pedido de arquivamento do inquérito policial, foi precisa ao certificar que foram apurados apenas, com amparo em laudos produzidos nos autos da AP 470/STF, que o paciente havia recebido quatro repasses que totalizavam R$ 300.000,00, no período de 18/03/2003 a 25/04/2003, sem contudo indicar a origem dos recursos, pois, conforme justificativa apresentada, '(...) para se vincular exatamente os valores recebidos por João Pimenta da Veiga Filho aos 'empréstimos fraudulentos' será necessário reexaminar novamente os valores que ingressaram na conta corrente 60199, da agência 3032, do Banco do Brasil, e na conta corrente 60025952, da agência 009, do Banco Rural, identificando a origem do saldo disponível para efetuar os repasses da empresa DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. ao beneficiário João Pimenta da Veiga Filho'. 13. Caracteriza violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada; de outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado o crime de lavagem de ativos, o qual apenas se concretiza com a presença de delitos antecedentes, mas não lhe propicia, entretanto, em aberta violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF/88, defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador que o Ministério Público afirma presente na conduta supostamente praticada pelo denunciado. 14. O fato de, conforme o art. 2º, II, da Lei 9.613/98, o processo e o julgamento dos crimes previstos nesse estatuto legal independerem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, não infirma nem pode infirmar, seja acentuado, o direito do acusado de ver reconhecida pelo Estado-juiz a conclusão incontornável de que tem o direito de defender-se de todos os elementos que compõem o tipo penal da conduta que concretamente o Estado-acusador lhe imputa. 15. No caso, o tipo penal claramente inclui como um de seus elementos o fato de que só haverá crime de lavagem se os valores eventualmente dissimulados ou omitidos tenham sido provenientes direta ou indiretamente, de infração penal anterior (cito e realço a dicção expressa da Lei): 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'. 16. Portanto, se não há crime anterior, ou se, pelo menos, por defeituosa descrição dos fatos típicos, não se consegue demonstrar o vínculo, objetivo ou subjetivo, entre o delito antecedente e aquele outro cuja prática se atribui ao paciente, obviamente, não se poderá, ao final, impor-lhe um juízo condenatório pelo crime de lavagem de ativos. 17. Configurada a formulação de denúncia genérica e imprecisa, em especial por não individualizar quais seriam os empréstimos fraudulentos e delimitar, entre todos os crimes apurados na AP 470/STF, quais exatamente maculariam os valores repassados ao paciente, resta conformada a sua inépcia, nos termos dos artigos 395, I do CPP e, em consequência, a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente (CPP, art. 647), razão pela concedo a ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal 0010250-17.2016.4.01.3800, em curso na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em relação ao paciente João Pimenta da Veiga Filho”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus nº 00160028420174010000, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, julgado em 26.06.2017 - destaque nosso) Como se vê, o próprio delito de lavagem de dinheiro contém o elemento normativo infração penal, no sentido de que somente restará caracterizado o delito parasitário desde que eventualmente os proveitos econômicos que tenham sido ocultados, dissimulados, integrados ou reciclados, sejam oriundos de infração penal subjacente. Significa dizer, na fase do oferecimento da denúncia deverá o órgão ministerial apresentar indícios suficientes de que o objeto material da lavagem esteja vinculado, direta ou indiretamente, com a infração subjacente. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998. Na mesma linha de raciocínio, vide precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da justa causa duplicada nos crimes de lavagem, oportunidade em que se afirmou a necessidade de demonstração de lastro mínimo probatório acerca do delito acessório e da infração subjacente: “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. JUSTA CAUSA DUPLICADA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ANTECEDENTE E DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito - justa causa do processo penal -, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender aos requisitos essenciais do art. 41 do Código de Processo Penal - CPP. Precedentes. 2. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 3. A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. 4. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente. 5. No presente caso, o Parquet não observou sequer a exigência da exposição formal da justa causa duplicada, porquanto, mais do que não demonstrar lastro probatório mínimo do crime antecedente, o que obstaria o prosseguimento da persecução penal por violação à justa causa, o dominus litis nem mesmo indicou a conduta penalmente relevante antecedente, o que leva à inépcia da denúncia. Verifica-se que não é possível à defesa realizar sua resposta à acusação de forma adequada, porquanto indefinidos elementos mínimos do que consistiu a infração antecedente e a origem ilícita dos valores que teriam sido objeto do branqueamento. A denúncia apenas aponta que os valores seriam oriundos do orçamento municipal e o modus operandi do branqueamento, consistente no depósito do cheque, cuja beneficiária é uma sociedade empresária, em conta bancária de terceiro, sem qualquer vínculo formal com a pessoa jurídica da empresa contratada beneficiária. 6. Recurso provido para que seja trancado o processo penal que apura o crime de lavagem de capitais em questão, haja vista a inépcia da denúncia, facultando-se a oferta de nova denúncia, com o devido preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP”. (RHC 106.107/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019, DJe 01.07.2019 - destaque nosso) “PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA.DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA.REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO.JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE.RECEBIMENTO. (...) 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. (...)”. (APn 923/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23.09.2019, DJe 26.09.2019) Cite-se, ainda, importante precedente do C. Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido: “Habeas Corpus. Ação penal. Lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, com a redação anterior à Lei nº 12.683/12). Trancamento. Inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade do writ. Precedentes. Exame da questão de fundo. Admissibilidade. Manifesta inviabilidade da ação penal. Ausência de descrição mínima dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 41, CPP). Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98. Defeito que não se sana pelo advento da condenação. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98. 1. A superveniência da sentença condenatória torna superada a alegação de inépcia da denúncia, ainda que anteriormente deduzida. Precedentes. 2. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, embora assentando a prejudicialidade do habeas corpus, tem examinado a questão de fundo para afastar a arguição de inépcia. 3. Na espécie, por maior razão, não há como se deixar de analisar a viabilidade da denúncia, diante de sua manifesta inépcia. 4. Como sabido, o trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15) 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 16. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal quanto ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98, por inépcia da denúncia”. (HC 132179, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 26.09.2017, processo eletrônico DJe 09.03.2018 - destaque nosso) Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis. As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores. Indo adiante, cumpre asseverar que eu vinha entendendo no sentido de que a infração tida como subjacente deveria ser necessariamente pretérita aos atos apontados como de lavagem dos proveitos econômicos auferidos - em outras palavras, compreendia-se que não seria possível, em princípio, cogitar-se de lavagem tendo como base patrimônio amealhado anteriormente à prática da primeira infração que potencialmente teria gerado o lucro econômico ao seu agente. Acerca de tais marcações temporais, em feito de minha relatoria, já decidiu a 11ª Turma do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS. CRIME DO ARTIGO 1, INCISO I, DA LEI 9.613/1998. LAVAGEM DE CAPITAIS. DATA DO CRIME ANTECEDENTE É POSTERIOR AO CRIME DE LAVAGEM. ATIPICIDADE DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. - O crime antecedente (tráfico de drogas) praticado pelo requerente ocorreu em 25.09.2010, e a lavagem de dinheiro, da qual é acusado, especificamente quanto ao imóvel descrito na letra 'o' da denúncia, teria se consumado em abril de 2010, com o registro do citado imóvel em nome de terceiros, de forma que o ato de branqueamento de capitais teria se dado anteriormente à data do crime de tráfico de drogas. - A imputação do delito de lavagem de capitais ao requerente mostra-se descabida, haja vista que a ocorrência da transação reputada como suspeita é anterior a 25.09.2010. - Nesse contexto, a determinação temporal da prática do tráfico enquanto delito antecedente delimitava, à época, e delimita ainda o subsequente crime de branqueamento de lavagem de dinheiro dele proveniente, e não, por óbvio, o contrário. - Diante da atipicidade da conduta imputada ao requerente, resta configurado o constrangimento ilegal. - Deferido o pedido de extensão, de forma a determinar o trancamento apenas quanto ao item 'o' da denúncia, da ação penal nº 0011209-37.2014.4.03.6181. - Esta decisão não autoriza a devolução do imóvel, objeto do presente writ, uma vez que nos termos dos §§1º e 2º, do artigo 91, do Código Penal: '... Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Na hipótese do §1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.', já que o requerente integra associação criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas, devendo se apurar a aquisição lícita do referido imóvel. - Agravo regimental provido”. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5029387-23.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, julgado em 24.04.2019, Intimação via sistema data: 25.04.2019) Contudo, revisitando a temática, é possível deparar-se com situações concretas em que determinado agente, antes de praticar ato lesivo à Administração Pública, no caso de corrupção passiva/ativa, por exemplo, receba valores que são dissimulados no exterior, passando a constar como beneficiário final, e somente após este ato beneficie um dos licitantes. Ou, ainda, na hipótese em que um traficante recebe valores antes da prática criminosa e os lava servindo-se de interpostas pessoas anteriormente ao envio da droga ao beneficiário final. Tais situações foram por diversas vezes observadas em processos que tramitaram perante a 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e em Lavagem de Dinheiro, oportunidades em que houve troca de experiências com o Eminente Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali, então juiz substituto. Dentro de tal contexto, em revisão de posicionamento, chega-se à conclusão de que, a teor da legislação de regência, os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica). Aliás, o entendimento em tela foi trazido à baila em artigo por meio do qual se infere, de forma percuciente, que não há a necessidade de que haja uma precedência estritamente cronológica propriamente dita, mas apenas jurídica, acerca do que se convencionou nominar "crime antecedente", expressão que seria melhor compreendida, na realidade, por meio da locução "crime subjacente" - vamos ao artigo (CAVALI, Marcelo Costenaro; LORENCINI, Bruno César. Separando Joio, Peste e Praga: ‘Caixa Dois’ Eleitoral, Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In Direito, Instituições e Políticas Públicas. O papel do jusidealista na formação do Estado. Coordenação: Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, André Tito da Motta Oliveira, Rafael Hamze Issa e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2017, p. 40-41): “(...) Proveniência cronológica ou jurídica de infração penal? Virou voz comum o entendimento de que a infração penal antecedente tem de ser cronologicamente antecedente à lavagem do seu produto. E não só: não bastaria ter sido iniciada a execução, teria de estar consumado o delito antecedente para que se pudesse cogitar da realização de algum ato de lavagem. No caso do 'Mensalão', o STF decidiu que 'A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)' (AP 470 EI-sextos, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 13.03.2014). De fato, como regra, os atos de lavagem do dinheiro ocorreram somente após a ocorrência da infração penal antecedente. Mas não tem de ser assim, nem fática nem juridicamente. Do ponto de vista jurídico, a Lei nº 9.613/1998 não prevê essa antecedência cronológica, mas apenas uma derivação jurídica, quando o art. 1º se refere aos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. A antecedência tem de ser lógica - não cronológica. Faticamente, alguns exemplos ilustram como é possível lavar o dinheiro de um crime antes mesmo que ele tenha sua execução iniciada. Pense-se num caso em que um 'matador de aluguel' é contratado para assassinar uma pessoa. O mandante e o futuro executor do delito celebram, então, um 'contrato de prestação de serviços de consultoria em segurança'; os valores são pagos e declarados à Receita Federal. Depois disso, o homicídio contratado é executado. Note-se que todos os atos de dissimulação da natureza do dinheiro recebido ocorreram antes do início da execução do delito, embora a causa real do pagamento já fosse conhecida pelos envolvidos. Seria essa cronologia razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro? A resposta para essa pergunta é, a nosso ver, negativa. Os valores recebidos pelo 'matador de aluguel' configuram, uma vez combinados, produto do ilícito a ser perpetrado. É claro que, se o homicídio não vier a ter sua execução iniciada, não se poderá falar em lavagem de dinheiro, pois não houve infração penal antecedente, sequer na forma tentada. Por isso, nos casos em que as condutas próprias do delito de lavagem de dinheiro ocorrerem anteriormente à infração penal antecedente que deu causa ao ativo lavado, o delito da Lei nº 9.613/1998 somente se consumará no momento em que iniciada a execução da infração penal antecedente. A solução apresentada pode parecer heterodoxa, mas, se bem examinada, sua engrenagem não é diversa daquela que rege a incidência de qualquer norma jurídica. É preciso que todos os pressupostos da hipótese de incidência estejam preenchidos para o desencadear de suas consequências jurídicas; por vezes, tais pressupostos são preenchidos em momentos diferentes, de modo que somente quando caracterizado o último dos pressupostos normativos exigidos haverá a incidência da norma. Tampouco existe qualquer empecilho do ponto de vista subjetivo, pois as partes envolvidas conhecem a origem do dinheiro, isto é, sabem que os valores foram pagos para o cometimento de um futuro homicídio - embora ainda não iniciado. De igual modo, não existe razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro concomitantemente à infração penal antecedente. O melhor exemplo para ilustrar essa possibilidade encontramos no delito de corrupção. No referido precedente do STF, entendeu-se que a autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos e posteriores do produto do crime antecedente (já consumado). A conclusão não se sustenta, em primeiro lugar, pelo fato de que é possível a lavagem de dinheiro de infração penal antecedente tentada. Mesmo que o agente não consiga consumar o delito, é possível que a tentativa gere um produto ilícito. Pense-se, para continuar com o exemplo anterior, no caso do homicida que, tendo recebido antecipadamente o pagamento pelo delito, não tem sucesso em consumá-lo. Mas não é só. O crime de corrupção compreende, de fato, a conduta de receber 'direta ou indiretamente' a vantagem indevida. Com isso, mesmo que o valor seja repassado por meio de um intermediário, haverá corrupção. No entanto, desde o advento da Lei nº 9.613/1998, em razão de uma nova política-criminal legislativa, o recebimento indireto dos valores da corrupção, quando gere especiais dificuldades para a sua identificação, apreensão e confisco pelas autoridades competentes - como, por exemplo, quando o pagamento é realizado através de um 'contrato de consultoria' realizado com um 'laranja' -, não caracteriza apenas a corrupção, mas também a lavagem de dinheiro. Essa é, a propósito, a razão de ser da criação do tipo penal da lavagem de dinheiro. A corrupção, no mais das vezes, compreenderá desde a aceitação até o recebimento da vantagem indevida. Tratando-se de crime de ação múltipla, as duas condutas caracterizam um único delito. Por sua vez, a lavagem de dinheiro, envolvendo um processo que compreende atos de ocultação, mas também o recebimento do dinheiro, pode ser compreendida juridicamente como sendo a mesma ação da corrupção. Justamente para esses casos, em que, por meio de uma mesma conduta - recebimento do valor indevido de forma indireta - o autor perpetra dois crimes, o Código Penal prevê a figura do concurso formal (CP, art. 70). Aceitas as premissas sobre a política-criminal da lavagem de dinheiro, no exemplo mencionado a conduta representa violação de bens jurídicos distintos: lesa a probidade na Administração Pública e ofende a Administração da Justiça. É verdade que a diversidade de bens jurídicos não é o único critério a ser adotado na resolução de possíveis concursos de delitos: é possível consunção de um delito por outro mesmo que os tipos penais examinados tutelem bens jurídicos diversos. Mas também se pensarmos, como sugere Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. São Paulo-Coimbra: RT-Coimbra, 2007. p. 990), na existência de um único ou de uma pluralidade de sentidos autônomos de ilicitude para diferenciar um concurso aparente de um concurso real, verificaremos que, nos casos aqui examinados, a atuação do corrupto possui claramente dois sentidos de ilicitude: o primeiro é o sentido de venda da função pública, o segundo o de recebimento da vantagem já aparentemente imaculada de sua ilicitude originária. O desvalor de registrar a propina como recebimento de um legítimo contrato de consultoria é claramente maior do que o de simplesmente receber o dinheiro e o esconder em casa, sem dificultar sobremaneira a aplicação integral da lei penal no que se refere aos efeitos patrimoniais da condenação. Aquele que recebe a propina como se se tratasse de honorários de consultoria já age com o intuito de criar uma justificativa aparentemente lícita para o dinheiro recebido (...)”. Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Veja que não deveria surpreender tal entendimento. As implicações em razão da Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal – STF, a qual preconiza que: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”, poderiam levar a essa conclusão. A referida Súmula prevê que a tipificação (e consumação) do delito nos crimes tributários ocorre com o lançamento definitivo do crédito tributário. Acontece que o Direito Penal só pode punir a conduta da pessoa que pratica o ato. A consumação não poderia depender de um ato de terceiro. Ela só poderia existir com ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado (conforme dispõe o art. 4º do Código Penal - teoria da atividade), de modo que a consumação não poderia depender de um ato de terceiro que nada tem a ver com o delito. Falar-se que a materialidade de um crime material dependeria de uma apuração administrativa por si só seria contraditória com a doutrina e mesmo a jurisprudência consagrada aos crimes materiais. Por exemplo, Nelson Hungria preconizava que o corpo não é necessário para a prova do homicídio em havendo certeza moral da existência desse crime. No caso de corrupção, nas modalidades “aceitar” e “receber’, não há necessidade de nenhuma comprovação material fora da análise das condutas como tem sido exigida pela Súmula Vinculante n. 24 para os crimes tributários e, finalmente, o fato de mencionar tributo, que seria o elemento normativo do tipo, apenas sugere ao intérprete que se faça um juízo de valor do que seja tributo. Tributo está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, como estão definidas as contribuições sociais no art. 149 da CF, e isso não faz depender, necessariamente como imposto pela Súmula, da existência de uma apuração administrativa para verificação desse elemento normativo. Existem outros elementos normativos em vários tipos penais (tais como: como coisa alheia, funcionário público, vantagem indevida) que demandam atividade valorativa que pode, sim, ser feita pelo intérprete, independentemente do resultado obtido pela Administração Pública. E, finalmente, não se pode distinguir crime tributário como se fosse algo diferente do delito de corrupção, pois ambos tutelam os recursos da Administração Pública. No primeiro caso, o tributo ainda está com o particular, ao passo que na corrupção os valores já estão em poder do Estado, mas são desviados ou apropriados. A similitude é evidente. Para a identificação da corrupção não se exige um procedimento por parte dos órgãos de controle (Controladoria Geral da União, por exemplo), portanto, sistematicamente não tem coerência exigir para o delito tributário algo que não se pode exigir para o reconhecimento nos casos de crimes contra a Administração Pública. Em síntese, no crime tributário material não deveria haver a exigência do lançamento definitivo para a sua caracterização. No entanto, o entendimento sumular supramencionado, impõe que a consumação dos crimes de tal jaez ocorra somente com a constituição definitiva do crédito tributário. Excepcionalmente nas hipóteses em que houver a lavagem de dinheiro e o delito subjacente for um crime tributário material, s.m.j., a Súmula n.º 24 poderá ser mitigada. Ora, não se deveria exigir o lançamento definitivo do crime subjacente para dar início à apuração da lavagem decorrente deste crime tributário. A despeito de tratar-se de entendimento minoritário, há julgado do STF consignando que a regra inserta no aludido entendimento sumular pode ser mitigada nos crimes contra a Ordem Tributária nas hipóteses de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal (possibilidade de se dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo): “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 24. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INVESTIGAÇÃO CONCOMITANTE DE CRIMES DE NATUREZA DISTINTA DA FISCAL. VIABILIDADE, EM TESE, DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 8. Sobressai da narrativa dos agravantes que ‘são investigados outros crimes além dos tipificados no ‘art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90’, dentre eles, crimes contra a administração em geral e de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade do esgotamento das vias administrativas para a investigação do crime de lavagem de dinheiro, conquanto o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do enunciado nº 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC 118.985-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE 936.653-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016. 9. Agravo regimental desprovido”. (Rcl 28147 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018)” (grifei) Lado outro, a exigência do lançamento definitivo, que muitas vezes ocorre após a lavagem, leva, necessariamente, a uma inversão do marco temporal: ou seja, a infração subjacente pode ocorrer posteriormente à lavagem de dinheiro, de forma consumada ou tentada. Portanto, a lavagem não requer que a infração subjacente seja cronologicamente anterior, mas apenas que haja uma decorrência lógica. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro. Por exemplo, contratação de matador de aluguel que recebe uma vultosa quantia para matar alguém. Ele recebe o valor, lava, coloca em nome de laranjas e somente depois consuma ou tenta o homicídio; no crime tributário, a pessoa lava, coloca os bens em nome de terceiros e depois comete o delito tributário; no caso do delito de corrupção, nas modalidades de “aceitar” ou “receber”, a lavagem pode ocorrer antes destas. A lavagem de dinheiro pode concorrer formalmente com a infração subjacente. Uma conduta pode gerar um delito tributário e ao mesmo tempo gerar lavagem de dinheiro porque o âmbito de proteção do bem jurídico pelo legislador é diverso. Uma conduta, nos termos da teoria do concurso formal, atinge dois resultados: no caso do delito tributário tem uma proteção específica - os recursos que devem ser dirigidos à Administração Pública e as políticas públicas decorrentes da ausência desses recursos, ao passo que a lavagem de dinheiro tem um bem jurídico específico que é a Ordem Econômico-financeira e a Administração da Justiça. Ora pendendo mais à Administração da Justiça, ora à Ordem socioeconômico/financeira, a depender do caso concreto. A leitura que se faz é que a infração ligada à lavagem de dinheiro possui autonomia mais do que sufragada pelo legislador e acessoriedade limitada. A existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito que acabou se consagrando e a referência à expressão “antecedente” permanece como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando aduz no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º à infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que tem que ocorrer é algo vinculado. Os valores podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois da infração subjacente. Exige-se que o tipo subjacente seja ao menos tentado para a existência da lavagem de dinheiro, não importando a sua concretização em tempo determinado. Embora o art. 2º da Lei de Lavagem utilize a expressão "infração penal antecedente", a interpretação meramente literal do dispositivo não espelha, nesse caso, a finalidade da lei. In casu, devem ser aplicados os métodos sistemático e teleológico de exegese, a fim de que sejam atendidos tanto os fins sociais a que a norma se dirige quanto as exigências do bem comum. Nesse contexto, não é razoável excluir da persecução penal aqueles agentes que praticam a lavagem de bens ou valores comprovadamente advindos do cometimento de infração(ões) subjacente(s) não necessariamente pretérita(s) ou antecedente(s), cronologicamente falando. Em suma, a existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito, mas a referência à expressão “antecedente” permanece apenas como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando menciona no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º a expressão infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que se requer é a existência de produtos e proveitos logicamente decorrentes de infração(ões) subjacente(s) e não cronologicamente decorrentes. Não se deve, pois, obrigar a existência de um fato criminoso anterior uma vez que fatos criminosos podem mesmo ocorrer, por mais curioso que possa parecer, após a lavagem de dinheiro, como os exemplos citados, entendimento este reforçado pela consagração da Súmula do STF n.º 24 que entende típico o delito tributário material somente com o lançamento definitivo. Assim, urge a existência de algo ilícito vinculado. Os valores decorrentes de uma infração subjacente podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois deste. Por outro lado, cabe enfatizar que o mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem. No caso Mensalão (AP n.º 470/MG), por exemplo, o STF decidiu que o recebimento da corrupção por terceiros não configura o crime de lavagem de dinheiro, mas concretização do delito contra a Administração Pública. Imprescindível, portanto, para a configuração desse delito, identificar-se a ocorrência de ocultação ou de dissimulação. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima pontua: “(...) com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um 'laranja', a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais (...)” (in Legislação Criminal Especial Comentada. JusPodivm. 2. ed. 2014. p. 306-307). Mais recentemente, no ano de 2019, também em hipótese de corrupção, o STF, pela análise do cenário probatório descrito nos autos, entendeu que, para além do recebimento clandestino da vantagem indevida, restou evidenciada a dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. PLURALIDADE DE CONDUTAS. DOLOS DISTINTOS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o eventual cabimento de recurso extraordinário não subtrai, por si só, a cognoscibilidade do habeas corpus. Precedentes. 2. O sistema jurídico brasileiro não exclui os autores do delito antecedente do âmbito de incidência das normas penais definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, admitindo, por consequência, a punição da chamada autolavagem. É possível, portanto, em tese, que um mesmo acusado responda, concomitantemente, pela prática dos delitos antecedente e de lavagem, inexistindo bis in idem decorrente de tal proceder. 3. Nada obstante, a incriminação da autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação, dissimulação ou integração autônomos ao delito antecedente, ainda que se verifique, eventualmente, consumações simultâneas. 4. A consunção constitui critério de resolução de conflito aparente de normas penais incidente em casos em que a norma consuntiva contemple e esgote o desvalor da consumida, em hipótese de coapenamento de condutas. Assim, eventual coincidência temporal entre o recebimento indireto de vantagem indevida, no campo da corrupção passiva, e a implementação de atos autônomos de ocultação, dissimulação ou integração na lavagem, não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem. 5. O habeas corpus consubstancia via processual inadequada para o reconhecimento da ocorrência de consunção, forte na necessidade de exame do acervo probatório para o fim de avaliar o esgotamento do juízo de censura entre as condutas, providência que desborda dos limites cognitivos do writ. 6. Caso concreto em que se reconheceu a constituição de contas secretas e remessa clandestina de recursos ao exterior, atos que consubstanciaram práticas de ocultação, dissimulação ou integração, possibilitando fruição oportuna do resultado econômico do crime antecedente. O presente quadro processual diferencia-se, portanto, do enfrentado pelo Tribunal Pleno na AP 470 (EI-sextos e EI-décimos sextos), na qual se afastou a configuração do delito de lavagem em caso de recebimento de vantagem indevida mediante interposta pessoa e em hipótese na qual se exigiria a prática de atos subsequentes para fins de branqueamento do produto da infração penal antecedente. 7. Em caso de concurso de crimes, é incabível o reconhecimento, em habeas corpus, da incidência do critério da exasperação se as instâncias ordinárias atestaram a pluralidade de condutas e a presença de desígnios autônomos. 8. Não configura vulneração ao dever de motivação das decisões judiciais a rejeição de aplicação da regra do concurso formal próprio baseada em óbices normativos ao critério da exasperação. 9. Ordem denegada”. (HC 165036, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09.04.2019, processo eletrônico DJe 10.03.2020) (destaque nosso) Haverá, assim, tão somente a prática da infração penal subjacente quando apenas houver uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Com isto, ficariam afastadas desta infração penal as condutas de guardar dinheiro em colchão, subornar testemunhas para se conseguir álibi etc. O STF, nos autos do Inquérito n.º 3.515/SP (Rel. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 08.10.2019, acórdão eletrônico DJe 23.06.2020), explicitou hipótese em que o ato de receber “de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998”. Também cumpre asseverar, por exemplo, que a realização de transferências bancárias sucessivas, segregando-se determinado montante de dinheiro em várias contas bancárias diferentes, é conduta que, indubitavelmente, dificulta o rastreamento da quantia inicial advinda da infração subjacente, já que, a cada nova transação, torna-se mais difícil determinar a origem daquele valor, inclusive porque essa prática possibilita que fundos “limpos” e “sujos” se misturem para compor o saldo disponível em cada conta, o que torna ainda mais complexa a localização do produto criminoso original, fato que caracterizaria a lavagem. No entanto, nem todas e quaisquer transações bancárias envolvendo dinheiro ilícito caracterizam lavagem de dinheiro. Em se constatando, por exemplo, que o produto da infração subjacente foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável(eis) como pertencente(s) à(s) pessoa(s) que cometeu(ram) a infração subjacente, não se haverá que falar em lavagem, mas sim em mero exaurimento, ou seja, mera consequência lógica e natural da anterior ação criminosa. A simples distribuição do produto da infração entre os seus autores, mediante depósito/transferência do quinhão atribuído a cada participante, é desdobramento natural da infração penal subjacente e, portanto, não configura prática de lavagem. Em suma, se os agentes criminosos não se limitarem a mediante transferências (isoladas) para suas respectivas contas bancárias, simplesmente repartir, entre si, os valores obtidos pela prática de uma infração penal subjacente (o que caracterizaria o mero exaurimento), mas sim efetivarem a remessa dessas quantias a partir de transações bancárias de maneira deliberadamente pulverizadas, isto é, fracionadas e transferidas, múltiplas vezes, para diversas contas bancárias, em sua maioria abertas em nome de pessoas físicas ou jurídicas fictícias (e não em nome dos próprios agentes), restará evidenciada a intenção de mascaramento, e, por via de consequência, a lavagem de dinheiro. Em outra hipótese, em havendo a imputação de tráfico transnacional de drogas, com a apreensão dos valores oriundos desta infração pela autoridade policial em uma blitz, cujo objetivo era o desembaraço de carregamento de cocaína junto aos fornecedores da droga, devem ser considerados mero desdobramento da traficância (iter criminis), não se vislumbrando o cometimento do delito de branqueamento. No crime de lavagem de dinheiro terá que haver, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Embora adote o entendimento de que é desnecessária a precedência cronológica da infração subjacente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tendo-se em vista que a lavagem pode, excepcionalmente, ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente ao qual se vincula, é evidente que a precedência lógico-jurídica (e não estritamente cronológica) é indispensável. Em outras palavras, é imprescindível que os ganhos atrelados à suposta prática de corrupção, por exemplo, tenham sido obtidos em data anterior à da prática dos atos de ocultação/dissimulação, mesmo que o ato de corrupção, em si, possa vir a ser praticado depois da lavagem. Nesse contexto lógico-jurídico, faz sentido apenas falar-se em necessidade de demonstração de relação de anterioridade e posterioridade entre os ganhos decorrentes da infração subjacente e a lavagem de dinheiro, embora a infração subjacente possa ocorrer posteriormente. No caso de a lavagem ter sido cometida anteriormente à infração subjacente, para o reconhecimento de sua consumação é indispensável que tenha se iniciado a execução desta última, que, repise-se pode ocorrer depois daquela. CASO CONCRETO VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR) foram denunciados por, supostamente, terem praticado, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, 267 (duzentos e sessenta e sete) delitos de lavagem de dinheiro entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691) -, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY e IZA (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Ocorreu que, ao prolatar a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada um dos quatro acusados pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, nos seguintes termos (fls. 134/138 – ID 170518759): VI - DOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS Neste capítulo, a denúncia descreve que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos por pelo menos 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98 combinado com o artigo 71 caput do Código Penal. O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada conforme ela mesma admitiu em conversa telefônica interceptada: Eu não trabalho, mas a minha vida também é um correria... Comprovou-se, ainda, em relação aos sogros de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, variação patrimonial injustificada, a percepção de recursos de origem ilícita percebidos por VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e a existência de contas bancárias utilizadas para ocultar e dissimular os recursos auferidos pelo corréu VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, conforme comprovaram os documentos, as conversas telefônicas interceptadas e e-mails, especificamente as situações descritas nos itens 76 e 77 da denúncia. Entre os documentos, cabe registrar a análise realizada pela Delegacia da Receita Federal dos cheques depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH mantidas no Banco do Brasil (126) e Banco Itaú (140), cuja soma ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que comprovou que todos os referidos cheques foram emitidos por contribuintes que tiveram as respectivas DIRPFs acessadas no sistema por VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Também foram apreendidos, tanto na residência de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como na residência de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, outros cheques cujos valores foram calculados, respectivamente, em R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais), em R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais), conforme comprova fl. 15, apenso III e fls. 27/33 do apenso IV, sendo que, dentre os cheques apreendidos, alguns, no valor total de R$ 13.900,00, foram emitidos por contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 34 do Apenso IV) enquanto outros, no valor de R$ 10.000,00, foram emitidos por contribuintes mencionados pelos denunciados em conversas telefônicas interceptadas (fl. 35 do Apenso IV). Também restou comprovado que os cheques emitidos como contraprestação pelos serviços ilícitos prestados foram depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Também restou comprovado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH adquiriu um terreno em nome de seus sogros, conforme comprova matrícula 86.544, ficha 003, fl.541, localizado na Alameda Piava, e ali edificou uma residência, conforme demonstrado a fls. 476/477 dos autos principais, fl. 143 do Apenso I e fls. 540/541 do Apenso I, e admitido por ele na conversa telefônica interceptada a fls.476/477: ‘Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças. Eu comprei esse terreno da Piava...Em 2007 6 anos atrás... No começo de 2007. Eu paguei 650 ml e é terreno de esquina... O terreno normal...’. Foram também referidas movimentações atípicas consubstanciadas em aportes únicos em VGBL em valor igual ou superior a R$ 300.000,00, realizados no ano de 2012, conforme segue: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH na data de 06.07.2012 teria aplicado os valores de R$ 565.858,00 e R$ 609.858,00, ambos no UNIBANCO Vida e Previdência S.A. Contudo, em sua DIRPF de 2013, apenas uma pequena parcela desses valores - R$ 260.000,00 - teria sido declarada como pertencentes aos filhos; IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES na data de 04.06.2012 aplicou R$ 600.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.. Em sua DIRPF de 2013, ela declarou ter feito um aporte no valor de R$ 654.000,00; na mesma declaração, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, porém, declarou ter recebido rendimentos de apenas R$ 151.370,00, a título de indenização por rescisão de contrato de trabalho, informação essa que, ademais, segundo a autoridade policial, também seria inverídica; EDILAINE LOPES SZWARCTUCH na data de 20.09.2012 teria aplicado o valor de R$ 590.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.; contudo, esta informação não consta de sua DIRPF, mas na de seu pai DARCY DE OLIVEIRA LOPES. Segundo a autoridade policial, tal fato encontraria explicação ‘no alto grau de confiança existente entre ambos [VITOR e DARCY] e das dificuldades de relacionamento entre VITOR e EDILAINE, separados de fato há pouco tempo. Ao agir desta forma, VITOR impediu que sua esposa tivesse conhecimento do montante total de dinheiro que possui’. Portanto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria utilizado sua ex-esposa EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e seus sogros IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e DARCY DE OLIVEIRA LOPES com o propósito de dissimular a origem e conferir aparência de licitude aos valores recebidos em contrapartida aos crimes praticados no Setor da Malha Fina da Receita Federal de São Paulo. Concordo com o Ministério Público Federal que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito. Discordo, no entanto, no que diz respeito à ausência de conhecimento, adesão voluntária e efetiva participação nos inúmeros e distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração, corroborados pelo comportamento dos acusados e pelas provas produzidas nos autos, em especial o uso das contas correntes bancárias abertas para abrigar as vantagens indevidas cobradas pelas violações dos deveres funcionais. Assim, restou suficientemente comprovado, que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98. Não houve interposição de recurso por parte do Ministério Público Federal. Os corréus VITOR, DARCY, IZA e EDILAINE apelaram. Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). Passa-se, pois, a apreciar os apelos interpostos pelos demais corréus condenados (VITOR, IZA e EDILAINE). PLURALIDADE DE CONDUTAS DE LAVAGEM. Inicialmente, no que diz respeito ao número de condutas de lavagem a ser considerado em hipóteses como a presente, meu entendimento pessoal é no sentido de que a ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) deverá constituir uma conduta autônoma de lavagem. Ora, especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. Em outras palavras, em se tratando de ocultação e/ou dissimulação de recursos de origem ilícita por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por terceiros, haverá tantas condutas (de ocultação e/ou dissimulação) quantos forem os depósitos (inidôneos) individualmente considerados, de maneira que cada cheque fraudulentamente “guardado/escondido” nessas contas bancárias corresponderá a uma conduta autônoma de lavagem. No mesmo sentido, em se tratando de ocultação/dissimulação de recursos de origem ilícita por meio da aquisição de imóveis, o número de condutas criminosas equivalerá à quantidade de imóveis registrados em nome de outra(s) pessoa(s) que não o(s) verdadeiro(s) adquirente(s), a fim de ocultar seu(s) real(is) proprietário(s). In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito (fl. 137 – ID 170518759). Assim, não obstante este Relator adote posicionamento diferente, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. ORIGEM ILÍCITA DO IMÓVEL E/OU DOS VALORES OCULTADOS/DISSIMULADOS. In casu, ficou demonstrada a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados em contas de titularidade de “laranjas”, os quais foram obtidos pelo auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como produto e/ou proveito de múltiplos crimes (subjacentes) de corrupção passiva e de peculato eletrônico. Com efeito, os levantamentos realizados pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 e ESPEI08 demonstraram que os referidos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados, no Banco do Brasil e no Itaú, em contas de titularidade dos corréus DARCY, IZA e EDILAINE (vide cópias dos cheques às fls. 35/147, 157/196, 201/209, 227/251 – ID 270552804 – e fls. 02/27, 37/80, 110/114 e 119/122 – ID 270552805), foram emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina” (vide relatório e planilhas acostadas às fls. 130/156 - ID 270552805). Verificou-se, p. ex., que, entre os dias 28.03.2013 e 16.04.2013, ao trocar e-mails com pessoa de nome Jesualdo Guedes Pereira Filho, VITOR indicou conta bancária de seu sogro (DARCY) para depósito de propina, o que corrobora a tese de que VITOR costumava ocultar/dissimular, em contas titularizadas por seus familiares, o produto dos crimes de corrupção e/ou peculato eletrônico por ele cometidos (fls. 236/238 – ID 170518943): Em qui, 28 de mar de 2013 07:40 BRT Jesualdo Guedes Pereira Filho escreveu: Vitor, Você recebeu os documentos? Falta algo? Grato. Um abraço Jesualdo. De: Vitor Aurélio Para: jesualdozp@yahoo.com.br Enviadas: Quinta-feira, 28 de Março de 2013 10:01 Assunto: Re: Documentos preciso dos informes da gama, telecom, sul america e bradesco. De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vitor Aurélio Enviadas: Terça-feira, 2 de Abril de 2013 12:19 Assunto: Re: Documentos Vitor, a Gama não teve atendimento em 2012. Os demais, estou enviando em anexo. Grato Jesualdo. De: Vítor Aurélio Para: Jesualdo Guedes Pereira Filho lesualdoep@vahoo.com.br> Enviadas: Segunda-feira, 8 de Abril de 2013 19:52 Assunto: COPIAS DO IRPF 2013 Jesualdo, Segue em anexo as copias da declaracao 2013 e do recibo de entrega. O valor do deposito importa em r$ 2.000,00 e a conta: Banco Itaú Ag. 0152 c/c 04513-4 Darcy Oliveira Lopes Abraco De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vítor Aurelio Enviadas: Terça-feira, 9 de Abril de 2013 11:29 Assunto: Re: COPIAS DO IRPF 2013 Vitor, recebi as cópias do imposto de renda. Farei os pagamentos: rS 1.000,00 em 16/04113. r$ 1.000,00 em 16/05/13. Obrigado. Um abraço. Jesualdo. É firme, pois, a convicção de que VITOR, ao longo de anos, se valeu do expediente de guardar dinheiro (oriundo de propina) em contas bancárias titularizadas por seus familiares (sogro, sogra e ex-esposa), com o propósito de ocultar o fato de ser ele (VITOR) o real proprietário daqueles recursos. É o que se extrai, p. ex., dos seguintes diálogos interceptados pelos investigadores: diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 20.03.2013, às 11h19 (fl. 225 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY -0i, VITOR! VITOR - Tudo bem, DARCY? DARCY - É... Onde você tá? VITOR - Eu?! Eu tô aqui na... Na Afonso Bovero. DARCY - Ah, é? VITOR – É! DARCY - Tá ai no banco, é? VITOR - Eu já fui. DARCY - Não, aqui no Itaú. VITOR - É... Já fui! DARCY - No banco... VITOR - É... É... Já fui. DARCY - Escuta, mas então... Tô te ligando... Quando é que você vai querer abrir essa conta ai? VITOR - É... Que horas são agora? São 11h20... DARCY - Hoje não dá, VITOR VITOR - Ah, não? DARCI - É que eu que eu tô... Tô fazendo uma geral aqui no apartamento... VITOR – Hã. DARCY - E depois vou ter que comprar o negócio da baby. Então... Dá pra Ir amanhã? VITOR - Ah, a gente marca amanhã de manhã. DARCY - Então, escuta.... VITOR - Hum! DARCY - O que que vou precisar levar... Você falou? VITOR - Só os seus documentos. DARCY - Ah, tá! Não precisa de nenhuma conta de luz, nada? VITOR - Eu tenho, né? DARCY - Ah, tá! VITOR - Eu tenho uma conta de luz daí. DARCY - Você foi fazer o que aí? Foi abrir conta aí? VITOR - Não... Não... Eu fui fazer depósito. Na caderne... Na caderneta de poupança das crianças. DARCY - (Incompreensivel)... Você deposita aí e cai lá, né? VITOR - É... É... DARCY - Ah, tá! Então, faz o seguinte... Que horas que a gente se encontra... Onde é que a gente se encontra? VITOR - Ah, se você quiser, a gente pode se encontrar às 10h00 aqui na porta do banco... Unibanco. DARCY - Às 10h00 em ponto. E que eu não gosto de ficar muito parado aí não, viu? VITOR - É... Não, 10h00 em ponto! A hora que abre a gente já entra e já fala com o gerente. DARCY - Ah, tá legal! VITOR - Tá... Não esquece do CIC e RG. DARCY - Não, eu não largo deles... Tá comigo. V1TOR - Tá bom! DARCY - Tá... VITOR - Amanhã, então! Tá... diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51 (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - A1ô! DARCY – Oi, VITOR! VITOR – Oi! DARCY – Ó... VITOR - Hã? DARCY - Chegou mais um cartão da IZA agora, viu? VETOR - Tá... DARCY - Do Itaú. VITOR- Tá... Deixa aí. DARCY - Deixa aqui, né? VITOR – É! Deixa escondido. DARCY - Entrega pra ela? VITOR - Não, não fala nada... Deixa escondido. DARCY - Porque um... Um ela já pegou, né? VITOR - Hã! DARCY - E... Agora chegou outro. VITOR - É, não mostra não. Deixa quieto aí. Esconde... DARCY - Depois te mostro procê ai. VITOR- Tá bom. DARCY - Tá, tchau! VITOR Tchau. diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 04.04.2013, às 17h07 (fl. 229 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? DARCY - Tudo bem... Escuta! Chegou duas cartas aqui do nosso Itaú aqui... VITOR – Hã! DARCY - Eu acho que é cartão, né? VITOR - Eu também acho. DARCY - É, porque... Tá duro, aqueles negócio dele, sabe? VITOR – Hamhamm. DARCY - Tá uma no meu nome e uma no seu nome. VITOR - Tá... É, são os cartões... DARCY - É, né? VITOR - É! DARCY - Tá... Bom, depois eu te entrego uma hora aí, né? (...). diálogo travado entre VITOR e a gerente de sua conta no Banco Itaú Personalité, de nome Fabiana, interceptado em 05.04.213, às 15h55, o qual revela que era VITOR quem, efetivamente, controlava e/ou movimentava (inclusive sem procuração) as contas bancárias abertas em nome de seus familiares (fls. 231/234 – ID 170518943): FABIANA - Alô! Por gentileza, o Sr. VITOR... VITOR - Eu! FABIANA - Oi, Sr. VITOR! É FABIANA do Itaú Personnalité de Alphaville. Tudo bem? VITOR - Oi, tudo bem? FABIANA - Tudo! O senhor tá podendo falar um minutinho? (...) FABIANA - Eu tava analisando aqui, o senhor tem um volume expressivo, é... Em dois VGBLs, no master índice, de preço. VITOR - Isso... FABIANA - O que que eu queria conversar com o senhor: esses fundos, o ano passado, foram super bem, né? Acho que o senhor teve uma rentabilidade aí de quase 30% no ano. Porém esse ano, devido ao cenário agora, elevação na taxa de juros... Ele já está negativo de janeiro até ontem, já bateu 4% negativo. VITOR - Humhumm! FABIANA - Então, o que eu queria conversar com o senhor: como na previdência a gente tem esse benefício de poder fazer portabilidade sem causar nenhum ônus pro cliente, sem precisar pagar imposto... Enfim, nenhuma taxa... A gente portar ele para um plano DI, por exemplo, recuperando esse cenário de índice de preços, depois o senhor pode voltar pra essa...Pra esse produto. (...) VITOR - Mas será que com essa história do aumento da inflação, será que não vai reverter esse VGBL? FABIANA - Não, ele não tem a ver: aumenta a inflação, aumenta a rentabilidade. Ele é composto daquelas NPNs, que são aqueles títulos do governo... E esses títulos, nesses planos de previdência, são os títulos acima de 5 anos. Então, como o mercado já tá precificando que vai subir as taxas de juros, eles já tão fazendo a marcação ao mercado desses títulos.... VITOR - Hã... FABIANA - Por isso que tá tendo essa desvalorização. VITOR - Entendi... FABIANA - Ele não tem a ver... Ele é um fundo de índice de preços, mas ele não tem a ver: subiu a inflação...Senão, era pra tá super alto com a inflação, né? Eles vão justamente aumentar os juros pra poder controlar a inflação, mas não é nesse sentido. Tá? Esse fundo... VITOR - Hã! É... É que é assim, também não sou só eu nesse barco não... Tem os meus sogros, né? FABIANA - Hum! VITOR - ... Que também tão com o mesmo produto e... FABIANA - Estão na outra conta? VITOR - São outras duas contas. FABIANA - Hummm... Então, eu acho interessante... (...) VITOR - Tá, mas... Hã... FABIANA - Qual que é a conta do seu sogro? VITOR - Já te passo... No caso, com a KARINA, né? Eu fui com eles aí e a KARINA... Assim, era eu que... Eu que fazia tudo, né? Sou eu que cuido das contas deles. FABIANA - Mas na conta dele, você tem procuração? VITOR – Não tenho. Era coisa de boca, né. FABIANA – É... Porque ela fazia, mas assim... Ela poderia até ser punida por isso, tá VITOR? (...) Ou você vem... Vamos supor que você decida fazer a portabilidade. Ou você vem com eles aqui, ou eu posso mandar um portador pra eles assinarem... VITOR - Tá! FABIANA - Ou você faz uma procuração pra você entrar na conta. Entrar, não. Poder administrar, né? Vamos dizer assim... (...). Em suma, o conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 (fls. 130/156 - ID 270552805), quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto à residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, ficou igualmente demonstrado que, não obstante esta tenha sido edificada em terreno registrado em nome dos corréus DARCY e IZA (sogro e sogra de VITOR) - vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691- seu real proprietário era o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, conforme se pode extrair do seguinte diálogo, travado entre VITOR e um corretor de imóveis de nome Luis, interceptado em 23.03.2013, às 11h50 (fls. 227/228 – ID 170518943): LUIS - Alô! VITOR - LUIS? LUIS - Sim! VITOR - Ô, LUIS! Como vai? Tudo bem? LUIS - Tudo bom! VITOR - É... Quem fala é VITOR! Pai das trigêmeas... Lembra? LUIS - Pai das trigêmeas... VITOR - Vendi uma casa prum... Prum rapaz... na... no... Eu tinha uma casa térrea verde no 12... LUIS - Ah, no 12! O Sr VITOR... VITOR - Tá lembrado? LUIS - Ô! VITOR - Então tá... Seu LUIS! LUIS – Oi! VITOR - Estamos numa nova empreitada. LUIS - Oi! VITOR - Eu me separei E assim, eu queria ver o que que eu arrumo por aqui. LUIS - Ok! Tem ideia se é apartamento... VITOR - Não, apartamento não. LUIS - Casa mesmo? VITOR - É... Eu... E assim, eu tô pensando em ficar aqui no 11 mesmo... LUIS - Hã! VITOR - Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças... LUIS - Ah, eu lembro que o senhor vendeu lá. O senhor tinha construído no 11, não foi? VITOR - Isso! Isso! Então eu queria ficar aqui no 11 pra ficar perto das crianças. LUIS - Correto! VITOR - Mas assim, eu tô bem por fora de preços e tudo mais. Então, seria assim: num primeiro momento, o que a gente acha de casa. LUIS - Ok! VITOR - E se não... Sei lá! Se aqui no 11 não tiver nada, que a gente consiga chegar num consenso e tudo mais... LUIS - Hã! VITOR - De repente até eu posso pegar um terreno e também construir. LUIS - Ó, então, mais fácil casa, viu VITOR... VITOR - É, né? LUIS - Os terrenos estão acabando. VITOR - São poucos... LUIS - E terreno, o pouco que tem, o preço tá realmente lá em cima. (...) VITOR - Então, deixa me ver assim... O senhor tem ideia de quanto tá saindo o metro de terreno aqui no 11? LUIS - Tá na faixa de R$ 1.000,00, mais ou menos. Deixa pegar, o terreno... VITOR - Nossa Senhora! LUIS - ... Quer ver? Terreno... VITOR - Como subiu! Dobrou o valor... LUIS - Dobrou. É porque tá acabando. Por isso que eu falei... Às vezes, a pessoa faz um melhor negócio numa casa, né? VITOR - Hã! LUIS - Os terrenos aqui... É, ó... Eu tenho de 833, que não são bons... Já vou lhe falando... VITOR - Hum! LUIS - (Incompreensível) multo aclive, né? VITOR - Sim, sei... LUIS - Então, ali, realmente, o senhor economiza no terreno, mas gasta na construção, né? Os outros lá, tá de 900 até 1.400 o metro... VITOR - Caramba! Eu comprei... Eu comprei... LUIS - Entre 1.000 e 1.400. VITOR - Eu comprei esse terreno da Piava... LUIS - Hã! VITOR - ... Em 2007. LUIS - 6 anos atrás... VITOR - No começo de 2007. Eu paguei 6500 m 2 e é terreno de esquina... O terreno normal... LUIS - Se o senhor corrigir isso daí em 6 anos, também não vai dar muita diferença não. VITOR - É, né? O terreno normal, na época, tava 550 o metro. Quer dizer, dobrou, né? LUIS - É... Dobrou. VITOR - Dobrou em 6 anos. Ocorre que, embora se saiba que VITOR ocultou a propriedade do referido imóvel registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA), o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006 (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Quanto à residência situada no terreno, construída, ao que tudo indica, nos meses e/ou anos subsequentes (vide imagem à fl. 144 – ID 270552800), observa-se que a Matrícula do imóvel não a menciona e que a Corregedoria da Receita Federal apurou, a esse respeito, tão-somente o seguinte (fl. 144 – ID 270552800): Nota-se que nas DIRPF originais de 2007 a 2011 a Sra. IZA e o Sr. DARCY informaram a propriedade de 50% de um terreno à Al. Piava, 248 (...), em conformidade com o informado na DOI. Todavia, a partir da entrega das DIRPF retificadoras, transmitidas pelo IP SUSPEITO no ano de 2011, passou a constar que a Sra. IZA e o Sr. DARCY tinham a propriedade, cada um, de 50% de uma casa à Al. Piava, 248 (...). Ora, se a informação do cartório somente mostra a compra de um terreno e no local atualmente há uma casa, ela deve ter sido construída naquele terreno após a compra (...). Ora, apesar de, a partir das informações supramencionadas, ser possível extrair que a aludida residência foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos acostados às fls. 03/11 do ID 270552810, p. ex., revelam que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto (vide relatórios às fls. 04/55- ID 170518579 e fls. 53/71 - ID 170518766); a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013 (fls. 03/38 – ID 170518764). De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. Em outras palavras, o aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Caso o desvalor da conduta de ocultar/dissimular produto de ilícito penal (lavagem) não esteja abrangido pelo desvalor do recebimento (indireto) da vantagem indevida (oriunda da corrupção passiva), não se cogitará da aplicação do princípio da consunção. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Válido, nesse passo, destacar o seguinte trecho da fundamentação da r. sentença (fls. 134/165 - ID 170518759): O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada (...) – grifo nosso. Reitere-se que o fato de existir eventual coincidência temporal entre o recebimento da propina (oriunda do crime de corrupção) e a implementação de atos autônomos de lavagem, “não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem” (nesse sentido: STF, Segunda Turma, HC n.º 165.036/PR, Rel. Min. Edison Fachin, Julg. em 19.04.2019, Dje de 10.03.2020). Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. DOLO RELACIONADO ÀS CORRÉS IZA E EDILAINE. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese, ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), pois as apelantes não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682). É certo que, para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Cabe consignar, ainda, que o dolo (elemento integrante da tipicidade) não se confunde com a potencial consciência da ilicitude (elemento integrante da culpabilidade), bem como que a ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. Assim sendo, para que se cogite de condenação pelo delito de lavagem de dinheiro, deverá o agente, ao realizar quaisquer das ações nucleares do tipo, ter pleno conhecimento de todos os elementos que compõem a figura típica (o que inclui o conhecimento de que valores ocultados/dissimulados têm origem ilícita), sob pena de, eventualmente, se verificar a ocorrência de "erro de tipo", no caso, p. ex., de haver falsa percepção sobre a natureza (lícita ou ilícita) do recurso ocultado/dissimulado (hipótese em que se falará em exclusão do dolo). No caso concreto, entretanto, não se vislumbra ter havido, quer por parte de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH quer por parte de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, equivocado conhecimento sobre quaisquer elementares e/ou circunstâncias que integram a figura típica da lavagem, não se havendo de falar, pois, em erro de tipo. É certo que o fato de existir um ‘laranja’ se relacionando com bem proveniente de infração penal não torna, automaticamente, qualquer conduta do beneficiário desses ativos típica de lavagem de dinheiro, e nem significa que a conduta do ‘laranja’ será objetivamente típica. Afinal, o tipo penal em questão não incrimina a conduta de usar terceiros em seu nome para registrar ativos (in CAMPANA, Felipe Longobardi, e SILVA FILHO Sérgio Quintão, Responsabilização penal da figura do ‘laranja’ pelo delito de lavagem – parte 1 – https://www.conjur.com.br/2024-out-28/reflexoes-sobre-a-responsabilizacao-penal-da-figura-do-laranja-pelo-delito-de-lavagem-parte-1/ – acesso em 03.06.2025). Ocorre que, não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682), esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Frise-se, em especial, que: ficou demonstrado que VITOR não se limitava a abrir contas bancárias em nome das corrés (o que, ao que tudo indica, ocorria com a conivência delas, já que não há qualquer indício de falsificação de procuração, p. ex.), mas também costumava transmitir, em nome de ambas, declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), sendo razoável supor que isto ocorria, também, com o conhecimento delas. Consta dos autos, p. ex., que EDILAINE teria informado, em uma dessas declarações (DIRPF 2012), ter recebido o montante de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) a título de indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho, FGTS (rendimento isento), embora não exercesse nenhuma atividade remunerada, o que indica que ela sabia sobre a necessidade de “camuflar” a origem ilícita dos recursos por ela declarados à Receita Federal. Em relação à corré IZA, chega-se à mesma conclusão, pois, segundo se apurou, DARCY e IZA declararam, entre os anos de 2006 e 2011, terem recebido o montante de R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) a título de rendimentos de pessoa física, sem, contudo, demonstrarem a origem desses valores. ficou evidenciado que, na condição de familiares do auditor fiscal (VITOR), as corrés usufruíram, direta ou indiretamente, de status econômico-financeiro incompatível com a renda legitimamente aferida por VITOR (genro e ex-marido das corrés). Recibos de gastos apreendidos durante busca e apreensão realizada na residência de EDILAINE (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes) revelaram que esta corré gozava de um padrão (financeiro) de vida privilegiado, com gastos elevados. Em diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51, ambos mencionam, p. ex., que EDILAINE (“Tuca”) estaria “indo pra Miami”, bem como que EDILAINE costumava “gastar” muito dinheiro (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? (...) VITOR - Não sei se você sabe, a TUCA tá indo pra Miami hoje à noite. DARCY - Meu Deus do céu! É? VITOR - É, ela vai... DARCY - E as crianças? Vai ficar com quem? VITOR - Então, ela vai ficar fora uma semana e eu vou então lá pra Alphaville hoje. Eu vou ficar lá uma semana. DARCY - Ah, você vai ficar lá? VITOR - Vou... DARCY - Ainda bem, meu! Sabe o que eu pensei? Que ela ia pra lá e ia largar as crianças na mão da... Da IZA lá... Porque eu liguei pra lá agora, ela atendeu e me atendeu muito mal. Mandei chamar a IZA e ela me atendeu mal, sabe? VITOR - Hamhamm! DARCY - Ia só falar com a IZA, aí eu peguei e desliguei. Não dá pra conversar com ela. VITOR - É, então assim... Se você quiser ir pra lá, você pode ir. DARCY - Quando? VITOR - Não, quando você quiser! Qualquer dia... Eu vou tá lá. DARCY - Ela vai hoje e vai voltar quando? VITOR - Só volta na outra quinta-feira. DARCY - Nossa Senhora! Gasta dinheiro, né? VITOR - (Risos)... DARCY - Você paga, né? VITOR - Tô achando bom. Vou ficar uma semana com as crianças. DARCY - Legal, né? VITOR - Pra mim tá ótimo! (...). durante a execução de mandado de busca e apreensão (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes), cumprido em data em que VITOR e EDILAINE já estavam separados de fato e, portanto, morando em residências distintas, foram apreendidos diversos cheques oriundos de propina, isto é, cheques emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina”, sendo que, boa parte desses cheques foi encontrada na residência de EDILAINE, fato que reforça a convicção de que EDILAINE aderiu, conscientemente, ao comportamento criminoso de “lavar” a propina recebida por seu ex-marido (VITOR). Destaque-se que, nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. A propósito, confira-se: (...). Firmada a materialidade do crime de lavagem, resta analisar o elemento subjetivo. Questão que se coloca é a da efetiva ciência dos beneficiários quanto à procedência criminosa dos valores recebidos e à possibilidade do dolo eventual. O dolo eventual na lavagem significa, apenas, que o agente da lavagem, embora sem a certeza da origem criminosa dos bens, valores ou direitos envolvidos quando pratica os atos de ocultação e dissimulação, tem ciência da elevada probabilidade dessa procedência criminosa. Não se confundem o autor do crime antecedente e o autor do crime de lavagem, especialmente nos casos de terceirização da lavagem. O profissional da lavagem, contratado para realizá-la, pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o conhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o serviço realizado e não tem motivos para revelar os seus segredos, inclusive a procedência criminosa específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional. A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio. Assim, parece-me que não admitir a realização do crime de lavagem com dolo eventual significa na prática excluir a possibilidade de punição das formas mais graves de lavagem, em especial a terceirização profissional da lavagem. O caso presente ilustra essa hipótese, pois houve, no caso do PP e do PL, a contratação de empresas financeiras que lavaram o numerário repassado pelas contas das empresas de Marcos Valério de uma forma bastante sofisticada. Ainda que tivessem ciência da elevada probabilidade da procedência criminosa dos valores lavados, é difícil, do ponto de vista probatório, afirmar a certeza dos dirigentes dessas empresas quanto à origem criminosa dos recursos. Sem admitir o dolo eventual, revela-se improvável, em regra, a condenação dos lavadores profissionais. O tipo do caput do art. 1º da Lei 9.613/1998, de outra parte, comporta o dolo eventual pois, em sua literalidade, não exige elemento subjetivo especial, como o conhecimento específico da procedência criminosa dos valores objeto da lavagem. Essa interpretação encontra apoio expresso no item 40 da Exposição de Motivos n.º 692/1996: ‘Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1º, §1º, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou dissimulação da utilização de bens, direito ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo’. A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito. Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro. Na hipótese sub judice, há elementos probatórios suficientes para concluir por agir doloso - se não com dolo direto, pelo menos com dolo eventual (...) – grifo nosso. (STF, Plenário, AP n.° 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 17.12.2012, Public. em 22.04.2013, páginas 1.271/1.273 do Acórdão) Também o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento relacionado à prática do delito de lavagem de dinheiro, já asseverou que a denominada teoria da cegueira deliberada, criação doutrinária e jurisprudencial, preconiza que é possível a condenação pelo crime de lavagem de capitais, ainda que ausente o dolo direto, sendo admitida a punição a título de dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos, a saber, que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento da intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer, quando teria plenas condições de investigar a proveniência ilícita dos bens (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp n.° 1.793.377/PR – 2019/0020620-1, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Julg em 15.03.2022, DJe de 31.03.2022). Em suma, ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos ora apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, cada qual pela prática do delito de lavagem de dinheiro por uma vez (nos termos estabelecidos pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus). INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. Os crimes de lavagem de dinheiro em questão foram praticados por uma pluralidade de agentes, os quais agiram em convergência de vontades (vínculo subjetivo) para a realização de um mesmo tipo penal (unidade delitiva). Trata-se, assim, de hipótese de concurso de pessoas, em que a punição dos envolvidos pode, em tese, variar em função da posição e/ou teoria que, porventura, se adote, especialmente no que diz respeito aos critérios de distinção entre autor e partícipe e à sua punibilidade. As corrés EDILAINE e IZA requereram, em suas razões de Apelação, o reconhecimento de que não teriam atuado como coautoras, mas sim como partícipes de menor importância. Para uma melhor compreensão do tema, cabe sintetizar, brevemente, duas teorias que, baseando-se em critérios de distinção entre autoria e participação, relacionam-se à punibilidade daqueles que praticam crimes em concurso de pessoas, quais sejam: i) teoria monista e ii) teoria dualista. Teoria monista (ou unitária), de acordo com a qual todos os agentes que, de algum modo, contribuíram, em concurso, para o resultado criminoso, deverão, obrigatoriamente, responder pelo mesmo delito. Trata-se de corrente que se aproxima da teoria material-objetiva, pautada no critério subjetivo-causal (equivalência das condições), segundo a qual qualificam-se como autores todos aqueles que, independentemente de praticarem ou não o verbo descrito no tipo penal, contribuem dando causa, de algum modo, mesmo que em graus diferentes, à produção do resultado criminoso. Em suma, trata-se de teoria que se abstém de qualquer diferenciação entre as figuras de autor e partícipe. Para a corrente monista pura, todos os indivíduos que, causalmente e em equivalência de condições, concorrerem para a prática do crime serão, objetivamente, denominados autores (conceito extensivo de autor), podendo haver, somente a posteriori, no momento da fixação da pena, a atribuição de causas limitadoras da punibilidade para “autores de menor relevância”, em função de sua culpabilidade (princípio da individualização da pena). Teoria dualista, a qual sugere a aplicação de tipos penais diversos para autores e partícipes, identificando como autor aquele que pratica (integral ou parcialmente) a ação central tipificada (verbo da conduta criminosa) e como partícipe aquele que pratica ações acessórias, contribuindo para a realização do crime, isto é, auxiliando materialmente ou induzindo/instigando moralmente o autor. Trata-se, pois, de corrente que se apoia nos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria formal-objetiva, segundo a qual qualificam-se como autores apenas aqueles que executam, integral ou parcialmente, a ação legalmente tipificada, bem como qualificam-se como partícipes aqueles que, sem praticar o núcleo do tipo, contribuem para a realização do crime, quer prestando algum tipo de auxílio material ao autor, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Nesse contexto, os autores serão os agentes (executores) principais, enquanto os partícipes serão agentes meramente secundários, para os quais haverá uma previsão típica distinta. Cumpre esclarecer que, no âmbito do direito penal brasileiro, diferentemente do que ocorre em países como a Alemanha, p. ex., não há, no plano da Lei, uma distinção conceitual analítica clara entre autoria e participação. Os artigos 29, 30 e 31 do Código Penal Brasileiro assim dispõem: Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) A leitura isolada do caput do artigo 29 pode, em princípio, levar à conclusão de que todo aquele que se insere na cadeia causal de um crime deve, invariavelmente, ser qualificado como autor, nos moldes do que preceitua a teoria monista (ou unitária) pura, para a qual não há distinção entre autor e partícipe, ficando a quantificação da responsabilidade postergada para o momento da aplicação da pena, em função da culpabilidade de cada agente. Contudo, os dizeres dos parágrafos do artigo 29 e dos artigos 30 e 31 do Código Penal Brasileiro afastam a conclusão de que o legislador pátrio teria adotado um sistema unitário puro, apontando para a adoção de uma espécie de sistema unitário temperado (ou moderado), em que, ao mesmo tempo em que se determina, como regra, a imputação de um único crime aos agentes que agem em concurso (nos moldes do que propõe a teoria monista), faz-se, também, alusão aos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria dualista, conjugando-se, assim, ambas as teorias. Em outras palavras, não obstante tenha-se, como regra, que um único crime deve ser imputado a todos os agentes concorrentes (unidade delitiva), admite-se, a depender do grau de relevância causal da conduta praticada pelo agente, que a ele seja atribuída a condição de mero partícipe, e não, necessariamente, de autor/coautor, o que poderá lhe acarretar consequências mais brandas, caso, p. ex., sua participação seja identificada como de menor importância (inteligência do §1° do art. 29 do CP) ou, ainda, caso seja identificado um desvio subjetivo de conduta (inteligência do § 2° do art. 29 do CP). Nesse cenário, a distinção conceitual entre autor e partícipe ganha relevância, não apenas para fins de se quantificar a pena, mas, inclusive, para fins de se determinar, nos casos concretos, a própria extensão da norma proibitiva. Pois bem. Conforme já se asseverou, o Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Ocorre que, na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. DOSIMETRIA. O cálculo da pena deve atentar-se aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar-se à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi incialmente condenado pela prática dos delitos de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas), peculato eletrônico (por 8 – oito – vezes, referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, referentes à 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) e lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez). No corpo do presente voto, reconheceu-se, de ofício, a ocorrência de prescrição em relação às condutas de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, bem como foram mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática dos delitos de: corrupção passiva, por 3 – três – vezes (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; corrupção passiva qualificada, por 2 – duas – vezes (referentes às 2ª e 7ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; peculato eletrônico, por 8 - oito – vezes, tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. lavagem de dinheiro, por 1 – uma – vez, tendo sido a pena fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. Inicialmente, no tocante ao delito de corrupção passiva qualificada cumpre tecer algumas breves considerações. No crime de corrupção passiva qualificada, o juiz deveria ter partido da pena-base de 2 anos, que acrescida do aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas (sendo que cada uma ensejaria o aumento de 1/12 sobre a pena mínima), resultaria na pena-base de 2 anos e 6 meses de reclusão. Nada havendo a ser valorado na segunda fase da dosimetria e devendo ser reconhecida na terceira fase da dosimetria somente a causa de aumento de 1/3, a pena final deveria perfazer o total de 3 anos e 4 meses de reclusão. Todavia, partiu-se de uma pena-base de 2 anos e 8 meses, pois considerou o aumento previsto no artigo 317, § 1º, do CP, logo na primeira fase da dosimetria. Posteriormente, promoveu-se o aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas, perfazendo a pena de 3 anos e 4 meses, que se tornou definitiva em razão da ausência de critérios da segunda e terceira fases a serem considerados. Assim, como o procedimento levado a efeito pelo juiz não resultou em qualquer prejuízo ao réu, não há necessidade de qualquer reparo quanto à sistemática utilizada para o cálculo da pena do crime de corrupção passiva qualificada. Na primeira fase da dosimetria, foram valorados negativamente, para esses crimes (corrupção, peculato eletrônico e lavagem), três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime). Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VITOR tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fls. 145, 147, 149 e 153 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fls. 145, 147, 150 e 153 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas de corrupção e peculato eletrônico perpetradas por VITOR (auditor fiscal) apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de servidor lotado no setor de “malha fina” (Defis/SP/Sevic/Eqac) da Receita Federal, VITOR era, justamente, um dos responsáveis pela análise e/ou conferência dos dados (falsos) inseridos nas declarações de Imposto de Renda fraudulentamente “liberadas” por ele. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve, portanto, excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo auditor fiscal, justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de corrupção e peculato eletrônico. Quanto à prática do delito de lavagem de dinheiro, contudo, tem-se que o cargo ocupado por VITOR (auditor fiscal lotado no setor de “malha fina” da Receita Federal) não foi, diretamente, utilizado para viabilizar ou facilitar o crime. Em outras palavras, não se vislumbra conexão objetiva entre a função pública exercida por VITOR e o modo pelo qual se deu a prática criminosa da lavagem, razão pela qual a valoração negativa do vetor “culpabilidade” deve ser afastada. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” para os delitos de corrupção passiva, corrupção passiva qualificada e peculato eletrônico, bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, pois tais motivos teriam sido “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146, 147, 150 e 153 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção, o peculato eletrônico e a lavagem de dinheiro sejam crimes contra a Administração Pública e/ou contra a Ordem Econômica, é inegável que todos esses delitos, guardadas as suas peculiaridades (qualificação do agente como servidor público, p. ex.), possuem, também, características de crimes contra o patrimônio, isto é, envolvem expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base dos delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para os delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem. Do quantum a ser majorado. O quantum de majoração correspondente a cada circunstância judicial tida como desfavorável deve mostrar-se adequado à prevenção e reprovação do crime, não se limitando a cálculos aritméticos ou percentuais pré-estabelecidos, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA DOMICILIAR. JUSTA CAUSA OBSERVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. (AgRg no REsp 143.071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). Isso significa que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.595.884/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) No caso em questão, justificar-se-ia, em princípio, a exasperação da pena-base em patamar ainda mais elevado do que o adotado pelo r. juízo a quo. Contudo, em face da ausência de recurso ministerial, não se há de falar em modificação da fração de aumento fixada pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus. Em face do parcial provimento ao apelo de VITOR, as penas-base ficam assim estabelecidas: corrupção passiva: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva (art. 317, caput, do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. corrupção passiva qualificada: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva qualificada (art. 317, §1°, do CP) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa; peculato eletrônico: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. lavagem de dinheiro: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Não houve alteração desses patamares nas segunda e terceira fases da dosimetria, de modo que as penas definitivas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH ficam estabelecidas em: 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos três delitos de corrupção passiva a ele imputados; 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos dois delitos de corrupção passiva qualificada a ele imputados; 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos oito delitos de peculato eletrônico a ele imputados. 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa para um delito de lavagem a ele imputado. Concurso Material x Continuidade Delitiva. Em relação aos delitos de corrupção (três delitos de corrupção passiva e dois delitos de corrupção passiva qualificada) pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 26.03.2013, 08.04.2013, 16.04.2013 – por duas vezes - e 25.04.2013), observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra do concurso material de crimes (inteligência do art. 69 do Código Penal), somando, portanto, as penas a ele imputadas. Já em relação aos oito delitos de peculato eletrônico pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013) observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra da continuidade delitiva, incidindo, portanto, a pena de um dos crimes aumentada de 2/3 - dois terços – fl. 151 – ID 170518759 (inteligência do art. 71 do Código Penal) Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR requereu o reconhecimento da hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, nos moldes do que ocorreu em relação aos crimes de peculato eletrônico. Pois bem. Para a caracterização de crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O artigo 71, caput, do Código Penal assim dispõem: Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (grifo nosso). Ocorre que, no caso concreto, verificou-se a ocorrência de reiteração (ou habitualidade) criminosa, já que as provas amealhadas no curso da “Operação Publicano” revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria adotado, ao longo de anos, como modus vivendi, a prática de fraudar o sistema de arrecadação de imposto de renda da Receita Federal do Brasil, especialmente por meio do cometimento de delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico. In casu, portanto, deve-se considerar que, apesar de haver pluralidade de ações da mesma espécie com modus operandi semelhante, as condutas criminosas foram autônomas e isoladas, cada fato subsumindo-se à norma de maneira singular, sem que o primeiro crime seja causa do segundo, razão pela qual agiu bem o r. juízo a quo ao afastar a hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, fazendo incidir a regra do concurso material. Frise-se que, embora o mesmo raciocínio devesse ser aplicado aos delitos de peculato eletrônico praticados por VITOR, não se há de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Com efeito, não se deve confundir reiteração (ou habitualidade) criminosa com continuidade delitiva. Unificar a pena neste caso significaria um incentivo a esse tipo de comportamento reprovável de eleger a criminalidade como modus vivendi. A ficção jurídica do delito continuado se caracteriza, essencialmente, a partir de uma forma de "prosseguimento ou desdobramento da mesma conduta delituosa", o que é diferente de se praticar uma série de crimes isolados de semelhante espécie. Nesse sentido, já se posicionaram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME CONTINUADO. NECESSIDADE DE PRESENÇA DOS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. REITERAÇÃO HABITUAL. DESCARACTERIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Para a caracterização do crime continuado faz-se necessária a presença tanto dos elementos objetivos quanto subjetivos. 2. Constatada a reiteração habitual, em que as condutas criminosas são autônomas e isoladas, deve ser aplicada a regra do concurso material de crimes. 3. A continuidade delitiva, por implicar verdadeiro benefício àqueles delinqüentes que, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar de execução, praticam crimes da mesma espécie, deve ser aplicada somente aos acusados que realmente se mostrarem dignos de receber a benesse. 4. Habeas corpus denegado. (STF, 2ª Turma, Habeas Corpus n.° 101049, Rel. Ellen Gracie, Julg. 04.05.2010) HABEAS CORPUS. AÇÕES PENAIS. CONDENAÇÕES. CONTINUIDADE DELITIVA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. UNIFICAÇÃO DA REPRIMENDA. REQUISITOS DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. NÃO PREENCHIMENTO. AUSÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. REITERAÇÃO DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva). 2. Constatada a reiteração criminosa, e não a continuidade delitiva, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado. 3. A via estreita do habeas corpus é inadequada para um maior aprofundamento na apreciação dos fatos e provas constantes nos processos de conhecimento para a verificação do preenchimento das circunstâncias exigidas para o reconhecimento da ficção jurídica do crime continuado. Precedentes desta Corte Superior. 4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 128.663 - SP, Julg. em 05.08.2010, Rel. Jorge Mussi, DJe de 13.09.2010) Com tais considerações, mantém-se o reconhecimento da hipótese de concurso material para os delitos de corrupção (corrupção passiva e corrupção passiva qualificada). Fixa-se, pois, para os delitos de corrupção praticados por VITOR a pena definitiva de 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa. Quanto aos delitos de peculato eletrônico, no entanto, observa-se que a r. sentença aplicou a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. No que diz respeito à fração de pena a ser aumentada nas hipóteses de continuidade delitiva, é sabido que a Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos. Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 8 (oito) delitos de peculato eletrônico (em 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013), conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 2/3 (dois terços). Fixa-se, pois, para os oito delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia), bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). As penas definitivas ficam fixadas em: 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa para os delitos de corrução passiva e corrupção passiva qualificada (em concurso material); 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa para os delitos de peculato eletrônico (em continuidade delitiva); 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para o delito de lavagem de dinheiro. A soma dessas penas totaliza 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. VAGNER FABIANO MOREIRA VAGNER FABIANO MOREIRA foi incialmente condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta) e pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida, no bojo da própria sentença, a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição. Em relação ao delito de corrupção ativa (6ª conduta), foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VAGNER tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 155 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por VAGNER apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 155 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 156 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial tida como desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por VAGNER FABIANO MOREIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA foi condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MÁRCIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 159 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por MÁRCIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 159 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 159 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. EDSON FERREIRA DA SILVA EDSON FERREIRA DA SILVA foi condenado pela prática, por duas vezes, de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de EDSON (médico) tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 161– ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Diferentemente dos demais corréus, EDSON não se tratava de um contador (intermediário), mas sim de um contribuinte (médico) que, a fim de reduzir o imposto de renda a pagar, atuou em conjunto com o auditor fiscal VITOR, contatando-o diretamente, para inserir dados falsos no sistema da Receita Federal, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão, por parte de EDSON, a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que os crimes teriam sido praticados para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 161 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 161 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que as pena-bases dos delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticados por EDSON FERREIRA DA SILVA devem ser reduzidas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por EDSON, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 2 (dois) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/6 (um sexto). Fixa-se, pois, para os dois delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos dois delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de FÁBIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 163 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 163– ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por FÁBIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 163 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 163 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA JOSÉ CARLOS SIQUEIRA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de JOSÉ CARLOS tratar-se de “pessoa esclarecida, consultor de vendas” (fl. 165 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que JOSÉ CARLOS desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 165 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 165 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por JOSÉ CARLOS SIQUEIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. CLEIDE MARIA RIBEIRO CLEIDE MARIA RIBEIRO foi condenada pela prática, por três vezes, do delito de peculato eletrônico (5ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de CLEIDE tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 166 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ela, pela profissão que exercia, a de contadora, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fls. 166/167 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas perpetradas por CLEIDE apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contadora, ela tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pela contadora (exercício abusivo da profissão de contadora), justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 167 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 167 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por CLEIDE MARIA RIBEIRO deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por CLEIDE, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 3 (três) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/5 (um quinto). Fixa-se, pois, para os três delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos três delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MAURO SERGIO ARANDA MAURO SERGIO ARANDA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MAURO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 168 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, MAURO SERGIO ARANDA atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que MAURO desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 168 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fls. 168/169 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por MAURO SERGIO ARANDA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES E EDILAINE LOPES SZWARCTUCH IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra do auditor-fiscal VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa do auditor-fiscal VITOR) foram condenadas pela prática de um delito de lavagem de dinheiro. Foram valorados negativamente dois vetores (motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada uma dessas corrés estabelecida em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, para ambas as acusadas, porque “os motivos foram puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos pelo ex-marido” (ou pelo genro) e “amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 170 e 173 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o bem jurídico protegido pelo tipo penal seja a Ordem Econômica, é inegável que a lavagem de dinheiro possui, também, característica de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA e EDILAINE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a ambas. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto para a Administração da Justiça e para a economia na medida em que dificultaram a apuração de enriquecimento ilícito de servidor público, em como reintroduziram na economia, sob o simulacro de licitude, recursos provenientes de infrações criminais” (fls. 170 e 173/174 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR (ex-marido e genro das acusadas), esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base correspondentes às condutas de lavagem perpetradas por IZA e EDILAINE, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. A propósito, a jurisprudência já se posicionou no sentido de que, nos crimes de lavagem, é legítima a valoração negativa das consequências do crime em decorrência da movimentação de expressiva quantia de recursos envolvidos que extrapole o elemento natural do tipo. Nesse sentido, confira-se: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIME ANTERIOR DE PECULATO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. (...). 2. Na espécie, o paciente foi condenado a 6 (seis) anos e 9 (nove) meses, pela prática do crime de lavagem de dinheiro, conforme tipificado no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/1998, com redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 12.683/2012, na forma do art. 71 do Código Penal (seis vezes). 3. Os impetrantes se voltam contra a pena-base fixada pelo Tribunal de origem em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão - acima do limite mínimo de 3 (três) anos previsto no preceito secundário do tipo penal violado -, haja vista a valoração negativa dos motivos, das circunstâncias e das consequências do crime. MOTIVOS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. REELEIÇÃO PARA O CARGO DE GOVERNADOR. PODER ECONÔMICO ORIUNDO DE PRÁTICAS ILÍCITAS. DETURPAÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ELEMENTOS TRANSCENDENTES AO TIPO PENAL VIOLADO. 1. A valoração negativa dos motivos do crime apresenta razões adequadas, uma vez que o intuito do agente não foi o de simplesmente branquear um proveito financeiro advindo de crime anterior para assim usufruir dos valores. O mote também está no desvirtuamento do processo eleitoral, trazendo obscuridade à vontade livre do eleitor, diante da intenção do paciente em reeleger-se para o cargo que ocupava à época, justificativa que se mostra apta ao aumento procedido. Precedentes. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. COMPLEXIDADE DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS. MESCLA DE CAPITAIS LÍCITOS E ILÍCITOS. INVERSÃO NA ORDEM DOS ESTÁGIOS DE BRANQUEAMENTO. ELEVADO GRAU DE REFINAMENTO. REPROVAÇÃO JUSTIFICADA. 1. A maior complexidade das transações financeiras empreendidas pelo paciente e pelos demais corréus na execução dos delitos, dado objetivamente aferido e assinalado pela instância ordinária a partir da interpretação realizada sobre o contexto fático-probatório disponível, constitui argumento eficaz para negativar as circunstâncias do crime. 2. O Tribunal a quo, sem descurar do ciclo normal da lavagem de capitais, considerou mais elevado o grau de refinamento da estratégia idealizada e colocada em prática na execução do crime, inclusive com a mescla de capitais de origem lícita com os de fonte ilícita, bem como com a inversão na ordem dos estágios de branqueamento. Por isso classificou com maior gravidade o modus operandi da infração penal. 3. Não há constrangimento ilegal, haja vista que o distinto grau de sofisticação nos atos específicos de lavagem de capitais justifica a reprovação em face das circunstâncias sob as quais o crime foi praticado. Precedentes. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO VOLUME DE RECURSOS MOVIMENTADOS EM OPERAÇÃO DE LAVAGEM DE CAPITAIS. AUMENTO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. 1. A instância ordinária considerou expressiva a repercussão econômica do crime, que colocou em processo de branqueamento R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), no segundo semestre do ano de 1998, valores que, meramente atualizados, representariam aproximadamente R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais) nos dias de hoje. 2. O grande volume de recursos envolvidos na lavagem de capitais extrapola o elemento natural tipo e constitui razão idônea à majoração da pena-base, visto que, em tal espécie de delito, ‘a elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria’ (AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017). 3. Habeas corpus do qual não se conhece. (STJ, Quinta Turma, HC 518882/MG, Rel. Jorge Mussi, Julg. em 11.02.2020, Dje de 21.02.2020) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. VALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. INEXISTÊNCIA. TRADUÇÃO. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS. NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. LAVAGEM DE CAPITAIS. AUTORIA E MATERIALIDADE. SÚMULA 7/STJ. MOVIMENTAÇÃO DE ELEVADA QUANTIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. ‘A fundamentação per relacionem constitui medida de economia processual e não malfere os princípios do juiz natural e da fundamentação das decisões’. (REsp 1.443.593/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015). 2. Não há ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, na medida em que, da simples leitura do acórdão recorrido, constata-se que as questões apontadas como não enfrentadas foram examinadas e decididas fundamentadamente. 3. Conforme precedente do STF, ‘a tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro só deverá ser realizada se tal providência tornar-se absolutamente "necessária", nos termos do que dispõe o art. 236 do Código de Processo Penal’. (Inq 4146, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2016). 4. ‘No Processo Penal, é imprescindível quando se aventa nulidade de atos processuais a demonstração do prejuízo sofrido em consonância com o princípio pas de nullité sans grief’. (AgRg no HC 396.203/SC, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017). 5. Rever autoria e materialidade do crime de lavagem de capitais, conforme pleiteado no recurso demandaria, necessariamente, reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ. 6. A elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria. Precedente. 7. Agravo regimental parcialmente conhecido, e nessa parte, desprovido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Julg. em 26.09.2017, Dje de 06.10.2017) Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para ambas as acusadas. Do quantum a ser majorado. Observa-se que, em relação a VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (co-autor dos delitos de lavagem praticados por IZA e EDILAINE), o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (culpabilidade, motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Em relação às apelantes (IZA e EDILAINE), entretanto, o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/8 (um oitavo), equivalente a 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Disto resultou a fixação de pena idêntica para os três corréus (de 3 – três - anos e 9 – nove - meses de reclusão e 14 – quatorze - dias-multa), apesar de, para VITOR, ter havido a valoração negativa de uma circunstância judicial a mais (culpabilidade). A fim de se corrigir essa discrepância, determina-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, manteve-se, para IZA e EDILAINE, apenas, a valoração negativa de um vetor (consequências do crime), conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) de cada uma dessas acusadas deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena de cada uma das apelantes para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade atribuída a cada uma dessas acusadas por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos (fls. 171 e 174 – ID 170518759). Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS E DA MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS. Observa-se que, no bojo da r. sentença, o r. juízo a quo decretou a perda, em favor da União, de alguns dos bens e/ou valores apreendidos/sequestrados no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), bem como fixou valor mínimo para a reparação dos danos, nos seguintes termos (fls. 182/183 – ID 170518759): DOS BENS APREENDIDOS Conforme a fundamentação apresentada acima, decreto em favor da União a perda dos seguintes bens: a) imóvel localizado em Alphaville, na Alameda Piava, 248, registrado formalmente em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (‘DARCY’) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (‘IZA’), como objeto de lavagem de capitais; b) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR AURELIO SZWARTUCH (‘VITOR’), EDILAINE LOPES SZWARTUCH (‘EDILAINE’), IZA e DARCY; c) dos valores bloqueados, no total de R$ 1.112.351,34 (R$ 818.588,66 + 108,97 + 1.009,03 + 40.662,26 + 212.744,71 + 39.237,71) em contas de titularidade dos acusados; d) dos valores bloqueados no montante total de R$ 1.615.720,02 (R$ 752.089,50 + 264.104,13 + 264.104,13 + 335.422,26) relativos a planos de previdência. Dos valores acima será deduzida a quantia correspondente a R$ 43.445,18, cujo levantamento foi autorizado, conforme comprova cópia trasladada às fls. 2956/2958. DO VALOR DO DANO Com fundamento no artigo 91, I, do Código Penal, combinado com o artigo 386, IV, fixo como valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), tomado como base, para estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fls.02/34 do apenso I, volume I). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA opôs, então, Embargos de Declaração alegando que a r. sentença teria sido omissa quanto aos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados em contas bancárias de titularidade de VAGNER. Alegou, na oportunidade, que, em face da mínima sucumbência deste corréu, ele faria jus ao levantamento do excesso dos valores constritos, isto é, ao levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. Ao apreciar os referidos Embargos Declaratórios, o r. juízo a quo assim decidiu (fls. 241/243 – ID 170518759): De fato, a sentença não faz menção ao bloqueio de R$ 135.897,95, decretado nos autos do pedido de busca e apreensão (fls. 337-338, 479-484, 551 dos autos da busca e apreensão). A decisão de sequestro foi explícita sobre o objeto da constrição dos bens: ‘suposto valor dos produtos/proveitos do crime e da eventual reparação dos danos (incluindo despesas processuais e penas pecuniárias)’ - fls. 336-v. Especificamente sobre VAGNER, a decisão consigna que a necessidade da constrição cautelar decorria da possibilidade de que VAGNER viesse a ‘se desfazer de seu patrimônio, impedindo, em caso de eventual condenação judicial, a reparação dos danos provenientes das práticas delituosas’ (fls. 338 - destaquei). Vê-se que houve estimativa apenas do valor da pena de multa, mas a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos. A sentença condenatória fixou o valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (fls. 3272-3273). O acusado foi condenado pela prática de corrupção que se relaciona aos danos arbitrados, razão pela qual os valores bloqueados devem ser utilizados para pagamento das custas e pena de multa, enquanto o saldo deve ser objeto de perda em favor da União para pagamento do dano arbitrado na sentença. (...) II) CONHEÇO dos embargos de declaração opostos por VAGNER e os ACOLHO, para sanar a omissão da sentença, que fica acrescida da fundamentação supra e do seguinte trecho no item ‘DOS BENS APREENDIDOS’ (fls. 3272): ‘e) do valor bloqueado no montante de R$ 135.897,95 em contas da titularidade de VAGNER, parte para pagamento das custas e pena de multa, sendo o restante destinado ao pagamento do dano fixado na sentença’. Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou ter havido reformatio in pejus, pois a perda dos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados não foi decretada no bojo da r. sentença, mas sim, tão-somente, na oportunidade em que o r. juízo a quo apreciou Embargos Declaratórios opostos pelo acusado. Reitera, pois, o pedido de que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, seja autorizado o levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. As defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, por sua vez, requereram o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome das apelantes” (fl. 204 – ID 170518682). Pois bem. Observa-se, primeiramente, que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fl. 183 – ID 170518759). Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Em outras palavras, a fixação de valor mínimo para a reparação de danos referentes aos fatos criminosos compreendidos pelo presente feito constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente, para a realização da necessária liquidação. Tal modulação excede os limites cognitivos desta seara criminal. Com tais considerações, determina-se, de ofício, o afastamento da condenação dos acusados a repararem o dano com base no valor mínimo de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), fixado pela r. sentença, tendo-se em vista que o valor mínimo para a reparação de danos constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. Como consequência, afasta-se, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, até que se apure, com precisão, o montante do dano a ser efetivamente reparado, ficando prejudicada, assim, a alegação da defesa de VAGNER no sentido de que teria havido reformatio in pejus. Frise-se que, não obstante se esteja aqui afastando o decreto de perda, em favor da União, dos bens e valores constritos até que se apure o montante efetivamente devido a título de reparação dos danos, as constrições efetivadas devem ser mantidas. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano causado pela prática dos delitos identificados no bojo do presente feito, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Assim, não se há de falar em levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER, já que, como bem asseverou o r. juízo a quo, a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos (fl. 241 – ID 170518759). Note-se que o art. 120 do Código de Processo Penal dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem ou valor, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso. Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, até mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um bem ou valor apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como condenado deve, obrigatoriamente, demonstrar a origem lícita do bem ou valor para que se cogite de seu direito a vê-lo restituído. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. Ante o exposto, vota-se por: afastar, de ofício, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; afastar, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos; julgar prejudicado o pedido, formulado pela defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA, de reconhecimento da ocorrência de reformatio in pejus; indeferir os pedidos de levantamento das constrições formulados pelas defesas de VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES. DISPOSITIVO. Ante o exposto, vota-se por: DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas. É o voto. E M E N T A PENAL E PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO PUBLICANO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CPP COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ARTIGOS 333 E 317, CAPUT, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. ART. 317, §1°, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. ART. 317, §2°, DO CP. PRESCRIÇÃO. PECULATO ELETRÔNICO. ART. 313-A DO CP. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. ART. 325 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI Nº 9.613/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO POR UM ÚNICO DELITO, A DESPEITO DE HAVER PLURALIDADE DE CONDUTAS, SOB PENA DE REFORMATIO IN PEJUS. CONCURSO MATERIAL ENTRE AS PRÁTICAS DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOLO. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DE ALGUMAS DAS CIRCUSTÂNCIAS JUDICIAIS. REDUÇÃO DAS PENAS. VALOR MÍNIMO FIXADO A TÍTULO DE REPARAÇÃO DE DANOS AFASTADO. DECRETO DE PERDA DE BENS E VALORES EM FAVOR DA UNIÃO POR ORA AFASTADO. MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS NO BOJO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR. No bojo da denominada “Operação Publicano”, investigou-se a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. Não se há de falar em nulidade da r. sentença por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. A valoração negativa do vetor culpabilidade fundamentou-se em razões distintas para cada corréu e, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), muito embora tenham sido feitas alusões semelhantes para todos os corréus, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, pois se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas pela Corregedoria da Receita Federal - ESCOR08 e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal - ESPEI) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). As interceptações telefônicas se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida, por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013. Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013. Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER, bem como solicita-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013. Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013, não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER. Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. O fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação. Não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. No tocante à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). A conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Frise-se, ainda, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes. Do diálogo interceptado, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. Embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de de um contribuinte e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de outra contribuinte, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte (médico). Muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. No tocante à 2ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Muito embora se pudesse cogitar, com base nas mensagens e diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de uma contribuinte. Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Muito embora se pudesse cogitar, com base nos diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. PRESCRIÇÃO. Declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada pelos quais havia sido condenado (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia), uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. PECULATO ELETRÔNICO. Para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. No tocante às 1ª e 2ª condutas de peculato eletrônico descritas na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. O Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas, revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções No tocante à 3ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de um contribuinte, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la. No tocante à 4ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF daquele contribuinte e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito. No tocante à 5ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs de três contribuintes, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais os referidos três contribuintes), é firme, com base nas trocas de mensagens interceptadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 dos referidos três contribuintes, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. No tocante à 6ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que um contribuinte teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração daquele contribuinte (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração desse contribuinte. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. PRESCRIÇÃO. Considerando que já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. LAVAGEM DE DINHEIRO. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: a) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; b) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; c) ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. A ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) constitui uma conduta autônoma de lavagem. In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente. Ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. O conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08, quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto ao imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, embora se saiba que VITOR ocultou sua propriedade registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA,) o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006, ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Ademais, apesar de, a partir das informações que constam dos autos, ser possível extrair que a residência situada no terreno foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos revelam, p. ex., que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: i) a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto; ii) a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013. De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. O aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. Para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito”, esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. Ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). O Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. Observa-se que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas. Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Trata-se de questão a ser dirimida no juízo cível competente. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181, ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. DECLARA-SE, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos. AFASTA-SE, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. AFASTA-SE, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos. DETERMINA-SE, porém, a manutenção de todas as constrições efetivadas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor culpabilidade em relação ao delito de lavagem de dinheiro; afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. FAUSTO DE SANCTIS Desembargador Federal
  4. Tribunal: TRF3 | Data: 22/07/2025
    Tipo: Intimação
    PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A Advogados do(a) APELANTE: MARCELA TERRA DE MACEDO - SP381227-A, RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Foram interpostas Apelações pelas defesas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 56 – ID 170518607 e fls. 207/256 - ID170518682), VAGNER FABIANO MOREIRA (fls. 59/85 - ID 170518607), MAURO SERGIO ARANDA (fl. 215 – ID 170518759 e fls. 57/61 - ID 170518682), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (fl. 218 - ID 170518759 e fls. 163/206 - ID 170518682), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (fl. 156 – ID 170518607 e fls. 163/206 - ID 170518682), EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (fl. 219 - ID 170518759 e fls. 263/301 - ID 170518682), FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (fl. 03 – ID 170518607 e fls. 86/93 - ID 170518607), MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (fl. 04 – ID 170518607e fls. 51/55 - ID 170518682), EDSON FERREIRA DA SILVA (fl. 05 - ID 170518607 e fls. 62/65 - ID 170518682), JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (fls. 06/17 - ID 170518607) e CLEIDE MARIA RIBEIRO (fl. 27 ID 170518607 e fls. 157/169 - ID 170518607), em face da r. sentença, proferida, em 10.05.2018 (fls. 58/184 – ID 170518759 e fls. 236/243 - ID 170518759), pelo Exmo. Juiz Federal Silvio Luis Ferreira da Rocha (10ª Vara Federal Criminal de São Paulo-SP), que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para: rejeitar parcialmente a denúncia, para todos os acusados, por inépcia, tão somente em relação às acusações de prática do delito de formação de quadrilha (associação criminosa), previsto no art. 288 do Código Penal (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013). condenar VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), nascido em 24.07.1962, pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), de dois delitos de corrupção passiva qualificada (2ª e 7ª condutas) e de três delitos de corrupção passiva (6ª, 8ª e 11ª condutas) – em concurso material; pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva; pela prática de quatro delitos de violação de sigilo funcional (1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) – em continuidade delitiva; e pela prática de um delito de lavagem de dinheiro, à pena de 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa; absolver VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), por insuficiência de provas, de duas acusações relacionadas à prática de corrupção passiva (3ª e 5ª condutas), de três acusações relacionadas à prática de corrupção passiva qualificada (9ª conduta) e de uma acusação relacionada à prática de violação de sigilo funcional (2ª conduta); absolver DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 02.07.1976, por insuficiência de provas, das acusações relacionadas à prática de três delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª e 4ª condutas), de um delito de corrupção ativa (3ª conduta) e de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), nascido em 12.04.1976, pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, bem como pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição; absolver VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) de acusação relacionada à prática de um delito de violação de sigilo funcional (2ª conduta); condenar MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), nascido em 04.11.1967, pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), nascida em 15.05.1958, pela prática, por três vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (5ª conduta), à pena de 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de três delitos de corrupção ativa (9ª conduta); condenar JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), nascido em 09.02.1963, pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 24.07.1981, pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar MAURO SERGIO ARANDA, nascido em 08.1.1969, pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), nascido em 03.10.1964, pela prática, por duas vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas), à pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), nascido em 01.06.1938, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), nascida em 24.06.1950, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), nascida em 29.08.1975, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se apurou a suposta existência de quadrilha (associação criminosa), em tese liderada pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializada em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros membros da quadrilha a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, VAGNER FABIANO MOREIRA, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, todos relacionados a escritórios de contabilidade, seriam, também, membros da agremiação criminosa e responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia a DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se apurou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. As condutas criminosas praticadas foram assim descritas, em síntese, na denúncia (fls. 03/38 – ID 170518764): CRIME DE QUADRILHA (art. 288 do CP, antes do advento da Lei n.° 12.850/2013). Narrou a exordial que, pelo menos desde o início de 2011 até o dia 16 de maio de 2013, VITOR, DENIS, VAGNER, MÁRCIO, CLEIDE, SIQUEIRA, DARCY, IZA e EDILAINE associaram-se, em quadrilha, com estabilidade e permanência, para o fim de cometer crimes contra a Administração Pública e de ‘lavagem’ de ativos financeiros (...) – fls. 04/05 – ID 170518764. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA (artigos 317 e 333 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP, por duas vezes): no dia 26.03.2013, às 21h43, por intermédio de mensagem SMS, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que suspendesse o processamento das DIRPFs de quatro contribuintes (“clientes”). Em razão disso, em 01.04.2013, às 12h04 e às 12h06, VITOR, cedendo a tal pedido, efetuou a suspensão da contagem dos prazos relativos às declarações (DIRPF-2012) de dois daqueles contribuintes (Luiz Cesar Nogueira e Andrea Bicudo Leite), ambas retidas em “malha fina”, não o fazendo no tocante aos demais contribuintes, porque estes não possuíam domicílio em São Paulo-SP. - 2ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS (contador), para si, diretamente, em razão de sua função, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luis Fernando, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. - 3ª Conduta - VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 10h48, por meio de trocas de mensagens via telefone celular, DENIS (contador) ofereceu o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a VITOR (auditor fiscal), para que este “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) da contribuinte Daiana. Em resposta, VITOR solicitou, como contrapartida, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), o que foi aceito por DENIS. - 4ª Conduta – VITOR e DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 23.04.2013, às 10h45, por meio de conversa telefônica, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) do contribuinte Chafik, retido em função de deduções com despesas médicas, tendo sido esse pedido prontamente atendido por VITOR. - 5ª Conduta - VITOR, DENIS E FÁBIO (prática de corrupção passiva com concurso de agentes – art. 317, caput, do CP): no dia 21.04.2013, às 14h53, DENIS e FÁBIO (contadores), previamente ajustados com unidade de desígnios e identidade de propósitos com VITOR (auditor fiscal), solicitaram, para eles e para VITOR, diretamente, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dos quais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) seriam destinados a VITOR, como contrapartida pela “liberação da malha fina” de duas declarações (DIRPF) relacionadas a pessoa conhecida como Hernan. - 6ª Conduta – VITOR E VAGNER (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 14h36, VAGNER (contador) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que a declaração (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador fosse “retirada da malha fina”, tendo sido a referida proposta aceita por VITOR. - 7ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula, o que foi feito no dia 17.04.2013, às 13h53, tendo sido a restituição da referida contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. - 8ª Conduta – VITOR E MÁRCIO (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput e 333, ambos do CP): no dia 25.04.2013, às 9h34, MÁRCIO (contador e advogado) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente no pagamento de valor a ser decidido pelo funcionário público, a fim de que este “liberasse da malha fina” as declarações (DIRPFs) dos contribuintes Emerson Favero e Lilian Martzioros, proposta esta que foi aceita por VITOR. Posteriormente, além de fornecer a MÁRCIO (contador) orientações sobre como elaborar as declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes, VITOR (auditor fiscal) informou que as declarações seriam retidas em “malha fina” e que cobraria R$ 10.000,00 (dez mil reais) para “liberar” a DIRPF de Emerson e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para “liberar” a DIRPF de Lilian. Durante a execução de mandado de busca e apreensão, as DIRPFs/2013 desses dois contribuintes foram apreendidas na residência de VITOR (auditor fiscal). - 9ª Conduta – VITOR E CLEIDE (prática de corrupção passiva qualificada e ativa – artigos 317, caput e §1º, e 333, ambos do CP): no dia 10.04.2023, às 13h45, CLEIDE (contadora), por intermédio de correio eletrônico, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagens indevidas consistentes em pagamentos de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e R$ 6.000,00 (seis mil reais), a fim de que ele “retirasse da malha fina” alguns clientes da contadora, dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide. No dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, VITOR (auditor fiscal) efetuou a “liberação da malha fina” das declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano, mesmo sem emissão de intimações aos contribuintes nem elaboração de dossiês eletrônicos e, no dia 12.06.2012, às 9h45, VITOR “liberou da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de Gerson Gomide. As declarações supracitadas apresentavam deduções elevadas a título de pagamentos de despesas médicas inidôneas ao Hospital Albert Einstein, expediente fraudulento que foi citado por CLEIDE (contadora) na mensagem eletrônica. - 10ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 22.03.2013, às 13h27, VITOR (auditor fiscal), por intermédio do sistema informatizado da Secretaria da Recita Federal, infringiu dever funcional ao alterar o conteúdo da declaração (DIRPF/2012) de Marina Andrade de Campos Maia, o que ocorreu porque VITOR cedeu ao pedido de Eduardo (funcionário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), que, em conversa interceptada no dia 22.03.2013, solicitou a VITOR (auditor fiscal) que efetuasse as alterações necessárias na DIRPF/2012 de Marina. A alteração consistiu na glosa de despesas médicas de R$ 4.251,50 (quatro mil, duzentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos), gerando liberação de restituição de imposto de renda em benefício de Marina. De acordo com a exordial acusatória, era prática comum VITOR elaborar ou modificar DIRPF a pedido de Eduardo, todas relacionadas com supostos funcionários públicos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 14 – ID 170518764). - 11ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva – art. 317, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 15h46, VITOR (auditor fiscal) solicitou a SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. CRIMES DE PECULATO ELETRÔNICO (art. 313-A do CP). - 1ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h07, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, mediante a afirmação (inverídica) de que EDSON teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2010). No dia 30.06.2010, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2010 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF, bem como “liberou-a da malha fina”, inserindo no sistema as informações mencionadas. Assim, em 01.03.2012, foi disponibilizada a EDSON restituição de imposto de renda no montante de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos). - 2ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h08, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, referentes à declaração (DIRPF/2011) desse contribuinte. No dia 12.05.2011, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2011 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF/2011, bem como “liberou-a da malha fina”, tendo sido disponibilizada a EDSON, em 01.03.2012, restituição de imposto de renda no montante de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos). - 3ª Conduta – VITOR E FÁBIO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 01.04.2013, às 12h18, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com FÁBIO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2010) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada, ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição de imposto de renda. Segundo consta, poucos dias depois, em 08.04.2013 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, sobre a referida liberação, demonstrando que ambos tinham conhecimento sobre ela. - 4ª Conduta VITOR E SIQUEIRA (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): nos dias 18.03.2013, às 15h11, e 19.03.2013, às 11h53, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com SIQUEIRA (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, a fim de “liberá-la da malha fina”, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Verificou-se, durante conversa interceptada no dia 26.03.2013, que SIQUEIRA (contador) perguntou a VITOR (auditor fiscal) sobre a situação da DIRPF de Marcelo, respondendo VITOR que já havia realizado a sua parte. - 5ª Conduta - VITOR E CLEIDE (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como em 12.06.2012, às 09h45, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com CLEIDE (contadora), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José, Olavo e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações. Após as declarações terem sido “liberadas da malha fina”, foram disponibilizadas, aos contribuintes, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.0800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Segundo consta, CLEIDE (contadora), por intermédio de e-mail enviado em 10.04.2013, prometeu pagamentos indevidos a VITOR para que este “retirasse” seus clientes da “malha fina” e aduziu que preencheria as DIRPFs 2013 da mesma forma que fez no ano passado, com exceção das declarações de Maria José, de Olavo e de Gerson Gomide (fls. 18/19 – ID 170518764), o que demonstra que VITOR e CLEIDE agiam em conjunto ao menos desde 2012. - 6ª Conduta – VITOR E MAURO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 26.04.2013, às 13h44, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com MAURO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à DIRPF/2012 de Henry Luis Fornitano, mediante a afirmação (inverídica) de que este teria comprovado as deduções constantes de suas declarações. Segundo consta, a referida DIRPF havia sido retida em “malha fina” em 10.04.2013 e, em 17.04.2013, MAURO relatou que havia pendência com lançamento referente ao Bradesco Saúde, oportunidade em que VITOR declarou que iria “resolver o problema”. Como resultado, a conduta criminosa gerou, em favor do contribuinte, a restituição de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). CRIMES DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art. 325 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 19.03.2013, às 11h18, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à suspensão do Cadastro de Pessoa Física (CPF) de Álvaro Affonso de Miranda Netto (“Doda”) em razão de não ter sido entregue a declaração (DIRPF/2012), fato de que teve ciência em razão de sua função. Durante conversa telefônica entre VITOR e VAGNER, o contador (VAGNER) pediu ao auditor fiscal (VITOR) que pesquisasse no sistema da Delegacia da Receita Federal o motivo pelo qual o CPF de “Doda” encontrava-se suspenso. - 2ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 22.03.2013, às 14h01, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informações sigilosas relacionadas ao sistema de “malha fina” das quais teve ciência em razão de sua função. Em diálogo interceptado, o contador (VAGNER) indagou ao auditor fiscal (VITOR) se rendimentos com aluguéis e royalties poderiam ser lançados na declaração de imposto de renda de pessoa jurídica como sendo “Livro Caixa”, ao que VITOR respondeu que não, porque o sistema da DRFB não aceitava ‘Livro Caixa’ para essa situação, somente sendo permitido no caso de DIRPF (fl. 20 – ID 170518764). - 3ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 25.03.2013, às 13h39, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à declaração (DIRPF) de Daniela Bonfá, ex-esposa de VAGNER, da qual teve ciência em razão de sua função. Por meio de mensagem SMS, VAGNER perguntou a VITOR se este poderia acessar a DIRPF de sua ex-esposa e, no mesmo dia, VITOR revelou que a referida DIRPF ainda estava sendo processada no sistema. - 4 ª Conduta – VITOR E ANTONIO (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 03.04.2013, às 15h30, e em 09.04.2013, às 11h55, VITOR (auditor fiscal) revelou a ANTONIO ANGELO FARAGONE informações sigilosas acerca da sociedade empresária KOMPAC SERVIÇOS ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO LTDA, estas relacionadas ao cadastro, identidade dos sócios, patrimônio dos sócios e declarações de imposto de renda, das quais teve ciência em razão de sua função. - 5ª Conduta – VITOR E MARCOS (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 09h44, 09h46, 09h47 e 09h50, VITOR (auditor fiscal) revelou a MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA informações sigilosas relacionadas a bens imóveis de propriedade do pai, irmão e mãe de MARCOS (Wilma Menin de Avila), bem como da sociedade empresária WILMA MENIN DE AVILA ME, das quais teve ciência em razão de sua função. CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS (art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998, com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012). Narrou a denúncia que, entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013, VITOR, EDILAINE (ex-esposa), DARCY (sogro) e IZA (sogra), agindo com unidade de desígnios e identidade de propósitos, por, pelo menos, 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. Segundo a exordial: VITOR se utilizava dessas pessoas, com o conhecimento delas, para o desiderato de ocultar e dissimular o proveito criminoso das infrações penais funcionais por ele perpetradas (...). Apurou-se, de ato, que VITOR registrava parte de seus bens em nome de seu núcleo familiar. Ocorre que essas pessoas não tinham como comprovar renda suficiente que confirmasse a possibilidade de suportar os bens registrados em seus nomes, razão pela qual VITOR, valendo-se do cargo de Auditor–fiscal lotado no setor de ‘malha fina’ da DRFB, elaborava declarações de imposto de renda fictícias, criando rendas inexistentes, capazes, então, de comprovar o patrimônio declarado. (...) em 2006, VITOR e EDILAINE possuíam um total de recursos disponíveis de R$ 71.253,69 (setenta e um mil, duzentos e cinquenta e três reais e sessenta e nove centavos), sendo que, em 2011, totalizavam o valor de R$ 133.219,35 (cento e trinta e três mil, duzentos e dezenove reais e trinta e cinco centavos). EDILAINE, na DIRPF 2012, a título de ‘indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho; FGTS’, declarou, como rendimento isento, o valor de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais), mesmo afirmando que não trabalhava (...). Não obstante, registre-se que EDILAINE não exercia qualquer atividade remunerada que pudesse justificar todo patrimônio que estava declarado em seu nome (...). Ainda sob esse contexto, observe-se a variação patrimonial dos sogros de VITOR, que declararam recursos disponíveis negativos em 2006 e, no ano de 2011, um saldo positivo de R$ 52.847,76 (cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta e sete reais e setenta e seis centavos) (...). DARCY e IZA declararam R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) como rendimentos recebidos de pessoa física, entre os anos de 2006 e 2011, sem, contudo, demonstrarem a origem dos valores, restando apurado que, em verdade, esses recursos são oriundos dos delitos funcionais levados a efeito por VITOR (...). Em 20/03/2013, às 11:19 (horário inicial), VITOR dialogou com DARCY acerca da abertura de uma conta bancária, indicando que ele era peça fundamental para o cometimento do delito de ‘branqueamento’ de ativos financeiros perpetrado pelo núcleo familiar de VITOR e por outros integrantes da quadrilha (...). Deveras, nova conversa telefônica travada entre VITOR e DARCY no dia 21/03/2013, às 18:52 horas (horário inicial), demonstra claramente que DARCY e IZA possuíam contas bancárias que serviam para a ocultação e a dissimulação dos proveitos dos delitos cometidos pela quadrilha (...). Outro elemento de convicção constante dos autos emerge do diálogo entre VITOR e DARCY, ocorrido na data de 04/04/2013, às 17:07 horas (horário inicial). Nele, os interlocutores conversaram sobre cartões oriundos do Banco Itaú. Ressalte-se que DARCY asseverou a VITOR que chegaram as cartas do ‘nosso’ banco (...). Ainda, tratando das contas bancárias utilizadas pela quadrilha, em 05/04/2013, às 15:55 horas (horário inicial), VITOR conversou com FABIANA, gerente do Banco Itaú Personnalité, no qual VITOR possui uma conta. Na conversa, a gerente ressaltou o volume expressivo de recursos na conta bancária de VITOR, incompatíveis com a sua atividade profissional. Na mesma oportunidade, ela ofereceu um investimento ao denunciado para volume acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). O ponto mais importante da conversa é o momento em que VITOR afirma que opera as contas de seus sogros, mesmo sem possuir procuração para tanto (...), o que, mais uma vez, denota a importância do núcleo familiar para o cometimento do delito de ‘lavagem’ de dinheiro. Ainda nessa mesma linha, observe-se o caso do ‘serviço’ prestado em favor de JESUALDO GUEDES PEREIRA FILHO. Em troca da elaboração da DIRPF do particular, com informações inverídicas, VITOR recebeu R$ 2.000,00 (dois mil reais), os quais foram depositados, a pedido de VITOR, na conta n.° 045113-4 (...), pertencente a DARCY (...). Ademais, o ‘e-mail’ enviado por VITOR a MAICEL ANESIO TITTO, outra pessoa que se beneficiava das ilegalidades praticadas pela associação criminosa, no dia 08/04/2013, às 19:06 horas, é mais um demonstrativo de que VITOR se utilizava das contas bancárias de DARCY e de IZA, ambas mantidas no Banco Itaú, (...), sempre com a anuência destes, visando o recebimento de valores provenientes de suas atividades criminosas (...). (...) foi elaborada pela Delegacia da Receita Federal uma relação dos cheques emitidos em favor do núcleo familiar de VITOR e dos contribuintes que tiveram suas declarações de imposto de renda acessadas pelo Auditor-Fiscal (...). Veja-se que foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco do Brasil, o total de 126 (cento e vinte e seis cheques) (...). Por sua vez, foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco Itaú, o montante de 140 (cento e quarenta) cheques (...). A somatória dos valores dos cheques supramencionados ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo que, em relação a todos esses contribuintes, VITOR acessou suas DIRPF no sistema da SRFB para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Além dos cheques supracitados, também foram apreendidos na residência de VITOR outros cheques de clientes da quadrilha, cuja soma alcança a cifra de R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais) (...). Ademais, na execução de mandado de busca e apreensão na residência de EDILAINE, foi apreendida também grande quantidade de cheques emitidos para o pagamento pelos ‘serviços’ da associação criminosa. A soma dos valores lançados nos títulos de crédito aponta para o importe de R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais). Dentre os cheques apreendidos na ocasião, encontram-se (i) cheques nominais ao investigado DENIS, totalizando o valor de R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais); (ii) cheques de contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP (‘internet protocol’) de VITOR (...), cuja soma é de R$ 13.900,00 (treze mil e novecentos reais); e (iii) cheques de contribuintes mencionados pelos denunciados durante as interceptações telefônicas (...), perfazendo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Todos os cheques foram emitidos à guisa de pagamento pelos crimes cometidos pela quadrilha, em benefício dos contribuintes, sendo os depósitos efetuados nas contas de DARCY, IZA e EDILAINE para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Reforça essa assertiva o fato de que, após a deflagração da ‘Operação Publicano’, os contribuintes Rebeca Maria Filgueiras Moura Sampaio, Luiz Antonio Moura Sampaio e Alberto de Souza Cotrim Filho enviaram à SRFB declarações retificadoras de imposto de renda com um aumento significativo do valor de imposto devido. Por fim, VITOR também se utilizava da aquisição de imóveis no nome de pessoas de seu núcleo familiar para ocultar e dissimular a origem dos valores provenientes dos delitos praticados pela quadrilha. Nesse sentido, em 23/03/2013, às 12:01 horas (horário inicial), VITOR afirmou ao corretor de imóveis LUIS que adquiriu um terreno na Alameda Piava, construindo ali um imóvel, apesar de esse bem estar declarado nas DIRPFs de DARCY e IZA (...). Na conversa, VITOR afirmou que pagou R$650/m2, o que faria com que o valor total da transação fosse de aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Contudo, no registro do referido imóvel, aparece que ele foi adquirido por DARCY e IZA mediante o pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou seja, em torno de R$ 240/m2 (...). Portanto, além de VITOR ter registrado o bem no nome de seus sogros, também declarou um valor muito inferior do que o realmente pago, utilizando-se de valores provenientes dos crimes perpetrados pela quadrilha (...) - (fls. 23/35 – ID 170518764). Assim, o Ministério Público Federal denunciou: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes), corrupção passiva (por 5 –cinco – vezes, referentes às 3ª, 5ª, 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 5 – cinco – vezes, referentes às 2ª, 9ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quatro – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas) e violação de sigilo funcional (por 5 – cinco – vezes); 2. DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta), corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 3ª conduta) e corrupção privilegiada (por 3 – três – vezes, referentes às 1ª e 4ª condutas); 3. VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 3 – três – vezes); 4. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). 5. CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 3 – três – vezes, referentes à 9ª conduta) e peculato eletrônico (por 3 – três – vezes); 6. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 7. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 8. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 9. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 10. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez) e corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta); 11. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 12. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes); 13. ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma – vez); 14. MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma - vez). Tipificação: art. 288, caput (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013), art. 317, caput e §§ 1 º e 2º, art. 333, art. 313-A, art. 325, caput, todos do Código Penal e art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998 (com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012), c.c. art. 71, caput, do Código Penal. A denúncia foi recebida em 07.01.2014 (fls. 45/52 – ID 170518764). Em 29.08.2014, após a redistribuição do feito nos termos do Provimento CJF3R n.° 417/2014, anulou-se o recebimento da denúncia tão-somente em relação ao acusado VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a fim de que lhe fosse dada a oportunidade de oferecer defesa preliminar, na forma do art. 514 do Código de Processo Penal (fls. 184/186 - ID 170518762). Depois de sopesados os argumentos apresentados, a denúncia foi recebida, em face de VITOR, em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612). Em relação ao corréu ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), os autos foram desmembrados (distribuídos sob n.° 0002347-09.2016.403.6181) e, em 12.09.2016, reconheceu-se a prescrição da pretensão punitiva, tendo sido declarada extinta a punibilidade deste corréu (fl. 54 – ID 170518611). Em relação ao corréu MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, os autos foram desmembrados em 19.01.2017 (distribuídos sob o n.° 0000445-84.2017.6681), em razão da concessão de Habeas Corpus em seu favor. Em relação ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, transitou em julgado, em 14.12.2016, decisão proferida pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no bojo do RHC n.° 75520 - Habeas Corpus n.° 0001857-03.2016.4.03.0000, que reconheceu, para ele, a inépcia da denúncia no tocante ao delito de formação de quadrilha (associação criminosa). O Ministério Público Federal requereu, então, a extensão dos efeitos dessa decisão aos corréus, o que foi deferido pelo r. juízo a quo no bojo da r. sentença, tendo sido a imputação da prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal excluída em relação a todos os réus (fl. 83 – ID 170518759). A r. sentença (fls. 58/184 – ID 170518759) julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, determinando: i) para o crime de quadrilha: a rejeição, por inépcia, da denúncia e a correspondente exclusão da imputação da prática desse delito em relação a todos os réus; ii) para os crimes de corrupção ativa e passiva: a condenação dos acusados pela prática das 1ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 2ª, 4ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 6ª, 7ª, 8ª, 10ª e 11ª condutas e a absolvição dos acusados em relação às 3ª, 5ª e 9ª condutas; iii) para os crimes de peculato eletrônico: a condenação dos acusados pela prática das 6 (seis) condutas descritas; iv) para os crimes de violação de sigilo funcional: a condenação dos acusados pela prática das 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas e a absolvição destes em relação à 2ª conduta; v) para os crimes de lavagem: a condenação de todos os acusados. Foi determinada, como efeito extrapenal da condenação, a perda do cargo de auditor-fiscal em que estava regularmente investido VITOR AURÉLIO SZWARTUCH. Foi decretada a perda, em favor da União, dos seguintes bens: i) imóvel registrado em nome dos corréus DARCY e IZA; ii) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR, EDILAINE, IZA e DARCY; iii) valores bloqueados em contas de titularidade dos acusados; iv) valores bloqueados relativos a planos de previdência em nome dos acusados. Foi fixada, como valor mínimo para a reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais). Foram condenados: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes, em continuidade delitiva), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, em continuidade delitiva, tendo havido absolvição em relação a uma das imputações), corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas, tendo havido absolvição em relação às 3ª e 5ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas, tendo havido absolvição em relação à 9ª conduta) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas). Para os crimes de corrupção passiva, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva qualificada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva privilegiada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de peculato eletrônico, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 2/3 (dois terços) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 4 (quarto) anos e 2 (dois) meses de reclusão de 22 (vinte e dois) dias-multa. Para os crimes de violação de sigilo funcional, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/4 (um quarto) pela continuidade delitiva (vide fl. 240 – ID 170518759), ficando a pena definitiva fixada em 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção. Para o crime de lavagem de dinheiro, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A soma dessas penas resultou em 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa. Houve, ainda, a determinação de perda do cargo de Auditor Fiscal. 2. VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática dos delitos de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva, referentes à 1ª e 3ª condutas). Para os crimes de violação de sigilo funcional, foi reconhecida a extinção da punibilidade do acusado em razão do decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da r. sentença condenatória. Para o crime de corrupção ativa, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 3. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática do delito de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 4. CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 3 –três – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/5 (um quinto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 5. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 6. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 7. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 8. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/6 (um sexto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 9. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 10. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 11. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos. Em suas razões de Apelação (fls. 207/256 - ID170518682), a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682) e tendo-se em vista que houve “decisões diferentes em condutas envolvendo mesmos réus” (fl. 226 - ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) “o juiz não está autorizado a condenar o réu naqueles processos em que o Ministério Público se manifestou pela sua absolvição” (fl. 232 - ID 170518682), razão pela qual o acusado deve ser absolvido das acusações relacionadas aos crimes de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, tendo-se em vista o posicionamento ministerial pela absolvição em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do CPP pela Constituição Federal; iv) em relação à 1ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois a suspensão provisória do prazo é procedimento normal realizado por auditores fiscais, sendo o encerramento realizado de maneira automática quando não há a apresentação de documentos comprobatórios de despesas, não se havendo de falar, portando, violação de dever funcional; v) em relação à 2ª conduta (corrupção passiva qualificada), não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento; vi) em relação à 4ª conduta (corrupção passiva privilegiada), as transcrições não comprovam qualquer ilicitude relacionada à liberação do contribuinte Chafik Kanhouce da “malha fina”, a qual se deu “por trâmite normal” (fl. 237 – ID 170518682); vii) em relação à 6ª conduta (corrupção passiva), há atipicidade, pois o que ocorreu foi mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Afirma que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682); viii) em relação à 10ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois o réu “agiu de acordo com o que exige a sua função” (fl. 239 – ID 170518682); ix) em relação aos delitos de peculato eletrônico, o próprio órgão acusador posicionou-se pela absolvição de todos os réus. Aduz que todas as condutas são atípicas, já que não existiu inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682); x) em relação aos delitos de violação de sigilo funcional, as 1ª e 3ª condutas são atípicas, pois as informações reveladas pelo apelante não possuíam “nenhuma relevância ou importância, não tendo o condão de serem classificadas como ‘segredo’” (fl. 246 – ID 170518682) e, quanto às 4ª e 5ª condutas, estas “não se referem a sigilo funcional, mas sim a segredo profissional revestido de outro caráter, que é a inviolabilidade da intimidade daquele que tem o segredo revelado” (fls. 246/247 – ID 170518682), de modo que deveria haver a “reclassificação (...) para o previsto no artigo 154 do Código Penal” (fl. 247– ID 170518682), com a consequente extinção da punibilidade do acusado, nos termos do art. 109, V, do CP; xi) quanto ao delito de lavagem de dinheiro, afirma que o que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro; xii), quanto à dosimetria, deve ser afastado o concurso material dos crimes de corrupção, devendo ser aplicada a fração de aumento prevista no art. 71 do Código Penal; xiii) em relação aos delitos de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, deveria ter sido aplicada pena privativa de liberdade ou multa, mas não ambas cumulativamente. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “foram desconsideradas as questões subjetivas de cada agente e de sua participação no delito” (fl. 277 – ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), uma vez que “a apelante não tinha conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682); iv) requer, subsidiariamente, a incidência da causa de diminuição prevista no art. 29, §1º, do CP (participação de menor importância), a fim de que a pena seja reduzida em 1/3 (um terço); v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a majoração da pena em 1/4 (um quarto); vi) deve haver, diante da revisão da pena, a extinção da punibilidade pela prescrição; vii) deve haver, como consequência da extinção da punibilidade, o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome dos apelantes” (fl. 204 – Id 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alega, em síntese: i) que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, foram opostos embargos de declaração pleiteando-se o levantamento imediato do excesso dos valores constritos e que, no entanto, ao apreciar os referidos embargos declaratórios, o r. juízo a quo acabou determinando, em favor da União, a perda da totalidade do valor bloqueado, equivalente a R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos), bem como aduz ter havido reformatio in pejus, pois a r. sentença havia determinado, tão–somente, o pagamento de dez salários mínimos a título de prestação pecuniária; ii) violação ao princípio da congruência, uma vez que a denúncia não imputou a VAGNER a prática de quaisquer dos crimes de violação de sigilo funcional e, no entanto, este acusado foi condenado pela prática de dois desses delitos; iii) ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607); iv) atipicidade da sexta conduta de corrupção narrada na denúncia; v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa dos vetores “culpabilidade”, “motivos” e “consequências do crime”. Em suas razões de Apelação (fls. 57/61 - ID 170518682), a defesa de MAURO SERGIO ARANDA alega, em síntese, que não há provas suficientes do envolvimento do apelante com os fatos criminosos, razão pela qual este deve ser absolvido. Em suas razões de Apelação (fls. 87/93 - ID 170518607), a defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. Em suas razões de Apelação (fls. 52/55 - ID 170518682), a defesa de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 62/65 - ID 170518682), a defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 07/17 - ID 170518607), a defesa de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA alega, em síntese, que o acusado deve ser absolvido, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607); ii) que não há prova de que a apelante teria concorrido para a prática dos delitos de peculato eletrônico; iii) que o aumento de 1/2 (metade) pela continuidade delitiva se mostrou exacerbado e que deveria ter sido aplicada a fração de aumento mínima de 1/6 (um sexto). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contrarrazões às fls. 21/25 - ID 170518607, fls. 181/196 - ID 170518607, fls. 197/203 - ID 170518607, fls. 204/208 - ID 170518607, fls. 22/45 - ID 170518605, fls. 46/53 - ID 170518605, fls. 54/61- ID 170518605, fls. 62/66 - ID 170518605, fls. 67/71 - ID 170518605 e fls. 72/76 - ID 170518605. Oficiando nesta instância (fls. 87/111 - ID 170518605), o órgão ministerial opinou pela declaração de extinção da punibilidade de Darcy de Oliveira Lopes, pelo transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva estatal, restando prejudicado seu recurso de apelação; pelo provimento parcial do recurso de apelação de Cleide Maria Ribeiro, apenas para o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71, CP); e pelo desprovimento dos recursos de apelação dos demais apelantes (fl. 111 - ID 170518605). Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: ESCLARECIMENTOS INICIAIS SOBRE O RELATÓRIO. O despacho proferido pelo Exmo. Revisor em 26.05.2025 confirmou o Relatório com ressalvas, nos seguintes termos (ID 325722803): Confirmo o relatório, ressalvando que: i) em vez de absolvição, houve a declaração de extinção da punibilidade de VAGNER FABIANO MOREIRA quanto às imputações de violação de sigilo funcional, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal (ID 170518759, p. 178); ii) o recebimento de denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH se deu em 16.6.2015 (ID 170518612, p. 201). Peço dia para julgamento. Em relação à primeira ressalva apontada, é pertinente esclarecer que o corréu VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) foi denunciado pela suposta prática de 3 (três) delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 2ª e 3ª condutas descritas na denúncia) e que, conforme constou do Relatório (vide item “6”), foi absolvido, por ausência de crime, em relação a uma dessas imputações de violação de sigilo funcional (2ª conduta) – vide fl. 126 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759 – e fl. 240 da decisão que apreciou Embargos de Declaração – ID 170518759). Já em relação às outras duas imputações de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), VAGNER FABIANO MOREIRA foi, incialmente, condenado (vide fls. 123/125 e 126/127 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759). Posteriormente, contudo, no corpo da própria sentença (vide fls. 152/153 e 178 da r. sentença - ID 170518759), o r. juízo a quo entendeu por bem reconhecer o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade em relação às três condutas de violação de sigilo funcional, sem se atentar, contudo, à absolvição da 2ª conduta. A página 178 da r. sentença contém, portanto, erro material que, posteriormente, foi corrigido em sede de Embargos de Declaração (fl. 240 – ID 170518759). Ademais, retifico o terceiro parágrafo (item 2) do Relatório. Onde se lê: “pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, leia-se: “pela prática de oito delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, tendo-se em vista que a 5ª conduta refere-se à imputação de três delitos de peculato eletrônico. CONTEXTUALIZAÇÃO. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se investigou, por meio de inquérito policial instaurado em 25.02.2013, a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH requereu o reconhecimento da nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Aduziu, também, que deve ser reconhecida a nulidade da r. sentença por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente). A esse respeito, cabe esclarecer que não se há de falar em nulidade por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. In casu, a única circunstância de ordem subjetiva avaliada como desfavorável em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi a “culpabilidade”, não se havendo de falar, portanto, a despeito do que se alegou, em nulidade por ausência de manifestação expressa, no bojo da r. sentença, acerca dos vetores “antecedentes”, “conduta social” e “personalidade do agente”. Observa-se que, para os crimes em tese praticados por VITOR (corrupção, peculato eletrônico, violação de sigilo funcional e lavagem), considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” por tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fl. 145 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fl. 145 – ID 170518759). O incremento das penas-base foi, portanto, adequadamente motivado, não se havendo de falar em nulidade. Note-se que a valoração negativa do vetor culpabilidade para outros corréus fundamentou-se em razões distintas, relacionadas às características do exercício da profissão de contador, p. ex., de maneira que, em relação a esta circunstância de ordem subjetiva, não prospera a alegação de que “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Por fim, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), constou da fundamentação da dosimetria referente ao corréu VITOR, que: i) os motivos dos crimes teriam sido, “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146 – ID 170518682) e que ii) as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Muito embora, na dosimetria de outros corréus, tenham sido feitas alusões semelhantes para fundamentar-se a valoração negativa desses mesmos vetores, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, até porque se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Ante o exposto, não se vislumbram, no corpo da r. sentença, quaisquer vícios processuais que comprometam a sua validade. Eventual manutenção (ou reforma) da decisão de valorar negativamente tais circunstâncias judiciais será analisada oportunamente, no tópico referente à dosimetria da pena. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS COMO MEIO DE PROVA. O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. De seu turno, o inciso XII do mesmo artigo traz uma ressalva a esse direito, ao dispor sobre a possibilidade de, mediante autorização judicial, haver interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas, desde que para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A expressão "último caso", prevista no inciso XII do referido artigo 5º, refere-se tanto às comunicações telefônicas quanto às telegráficas e de dados, porquanto o legislador constitucional empregou a conjunção "e", tendo optado por distinguir entre o sigilo da correspondência e o sigilo das outras modalidades de comunicação: telegráfica, de dados e telefônica. A Lei n.° 9.296, de 24.07.1996, regulamenta, em doze artigos, os requisitos de aplicabilidade e de autorização, bem como o tempo de duração da interceptação telefônica e/ou telemática, além de tipificar como crime o uso desse meio de prova fora dos parâmetros legais. O prazo regular para a interceptação telefônica é de 15 (quinze) dias, contados a partir da efetivação da medida constritiva, isto é, contados a partir de sua efetiva implementação. Passado esse tempo, é possível a prorrogação, sem limite de vezes, mas sempre mediante autorização judicial e comprovação de que a escuta é indispensável como meio de prova. Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência pátria: EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado. (STF, Primeira Turma, HC n.° 106129 MS, Rel. Min. Dias Toffoli, Julg. em 06.03.2012, DJe-061 Divulg. em 23.03.2012 e Public. em 26.03.2012) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO. PRORROGAÇÃO POR MAIS DE 30 DIAS. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, não ocorrente no presente caso. 2. Segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, desde que devidamente fundamentadas. 3. O Juízo de primeiro grau autorizou o monitoramento das ligações telefônicas por entender que os elementos, já colhidos, demonstravam indícios gravosos de prática criminosa e apontavam para a imprescindibilidade do deferimento da medida excepcional. Posteriormente, prorrogou o prazo das interceptações telefônicas, por concluir que os indícios apurados demonstravam que se tratava de tráfico internacional de cocaína, sendo impossível a utilização de outros meios de prova diante da organização e sofisticação dos criminosos. 4. Habeas corpus não conhecido. (STJ, Sexta Turma, HC n.° 300.768/GO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 16.10.2014, DJe de 06.11.2014) A propósito, a questão ficou pacificada no julgamento de Recurso Extraordinário n.º 625263, tendo sido fixada a seguinte tese (Tema 661): “São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”. Confira-se: CONSTITUCIONAL E PENAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AFASTAMENTO DO SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS QUE SOMENTE PODERÁ SER DECRETADO, DE FORMA EXCEPCIONAL, POR ORDEM JUDICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PELO JUIZ COMPETENTE PARA A AÇÃO PRINCIPAL, QUANDO O FATO INVESTIGADO CONSTITUIR INFRAÇÃO PENAL PUNIDA COM RECLUSÃO E DESDE QUE PRESENTE A INDISPENSABILIDADE DESSE MEIO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÕES SUCESSIVAS DESDE QUE DEMONSTRADA A SUA NECESSIDADE DIANTE DE ELEMENTOS CONCRETOS E A COMPLEXIDADE DA INVESTIGAÇÃO, RESPEITADO O LIMITE DE 15 (QUINZE) DIAS ENTRE CADA UMA DELAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. A interceptação telefônica, prevista no art. 5º, XII, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 9.296/96, dependerá de ordem judicial (cláusula de reserva jurisdicional) e deverá ser expedida pelo juiz competente para a ação principal, em decisão devidamente fundamentada que demonstre a sua conveniência e a indispensabilidade desse meio de prova (HC 94.028/AM, Rel. Min. CÁMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 29/05/2009; Inq 2.424/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe de 26/03/2010; HC 103.418/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 14/11/2011; HC 96.056/PE Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 08/05/2012). 2. O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão e presente a imprescindibilidade desse meio de prova, pois a citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, não podendo, em regra, ser a primeira providência investigatória realizada pela autoridade policial. 3. Possibilidade de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica, desde que demonstrada a necessidade de renovar a medida e respeitado o limite de 15 (quinze) dias entre cada uma delas, sem que exista violação ao art. 5º, da Lei n. 9.296/96. Precedentes da CORTE: RHC 120.111/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 31/03/2014; HC 145.569-AgR/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 28/09/2017; HC 137.820/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Redator para o acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 12/06/2018; HC 130.596-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 30/08/2018; HC 128.755-AgR/PA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 18/02/2020; RHC 192.427-AgR/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 30/11/2020; HC 201.609-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 17/06/2021; ARE 1.320.336-AgR/GO, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 29/09/2021; HC 204.378-AgR/MT, Rel. Min. NUNES MARQUES, DJe de 3/2/2022. 4. No caso concreto, diante da demonstração, mínima e razoável, de que a medida era imprescindível para elucidação dos fatos, especialmente se levada em conta as ações criminosas investigadas, não há como declarar a nulidade das decisões que, embora sucintas, estão de acordo com o dever de fundamentação exigido pelo art. 93, IX, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese para o Tema 661: "São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto. (STF, Tribunal Pleno, RE n.° 625263, Rel. Gilmar Mendes, Rel. p/ acórdão Alexandre de Moraes, Julgado em 17.03.2022, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-109, Divulg. em 03.06.2022, Public. em 06.06.2022) Destaque-se que a interceptação telefônica não se confunde com a quebra de sigilo telefônico, uma vez que, no primeiro caso, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, enquanto, no segundo (quebra do sigilo), a única informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas. Além disso, interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina são medidas distintas. Na interceptação telefônica, nenhum dos dois interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada por um terceiro. Na escuta, um dos dois interlocutores sabe que eles estão sendo gravados por um terceiro. Na gravação, um dos interlocutores é quem grava a conversa. Tanto a interceptação telefônica quanto a escuta precisam, necessariamente, de autorização judicial para que sejam consideradas provas lícitas, o que não se dá em relação à gravação, a qual pode ser feita sem autorização do juiz. Tratando-se a interceptação telefônica de captação de conversa sem que haja o conhecimento dos interlocutores, esse procedimento revela-se um importantíssimo meio de prova em investigação criminal. Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve atuar com rapidez e efetividade, conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1º, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 6º da Constituição Federal) e adotando ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa. Contudo, a fim de impedir intromissão desmedida na esfera privada, a autorização de interceptação deve ser balizada pelos princípios da intimidade e da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, do nemo tenetur se detegere - princípio da não autoincriminação, da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e da instrumentalidade constitucional do processo penal. Nesse contexto, a Lei regulamentadora elencou as hipóteses de não cabimento da interceptação telefônica, quais sejam: i) quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; ii) quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; iii) quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção (inteligência dos incisos I, II e III do art. 2º da Lei n.° 9.296/1996), ressalvando-se, nesse último caso, a possibilidade de se autorizar a interceptação telefônica para apurar crime punível com detenção, desde que conexo com outros delitos puníveis com reclusão. As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T.E.I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 1º, “l”, e artigo 11, que prevê a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa acerca da entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina sobre a entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como para permitir a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A., artigo 5º), ou mesmo com a legislação nacional (Lei n.º 9.613, de 03.03.1998, alterada pelas Leis n.ºs 10.701/2003, 12.683/2012, 13.964/2019 e 14.478/2022 e pela Lei Complementar n.º 167/2019). O parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996, estabelece que o disposto nesta Lei se aplica à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que a Lei pode ser empregada para a interceptação de e-mails, de conversas estabelecidas pela internet e por intermédio de programas de computador. Estão inseridas as comunicações por fac símile, messenger, e-mail, whatsapp etc, já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros). A evolução tecnológica determinou o tratamento jurídico conjunto dessas duas modalidades, na medida em que a comunicação de dados acaba se valendo da estrutura destinada à comunicação telefônica, sem contar que o legislador constituinte não diferenciou a interceptação das comunicações telefônicas das telemáticas, donde se conclui que a Lei n.º 9.296/1996 deve ser adotada para ambos os tipos de comunicação. Luiz Flávio Gomes, em parceria com Silvio Maciel, definiu: comunicações telefônicas 'de qualquer natureza', destarte, significa qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, com uso ou não da informática (in Interceptação Telefônica - Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996, 2ª ed. 2013, p. 47, ed. Revista dos Tribunais). Ademais, não se pode esquecer que o procedimento de interceptação telefônica e/ou telemática possui natureza cautelar, cujo propósito é o de coletar elementos para a propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) e/ou para a instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que se cogita da prática de infração punida com pena de reclusão. Assim, sendo certo que a Constituição Federal determina, no inciso IX do artigo 93, a fundamentação das decisões judiciais (todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação), a demonstração do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" deverá ficar evidenciada na fundamentação de decisium que, eventualmente, deferir a interceptação telefônica e/ou telemática, já que a importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados de que o homem pode usufruir, principalmente em vista dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana (STJ, HC 248.263/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, v.u., DJe 02.10.2012). Porém, não se exige que a decisão seja demasiadamente pormenorizada, com motivação exaustiva e minudente, porquanto se cuida de procedimento cautelar em que o juiz realiza juízo sumário, analisando os fatos a ele apresentados na representação policial. A fundamentação da decisão que defere interceptação telefônica/telemática deverá demonstrar, tão-somente, a imprescindibilidade do meio de prova pretendido pela autoridade policial e a presença de indícios concretos de autoria e materialidade delitivas, ou seja, de que a pessoa possa estar cometendo crime punível com pena de reclusão, mas não realizar juízo de certeza sobre a culpa do investigado. Em suma, a decisão que defere medida de interceptação de telecomunicações deve conter elementos suficientes para revelar a pertinência do pedido, as razões empregadas na motivação judicial e o suporte legal da medida, de modo a ser possível eventual impugnação pelas partes. É o que basta. Importante destacar, ainda, que não há óbice a que a decisão que defira a interceptação ou que, simplesmente, renove a autorização de interceptação, faça menção, em sua fundamentação, ao pedido inicialmente realizado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, o qual, nesse caso, passará a integrar o decisium (fundamentação "per relationem"), uma vez que propiciará às partes conhecer os fundamentos encampados por aquela decisão judicial. Trata-se de prática já reconhecida como válida pelos Tribunais Superiores (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.º 2007.03.00.103554-3/SP, Rel. Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, v.u., DJU de 29.04.2008, p. 380). Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: é assente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há que se cogitar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o juiz, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à sentença anteriormente prolatada, ou mesmo ao parecer do Ministério Público, na denominada fundamentação 'per relationem' (STJ, Sexta Turma, AgRg no AgRg no AREsp n.º 17.227/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, v.u., DJe de 08.02.2012). No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao permitir a renovação de autorização de interceptação telefônica a despeito de não terem sido inseridos novos motivos: este Tribunal firmou o entendimento de que 'as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). O Plenário desta Corte já decidiu que é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996 (STF, Habeas Corpus, n.° 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim). A fim de assegurar-se a lisura de todo o procedimento de interceptação, seu conteúdo integral deverá, oportunamente, ser disponibilizado à defesa (cf. Inquérito n.º 2.424, Relator Min. Cesar Peluso, Tribunal Pleno, STF, DJe de 26.03.2010), sendo desnecessária, contudo, a degravação integral dos diálogos interceptados, mormente daqueles que em nada se referem aos fatos, porquanto a Lei n.° 9.296/1996 não faz nenhuma exigência nesse sentido (STJ, 6ª Turma, HC n.° 278.794, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 07.10.2014). Caso haja alegação de que a transcrição contém alguma imprecisão, deverá a defesa indicar a desconformidade, a fim de que possa ser saneada eventual inconsistência. Neste caso, em havendo solicitação de realização de perícia, tal pedido deverá ser analisado pelo juiz. Cabe mencionar, por último, que, no que diz respeito a pedidos de perícia para identificação de vozes, isto é, para se aferir se as vozes captadas pertencem, de fato, aos acusados, a jurisprudência é uníssona ao se posicionar pela prescindibilidade dessa diligência, já que a Lei n.º 9.296/1996 não prevê a necessidade de submissão dos diálogos gravados à análise técnica fonográfica: AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’ SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE O RELATOR DECIDIR MONOCRATICAMENTE. PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO MANTIDA PELO TRIBUNAL REVISOR E CERTIFICADO O TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE PROCESSUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PERÍCIA DE VOZ. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. ‘Esta Corte Superior entende que é despicienda a perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, por ausência de previsão legal na Lei n. 9.296/96 e quando puder ser aferida por outros meios de provas, sendo incabível o revolvimento do acervo probatório para fins de identificação do interlocutor ante a Súmula n. 7/STJ’ (HC 541.328/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020) (...). (STJ, Quinta Turma, AgRg no Habeas Corpus n.° 649.489/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Julgado em 03.08.2021, DJe de 10.08.2021) – destaque nosso. RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 9.º DA LEI N.º 9.296/1996 E AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR. TÓPICOS NÃO EXAMINADOS PELO TRIBUNAL LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PERÍCIA DE VOZ. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (...) 2. No que tange à tese remanescente, o ‘decisum’ vai ao encontro de entendimento pacífico deste Superior Tribunal de ser dispensável a realização de perícia para identificação das vozes captadas por meio de interceptações telefônicas, em razão da falta de previsão expressa na Lei n.º 9.296/1996, bem como da possibilidade de comprovação da autenticidade da voz por outros meios de provas. (...). (STJ, Sexta Turma, RHC n.° 102.679/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Julgado em 14.05.2019, DJe de 24.05.2019) PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. OPERAÇÃO ‘14 BIS’. DESCAMINHO. CORRUPÇÃO ATIVA. CORRRUPÇÃO PASSIVA. FACILITAÇÃO AO DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. PRELIMINARES DE NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, POR EXCESSO DE PRAZO, POR AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS GRAVAÇÕES POR PERITOS, PELA NEGATIVA DE PERÍCIA DE VOZ: REJEITADAS. PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA/CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO FISCAL: REJEITADA. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO: PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. MATERIALIDADES DOS DELITOS DO ARTIGO 334, 333, 317 E 318 DO CP COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CAUSA DE AUMENTO DO TRANSPORTE AÉREO CONFIGURADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INCABÍVEL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. ART. 92, CP. APELOS DA DEFESA DESPROVIDOS. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 7. Interceptação telefônica. Afastada a alegação de nulidade por ausência de perícia de voz. A Lei n.º 9.296/96 nada disciplina sobre a necessidade de submissão dos diálogos obtidos por interceptação telefônica à perícia de voz. Precedentes do STJ. Além disso, a conclusão de que as vozes constantes dos áudios pertencem realmente aos acusados é possível ser extraída dos elementos de convicção coligidos nos autos (art. 157 CPP). Registre-se, por fim, que os próprios acusados reconheceram os diálogos interceptados. (...). (TRF3, Primeira Turma, ApCrim n.° 53058 - autos n.° 0009503-34.2006.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, Julgado em 11.02.2020, e-DJF3 Judicial 1 de 19.02.2020) PENAL. PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DAS PROVAS NÃO VERIFICADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) 5. A Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação das comunicações telefônicas, não possui nenhuma previsão a respeito da necessidade de realização de perícia fonográfica quando da realização das interceptações, sendo que a identificação do acusado pode ser aferida por outros meios de prova, o que torna desnecessária a perícia de voz. (...). (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 5010776-85.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Mauricio Yukikazu Kato, Julgado em 28.08.2019, e - DJF3 Judicial 1 de 30.08.2019) DA VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES REALIZADAS NO CASO CONCRETO. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607). A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, por sua vez, afirmou que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682). Aduz, em relação à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, que a conversa interceptada na aludida data foi a única prova que embasou a condenação de VITOR E VAGNER e que, em se tratando de prova ilícita, os acusados devem ser absolvidos (fl. 238 – ID 170518682). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou, em síntese, ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). Pois bem. É certo que, para cogitar-se de autorização judicial de interceptação telefônica/telemática, deve haver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão, bem como é certo que, nos termos do art. 2°, II, da Lei n.° 9.296/1996, será descabida essa autorização se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, de maneira que, em se vislumbrando outra forma (menos invasiva) para a obtenção de elementos aptos a comprovar o delito, não se haverá de falar em adoção dessa medida como meio de prova. No caso em questão, contudo, diferentemente do que alegou a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO, as interceptações telefônicas e/ou telemáticas não foram as primeiras diligências encetadas. As investigações referentes à denominada "Operação Publicano" se iniciaram a partir de apurações realizadas pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), que, por meio de certos parâmetros objetivos, constatou que determinado grupo de contribuintes “da área médica” (grupo homogêneo de profissionais liberais que enviava declarações de um mesmo local), apresentava imposto retido na fonte muito aquém do padrão de rendimentos auferidos como declarados, o que, segundo se verificou, se devia à elevação fraudulenta de despesas com “Livro Caixa”, manobra utilizada para acobertar a emissão de recibos falsos emitidos para dedução de despesas médicas em favor do grupo, tudo com o intuito de diminuir o valor de Imposto de Renda Pessoa Física a pagar (graças à elevação fraudulenta de valores de deduções e de rendimentos isentos). Quando selecionadas para averiguações, tais declarações “levantaram suspeitas de facilitação na liberação da malha” (vide relatório à fl. 05 - ID 170518579). Apurou-se, inicialmente, distintos acessos às declarações suspeitas pelo servidor VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (lotado no setor de “malha fina” – Defis/SP/Sevic/Eqac), bem como constatou-se que o IP 201.87.133.194, utilizado por VITOR para transmitir suas declarações (e de seus familiares), havia sido, também, utilizado para transmitir ao menos doze das aludidas declarações selecionadas por suspeita de fraude. Ao se examinar a evolução patrimonial do auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (e de seu núcleo familiar), concluiu-se pela ocorrência “de variação patrimonial a descoberto no montante de R$ 1.080.353,98 (um milhão, oitenta mil, trezentos e cinquenta e três reais e noventa e oito centavos), decorrente de origens não confirmadas ou com fortíssimos indícios de inverossimilhança” (fl. 89 – ID 170518759), o que revelou fortes indícios de envolvimento do servidor com as fraudes detectadas. Verificou-se, também, que diversas declarações tidas como suspeitas haviam sido transmitidas pelo IP 200.161.88.161, que, aparentemente, estava relacionado a algum prestador de serviços de contabilidade, tendo o servidor VITOR realizado diversos acessos a DIRPFs entregues pelo referido IP, bem como consultado diversas informações fiscais em datas próximas às de transmissão de declarações retificadoras igualmente suspeitas. Após receber relatórios sobre as supostas irregularidades fiscais apuradas pela Corregedoria da Receita Federal (ESCOR08) e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI) – fls. 53/71 - ID 170518766, a Polícia Federal, considerando a gravidade, a complexidade e a sofisticação da atuação criminosa, identificou a necessidade de, para aprofundamento das investigações, afastar-se o sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas dos envolvidos, meio que, naquele momento, revelou-se como o único hábil a elucidar os fatos e a possibilitar a coleta de elementos de prova substanciais (fl. 88 – ID 170518766). Interceptações telefônicas de linhas relacionadas aos investigados VITOR e EDILAINE foram, então, regularmente autorizadas pelo r. juízo a quo (em 15.03.2013) e implementadas a partir de 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Com efeito, a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso serve de fundamento para o deferimento de interceptações telefônicas como último mecanismo apto a levar adiante a investigação criminal, dada a dificuldade de, nessas situações, proceder-se à colheita de provas por meios tradicionais: Habeas corpus. 2. Operação Navalha. 3. Interceptação telefônica. Autorização devidamente fundamentada. 4. Gravidade dos delitos supostamente cometidos pela organização e complexidade do esquema que envolve agentes públicos e políticos salientam a dificuldade de colher provas tradicionais. Pedido de interceptação baseado em relatório da Polícia Federal que demonstra envolvimento do paciente. 5. Motivação per relationem. 6. Ordem denegada. (STF, Segunda Turma, HC n.° 118882, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgado em 10.06.2014, Processo Eletrônico DJe-166, Divulg. em 27.08.2014, Public. em 28.08.2014) - destaque nosso. Em suma, observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). A propósito, a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de considerar legítima a prova obtida por meio de interceptação telefônica quando cumpridos os requisitos exigidos pela legislação de regência: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECURSO SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÕES. POSSIBLIDADE. PRECEDENTES. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DE TODAS AS CONVERSAS GRAVADAS. DESNECESSIDADE. PERÍCIA DE VOZ. INDEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA SOBRE O INTERLOCUTOR. RECURSO IMPROVIDO. (...) II - É legítima a prova oriunda de interceptação de comunicação telefônica autorizada judicialmente, de forma fundamentada e com observância dos requisitos legais: i) existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em ilícito penal; ii) único meio disponível para comprovar o fato investigado; iii) o crime investigado deve ser punido com pena mais gravosa que a detenção. III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que a interceptação de comunicação telefônica seja prorrogada, desde que a ordem seja fundamentada e respeite o prazo legal. Precedentes. (...) VII - Recurso Ordinário em Habeas Corpus improvido. (STF, Segunda Turma, RHC n.° 128485, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 25.10.2016, Processo Eletrônico DJe-246, Divulg. 18.11.2016, Public. 21.11.2016) - destaque nosso. No mesmo sentido, seguem outros dois julgados, o primeiro exarado pelo C. Supremo Tribunal Federal e o segundo por esta E. Corte Regional: Habeas corpus. Banco de tecidos musculoesqueléticos clandestino. Venda, guarda e distribuição de tecidos ou parte do corpo humano (arts. 15 e 17 da Lei nº 9.434/97). Investigação criminal. Violação do princípio do promotor natural. Não ocorrência. Inexistência de manipulação casuística ou de designação seletiva pela chefia do Ministério Público. Precedentes. Interceptação telefônica. Nulidade. Não ocorrência. Medida invasiva precedida de atos de investigação. Único meio de se apurar o fato criminoso. Testemunha sigilosa. Depoimento. Nulidade. Inexistência. Necessidade de preservação de sua higidez física ou psíquica, ante o temor de represálias. Inidoneidade do writ para revolvimento desses fatos. Ordem denegada. (...) 4. O afastamento do sigilo das comunicações telefônicas dos pacientes foi precedido de diligências realizadas no curso de uma investigação formalmente instaurada, restando suficientemente demonstrada a necessidade da medida extrema e a dificuldade para a apuração dos fatos por outros meios. 5. É o quanto basta para se legitimar o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas (HC nº 114.321/MG, Segunda Turma, Relatora a Ministra Carmen Lúcia, DJe de 19/12/13). (...) (STF, Segunda Turma, HC n.° 136503/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgamento em 04.04.2017, DJe-089, Divulg. 28.04.2017, Public. 02.05.2017) - destaque nosso. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. 'OPERAÇÃO TRAVESSIA'. PRELIMINAR REJEITADA. VALIDADE DS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. A utilização de interceptação em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96. 2. O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. (...) (TRF3, Décima Primeira Turma, ACR n.° 00000257620144036119 - Apelação Criminal - 67937, Rel. Des. Fed. Nildo Toldo, Julg. em 25.07.2017, v.u., e-DJF3 Judicial 1 de 01.08.2017) - destaque nosso. Inclusive, o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar a imprescindibilidade da interceptação telefônica, como meio de prova, quando evidenciada a prática de infrações penais via terminais telefônicos, vale dizer, quando o telefone (seja ele fixo, seja ele celular) seja, justamente, o expediente utilizado pelo delinquente para praticar o(s) delito(s) investigado(s), a exemplo do que ocorreu in casu, em que as promessas/oferecimentos e/ou as solicitações/aceitações de vantagens indevidas teriam se dado, conforme descreve a denúncia, via telefone. A propósito: Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico e associação para o tráfico (arts. 33 e 35 da Lei nº 11343/06). Impetração dirigida contra a decisão de negativa de seguimento ao HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça e contra o acórdão com que a Quinta Turma não conheceu do HC nº 286.219/PE. Não conhecimento da impetração em relação ao primeiro habeas corpus, em razão de não submissão da decisão singular ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Ausência de ilegalidade flagrante no julgamento colegiado do segundo writ. Prisão preventiva. Falta de fundamentação idônea. Não caracterização. Custódia justificada na garantia da ordem pública. Paciente integrante de bem estruturada organização criminosa voltada à distribuição de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais. Gravidade em concreto da conduta e periculosidade do paciente, evidenciadas pelo modus operandi da organização. Excesso de prazo. Complexidade do feito, consubstanciada na pluralidade de réus (15 acusados) e na necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de 2 (dois) acusados. Notícia constante do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco de que a instrução chegou a termo. Prejudicialidade. Precedentes. Alegada ausência de elementos concretos para corroborar a justa causa para a ação penal. Necessário reexame de fatos e de provas não admitido em sede de habeas corpus. Precedentes. Nulidade das interceptações telefônicas pelo não esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova. Não ocorrência. Procedimento devidamente fundamentado. Demonstração inequívoca da necessidade da medida. Utilização de terminal telefônico como meio de comunicação entre integrantes da organização presos e em liberdade para fomentar o tráfico. Alegações de não observância do prazo do § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do pedido de interceptação telefônica, de supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos em seu cumprimento. Temas não analisados pelas instâncias antecedentes. Dupla supressão de instância configurada, o que impede sua análise de forma originária pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada. (...) 9. Não procede a tese de nulidade das interceptações telefônicas levadas a cabo por não ter havido o esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova na espécie. 10. A decisão do juízo processante autorizando o procedimento em questão foi devidamente fundamentada, indicando com clareza a situação objeto da investigação e a necessidade da medida, mormente se levada em conta a notícia de que um dos investigados, de dentro da unidade prisional, utilizava terminal telefônico para se comunicar com os integrantes da organização criminosa e fomentar o tráfico de drogas, atendendo, portanto, a exigência prevista na lei de regência (art. 4º da Lei nº 9.296/96). (...) 13. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada (STF, Segunda Turma, HC n.° 128650, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgado em 20.09.2016, Processo Eletrônico DJe -212, Divulg. em 04.10.2016, Public. em 05.10.2016) - destaque nosso. As defesas alegaram, ainda, que a interceptação realizada no dia 16.04.2013, principal elemento de prova relacionado à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, teria ocorrido “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682), bem como que “qualquer interceptação telefônica com relação ao corréu VAGNER ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013 estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). A esse respeito, cumpre asseverar que as interceptações telefônicas em questão se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida (fl. 69 – ID 270552785), por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013 (fl. 79 - ID 270552785). Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), bem como solicitou-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013 (fls. 134/145 – ID 270552785). Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013 (vide o segundo relatório de inteligência policial - fl. 189 – ID 270552785), não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER (fls. 06 e 11 – ID 270552786). Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. Como bem asseverou o r. juízo a quo, o fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação (vide fl. 86 – ID 170518759). DA COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, quanto aos delitos de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, que o próprio órgão acusador se posicionou pela absolvição de todos os réus. Requer a absolvição do acusado, tendo-se em vista o posicionamento ministerial em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal. O artigo 385 do Código de Processo Penal assim dispõe: Art. 385: Nos os crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Não se ignora que, para alguns doutrinadores, o artigo 385 do Código de Processo Penal não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que, supostamente, violaria princípios e/ou parâmetros relacionados ao denominado “sistema acusatório” como, p. ex., os princípios da imparcialidade e da separação entre as funções de “julgar” e “acusar”. Não se deve perder de vista, entretanto, que a Constituição não demarcou, de maneira definitiva, os contornos do modelo acusatório por ela adotado. “Ao atribuir privativamente ao Ministério Público o encargo de promover a ação penal pública, o Constituinte ressalvou, no art. 129, I, que isso deveria ser exercido ‘na forma da lei’, de modo a resguardar ao legislador ordinário alguma margem de conformação constitucional para tratar da matéria, dentro da qual se enquadra a disposição contida no art. 385 do CPP” (STJ, Sexta Turma, Resp n.° 2.022.413-PA – 2022/0035644-0 -, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 14.02.2023, Dje de 07.03.2023). É inequívoco que, a fim de garantir-se a imparcialidade do julgador, não se pode admitir o início da persecução penal sem que haja a iniciativa do titular do ius puniendi (Ministério Público). Todavia, deve haver, no bojo do processo penal, alguma margem para a iniciativa do magistrado, a fim de, justamente, assegurar-se a realização de um processo justo e igualitário, em observância ao metaprincípio do devido processo legal. É este, p. ex., o objetivo da previsão contida no art. 156 do Código de Processo Penal, a qual faculta ao magistrado determinar, de ofício, a produção antecipada de provas e/ou a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, tendo-se em vista o risco de a busca da verdade ficar, exclusivamente, a cargo das partes. Nesse contexto, não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Ora, caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. Se, por um lado, é inquestionável, à luz dos princípios constitucionais, que o Ministério Público possui autonomia para decidir se vai (ou não) iniciar a persecução penal, por outro, compete exclusivamente ao juiz, de maneira indeclinável e indelegável, “dizer o direito”, de modo que, uma vez recebida a denúncia, mesmo que o órgão acusatório pugne pela absolvição, ao juiz incumbirá, a partir das provas produzidas nos autos, decidir se acolherá ou não esse pedido. Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça já pacificou seu entendimento: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. POSSIBILIDADE DE O JUIZ PROFERIR SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO TENHA OPINADO PELA ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte pacificou sua jurisprudência no sentido de que ‘conforme dispõe o art. 385 do Código de Processo Penal, é possível que o juiz condene o réu ainda que o Ministério Público peça a absolvição do acusado em alegações finais. Esse dispositivo legal está em consonância com o sistema acusatório adotado no Brasil e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, que introduziu o art. 3º-A no Código de Processo Penal’ (REsp n. 2.022.413/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 7/3/2023). 2. A análise acerca da alegada violação ao art. 155 do Código de Processo Penal demandaria revolvimento do acervo fático-probatório, desautorizado pela Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, 6 Turma, AgRg no REsp 2102020/SC - 2023/0369166-3 - Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Julg. em 02.04.2025, DJEN de 08.04.2025) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MANIFESTAÇÃO DO PARQUET PELA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO MAGISTRADO. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. ‘Consoante jurisprudência desta Corte, o pedido de absolvição do Ministério Público não vincula o julgador, que decide com base no princípio do livre convencimento motivado, sem que daí se extraia qualquer ofensa ao princípio acusatório’ (AgRg no HC n. 789.674/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 894527/SP - 2024/0065947-7. Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Julg. em 11.02.2025, DJEN de 18.02.2025) Com tais considerações, reconhece-se a recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal, bem como a validade da r. sentença que condenou os acusados a despeito de, em alegações finais, o Ministério Público ter se manifestado pela absolvição. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA (ARTIGOS 333 E 317 DO CÓDIGO PENAL). O ordenamento pátrio, ao estabelecer a imputação de um mesmo crime a todos os que concorrem para a sua prática (inteligência do art. 29 do Código Penal), adotou, como regra, a teoria monista (ou unitária), à exceção dos raros casos em que o legislador optou por adotar, extraordinariamente, a teoria pluralista, a exemplo dos crimes de corrupção ativa e passiva, em que há tipificações separadas, inclusive em capítulos distintos, para as condutas de oferecer/prometer e de solicitar/receber/aceitar vantagem indevida (inteligência dos artigos 333 e 317 do Código Penal). Embora seja intuitivo, a princípio, supor que, se há um corruptor/extraneus, haverá, necessariamente, um corrompido/intraneus (e vice-versa), a leitura dos artigos específicos revela ser perfeitamente possível vislumbrar-se a ocorrência de corrupção ativa e/ou passiva de maneiras independentes. A corrupção nem sempre é bilateral, senão vejamos: O art. 333 do Código Penal assim dispõe: Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O art. 317, caput, §1º e §2º do Código Penal, por sua vez, assim dispõe: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003). § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Os crimes de corrupção ativa e passiva tutelam, tanto um quanto o outro, o regular funcionamento da Administração Pública, a moralidade, a impessoalidade e a probidade administrativa, com o propósito de punir a mercancia da função pública. Ambos possuem, em regra, natureza formal, prescindindo do resultado naturalístico para a sua consumação. Admitem, apenas, a forma dolosa, sendo possível vislumbrar-se a possibilidade de tentativa, caso, p. ex., a oferta/promessa ou a solicitação/aceitação de vantagem indevida seja feita por escrito e, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não chegue ao conhecimento do destinatário. Na modalidade ativa (crime comum), a consumação da corrupção se dará no momento em que o particular oferecer/prometer a vantagem indevida (em troca da prática/omissão/lentidão de ato de ofício), independentemente do aceite por parte do funcionário público, bastando que a oferta/promessa chegue ao conhecimento deste. Na modalidade passiva (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada), a corrupção se consumará não apenas em face do efetivo recebimento, mas também da aceitação da promessa ou da solicitação, por parte do funcionário público, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, da vantagem indevida (patrimonial ou não), sendo que, nas hipóteses de aceite/solicitação, a efetiva entrega da vantagem se traduzirá em mero exaurimento do crime. Inclusive, a corrupção passiva não se confunde com o delito previsto no art. 316 do CP, uma vez que, na concussão, o verbo típico previsto é “exigir” (o que é diferente de solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida). O caput do art. 317 do Código Penal, diferentemente dos seus respectivos parágrafos e do art. 333 do mesmo diploma, não cita, em sua literalidade, como elementar do tipo, a expressão “ato de ofício”, razão pela qual doutrina e jurisprudência divergem sobre a indispensabilidade de, para cogitar-se da prática de corrupção passiva, determinar-se qual ato, exatamente, o funcionário público deveria praticar, retardar ou deixar de praticar em troca da vantagem indevida. Enquanto, para alguns, é indispensável a existência de nexo de causalidade entre a solicitação/recebimento/aceitação da vantagem pelo funcionário e a realização de determinado ato funcional de sua competência (ato de ofício), para outros, o tipo penal de corrupção passiva não exige comprovação de que a vantagem esteja, necessariamente, vinculada a "ato de ofício” englobado pelo plexo de atribuições formais daquele funcionário público. Para os adeptos da primeira corrente, não se pode abrir mão da indicação precisa do “ato de ofício” concretamente mercadejado (objeto de transação), o qual deve, necessariamente, ser da competência do agente e/ou estar intrinsecamente relacionado com o exercício de sua função. Já para os adeptos da segunda corrente, o crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada (STJ, 6ª Turma, Recurso Especial n.º 1.745.410 - SP - 2017/0007371-4, Rel. Sebastião Reis Júnior, Relatora para Acórdão: Min. Laurita Vaz, Julg. em 02.08.2018). Em outras palavras, para aqueles que adotam este último entendimento, dentre os quais me incluo, será suficiente, para a configuração da corrupção, que a vantagem seja solicitada/recebida/aceita em razão do cargo ocupado pelo funcionário público, isto é, em razão dos poderes de fato que o seu cargo lhe confere (e não, pura e simplesmente, em razão das atividades formalmente atribuídas àquele funcionário). Ademais, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como coautores ou partícipes pelo crime de corrupção passiva. Se, como consequência da vantagem ou promessa, o funcionário público, infringindo dever funcional, efetivamente praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva qualificada, devendo a pena ser aumentada em 1/3 (um terço) - inteligência do §1° do art. 317 do CP. De outro turno, se o funcionário público, infringindo dever funcional, praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício porque cedeu a pedido ou influência (social, moral ou econômica) de outrem, porém sem que tenha havido oferta/promessa nem solicitação/recebimento de vantagem indevida, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP). Diferentemente da corrupção passiva comum, portanto, as modalidades de corrupção passiva qualificada e privilegiada, previstas nos parágrafos 1° e 2° do art. 317 do Código Penal, possuem natureza material, já que exigem, para a sua consumação, a produção de resultado naturalístico (efetiva prática do ato de ofício que beneficiará o particular). Em relação ao delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP), é relevante mencionar, ainda, que, apesar das semelhanças (inclusive quanto à amplitude das penas), este difere do delito de prevaricação (previsto no art. 319 do CP), especialmente no que diz respeito ao dolo específico (ânimo) do agente, já que, na prevaricação, o agente pratica a conduta para satisfazer interesse ou sentimento próprio (pessoal), enquanto que, na corrupção passiva privilegiada, o funcionário público atua sob a influência e/ou para satisfazer interesse de terceiro. Por fim, é importante destacar que a conduta punida é mercadejar, transacionar, colocar “à venda” atos de ofício em troca de uma contrapartida que não lhe é legitimamente devida nem lhe será entregue pela normal remuneração da profissão. Nesse contexto, existirá crime independentemente de o ato objeto de transação ser regular ou irregular, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto, contrário ou não ao dever do funcionário. Em outras palavras, haverá crime tanto se o agente atuar contrariamente aos deveres do cargo público (corrupção própria) quanto se a vantagem for solicitada/recebida/aceita para a prática de ato regular e legal (corrupção imprópria), pois o que a Lei pretende coibir é o tráfico da função pública, sendo dispensável, para a configuração do delito, que o ato praticado, omitido ou retardado pelo funcionário público seja ilícito. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. No que diz respeito aos crimes de corrupção descritos na denúncia, foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em concurso material, de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª (por duas vezes), 4ª e 10ª condutas); VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta); MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA – ARTIGOS 317, ‘CAPUT’, E 333, AMBOS DO CP (6ª, 8ª E 11ª CONDUTAS). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). Segundo consta, “um conhecido” (ou “cliente/contribuinte”) de VAGNER teve sua declaração (DIRPF 2012) retida em “malha fina” em virtude de deduções com pensão alimentícia, o que deu ensejo a que o contador solicitasse a VITOR (auditor fiscal) o referido “serviço (ilícito) de liberação”, em troca do que VAGNER cobraria, de seu “conhecido” (ou “cliente/contribuinte”), valor em dinheiro a ser, posteriormente, dividido entre ele (VAGNER) e VITOR. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 104 – ID 170518759): VAGNER — Tá, se eu te levar só esse Informe, você consegue liberar para ele? Obviamente que a gente vai cobrar pelo serviço, mas você consegue liberar só com o Informe? Porque está bem evidenciado o CPF da mulher e o valor deduzido do salário dele. VITOR — Sim. Em suas razões de Apelação, as defesas de VAGNER e VITOR requereram o reconhecimento da atipicidade da conduta. De acordo com a defesa de VITOR, teria ocorrido mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Contudo, da leitura do diálogo interceptado é possível extrair, com clareza, que foi a promessa de pagamento em dinheiro (vantagem indevida) feita pelo contador (VAGNER) o que, verdadeiramente, motivou o auditor fiscal (VITOR) a dizer sim para o pleito de “liberação da malha fina” daquela declaração. Não se pode esquecer que a referida conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Segundo apurou o Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal - ESCOR08, VITOR, por diversas vezes, entregou DIRPFs a partir do IP instalado em sua casa, as quais foram retidas em malha fina, consultadas por ele no sistema oficial da Receita Federal e retificadas, também por ele, a partir de seu computador pessoal (fl. 12 – ID 270552758). Constou do relatório elaborado pela Receita Federal (ESCOR08), por exemplo, que, por meio de uma das declarações retificadoras entregues a partir de seu computador pessoal, VITOR “transformou o pagamento de R$ 759,08 de imposto de renda em uma restituição de R$ 34.530,90” (fl. 12 – ID 270552785). Note-se, ainda, que, no relatório de inteligência policial apresentado em 28.03.2013, os investigadores mencionam que, durante o primeiro período da interceptação telefônica (de 18.03.2013 a 27.03.2013 - fl. 79 - ID 270552785), VITOR manteve contato frequente, bem como travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), o que reforça a versão de que VITOR aceitava, habitualmente, propina em troca do serviço ilícito de “liberação da malha fina” de “clientes” daquele contador. Assim, não restam dúvidas a respeito de ter ocorrido a consumação dos delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP) referentes à 6ª conduta descrita na denúncia. Frise-se, por fim, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de Emerson Favero e Lilian Martzioros. Segundo consta, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) “colocou à disposição” de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) pagamentos de valores a serem “orçados” pelo funcionário público em troca da “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Isto deu ensejo a que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), VITOR (auditor fiscal): i) fornecesse orientações sobre como MÁRCIO (contador) deveria preencher, de maneira fraudulenta (com dados falsos), as aludidas declarações, de maneira a reduzir e/ou isentar o pagamento do imposto devido e a não levantar suspeitas sobre a fraude; ii) informasse a MÁRCIO que tais declarações seriam, de qualquer sorte, retidas em “malha fina”; iii) não apenas aceitasse a promessa de vantagem, como definisse, em conjunto e de comum acordo com MÁRCIO, os exatos valores a serem pagos em troca da “liberação da malha fina” de cada declaração (estabelecidos em R$ 10.000,00 – dez mil reais - para a declaração de Emerson e em R$ 5.000,00 – cinco mil reais – para a declaração de Lilian). A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fls. 108/110 – ID 170518759): MÁRCIO — Oi! VITOR — Então... MÁRCIO — Podemos abrir? VITOR — ‘Vamo’ lá! MÁRCIO — Primeiro ‘vamo’ ... Você quer falar de quem? VITOR — ‘Vamo’ falar do EMERSON, que é o pior caso. MÁRCIO — Tá ... Eu tô com ele aqui. Pode falar... VITOR —Abre a Declaração dele lá nos Rendimentos, tá? MÁRCIO — Hamhamm! Hã... Pode falar! VITOR — Então, primeira correção. Na Unimed Paulistana... MÁRCIO — Hã! VITOR — Você jogou 61.066... Tá? MÁRCIO — Tá VITOR - o valor correto... Anote! MÁRCIO —Paulistana... Tá .. Cinquenta e.. Eu tinha 61.066,69...O correto... VITOR — O correto é 58... MÁRCIO — 58... VICTOR - 122... MÁRCIO -122... VITOR - ... e 90. MÁRCIO — 90. VITOR — O resto não mexe. MÁRCIO — Tá! VITOR —Acrescenta aí fonte pagadora. MÁRCIO — Pode falar. VITOR — Puta, eu vou ter que ver pra você quem é essa fonte, né? Você não vai... Vai saber. MÁRCIO —Se você me der o CNPJ eu puxo. VITOR — Ou eu vejo aqui para você...Para agilizar, né? Fazer valer os meus HONORÁRIOS... MÁRCIO — (Risos) (...) MÁRCIO - Não, não vai dar não. Não vai dar não... Vai dar 31.000 aqui. VITOR — 31 mesmo? MÁRCIO — Porque é o seguinte... Já pagou 6. VITOR — Como pagou? MÁRCIO — Já foi retido 6.000,00. VITOR — Hã! Não, tá Beleza! Aí você vai fazer o seguinte, você vai por livro-caixa pra esse cara até dar alguma coisinha pra ele pagar. Você não vai me puxar uma restituição nesse cara, que você vai me foder. MÁRCIO — Não, tá... Até pagar. VITOR — Sei lá quanto que vai dar esse livro-caixa... Vai dar uns... 100 mil? Depois você faz. Você pode jogar, assim, um valor cheio... MÁRCIO — Hum! VITOR — 100 mil é o suficiente? Depois você divide mês a mês. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Vê aí... 100 mil bate? Já zera? MÁRCIO — Não, não consigo fazer agora. Esse aqui é o único que eu tenho... É...É ... Aqui. Tá num ‘pendrive’ na minha casa. Só que eu tenho ele aqui em texto e cópia. VITOR — Tá você vai... Então você vai colocar ... Hã... Hã... O livro- caixa. Tem que dar alguma coisinha pra ele pagar. Tá bom? MÁRCIO — Tá uns 1000 ... 1500 reais? VITOR — Nem precisa ser tanto! Põe R$ 200,00 pro cara pagar. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Ele vai cair em malha, tá? Hã... Aí, depois... Então, pra eu liberar da malha eu vou cobrar então uns 10. Tá bom? MÁRCIO — Tá... Perfeito. VITOR — Bom, ‘vamo’ na outra: LILIAN. MÁRCIO — Hã! VITOR — É ... A LILIAN vai ser a mesma coisa. É (...) você vai ter que colocar despesas que ela realmente tem, tá? Porque do jeito que tá, você não jogou lá valores nem nada. MÁRCIO —Não, só tem... só tem duas despesas. VITOR — É, para nós assim... não... não... não faz diferença, Tá? Nós vamos fazer... vai cair em malha também, nós vamos fazer o mesmo jogo do livro-caixa. Você vê ... aí... aí tá dando ... É você vai diminuir as despesas médicas, sei lá, vai dar... Sei lá! 15.000... 16.000... O que que a gente pode fazer nisso? Eu acho que... Esse caso é... Eu cobraria dela 6. MÁRCIO — Tá! VITOR — E nos podemos fazer o seguinte... Nós podemos... Você...Você... Vai por o que ela realmente tem de despesa, você aumenta esse livro-caixa. MÁRCIO — Certo. VITOR — Você pode aumentar esse livro-caixa até dar uma restituição para ela de 5.000. MÁRCIO —Até 5.000. VITOR — E eu cobro 6. Ou então... Ou então... Se você quer fazer... Pode dar uma restituição para ela de 6... MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Que aí, é o valor do meu honorário, ela não vai gastar nada. MÁRCIO — Tá faz 5 pra mim cobra 6, meu! VITOR — Tá bom! Tá bom! Faço... (...) MÁRCIO — Tá... VITOR —Aí, então fica 5 pra essa... Fica 10 pro outro ... É ... Como é que você quer fazer? Hã... Você vai conversar com ele, você vai transmitir e aí eu te provo que tá em malha... Não precisa provar, você vê pelo sistema... Porque vai aparecer ‘em processamento’. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alega a respeito dessa 8ª conduta, enquanto a defesa de MÁRCIO alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Contudo, da leitura do trecho de diálogo aqui transcrito, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Frise-se que, para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. In casu, é inequívoco que, durante a conversa ora mencionada, MÁRCIO se comprometeu, ainda que implicitamente, a entregar a referida vantagem financeira, ou seja, que houve corrupção bilateral, tendo ambos os acusados agido dolosamente para praticar os delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP). Note-se, por fim, que embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Emerson Favero e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Lilian Martzioros, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. Extrai-se do conjunto probatório que VITOR (auditor fiscal) e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), durante acerto prévio, teriam combinado a “liberação da malha fina” e a viabilização da restituição de cerca de R$ 46.000,00 (quarenta e seis mil reais) em favor do contribuinte Rodrigo Sepetiba, cliente do contador (SIQUEIRA), o que, contudo, ocorreria sob a condição de VITOR receber, como “garantia”, um cheque daquele cliente/contribuinte no valor da propina acordada. Assim, durante conversa travada em 26.03.2013 (interceptada às 15h46), VITOR solicita a SIQUEIRA, expressamente, a entrega do referido cheque (vantagem indevida) e, ao ser informado por SIQUEIRA que Rodrigo Sepetiba “só usa cartão”, os interlocutores combinam que o contador (SIQUEIRA) entregaria ao servidor (VITOR) “um cheque seu” como “garantia”. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 115 – ID 170518759): SIQUEIRA — Oi! VITOR — Oi, Siqueira. Eu já saí do serviço... É ... Lá não dava para conversar direito.... Você falou que o ... O... Tá tudo resolvido lá... Como é o nome do cara? SIQUEIRA — Rodrigo Sepetiba. VITOR— Sepetiba! Cê tá... Tá resolvido... Você pegou um cheque na mão? SIQUEIRA — Ele não tem cheque. Ele só usa cartão. VITOR — Não, e aí? SIQUEIRA — E aí você quer um cheque meu? Eu dou procê. VITOR — Eu preciso de uma garantia naquele valor. SIQUEIRA — Não, pode ficar tranquilo. Ele tá me devendo já desde o ano passado. VITOR — Porque é assim, não é só você... Que garantia você tem que ele vai te pagar? SIQUEIRA —Eu conheço o cara há mais de 20 anos. VITOR — Hã! Porque se ele não te paga, você vai chegar para mim e vai falar: Ó SIQUEIRA — Ele nunca ficou me devendo. Só no ano passado que ele não pagou. VITOR — É... SIQUEIRA — Porque não fiz a Declaração dele. Então não é que ele não me pagou. Ficamos elas por elas. Entendeu? Aí eu fiz um acordo com ele: Tá bom, então não precisa me pagar não. Quando sair a restituição, você paga. Ele falou: Fechado! Então foi um acordo das duas partes. Entendeu? VITOR — E, eu... Eu não gosto muito dessa situação, porque você até pode falar... SIQUEIRA —Não, mas aí... Você vai... Você vai receber o 16 e mais o 30, cara! VITOR — Não, não vejo problema! Assim... Eu fico pensando se ele não te paga, você vai chegar pra mim e falar ‘Ele não pagou’, né? Não é nem... nem falta de confiança em você. Não é isso não. É no cara mesmo que o valor é muito grande para ele, né? SIQUEIRA - Não, mas ele...mas acontece que o ano retrasado também ele recebeu restituição alta. Lembra? VITOR — É... Bom... SIQUEIRA — Talvez a gente.... (Incompreensível) VITOR — Tá você..., você então me dá um cheque seu? SIQUEIRA — Claro! Sem problema! VITOR — Tá... Tá bom! Então ficamos combinados assim. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 11ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, tendo-se em vista o evidente teor ilícito das tratativas realizadas, tendo havido, inclusive, expressa solicitação, por parte de VITOR, de um cheque assinado pelo contador (SIQUEIRA) em troca da viabilização da restituição do contribuinte Rodrigo Sepetiba, não poderia ser outra a conclusão senão a de que, também nessa ocasião (correspondente à 11ª conduta), VITOR praticou o delito de corrupção passiva. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática de 3 (três) delitos de corrupção passiva (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), bem como devem ser mantidas as condenações de VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 6ª conduta), e de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA – ART. 317, CAPUT E §1º, DO CP (2ª e 7ª condutas). No tocante à 2ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Segundo consta do Relatório de Inteligência Policial RIP n.° 02/2013 fl. 219 – ID 270552785), policiais federais diligenciaram, em 28.03.2013, no endereço da empresa de contabilidade de nome CONFITEC CONTABILIDADE LTDA (DHF ASSESSORIA CONTÁBIL & FISCAL), onde trabalhava o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, uma vez que, conforme tinha apurado o Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI), um grande volume de declarações tidas como fraudulentas havia sido enviado por meio do endereço de IP pertencente à CONFITEC. Consta que, por volta das 11h, os policiais federais avistaram o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA juntos, conversando “na varanda do piso superior do referido imóvel” (fl. 219 – ID 270552785), onde permaneceram alguns minutos, tendo, na sequência, retornado para o interior do imóvel (vide fotografias acostadas às fls. 219/221 – ID 270552785). Depois disso, apurou-se ter havido, no dia 01.04.2013, diversas trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e DENIS com o seguinte teor (fls. 222/229 – ID 270552785): SMS: Mande os cpf p/ suspender urgente. SMS: Recebeu esta no cel. SMS: Oi, segue alguns casos para v suspender: 565.156.267-20 luiz 983.122.518-04 neusa 523.069.258-87 Oridio 160553.258-45 Andrea bicudo, essa médica é da li. SMS: Troquei de aparelho e perdi sorry. (...) SMS: (...) até de 2010 sua. Depois me ligue ok. SMS: Te enviei agora. SMS: Recebeu? SMS: Ok. SMS: Show. SMS: Neusa e oridio são de outra jurisdição. SMS: Já estão em são Paulo. SMS: Não estão. Vc altera end c/ ID 2013. SMS: Vou alterar agora. SMS: Ok. Na sequência, em ligações interceptadas às 9h52 e às 9h57 do dia 04.04.2013, DENIS e VITOR mencionam, expressamente, o nome do contribuinte Luiz Fernando Rubira Gatto, um dos clientes do contador DENIS (fls. 230/231 – ID 270552785): VITOR: ‘Digue’ lá! DENIS: Preciso de um recibo aí, você consegue pra mim aí? VITOR: Claro, filho! Pode falar o CPF. (...) VITOR: Cícero Davi...Oh, o Davi! DENIS: É...você conhece ele. VITOR: Davi...2011...2011, base 10, Certo? DENIS: Certo. (...) DENIS: (Inaudível) também? O cara tá enchendo a minha paciência. É o Luis Gatto (inaudível). Não tem nenhuma pendência não, só mesmo as despesas. VITOR: É... DENIS: Você quer o CPF dele pra você ver aí? VITOR: Fala aí. DENIS: Pera aí, Vitão...o cara já para de me seguir (inaudível). VITOR: esse Davi já caiu em malha 2013, em omissão de rendimentos, viu? Alô! (...) DENIS: Você consegue puxar e ver? É Luis Fernando Rubira Gatto. VITOR: Luis com ‘S”? DENIS: É! VITOR: Luis... DENIS:... Fernando Rubira Gatto. VITOR: ...Fernando...Isso eu já descubro. Rubira...acho que isso já é suficiente. É! Fernando Rubira Gatto. Achei! Tá aqui. DENIS: Ah, é? Deu aí? VITOR: Humhumm! DENIS: você libera esse (inaudível). (...) VITOR: e aqueles outros casos. Você já retificou? Alô (cai a ligação). VITOR: Alô! DENIS: Oi, meu sinal tá ruim, viu! (...) VITOR: É, é...eu já liberei, tá? DENIS: Beleza pura! VITOR: Esses dois, o DAVI e o LUIS já estão em malha 2013. DENIS: eu sei! Eu sei! É...(inaudível) VITOR: Oi? DENIS: Luis Gatto fez 2013? VITOR: Fez. DENIS: Ah, ele fez? VITOR: Ele tem omissão de rendimentos. DENIS: 2013, né? Ele já fez, então? VITOR: Já. DENIS: Tá legal, bacana! te falar que tá tudo certo. Porque ele deu uma estressada comigo...ah, então ele já fez. Tá legal. Azar o dele. Beleza! (...) VITOR: Nós estamos falando de quem? Do Luis Rubira Gatto, né? DENIS: É. Já fez 2013? VITOR: Já fez. O Davi também. Só que os dois “tão” em malha. DENIS: Legal! Beleza...Tranquilo! VITOR: Tá bom? DENIS: Beleza pura! VITOR: Ok! DENIS: Falou, velhão. Depois te ligo aí. Abraço VITOR: Falou, tchau! DENIS: Tchau, tchau. Repare que, durante o referido diálogo (travado em 04.04.2013) VITOR, ao que tudo indica se referindo à declaração de Luís Fernando Rubira Gatto, diz: “eu já liberei, tá?” (fl. 230 – ID 270552785). Em face desses indícios, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que, às 9h46 do dia 04.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto (cliente do contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA), sob a justificativa formal de que o contribuinte havia apresentado comprovação das deduções pleiteadas ou demonstrado sua admissibilidade, o que, de acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), teria sido feito de maneira flagrantemente irregular, isto é, sem a elaboração de dossiê eletrônico em nome do contribuinte e sem que tenha havido atendimento presencial (vide fls. 178/181 e 204 – ID 270552801). Além disso, quatro dias depois (em 08.04.2013), VITOR (auditor fiscal), valendo-se do endereço eletrônico titoreceita@yahoo.com.br, enviou um e-mail ao contador (DENIS), no corpo do qual solicitou, expressamente (e por escrito), como contrapartida pela referida “liberação da malha fina” (ocorrida em 04.04.2013), o pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). A transcrição do referido e-mail enviado por VITOR ao contador (DENIS) é a seguinte (fl. 101 – ID 170518759): Chequei as declarações fechadas de 2012 e não encontrei o Luís Fernando... eu já liberei, então vc. Me deve r$ 4 mil. Muito embora, em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR alegue que não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento em relação à presente conduta (2ª conduta descrita na denúncia), os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva em sua forma qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula Silva Ferreira (CPF: 168.826.978-92). Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Segundo consta, VAGNER (contador) disse a VITOR (auditor fiscal), em diálogo interceptado no dia 16.04.2013, às 14h46, que a DIRPF 2012 de Jane Paula (cliente daquele contador) teria sido retida em “malha fina”. Informado por VAGNER (contador) de que este cobraria, de sua cliente, a título de honorários pelo serviço de “liberação da malha fina”, valor correspondente ao da restituição do imposto de renda, equivalente a cerca de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), VITOR solicita, para si, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais). VAGNER diz, então, que ficaria com restante do montante a ser restituído no mês seguinte (cerca de R$ 1.500,00 – mil e quinhentos reais), caso a contribuinte (Jane Paula) aceitasse a proposta. A transcrição de parte do referido diálogo é a seguinte (fls. 88/89 - ID 270552786 e fl. 106 – ID 170518759): VAGNER – Agora é o seguinte, lembra de uma mulher que eu falei que a burra foi retificando a Declaração dela porque foi dando inconsistência e ela ficou na malha retificadora? VITOR – Sim. VAGNER – Aí você falou assim ‘deixa aí essa porra...uma hora a gente vê...’ VITOR – Hã! VAGNER – Ela tem uma restituição legal pra gente trabalhar, mas assim...ela precisa que libera a declaração dela do ano passado, cara! Porque ela falou assim ‘cara, eu não sei mais o que fazer...’ eu falei pra ela ‘não mexa mais nessa porra. Deixa parado esse negócio lá que eu vou ver o que eu resolvo’. Ela tá pedindo de volta 4 ‘pau’. É... eu falei pra ela o seguinte, ‘se você pagar esses 4 ‘pau’ eu acho que eu consigo te ajudar. Só que você vai ficar sem nada, mas acho que eu consigo te ajudar’. E aí eu te pergundo: o que você acha? VITOR – Então, eu preciso ver, né? VAGNER – Você quer o CPF dela? (...) (...). VITOR — Tava o meu colega aqui do lado, não dava pra falar abertamente. Me dá o CPF dela, então... (...). VITOR — Olha, eu posso até... Eu posso até... Eu posso até liberar, mas assim... Hã... Eu libero, você não precisa retificar, nem nada. Só que a minha proposta é a seguinte: quando ela receber... Ela vai receber 4.418. Ela me dá 3. VAGNER — Tá bom! Eu pego 1.000 pra mim. Vou cobrar tudo dela. VITOR — É... você pega... VAGNER — Vou falar para ela ‘É pegar ou largar, filha’! VITOR —Não, você vai pegar mil... 1.500, mais ou menos... VAGNER — Quanto que dá de correção... Você sabe? VITOR — É um ano de correção... A SEL1C lá na faixa de 07... É 7% de correção. Com certeza! VAGNER — É 4.700, que vai dar. Eu vou falar pra ela o seguinte... É...É...E 4.700 os honorários para liberar isso aqui. E aí, se você liberar agora, já sai o mês que vem essa porra..., vou falar para ela. VITOR — É. VAGNER — Vou fazer essa proposta então. VITOR — Tá. VAGNER Tá bom? VITOR — Tá! Aí você faz... Você faz o seguinte, você pede algum...um cheque, né? Dela... Depois disso, apurou-se ter havido, às 16h16 do dia 16.04.2013 e às 10h06, 10h08 e 10h09 do dia 17.04.2013, trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e VAGNER com o seguinte teor (fls. 90/91 – ID 270552786): SMS: Pode liberar a Jane. Ela topou. (...). SMS: Bom dia. Não esquece de liberar a Jane. Abs. SMS: Já foi. SMS: Ela vai mandar o cheque amanhã. Com efeito, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que VITOR efetuou uma série de consultas à DIRPF 2012 de Jane Paula no mesmo horário em que conversou com VAGNER ao telefone e que, às 13h33 do dia 17.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) daquela contribuinte (cliente do contador VAGNER FABIANO MOREIRA). De acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), em 01.05.2013, o sistema promoveu a emissão do lote de restituição para a DIRPF 2012 de Jane Paula Silva Ferreira, tendo sido o valor disponibilizado para a contribuinte em 15.05.2013 (vide fl. 166 – ID 270552802). Ainda de acordo com o Relatório elaborado pela Receita Federal, “não foram encontrados quaisquer registros de atendimento da referida contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA. Também não foi encontrado nenhum dossiê contendo os documentos que o Auditor-Fiscal afirma terem sido apresentados pela contribuinte para comprovar as deduções pleiteadas e/ou demonstrar sua admissibilidade” (fl. 168 – ID 270552802). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 7ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de, nessa ocasião, VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante tudo o que foi exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática de outros 2 (dois) delitos de corrupção passiva qualificada (referentes às 2ª e 7ª condutas). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA – ART. 317, §2º, DO CP (1ª, 4ª e 10ª condutas). PRESCRIÇÃO. A prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). No caso concreto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) foi condenado pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), com fulcro no artigo 317, §2º, do Código Penal. Houve, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa de três circunstâncias judiciais (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Operou-se o trânsito em julgado para a acusação, de maneira que o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de corrupção passiva privilegiada não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de corrupção passiva privilegiada ocorreram em 22.03.2013, 26.03.2013 e 23.04.2013 (fls. 08/15 – ID 170518764), isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE PECULATO ELETRÔNICO (ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL). O art. 313-A do Código Penal, assim dispõe: Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O delito de "inserção de dados falsos em sistema de informações" ou "peculato eletrônico" é misto alternativo (ou de ação múltipla), que possui, no seu bojo, vários verbos nucleares, quais sejam: "inserir" (introduzir, implantar, incluir), "facilitar a inserção" (auxiliar, tornar fácil a inserção), "alterar" (mudar, modificar) e "excluir" (remover, afastar, eliminar), de modo que, praticada quaisquer das condutas descritas, estará consumado o crime. Inclusive, a prática, em um mesmo contexto fático, de dois ou mais dos comportamentos previstos, enseja, em princípio, a responsabilização por uma única infração penal, não se havendo de falar em concurso de crimes. Além disso, para que se possa atribuir a um sujeito a autoria do delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, é indispensável a presença do dolo, isto é, da vontade livre e consciente de inserir/facilitar a inserção de dados sabidamente falsos (ou de alterar/excluir indevidamente dados corretos) em sistema ou banco de dados da Administração, bem como é imprescindível que o agente atue com a especial finalidade (elemento subjetivo que transcende ao dolo) de causar dano ou de obter vantagem indevida (de qualquer natureza) para si ou para outrem. Atente-se que, embora seja indispensável, para a caracterização deste crime, que o agente atue com o especial propósito de causar dano ou obter vantagem indevida (elemento subjetivo que transcende ao dolo), não se exige a efetiva produção de um resultado naturalístico para a sua consumação. Por se tratar de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá com a inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. OBTENÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDA. PENAS DE MULTA REDIMENSIONADAS. (...) 4. Restou demonstrado que foram inseridas informações falsas nos sistemas informatizados do INSS com o fim de garantir que a segurada cumprisse a carência necessária à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que deve ser mantida a condenação das apelantes pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. 5. O delito em questão, por ser crime formal, não exige a comprovação da ocorrência de resultado naturalístico para a sua consumação. Portanto, é irrelevante para a sua configuração a demonstração da efetiva obtenção de vantagem indevida. 6. A conduta narrada na denúncia - inserção de dados falsos no sistema da Previdência a fim de obter vantagem para si ou para outrem - subsome-se ao delito tipificado no art. 313-A do Código Penal, que foi aplicado com base no princípio da especialidade. (...) 11. Apelações desprovidas. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0007023-87.2014.4.03.6110, Rel. Nino Toldo, DJF3 Judicial 1 de 11.02.2019) APELAÇÕES CRIMINAIS. ARTIGOS 171 §3º e 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS VISANDO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA. NULIDADE AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. Crime formal, não exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico. Consuma-se, portanto, com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo penal, independentemente de efetiva obtenção de vantagem indevida ou ocorrência de prejuízo, que configuram exaurimento do crime. Segundo a acusação, a ré foi contratada para intermediar o requerimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Por sua vez, o outro réu, então servidor do INSS, tinha a incumbência de inserir dados falsos no sistema da autarquia, com a finalidade de garantir o êxito do requerimento do benefício. A conduta imputada aos acusados subsome-se ao crime descrito no art. 313-A do Código Penal. Prescrição afastada. Pena em concreto. (...) Apelação do réu a que se nega provimento. Apelação da ré a que se dá parcial provimento. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0008014-32.2015.4.03.6109, Rel. José Lunardelli, e-DJF3 Judicial 1 de 07.01.2019) Trata-se de crime próprio, que somente pode ser praticado por funcionário público (ou alguém a ele equiparado, nos termos do art. 327, caput e respectivos parágrafos, do CP). Além disso, apenas pode figurar como sujeito ativo o funcionário público que, além de ostentar essa qualidade, é autorizado a acessar/operar, por meio de senha ou qualquer outro comando, determinado sistema de informações da Administração Pública não aberto a outros funcionários ou ao público em geral. Em se tratando o agente de funcionário público "não autorizado", ficará afastada a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP, podendo se caracterizar, nessa hipótese, o delito de falsidade ideológica (inteligência do art. 299 do CP) ou, ainda, o delito previsto no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, por exemplo. É relevante salientar que, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como co-autores ou partícipes pelo crime previsto no artigo 313-A do Código Penal, desde que tenham pleno conhecimento de que o executor primário se trata de um funcionário público, isto é, desde que saibam que o delito está sendo praticado juntamente com um funcionário público. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: PENAL. ART. 313-A CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1- A denúncia aponta que os réus obtiveram vantagem ilícita, mediante fraude, em detrimento do INSS. A fraude supostamente utilizada pelos réus envolveu a utilização de sistemas informatizados e/ou banco de dados do INSS o que atrai a incidência do art. 313-A do Código Penal, específico para a situação. 2- A interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público Federal visando ao aumento da pena dos réus conduz à fixação do prazo prescricional segundo a pena máxima abstrata. Prescrição afastada. Entre os marcos interruptivos da prescrição, não decorreu prazo superior a 16 (dezesseis) anos. 3- Reconhecido o concurso de pessoas na prática do crime previsto no art. 313-A, o particular (não funcionário público) que tenha a vontade livre e consciente para agir com o funcionário público na obtenção de vantagem ilícita, deve responder pelo crime funcional como coautor ou partícipe. 4- Materialidade e autoria demonstrada. Prova documental e testemunhal. Confissão de um dos réus. 5- (...) (TRF3, Décima Primeira Turma , APCRIM 0001204-89.2007.4.03.6119, Rel. José Lunardelli, E-Djf3 Judicial 1 de 14.02.2017) O bem jurídico tutelado é a probidade administrativa, a moralidade e o patrimônio público, além da confiabilidade social nos sistemas e/ou banco de dados mantidos pela Administração Pública e respectivo conjunto de informações neles contidas, razão pela qual não se há de falar em aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: PENAL. PROCESSO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CP, ART. 313-A. NULIDADES. CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INAPLICABILIDADE. DEFESA DO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OMISSÃO. PREJUÍZO. COMPROVAÇÃO. EXIGIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENSÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. STJ, SÚMULA N. 444. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, o procedimento previsto no art. 514 do Código de Processão Penal não é aplicado se o funcionário público deixou de exercer a função na qual estava investido (STF, AP n. 465, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.04.14; STF, RHC n. 114116, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.12.12 e STF, HC n. 110361, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.06.12). 2. Embora o inquérito policial não supra a defesa prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, a omissão desta somente enseja nulidade se comprovado o efetivo prejuízo, consoante os precedentes do Supremo Tribunal Federal. (STF, Ag. Reg. no RHC n. 121.094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14 e STF, RHC n. 120.569, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.14). Para o Supremo Tribunal Federal, a prolação de sentença condenatória prejudica a alegação de nulidade por inobservância do art. 514 do Código de Processo Penal (STF, RHC n. 12.7296, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.06.15 e STF, Ag. Reg. no RHC n. 121094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14). 3. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a Administração Pública, não só no seu aspecto material mas também no moral, como sucede nos casos de peculato e inserção de dados falsos em sistema de informações (STJ, HC n. 165.725, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16.06.11; REsp n. 1378710, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.06.13, decisão monocrática; TRF da 3ª Região, ACR n. 00063043820044036181, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.01.13). 4. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito, é mantida a condenação da ré. 5. Dosimetria. No tocante a personalidade voltada para o crime, em consideração às condenações da ré pelo mesmo delito por outros fatos, não cabe valorá-los em prejuízo da ré sem a comprovação de trânsito em julgado, conforme dispõe a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Preliminar rejeitada. 7. Apelações desprovidas. (TRF3, Quinta Turma, ApCrim 0009695-23.2013.4.03.6104, Rel. André Nekatschalow, e-DJF3 Judicial 1 de18.10.2019) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância não é aplicável ao caso, ainda que seja de pequeno valor o prejuízo causado aos cofres da União, pois há um alto grau de reprovabilidade na conduta, que atinge a coletividade como um todo e a moralidade administrativa. 2. Apelação provida. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0006637-46.2012.4.03.6104, Rel. Nino Toldo, e-DJF3 Judicial 1 de 02.10.2019) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMÁTICA. CADASTRO DO BOLSA FAMÍLIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. SAQUES DO BENEFÍCIO DEPOSITADO EM CONTA DA AGENTE. ESTELIONATO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CP. DOLO NÃO COMPROVADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE COISA HAVIDA POR ERRO. - Comete o crime do art. 313-A do CP o agente que, na condição de menor aprendiz da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Trabalho (SEDEST) de Petrolina/PE, lotado no setor responsável pelo cadastro do Bolsa Família, insere dados falsos no sistema de informática com o objetivo de beneficiar terceiro que não preenchia os requisitos para integrar o referido programa de transferência de renda. Inteligência do art. 327, parágrafo 1º, do CP. - O delito tipificado no art. 313-A do Código Penal é modalidade de crime contra a administração pública, que resguarda, não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica, razão pela qual a ele não se aplica o princípio da insignificância. Precedente citado: STJ, AgRg no REsp n. 1.382.289/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE 11/6/2014. Hipótese, ademais, em que o valor total recebido pela apelante beneficiada pelo Bolsa Família perfez o montante de R$ 2.652,00, o qual supera em muito o salário mínimo vigente à época do fato e, ausente de dúvida, não pode ser tido como valor irrisório. - "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231 do STJ). Entendimento consolidado na jurisprudência com reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF, que reafirmou a orientação no sentido de que "circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (RE 597.270-RG-QO/RS). Pena mantida em 2 (dois) anos de reclusão, o mínimo previsto em lei para o crime do art. 313-A do Código Penal. - Não provimento do apelo interposto pelo agente responsável pela inserção de dados falsos em sistema informatizado da Administração Pública. (...) - Apelação do réu não provida e apelação da ré provida, em parte, para desclassificar a conduta descrita na denúncia para a do art. 169 do CP, com a fixação de nova pena. (TRF5, Quarta Turma, ACR - Apelação Criminal - 13833 0000028-69.2015.4.05.8308, Rel. Rubens de Mendonça Canuto, DJe de 12.08.2016, Página 160) CASO CONCRETO. Quanto aos crimes de peculato eletrônico, apurou-se, em síntese, que o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, agindo em conjunto com contadores e/ou contribuintes beneficiários, teria inserido, no sistema informatizado da Receita Federal, por diversas vezes, dados falsos consistentes em afirmações (inverídicas) de que contribuintes teriam comprovado deduções constantes de suas declarações de imposto de renda (DIRPFs), bem como teria emitido comandos de desbloqueio (com base em informações sabidamente falsas), possibilitando, assim, emissões irregulares de notificações de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir. Foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em continuidade delitiva, de oito delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas descritas na denúncia); EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia); FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia); JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia); CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática, em continuidade delitiva, de três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia); MAURO SERGIO ARANDA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese, que todas as condutas de peculato eletrônico descritas da denúncia são atípicas, já que não teria existido inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682). A defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). A defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. As defesas de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e MAURO SERGIO ARANDA alegam, em síntese, que os acusados devem ser absolvidos, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico (fls. 07/17 - ID 170518607, fls. 157/169 - ID 170518607 e fls. 57/61 - ID 170518682). Pois bem. No tocante às 1ª e 2ª condutas, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, após as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) de EDSON terem sido bloqueadas, por suspeita de fraude, nos dias 30.06.2010 e 12.05.2011, respectivamente, VITOR, em 15.02.2012, consultou as referidas declarações (às 10h05) e, na sequência (às 10h07 e às 10h08, respectivamente), desbloqueou-as, liberando-as, irregularmente, da “malha fina”, mediante afirmações (inverídicas) de que o contribuinte teria comprovado as deduções constantes de cada uma dessas declarações, o que possibilitou a disponibilização, em 01.03.2012, em favor de EDSON, de restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos) – correspondente à DIRPF/2010 - e de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos) – correspondente à DIRPF/2011 (vide fls. 165/175 - ID 270552801). Quanto à alegação da defesa de EDSON no sentido de que este “não obteve qualquer benefício com a suposta conduta” (fl. 64 – ID 170518682), cabe reiterar que, para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. In casu, de qualquer sorte, o Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas (vide fls. 165/175 - ID 270552801), revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções. Conforme explicitado na r. sentença, constou do aludido relatório que, em 15.02.2012, o servidor VITOR consultou as DIRPFs de EDSON e “efetuou o desbloqueio da lista (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB) e, automaticamente, o sistema a selecionou para a malha fina, o que levou o corréu a liberar a DIRPF mediante informação inverídica de que o contribuinte comprovara as deduções (...)” – fls. 117/118 – ID 170518759. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de EDSON FERREIRA DA SILVA pela prática, em concurso de agentes, de ambos os delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia). No tocante à 3ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que a declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa constava em malha fiscal e que, após a emissão eletrônica de intimação (em 30.12.2012), o servidor VITOR procedeu, em 01.04.2013, à liberação daquela DIRPF da “malha fina”, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da seguinte informação: “O CONTRIBUINTE APRESENTOU COMPROVAÇÃO DAS DEDUÇÕES PLEITEADAS E/OU DEMONSTROU SUA ADMISSIILIDADE” (fl. 180 – ID 270552801). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome de Marco Antonio de Castro Correa (conforme fl. 181 – ID 270552801). Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la (fl. 119 – ID 170518759): Vitão de acordo aquele processo referente ao ano de 2009 de Marco Antonio de Castro Corea, já foi deferido. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 4ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, em 05.05.2012, às 15h05, houve o bloqueio, para fins de fiscalização, da DIRPF/2012 de Marcelo Melro Mendonça e que, posteriormente (em 18.03.2013, às 15h11), o servidor VITOR “desbloqueou” a referida DIRPF (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB), tendo, ainda, no dia seguinte (em 19.03.2013, às 11h53) inserido dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal, a fim de “liberar” a declaração e possibilitar a emissão de notificação para restituição (indevida) de montante equivalente a R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos) – vide fls. 32/34 – ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte Marcelo Melro Mendonça. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF de Marcelo e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito (vide fl. 32 – ID 270552802). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 5ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que (vide fls. 160/164 – ID 270552801): “a DIRPF 2012 da contribuinte Maria José Marchetti Torrano foi incluída em malha em face de: a) inconsistência de dados de fontes pagadoras (código MF 210); b) suspeita de despesas médicas inidôneas (código MF400), especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão, não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 125.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fls. 163/164 – ID 270552801); “a DIRPF 2012 de Olavo Marchetti Torrano foi incluída em malha devido a suspeita de omissão de rendimentos de aluguéis recebidos de pessoa física pelo titular (Código MF 300) e de suspeita de despesas médicas inidôneas (Código MF400); especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 68.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fl. 164 – ID 270552801); A DIRPF 2012 de Gerson Gomide ficou “retida em malha fiscal por suspeita de declarações médicas inidôneas (parâmetro MF 400)” – fl. 122 - ID 170518759. Demonstrou, também, que as declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano foram “liberadas da malha fina” pelo servidor VITOR no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, respectivamente, bem como que a DIRPF/2012 de Gerson Gomide foi “liberada” da malha fiscal, também pelo servidor VITOR, em 12.06.2012, sempre mediante a informação inverídica de que os contribuintes teriam comprovado as deduções sob suspeita ou demonstrado sua admissibilidade. Consta, inclusive, que, graças às aludidas inserções de dados falsos no sistema da Receita Federal, os contribuintes receberam, indevidamente, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Em 12.03.2013 e em 19.03.2013, p.ex., trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 207 – ID 170518766): De: cleidemariac (...) Para: Vitor (...) Enviadas: Terça-feira, 12 de Março de 2013 16:12 Assunto: Notificação de nosso contribuinte. Olá Vitor Anexo a notificação do contribuinte, ele pagou na ocasião. Aguardo retorno Desde já agradeço abs Cleide Maria. De: Vítor Aurélio (...) Para: cleidemariac (...) Enviada em: terça-feira, 19 de março de 2013 18:47 Assunto: Re: Notificação de nosso contribuinte. Cleide, Desculpe a demora p/ responder este caso. Já está liberado. Abs. Em 05.04.2013, às 11h28 e às 12h10, CLEIDE e VITOR trocam, via SMS, as seguintes mensagens: CLEIDE: Oi Vitor, t perdida, ainda n)o fiz nenhum ir, e se eu fizer quase todos igual ano passado? O que vc acha? Abs VITOR: funciona. exceto p/ casos q liberei. Por fim, apurou-se que, em 10.04.2013 (às 13h45), a contadora (CLEIDE) encaminhou, ao auditor fiscal (VITOR), mensagem de correio eletrônico (e-mail) com o seguinte teor (fl. 03 – ID 170518943): Oi Vitor Não querendo incomodar mas já incomodando......não tem jeito de fazermos apenas uns 10. O repasse do serviços para você seria de R$ 4.000,00, com exceção da Maria José que seria R$ 6.000,00. Eu poderia fazer + ou - igual ao ano passado, somente teria alteração quanto a Maria José Torrano, Olavo Torrano e Gerson Gomide que foi lançado o Albert Einsten...pois não sei se pode usar este recurso.... Faríamos somente este ano, e já aviso aos mesmos que não será possível a partir de 2014. Senão for possível eu entendo, não podemos nos prejudicar de maneira alguma. Obrigada Cleide Maria Ora, não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide), é firme, com base nas trocas de mensagens supramencionadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 de Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de CLEIDE MARIA RIBEIRO pela prática, em concurso de agentes, dos referidos três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) revelou que, no dia 26.04.2013, às 13h44, o servidor VITOR efetivamente liberou, da “malha fina”, a referida declaração, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da informação (inverídica) de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções pleiteadas. Como resultado, a conduta criminosa gerou a restituição (indevida), em favor do contribuinte, de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos) – vide fls. 168/169 - ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome de Henry Luis Fornitano. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração de Henry Luis Fornitano (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração de Henry Luis Fornitano. Em 04.04.2013 e em 08.04.2013, os corréus trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 101 – ID 170518943) De: Mauro Aranda (...) Para: Victor (...) Enviadas: Quinta-feira, 4 de Abril de 2013 10:23 Anexar: 21401986897-1RPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao.pdf; 21401986897-1RPF-2012- 20111-retif-imagem-declaracao.pdf Assunto: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-1RPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Devidas correções feitas. De: Vitor Aurélio (...) Para: Mauro Aranda (...) Enviada em: segunda-feira, 8 de abril de 2013 19:10 Assunto: Re: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-IRPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Agora sim... pode transmitir o Henry. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) de Henry Luís Fornitano ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. Transcreve-se, aqui, o referido diálogo interceptado em 17.04.2013, às 11h47 (fls. 102/103 – ID 170518943): VITOR - Alô! MAURO - Alô! VITOR - Ô, meu! O que aconteceu...Você tava preso? (...). MAURO - Graças a Deus a coisa tá fluindo. Eu tô com um negócio aqui, eu preciso que você me ajude. Você viu que eu mandei do HENRY de novo, né? VITOR - Pera aí... Repete. Não entendi nada. MAURO - Você viu que eu mandei o IR do HENRY de novo... VITOR - Não, não vi. Você mandou? MAURO - Puta... Você não falou pra mandar... Você mandou um e-mail pra mim que podia mandar daquele jeito que tava? VITOR - Sim! MAURO - E tá dando pendência no Bradesco Saúde. VITOR - Ah, que... !MAURO - Você consegue ver isso aí? 1VITOR - Bom... É, bom... Paciência, né? Aí é... Aí é comigo. MAURO - (Risos)... Faz o seguinte, você vai fazer o que hoje à noite? VITOR - Hoje... Ah, hoje eu vou lá no puteiro perto de casa. MAURO - Meu, para com isso! Vira evangélico. Para de fazer bagunça! Vamo trabalhar... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tô com uma pilha de Imposto de Renda da minha frente. Eu tô olhando pra ela, tô com vontade de rasgar tudo e sair correndo... Você não tem noção (inaudível) trabalhar, tem um monte de coisa na minha mesa. Tô pensando em jogar tudo fora. VITOR - (Inaudível) MAURO - (Inaudível) tá vindo o pessoal do banco pra cá... Banco Safra. VITOR - Imagino que você esteja quase louco, mas... MAURO - Você vai... Você vai lá na Pompéia então? VITOR - Eu tô lá! MAURO - Que horas que você vai pra lá? Acho que vou lá conhecer. Vamo marcar umas 7h00 lá? VITOR - Ah, vamo... Você não quer ir um pouco mais tarde? MAURO - Pode ser. Você que me fala. Que horas? iVITOR - É... Eu tô... Eu tô pensando, assim... Você podia ir lá umas 8 e meia. MAURO - (Inaudível) sair daqui, eu te ligo. É mais fácil. VITOR - muito tarde? MAURO - Não, pra mim tudo bem. Não tem problema. Eu... preciso tirar esse monte de pendência da minha vida aqui...São coisas que eu acabo passando até vergonha aqui, porque eu não resolvo as coisas. VITOR - É... Mas escuta, você tem notícias da CRISTINA? MAURO - Tenho, tá aqui a carta que chegou aqui, só que ela tá viajando. Chegou a carta dela aqui... Cadê? Tá aqui na minha frente... Puta, os caras bateram palma... Por isso que eu tô... O pessoal do Banco Safra todinho vai vir pra cá agora por causa disso. Eles acharam o trabalho excelente, tudo... Tirando as mancadas que eu deixei... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tomei uma puta bronca. Ela falou ‘Meu, esse ROBERTO aqui não aparece...’, eu falei ‘Você quer que o cara aparece, manda carta dele, um cartão de Natal pra você, mas ele não vai botar o nome dele aqui...’. Ele mandou outro cara fazer a intimação dela. Então, fica tranquilo eu te passo hoje à tarde como é que tá a posição. VITOR - Ué? Mas eles já tavam sabendo que isso ia acontecer? MAURO - É... Não falei pra você que o marido dela é um cara que passa os negócios pra gente...O que que ele fez? Ele automaticamente... Falei ‘O, sua esposa vai receber intimação. Eu já recebi lá pra fechar...’, porque tava achando que não ia fechar a operação nunca. VITOR - Hã! MAURO – ‘Pode ficar tranquilo que tá fechando. Ela vai receber a carta...’, ele falou ‘Meu, o problema é que se minha mulher pegar isso aí na mão, ela vai ter um infarto’, falei ‘Então, avisa ela que ela vai ser intimada pra não ficar... Não ter infarto antes da hora’. VITOR - Pô, mas até o marido tá sabendo disso? Por quê? Não tô entendendo... MAURO - Não, o cara que passa o trabalho pra gente. Não, fica tranquilo! Eu te explico, mas assim... 100% seguro. Pode ficar sossegado. VITOR - É, porque, eu pensei assim, que era você que tava fazendo isso pra dar um susto nela. MAURO - Não, não, não... É pra garantir os próximos serviços dele. Porque ele ficou meio... Ele achou meio estranho porque... Como o dele caiu lá na situação e ninguém resolveu, ele ficou doido. Ele falou ‘Meu, cadê sua força?’, falei ‘Cadê minha força... Não me dá carta na mão, como é que eu posso ter força?’, mas eu te explico. Fica tranquilo que à noite eu te explico. VITOR - Bom, mas ele tava sabendo que você ia pedir pra um fiscal fazer a intimação? MAURO - Não, não. Ele não tava sabendo. Eu falei ‘Ela vai dançar, porque ela...’. VITOR - Ah, bom! MAURO - ... ‘Tem um patrimônio não declarado, que entrou uma puta grana na conta dela, ninguém explica nada, então ela vai dançar. Vai ser automático isso aí’, aí, ele falou ‘Como é que vai resolver?’, falei ‘Meu, a hora que chegar a carta, não esquenta. Me dá a carta que eu resolvo...’. VITOR - (Inaudível) MAURO – ‘Eu tenho gente que me ajuda a fazer Isso ai’. VITOR - Tá bom! MAURO - É isso que ele queria entender. VITOR - Ah... Hamhamm! MAURO - Ele não sabia quem era. VITOR - Tá... Tá bom! Belê! MAURO - Pode deixar comigo então. Umas 8, 8 e meia a gente se fala. VITOR - Tá bom. Falou! MAURO - Um abraço! VITOR - Outro, tchau! Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de MAURO SERGIO ARANDA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART. 325 DO CÓDIGO PENAL). O art. 325, caput e §1°, do Código Penal, assim dispõe: Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) O crime de violação de sigilo funcional (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada) se caracteriza pela conduta de, oralmente ou por escrito, revelar e/ou facilitar a revelação de informações confidenciais conhecidas em razão do cargo ocupado pelo agente público. O sigilo pode decorrer de Lei, de determinação judicial ou de determinação administrativa, p. ex., sendo que, para a caracterização do delito, é necessário que o funcionário tenha consciência da necessidade do segredo, por força de sua função, e que o segredo seja de interesse público. Note-se que, em se tratando de fornecimento de informações protegidas por sigilo que caracterize violação de sigilo fiscal, ato que, inclusive, configura improbidade administrativa, há, no âmbito administrativo, previsão de aplicação de pena de demissão (inteligência do art. 132, IX, da Lei n.° 8.112 de 11.12.1990), podendo o servidor, ainda, responder no âmbito cível, em ação de reparação de danos materiais e morais. E mesmo em se tratando de meros dados cadastrais, os quais, em regra, não são protegidos por sigilo fiscal, é certo que a lei determina o dever funcional de sigilo sobre assuntos da administração pública (inteligência do art. 116, incisos III e VIII, da Lei n.° 8.112/1990, os quais devem ser combinados com normas internas de cada órgão da administração), de maneira que o servidor público que, imotivadamente, acessar dados cadastrais para divulgá-los ou fornecê-los a quem não esteja legalmente autorizado a conhecê-los, estará descumprindo, eventualmente, dever funcional de observância às normas legais e regulamentares e, consequentemente, estará sujeito às sanções previstas no art. 325 do Código Penal. O bem jurídico tutelado é o regular funcionamento da Administração Pública, que poderia ser comprometido pela divulgação não autorizada de informações sigilosas. A norma visa coibir funcionários públicos de, no exercício de suas funções, revelarem fatos que devam permanecer em segredo, assegurando, assim, a confidencialidade necessária para a manutenção da eficácia administrativa e a salvaguarda do interesse público. Trata-se de crime formal, uma vez que se consuma no momento em que a informação sigilosa se torna conhecida por pessoa não autorizada, e que apenas admite a modalidade dolosa. Importante mencionar, por fim, que o delito em questão não se confunde com o de violação de segredo profissional, previsto no art. 154 do Código Penal, o qual pune a conduta de “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Neste último caso, os sujeitos ativos não se tratam de funcionários públicos responsáveis por sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública, mas sim de profissionais do setor privado, conhecidos como “confidentes necessários”, a exemplo dos advogados, sacerdotes, médicos e psicólogos, p. ex.. CASO CONCRETO. PRESCRIÇÃO. Quanto aos crimes de violação de sigilo funcional, houve a condenação de: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática, em continuidade delitiva, de quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª e 3ª condutas descritas na denúncia). Quanto ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, o r. juízo a quo reconheceu o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade deste acusado em relação aos delitos de violação de sigilo funcional. Em face do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a denúncia foi recebida apenas em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612), razão pela qual afastou-se, no momento da prolação da r. sentença (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759), a ocorrência de prescrição em relação a este acusado. Foi-lhe, pois, imputada, a pena de 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção pela prática, em continuidade delitiva, dos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). Não obstante, considerando que, no presente momento, já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição também em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH. Reitere-se que a prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de violação de sigilo funcional não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de violação de sigilo funcional ocorreram nos dias 19.03.2013 (1ª conduta), 25.03.2013 (3ª conduta), 03.04.2013 e 09.04.2013 (4ª conduta) e 26.03.2013 (5ª conduta) – fls. 03/38 – ID 170518764, isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI Nº 9.613, DE 03.03.1998). O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem (ilação que deve ser compreendida em coerência com a aplicação dos postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção do Direito Penal). Cumpre asseverar que, de acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente (cite-se, como exemplo, as operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras realizadas de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas - vide STF, AP n. 996, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29.05.2018, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção); controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas. Imperioso destacar, que, para fins de consumação do delito, não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas, dispensando-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. No que tange à desnecessidade da ocorrência de todas as etapas da lavagem e da sofisticação das condutas, confira-se: “Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de ‘lavagem de capitais’ mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, ‘caput’): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’ transnacional, com os quais se ocupa a literatura”. (STF, RHC 80816, Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18.06.2001) A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Tendo em vista a especial efetividade de que a persecução estatal deve imbuir-se no combate à criminalidade organizada, consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal, de sorte que o legislador pátrio o fez refletir na Lei nº 9.613/1998, cujo art. 2º, inc. II e § 1º, estabelece que: “II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. A autonomia da repressão ao delito de lavagem mostra-se certíssima medida processual penal assimilada pelo sistema normativo atual, o qual exige apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 1º, INCISO V, DA LEI 9.613/98. ABSOLVIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE: INOCORRÊNCIA DO CRIME DE LAVAGEM. CRIME DE DESCAMINHO. MODALIDADE TER EM DEPOSITO. APREENSÃO DA MERCADORIA: AUSENCIA DE PROVEITO ECONÔMICO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, que rejeitou a absolvição sumária do paciente, nos autos da ação penal nº 0000172-23.2008.403.6181. 2. O paciente foi denunciado porque teria ocultado a propriedade de bens, provenientes de delito contra a Administração Pública, consistente em contrabando e descaminho, crime este apurado nos autos 2007.61.81.014628-5. 3. A Primeira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento da apelação 2007.61.81.014628-5, por unanimidade, negou provimento ao apelo da acusação e deu parcial provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", c.c art. 29, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo o acórdão transitado em julgado. 4. Considerada a absolvição do crime antecedente, não há que se falar na ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. 5. Nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, e artigo 2º, inciso II, e §1º, da referida lei, prescinde-se da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente. Não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente. 6. No caso em tela, há uma particularidade, o crime antecedente nessa ação penal foi um crime bem definido e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem. E não houve prova suficiente para condenação do réu no crime antecedente, de modo que não restou caracterizado o crime de lavagem, por ausência da prévia ocorrência de crime do qual o numerário seja proveniente. 7. Caso não fosse imputada a autoria conhecida a alguém, o fato de não existir condenação não impediria que o crime de lavagem fosse imputado a outra pessoa. Mas uma vez imputada a autoria do crime de lavagem a um autor, que é o mesmo agente que se imputa o crime de lavagem, a absolvição com relação ao crime antecedente, esvazia a própria imputação de lavagem. 8. O Estado reconheceu em outra ação penal que não existe prova suficiente para relacionar o acusado com a obtenção ilícita daqueles bens. Assim, não há como imputar a esse acusado a mera ocultação da proveniência ilícita desses bens. Se o Estado não conseguiu provar que o agente obteve ilicitamente o bem, não pode mais tentar provar que o agente está ocultando ou dissimulando bem que tinha conhecimento que era ilícito. Sobrevindo sentença absolutória em relação ao crime antecedente, ainda que por insuficiência de provas em relação à autoria delitiva, entendo que não subsiste o crime de lavagem de capitais. 9. Ainda que assim não se entenda, observa-se que foi apontado na denúncia como crime antecedente ao da lavagem de dinheiro, o descaminho na modalidade 'ter em depósito'. Nessa modalidade de descaminho, ter em depósito, a única dissimulação ou ocultação possível seria dos próprios bens descaminhados, mas isso não existe, pois os bens foram aprendidos naquela operação, ou seja, para que seja possível o crime de lavagem nessa modalidade (ter em depósito), teria que se imputar ao paciente a ocultação dos próprios bens descaminhados, o que não ocorreu. Ao contrário, a denúncia imputa ao paciente a conduta de ter adquirido outros bens em nome de terceiras pessoas, na modalidade dissimulação, dissimulando a propriedade daqueles bens. 10. Se as mercadorias, objeto do crime de descaminho, não foram vendidas, pois foram apreendidas, imputando-se ao agente crime na modalidade ter em depósito, como esse agente poderia ter transformado o produto do descaminho apreendido em dinheiro, para posteriormente adquirir os bens que foram colocados em nomes de terceiros? Seria necessário que o agente vendesse o produto descaminhado, para conseguir transformá-los em dinheiro e adquirir aqueles bens que colocou em nome de outras pessoas. 11. É certo que os bens adquiridos em nome de terceiros poderiam ter sido adquiridos com o proveito de outros crimes de descaminho, em outras modalidades, mas não foi esse crime antecedente que a denúncia se referiu. A denúncia é explícita, apontando um crime específico como antecedente, qual seja, o descaminho relativo à apreensão ocorrida no dia 14/11/2007 que resultou na ação penal 2007.61.81.014628-5. E no tocante a esse descaminho, toda mercadoria que era mantida em depósito foi apreendida, não havendo que se falar em proveito econômico advindo do descaminho, de modo que não resta caracterizada um dos elementos objetivos do crime de lavagem, que é a proveniência ilícita dos bens. 12. Ausência de justa causa. Ordem concedida”. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 52049 - 0033971-34.2012.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 22.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.10.2013 - destaque nosso) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO V, DA LEI 8.137/1990 COMO DELITO ANTECEDENTE. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DENÚNCIAS QUE NARRAM A OCORRÊNCIA DE CRIME MATERIAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Embora independa a persecução pelo crime de lavagem de valores do processo e julgamento pelo crime antecedente, na forma do art. 2º, II, da Lei nº 9613/1998, exigido é que a denúncia seja instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012). (...) 4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro. (...)”. (STJ, RHC 73.599/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.09.2016, DJe de 20.09.2016) Em suma, deverá o órgão acusatório indicar na denúncia, de maneira certa, específica e individualizada, quais infrações subjacentes levaram à conclusão sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou valores, de modo a permitir ao acusado sua ampla defesa e o respeito ao princípio do contraditório. A devida caracterização do tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 exige que os fatos delituosos descritos não tenham caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Especificamente acerca do que se acaba de tratar, vide as palavras de Renato Brasileiro: “Em se tratando de crime de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrado que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, estabelece que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p. 173) - destaque nosso. A esse respeito, válida a referência à fundamentação irretocável trazida no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual se determinou o trancamento da ação penal precisamente em razão da inicial acusatória falhar em delimitar, de maneira clara, precisa e individualizada, as infrações subjacentes que embasavam a lavagem de dinheiro. In verbis: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N. 9.618/98. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO REPASSE DE VALORES AO PACIENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FORMA PRECISA E OBJETIVA DOS CRIMES ANTECEDENTES. FALTA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS VALORES RECEBIDOS PELO PACIENTE E OS SUPOSTOS EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O paciente foi denunciado pelo crime capitulado no artigo 1º, caput, incisos V e VI e § 1º, inciso II, da Lei n. 9.613/98, cujo feito foi instaurado a partir do desmembramento do Inquérito Policial 2.474 em curso no STF, com o escopo de investigar os diversos repasses efetuados pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, no valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao paciente. 2. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 3. Em casos extremos, todavia, em que a acusação se desenvolve de maneira claudicante, isto é, apresentando denúncia imprecisa, genérica e indeterminada, a jurisprudência não fecha a porta à possibilidade de trancamento da ação penal, especialmente, quando, pela imprecisão ou generalidade da peça acusatória, falhando no dever de bem delimitar e individualizar os fatos delituosos, dificulte a defesa de ordem a concretizar violação à ampla defesa e ao contraditório. 4. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 5. O Supremo Tribunal Federal tem imposto mesmo ao Ministério Público o dever de deduzir denúncia com idoneidade, de ordem a narrar os fatos de forma certa, determinada e precisa, para propiciar ao acusado a possibilidade de, sabendo a natureza e extensão da acusação contra ele dirigida, bem poder se defender. 6. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: 'O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado 'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado' (HC 84580, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513). 7. No caso, a denúncia relata que o paciente, no ano de 2003, teria recebido das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, indicado na AP 470/STF como operador do 'Mensalão', quatro depósitos bancários, que totalizaram o valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Posteriormente, consoante a denúncia, o paciente, em 23/06/2005, teria retificado sua Declaração do Imposto de Renda referente ao ano-calendário 2003, para declarar os valores recebidos como sendo provenientes de serviços prestados, sem, contudo, ter sido demonstrado documentalmente que se tratava de recursos obtidos em virtude da atividade profissional do paciente. 8. A denúncia, em redação pouco precisa, às vezes sem congruência, indica, num primeiro passo, ao início da descrição dos fatos delituosos, que os chamados crimes antecedentes consistiriam estritamente em empréstimos fraudulentos de onde originariam os recursos, posteriormente, transferidos à conta do paciente; sendo que, contraditoriamente, num segundo passo, em capítulo final, especialmente aberto para descrever e delimitar os crimes antecedentes, parece pretender imputar ao paciente, como crimes antecedentes que compõe a conduta a ele imputada, todos os crimes que eventualmente tenham sido processados e julgados na referida ação 470 (Mensalão). 9. No particular, verifica-se que não há qualquer remissão acerca dos crimes antecedentes ao suposto de crime de lavagem de dinheiro, limitando-se a denúncia a tecer considerações acerca dos crimes apurados na AP 470/STF. Ou seja, a denúncia não logrou demonstrar a vinculação objetiva ou subjetiva dos alegados crimes antecedentes com o ilícito de lavagem de ativos imputado ao paciente. Pior do que não indicar, com certeza e precisão, quais os crimes anteriores de que o acusado deve se defender, é atribuir-lhe uma quantidade indeterminada de delitos, afogando a sua defesa em indeterminação e incerteza. 10. Assim, embora tenha sido consignado na denúncia todos os crimes apurados na AP 470/STF (corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e formação de quadrilha), não houve a indicação de qual ou quais seria(m) o(s) crime(s) antecedente(s) do crime de lavagem de dinheiro atribuído ao paciente, restando apenas genérica imputação de que seriam os crimes apurados na referida ação penal. 11. Aliás, o próprio Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, após a realização de diversas diligências, que objetivavam esclarecimentos por parte dos peritos da Polícia Federal acerca da demonstração de vínculo entre os repasses realizados ao paciente e os supostos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do empresário Marcos Valério, em manifestação anterior à denúncia ora sob análise, havia requerido, em petição datada de 30/03/2015, o arquivamento do inquérito policial, por entender não presentes as evidências de que os repasses realizados em favor do paciente se vinculavam aos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, assim como por não reunir elementos indiciários da prática do crime de lavagem de dinheiro. Porém o pedido de arquivamento foi indeferido pelo juízo a quo e a denúncia foi apresentada por determinação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. 12. Consta dos autos que a manifestação técnica, que subsidiou à época o pedido de arquivamento do inquérito policial, foi precisa ao certificar que foram apurados apenas, com amparo em laudos produzidos nos autos da AP 470/STF, que o paciente havia recebido quatro repasses que totalizavam R$ 300.000,00, no período de 18/03/2003 a 25/04/2003, sem contudo indicar a origem dos recursos, pois, conforme justificativa apresentada, '(...) para se vincular exatamente os valores recebidos por João Pimenta da Veiga Filho aos 'empréstimos fraudulentos' será necessário reexaminar novamente os valores que ingressaram na conta corrente 60199, da agência 3032, do Banco do Brasil, e na conta corrente 60025952, da agência 009, do Banco Rural, identificando a origem do saldo disponível para efetuar os repasses da empresa DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. ao beneficiário João Pimenta da Veiga Filho'. 13. Caracteriza violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada; de outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado o crime de lavagem de ativos, o qual apenas se concretiza com a presença de delitos antecedentes, mas não lhe propicia, entretanto, em aberta violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF/88, defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador que o Ministério Público afirma presente na conduta supostamente praticada pelo denunciado. 14. O fato de, conforme o art. 2º, II, da Lei 9.613/98, o processo e o julgamento dos crimes previstos nesse estatuto legal independerem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, não infirma nem pode infirmar, seja acentuado, o direito do acusado de ver reconhecida pelo Estado-juiz a conclusão incontornável de que tem o direito de defender-se de todos os elementos que compõem o tipo penal da conduta que concretamente o Estado-acusador lhe imputa. 15. No caso, o tipo penal claramente inclui como um de seus elementos o fato de que só haverá crime de lavagem se os valores eventualmente dissimulados ou omitidos tenham sido provenientes direta ou indiretamente, de infração penal anterior (cito e realço a dicção expressa da Lei): 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'. 16. Portanto, se não há crime anterior, ou se, pelo menos, por defeituosa descrição dos fatos típicos, não se consegue demonstrar o vínculo, objetivo ou subjetivo, entre o delito antecedente e aquele outro cuja prática se atribui ao paciente, obviamente, não se poderá, ao final, impor-lhe um juízo condenatório pelo crime de lavagem de ativos. 17. Configurada a formulação de denúncia genérica e imprecisa, em especial por não individualizar quais seriam os empréstimos fraudulentos e delimitar, entre todos os crimes apurados na AP 470/STF, quais exatamente maculariam os valores repassados ao paciente, resta conformada a sua inépcia, nos termos dos artigos 395, I do CPP e, em consequência, a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente (CPP, art. 647), razão pela concedo a ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal 0010250-17.2016.4.01.3800, em curso na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em relação ao paciente João Pimenta da Veiga Filho”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus nº 00160028420174010000, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, julgado em 26.06.2017 - destaque nosso) Como se vê, o próprio delito de lavagem de dinheiro contém o elemento normativo infração penal, no sentido de que somente restará caracterizado o delito parasitário desde que eventualmente os proveitos econômicos que tenham sido ocultados, dissimulados, integrados ou reciclados, sejam oriundos de infração penal subjacente. Significa dizer, na fase do oferecimento da denúncia deverá o órgão ministerial apresentar indícios suficientes de que o objeto material da lavagem esteja vinculado, direta ou indiretamente, com a infração subjacente. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998. Na mesma linha de raciocínio, vide precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da justa causa duplicada nos crimes de lavagem, oportunidade em que se afirmou a necessidade de demonstração de lastro mínimo probatório acerca do delito acessório e da infração subjacente: “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. JUSTA CAUSA DUPLICADA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ANTECEDENTE E DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito - justa causa do processo penal -, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender aos requisitos essenciais do art. 41 do Código de Processo Penal - CPP. Precedentes. 2. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 3. A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. 4. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente. 5. No presente caso, o Parquet não observou sequer a exigência da exposição formal da justa causa duplicada, porquanto, mais do que não demonstrar lastro probatório mínimo do crime antecedente, o que obstaria o prosseguimento da persecução penal por violação à justa causa, o dominus litis nem mesmo indicou a conduta penalmente relevante antecedente, o que leva à inépcia da denúncia. Verifica-se que não é possível à defesa realizar sua resposta à acusação de forma adequada, porquanto indefinidos elementos mínimos do que consistiu a infração antecedente e a origem ilícita dos valores que teriam sido objeto do branqueamento. A denúncia apenas aponta que os valores seriam oriundos do orçamento municipal e o modus operandi do branqueamento, consistente no depósito do cheque, cuja beneficiária é uma sociedade empresária, em conta bancária de terceiro, sem qualquer vínculo formal com a pessoa jurídica da empresa contratada beneficiária. 6. Recurso provido para que seja trancado o processo penal que apura o crime de lavagem de capitais em questão, haja vista a inépcia da denúncia, facultando-se a oferta de nova denúncia, com o devido preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP”. (RHC 106.107/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019, DJe 01.07.2019 - destaque nosso) “PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA.DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA.REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO.JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE.RECEBIMENTO. (...) 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. (...)”. (APn 923/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23.09.2019, DJe 26.09.2019) Cite-se, ainda, importante precedente do C. Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido: “Habeas Corpus. Ação penal. Lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, com a redação anterior à Lei nº 12.683/12). Trancamento. Inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade do writ. Precedentes. Exame da questão de fundo. Admissibilidade. Manifesta inviabilidade da ação penal. Ausência de descrição mínima dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 41, CPP). Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98. Defeito que não se sana pelo advento da condenação. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98. 1. A superveniência da sentença condenatória torna superada a alegação de inépcia da denúncia, ainda que anteriormente deduzida. Precedentes. 2. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, embora assentando a prejudicialidade do habeas corpus, tem examinado a questão de fundo para afastar a arguição de inépcia. 3. Na espécie, por maior razão, não há como se deixar de analisar a viabilidade da denúncia, diante de sua manifesta inépcia. 4. Como sabido, o trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15) 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 16. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal quanto ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98, por inépcia da denúncia”. (HC 132179, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 26.09.2017, processo eletrônico DJe 09.03.2018 - destaque nosso) Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis. As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores. Indo adiante, cumpre asseverar que eu vinha entendendo no sentido de que a infração tida como subjacente deveria ser necessariamente pretérita aos atos apontados como de lavagem dos proveitos econômicos auferidos - em outras palavras, compreendia-se que não seria possível, em princípio, cogitar-se de lavagem tendo como base patrimônio amealhado anteriormente à prática da primeira infração que potencialmente teria gerado o lucro econômico ao seu agente. Acerca de tais marcações temporais, em feito de minha relatoria, já decidiu a 11ª Turma do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS. CRIME DO ARTIGO 1, INCISO I, DA LEI 9.613/1998. LAVAGEM DE CAPITAIS. DATA DO CRIME ANTECEDENTE É POSTERIOR AO CRIME DE LAVAGEM. ATIPICIDADE DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. - O crime antecedente (tráfico de drogas) praticado pelo requerente ocorreu em 25.09.2010, e a lavagem de dinheiro, da qual é acusado, especificamente quanto ao imóvel descrito na letra 'o' da denúncia, teria se consumado em abril de 2010, com o registro do citado imóvel em nome de terceiros, de forma que o ato de branqueamento de capitais teria se dado anteriormente à data do crime de tráfico de drogas. - A imputação do delito de lavagem de capitais ao requerente mostra-se descabida, haja vista que a ocorrência da transação reputada como suspeita é anterior a 25.09.2010. - Nesse contexto, a determinação temporal da prática do tráfico enquanto delito antecedente delimitava, à época, e delimita ainda o subsequente crime de branqueamento de lavagem de dinheiro dele proveniente, e não, por óbvio, o contrário. - Diante da atipicidade da conduta imputada ao requerente, resta configurado o constrangimento ilegal. - Deferido o pedido de extensão, de forma a determinar o trancamento apenas quanto ao item 'o' da denúncia, da ação penal nº 0011209-37.2014.4.03.6181. - Esta decisão não autoriza a devolução do imóvel, objeto do presente writ, uma vez que nos termos dos §§1º e 2º, do artigo 91, do Código Penal: '... Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Na hipótese do §1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.', já que o requerente integra associação criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas, devendo se apurar a aquisição lícita do referido imóvel. - Agravo regimental provido”. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5029387-23.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, julgado em 24.04.2019, Intimação via sistema data: 25.04.2019) Contudo, revisitando a temática, é possível deparar-se com situações concretas em que determinado agente, antes de praticar ato lesivo à Administração Pública, no caso de corrupção passiva/ativa, por exemplo, receba valores que são dissimulados no exterior, passando a constar como beneficiário final, e somente após este ato beneficie um dos licitantes. Ou, ainda, na hipótese em que um traficante recebe valores antes da prática criminosa e os lava servindo-se de interpostas pessoas anteriormente ao envio da droga ao beneficiário final. Tais situações foram por diversas vezes observadas em processos que tramitaram perante a 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e em Lavagem de Dinheiro, oportunidades em que houve troca de experiências com o Eminente Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali, então juiz substituto. Dentro de tal contexto, em revisão de posicionamento, chega-se à conclusão de que, a teor da legislação de regência, os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica). Aliás, o entendimento em tela foi trazido à baila em artigo por meio do qual se infere, de forma percuciente, que não há a necessidade de que haja uma precedência estritamente cronológica propriamente dita, mas apenas jurídica, acerca do que se convencionou nominar "crime antecedente", expressão que seria melhor compreendida, na realidade, por meio da locução "crime subjacente" - vamos ao artigo (CAVALI, Marcelo Costenaro; LORENCINI, Bruno César. Separando Joio, Peste e Praga: ‘Caixa Dois’ Eleitoral, Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In Direito, Instituições e Políticas Públicas. O papel do jusidealista na formação do Estado. Coordenação: Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, André Tito da Motta Oliveira, Rafael Hamze Issa e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2017, p. 40-41): “(...) Proveniência cronológica ou jurídica de infração penal? Virou voz comum o entendimento de que a infração penal antecedente tem de ser cronologicamente antecedente à lavagem do seu produto. E não só: não bastaria ter sido iniciada a execução, teria de estar consumado o delito antecedente para que se pudesse cogitar da realização de algum ato de lavagem. No caso do 'Mensalão', o STF decidiu que 'A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)' (AP 470 EI-sextos, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 13.03.2014). De fato, como regra, os atos de lavagem do dinheiro ocorreram somente após a ocorrência da infração penal antecedente. Mas não tem de ser assim, nem fática nem juridicamente. Do ponto de vista jurídico, a Lei nº 9.613/1998 não prevê essa antecedência cronológica, mas apenas uma derivação jurídica, quando o art. 1º se refere aos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. A antecedência tem de ser lógica - não cronológica. Faticamente, alguns exemplos ilustram como é possível lavar o dinheiro de um crime antes mesmo que ele tenha sua execução iniciada. Pense-se num caso em que um 'matador de aluguel' é contratado para assassinar uma pessoa. O mandante e o futuro executor do delito celebram, então, um 'contrato de prestação de serviços de consultoria em segurança'; os valores são pagos e declarados à Receita Federal. Depois disso, o homicídio contratado é executado. Note-se que todos os atos de dissimulação da natureza do dinheiro recebido ocorreram antes do início da execução do delito, embora a causa real do pagamento já fosse conhecida pelos envolvidos. Seria essa cronologia razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro? A resposta para essa pergunta é, a nosso ver, negativa. Os valores recebidos pelo 'matador de aluguel' configuram, uma vez combinados, produto do ilícito a ser perpetrado. É claro que, se o homicídio não vier a ter sua execução iniciada, não se poderá falar em lavagem de dinheiro, pois não houve infração penal antecedente, sequer na forma tentada. Por isso, nos casos em que as condutas próprias do delito de lavagem de dinheiro ocorrerem anteriormente à infração penal antecedente que deu causa ao ativo lavado, o delito da Lei nº 9.613/1998 somente se consumará no momento em que iniciada a execução da infração penal antecedente. A solução apresentada pode parecer heterodoxa, mas, se bem examinada, sua engrenagem não é diversa daquela que rege a incidência de qualquer norma jurídica. É preciso que todos os pressupostos da hipótese de incidência estejam preenchidos para o desencadear de suas consequências jurídicas; por vezes, tais pressupostos são preenchidos em momentos diferentes, de modo que somente quando caracterizado o último dos pressupostos normativos exigidos haverá a incidência da norma. Tampouco existe qualquer empecilho do ponto de vista subjetivo, pois as partes envolvidas conhecem a origem do dinheiro, isto é, sabem que os valores foram pagos para o cometimento de um futuro homicídio - embora ainda não iniciado. De igual modo, não existe razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro concomitantemente à infração penal antecedente. O melhor exemplo para ilustrar essa possibilidade encontramos no delito de corrupção. No referido precedente do STF, entendeu-se que a autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos e posteriores do produto do crime antecedente (já consumado). A conclusão não se sustenta, em primeiro lugar, pelo fato de que é possível a lavagem de dinheiro de infração penal antecedente tentada. Mesmo que o agente não consiga consumar o delito, é possível que a tentativa gere um produto ilícito. Pense-se, para continuar com o exemplo anterior, no caso do homicida que, tendo recebido antecipadamente o pagamento pelo delito, não tem sucesso em consumá-lo. Mas não é só. O crime de corrupção compreende, de fato, a conduta de receber 'direta ou indiretamente' a vantagem indevida. Com isso, mesmo que o valor seja repassado por meio de um intermediário, haverá corrupção. No entanto, desde o advento da Lei nº 9.613/1998, em razão de uma nova política-criminal legislativa, o recebimento indireto dos valores da corrupção, quando gere especiais dificuldades para a sua identificação, apreensão e confisco pelas autoridades competentes - como, por exemplo, quando o pagamento é realizado através de um 'contrato de consultoria' realizado com um 'laranja' -, não caracteriza apenas a corrupção, mas também a lavagem de dinheiro. Essa é, a propósito, a razão de ser da criação do tipo penal da lavagem de dinheiro. A corrupção, no mais das vezes, compreenderá desde a aceitação até o recebimento da vantagem indevida. Tratando-se de crime de ação múltipla, as duas condutas caracterizam um único delito. Por sua vez, a lavagem de dinheiro, envolvendo um processo que compreende atos de ocultação, mas também o recebimento do dinheiro, pode ser compreendida juridicamente como sendo a mesma ação da corrupção. Justamente para esses casos, em que, por meio de uma mesma conduta - recebimento do valor indevido de forma indireta - o autor perpetra dois crimes, o Código Penal prevê a figura do concurso formal (CP, art. 70). Aceitas as premissas sobre a política-criminal da lavagem de dinheiro, no exemplo mencionado a conduta representa violação de bens jurídicos distintos: lesa a probidade na Administração Pública e ofende a Administração da Justiça. É verdade que a diversidade de bens jurídicos não é o único critério a ser adotado na resolução de possíveis concursos de delitos: é possível consunção de um delito por outro mesmo que os tipos penais examinados tutelem bens jurídicos diversos. Mas também se pensarmos, como sugere Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. São Paulo-Coimbra: RT-Coimbra, 2007. p. 990), na existência de um único ou de uma pluralidade de sentidos autônomos de ilicitude para diferenciar um concurso aparente de um concurso real, verificaremos que, nos casos aqui examinados, a atuação do corrupto possui claramente dois sentidos de ilicitude: o primeiro é o sentido de venda da função pública, o segundo o de recebimento da vantagem já aparentemente imaculada de sua ilicitude originária. O desvalor de registrar a propina como recebimento de um legítimo contrato de consultoria é claramente maior do que o de simplesmente receber o dinheiro e o esconder em casa, sem dificultar sobremaneira a aplicação integral da lei penal no que se refere aos efeitos patrimoniais da condenação. Aquele que recebe a propina como se se tratasse de honorários de consultoria já age com o intuito de criar uma justificativa aparentemente lícita para o dinheiro recebido (...)”. Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Veja que não deveria surpreender tal entendimento. As implicações em razão da Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal – STF, a qual preconiza que: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”, poderiam levar a essa conclusão. A referida Súmula prevê que a tipificação (e consumação) do delito nos crimes tributários ocorre com o lançamento definitivo do crédito tributário. Acontece que o Direito Penal só pode punir a conduta da pessoa que pratica o ato. A consumação não poderia depender de um ato de terceiro. Ela só poderia existir com ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado (conforme dispõe o art. 4º do Código Penal - teoria da atividade), de modo que a consumação não poderia depender de um ato de terceiro que nada tem a ver com o delito. Falar-se que a materialidade de um crime material dependeria de uma apuração administrativa por si só seria contraditória com a doutrina e mesmo a jurisprudência consagrada aos crimes materiais. Por exemplo, Nelson Hungria preconizava que o corpo não é necessário para a prova do homicídio em havendo certeza moral da existência desse crime. No caso de corrupção, nas modalidades “aceitar” e “receber’, não há necessidade de nenhuma comprovação material fora da análise das condutas como tem sido exigida pela Súmula Vinculante n. 24 para os crimes tributários e, finalmente, o fato de mencionar tributo, que seria o elemento normativo do tipo, apenas sugere ao intérprete que se faça um juízo de valor do que seja tributo. Tributo está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, como estão definidas as contribuições sociais no art. 149 da CF, e isso não faz depender, necessariamente como imposto pela Súmula, da existência de uma apuração administrativa para verificação desse elemento normativo. Existem outros elementos normativos em vários tipos penais (tais como: como coisa alheia, funcionário público, vantagem indevida) que demandam atividade valorativa que pode, sim, ser feita pelo intérprete, independentemente do resultado obtido pela Administração Pública. E, finalmente, não se pode distinguir crime tributário como se fosse algo diferente do delito de corrupção, pois ambos tutelam os recursos da Administração Pública. No primeiro caso, o tributo ainda está com o particular, ao passo que na corrupção os valores já estão em poder do Estado, mas são desviados ou apropriados. A similitude é evidente. Para a identificação da corrupção não se exige um procedimento por parte dos órgãos de controle (Controladoria Geral da União, por exemplo), portanto, sistematicamente não tem coerência exigir para o delito tributário algo que não se pode exigir para o reconhecimento nos casos de crimes contra a Administração Pública. Em síntese, no crime tributário material não deveria haver a exigência do lançamento definitivo para a sua caracterização. No entanto, o entendimento sumular supramencionado, impõe que a consumação dos crimes de tal jaez ocorra somente com a constituição definitiva do crédito tributário. Excepcionalmente nas hipóteses em que houver a lavagem de dinheiro e o delito subjacente for um crime tributário material, s.m.j., a Súmula n.º 24 poderá ser mitigada. Ora, não se deveria exigir o lançamento definitivo do crime subjacente para dar início à apuração da lavagem decorrente deste crime tributário. A despeito de tratar-se de entendimento minoritário, há julgado do STF consignando que a regra inserta no aludido entendimento sumular pode ser mitigada nos crimes contra a Ordem Tributária nas hipóteses de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal (possibilidade de se dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo): “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 24. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INVESTIGAÇÃO CONCOMITANTE DE CRIMES DE NATUREZA DISTINTA DA FISCAL. VIABILIDADE, EM TESE, DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 8. Sobressai da narrativa dos agravantes que ‘são investigados outros crimes além dos tipificados no ‘art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90’, dentre eles, crimes contra a administração em geral e de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade do esgotamento das vias administrativas para a investigação do crime de lavagem de dinheiro, conquanto o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do enunciado nº 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC 118.985-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE 936.653-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016. 9. Agravo regimental desprovido”. (Rcl 28147 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018)” (grifei) Lado outro, a exigência do lançamento definitivo, que muitas vezes ocorre após a lavagem, leva, necessariamente, a uma inversão do marco temporal: ou seja, a infração subjacente pode ocorrer posteriormente à lavagem de dinheiro, de forma consumada ou tentada. Portanto, a lavagem não requer que a infração subjacente seja cronologicamente anterior, mas apenas que haja uma decorrência lógica. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro. Por exemplo, contratação de matador de aluguel que recebe uma vultosa quantia para matar alguém. Ele recebe o valor, lava, coloca em nome de laranjas e somente depois consuma ou tenta o homicídio; no crime tributário, a pessoa lava, coloca os bens em nome de terceiros e depois comete o delito tributário; no caso do delito de corrupção, nas modalidades de “aceitar” ou “receber”, a lavagem pode ocorrer antes destas. A lavagem de dinheiro pode concorrer formalmente com a infração subjacente. Uma conduta pode gerar um delito tributário e ao mesmo tempo gerar lavagem de dinheiro porque o âmbito de proteção do bem jurídico pelo legislador é diverso. Uma conduta, nos termos da teoria do concurso formal, atinge dois resultados: no caso do delito tributário tem uma proteção específica - os recursos que devem ser dirigidos à Administração Pública e as políticas públicas decorrentes da ausência desses recursos, ao passo que a lavagem de dinheiro tem um bem jurídico específico que é a Ordem Econômico-financeira e a Administração da Justiça. Ora pendendo mais à Administração da Justiça, ora à Ordem socioeconômico/financeira, a depender do caso concreto. A leitura que se faz é que a infração ligada à lavagem de dinheiro possui autonomia mais do que sufragada pelo legislador e acessoriedade limitada. A existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito que acabou se consagrando e a referência à expressão “antecedente” permanece como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando aduz no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º à infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que tem que ocorrer é algo vinculado. Os valores podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois da infração subjacente. Exige-se que o tipo subjacente seja ao menos tentado para a existência da lavagem de dinheiro, não importando a sua concretização em tempo determinado. Embora o art. 2º da Lei de Lavagem utilize a expressão "infração penal antecedente", a interpretação meramente literal do dispositivo não espelha, nesse caso, a finalidade da lei. In casu, devem ser aplicados os métodos sistemático e teleológico de exegese, a fim de que sejam atendidos tanto os fins sociais a que a norma se dirige quanto as exigências do bem comum. Nesse contexto, não é razoável excluir da persecução penal aqueles agentes que praticam a lavagem de bens ou valores comprovadamente advindos do cometimento de infração(ões) subjacente(s) não necessariamente pretérita(s) ou antecedente(s), cronologicamente falando. Em suma, a existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito, mas a referência à expressão “antecedente” permanece apenas como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando menciona no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º a expressão infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que se requer é a existência de produtos e proveitos logicamente decorrentes de infração(ões) subjacente(s) e não cronologicamente decorrentes. Não se deve, pois, obrigar a existência de um fato criminoso anterior uma vez que fatos criminosos podem mesmo ocorrer, por mais curioso que possa parecer, após a lavagem de dinheiro, como os exemplos citados, entendimento este reforçado pela consagração da Súmula do STF n.º 24 que entende típico o delito tributário material somente com o lançamento definitivo. Assim, urge a existência de algo ilícito vinculado. Os valores decorrentes de uma infração subjacente podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois deste. Por outro lado, cabe enfatizar que o mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem. No caso Mensalão (AP n.º 470/MG), por exemplo, o STF decidiu que o recebimento da corrupção por terceiros não configura o crime de lavagem de dinheiro, mas concretização do delito contra a Administração Pública. Imprescindível, portanto, para a configuração desse delito, identificar-se a ocorrência de ocultação ou de dissimulação. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima pontua: “(...) com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um 'laranja', a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais (...)” (in Legislação Criminal Especial Comentada. JusPodivm. 2. ed. 2014. p. 306-307). Mais recentemente, no ano de 2019, também em hipótese de corrupção, o STF, pela análise do cenário probatório descrito nos autos, entendeu que, para além do recebimento clandestino da vantagem indevida, restou evidenciada a dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. PLURALIDADE DE CONDUTAS. DOLOS DISTINTOS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o eventual cabimento de recurso extraordinário não subtrai, por si só, a cognoscibilidade do habeas corpus. Precedentes. 2. O sistema jurídico brasileiro não exclui os autores do delito antecedente do âmbito de incidência das normas penais definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, admitindo, por consequência, a punição da chamada autolavagem. É possível, portanto, em tese, que um mesmo acusado responda, concomitantemente, pela prática dos delitos antecedente e de lavagem, inexistindo bis in idem decorrente de tal proceder. 3. Nada obstante, a incriminação da autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação, dissimulação ou integração autônomos ao delito antecedente, ainda que se verifique, eventualmente, consumações simultâneas. 4. A consunção constitui critério de resolução de conflito aparente de normas penais incidente em casos em que a norma consuntiva contemple e esgote o desvalor da consumida, em hipótese de coapenamento de condutas. Assim, eventual coincidência temporal entre o recebimento indireto de vantagem indevida, no campo da corrupção passiva, e a implementação de atos autônomos de ocultação, dissimulação ou integração na lavagem, não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem. 5. O habeas corpus consubstancia via processual inadequada para o reconhecimento da ocorrência de consunção, forte na necessidade de exame do acervo probatório para o fim de avaliar o esgotamento do juízo de censura entre as condutas, providência que desborda dos limites cognitivos do writ. 6. Caso concreto em que se reconheceu a constituição de contas secretas e remessa clandestina de recursos ao exterior, atos que consubstanciaram práticas de ocultação, dissimulação ou integração, possibilitando fruição oportuna do resultado econômico do crime antecedente. O presente quadro processual diferencia-se, portanto, do enfrentado pelo Tribunal Pleno na AP 470 (EI-sextos e EI-décimos sextos), na qual se afastou a configuração do delito de lavagem em caso de recebimento de vantagem indevida mediante interposta pessoa e em hipótese na qual se exigiria a prática de atos subsequentes para fins de branqueamento do produto da infração penal antecedente. 7. Em caso de concurso de crimes, é incabível o reconhecimento, em habeas corpus, da incidência do critério da exasperação se as instâncias ordinárias atestaram a pluralidade de condutas e a presença de desígnios autônomos. 8. Não configura vulneração ao dever de motivação das decisões judiciais a rejeição de aplicação da regra do concurso formal próprio baseada em óbices normativos ao critério da exasperação. 9. Ordem denegada”. (HC 165036, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09.04.2019, processo eletrônico DJe 10.03.2020) (destaque nosso) Haverá, assim, tão somente a prática da infração penal subjacente quando apenas houver uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Com isto, ficariam afastadas desta infração penal as condutas de guardar dinheiro em colchão, subornar testemunhas para se conseguir álibi etc. O STF, nos autos do Inquérito n.º 3.515/SP (Rel. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 08.10.2019, acórdão eletrônico DJe 23.06.2020), explicitou hipótese em que o ato de receber “de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998”. Também cumpre asseverar, por exemplo, que a realização de transferências bancárias sucessivas, segregando-se determinado montante de dinheiro em várias contas bancárias diferentes, é conduta que, indubitavelmente, dificulta o rastreamento da quantia inicial advinda da infração subjacente, já que, a cada nova transação, torna-se mais difícil determinar a origem daquele valor, inclusive porque essa prática possibilita que fundos “limpos” e “sujos” se misturem para compor o saldo disponível em cada conta, o que torna ainda mais complexa a localização do produto criminoso original, fato que caracterizaria a lavagem. No entanto, nem todas e quaisquer transações bancárias envolvendo dinheiro ilícito caracterizam lavagem de dinheiro. Em se constatando, por exemplo, que o produto da infração subjacente foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável(eis) como pertencente(s) à(s) pessoa(s) que cometeu(ram) a infração subjacente, não se haverá que falar em lavagem, mas sim em mero exaurimento, ou seja, mera consequência lógica e natural da anterior ação criminosa. A simples distribuição do produto da infração entre os seus autores, mediante depósito/transferência do quinhão atribuído a cada participante, é desdobramento natural da infração penal subjacente e, portanto, não configura prática de lavagem. Em suma, se os agentes criminosos não se limitarem a mediante transferências (isoladas) para suas respectivas contas bancárias, simplesmente repartir, entre si, os valores obtidos pela prática de uma infração penal subjacente (o que caracterizaria o mero exaurimento), mas sim efetivarem a remessa dessas quantias a partir de transações bancárias de maneira deliberadamente pulverizadas, isto é, fracionadas e transferidas, múltiplas vezes, para diversas contas bancárias, em sua maioria abertas em nome de pessoas físicas ou jurídicas fictícias (e não em nome dos próprios agentes), restará evidenciada a intenção de mascaramento, e, por via de consequência, a lavagem de dinheiro. Em outra hipótese, em havendo a imputação de tráfico transnacional de drogas, com a apreensão dos valores oriundos desta infração pela autoridade policial em uma blitz, cujo objetivo era o desembaraço de carregamento de cocaína junto aos fornecedores da droga, devem ser considerados mero desdobramento da traficância (iter criminis), não se vislumbrando o cometimento do delito de branqueamento. No crime de lavagem de dinheiro terá que haver, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Embora adote o entendimento de que é desnecessária a precedência cronológica da infração subjacente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tendo-se em vista que a lavagem pode, excepcionalmente, ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente ao qual se vincula, é evidente que a precedência lógico-jurídica (e não estritamente cronológica) é indispensável. Em outras palavras, é imprescindível que os ganhos atrelados à suposta prática de corrupção, por exemplo, tenham sido obtidos em data anterior à da prática dos atos de ocultação/dissimulação, mesmo que o ato de corrupção, em si, possa vir a ser praticado depois da lavagem. Nesse contexto lógico-jurídico, faz sentido apenas falar-se em necessidade de demonstração de relação de anterioridade e posterioridade entre os ganhos decorrentes da infração subjacente e a lavagem de dinheiro, embora a infração subjacente possa ocorrer posteriormente. No caso de a lavagem ter sido cometida anteriormente à infração subjacente, para o reconhecimento de sua consumação é indispensável que tenha se iniciado a execução desta última, que, repise-se pode ocorrer depois daquela. CASO CONCRETO VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR) foram denunciados por, supostamente, terem praticado, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, 267 (duzentos e sessenta e sete) delitos de lavagem de dinheiro entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691) -, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY e IZA (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Ocorreu que, ao prolatar a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada um dos quatro acusados pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, nos seguintes termos (fls. 134/138 – ID 170518759): VI - DOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS Neste capítulo, a denúncia descreve que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos por pelo menos 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98 combinado com o artigo 71 caput do Código Penal. O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada conforme ela mesma admitiu em conversa telefônica interceptada: Eu não trabalho, mas a minha vida também é um correria... Comprovou-se, ainda, em relação aos sogros de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, variação patrimonial injustificada, a percepção de recursos de origem ilícita percebidos por VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e a existência de contas bancárias utilizadas para ocultar e dissimular os recursos auferidos pelo corréu VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, conforme comprovaram os documentos, as conversas telefônicas interceptadas e e-mails, especificamente as situações descritas nos itens 76 e 77 da denúncia. Entre os documentos, cabe registrar a análise realizada pela Delegacia da Receita Federal dos cheques depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH mantidas no Banco do Brasil (126) e Banco Itaú (140), cuja soma ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que comprovou que todos os referidos cheques foram emitidos por contribuintes que tiveram as respectivas DIRPFs acessadas no sistema por VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Também foram apreendidos, tanto na residência de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como na residência de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, outros cheques cujos valores foram calculados, respectivamente, em R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais), em R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais), conforme comprova fl. 15, apenso III e fls. 27/33 do apenso IV, sendo que, dentre os cheques apreendidos, alguns, no valor total de R$ 13.900,00, foram emitidos por contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 34 do Apenso IV) enquanto outros, no valor de R$ 10.000,00, foram emitidos por contribuintes mencionados pelos denunciados em conversas telefônicas interceptadas (fl. 35 do Apenso IV). Também restou comprovado que os cheques emitidos como contraprestação pelos serviços ilícitos prestados foram depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Também restou comprovado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH adquiriu um terreno em nome de seus sogros, conforme comprova matrícula 86.544, ficha 003, fl.541, localizado na Alameda Piava, e ali edificou uma residência, conforme demonstrado a fls. 476/477 dos autos principais, fl. 143 do Apenso I e fls. 540/541 do Apenso I, e admitido por ele na conversa telefônica interceptada a fls.476/477: ‘Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças. Eu comprei esse terreno da Piava...Em 2007 6 anos atrás... No começo de 2007. Eu paguei 650 ml e é terreno de esquina... O terreno normal...’. Foram também referidas movimentações atípicas consubstanciadas em aportes únicos em VGBL em valor igual ou superior a R$ 300.000,00, realizados no ano de 2012, conforme segue: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH na data de 06.07.2012 teria aplicado os valores de R$ 565.858,00 e R$ 609.858,00, ambos no UNIBANCO Vida e Previdência S.A. Contudo, em sua DIRPF de 2013, apenas uma pequena parcela desses valores - R$ 260.000,00 - teria sido declarada como pertencentes aos filhos; IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES na data de 04.06.2012 aplicou R$ 600.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.. Em sua DIRPF de 2013, ela declarou ter feito um aporte no valor de R$ 654.000,00; na mesma declaração, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, porém, declarou ter recebido rendimentos de apenas R$ 151.370,00, a título de indenização por rescisão de contrato de trabalho, informação essa que, ademais, segundo a autoridade policial, também seria inverídica; EDILAINE LOPES SZWARCTUCH na data de 20.09.2012 teria aplicado o valor de R$ 590.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.; contudo, esta informação não consta de sua DIRPF, mas na de seu pai DARCY DE OLIVEIRA LOPES. Segundo a autoridade policial, tal fato encontraria explicação ‘no alto grau de confiança existente entre ambos [VITOR e DARCY] e das dificuldades de relacionamento entre VITOR e EDILAINE, separados de fato há pouco tempo. Ao agir desta forma, VITOR impediu que sua esposa tivesse conhecimento do montante total de dinheiro que possui’. Portanto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria utilizado sua ex-esposa EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e seus sogros IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e DARCY DE OLIVEIRA LOPES com o propósito de dissimular a origem e conferir aparência de licitude aos valores recebidos em contrapartida aos crimes praticados no Setor da Malha Fina da Receita Federal de São Paulo. Concordo com o Ministério Público Federal que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito. Discordo, no entanto, no que diz respeito à ausência de conhecimento, adesão voluntária e efetiva participação nos inúmeros e distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração, corroborados pelo comportamento dos acusados e pelas provas produzidas nos autos, em especial o uso das contas correntes bancárias abertas para abrigar as vantagens indevidas cobradas pelas violações dos deveres funcionais. Assim, restou suficientemente comprovado, que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98. Não houve interposição de recurso por parte do Ministério Público Federal. Os corréus VITOR, DARCY, IZA e EDILAINE apelaram. Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). Passa-se, pois, a apreciar os apelos interpostos pelos demais corréus condenados (VITOR, IZA e EDILAINE). PLURALIDADE DE CONDUTAS DE LAVAGEM. Inicialmente, no que diz respeito ao número de condutas de lavagem a ser considerado em hipóteses como a presente, meu entendimento pessoal é no sentido de que a ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) deverá constituir uma conduta autônoma de lavagem. Ora, especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. Em outras palavras, em se tratando de ocultação e/ou dissimulação de recursos de origem ilícita por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por terceiros, haverá tantas condutas (de ocultação e/ou dissimulação) quantos forem os depósitos (inidôneos) individualmente considerados, de maneira que cada cheque fraudulentamente “guardado/escondido” nessas contas bancárias corresponderá a uma conduta autônoma de lavagem. No mesmo sentido, em se tratando de ocultação/dissimulação de recursos de origem ilícita por meio da aquisição de imóveis, o número de condutas criminosas equivalerá à quantidade de imóveis registrados em nome de outra(s) pessoa(s) que não o(s) verdadeiro(s) adquirente(s), a fim de ocultar seu(s) real(is) proprietário(s). In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito (fl. 137 – ID 170518759). Assim, não obstante este Relator adote posicionamento diferente, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. ORIGEM ILÍCITA DO IMÓVEL E/OU DOS VALORES OCULTADOS/DISSIMULADOS. In casu, ficou demonstrada a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados em contas de titularidade de “laranjas”, os quais foram obtidos pelo auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como produto e/ou proveito de múltiplos crimes (subjacentes) de corrupção passiva e de peculato eletrônico. Com efeito, os levantamentos realizados pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 e ESPEI08 demonstraram que os referidos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados, no Banco do Brasil e no Itaú, em contas de titularidade dos corréus DARCY, IZA e EDILAINE (vide cópias dos cheques às fls. 35/147, 157/196, 201/209, 227/251 – ID 270552804 – e fls. 02/27, 37/80, 110/114 e 119/122 – ID 270552805), foram emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina” (vide relatório e planilhas acostadas às fls. 130/156 - ID 270552805). Verificou-se, p. ex., que, entre os dias 28.03.2013 e 16.04.2013, ao trocar e-mails com pessoa de nome Jesualdo Guedes Pereira Filho, VITOR indicou conta bancária de seu sogro (DARCY) para depósito de propina, o que corrobora a tese de que VITOR costumava ocultar/dissimular, em contas titularizadas por seus familiares, o produto dos crimes de corrupção e/ou peculato eletrônico por ele cometidos (fls. 236/238 – ID 170518943): Em qui, 28 de mar de 2013 07:40 BRT Jesualdo Guedes Pereira Filho escreveu: Vitor, Você recebeu os documentos? Falta algo? Grato. Um abraço Jesualdo. De: Vitor Aurélio Para: jesualdozp@yahoo.com.br Enviadas: Quinta-feira, 28 de Março de 2013 10:01 Assunto: Re: Documentos preciso dos informes da gama, telecom, sul america e bradesco. De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vitor Aurélio Enviadas: Terça-feira, 2 de Abril de 2013 12:19 Assunto: Re: Documentos Vitor, a Gama não teve atendimento em 2012. Os demais, estou enviando em anexo. Grato Jesualdo. De: Vítor Aurélio Para: Jesualdo Guedes Pereira Filho lesualdoep@vahoo.com.br> Enviadas: Segunda-feira, 8 de Abril de 2013 19:52 Assunto: COPIAS DO IRPF 2013 Jesualdo, Segue em anexo as copias da declaracao 2013 e do recibo de entrega. O valor do deposito importa em r$ 2.000,00 e a conta: Banco Itaú Ag. 0152 c/c 04513-4 Darcy Oliveira Lopes Abraco De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vítor Aurelio Enviadas: Terça-feira, 9 de Abril de 2013 11:29 Assunto: Re: COPIAS DO IRPF 2013 Vitor, recebi as cópias do imposto de renda. Farei os pagamentos: rS 1.000,00 em 16/04113. r$ 1.000,00 em 16/05/13. Obrigado. Um abraço. Jesualdo. É firme, pois, a convicção de que VITOR, ao longo de anos, se valeu do expediente de guardar dinheiro (oriundo de propina) em contas bancárias titularizadas por seus familiares (sogro, sogra e ex-esposa), com o propósito de ocultar o fato de ser ele (VITOR) o real proprietário daqueles recursos. É o que se extrai, p. ex., dos seguintes diálogos interceptados pelos investigadores: diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 20.03.2013, às 11h19 (fl. 225 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY -0i, VITOR! VITOR - Tudo bem, DARCY? DARCY - É... Onde você tá? VITOR - Eu?! Eu tô aqui na... Na Afonso Bovero. DARCY - Ah, é? VITOR – É! DARCY - Tá ai no banco, é? VITOR - Eu já fui. DARCY - Não, aqui no Itaú. VITOR - É... Já fui! DARCY - No banco... VITOR - É... É... Já fui. DARCY - Escuta, mas então... Tô te ligando... Quando é que você vai querer abrir essa conta ai? VITOR - É... Que horas são agora? São 11h20... DARCY - Hoje não dá, VITOR VITOR - Ah, não? DARCI - É que eu que eu tô... Tô fazendo uma geral aqui no apartamento... VITOR – Hã. DARCY - E depois vou ter que comprar o negócio da baby. Então... Dá pra Ir amanhã? VITOR - Ah, a gente marca amanhã de manhã. DARCY - Então, escuta.... VITOR - Hum! DARCY - O que que vou precisar levar... Você falou? VITOR - Só os seus documentos. DARCY - Ah, tá! Não precisa de nenhuma conta de luz, nada? VITOR - Eu tenho, né? DARCY - Ah, tá! VITOR - Eu tenho uma conta de luz daí. DARCY - Você foi fazer o que aí? Foi abrir conta aí? VITOR - Não... Não... Eu fui fazer depósito. Na caderne... Na caderneta de poupança das crianças. DARCY - (Incompreensivel)... Você deposita aí e cai lá, né? VITOR - É... É... DARCY - Ah, tá! Então, faz o seguinte... Que horas que a gente se encontra... Onde é que a gente se encontra? VITOR - Ah, se você quiser, a gente pode se encontrar às 10h00 aqui na porta do banco... Unibanco. DARCY - Às 10h00 em ponto. E que eu não gosto de ficar muito parado aí não, viu? VITOR - É... Não, 10h00 em ponto! A hora que abre a gente já entra e já fala com o gerente. DARCY - Ah, tá legal! VITOR - Tá... Não esquece do CIC e RG. DARCY - Não, eu não largo deles... Tá comigo. V1TOR - Tá bom! DARCY - Tá... VITOR - Amanhã, então! Tá... diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51 (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - A1ô! DARCY – Oi, VITOR! VITOR – Oi! DARCY – Ó... VITOR - Hã? DARCY - Chegou mais um cartão da IZA agora, viu? VETOR - Tá... DARCY - Do Itaú. VITOR- Tá... Deixa aí. DARCY - Deixa aqui, né? VITOR – É! Deixa escondido. DARCY - Entrega pra ela? VITOR - Não, não fala nada... Deixa escondido. DARCY - Porque um... Um ela já pegou, né? VITOR - Hã! DARCY - E... Agora chegou outro. VITOR - É, não mostra não. Deixa quieto aí. Esconde... DARCY - Depois te mostro procê ai. VITOR- Tá bom. DARCY - Tá, tchau! VITOR Tchau. diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 04.04.2013, às 17h07 (fl. 229 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? DARCY - Tudo bem... Escuta! Chegou duas cartas aqui do nosso Itaú aqui... VITOR – Hã! DARCY - Eu acho que é cartão, né? VITOR - Eu também acho. DARCY - É, porque... Tá duro, aqueles negócio dele, sabe? VITOR – Hamhamm. DARCY - Tá uma no meu nome e uma no seu nome. VITOR - Tá... É, são os cartões... DARCY - É, né? VITOR - É! DARCY - Tá... Bom, depois eu te entrego uma hora aí, né? (...). diálogo travado entre VITOR e a gerente de sua conta no Banco Itaú Personalité, de nome Fabiana, interceptado em 05.04.213, às 15h55, o qual revela que era VITOR quem, efetivamente, controlava e/ou movimentava (inclusive sem procuração) as contas bancárias abertas em nome de seus familiares (fls. 231/234 – ID 170518943): FABIANA - Alô! Por gentileza, o Sr. VITOR... VITOR - Eu! FABIANA - Oi, Sr. VITOR! É FABIANA do Itaú Personnalité de Alphaville. Tudo bem? VITOR - Oi, tudo bem? FABIANA - Tudo! O senhor tá podendo falar um minutinho? (...) FABIANA - Eu tava analisando aqui, o senhor tem um volume expressivo, é... Em dois VGBLs, no master índice, de preço. VITOR - Isso... FABIANA - O que que eu queria conversar com o senhor: esses fundos, o ano passado, foram super bem, né? Acho que o senhor teve uma rentabilidade aí de quase 30% no ano. Porém esse ano, devido ao cenário agora, elevação na taxa de juros... Ele já está negativo de janeiro até ontem, já bateu 4% negativo. VITOR - Humhumm! FABIANA - Então, o que eu queria conversar com o senhor: como na previdência a gente tem esse benefício de poder fazer portabilidade sem causar nenhum ônus pro cliente, sem precisar pagar imposto... Enfim, nenhuma taxa... A gente portar ele para um plano DI, por exemplo, recuperando esse cenário de índice de preços, depois o senhor pode voltar pra essa...Pra esse produto. (...) VITOR - Mas será que com essa história do aumento da inflação, será que não vai reverter esse VGBL? FABIANA - Não, ele não tem a ver: aumenta a inflação, aumenta a rentabilidade. Ele é composto daquelas NPNs, que são aqueles títulos do governo... E esses títulos, nesses planos de previdência, são os títulos acima de 5 anos. Então, como o mercado já tá precificando que vai subir as taxas de juros, eles já tão fazendo a marcação ao mercado desses títulos.... VITOR - Hã... FABIANA - Por isso que tá tendo essa desvalorização. VITOR - Entendi... FABIANA - Ele não tem a ver... Ele é um fundo de índice de preços, mas ele não tem a ver: subiu a inflação...Senão, era pra tá super alto com a inflação, né? Eles vão justamente aumentar os juros pra poder controlar a inflação, mas não é nesse sentido. Tá? Esse fundo... VITOR - Hã! É... É que é assim, também não sou só eu nesse barco não... Tem os meus sogros, né? FABIANA - Hum! VITOR - ... Que também tão com o mesmo produto e... FABIANA - Estão na outra conta? VITOR - São outras duas contas. FABIANA - Hummm... Então, eu acho interessante... (...) VITOR - Tá, mas... Hã... FABIANA - Qual que é a conta do seu sogro? VITOR - Já te passo... No caso, com a KARINA, né? Eu fui com eles aí e a KARINA... Assim, era eu que... Eu que fazia tudo, né? Sou eu que cuido das contas deles. FABIANA - Mas na conta dele, você tem procuração? VITOR – Não tenho. Era coisa de boca, né. FABIANA – É... Porque ela fazia, mas assim... Ela poderia até ser punida por isso, tá VITOR? (...) Ou você vem... Vamos supor que você decida fazer a portabilidade. Ou você vem com eles aqui, ou eu posso mandar um portador pra eles assinarem... VITOR - Tá! FABIANA - Ou você faz uma procuração pra você entrar na conta. Entrar, não. Poder administrar, né? Vamos dizer assim... (...). Em suma, o conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 (fls. 130/156 - ID 270552805), quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto à residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, ficou igualmente demonstrado que, não obstante esta tenha sido edificada em terreno registrado em nome dos corréus DARCY e IZA (sogro e sogra de VITOR) - vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691- seu real proprietário era o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, conforme se pode extrair do seguinte diálogo, travado entre VITOR e um corretor de imóveis de nome Luis, interceptado em 23.03.2013, às 11h50 (fls. 227/228 – ID 170518943): LUIS - Alô! VITOR - LUIS? LUIS - Sim! VITOR - Ô, LUIS! Como vai? Tudo bem? LUIS - Tudo bom! VITOR - É... Quem fala é VITOR! Pai das trigêmeas... Lembra? LUIS - Pai das trigêmeas... VITOR - Vendi uma casa prum... Prum rapaz... na... no... Eu tinha uma casa térrea verde no 12... LUIS - Ah, no 12! O Sr VITOR... VITOR - Tá lembrado? LUIS - Ô! VITOR - Então tá... Seu LUIS! LUIS – Oi! VITOR - Estamos numa nova empreitada. LUIS - Oi! VITOR - Eu me separei E assim, eu queria ver o que que eu arrumo por aqui. LUIS - Ok! Tem ideia se é apartamento... VITOR - Não, apartamento não. LUIS - Casa mesmo? VITOR - É... Eu... E assim, eu tô pensando em ficar aqui no 11 mesmo... LUIS - Hã! VITOR - Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças... LUIS - Ah, eu lembro que o senhor vendeu lá. O senhor tinha construído no 11, não foi? VITOR - Isso! Isso! Então eu queria ficar aqui no 11 pra ficar perto das crianças. LUIS - Correto! VITOR - Mas assim, eu tô bem por fora de preços e tudo mais. Então, seria assim: num primeiro momento, o que a gente acha de casa. LUIS - Ok! VITOR - E se não... Sei lá! Se aqui no 11 não tiver nada, que a gente consiga chegar num consenso e tudo mais... LUIS - Hã! VITOR - De repente até eu posso pegar um terreno e também construir. LUIS - Ó, então, mais fácil casa, viu VITOR... VITOR - É, né? LUIS - Os terrenos estão acabando. VITOR - São poucos... LUIS - E terreno, o pouco que tem, o preço tá realmente lá em cima. (...) VITOR - Então, deixa me ver assim... O senhor tem ideia de quanto tá saindo o metro de terreno aqui no 11? LUIS - Tá na faixa de R$ 1.000,00, mais ou menos. Deixa pegar, o terreno... VITOR - Nossa Senhora! LUIS - ... Quer ver? Terreno... VITOR - Como subiu! Dobrou o valor... LUIS - Dobrou. É porque tá acabando. Por isso que eu falei... Às vezes, a pessoa faz um melhor negócio numa casa, né? VITOR - Hã! LUIS - Os terrenos aqui... É, ó... Eu tenho de 833, que não são bons... Já vou lhe falando... VITOR - Hum! LUIS - (Incompreensível) multo aclive, né? VITOR - Sim, sei... LUIS - Então, ali, realmente, o senhor economiza no terreno, mas gasta na construção, né? Os outros lá, tá de 900 até 1.400 o metro... VITOR - Caramba! Eu comprei... Eu comprei... LUIS - Entre 1.000 e 1.400. VITOR - Eu comprei esse terreno da Piava... LUIS - Hã! VITOR - ... Em 2007. LUIS - 6 anos atrás... VITOR - No começo de 2007. Eu paguei 6500 m 2 e é terreno de esquina... O terreno normal... LUIS - Se o senhor corrigir isso daí em 6 anos, também não vai dar muita diferença não. VITOR - É, né? O terreno normal, na época, tava 550 o metro. Quer dizer, dobrou, né? LUIS - É... Dobrou. VITOR - Dobrou em 6 anos. Ocorre que, embora se saiba que VITOR ocultou a propriedade do referido imóvel registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA), o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006 (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Quanto à residência situada no terreno, construída, ao que tudo indica, nos meses e/ou anos subsequentes (vide imagem à fl. 144 – ID 270552800), observa-se que a Matrícula do imóvel não a menciona e que a Corregedoria da Receita Federal apurou, a esse respeito, tão-somente o seguinte (fl. 144 – ID 270552800): Nota-se que nas DIRPF originais de 2007 a 2011 a Sra. IZA e o Sr. DARCY informaram a propriedade de 50% de um terreno à Al. Piava, 248 (...), em conformidade com o informado na DOI. Todavia, a partir da entrega das DIRPF retificadoras, transmitidas pelo IP SUSPEITO no ano de 2011, passou a constar que a Sra. IZA e o Sr. DARCY tinham a propriedade, cada um, de 50% de uma casa à Al. Piava, 248 (...). Ora, se a informação do cartório somente mostra a compra de um terreno e no local atualmente há uma casa, ela deve ter sido construída naquele terreno após a compra (...). Ora, apesar de, a partir das informações supramencionadas, ser possível extrair que a aludida residência foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos acostados às fls. 03/11 do ID 270552810, p. ex., revelam que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto (vide relatórios às fls. 04/55- ID 170518579 e fls. 53/71 - ID 170518766); a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013 (fls. 03/38 – ID 170518764). De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. Em outras palavras, o aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Caso o desvalor da conduta de ocultar/dissimular produto de ilícito penal (lavagem) não esteja abrangido pelo desvalor do recebimento (indireto) da vantagem indevida (oriunda da corrupção passiva), não se cogitará da aplicação do princípio da consunção. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Válido, nesse passo, destacar o seguinte trecho da fundamentação da r. sentença (fls. 134/165 - ID 170518759): O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada (...) – grifo nosso. Reitere-se que o fato de existir eventual coincidência temporal entre o recebimento da propina (oriunda do crime de corrupção) e a implementação de atos autônomos de lavagem, “não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem” (nesse sentido: STF, Segunda Turma, HC n.º 165.036/PR, Rel. Min. Edison Fachin, Julg. em 19.04.2019, Dje de 10.03.2020). Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. DOLO RELACIONADO ÀS CORRÉS IZA E EDILAINE. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese, ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), pois as apelantes não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682). É certo que, para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Cabe consignar, ainda, que o dolo (elemento integrante da tipicidade) não se confunde com a potencial consciência da ilicitude (elemento integrante da culpabilidade), bem como que a ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. Assim sendo, para que se cogite de condenação pelo delito de lavagem de dinheiro, deverá o agente, ao realizar quaisquer das ações nucleares do tipo, ter pleno conhecimento de todos os elementos que compõem a figura típica (o que inclui o conhecimento de que valores ocultados/dissimulados têm origem ilícita), sob pena de, eventualmente, se verificar a ocorrência de "erro de tipo", no caso, p. ex., de haver falsa percepção sobre a natureza (lícita ou ilícita) do recurso ocultado/dissimulado (hipótese em que se falará em exclusão do dolo). No caso concreto, entretanto, não se vislumbra ter havido, quer por parte de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH quer por parte de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, equivocado conhecimento sobre quaisquer elementares e/ou circunstâncias que integram a figura típica da lavagem, não se havendo de falar, pois, em erro de tipo. É certo que o fato de existir um ‘laranja’ se relacionando com bem proveniente de infração penal não torna, automaticamente, qualquer conduta do beneficiário desses ativos típica de lavagem de dinheiro, e nem significa que a conduta do ‘laranja’ será objetivamente típica. Afinal, o tipo penal em questão não incrimina a conduta de usar terceiros em seu nome para registrar ativos (in CAMPANA, Felipe Longobardi, e SILVA FILHO Sérgio Quintão, Responsabilização penal da figura do ‘laranja’ pelo delito de lavagem – parte 1 – https://www.conjur.com.br/2024-out-28/reflexoes-sobre-a-responsabilizacao-penal-da-figura-do-laranja-pelo-delito-de-lavagem-parte-1/ – acesso em 03.06.2025). Ocorre que, não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682), esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Frise-se, em especial, que: ficou demonstrado que VITOR não se limitava a abrir contas bancárias em nome das corrés (o que, ao que tudo indica, ocorria com a conivência delas, já que não há qualquer indício de falsificação de procuração, p. ex.), mas também costumava transmitir, em nome de ambas, declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), sendo razoável supor que isto ocorria, também, com o conhecimento delas. Consta dos autos, p. ex., que EDILAINE teria informado, em uma dessas declarações (DIRPF 2012), ter recebido o montante de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) a título de indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho, FGTS (rendimento isento), embora não exercesse nenhuma atividade remunerada, o que indica que ela sabia sobre a necessidade de “camuflar” a origem ilícita dos recursos por ela declarados à Receita Federal. Em relação à corré IZA, chega-se à mesma conclusão, pois, segundo se apurou, DARCY e IZA declararam, entre os anos de 2006 e 2011, terem recebido o montante de R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) a título de rendimentos de pessoa física, sem, contudo, demonstrarem a origem desses valores. ficou evidenciado que, na condição de familiares do auditor fiscal (VITOR), as corrés usufruíram, direta ou indiretamente, de status econômico-financeiro incompatível com a renda legitimamente aferida por VITOR (genro e ex-marido das corrés). Recibos de gastos apreendidos durante busca e apreensão realizada na residência de EDILAINE (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes) revelaram que esta corré gozava de um padrão (financeiro) de vida privilegiado, com gastos elevados. Em diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51, ambos mencionam, p. ex., que EDILAINE (“Tuca”) estaria “indo pra Miami”, bem como que EDILAINE costumava “gastar” muito dinheiro (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? (...) VITOR - Não sei se você sabe, a TUCA tá indo pra Miami hoje à noite. DARCY - Meu Deus do céu! É? VITOR - É, ela vai... DARCY - E as crianças? Vai ficar com quem? VITOR - Então, ela vai ficar fora uma semana e eu vou então lá pra Alphaville hoje. Eu vou ficar lá uma semana. DARCY - Ah, você vai ficar lá? VITOR - Vou... DARCY - Ainda bem, meu! Sabe o que eu pensei? Que ela ia pra lá e ia largar as crianças na mão da... Da IZA lá... Porque eu liguei pra lá agora, ela atendeu e me atendeu muito mal. Mandei chamar a IZA e ela me atendeu mal, sabe? VITOR - Hamhamm! DARCY - Ia só falar com a IZA, aí eu peguei e desliguei. Não dá pra conversar com ela. VITOR - É, então assim... Se você quiser ir pra lá, você pode ir. DARCY - Quando? VITOR - Não, quando você quiser! Qualquer dia... Eu vou tá lá. DARCY - Ela vai hoje e vai voltar quando? VITOR - Só volta na outra quinta-feira. DARCY - Nossa Senhora! Gasta dinheiro, né? VITOR - (Risos)... DARCY - Você paga, né? VITOR - Tô achando bom. Vou ficar uma semana com as crianças. DARCY - Legal, né? VITOR - Pra mim tá ótimo! (...). durante a execução de mandado de busca e apreensão (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes), cumprido em data em que VITOR e EDILAINE já estavam separados de fato e, portanto, morando em residências distintas, foram apreendidos diversos cheques oriundos de propina, isto é, cheques emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina”, sendo que, boa parte desses cheques foi encontrada na residência de EDILAINE, fato que reforça a convicção de que EDILAINE aderiu, conscientemente, ao comportamento criminoso de “lavar” a propina recebida por seu ex-marido (VITOR). Destaque-se que, nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. A propósito, confira-se: (...). Firmada a materialidade do crime de lavagem, resta analisar o elemento subjetivo. Questão que se coloca é a da efetiva ciência dos beneficiários quanto à procedência criminosa dos valores recebidos e à possibilidade do dolo eventual. O dolo eventual na lavagem significa, apenas, que o agente da lavagem, embora sem a certeza da origem criminosa dos bens, valores ou direitos envolvidos quando pratica os atos de ocultação e dissimulação, tem ciência da elevada probabilidade dessa procedência criminosa. Não se confundem o autor do crime antecedente e o autor do crime de lavagem, especialmente nos casos de terceirização da lavagem. O profissional da lavagem, contratado para realizá-la, pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o conhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o serviço realizado e não tem motivos para revelar os seus segredos, inclusive a procedência criminosa específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional. A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio. Assim, parece-me que não admitir a realização do crime de lavagem com dolo eventual significa na prática excluir a possibilidade de punição das formas mais graves de lavagem, em especial a terceirização profissional da lavagem. O caso presente ilustra essa hipótese, pois houve, no caso do PP e do PL, a contratação de empresas financeiras que lavaram o numerário repassado pelas contas das empresas de Marcos Valério de uma forma bastante sofisticada. Ainda que tivessem ciência da elevada probabilidade da procedência criminosa dos valores lavados, é difícil, do ponto de vista probatório, afirmar a certeza dos dirigentes dessas empresas quanto à origem criminosa dos recursos. Sem admitir o dolo eventual, revela-se improvável, em regra, a condenação dos lavadores profissionais. O tipo do caput do art. 1º da Lei 9.613/1998, de outra parte, comporta o dolo eventual pois, em sua literalidade, não exige elemento subjetivo especial, como o conhecimento específico da procedência criminosa dos valores objeto da lavagem. Essa interpretação encontra apoio expresso no item 40 da Exposição de Motivos n.º 692/1996: ‘Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1º, §1º, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou dissimulação da utilização de bens, direito ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo’. A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito. Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro. Na hipótese sub judice, há elementos probatórios suficientes para concluir por agir doloso - se não com dolo direto, pelo menos com dolo eventual (...) – grifo nosso. (STF, Plenário, AP n.° 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 17.12.2012, Public. em 22.04.2013, páginas 1.271/1.273 do Acórdão) Também o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento relacionado à prática do delito de lavagem de dinheiro, já asseverou que a denominada teoria da cegueira deliberada, criação doutrinária e jurisprudencial, preconiza que é possível a condenação pelo crime de lavagem de capitais, ainda que ausente o dolo direto, sendo admitida a punição a título de dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos, a saber, que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento da intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer, quando teria plenas condições de investigar a proveniência ilícita dos bens (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp n.° 1.793.377/PR – 2019/0020620-1, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Julg em 15.03.2022, DJe de 31.03.2022). Em suma, ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos ora apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, cada qual pela prática do delito de lavagem de dinheiro por uma vez (nos termos estabelecidos pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus). INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. Os crimes de lavagem de dinheiro em questão foram praticados por uma pluralidade de agentes, os quais agiram em convergência de vontades (vínculo subjetivo) para a realização de um mesmo tipo penal (unidade delitiva). Trata-se, assim, de hipótese de concurso de pessoas, em que a punição dos envolvidos pode, em tese, variar em função da posição e/ou teoria que, porventura, se adote, especialmente no que diz respeito aos critérios de distinção entre autor e partícipe e à sua punibilidade. As corrés EDILAINE e IZA requereram, em suas razões de Apelação, o reconhecimento de que não teriam atuado como coautoras, mas sim como partícipes de menor importância. Para uma melhor compreensão do tema, cabe sintetizar, brevemente, duas teorias que, baseando-se em critérios de distinção entre autoria e participação, relacionam-se à punibilidade daqueles que praticam crimes em concurso de pessoas, quais sejam: i) teoria monista e ii) teoria dualista. Teoria monista (ou unitária), de acordo com a qual todos os agentes que, de algum modo, contribuíram, em concurso, para o resultado criminoso, deverão, obrigatoriamente, responder pelo mesmo delito. Trata-se de corrente que se aproxima da teoria material-objetiva, pautada no critério subjetivo-causal (equivalência das condições), segundo a qual qualificam-se como autores todos aqueles que, independentemente de praticarem ou não o verbo descrito no tipo penal, contribuem dando causa, de algum modo, mesmo que em graus diferentes, à produção do resultado criminoso. Em suma, trata-se de teoria que se abstém de qualquer diferenciação entre as figuras de autor e partícipe. Para a corrente monista pura, todos os indivíduos que, causalmente e em equivalência de condições, concorrerem para a prática do crime serão, objetivamente, denominados autores (conceito extensivo de autor), podendo haver, somente a posteriori, no momento da fixação da pena, a atribuição de causas limitadoras da punibilidade para “autores de menor relevância”, em função de sua culpabilidade (princípio da individualização da pena). Teoria dualista, a qual sugere a aplicação de tipos penais diversos para autores e partícipes, identificando como autor aquele que pratica (integral ou parcialmente) a ação central tipificada (verbo da conduta criminosa) e como partícipe aquele que pratica ações acessórias, contribuindo para a realização do crime, isto é, auxiliando materialmente ou induzindo/instigando moralmente o autor. Trata-se, pois, de corrente que se apoia nos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria formal-objetiva, segundo a qual qualificam-se como autores apenas aqueles que executam, integral ou parcialmente, a ação legalmente tipificada, bem como qualificam-se como partícipes aqueles que, sem praticar o núcleo do tipo, contribuem para a realização do crime, quer prestando algum tipo de auxílio material ao autor, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Nesse contexto, os autores serão os agentes (executores) principais, enquanto os partícipes serão agentes meramente secundários, para os quais haverá uma previsão típica distinta. Cumpre esclarecer que, no âmbito do direito penal brasileiro, diferentemente do que ocorre em países como a Alemanha, p. ex., não há, no plano da Lei, uma distinção conceitual analítica clara entre autoria e participação. Os artigos 29, 30 e 31 do Código Penal Brasileiro assim dispõem: Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) A leitura isolada do caput do artigo 29 pode, em princípio, levar à conclusão de que todo aquele que se insere na cadeia causal de um crime deve, invariavelmente, ser qualificado como autor, nos moldes do que preceitua a teoria monista (ou unitária) pura, para a qual não há distinção entre autor e partícipe, ficando a quantificação da responsabilidade postergada para o momento da aplicação da pena, em função da culpabilidade de cada agente. Contudo, os dizeres dos parágrafos do artigo 29 e dos artigos 30 e 31 do Código Penal Brasileiro afastam a conclusão de que o legislador pátrio teria adotado um sistema unitário puro, apontando para a adoção de uma espécie de sistema unitário temperado (ou moderado), em que, ao mesmo tempo em que se determina, como regra, a imputação de um único crime aos agentes que agem em concurso (nos moldes do que propõe a teoria monista), faz-se, também, alusão aos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria dualista, conjugando-se, assim, ambas as teorias. Em outras palavras, não obstante tenha-se, como regra, que um único crime deve ser imputado a todos os agentes concorrentes (unidade delitiva), admite-se, a depender do grau de relevância causal da conduta praticada pelo agente, que a ele seja atribuída a condição de mero partícipe, e não, necessariamente, de autor/coautor, o que poderá lhe acarretar consequências mais brandas, caso, p. ex., sua participação seja identificada como de menor importância (inteligência do §1° do art. 29 do CP) ou, ainda, caso seja identificado um desvio subjetivo de conduta (inteligência do § 2° do art. 29 do CP). Nesse cenário, a distinção conceitual entre autor e partícipe ganha relevância, não apenas para fins de se quantificar a pena, mas, inclusive, para fins de se determinar, nos casos concretos, a própria extensão da norma proibitiva. Pois bem. Conforme já se asseverou, o Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Ocorre que, na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. DOSIMETRIA. O cálculo da pena deve atentar-se aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar-se à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi incialmente condenado pela prática dos delitos de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas), peculato eletrônico (por 8 – oito – vezes, referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, referentes à 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) e lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez). No corpo do presente voto, reconheceu-se, de ofício, a ocorrência de prescrição em relação às condutas de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, bem como foram mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática dos delitos de: corrupção passiva, por 3 – três – vezes (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; corrupção passiva qualificada, por 2 – duas – vezes (referentes às 2ª e 7ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; peculato eletrônico, por 8 - oito – vezes, tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. lavagem de dinheiro, por 1 – uma – vez, tendo sido a pena fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. Inicialmente, no tocante ao delito de corrupção passiva qualificada cumpre tecer algumas breves considerações. No crime de corrupção passiva qualificada, o juiz deveria ter partido da pena-base de 2 anos, que acrescida do aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas (sendo que cada uma ensejaria o aumento de 1/12 sobre a pena mínima), resultaria na pena-base de 2 anos e 6 meses de reclusão. Nada havendo a ser valorado na segunda fase da dosimetria e devendo ser reconhecida na terceira fase da dosimetria somente a causa de aumento de 1/3, a pena final deveria perfazer o total de 3 anos e 4 meses de reclusão. Todavia, partiu-se de uma pena-base de 2 anos e 8 meses, pois considerou o aumento previsto no artigo 317, § 1º, do CP, logo na primeira fase da dosimetria. Posteriormente, promoveu-se o aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas, perfazendo a pena de 3 anos e 4 meses, que se tornou definitiva em razão da ausência de critérios da segunda e terceira fases a serem considerados. Assim, como o procedimento levado a efeito pelo juiz não resultou em qualquer prejuízo ao réu, não há necessidade de qualquer reparo quanto à sistemática utilizada para o cálculo da pena do crime de corrupção passiva qualificada. Na primeira fase da dosimetria, foram valorados negativamente, para esses crimes (corrupção, peculato eletrônico e lavagem), três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime). Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VITOR tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fls. 145, 147, 149 e 153 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fls. 145, 147, 150 e 153 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas de corrupção e peculato eletrônico perpetradas por VITOR (auditor fiscal) apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de servidor lotado no setor de “malha fina” (Defis/SP/Sevic/Eqac) da Receita Federal, VITOR era, justamente, um dos responsáveis pela análise e/ou conferência dos dados (falsos) inseridos nas declarações de Imposto de Renda fraudulentamente “liberadas” por ele. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve, portanto, excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo auditor fiscal, justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de corrupção e peculato eletrônico. Quanto à prática do delito de lavagem de dinheiro, contudo, tem-se que o cargo ocupado por VITOR (auditor fiscal lotado no setor de “malha fina” da Receita Federal) não foi, diretamente, utilizado para viabilizar ou facilitar o crime. Em outras palavras, não se vislumbra conexão objetiva entre a função pública exercida por VITOR e o modo pelo qual se deu a prática criminosa da lavagem, razão pela qual a valoração negativa do vetor “culpabilidade” deve ser afastada. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” para os delitos de corrupção passiva, corrupção passiva qualificada e peculato eletrônico, bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, pois tais motivos teriam sido “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146, 147, 150 e 153 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção, o peculato eletrônico e a lavagem de dinheiro sejam crimes contra a Administração Pública e/ou contra a Ordem Econômica, é inegável que todos esses delitos, guardadas as suas peculiaridades (qualificação do agente como servidor público, p. ex.), possuem, também, características de crimes contra o patrimônio, isto é, envolvem expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base dos delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para os delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem. Do quantum a ser majorado. O quantum de majoração correspondente a cada circunstância judicial tida como desfavorável deve mostrar-se adequado à prevenção e reprovação do crime, não se limitando a cálculos aritméticos ou percentuais pré-estabelecidos, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA DOMICILIAR. JUSTA CAUSA OBSERVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. (AgRg no REsp 143.071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). Isso significa que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.595.884/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) No caso em questão, justificar-se-ia, em princípio, a exasperação da pena-base em patamar ainda mais elevado do que o adotado pelo r. juízo a quo. Contudo, em face da ausência de recurso ministerial, não se há de falar em modificação da fração de aumento fixada pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus. Em face do parcial provimento ao apelo de VITOR, as penas-base ficam assim estabelecidas: corrupção passiva: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva (art. 317, caput, do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. corrupção passiva qualificada: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva qualificada (art. 317, §1°, do CP) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa; peculato eletrônico: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. lavagem de dinheiro: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Não houve alteração desses patamares nas segunda e terceira fases da dosimetria, de modo que as penas definitivas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH ficam estabelecidas em: 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos três delitos de corrupção passiva a ele imputados; 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos dois delitos de corrupção passiva qualificada a ele imputados; 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos oito delitos de peculato eletrônico a ele imputados. 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa para um delito de lavagem a ele imputado. Concurso Material x Continuidade Delitiva. Em relação aos delitos de corrupção (três delitos de corrupção passiva e dois delitos de corrupção passiva qualificada) pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 26.03.2013, 08.04.2013, 16.04.2013 – por duas vezes - e 25.04.2013), observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra do concurso material de crimes (inteligência do art. 69 do Código Penal), somando, portanto, as penas a ele imputadas. Já em relação aos oito delitos de peculato eletrônico pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013) observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra da continuidade delitiva, incidindo, portanto, a pena de um dos crimes aumentada de 2/3 - dois terços – fl. 151 – ID 170518759 (inteligência do art. 71 do Código Penal) Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR requereu o reconhecimento da hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, nos moldes do que ocorreu em relação aos crimes de peculato eletrônico. Pois bem. Para a caracterização de crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O artigo 71, caput, do Código Penal assim dispõem: Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (grifo nosso). Ocorre que, no caso concreto, verificou-se a ocorrência de reiteração (ou habitualidade) criminosa, já que as provas amealhadas no curso da “Operação Publicano” revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria adotado, ao longo de anos, como modus vivendi, a prática de fraudar o sistema de arrecadação de imposto de renda da Receita Federal do Brasil, especialmente por meio do cometimento de delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico. In casu, portanto, deve-se considerar que, apesar de haver pluralidade de ações da mesma espécie com modus operandi semelhante, as condutas criminosas foram autônomas e isoladas, cada fato subsumindo-se à norma de maneira singular, sem que o primeiro crime seja causa do segundo, razão pela qual agiu bem o r. juízo a quo ao afastar a hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, fazendo incidir a regra do concurso material. Frise-se que, embora o mesmo raciocínio devesse ser aplicado aos delitos de peculato eletrônico praticados por VITOR, não se há de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Com efeito, não se deve confundir reiteração (ou habitualidade) criminosa com continuidade delitiva. Unificar a pena neste caso significaria um incentivo a esse tipo de comportamento reprovável de eleger a criminalidade como modus vivendi. A ficção jurídica do delito continuado se caracteriza, essencialmente, a partir de uma forma de "prosseguimento ou desdobramento da mesma conduta delituosa", o que é diferente de se praticar uma série de crimes isolados de semelhante espécie. Nesse sentido, já se posicionaram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME CONTINUADO. NECESSIDADE DE PRESENÇA DOS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. REITERAÇÃO HABITUAL. DESCARACTERIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Para a caracterização do crime continuado faz-se necessária a presença tanto dos elementos objetivos quanto subjetivos. 2. Constatada a reiteração habitual, em que as condutas criminosas são autônomas e isoladas, deve ser aplicada a regra do concurso material de crimes. 3. A continuidade delitiva, por implicar verdadeiro benefício àqueles delinqüentes que, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar de execução, praticam crimes da mesma espécie, deve ser aplicada somente aos acusados que realmente se mostrarem dignos de receber a benesse. 4. Habeas corpus denegado. (STF, 2ª Turma, Habeas Corpus n.° 101049, Rel. Ellen Gracie, Julg. 04.05.2010) HABEAS CORPUS. AÇÕES PENAIS. CONDENAÇÕES. CONTINUIDADE DELITIVA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. UNIFICAÇÃO DA REPRIMENDA. REQUISITOS DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. NÃO PREENCHIMENTO. AUSÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. REITERAÇÃO DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva). 2. Constatada a reiteração criminosa, e não a continuidade delitiva, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado. 3. A via estreita do habeas corpus é inadequada para um maior aprofundamento na apreciação dos fatos e provas constantes nos processos de conhecimento para a verificação do preenchimento das circunstâncias exigidas para o reconhecimento da ficção jurídica do crime continuado. Precedentes desta Corte Superior. 4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 128.663 - SP, Julg. em 05.08.2010, Rel. Jorge Mussi, DJe de 13.09.2010) Com tais considerações, mantém-se o reconhecimento da hipótese de concurso material para os delitos de corrupção (corrupção passiva e corrupção passiva qualificada). Fixa-se, pois, para os delitos de corrupção praticados por VITOR a pena definitiva de 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa. Quanto aos delitos de peculato eletrônico, no entanto, observa-se que a r. sentença aplicou a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. No que diz respeito à fração de pena a ser aumentada nas hipóteses de continuidade delitiva, é sabido que a Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos. Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 8 (oito) delitos de peculato eletrônico (em 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013), conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 2/3 (dois terços). Fixa-se, pois, para os oito delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia), bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). As penas definitivas ficam fixadas em: 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa para os delitos de corrução passiva e corrupção passiva qualificada (em concurso material); 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa para os delitos de peculato eletrônico (em continuidade delitiva); 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para o delito de lavagem de dinheiro. A soma dessas penas totaliza 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. VAGNER FABIANO MOREIRA VAGNER FABIANO MOREIRA foi incialmente condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta) e pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida, no bojo da própria sentença, a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição. Em relação ao delito de corrupção ativa (6ª conduta), foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VAGNER tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 155 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por VAGNER apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 155 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 156 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial tida como desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por VAGNER FABIANO MOREIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA foi condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MÁRCIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 159 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por MÁRCIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 159 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 159 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. EDSON FERREIRA DA SILVA EDSON FERREIRA DA SILVA foi condenado pela prática, por duas vezes, de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de EDSON (médico) tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 161– ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Diferentemente dos demais corréus, EDSON não se tratava de um contador (intermediário), mas sim de um contribuinte (médico) que, a fim de reduzir o imposto de renda a pagar, atuou em conjunto com o auditor fiscal VITOR, contatando-o diretamente, para inserir dados falsos no sistema da Receita Federal, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão, por parte de EDSON, a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que os crimes teriam sido praticados para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 161 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 161 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que as pena-bases dos delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticados por EDSON FERREIRA DA SILVA devem ser reduzidas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por EDSON, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 2 (dois) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/6 (um sexto). Fixa-se, pois, para os dois delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos dois delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de FÁBIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 163 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 163– ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por FÁBIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 163 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 163 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA JOSÉ CARLOS SIQUEIRA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de JOSÉ CARLOS tratar-se de “pessoa esclarecida, consultor de vendas” (fl. 165 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que JOSÉ CARLOS desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 165 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 165 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por JOSÉ CARLOS SIQUEIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. CLEIDE MARIA RIBEIRO CLEIDE MARIA RIBEIRO foi condenada pela prática, por três vezes, do delito de peculato eletrônico (5ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de CLEIDE tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 166 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ela, pela profissão que exercia, a de contadora, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fls. 166/167 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas perpetradas por CLEIDE apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contadora, ela tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pela contadora (exercício abusivo da profissão de contadora), justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 167 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 167 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por CLEIDE MARIA RIBEIRO deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por CLEIDE, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 3 (três) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/5 (um quinto). Fixa-se, pois, para os três delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos três delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MAURO SERGIO ARANDA MAURO SERGIO ARANDA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MAURO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 168 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, MAURO SERGIO ARANDA atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que MAURO desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 168 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fls. 168/169 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por MAURO SERGIO ARANDA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES E EDILAINE LOPES SZWARCTUCH IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra do auditor-fiscal VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa do auditor-fiscal VITOR) foram condenadas pela prática de um delito de lavagem de dinheiro. Foram valorados negativamente dois vetores (motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada uma dessas corrés estabelecida em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, para ambas as acusadas, porque “os motivos foram puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos pelo ex-marido” (ou pelo genro) e “amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 170 e 173 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o bem jurídico protegido pelo tipo penal seja a Ordem Econômica, é inegável que a lavagem de dinheiro possui, também, característica de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA e EDILAINE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a ambas. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto para a Administração da Justiça e para a economia na medida em que dificultaram a apuração de enriquecimento ilícito de servidor público, em como reintroduziram na economia, sob o simulacro de licitude, recursos provenientes de infrações criminais” (fls. 170 e 173/174 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR (ex-marido e genro das acusadas), esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base correspondentes às condutas de lavagem perpetradas por IZA e EDILAINE, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. A propósito, a jurisprudência já se posicionou no sentido de que, nos crimes de lavagem, é legítima a valoração negativa das consequências do crime em decorrência da movimentação de expressiva quantia de recursos envolvidos que extrapole o elemento natural do tipo. Nesse sentido, confira-se: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIME ANTERIOR DE PECULATO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. (...). 2. Na espécie, o paciente foi condenado a 6 (seis) anos e 9 (nove) meses, pela prática do crime de lavagem de dinheiro, conforme tipificado no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/1998, com redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 12.683/2012, na forma do art. 71 do Código Penal (seis vezes). 3. Os impetrantes se voltam contra a pena-base fixada pelo Tribunal de origem em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão - acima do limite mínimo de 3 (três) anos previsto no preceito secundário do tipo penal violado -, haja vista a valoração negativa dos motivos, das circunstâncias e das consequências do crime. MOTIVOS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. REELEIÇÃO PARA O CARGO DE GOVERNADOR. PODER ECONÔMICO ORIUNDO DE PRÁTICAS ILÍCITAS. DETURPAÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ELEMENTOS TRANSCENDENTES AO TIPO PENAL VIOLADO. 1. A valoração negativa dos motivos do crime apresenta razões adequadas, uma vez que o intuito do agente não foi o de simplesmente branquear um proveito financeiro advindo de crime anterior para assim usufruir dos valores. O mote também está no desvirtuamento do processo eleitoral, trazendo obscuridade à vontade livre do eleitor, diante da intenção do paciente em reeleger-se para o cargo que ocupava à época, justificativa que se mostra apta ao aumento procedido. Precedentes. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. COMPLEXIDADE DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS. MESCLA DE CAPITAIS LÍCITOS E ILÍCITOS. INVERSÃO NA ORDEM DOS ESTÁGIOS DE BRANQUEAMENTO. ELEVADO GRAU DE REFINAMENTO. REPROVAÇÃO JUSTIFICADA. 1. A maior complexidade das transações financeiras empreendidas pelo paciente e pelos demais corréus na execução dos delitos, dado objetivamente aferido e assinalado pela instância ordinária a partir da interpretação realizada sobre o contexto fático-probatório disponível, constitui argumento eficaz para negativar as circunstâncias do crime. 2. O Tribunal a quo, sem descurar do ciclo normal da lavagem de capitais, considerou mais elevado o grau de refinamento da estratégia idealizada e colocada em prática na execução do crime, inclusive com a mescla de capitais de origem lícita com os de fonte ilícita, bem como com a inversão na ordem dos estágios de branqueamento. Por isso classificou com maior gravidade o modus operandi da infração penal. 3. Não há constrangimento ilegal, haja vista que o distinto grau de sofisticação nos atos específicos de lavagem de capitais justifica a reprovação em face das circunstâncias sob as quais o crime foi praticado. Precedentes. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO VOLUME DE RECURSOS MOVIMENTADOS EM OPERAÇÃO DE LAVAGEM DE CAPITAIS. AUMENTO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. 1. A instância ordinária considerou expressiva a repercussão econômica do crime, que colocou em processo de branqueamento R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), no segundo semestre do ano de 1998, valores que, meramente atualizados, representariam aproximadamente R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais) nos dias de hoje. 2. O grande volume de recursos envolvidos na lavagem de capitais extrapola o elemento natural tipo e constitui razão idônea à majoração da pena-base, visto que, em tal espécie de delito, ‘a elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria’ (AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017). 3. Habeas corpus do qual não se conhece. (STJ, Quinta Turma, HC 518882/MG, Rel. Jorge Mussi, Julg. em 11.02.2020, Dje de 21.02.2020) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. VALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. INEXISTÊNCIA. TRADUÇÃO. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS. NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. LAVAGEM DE CAPITAIS. AUTORIA E MATERIALIDADE. SÚMULA 7/STJ. MOVIMENTAÇÃO DE ELEVADA QUANTIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. ‘A fundamentação per relacionem constitui medida de economia processual e não malfere os princípios do juiz natural e da fundamentação das decisões’. (REsp 1.443.593/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015). 2. Não há ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, na medida em que, da simples leitura do acórdão recorrido, constata-se que as questões apontadas como não enfrentadas foram examinadas e decididas fundamentadamente. 3. Conforme precedente do STF, ‘a tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro só deverá ser realizada se tal providência tornar-se absolutamente "necessária", nos termos do que dispõe o art. 236 do Código de Processo Penal’. (Inq 4146, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2016). 4. ‘No Processo Penal, é imprescindível quando se aventa nulidade de atos processuais a demonstração do prejuízo sofrido em consonância com o princípio pas de nullité sans grief’. (AgRg no HC 396.203/SC, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017). 5. Rever autoria e materialidade do crime de lavagem de capitais, conforme pleiteado no recurso demandaria, necessariamente, reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ. 6. A elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria. Precedente. 7. Agravo regimental parcialmente conhecido, e nessa parte, desprovido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Julg. em 26.09.2017, Dje de 06.10.2017) Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para ambas as acusadas. Do quantum a ser majorado. Observa-se que, em relação a VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (co-autor dos delitos de lavagem praticados por IZA e EDILAINE), o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (culpabilidade, motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Em relação às apelantes (IZA e EDILAINE), entretanto, o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/8 (um oitavo), equivalente a 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Disto resultou a fixação de pena idêntica para os três corréus (de 3 – três - anos e 9 – nove - meses de reclusão e 14 – quatorze - dias-multa), apesar de, para VITOR, ter havido a valoração negativa de uma circunstância judicial a mais (culpabilidade). A fim de se corrigir essa discrepância, determina-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, manteve-se, para IZA e EDILAINE, apenas, a valoração negativa de um vetor (consequências do crime), conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) de cada uma dessas acusadas deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena de cada uma das apelantes para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade atribuída a cada uma dessas acusadas por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos (fls. 171 e 174 – ID 170518759). Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS E DA MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS. Observa-se que, no bojo da r. sentença, o r. juízo a quo decretou a perda, em favor da União, de alguns dos bens e/ou valores apreendidos/sequestrados no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), bem como fixou valor mínimo para a reparação dos danos, nos seguintes termos (fls. 182/183 – ID 170518759): DOS BENS APREENDIDOS Conforme a fundamentação apresentada acima, decreto em favor da União a perda dos seguintes bens: a) imóvel localizado em Alphaville, na Alameda Piava, 248, registrado formalmente em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (‘DARCY’) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (‘IZA’), como objeto de lavagem de capitais; b) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR AURELIO SZWARTUCH (‘VITOR’), EDILAINE LOPES SZWARTUCH (‘EDILAINE’), IZA e DARCY; c) dos valores bloqueados, no total de R$ 1.112.351,34 (R$ 818.588,66 + 108,97 + 1.009,03 + 40.662,26 + 212.744,71 + 39.237,71) em contas de titularidade dos acusados; d) dos valores bloqueados no montante total de R$ 1.615.720,02 (R$ 752.089,50 + 264.104,13 + 264.104,13 + 335.422,26) relativos a planos de previdência. Dos valores acima será deduzida a quantia correspondente a R$ 43.445,18, cujo levantamento foi autorizado, conforme comprova cópia trasladada às fls. 2956/2958. DO VALOR DO DANO Com fundamento no artigo 91, I, do Código Penal, combinado com o artigo 386, IV, fixo como valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), tomado como base, para estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fls.02/34 do apenso I, volume I). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA opôs, então, Embargos de Declaração alegando que a r. sentença teria sido omissa quanto aos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados em contas bancárias de titularidade de VAGNER. Alegou, na oportunidade, que, em face da mínima sucumbência deste corréu, ele faria jus ao levantamento do excesso dos valores constritos, isto é, ao levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. Ao apreciar os referidos Embargos Declaratórios, o r. juízo a quo assim decidiu (fls. 241/243 – ID 170518759): De fato, a sentença não faz menção ao bloqueio de R$ 135.897,95, decretado nos autos do pedido de busca e apreensão (fls. 337-338, 479-484, 551 dos autos da busca e apreensão). A decisão de sequestro foi explícita sobre o objeto da constrição dos bens: ‘suposto valor dos produtos/proveitos do crime e da eventual reparação dos danos (incluindo despesas processuais e penas pecuniárias)’ - fls. 336-v. Especificamente sobre VAGNER, a decisão consigna que a necessidade da constrição cautelar decorria da possibilidade de que VAGNER viesse a ‘se desfazer de seu patrimônio, impedindo, em caso de eventual condenação judicial, a reparação dos danos provenientes das práticas delituosas’ (fls. 338 - destaquei). Vê-se que houve estimativa apenas do valor da pena de multa, mas a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos. A sentença condenatória fixou o valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (fls. 3272-3273). O acusado foi condenado pela prática de corrupção que se relaciona aos danos arbitrados, razão pela qual os valores bloqueados devem ser utilizados para pagamento das custas e pena de multa, enquanto o saldo deve ser objeto de perda em favor da União para pagamento do dano arbitrado na sentença. (...) II) CONHEÇO dos embargos de declaração opostos por VAGNER e os ACOLHO, para sanar a omissão da sentença, que fica acrescida da fundamentação supra e do seguinte trecho no item ‘DOS BENS APREENDIDOS’ (fls. 3272): ‘e) do valor bloqueado no montante de R$ 135.897,95 em contas da titularidade de VAGNER, parte para pagamento das custas e pena de multa, sendo o restante destinado ao pagamento do dano fixado na sentença’. Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou ter havido reformatio in pejus, pois a perda dos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados não foi decretada no bojo da r. sentença, mas sim, tão-somente, na oportunidade em que o r. juízo a quo apreciou Embargos Declaratórios opostos pelo acusado. Reitera, pois, o pedido de que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, seja autorizado o levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. As defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, por sua vez, requereram o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome das apelantes” (fl. 204 – ID 170518682). Pois bem. Observa-se, primeiramente, que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fl. 183 – ID 170518759). Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Em outras palavras, a fixação de valor mínimo para a reparação de danos referentes aos fatos criminosos compreendidos pelo presente feito constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente, para a realização da necessária liquidação. Tal modulação excede os limites cognitivos desta seara criminal. Com tais considerações, determina-se, de ofício, o afastamento da condenação dos acusados a repararem o dano com base no valor mínimo de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), fixado pela r. sentença, tendo-se em vista que o valor mínimo para a reparação de danos constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. Como consequência, afasta-se, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, até que se apure, com precisão, o montante do dano a ser efetivamente reparado, ficando prejudicada, assim, a alegação da defesa de VAGNER no sentido de que teria havido reformatio in pejus. Frise-se que, não obstante se esteja aqui afastando o decreto de perda, em favor da União, dos bens e valores constritos até que se apure o montante efetivamente devido a título de reparação dos danos, as constrições efetivadas devem ser mantidas. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano causado pela prática dos delitos identificados no bojo do presente feito, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Assim, não se há de falar em levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER, já que, como bem asseverou o r. juízo a quo, a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos (fl. 241 – ID 170518759). Note-se que o art. 120 do Código de Processo Penal dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem ou valor, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso. Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, até mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um bem ou valor apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como condenado deve, obrigatoriamente, demonstrar a origem lícita do bem ou valor para que se cogite de seu direito a vê-lo restituído. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. Ante o exposto, vota-se por: afastar, de ofício, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; afastar, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos; julgar prejudicado o pedido, formulado pela defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA, de reconhecimento da ocorrência de reformatio in pejus; indeferir os pedidos de levantamento das constrições formulados pelas defesas de VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES. DISPOSITIVO. Ante o exposto, vota-se por: DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas. É o voto. E M E N T A PENAL E PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO PUBLICANO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CPP COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ARTIGOS 333 E 317, CAPUT, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. ART. 317, §1°, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. ART. 317, §2°, DO CP. PRESCRIÇÃO. PECULATO ELETRÔNICO. ART. 313-A DO CP. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. ART. 325 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI Nº 9.613/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO POR UM ÚNICO DELITO, A DESPEITO DE HAVER PLURALIDADE DE CONDUTAS, SOB PENA DE REFORMATIO IN PEJUS. CONCURSO MATERIAL ENTRE AS PRÁTICAS DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOLO. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DE ALGUMAS DAS CIRCUSTÂNCIAS JUDICIAIS. REDUÇÃO DAS PENAS. VALOR MÍNIMO FIXADO A TÍTULO DE REPARAÇÃO DE DANOS AFASTADO. DECRETO DE PERDA DE BENS E VALORES EM FAVOR DA UNIÃO POR ORA AFASTADO. MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS NO BOJO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR. No bojo da denominada “Operação Publicano”, investigou-se a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. Não se há de falar em nulidade da r. sentença por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. A valoração negativa do vetor culpabilidade fundamentou-se em razões distintas para cada corréu e, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), muito embora tenham sido feitas alusões semelhantes para todos os corréus, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, pois se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas pela Corregedoria da Receita Federal - ESCOR08 e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal - ESPEI) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). As interceptações telefônicas se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida, por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013. Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013. Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER, bem como solicita-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013. Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013, não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER. Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. O fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação. Não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. No tocante à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). A conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Frise-se, ainda, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes. Do diálogo interceptado, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. Embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de de um contribuinte e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de outra contribuinte, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte (médico). Muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. No tocante à 2ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Muito embora se pudesse cogitar, com base nas mensagens e diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de uma contribuinte. Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Muito embora se pudesse cogitar, com base nos diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. PRESCRIÇÃO. Declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada pelos quais havia sido condenado (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia), uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. PECULATO ELETRÔNICO. Para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. No tocante às 1ª e 2ª condutas de peculato eletrônico descritas na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. O Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas, revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções No tocante à 3ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de um contribuinte, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la. No tocante à 4ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF daquele contribuinte e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito. No tocante à 5ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs de três contribuintes, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais os referidos três contribuintes), é firme, com base nas trocas de mensagens interceptadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 dos referidos três contribuintes, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. No tocante à 6ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que um contribuinte teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração daquele contribuinte (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração desse contribuinte. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. PRESCRIÇÃO. Considerando que já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. LAVAGEM DE DINHEIRO. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: a) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; b) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; c) ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. A ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) constitui uma conduta autônoma de lavagem. In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente. Ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. O conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08, quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto ao imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, embora se saiba que VITOR ocultou sua propriedade registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA,) o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006, ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Ademais, apesar de, a partir das informações que constam dos autos, ser possível extrair que a residência situada no terreno foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos revelam, p. ex., que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: i) a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto; ii) a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013. De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. O aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. Para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito”, esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. Ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). O Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. Observa-se que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas. Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Trata-se de questão a ser dirimida no juízo cível competente. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181, ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. DECLARA-SE, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos. AFASTA-SE, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. AFASTA-SE, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos. DETERMINA-SE, porém, a manutenção de todas as constrições efetivadas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor culpabilidade em relação ao delito de lavagem de dinheiro; afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. FAUSTO DE SANCTIS Desembargador Federal
  5. Tribunal: TRF3 | Data: 22/07/2025
    Tipo: Intimação
    PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A Advogados do(a) APELANTE: MARCELA TERRA DE MACEDO - SP381227-A, RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Foram interpostas Apelações pelas defesas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 56 – ID 170518607 e fls. 207/256 - ID170518682), VAGNER FABIANO MOREIRA (fls. 59/85 - ID 170518607), MAURO SERGIO ARANDA (fl. 215 – ID 170518759 e fls. 57/61 - ID 170518682), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (fl. 218 - ID 170518759 e fls. 163/206 - ID 170518682), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (fl. 156 – ID 170518607 e fls. 163/206 - ID 170518682), EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (fl. 219 - ID 170518759 e fls. 263/301 - ID 170518682), FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (fl. 03 – ID 170518607 e fls. 86/93 - ID 170518607), MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (fl. 04 – ID 170518607e fls. 51/55 - ID 170518682), EDSON FERREIRA DA SILVA (fl. 05 - ID 170518607 e fls. 62/65 - ID 170518682), JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (fls. 06/17 - ID 170518607) e CLEIDE MARIA RIBEIRO (fl. 27 ID 170518607 e fls. 157/169 - ID 170518607), em face da r. sentença, proferida, em 10.05.2018 (fls. 58/184 – ID 170518759 e fls. 236/243 - ID 170518759), pelo Exmo. Juiz Federal Silvio Luis Ferreira da Rocha (10ª Vara Federal Criminal de São Paulo-SP), que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para: rejeitar parcialmente a denúncia, para todos os acusados, por inépcia, tão somente em relação às acusações de prática do delito de formação de quadrilha (associação criminosa), previsto no art. 288 do Código Penal (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013). condenar VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), nascido em 24.07.1962, pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), de dois delitos de corrupção passiva qualificada (2ª e 7ª condutas) e de três delitos de corrupção passiva (6ª, 8ª e 11ª condutas) – em concurso material; pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva; pela prática de quatro delitos de violação de sigilo funcional (1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) – em continuidade delitiva; e pela prática de um delito de lavagem de dinheiro, à pena de 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa; absolver VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), por insuficiência de provas, de duas acusações relacionadas à prática de corrupção passiva (3ª e 5ª condutas), de três acusações relacionadas à prática de corrupção passiva qualificada (9ª conduta) e de uma acusação relacionada à prática de violação de sigilo funcional (2ª conduta); absolver DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 02.07.1976, por insuficiência de provas, das acusações relacionadas à prática de três delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª e 4ª condutas), de um delito de corrupção ativa (3ª conduta) e de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), nascido em 12.04.1976, pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, bem como pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição; absolver VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) de acusação relacionada à prática de um delito de violação de sigilo funcional (2ª conduta); condenar MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), nascido em 04.11.1967, pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), nascida em 15.05.1958, pela prática, por três vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (5ª conduta), à pena de 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de três delitos de corrupção ativa (9ª conduta); condenar JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), nascido em 09.02.1963, pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 24.07.1981, pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar MAURO SERGIO ARANDA, nascido em 08.1.1969, pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), nascido em 03.10.1964, pela prática, por duas vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas), à pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), nascido em 01.06.1938, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), nascida em 24.06.1950, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), nascida em 29.08.1975, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se apurou a suposta existência de quadrilha (associação criminosa), em tese liderada pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializada em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros membros da quadrilha a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, VAGNER FABIANO MOREIRA, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, todos relacionados a escritórios de contabilidade, seriam, também, membros da agremiação criminosa e responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia a DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se apurou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. As condutas criminosas praticadas foram assim descritas, em síntese, na denúncia (fls. 03/38 – ID 170518764): CRIME DE QUADRILHA (art. 288 do CP, antes do advento da Lei n.° 12.850/2013). Narrou a exordial que, pelo menos desde o início de 2011 até o dia 16 de maio de 2013, VITOR, DENIS, VAGNER, MÁRCIO, CLEIDE, SIQUEIRA, DARCY, IZA e EDILAINE associaram-se, em quadrilha, com estabilidade e permanência, para o fim de cometer crimes contra a Administração Pública e de ‘lavagem’ de ativos financeiros (...) – fls. 04/05 – ID 170518764. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA (artigos 317 e 333 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP, por duas vezes): no dia 26.03.2013, às 21h43, por intermédio de mensagem SMS, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que suspendesse o processamento das DIRPFs de quatro contribuintes (“clientes”). Em razão disso, em 01.04.2013, às 12h04 e às 12h06, VITOR, cedendo a tal pedido, efetuou a suspensão da contagem dos prazos relativos às declarações (DIRPF-2012) de dois daqueles contribuintes (Luiz Cesar Nogueira e Andrea Bicudo Leite), ambas retidas em “malha fina”, não o fazendo no tocante aos demais contribuintes, porque estes não possuíam domicílio em São Paulo-SP. - 2ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS (contador), para si, diretamente, em razão de sua função, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luis Fernando, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. - 3ª Conduta - VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 10h48, por meio de trocas de mensagens via telefone celular, DENIS (contador) ofereceu o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a VITOR (auditor fiscal), para que este “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) da contribuinte Daiana. Em resposta, VITOR solicitou, como contrapartida, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), o que foi aceito por DENIS. - 4ª Conduta – VITOR e DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 23.04.2013, às 10h45, por meio de conversa telefônica, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) do contribuinte Chafik, retido em função de deduções com despesas médicas, tendo sido esse pedido prontamente atendido por VITOR. - 5ª Conduta - VITOR, DENIS E FÁBIO (prática de corrupção passiva com concurso de agentes – art. 317, caput, do CP): no dia 21.04.2013, às 14h53, DENIS e FÁBIO (contadores), previamente ajustados com unidade de desígnios e identidade de propósitos com VITOR (auditor fiscal), solicitaram, para eles e para VITOR, diretamente, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dos quais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) seriam destinados a VITOR, como contrapartida pela “liberação da malha fina” de duas declarações (DIRPF) relacionadas a pessoa conhecida como Hernan. - 6ª Conduta – VITOR E VAGNER (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 14h36, VAGNER (contador) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que a declaração (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador fosse “retirada da malha fina”, tendo sido a referida proposta aceita por VITOR. - 7ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula, o que foi feito no dia 17.04.2013, às 13h53, tendo sido a restituição da referida contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. - 8ª Conduta – VITOR E MÁRCIO (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput e 333, ambos do CP): no dia 25.04.2013, às 9h34, MÁRCIO (contador e advogado) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente no pagamento de valor a ser decidido pelo funcionário público, a fim de que este “liberasse da malha fina” as declarações (DIRPFs) dos contribuintes Emerson Favero e Lilian Martzioros, proposta esta que foi aceita por VITOR. Posteriormente, além de fornecer a MÁRCIO (contador) orientações sobre como elaborar as declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes, VITOR (auditor fiscal) informou que as declarações seriam retidas em “malha fina” e que cobraria R$ 10.000,00 (dez mil reais) para “liberar” a DIRPF de Emerson e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para “liberar” a DIRPF de Lilian. Durante a execução de mandado de busca e apreensão, as DIRPFs/2013 desses dois contribuintes foram apreendidas na residência de VITOR (auditor fiscal). - 9ª Conduta – VITOR E CLEIDE (prática de corrupção passiva qualificada e ativa – artigos 317, caput e §1º, e 333, ambos do CP): no dia 10.04.2023, às 13h45, CLEIDE (contadora), por intermédio de correio eletrônico, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagens indevidas consistentes em pagamentos de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e R$ 6.000,00 (seis mil reais), a fim de que ele “retirasse da malha fina” alguns clientes da contadora, dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide. No dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, VITOR (auditor fiscal) efetuou a “liberação da malha fina” das declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano, mesmo sem emissão de intimações aos contribuintes nem elaboração de dossiês eletrônicos e, no dia 12.06.2012, às 9h45, VITOR “liberou da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de Gerson Gomide. As declarações supracitadas apresentavam deduções elevadas a título de pagamentos de despesas médicas inidôneas ao Hospital Albert Einstein, expediente fraudulento que foi citado por CLEIDE (contadora) na mensagem eletrônica. - 10ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 22.03.2013, às 13h27, VITOR (auditor fiscal), por intermédio do sistema informatizado da Secretaria da Recita Federal, infringiu dever funcional ao alterar o conteúdo da declaração (DIRPF/2012) de Marina Andrade de Campos Maia, o que ocorreu porque VITOR cedeu ao pedido de Eduardo (funcionário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), que, em conversa interceptada no dia 22.03.2013, solicitou a VITOR (auditor fiscal) que efetuasse as alterações necessárias na DIRPF/2012 de Marina. A alteração consistiu na glosa de despesas médicas de R$ 4.251,50 (quatro mil, duzentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos), gerando liberação de restituição de imposto de renda em benefício de Marina. De acordo com a exordial acusatória, era prática comum VITOR elaborar ou modificar DIRPF a pedido de Eduardo, todas relacionadas com supostos funcionários públicos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 14 – ID 170518764). - 11ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva – art. 317, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 15h46, VITOR (auditor fiscal) solicitou a SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. CRIMES DE PECULATO ELETRÔNICO (art. 313-A do CP). - 1ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h07, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, mediante a afirmação (inverídica) de que EDSON teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2010). No dia 30.06.2010, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2010 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF, bem como “liberou-a da malha fina”, inserindo no sistema as informações mencionadas. Assim, em 01.03.2012, foi disponibilizada a EDSON restituição de imposto de renda no montante de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos). - 2ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h08, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, referentes à declaração (DIRPF/2011) desse contribuinte. No dia 12.05.2011, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2011 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF/2011, bem como “liberou-a da malha fina”, tendo sido disponibilizada a EDSON, em 01.03.2012, restituição de imposto de renda no montante de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos). - 3ª Conduta – VITOR E FÁBIO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 01.04.2013, às 12h18, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com FÁBIO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2010) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada, ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição de imposto de renda. Segundo consta, poucos dias depois, em 08.04.2013 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, sobre a referida liberação, demonstrando que ambos tinham conhecimento sobre ela. - 4ª Conduta VITOR E SIQUEIRA (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): nos dias 18.03.2013, às 15h11, e 19.03.2013, às 11h53, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com SIQUEIRA (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, a fim de “liberá-la da malha fina”, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Verificou-se, durante conversa interceptada no dia 26.03.2013, que SIQUEIRA (contador) perguntou a VITOR (auditor fiscal) sobre a situação da DIRPF de Marcelo, respondendo VITOR que já havia realizado a sua parte. - 5ª Conduta - VITOR E CLEIDE (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como em 12.06.2012, às 09h45, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com CLEIDE (contadora), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José, Olavo e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações. Após as declarações terem sido “liberadas da malha fina”, foram disponibilizadas, aos contribuintes, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.0800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Segundo consta, CLEIDE (contadora), por intermédio de e-mail enviado em 10.04.2013, prometeu pagamentos indevidos a VITOR para que este “retirasse” seus clientes da “malha fina” e aduziu que preencheria as DIRPFs 2013 da mesma forma que fez no ano passado, com exceção das declarações de Maria José, de Olavo e de Gerson Gomide (fls. 18/19 – ID 170518764), o que demonstra que VITOR e CLEIDE agiam em conjunto ao menos desde 2012. - 6ª Conduta – VITOR E MAURO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 26.04.2013, às 13h44, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com MAURO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à DIRPF/2012 de Henry Luis Fornitano, mediante a afirmação (inverídica) de que este teria comprovado as deduções constantes de suas declarações. Segundo consta, a referida DIRPF havia sido retida em “malha fina” em 10.04.2013 e, em 17.04.2013, MAURO relatou que havia pendência com lançamento referente ao Bradesco Saúde, oportunidade em que VITOR declarou que iria “resolver o problema”. Como resultado, a conduta criminosa gerou, em favor do contribuinte, a restituição de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). CRIMES DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art. 325 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 19.03.2013, às 11h18, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à suspensão do Cadastro de Pessoa Física (CPF) de Álvaro Affonso de Miranda Netto (“Doda”) em razão de não ter sido entregue a declaração (DIRPF/2012), fato de que teve ciência em razão de sua função. Durante conversa telefônica entre VITOR e VAGNER, o contador (VAGNER) pediu ao auditor fiscal (VITOR) que pesquisasse no sistema da Delegacia da Receita Federal o motivo pelo qual o CPF de “Doda” encontrava-se suspenso. - 2ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 22.03.2013, às 14h01, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informações sigilosas relacionadas ao sistema de “malha fina” das quais teve ciência em razão de sua função. Em diálogo interceptado, o contador (VAGNER) indagou ao auditor fiscal (VITOR) se rendimentos com aluguéis e royalties poderiam ser lançados na declaração de imposto de renda de pessoa jurídica como sendo “Livro Caixa”, ao que VITOR respondeu que não, porque o sistema da DRFB não aceitava ‘Livro Caixa’ para essa situação, somente sendo permitido no caso de DIRPF (fl. 20 – ID 170518764). - 3ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 25.03.2013, às 13h39, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à declaração (DIRPF) de Daniela Bonfá, ex-esposa de VAGNER, da qual teve ciência em razão de sua função. Por meio de mensagem SMS, VAGNER perguntou a VITOR se este poderia acessar a DIRPF de sua ex-esposa e, no mesmo dia, VITOR revelou que a referida DIRPF ainda estava sendo processada no sistema. - 4 ª Conduta – VITOR E ANTONIO (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 03.04.2013, às 15h30, e em 09.04.2013, às 11h55, VITOR (auditor fiscal) revelou a ANTONIO ANGELO FARAGONE informações sigilosas acerca da sociedade empresária KOMPAC SERVIÇOS ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO LTDA, estas relacionadas ao cadastro, identidade dos sócios, patrimônio dos sócios e declarações de imposto de renda, das quais teve ciência em razão de sua função. - 5ª Conduta – VITOR E MARCOS (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 09h44, 09h46, 09h47 e 09h50, VITOR (auditor fiscal) revelou a MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA informações sigilosas relacionadas a bens imóveis de propriedade do pai, irmão e mãe de MARCOS (Wilma Menin de Avila), bem como da sociedade empresária WILMA MENIN DE AVILA ME, das quais teve ciência em razão de sua função. CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS (art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998, com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012). Narrou a denúncia que, entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013, VITOR, EDILAINE (ex-esposa), DARCY (sogro) e IZA (sogra), agindo com unidade de desígnios e identidade de propósitos, por, pelo menos, 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. Segundo a exordial: VITOR se utilizava dessas pessoas, com o conhecimento delas, para o desiderato de ocultar e dissimular o proveito criminoso das infrações penais funcionais por ele perpetradas (...). Apurou-se, de ato, que VITOR registrava parte de seus bens em nome de seu núcleo familiar. Ocorre que essas pessoas não tinham como comprovar renda suficiente que confirmasse a possibilidade de suportar os bens registrados em seus nomes, razão pela qual VITOR, valendo-se do cargo de Auditor–fiscal lotado no setor de ‘malha fina’ da DRFB, elaborava declarações de imposto de renda fictícias, criando rendas inexistentes, capazes, então, de comprovar o patrimônio declarado. (...) em 2006, VITOR e EDILAINE possuíam um total de recursos disponíveis de R$ 71.253,69 (setenta e um mil, duzentos e cinquenta e três reais e sessenta e nove centavos), sendo que, em 2011, totalizavam o valor de R$ 133.219,35 (cento e trinta e três mil, duzentos e dezenove reais e trinta e cinco centavos). EDILAINE, na DIRPF 2012, a título de ‘indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho; FGTS’, declarou, como rendimento isento, o valor de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais), mesmo afirmando que não trabalhava (...). Não obstante, registre-se que EDILAINE não exercia qualquer atividade remunerada que pudesse justificar todo patrimônio que estava declarado em seu nome (...). Ainda sob esse contexto, observe-se a variação patrimonial dos sogros de VITOR, que declararam recursos disponíveis negativos em 2006 e, no ano de 2011, um saldo positivo de R$ 52.847,76 (cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta e sete reais e setenta e seis centavos) (...). DARCY e IZA declararam R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) como rendimentos recebidos de pessoa física, entre os anos de 2006 e 2011, sem, contudo, demonstrarem a origem dos valores, restando apurado que, em verdade, esses recursos são oriundos dos delitos funcionais levados a efeito por VITOR (...). Em 20/03/2013, às 11:19 (horário inicial), VITOR dialogou com DARCY acerca da abertura de uma conta bancária, indicando que ele era peça fundamental para o cometimento do delito de ‘branqueamento’ de ativos financeiros perpetrado pelo núcleo familiar de VITOR e por outros integrantes da quadrilha (...). Deveras, nova conversa telefônica travada entre VITOR e DARCY no dia 21/03/2013, às 18:52 horas (horário inicial), demonstra claramente que DARCY e IZA possuíam contas bancárias que serviam para a ocultação e a dissimulação dos proveitos dos delitos cometidos pela quadrilha (...). Outro elemento de convicção constante dos autos emerge do diálogo entre VITOR e DARCY, ocorrido na data de 04/04/2013, às 17:07 horas (horário inicial). Nele, os interlocutores conversaram sobre cartões oriundos do Banco Itaú. Ressalte-se que DARCY asseverou a VITOR que chegaram as cartas do ‘nosso’ banco (...). Ainda, tratando das contas bancárias utilizadas pela quadrilha, em 05/04/2013, às 15:55 horas (horário inicial), VITOR conversou com FABIANA, gerente do Banco Itaú Personnalité, no qual VITOR possui uma conta. Na conversa, a gerente ressaltou o volume expressivo de recursos na conta bancária de VITOR, incompatíveis com a sua atividade profissional. Na mesma oportunidade, ela ofereceu um investimento ao denunciado para volume acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). O ponto mais importante da conversa é o momento em que VITOR afirma que opera as contas de seus sogros, mesmo sem possuir procuração para tanto (...), o que, mais uma vez, denota a importância do núcleo familiar para o cometimento do delito de ‘lavagem’ de dinheiro. Ainda nessa mesma linha, observe-se o caso do ‘serviço’ prestado em favor de JESUALDO GUEDES PEREIRA FILHO. Em troca da elaboração da DIRPF do particular, com informações inverídicas, VITOR recebeu R$ 2.000,00 (dois mil reais), os quais foram depositados, a pedido de VITOR, na conta n.° 045113-4 (...), pertencente a DARCY (...). Ademais, o ‘e-mail’ enviado por VITOR a MAICEL ANESIO TITTO, outra pessoa que se beneficiava das ilegalidades praticadas pela associação criminosa, no dia 08/04/2013, às 19:06 horas, é mais um demonstrativo de que VITOR se utilizava das contas bancárias de DARCY e de IZA, ambas mantidas no Banco Itaú, (...), sempre com a anuência destes, visando o recebimento de valores provenientes de suas atividades criminosas (...). (...) foi elaborada pela Delegacia da Receita Federal uma relação dos cheques emitidos em favor do núcleo familiar de VITOR e dos contribuintes que tiveram suas declarações de imposto de renda acessadas pelo Auditor-Fiscal (...). Veja-se que foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco do Brasil, o total de 126 (cento e vinte e seis cheques) (...). Por sua vez, foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco Itaú, o montante de 140 (cento e quarenta) cheques (...). A somatória dos valores dos cheques supramencionados ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo que, em relação a todos esses contribuintes, VITOR acessou suas DIRPF no sistema da SRFB para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Além dos cheques supracitados, também foram apreendidos na residência de VITOR outros cheques de clientes da quadrilha, cuja soma alcança a cifra de R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais) (...). Ademais, na execução de mandado de busca e apreensão na residência de EDILAINE, foi apreendida também grande quantidade de cheques emitidos para o pagamento pelos ‘serviços’ da associação criminosa. A soma dos valores lançados nos títulos de crédito aponta para o importe de R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais). Dentre os cheques apreendidos na ocasião, encontram-se (i) cheques nominais ao investigado DENIS, totalizando o valor de R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais); (ii) cheques de contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP (‘internet protocol’) de VITOR (...), cuja soma é de R$ 13.900,00 (treze mil e novecentos reais); e (iii) cheques de contribuintes mencionados pelos denunciados durante as interceptações telefônicas (...), perfazendo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Todos os cheques foram emitidos à guisa de pagamento pelos crimes cometidos pela quadrilha, em benefício dos contribuintes, sendo os depósitos efetuados nas contas de DARCY, IZA e EDILAINE para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Reforça essa assertiva o fato de que, após a deflagração da ‘Operação Publicano’, os contribuintes Rebeca Maria Filgueiras Moura Sampaio, Luiz Antonio Moura Sampaio e Alberto de Souza Cotrim Filho enviaram à SRFB declarações retificadoras de imposto de renda com um aumento significativo do valor de imposto devido. Por fim, VITOR também se utilizava da aquisição de imóveis no nome de pessoas de seu núcleo familiar para ocultar e dissimular a origem dos valores provenientes dos delitos praticados pela quadrilha. Nesse sentido, em 23/03/2013, às 12:01 horas (horário inicial), VITOR afirmou ao corretor de imóveis LUIS que adquiriu um terreno na Alameda Piava, construindo ali um imóvel, apesar de esse bem estar declarado nas DIRPFs de DARCY e IZA (...). Na conversa, VITOR afirmou que pagou R$650/m2, o que faria com que o valor total da transação fosse de aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Contudo, no registro do referido imóvel, aparece que ele foi adquirido por DARCY e IZA mediante o pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou seja, em torno de R$ 240/m2 (...). Portanto, além de VITOR ter registrado o bem no nome de seus sogros, também declarou um valor muito inferior do que o realmente pago, utilizando-se de valores provenientes dos crimes perpetrados pela quadrilha (...) - (fls. 23/35 – ID 170518764). Assim, o Ministério Público Federal denunciou: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes), corrupção passiva (por 5 –cinco – vezes, referentes às 3ª, 5ª, 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 5 – cinco – vezes, referentes às 2ª, 9ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quatro – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas) e violação de sigilo funcional (por 5 – cinco – vezes); 2. DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta), corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 3ª conduta) e corrupção privilegiada (por 3 – três – vezes, referentes às 1ª e 4ª condutas); 3. VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 3 – três – vezes); 4. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). 5. CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 3 – três – vezes, referentes à 9ª conduta) e peculato eletrônico (por 3 – três – vezes); 6. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 7. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 8. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 9. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 10. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez) e corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta); 11. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 12. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes); 13. ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma – vez); 14. MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma - vez). Tipificação: art. 288, caput (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013), art. 317, caput e §§ 1 º e 2º, art. 333, art. 313-A, art. 325, caput, todos do Código Penal e art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998 (com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012), c.c. art. 71, caput, do Código Penal. A denúncia foi recebida em 07.01.2014 (fls. 45/52 – ID 170518764). Em 29.08.2014, após a redistribuição do feito nos termos do Provimento CJF3R n.° 417/2014, anulou-se o recebimento da denúncia tão-somente em relação ao acusado VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a fim de que lhe fosse dada a oportunidade de oferecer defesa preliminar, na forma do art. 514 do Código de Processo Penal (fls. 184/186 - ID 170518762). Depois de sopesados os argumentos apresentados, a denúncia foi recebida, em face de VITOR, em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612). Em relação ao corréu ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), os autos foram desmembrados (distribuídos sob n.° 0002347-09.2016.403.6181) e, em 12.09.2016, reconheceu-se a prescrição da pretensão punitiva, tendo sido declarada extinta a punibilidade deste corréu (fl. 54 – ID 170518611). Em relação ao corréu MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, os autos foram desmembrados em 19.01.2017 (distribuídos sob o n.° 0000445-84.2017.6681), em razão da concessão de Habeas Corpus em seu favor. Em relação ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, transitou em julgado, em 14.12.2016, decisão proferida pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no bojo do RHC n.° 75520 - Habeas Corpus n.° 0001857-03.2016.4.03.0000, que reconheceu, para ele, a inépcia da denúncia no tocante ao delito de formação de quadrilha (associação criminosa). O Ministério Público Federal requereu, então, a extensão dos efeitos dessa decisão aos corréus, o que foi deferido pelo r. juízo a quo no bojo da r. sentença, tendo sido a imputação da prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal excluída em relação a todos os réus (fl. 83 – ID 170518759). A r. sentença (fls. 58/184 – ID 170518759) julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, determinando: i) para o crime de quadrilha: a rejeição, por inépcia, da denúncia e a correspondente exclusão da imputação da prática desse delito em relação a todos os réus; ii) para os crimes de corrupção ativa e passiva: a condenação dos acusados pela prática das 1ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 2ª, 4ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 6ª, 7ª, 8ª, 10ª e 11ª condutas e a absolvição dos acusados em relação às 3ª, 5ª e 9ª condutas; iii) para os crimes de peculato eletrônico: a condenação dos acusados pela prática das 6 (seis) condutas descritas; iv) para os crimes de violação de sigilo funcional: a condenação dos acusados pela prática das 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas e a absolvição destes em relação à 2ª conduta; v) para os crimes de lavagem: a condenação de todos os acusados. Foi determinada, como efeito extrapenal da condenação, a perda do cargo de auditor-fiscal em que estava regularmente investido VITOR AURÉLIO SZWARTUCH. Foi decretada a perda, em favor da União, dos seguintes bens: i) imóvel registrado em nome dos corréus DARCY e IZA; ii) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR, EDILAINE, IZA e DARCY; iii) valores bloqueados em contas de titularidade dos acusados; iv) valores bloqueados relativos a planos de previdência em nome dos acusados. Foi fixada, como valor mínimo para a reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais). Foram condenados: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes, em continuidade delitiva), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, em continuidade delitiva, tendo havido absolvição em relação a uma das imputações), corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas, tendo havido absolvição em relação às 3ª e 5ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas, tendo havido absolvição em relação à 9ª conduta) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas). Para os crimes de corrupção passiva, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva qualificada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva privilegiada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de peculato eletrônico, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 2/3 (dois terços) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 4 (quarto) anos e 2 (dois) meses de reclusão de 22 (vinte e dois) dias-multa. Para os crimes de violação de sigilo funcional, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/4 (um quarto) pela continuidade delitiva (vide fl. 240 – ID 170518759), ficando a pena definitiva fixada em 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção. Para o crime de lavagem de dinheiro, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A soma dessas penas resultou em 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa. Houve, ainda, a determinação de perda do cargo de Auditor Fiscal. 2. VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática dos delitos de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva, referentes à 1ª e 3ª condutas). Para os crimes de violação de sigilo funcional, foi reconhecida a extinção da punibilidade do acusado em razão do decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da r. sentença condenatória. Para o crime de corrupção ativa, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 3. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática do delito de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 4. CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 3 –três – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/5 (um quinto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 5. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 6. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 7. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 8. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/6 (um sexto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 9. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 10. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 11. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos. Em suas razões de Apelação (fls. 207/256 - ID170518682), a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682) e tendo-se em vista que houve “decisões diferentes em condutas envolvendo mesmos réus” (fl. 226 - ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) “o juiz não está autorizado a condenar o réu naqueles processos em que o Ministério Público se manifestou pela sua absolvição” (fl. 232 - ID 170518682), razão pela qual o acusado deve ser absolvido das acusações relacionadas aos crimes de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, tendo-se em vista o posicionamento ministerial pela absolvição em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do CPP pela Constituição Federal; iv) em relação à 1ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois a suspensão provisória do prazo é procedimento normal realizado por auditores fiscais, sendo o encerramento realizado de maneira automática quando não há a apresentação de documentos comprobatórios de despesas, não se havendo de falar, portando, violação de dever funcional; v) em relação à 2ª conduta (corrupção passiva qualificada), não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento; vi) em relação à 4ª conduta (corrupção passiva privilegiada), as transcrições não comprovam qualquer ilicitude relacionada à liberação do contribuinte Chafik Kanhouce da “malha fina”, a qual se deu “por trâmite normal” (fl. 237 – ID 170518682); vii) em relação à 6ª conduta (corrupção passiva), há atipicidade, pois o que ocorreu foi mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Afirma que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682); viii) em relação à 10ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois o réu “agiu de acordo com o que exige a sua função” (fl. 239 – ID 170518682); ix) em relação aos delitos de peculato eletrônico, o próprio órgão acusador posicionou-se pela absolvição de todos os réus. Aduz que todas as condutas são atípicas, já que não existiu inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682); x) em relação aos delitos de violação de sigilo funcional, as 1ª e 3ª condutas são atípicas, pois as informações reveladas pelo apelante não possuíam “nenhuma relevância ou importância, não tendo o condão de serem classificadas como ‘segredo’” (fl. 246 – ID 170518682) e, quanto às 4ª e 5ª condutas, estas “não se referem a sigilo funcional, mas sim a segredo profissional revestido de outro caráter, que é a inviolabilidade da intimidade daquele que tem o segredo revelado” (fls. 246/247 – ID 170518682), de modo que deveria haver a “reclassificação (...) para o previsto no artigo 154 do Código Penal” (fl. 247– ID 170518682), com a consequente extinção da punibilidade do acusado, nos termos do art. 109, V, do CP; xi) quanto ao delito de lavagem de dinheiro, afirma que o que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro; xii), quanto à dosimetria, deve ser afastado o concurso material dos crimes de corrupção, devendo ser aplicada a fração de aumento prevista no art. 71 do Código Penal; xiii) em relação aos delitos de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, deveria ter sido aplicada pena privativa de liberdade ou multa, mas não ambas cumulativamente. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “foram desconsideradas as questões subjetivas de cada agente e de sua participação no delito” (fl. 277 – ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), uma vez que “a apelante não tinha conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682); iv) requer, subsidiariamente, a incidência da causa de diminuição prevista no art. 29, §1º, do CP (participação de menor importância), a fim de que a pena seja reduzida em 1/3 (um terço); v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a majoração da pena em 1/4 (um quarto); vi) deve haver, diante da revisão da pena, a extinção da punibilidade pela prescrição; vii) deve haver, como consequência da extinção da punibilidade, o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome dos apelantes” (fl. 204 – Id 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alega, em síntese: i) que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, foram opostos embargos de declaração pleiteando-se o levantamento imediato do excesso dos valores constritos e que, no entanto, ao apreciar os referidos embargos declaratórios, o r. juízo a quo acabou determinando, em favor da União, a perda da totalidade do valor bloqueado, equivalente a R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos), bem como aduz ter havido reformatio in pejus, pois a r. sentença havia determinado, tão–somente, o pagamento de dez salários mínimos a título de prestação pecuniária; ii) violação ao princípio da congruência, uma vez que a denúncia não imputou a VAGNER a prática de quaisquer dos crimes de violação de sigilo funcional e, no entanto, este acusado foi condenado pela prática de dois desses delitos; iii) ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607); iv) atipicidade da sexta conduta de corrupção narrada na denúncia; v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa dos vetores “culpabilidade”, “motivos” e “consequências do crime”. Em suas razões de Apelação (fls. 57/61 - ID 170518682), a defesa de MAURO SERGIO ARANDA alega, em síntese, que não há provas suficientes do envolvimento do apelante com os fatos criminosos, razão pela qual este deve ser absolvido. Em suas razões de Apelação (fls. 87/93 - ID 170518607), a defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. Em suas razões de Apelação (fls. 52/55 - ID 170518682), a defesa de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 62/65 - ID 170518682), a defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 07/17 - ID 170518607), a defesa de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA alega, em síntese, que o acusado deve ser absolvido, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607); ii) que não há prova de que a apelante teria concorrido para a prática dos delitos de peculato eletrônico; iii) que o aumento de 1/2 (metade) pela continuidade delitiva se mostrou exacerbado e que deveria ter sido aplicada a fração de aumento mínima de 1/6 (um sexto). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contrarrazões às fls. 21/25 - ID 170518607, fls. 181/196 - ID 170518607, fls. 197/203 - ID 170518607, fls. 204/208 - ID 170518607, fls. 22/45 - ID 170518605, fls. 46/53 - ID 170518605, fls. 54/61- ID 170518605, fls. 62/66 - ID 170518605, fls. 67/71 - ID 170518605 e fls. 72/76 - ID 170518605. Oficiando nesta instância (fls. 87/111 - ID 170518605), o órgão ministerial opinou pela declaração de extinção da punibilidade de Darcy de Oliveira Lopes, pelo transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva estatal, restando prejudicado seu recurso de apelação; pelo provimento parcial do recurso de apelação de Cleide Maria Ribeiro, apenas para o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71, CP); e pelo desprovimento dos recursos de apelação dos demais apelantes (fl. 111 - ID 170518605). Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: ESCLARECIMENTOS INICIAIS SOBRE O RELATÓRIO. O despacho proferido pelo Exmo. Revisor em 26.05.2025 confirmou o Relatório com ressalvas, nos seguintes termos (ID 325722803): Confirmo o relatório, ressalvando que: i) em vez de absolvição, houve a declaração de extinção da punibilidade de VAGNER FABIANO MOREIRA quanto às imputações de violação de sigilo funcional, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal (ID 170518759, p. 178); ii) o recebimento de denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH se deu em 16.6.2015 (ID 170518612, p. 201). Peço dia para julgamento. Em relação à primeira ressalva apontada, é pertinente esclarecer que o corréu VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) foi denunciado pela suposta prática de 3 (três) delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 2ª e 3ª condutas descritas na denúncia) e que, conforme constou do Relatório (vide item “6”), foi absolvido, por ausência de crime, em relação a uma dessas imputações de violação de sigilo funcional (2ª conduta) – vide fl. 126 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759 – e fl. 240 da decisão que apreciou Embargos de Declaração – ID 170518759). Já em relação às outras duas imputações de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), VAGNER FABIANO MOREIRA foi, incialmente, condenado (vide fls. 123/125 e 126/127 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759). Posteriormente, contudo, no corpo da própria sentença (vide fls. 152/153 e 178 da r. sentença - ID 170518759), o r. juízo a quo entendeu por bem reconhecer o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade em relação às três condutas de violação de sigilo funcional, sem se atentar, contudo, à absolvição da 2ª conduta. A página 178 da r. sentença contém, portanto, erro material que, posteriormente, foi corrigido em sede de Embargos de Declaração (fl. 240 – ID 170518759). Ademais, retifico o terceiro parágrafo (item 2) do Relatório. Onde se lê: “pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, leia-se: “pela prática de oito delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, tendo-se em vista que a 5ª conduta refere-se à imputação de três delitos de peculato eletrônico. CONTEXTUALIZAÇÃO. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se investigou, por meio de inquérito policial instaurado em 25.02.2013, a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH requereu o reconhecimento da nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Aduziu, também, que deve ser reconhecida a nulidade da r. sentença por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente). A esse respeito, cabe esclarecer que não se há de falar em nulidade por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. In casu, a única circunstância de ordem subjetiva avaliada como desfavorável em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi a “culpabilidade”, não se havendo de falar, portanto, a despeito do que se alegou, em nulidade por ausência de manifestação expressa, no bojo da r. sentença, acerca dos vetores “antecedentes”, “conduta social” e “personalidade do agente”. Observa-se que, para os crimes em tese praticados por VITOR (corrupção, peculato eletrônico, violação de sigilo funcional e lavagem), considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” por tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fl. 145 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fl. 145 – ID 170518759). O incremento das penas-base foi, portanto, adequadamente motivado, não se havendo de falar em nulidade. Note-se que a valoração negativa do vetor culpabilidade para outros corréus fundamentou-se em razões distintas, relacionadas às características do exercício da profissão de contador, p. ex., de maneira que, em relação a esta circunstância de ordem subjetiva, não prospera a alegação de que “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Por fim, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), constou da fundamentação da dosimetria referente ao corréu VITOR, que: i) os motivos dos crimes teriam sido, “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146 – ID 170518682) e que ii) as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Muito embora, na dosimetria de outros corréus, tenham sido feitas alusões semelhantes para fundamentar-se a valoração negativa desses mesmos vetores, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, até porque se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Ante o exposto, não se vislumbram, no corpo da r. sentença, quaisquer vícios processuais que comprometam a sua validade. Eventual manutenção (ou reforma) da decisão de valorar negativamente tais circunstâncias judiciais será analisada oportunamente, no tópico referente à dosimetria da pena. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS COMO MEIO DE PROVA. O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. De seu turno, o inciso XII do mesmo artigo traz uma ressalva a esse direito, ao dispor sobre a possibilidade de, mediante autorização judicial, haver interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas, desde que para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A expressão "último caso", prevista no inciso XII do referido artigo 5º, refere-se tanto às comunicações telefônicas quanto às telegráficas e de dados, porquanto o legislador constitucional empregou a conjunção "e", tendo optado por distinguir entre o sigilo da correspondência e o sigilo das outras modalidades de comunicação: telegráfica, de dados e telefônica. A Lei n.° 9.296, de 24.07.1996, regulamenta, em doze artigos, os requisitos de aplicabilidade e de autorização, bem como o tempo de duração da interceptação telefônica e/ou telemática, além de tipificar como crime o uso desse meio de prova fora dos parâmetros legais. O prazo regular para a interceptação telefônica é de 15 (quinze) dias, contados a partir da efetivação da medida constritiva, isto é, contados a partir de sua efetiva implementação. Passado esse tempo, é possível a prorrogação, sem limite de vezes, mas sempre mediante autorização judicial e comprovação de que a escuta é indispensável como meio de prova. Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência pátria: EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado. (STF, Primeira Turma, HC n.° 106129 MS, Rel. Min. Dias Toffoli, Julg. em 06.03.2012, DJe-061 Divulg. em 23.03.2012 e Public. em 26.03.2012) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO. PRORROGAÇÃO POR MAIS DE 30 DIAS. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, não ocorrente no presente caso. 2. Segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, desde que devidamente fundamentadas. 3. O Juízo de primeiro grau autorizou o monitoramento das ligações telefônicas por entender que os elementos, já colhidos, demonstravam indícios gravosos de prática criminosa e apontavam para a imprescindibilidade do deferimento da medida excepcional. Posteriormente, prorrogou o prazo das interceptações telefônicas, por concluir que os indícios apurados demonstravam que se tratava de tráfico internacional de cocaína, sendo impossível a utilização de outros meios de prova diante da organização e sofisticação dos criminosos. 4. Habeas corpus não conhecido. (STJ, Sexta Turma, HC n.° 300.768/GO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 16.10.2014, DJe de 06.11.2014) A propósito, a questão ficou pacificada no julgamento de Recurso Extraordinário n.º 625263, tendo sido fixada a seguinte tese (Tema 661): “São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”. Confira-se: CONSTITUCIONAL E PENAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AFASTAMENTO DO SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS QUE SOMENTE PODERÁ SER DECRETADO, DE FORMA EXCEPCIONAL, POR ORDEM JUDICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PELO JUIZ COMPETENTE PARA A AÇÃO PRINCIPAL, QUANDO O FATO INVESTIGADO CONSTITUIR INFRAÇÃO PENAL PUNIDA COM RECLUSÃO E DESDE QUE PRESENTE A INDISPENSABILIDADE DESSE MEIO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÕES SUCESSIVAS DESDE QUE DEMONSTRADA A SUA NECESSIDADE DIANTE DE ELEMENTOS CONCRETOS E A COMPLEXIDADE DA INVESTIGAÇÃO, RESPEITADO O LIMITE DE 15 (QUINZE) DIAS ENTRE CADA UMA DELAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. A interceptação telefônica, prevista no art. 5º, XII, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 9.296/96, dependerá de ordem judicial (cláusula de reserva jurisdicional) e deverá ser expedida pelo juiz competente para a ação principal, em decisão devidamente fundamentada que demonstre a sua conveniência e a indispensabilidade desse meio de prova (HC 94.028/AM, Rel. Min. CÁMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 29/05/2009; Inq 2.424/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe de 26/03/2010; HC 103.418/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 14/11/2011; HC 96.056/PE Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 08/05/2012). 2. O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão e presente a imprescindibilidade desse meio de prova, pois a citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, não podendo, em regra, ser a primeira providência investigatória realizada pela autoridade policial. 3. Possibilidade de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica, desde que demonstrada a necessidade de renovar a medida e respeitado o limite de 15 (quinze) dias entre cada uma delas, sem que exista violação ao art. 5º, da Lei n. 9.296/96. Precedentes da CORTE: RHC 120.111/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 31/03/2014; HC 145.569-AgR/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 28/09/2017; HC 137.820/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Redator para o acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 12/06/2018; HC 130.596-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 30/08/2018; HC 128.755-AgR/PA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 18/02/2020; RHC 192.427-AgR/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 30/11/2020; HC 201.609-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 17/06/2021; ARE 1.320.336-AgR/GO, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 29/09/2021; HC 204.378-AgR/MT, Rel. Min. NUNES MARQUES, DJe de 3/2/2022. 4. No caso concreto, diante da demonstração, mínima e razoável, de que a medida era imprescindível para elucidação dos fatos, especialmente se levada em conta as ações criminosas investigadas, não há como declarar a nulidade das decisões que, embora sucintas, estão de acordo com o dever de fundamentação exigido pelo art. 93, IX, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese para o Tema 661: "São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto. (STF, Tribunal Pleno, RE n.° 625263, Rel. Gilmar Mendes, Rel. p/ acórdão Alexandre de Moraes, Julgado em 17.03.2022, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-109, Divulg. em 03.06.2022, Public. em 06.06.2022) Destaque-se que a interceptação telefônica não se confunde com a quebra de sigilo telefônico, uma vez que, no primeiro caso, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, enquanto, no segundo (quebra do sigilo), a única informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas. Além disso, interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina são medidas distintas. Na interceptação telefônica, nenhum dos dois interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada por um terceiro. Na escuta, um dos dois interlocutores sabe que eles estão sendo gravados por um terceiro. Na gravação, um dos interlocutores é quem grava a conversa. Tanto a interceptação telefônica quanto a escuta precisam, necessariamente, de autorização judicial para que sejam consideradas provas lícitas, o que não se dá em relação à gravação, a qual pode ser feita sem autorização do juiz. Tratando-se a interceptação telefônica de captação de conversa sem que haja o conhecimento dos interlocutores, esse procedimento revela-se um importantíssimo meio de prova em investigação criminal. Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve atuar com rapidez e efetividade, conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1º, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 6º da Constituição Federal) e adotando ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa. Contudo, a fim de impedir intromissão desmedida na esfera privada, a autorização de interceptação deve ser balizada pelos princípios da intimidade e da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, do nemo tenetur se detegere - princípio da não autoincriminação, da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e da instrumentalidade constitucional do processo penal. Nesse contexto, a Lei regulamentadora elencou as hipóteses de não cabimento da interceptação telefônica, quais sejam: i) quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; ii) quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; iii) quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção (inteligência dos incisos I, II e III do art. 2º da Lei n.° 9.296/1996), ressalvando-se, nesse último caso, a possibilidade de se autorizar a interceptação telefônica para apurar crime punível com detenção, desde que conexo com outros delitos puníveis com reclusão. As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T.E.I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 1º, “l”, e artigo 11, que prevê a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa acerca da entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina sobre a entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como para permitir a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A., artigo 5º), ou mesmo com a legislação nacional (Lei n.º 9.613, de 03.03.1998, alterada pelas Leis n.ºs 10.701/2003, 12.683/2012, 13.964/2019 e 14.478/2022 e pela Lei Complementar n.º 167/2019). O parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996, estabelece que o disposto nesta Lei se aplica à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que a Lei pode ser empregada para a interceptação de e-mails, de conversas estabelecidas pela internet e por intermédio de programas de computador. Estão inseridas as comunicações por fac símile, messenger, e-mail, whatsapp etc, já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros). A evolução tecnológica determinou o tratamento jurídico conjunto dessas duas modalidades, na medida em que a comunicação de dados acaba se valendo da estrutura destinada à comunicação telefônica, sem contar que o legislador constituinte não diferenciou a interceptação das comunicações telefônicas das telemáticas, donde se conclui que a Lei n.º 9.296/1996 deve ser adotada para ambos os tipos de comunicação. Luiz Flávio Gomes, em parceria com Silvio Maciel, definiu: comunicações telefônicas 'de qualquer natureza', destarte, significa qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, com uso ou não da informática (in Interceptação Telefônica - Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996, 2ª ed. 2013, p. 47, ed. Revista dos Tribunais). Ademais, não se pode esquecer que o procedimento de interceptação telefônica e/ou telemática possui natureza cautelar, cujo propósito é o de coletar elementos para a propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) e/ou para a instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que se cogita da prática de infração punida com pena de reclusão. Assim, sendo certo que a Constituição Federal determina, no inciso IX do artigo 93, a fundamentação das decisões judiciais (todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação), a demonstração do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" deverá ficar evidenciada na fundamentação de decisium que, eventualmente, deferir a interceptação telefônica e/ou telemática, já que a importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados de que o homem pode usufruir, principalmente em vista dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana (STJ, HC 248.263/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, v.u., DJe 02.10.2012). Porém, não se exige que a decisão seja demasiadamente pormenorizada, com motivação exaustiva e minudente, porquanto se cuida de procedimento cautelar em que o juiz realiza juízo sumário, analisando os fatos a ele apresentados na representação policial. A fundamentação da decisão que defere interceptação telefônica/telemática deverá demonstrar, tão-somente, a imprescindibilidade do meio de prova pretendido pela autoridade policial e a presença de indícios concretos de autoria e materialidade delitivas, ou seja, de que a pessoa possa estar cometendo crime punível com pena de reclusão, mas não realizar juízo de certeza sobre a culpa do investigado. Em suma, a decisão que defere medida de interceptação de telecomunicações deve conter elementos suficientes para revelar a pertinência do pedido, as razões empregadas na motivação judicial e o suporte legal da medida, de modo a ser possível eventual impugnação pelas partes. É o que basta. Importante destacar, ainda, que não há óbice a que a decisão que defira a interceptação ou que, simplesmente, renove a autorização de interceptação, faça menção, em sua fundamentação, ao pedido inicialmente realizado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, o qual, nesse caso, passará a integrar o decisium (fundamentação "per relationem"), uma vez que propiciará às partes conhecer os fundamentos encampados por aquela decisão judicial. Trata-se de prática já reconhecida como válida pelos Tribunais Superiores (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.º 2007.03.00.103554-3/SP, Rel. Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, v.u., DJU de 29.04.2008, p. 380). Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: é assente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há que se cogitar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o juiz, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à sentença anteriormente prolatada, ou mesmo ao parecer do Ministério Público, na denominada fundamentação 'per relationem' (STJ, Sexta Turma, AgRg no AgRg no AREsp n.º 17.227/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, v.u., DJe de 08.02.2012). No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao permitir a renovação de autorização de interceptação telefônica a despeito de não terem sido inseridos novos motivos: este Tribunal firmou o entendimento de que 'as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). O Plenário desta Corte já decidiu que é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996 (STF, Habeas Corpus, n.° 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim). A fim de assegurar-se a lisura de todo o procedimento de interceptação, seu conteúdo integral deverá, oportunamente, ser disponibilizado à defesa (cf. Inquérito n.º 2.424, Relator Min. Cesar Peluso, Tribunal Pleno, STF, DJe de 26.03.2010), sendo desnecessária, contudo, a degravação integral dos diálogos interceptados, mormente daqueles que em nada se referem aos fatos, porquanto a Lei n.° 9.296/1996 não faz nenhuma exigência nesse sentido (STJ, 6ª Turma, HC n.° 278.794, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 07.10.2014). Caso haja alegação de que a transcrição contém alguma imprecisão, deverá a defesa indicar a desconformidade, a fim de que possa ser saneada eventual inconsistência. Neste caso, em havendo solicitação de realização de perícia, tal pedido deverá ser analisado pelo juiz. Cabe mencionar, por último, que, no que diz respeito a pedidos de perícia para identificação de vozes, isto é, para se aferir se as vozes captadas pertencem, de fato, aos acusados, a jurisprudência é uníssona ao se posicionar pela prescindibilidade dessa diligência, já que a Lei n.º 9.296/1996 não prevê a necessidade de submissão dos diálogos gravados à análise técnica fonográfica: AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’ SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE O RELATOR DECIDIR MONOCRATICAMENTE. PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO MANTIDA PELO TRIBUNAL REVISOR E CERTIFICADO O TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE PROCESSUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PERÍCIA DE VOZ. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. ‘Esta Corte Superior entende que é despicienda a perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, por ausência de previsão legal na Lei n. 9.296/96 e quando puder ser aferida por outros meios de provas, sendo incabível o revolvimento do acervo probatório para fins de identificação do interlocutor ante a Súmula n. 7/STJ’ (HC 541.328/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020) (...). (STJ, Quinta Turma, AgRg no Habeas Corpus n.° 649.489/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Julgado em 03.08.2021, DJe de 10.08.2021) – destaque nosso. RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 9.º DA LEI N.º 9.296/1996 E AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR. TÓPICOS NÃO EXAMINADOS PELO TRIBUNAL LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PERÍCIA DE VOZ. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (...) 2. No que tange à tese remanescente, o ‘decisum’ vai ao encontro de entendimento pacífico deste Superior Tribunal de ser dispensável a realização de perícia para identificação das vozes captadas por meio de interceptações telefônicas, em razão da falta de previsão expressa na Lei n.º 9.296/1996, bem como da possibilidade de comprovação da autenticidade da voz por outros meios de provas. (...). (STJ, Sexta Turma, RHC n.° 102.679/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Julgado em 14.05.2019, DJe de 24.05.2019) PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. OPERAÇÃO ‘14 BIS’. DESCAMINHO. CORRUPÇÃO ATIVA. CORRRUPÇÃO PASSIVA. FACILITAÇÃO AO DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. PRELIMINARES DE NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, POR EXCESSO DE PRAZO, POR AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS GRAVAÇÕES POR PERITOS, PELA NEGATIVA DE PERÍCIA DE VOZ: REJEITADAS. PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA/CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO FISCAL: REJEITADA. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO: PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. MATERIALIDADES DOS DELITOS DO ARTIGO 334, 333, 317 E 318 DO CP COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CAUSA DE AUMENTO DO TRANSPORTE AÉREO CONFIGURADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INCABÍVEL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. ART. 92, CP. APELOS DA DEFESA DESPROVIDOS. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 7. Interceptação telefônica. Afastada a alegação de nulidade por ausência de perícia de voz. A Lei n.º 9.296/96 nada disciplina sobre a necessidade de submissão dos diálogos obtidos por interceptação telefônica à perícia de voz. Precedentes do STJ. Além disso, a conclusão de que as vozes constantes dos áudios pertencem realmente aos acusados é possível ser extraída dos elementos de convicção coligidos nos autos (art. 157 CPP). Registre-se, por fim, que os próprios acusados reconheceram os diálogos interceptados. (...). (TRF3, Primeira Turma, ApCrim n.° 53058 - autos n.° 0009503-34.2006.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, Julgado em 11.02.2020, e-DJF3 Judicial 1 de 19.02.2020) PENAL. PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DAS PROVAS NÃO VERIFICADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) 5. A Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação das comunicações telefônicas, não possui nenhuma previsão a respeito da necessidade de realização de perícia fonográfica quando da realização das interceptações, sendo que a identificação do acusado pode ser aferida por outros meios de prova, o que torna desnecessária a perícia de voz. (...). (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 5010776-85.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Mauricio Yukikazu Kato, Julgado em 28.08.2019, e - DJF3 Judicial 1 de 30.08.2019) DA VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES REALIZADAS NO CASO CONCRETO. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607). A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, por sua vez, afirmou que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682). Aduz, em relação à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, que a conversa interceptada na aludida data foi a única prova que embasou a condenação de VITOR E VAGNER e que, em se tratando de prova ilícita, os acusados devem ser absolvidos (fl. 238 – ID 170518682). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou, em síntese, ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). Pois bem. É certo que, para cogitar-se de autorização judicial de interceptação telefônica/telemática, deve haver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão, bem como é certo que, nos termos do art. 2°, II, da Lei n.° 9.296/1996, será descabida essa autorização se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, de maneira que, em se vislumbrando outra forma (menos invasiva) para a obtenção de elementos aptos a comprovar o delito, não se haverá de falar em adoção dessa medida como meio de prova. No caso em questão, contudo, diferentemente do que alegou a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO, as interceptações telefônicas e/ou telemáticas não foram as primeiras diligências encetadas. As investigações referentes à denominada "Operação Publicano" se iniciaram a partir de apurações realizadas pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), que, por meio de certos parâmetros objetivos, constatou que determinado grupo de contribuintes “da área médica” (grupo homogêneo de profissionais liberais que enviava declarações de um mesmo local), apresentava imposto retido na fonte muito aquém do padrão de rendimentos auferidos como declarados, o que, segundo se verificou, se devia à elevação fraudulenta de despesas com “Livro Caixa”, manobra utilizada para acobertar a emissão de recibos falsos emitidos para dedução de despesas médicas em favor do grupo, tudo com o intuito de diminuir o valor de Imposto de Renda Pessoa Física a pagar (graças à elevação fraudulenta de valores de deduções e de rendimentos isentos). Quando selecionadas para averiguações, tais declarações “levantaram suspeitas de facilitação na liberação da malha” (vide relatório à fl. 05 - ID 170518579). Apurou-se, inicialmente, distintos acessos às declarações suspeitas pelo servidor VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (lotado no setor de “malha fina” – Defis/SP/Sevic/Eqac), bem como constatou-se que o IP 201.87.133.194, utilizado por VITOR para transmitir suas declarações (e de seus familiares), havia sido, também, utilizado para transmitir ao menos doze das aludidas declarações selecionadas por suspeita de fraude. Ao se examinar a evolução patrimonial do auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (e de seu núcleo familiar), concluiu-se pela ocorrência “de variação patrimonial a descoberto no montante de R$ 1.080.353,98 (um milhão, oitenta mil, trezentos e cinquenta e três reais e noventa e oito centavos), decorrente de origens não confirmadas ou com fortíssimos indícios de inverossimilhança” (fl. 89 – ID 170518759), o que revelou fortes indícios de envolvimento do servidor com as fraudes detectadas. Verificou-se, também, que diversas declarações tidas como suspeitas haviam sido transmitidas pelo IP 200.161.88.161, que, aparentemente, estava relacionado a algum prestador de serviços de contabilidade, tendo o servidor VITOR realizado diversos acessos a DIRPFs entregues pelo referido IP, bem como consultado diversas informações fiscais em datas próximas às de transmissão de declarações retificadoras igualmente suspeitas. Após receber relatórios sobre as supostas irregularidades fiscais apuradas pela Corregedoria da Receita Federal (ESCOR08) e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI) – fls. 53/71 - ID 170518766, a Polícia Federal, considerando a gravidade, a complexidade e a sofisticação da atuação criminosa, identificou a necessidade de, para aprofundamento das investigações, afastar-se o sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas dos envolvidos, meio que, naquele momento, revelou-se como o único hábil a elucidar os fatos e a possibilitar a coleta de elementos de prova substanciais (fl. 88 – ID 170518766). Interceptações telefônicas de linhas relacionadas aos investigados VITOR e EDILAINE foram, então, regularmente autorizadas pelo r. juízo a quo (em 15.03.2013) e implementadas a partir de 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Com efeito, a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso serve de fundamento para o deferimento de interceptações telefônicas como último mecanismo apto a levar adiante a investigação criminal, dada a dificuldade de, nessas situações, proceder-se à colheita de provas por meios tradicionais: Habeas corpus. 2. Operação Navalha. 3. Interceptação telefônica. Autorização devidamente fundamentada. 4. Gravidade dos delitos supostamente cometidos pela organização e complexidade do esquema que envolve agentes públicos e políticos salientam a dificuldade de colher provas tradicionais. Pedido de interceptação baseado em relatório da Polícia Federal que demonstra envolvimento do paciente. 5. Motivação per relationem. 6. Ordem denegada. (STF, Segunda Turma, HC n.° 118882, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgado em 10.06.2014, Processo Eletrônico DJe-166, Divulg. em 27.08.2014, Public. em 28.08.2014) - destaque nosso. Em suma, observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). A propósito, a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de considerar legítima a prova obtida por meio de interceptação telefônica quando cumpridos os requisitos exigidos pela legislação de regência: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECURSO SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÕES. POSSIBLIDADE. PRECEDENTES. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DE TODAS AS CONVERSAS GRAVADAS. DESNECESSIDADE. PERÍCIA DE VOZ. INDEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA SOBRE O INTERLOCUTOR. RECURSO IMPROVIDO. (...) II - É legítima a prova oriunda de interceptação de comunicação telefônica autorizada judicialmente, de forma fundamentada e com observância dos requisitos legais: i) existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em ilícito penal; ii) único meio disponível para comprovar o fato investigado; iii) o crime investigado deve ser punido com pena mais gravosa que a detenção. III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que a interceptação de comunicação telefônica seja prorrogada, desde que a ordem seja fundamentada e respeite o prazo legal. Precedentes. (...) VII - Recurso Ordinário em Habeas Corpus improvido. (STF, Segunda Turma, RHC n.° 128485, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 25.10.2016, Processo Eletrônico DJe-246, Divulg. 18.11.2016, Public. 21.11.2016) - destaque nosso. No mesmo sentido, seguem outros dois julgados, o primeiro exarado pelo C. Supremo Tribunal Federal e o segundo por esta E. Corte Regional: Habeas corpus. Banco de tecidos musculoesqueléticos clandestino. Venda, guarda e distribuição de tecidos ou parte do corpo humano (arts. 15 e 17 da Lei nº 9.434/97). Investigação criminal. Violação do princípio do promotor natural. Não ocorrência. Inexistência de manipulação casuística ou de designação seletiva pela chefia do Ministério Público. Precedentes. Interceptação telefônica. Nulidade. Não ocorrência. Medida invasiva precedida de atos de investigação. Único meio de se apurar o fato criminoso. Testemunha sigilosa. Depoimento. Nulidade. Inexistência. Necessidade de preservação de sua higidez física ou psíquica, ante o temor de represálias. Inidoneidade do writ para revolvimento desses fatos. Ordem denegada. (...) 4. O afastamento do sigilo das comunicações telefônicas dos pacientes foi precedido de diligências realizadas no curso de uma investigação formalmente instaurada, restando suficientemente demonstrada a necessidade da medida extrema e a dificuldade para a apuração dos fatos por outros meios. 5. É o quanto basta para se legitimar o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas (HC nº 114.321/MG, Segunda Turma, Relatora a Ministra Carmen Lúcia, DJe de 19/12/13). (...) (STF, Segunda Turma, HC n.° 136503/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgamento em 04.04.2017, DJe-089, Divulg. 28.04.2017, Public. 02.05.2017) - destaque nosso. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. 'OPERAÇÃO TRAVESSIA'. PRELIMINAR REJEITADA. VALIDADE DS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. A utilização de interceptação em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96. 2. O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. (...) (TRF3, Décima Primeira Turma, ACR n.° 00000257620144036119 - Apelação Criminal - 67937, Rel. Des. Fed. Nildo Toldo, Julg. em 25.07.2017, v.u., e-DJF3 Judicial 1 de 01.08.2017) - destaque nosso. Inclusive, o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar a imprescindibilidade da interceptação telefônica, como meio de prova, quando evidenciada a prática de infrações penais via terminais telefônicos, vale dizer, quando o telefone (seja ele fixo, seja ele celular) seja, justamente, o expediente utilizado pelo delinquente para praticar o(s) delito(s) investigado(s), a exemplo do que ocorreu in casu, em que as promessas/oferecimentos e/ou as solicitações/aceitações de vantagens indevidas teriam se dado, conforme descreve a denúncia, via telefone. A propósito: Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico e associação para o tráfico (arts. 33 e 35 da Lei nº 11343/06). Impetração dirigida contra a decisão de negativa de seguimento ao HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça e contra o acórdão com que a Quinta Turma não conheceu do HC nº 286.219/PE. Não conhecimento da impetração em relação ao primeiro habeas corpus, em razão de não submissão da decisão singular ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Ausência de ilegalidade flagrante no julgamento colegiado do segundo writ. Prisão preventiva. Falta de fundamentação idônea. Não caracterização. Custódia justificada na garantia da ordem pública. Paciente integrante de bem estruturada organização criminosa voltada à distribuição de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais. Gravidade em concreto da conduta e periculosidade do paciente, evidenciadas pelo modus operandi da organização. Excesso de prazo. Complexidade do feito, consubstanciada na pluralidade de réus (15 acusados) e na necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de 2 (dois) acusados. Notícia constante do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco de que a instrução chegou a termo. Prejudicialidade. Precedentes. Alegada ausência de elementos concretos para corroborar a justa causa para a ação penal. Necessário reexame de fatos e de provas não admitido em sede de habeas corpus. Precedentes. Nulidade das interceptações telefônicas pelo não esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova. Não ocorrência. Procedimento devidamente fundamentado. Demonstração inequívoca da necessidade da medida. Utilização de terminal telefônico como meio de comunicação entre integrantes da organização presos e em liberdade para fomentar o tráfico. Alegações de não observância do prazo do § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do pedido de interceptação telefônica, de supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos em seu cumprimento. Temas não analisados pelas instâncias antecedentes. Dupla supressão de instância configurada, o que impede sua análise de forma originária pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada. (...) 9. Não procede a tese de nulidade das interceptações telefônicas levadas a cabo por não ter havido o esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova na espécie. 10. A decisão do juízo processante autorizando o procedimento em questão foi devidamente fundamentada, indicando com clareza a situação objeto da investigação e a necessidade da medida, mormente se levada em conta a notícia de que um dos investigados, de dentro da unidade prisional, utilizava terminal telefônico para se comunicar com os integrantes da organização criminosa e fomentar o tráfico de drogas, atendendo, portanto, a exigência prevista na lei de regência (art. 4º da Lei nº 9.296/96). (...) 13. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada (STF, Segunda Turma, HC n.° 128650, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgado em 20.09.2016, Processo Eletrônico DJe -212, Divulg. em 04.10.2016, Public. em 05.10.2016) - destaque nosso. As defesas alegaram, ainda, que a interceptação realizada no dia 16.04.2013, principal elemento de prova relacionado à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, teria ocorrido “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682), bem como que “qualquer interceptação telefônica com relação ao corréu VAGNER ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013 estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). A esse respeito, cumpre asseverar que as interceptações telefônicas em questão se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida (fl. 69 – ID 270552785), por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013 (fl. 79 - ID 270552785). Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), bem como solicitou-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013 (fls. 134/145 – ID 270552785). Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013 (vide o segundo relatório de inteligência policial - fl. 189 – ID 270552785), não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER (fls. 06 e 11 – ID 270552786). Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. Como bem asseverou o r. juízo a quo, o fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação (vide fl. 86 – ID 170518759). DA COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, quanto aos delitos de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, que o próprio órgão acusador se posicionou pela absolvição de todos os réus. Requer a absolvição do acusado, tendo-se em vista o posicionamento ministerial em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal. O artigo 385 do Código de Processo Penal assim dispõe: Art. 385: Nos os crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Não se ignora que, para alguns doutrinadores, o artigo 385 do Código de Processo Penal não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que, supostamente, violaria princípios e/ou parâmetros relacionados ao denominado “sistema acusatório” como, p. ex., os princípios da imparcialidade e da separação entre as funções de “julgar” e “acusar”. Não se deve perder de vista, entretanto, que a Constituição não demarcou, de maneira definitiva, os contornos do modelo acusatório por ela adotado. “Ao atribuir privativamente ao Ministério Público o encargo de promover a ação penal pública, o Constituinte ressalvou, no art. 129, I, que isso deveria ser exercido ‘na forma da lei’, de modo a resguardar ao legislador ordinário alguma margem de conformação constitucional para tratar da matéria, dentro da qual se enquadra a disposição contida no art. 385 do CPP” (STJ, Sexta Turma, Resp n.° 2.022.413-PA – 2022/0035644-0 -, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 14.02.2023, Dje de 07.03.2023). É inequívoco que, a fim de garantir-se a imparcialidade do julgador, não se pode admitir o início da persecução penal sem que haja a iniciativa do titular do ius puniendi (Ministério Público). Todavia, deve haver, no bojo do processo penal, alguma margem para a iniciativa do magistrado, a fim de, justamente, assegurar-se a realização de um processo justo e igualitário, em observância ao metaprincípio do devido processo legal. É este, p. ex., o objetivo da previsão contida no art. 156 do Código de Processo Penal, a qual faculta ao magistrado determinar, de ofício, a produção antecipada de provas e/ou a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, tendo-se em vista o risco de a busca da verdade ficar, exclusivamente, a cargo das partes. Nesse contexto, não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Ora, caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. Se, por um lado, é inquestionável, à luz dos princípios constitucionais, que o Ministério Público possui autonomia para decidir se vai (ou não) iniciar a persecução penal, por outro, compete exclusivamente ao juiz, de maneira indeclinável e indelegável, “dizer o direito”, de modo que, uma vez recebida a denúncia, mesmo que o órgão acusatório pugne pela absolvição, ao juiz incumbirá, a partir das provas produzidas nos autos, decidir se acolherá ou não esse pedido. Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça já pacificou seu entendimento: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. POSSIBILIDADE DE O JUIZ PROFERIR SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO TENHA OPINADO PELA ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte pacificou sua jurisprudência no sentido de que ‘conforme dispõe o art. 385 do Código de Processo Penal, é possível que o juiz condene o réu ainda que o Ministério Público peça a absolvição do acusado em alegações finais. Esse dispositivo legal está em consonância com o sistema acusatório adotado no Brasil e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, que introduziu o art. 3º-A no Código de Processo Penal’ (REsp n. 2.022.413/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 7/3/2023). 2. A análise acerca da alegada violação ao art. 155 do Código de Processo Penal demandaria revolvimento do acervo fático-probatório, desautorizado pela Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, 6 Turma, AgRg no REsp 2102020/SC - 2023/0369166-3 - Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Julg. em 02.04.2025, DJEN de 08.04.2025) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MANIFESTAÇÃO DO PARQUET PELA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO MAGISTRADO. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. ‘Consoante jurisprudência desta Corte, o pedido de absolvição do Ministério Público não vincula o julgador, que decide com base no princípio do livre convencimento motivado, sem que daí se extraia qualquer ofensa ao princípio acusatório’ (AgRg no HC n. 789.674/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 894527/SP - 2024/0065947-7. Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Julg. em 11.02.2025, DJEN de 18.02.2025) Com tais considerações, reconhece-se a recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal, bem como a validade da r. sentença que condenou os acusados a despeito de, em alegações finais, o Ministério Público ter se manifestado pela absolvição. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA (ARTIGOS 333 E 317 DO CÓDIGO PENAL). O ordenamento pátrio, ao estabelecer a imputação de um mesmo crime a todos os que concorrem para a sua prática (inteligência do art. 29 do Código Penal), adotou, como regra, a teoria monista (ou unitária), à exceção dos raros casos em que o legislador optou por adotar, extraordinariamente, a teoria pluralista, a exemplo dos crimes de corrupção ativa e passiva, em que há tipificações separadas, inclusive em capítulos distintos, para as condutas de oferecer/prometer e de solicitar/receber/aceitar vantagem indevida (inteligência dos artigos 333 e 317 do Código Penal). Embora seja intuitivo, a princípio, supor que, se há um corruptor/extraneus, haverá, necessariamente, um corrompido/intraneus (e vice-versa), a leitura dos artigos específicos revela ser perfeitamente possível vislumbrar-se a ocorrência de corrupção ativa e/ou passiva de maneiras independentes. A corrupção nem sempre é bilateral, senão vejamos: O art. 333 do Código Penal assim dispõe: Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O art. 317, caput, §1º e §2º do Código Penal, por sua vez, assim dispõe: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003). § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Os crimes de corrupção ativa e passiva tutelam, tanto um quanto o outro, o regular funcionamento da Administração Pública, a moralidade, a impessoalidade e a probidade administrativa, com o propósito de punir a mercancia da função pública. Ambos possuem, em regra, natureza formal, prescindindo do resultado naturalístico para a sua consumação. Admitem, apenas, a forma dolosa, sendo possível vislumbrar-se a possibilidade de tentativa, caso, p. ex., a oferta/promessa ou a solicitação/aceitação de vantagem indevida seja feita por escrito e, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não chegue ao conhecimento do destinatário. Na modalidade ativa (crime comum), a consumação da corrupção se dará no momento em que o particular oferecer/prometer a vantagem indevida (em troca da prática/omissão/lentidão de ato de ofício), independentemente do aceite por parte do funcionário público, bastando que a oferta/promessa chegue ao conhecimento deste. Na modalidade passiva (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada), a corrupção se consumará não apenas em face do efetivo recebimento, mas também da aceitação da promessa ou da solicitação, por parte do funcionário público, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, da vantagem indevida (patrimonial ou não), sendo que, nas hipóteses de aceite/solicitação, a efetiva entrega da vantagem se traduzirá em mero exaurimento do crime. Inclusive, a corrupção passiva não se confunde com o delito previsto no art. 316 do CP, uma vez que, na concussão, o verbo típico previsto é “exigir” (o que é diferente de solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida). O caput do art. 317 do Código Penal, diferentemente dos seus respectivos parágrafos e do art. 333 do mesmo diploma, não cita, em sua literalidade, como elementar do tipo, a expressão “ato de ofício”, razão pela qual doutrina e jurisprudência divergem sobre a indispensabilidade de, para cogitar-se da prática de corrupção passiva, determinar-se qual ato, exatamente, o funcionário público deveria praticar, retardar ou deixar de praticar em troca da vantagem indevida. Enquanto, para alguns, é indispensável a existência de nexo de causalidade entre a solicitação/recebimento/aceitação da vantagem pelo funcionário e a realização de determinado ato funcional de sua competência (ato de ofício), para outros, o tipo penal de corrupção passiva não exige comprovação de que a vantagem esteja, necessariamente, vinculada a "ato de ofício” englobado pelo plexo de atribuições formais daquele funcionário público. Para os adeptos da primeira corrente, não se pode abrir mão da indicação precisa do “ato de ofício” concretamente mercadejado (objeto de transação), o qual deve, necessariamente, ser da competência do agente e/ou estar intrinsecamente relacionado com o exercício de sua função. Já para os adeptos da segunda corrente, o crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada (STJ, 6ª Turma, Recurso Especial n.º 1.745.410 - SP - 2017/0007371-4, Rel. Sebastião Reis Júnior, Relatora para Acórdão: Min. Laurita Vaz, Julg. em 02.08.2018). Em outras palavras, para aqueles que adotam este último entendimento, dentre os quais me incluo, será suficiente, para a configuração da corrupção, que a vantagem seja solicitada/recebida/aceita em razão do cargo ocupado pelo funcionário público, isto é, em razão dos poderes de fato que o seu cargo lhe confere (e não, pura e simplesmente, em razão das atividades formalmente atribuídas àquele funcionário). Ademais, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como coautores ou partícipes pelo crime de corrupção passiva. Se, como consequência da vantagem ou promessa, o funcionário público, infringindo dever funcional, efetivamente praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva qualificada, devendo a pena ser aumentada em 1/3 (um terço) - inteligência do §1° do art. 317 do CP. De outro turno, se o funcionário público, infringindo dever funcional, praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício porque cedeu a pedido ou influência (social, moral ou econômica) de outrem, porém sem que tenha havido oferta/promessa nem solicitação/recebimento de vantagem indevida, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP). Diferentemente da corrupção passiva comum, portanto, as modalidades de corrupção passiva qualificada e privilegiada, previstas nos parágrafos 1° e 2° do art. 317 do Código Penal, possuem natureza material, já que exigem, para a sua consumação, a produção de resultado naturalístico (efetiva prática do ato de ofício que beneficiará o particular). Em relação ao delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP), é relevante mencionar, ainda, que, apesar das semelhanças (inclusive quanto à amplitude das penas), este difere do delito de prevaricação (previsto no art. 319 do CP), especialmente no que diz respeito ao dolo específico (ânimo) do agente, já que, na prevaricação, o agente pratica a conduta para satisfazer interesse ou sentimento próprio (pessoal), enquanto que, na corrupção passiva privilegiada, o funcionário público atua sob a influência e/ou para satisfazer interesse de terceiro. Por fim, é importante destacar que a conduta punida é mercadejar, transacionar, colocar “à venda” atos de ofício em troca de uma contrapartida que não lhe é legitimamente devida nem lhe será entregue pela normal remuneração da profissão. Nesse contexto, existirá crime independentemente de o ato objeto de transação ser regular ou irregular, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto, contrário ou não ao dever do funcionário. Em outras palavras, haverá crime tanto se o agente atuar contrariamente aos deveres do cargo público (corrupção própria) quanto se a vantagem for solicitada/recebida/aceita para a prática de ato regular e legal (corrupção imprópria), pois o que a Lei pretende coibir é o tráfico da função pública, sendo dispensável, para a configuração do delito, que o ato praticado, omitido ou retardado pelo funcionário público seja ilícito. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. No que diz respeito aos crimes de corrupção descritos na denúncia, foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em concurso material, de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª (por duas vezes), 4ª e 10ª condutas); VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta); MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA – ARTIGOS 317, ‘CAPUT’, E 333, AMBOS DO CP (6ª, 8ª E 11ª CONDUTAS). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). Segundo consta, “um conhecido” (ou “cliente/contribuinte”) de VAGNER teve sua declaração (DIRPF 2012) retida em “malha fina” em virtude de deduções com pensão alimentícia, o que deu ensejo a que o contador solicitasse a VITOR (auditor fiscal) o referido “serviço (ilícito) de liberação”, em troca do que VAGNER cobraria, de seu “conhecido” (ou “cliente/contribuinte”), valor em dinheiro a ser, posteriormente, dividido entre ele (VAGNER) e VITOR. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 104 – ID 170518759): VAGNER — Tá, se eu te levar só esse Informe, você consegue liberar para ele? Obviamente que a gente vai cobrar pelo serviço, mas você consegue liberar só com o Informe? Porque está bem evidenciado o CPF da mulher e o valor deduzido do salário dele. VITOR — Sim. Em suas razões de Apelação, as defesas de VAGNER e VITOR requereram o reconhecimento da atipicidade da conduta. De acordo com a defesa de VITOR, teria ocorrido mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Contudo, da leitura do diálogo interceptado é possível extrair, com clareza, que foi a promessa de pagamento em dinheiro (vantagem indevida) feita pelo contador (VAGNER) o que, verdadeiramente, motivou o auditor fiscal (VITOR) a dizer sim para o pleito de “liberação da malha fina” daquela declaração. Não se pode esquecer que a referida conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Segundo apurou o Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal - ESCOR08, VITOR, por diversas vezes, entregou DIRPFs a partir do IP instalado em sua casa, as quais foram retidas em malha fina, consultadas por ele no sistema oficial da Receita Federal e retificadas, também por ele, a partir de seu computador pessoal (fl. 12 – ID 270552758). Constou do relatório elaborado pela Receita Federal (ESCOR08), por exemplo, que, por meio de uma das declarações retificadoras entregues a partir de seu computador pessoal, VITOR “transformou o pagamento de R$ 759,08 de imposto de renda em uma restituição de R$ 34.530,90” (fl. 12 – ID 270552785). Note-se, ainda, que, no relatório de inteligência policial apresentado em 28.03.2013, os investigadores mencionam que, durante o primeiro período da interceptação telefônica (de 18.03.2013 a 27.03.2013 - fl. 79 - ID 270552785), VITOR manteve contato frequente, bem como travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), o que reforça a versão de que VITOR aceitava, habitualmente, propina em troca do serviço ilícito de “liberação da malha fina” de “clientes” daquele contador. Assim, não restam dúvidas a respeito de ter ocorrido a consumação dos delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP) referentes à 6ª conduta descrita na denúncia. Frise-se, por fim, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de Emerson Favero e Lilian Martzioros. Segundo consta, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) “colocou à disposição” de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) pagamentos de valores a serem “orçados” pelo funcionário público em troca da “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Isto deu ensejo a que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), VITOR (auditor fiscal): i) fornecesse orientações sobre como MÁRCIO (contador) deveria preencher, de maneira fraudulenta (com dados falsos), as aludidas declarações, de maneira a reduzir e/ou isentar o pagamento do imposto devido e a não levantar suspeitas sobre a fraude; ii) informasse a MÁRCIO que tais declarações seriam, de qualquer sorte, retidas em “malha fina”; iii) não apenas aceitasse a promessa de vantagem, como definisse, em conjunto e de comum acordo com MÁRCIO, os exatos valores a serem pagos em troca da “liberação da malha fina” de cada declaração (estabelecidos em R$ 10.000,00 – dez mil reais - para a declaração de Emerson e em R$ 5.000,00 – cinco mil reais – para a declaração de Lilian). A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fls. 108/110 – ID 170518759): MÁRCIO — Oi! VITOR — Então... MÁRCIO — Podemos abrir? VITOR — ‘Vamo’ lá! MÁRCIO — Primeiro ‘vamo’ ... Você quer falar de quem? VITOR — ‘Vamo’ falar do EMERSON, que é o pior caso. MÁRCIO — Tá ... Eu tô com ele aqui. Pode falar... VITOR —Abre a Declaração dele lá nos Rendimentos, tá? MÁRCIO — Hamhamm! Hã... Pode falar! VITOR — Então, primeira correção. Na Unimed Paulistana... MÁRCIO — Hã! VITOR — Você jogou 61.066... Tá? MÁRCIO — Tá VITOR - o valor correto... Anote! MÁRCIO —Paulistana... Tá .. Cinquenta e.. Eu tinha 61.066,69...O correto... VITOR — O correto é 58... MÁRCIO — 58... VICTOR - 122... MÁRCIO -122... VITOR - ... e 90. MÁRCIO — 90. VITOR — O resto não mexe. MÁRCIO — Tá! VITOR —Acrescenta aí fonte pagadora. MÁRCIO — Pode falar. VITOR — Puta, eu vou ter que ver pra você quem é essa fonte, né? Você não vai... Vai saber. MÁRCIO —Se você me der o CNPJ eu puxo. VITOR — Ou eu vejo aqui para você...Para agilizar, né? Fazer valer os meus HONORÁRIOS... MÁRCIO — (Risos) (...) MÁRCIO - Não, não vai dar não. Não vai dar não... Vai dar 31.000 aqui. VITOR — 31 mesmo? MÁRCIO — Porque é o seguinte... Já pagou 6. VITOR — Como pagou? MÁRCIO — Já foi retido 6.000,00. VITOR — Hã! Não, tá Beleza! Aí você vai fazer o seguinte, você vai por livro-caixa pra esse cara até dar alguma coisinha pra ele pagar. Você não vai me puxar uma restituição nesse cara, que você vai me foder. MÁRCIO — Não, tá... Até pagar. VITOR — Sei lá quanto que vai dar esse livro-caixa... Vai dar uns... 100 mil? Depois você faz. Você pode jogar, assim, um valor cheio... MÁRCIO — Hum! VITOR — 100 mil é o suficiente? Depois você divide mês a mês. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Vê aí... 100 mil bate? Já zera? MÁRCIO — Não, não consigo fazer agora. Esse aqui é o único que eu tenho... É...É ... Aqui. Tá num ‘pendrive’ na minha casa. Só que eu tenho ele aqui em texto e cópia. VITOR — Tá você vai... Então você vai colocar ... Hã... Hã... O livro- caixa. Tem que dar alguma coisinha pra ele pagar. Tá bom? MÁRCIO — Tá uns 1000 ... 1500 reais? VITOR — Nem precisa ser tanto! Põe R$ 200,00 pro cara pagar. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Ele vai cair em malha, tá? Hã... Aí, depois... Então, pra eu liberar da malha eu vou cobrar então uns 10. Tá bom? MÁRCIO — Tá... Perfeito. VITOR — Bom, ‘vamo’ na outra: LILIAN. MÁRCIO — Hã! VITOR — É ... A LILIAN vai ser a mesma coisa. É (...) você vai ter que colocar despesas que ela realmente tem, tá? Porque do jeito que tá, você não jogou lá valores nem nada. MÁRCIO —Não, só tem... só tem duas despesas. VITOR — É, para nós assim... não... não... não faz diferença, Tá? Nós vamos fazer... vai cair em malha também, nós vamos fazer o mesmo jogo do livro-caixa. Você vê ... aí... aí tá dando ... É você vai diminuir as despesas médicas, sei lá, vai dar... Sei lá! 15.000... 16.000... O que que a gente pode fazer nisso? Eu acho que... Esse caso é... Eu cobraria dela 6. MÁRCIO — Tá! VITOR — E nos podemos fazer o seguinte... Nós podemos... Você...Você... Vai por o que ela realmente tem de despesa, você aumenta esse livro-caixa. MÁRCIO — Certo. VITOR — Você pode aumentar esse livro-caixa até dar uma restituição para ela de 5.000. MÁRCIO —Até 5.000. VITOR — E eu cobro 6. Ou então... Ou então... Se você quer fazer... Pode dar uma restituição para ela de 6... MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Que aí, é o valor do meu honorário, ela não vai gastar nada. MÁRCIO — Tá faz 5 pra mim cobra 6, meu! VITOR — Tá bom! Tá bom! Faço... (...) MÁRCIO — Tá... VITOR —Aí, então fica 5 pra essa... Fica 10 pro outro ... É ... Como é que você quer fazer? Hã... Você vai conversar com ele, você vai transmitir e aí eu te provo que tá em malha... Não precisa provar, você vê pelo sistema... Porque vai aparecer ‘em processamento’. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alega a respeito dessa 8ª conduta, enquanto a defesa de MÁRCIO alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Contudo, da leitura do trecho de diálogo aqui transcrito, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Frise-se que, para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. In casu, é inequívoco que, durante a conversa ora mencionada, MÁRCIO se comprometeu, ainda que implicitamente, a entregar a referida vantagem financeira, ou seja, que houve corrupção bilateral, tendo ambos os acusados agido dolosamente para praticar os delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP). Note-se, por fim, que embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Emerson Favero e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Lilian Martzioros, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. Extrai-se do conjunto probatório que VITOR (auditor fiscal) e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), durante acerto prévio, teriam combinado a “liberação da malha fina” e a viabilização da restituição de cerca de R$ 46.000,00 (quarenta e seis mil reais) em favor do contribuinte Rodrigo Sepetiba, cliente do contador (SIQUEIRA), o que, contudo, ocorreria sob a condição de VITOR receber, como “garantia”, um cheque daquele cliente/contribuinte no valor da propina acordada. Assim, durante conversa travada em 26.03.2013 (interceptada às 15h46), VITOR solicita a SIQUEIRA, expressamente, a entrega do referido cheque (vantagem indevida) e, ao ser informado por SIQUEIRA que Rodrigo Sepetiba “só usa cartão”, os interlocutores combinam que o contador (SIQUEIRA) entregaria ao servidor (VITOR) “um cheque seu” como “garantia”. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 115 – ID 170518759): SIQUEIRA — Oi! VITOR — Oi, Siqueira. Eu já saí do serviço... É ... Lá não dava para conversar direito.... Você falou que o ... O... Tá tudo resolvido lá... Como é o nome do cara? SIQUEIRA — Rodrigo Sepetiba. VITOR— Sepetiba! Cê tá... Tá resolvido... Você pegou um cheque na mão? SIQUEIRA — Ele não tem cheque. Ele só usa cartão. VITOR — Não, e aí? SIQUEIRA — E aí você quer um cheque meu? Eu dou procê. VITOR — Eu preciso de uma garantia naquele valor. SIQUEIRA — Não, pode ficar tranquilo. Ele tá me devendo já desde o ano passado. VITOR — Porque é assim, não é só você... Que garantia você tem que ele vai te pagar? SIQUEIRA —Eu conheço o cara há mais de 20 anos. VITOR — Hã! Porque se ele não te paga, você vai chegar para mim e vai falar: Ó SIQUEIRA — Ele nunca ficou me devendo. Só no ano passado que ele não pagou. VITOR — É... SIQUEIRA — Porque não fiz a Declaração dele. Então não é que ele não me pagou. Ficamos elas por elas. Entendeu? Aí eu fiz um acordo com ele: Tá bom, então não precisa me pagar não. Quando sair a restituição, você paga. Ele falou: Fechado! Então foi um acordo das duas partes. Entendeu? VITOR — E, eu... Eu não gosto muito dessa situação, porque você até pode falar... SIQUEIRA —Não, mas aí... Você vai... Você vai receber o 16 e mais o 30, cara! VITOR — Não, não vejo problema! Assim... Eu fico pensando se ele não te paga, você vai chegar pra mim e falar ‘Ele não pagou’, né? Não é nem... nem falta de confiança em você. Não é isso não. É no cara mesmo que o valor é muito grande para ele, né? SIQUEIRA - Não, mas ele...mas acontece que o ano retrasado também ele recebeu restituição alta. Lembra? VITOR — É... Bom... SIQUEIRA — Talvez a gente.... (Incompreensível) VITOR — Tá você..., você então me dá um cheque seu? SIQUEIRA — Claro! Sem problema! VITOR — Tá... Tá bom! Então ficamos combinados assim. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 11ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, tendo-se em vista o evidente teor ilícito das tratativas realizadas, tendo havido, inclusive, expressa solicitação, por parte de VITOR, de um cheque assinado pelo contador (SIQUEIRA) em troca da viabilização da restituição do contribuinte Rodrigo Sepetiba, não poderia ser outra a conclusão senão a de que, também nessa ocasião (correspondente à 11ª conduta), VITOR praticou o delito de corrupção passiva. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática de 3 (três) delitos de corrupção passiva (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), bem como devem ser mantidas as condenações de VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 6ª conduta), e de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA – ART. 317, CAPUT E §1º, DO CP (2ª e 7ª condutas). No tocante à 2ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Segundo consta do Relatório de Inteligência Policial RIP n.° 02/2013 fl. 219 – ID 270552785), policiais federais diligenciaram, em 28.03.2013, no endereço da empresa de contabilidade de nome CONFITEC CONTABILIDADE LTDA (DHF ASSESSORIA CONTÁBIL & FISCAL), onde trabalhava o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, uma vez que, conforme tinha apurado o Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI), um grande volume de declarações tidas como fraudulentas havia sido enviado por meio do endereço de IP pertencente à CONFITEC. Consta que, por volta das 11h, os policiais federais avistaram o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA juntos, conversando “na varanda do piso superior do referido imóvel” (fl. 219 – ID 270552785), onde permaneceram alguns minutos, tendo, na sequência, retornado para o interior do imóvel (vide fotografias acostadas às fls. 219/221 – ID 270552785). Depois disso, apurou-se ter havido, no dia 01.04.2013, diversas trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e DENIS com o seguinte teor (fls. 222/229 – ID 270552785): SMS: Mande os cpf p/ suspender urgente. SMS: Recebeu esta no cel. SMS: Oi, segue alguns casos para v suspender: 565.156.267-20 luiz 983.122.518-04 neusa 523.069.258-87 Oridio 160553.258-45 Andrea bicudo, essa médica é da li. SMS: Troquei de aparelho e perdi sorry. (...) SMS: (...) até de 2010 sua. Depois me ligue ok. SMS: Te enviei agora. SMS: Recebeu? SMS: Ok. SMS: Show. SMS: Neusa e oridio são de outra jurisdição. SMS: Já estão em são Paulo. SMS: Não estão. Vc altera end c/ ID 2013. SMS: Vou alterar agora. SMS: Ok. Na sequência, em ligações interceptadas às 9h52 e às 9h57 do dia 04.04.2013, DENIS e VITOR mencionam, expressamente, o nome do contribuinte Luiz Fernando Rubira Gatto, um dos clientes do contador DENIS (fls. 230/231 – ID 270552785): VITOR: ‘Digue’ lá! DENIS: Preciso de um recibo aí, você consegue pra mim aí? VITOR: Claro, filho! Pode falar o CPF. (...) VITOR: Cícero Davi...Oh, o Davi! DENIS: É...você conhece ele. VITOR: Davi...2011...2011, base 10, Certo? DENIS: Certo. (...) DENIS: (Inaudível) também? O cara tá enchendo a minha paciência. É o Luis Gatto (inaudível). Não tem nenhuma pendência não, só mesmo as despesas. VITOR: É... DENIS: Você quer o CPF dele pra você ver aí? VITOR: Fala aí. DENIS: Pera aí, Vitão...o cara já para de me seguir (inaudível). VITOR: esse Davi já caiu em malha 2013, em omissão de rendimentos, viu? Alô! (...) DENIS: Você consegue puxar e ver? É Luis Fernando Rubira Gatto. VITOR: Luis com ‘S”? DENIS: É! VITOR: Luis... DENIS:... Fernando Rubira Gatto. VITOR: ...Fernando...Isso eu já descubro. Rubira...acho que isso já é suficiente. É! Fernando Rubira Gatto. Achei! Tá aqui. DENIS: Ah, é? Deu aí? VITOR: Humhumm! DENIS: você libera esse (inaudível). (...) VITOR: e aqueles outros casos. Você já retificou? Alô (cai a ligação). VITOR: Alô! DENIS: Oi, meu sinal tá ruim, viu! (...) VITOR: É, é...eu já liberei, tá? DENIS: Beleza pura! VITOR: Esses dois, o DAVI e o LUIS já estão em malha 2013. DENIS: eu sei! Eu sei! É...(inaudível) VITOR: Oi? DENIS: Luis Gatto fez 2013? VITOR: Fez. DENIS: Ah, ele fez? VITOR: Ele tem omissão de rendimentos. DENIS: 2013, né? Ele já fez, então? VITOR: Já. DENIS: Tá legal, bacana! te falar que tá tudo certo. Porque ele deu uma estressada comigo...ah, então ele já fez. Tá legal. Azar o dele. Beleza! (...) VITOR: Nós estamos falando de quem? Do Luis Rubira Gatto, né? DENIS: É. Já fez 2013? VITOR: Já fez. O Davi também. Só que os dois “tão” em malha. DENIS: Legal! Beleza...Tranquilo! VITOR: Tá bom? DENIS: Beleza pura! VITOR: Ok! DENIS: Falou, velhão. Depois te ligo aí. Abraço VITOR: Falou, tchau! DENIS: Tchau, tchau. Repare que, durante o referido diálogo (travado em 04.04.2013) VITOR, ao que tudo indica se referindo à declaração de Luís Fernando Rubira Gatto, diz: “eu já liberei, tá?” (fl. 230 – ID 270552785). Em face desses indícios, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que, às 9h46 do dia 04.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto (cliente do contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA), sob a justificativa formal de que o contribuinte havia apresentado comprovação das deduções pleiteadas ou demonstrado sua admissibilidade, o que, de acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), teria sido feito de maneira flagrantemente irregular, isto é, sem a elaboração de dossiê eletrônico em nome do contribuinte e sem que tenha havido atendimento presencial (vide fls. 178/181 e 204 – ID 270552801). Além disso, quatro dias depois (em 08.04.2013), VITOR (auditor fiscal), valendo-se do endereço eletrônico titoreceita@yahoo.com.br, enviou um e-mail ao contador (DENIS), no corpo do qual solicitou, expressamente (e por escrito), como contrapartida pela referida “liberação da malha fina” (ocorrida em 04.04.2013), o pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). A transcrição do referido e-mail enviado por VITOR ao contador (DENIS) é a seguinte (fl. 101 – ID 170518759): Chequei as declarações fechadas de 2012 e não encontrei o Luís Fernando... eu já liberei, então vc. Me deve r$ 4 mil. Muito embora, em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR alegue que não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento em relação à presente conduta (2ª conduta descrita na denúncia), os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva em sua forma qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula Silva Ferreira (CPF: 168.826.978-92). Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Segundo consta, VAGNER (contador) disse a VITOR (auditor fiscal), em diálogo interceptado no dia 16.04.2013, às 14h46, que a DIRPF 2012 de Jane Paula (cliente daquele contador) teria sido retida em “malha fina”. Informado por VAGNER (contador) de que este cobraria, de sua cliente, a título de honorários pelo serviço de “liberação da malha fina”, valor correspondente ao da restituição do imposto de renda, equivalente a cerca de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), VITOR solicita, para si, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais). VAGNER diz, então, que ficaria com restante do montante a ser restituído no mês seguinte (cerca de R$ 1.500,00 – mil e quinhentos reais), caso a contribuinte (Jane Paula) aceitasse a proposta. A transcrição de parte do referido diálogo é a seguinte (fls. 88/89 - ID 270552786 e fl. 106 – ID 170518759): VAGNER – Agora é o seguinte, lembra de uma mulher que eu falei que a burra foi retificando a Declaração dela porque foi dando inconsistência e ela ficou na malha retificadora? VITOR – Sim. VAGNER – Aí você falou assim ‘deixa aí essa porra...uma hora a gente vê...’ VITOR – Hã! VAGNER – Ela tem uma restituição legal pra gente trabalhar, mas assim...ela precisa que libera a declaração dela do ano passado, cara! Porque ela falou assim ‘cara, eu não sei mais o que fazer...’ eu falei pra ela ‘não mexa mais nessa porra. Deixa parado esse negócio lá que eu vou ver o que eu resolvo’. Ela tá pedindo de volta 4 ‘pau’. É... eu falei pra ela o seguinte, ‘se você pagar esses 4 ‘pau’ eu acho que eu consigo te ajudar. Só que você vai ficar sem nada, mas acho que eu consigo te ajudar’. E aí eu te pergundo: o que você acha? VITOR – Então, eu preciso ver, né? VAGNER – Você quer o CPF dela? (...) (...). VITOR — Tava o meu colega aqui do lado, não dava pra falar abertamente. Me dá o CPF dela, então... (...). VITOR — Olha, eu posso até... Eu posso até... Eu posso até liberar, mas assim... Hã... Eu libero, você não precisa retificar, nem nada. Só que a minha proposta é a seguinte: quando ela receber... Ela vai receber 4.418. Ela me dá 3. VAGNER — Tá bom! Eu pego 1.000 pra mim. Vou cobrar tudo dela. VITOR — É... você pega... VAGNER — Vou falar para ela ‘É pegar ou largar, filha’! VITOR —Não, você vai pegar mil... 1.500, mais ou menos... VAGNER — Quanto que dá de correção... Você sabe? VITOR — É um ano de correção... A SEL1C lá na faixa de 07... É 7% de correção. Com certeza! VAGNER — É 4.700, que vai dar. Eu vou falar pra ela o seguinte... É...É...E 4.700 os honorários para liberar isso aqui. E aí, se você liberar agora, já sai o mês que vem essa porra..., vou falar para ela. VITOR — É. VAGNER — Vou fazer essa proposta então. VITOR — Tá. VAGNER Tá bom? VITOR — Tá! Aí você faz... Você faz o seguinte, você pede algum...um cheque, né? Dela... Depois disso, apurou-se ter havido, às 16h16 do dia 16.04.2013 e às 10h06, 10h08 e 10h09 do dia 17.04.2013, trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e VAGNER com o seguinte teor (fls. 90/91 – ID 270552786): SMS: Pode liberar a Jane. Ela topou. (...). SMS: Bom dia. Não esquece de liberar a Jane. Abs. SMS: Já foi. SMS: Ela vai mandar o cheque amanhã. Com efeito, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que VITOR efetuou uma série de consultas à DIRPF 2012 de Jane Paula no mesmo horário em que conversou com VAGNER ao telefone e que, às 13h33 do dia 17.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) daquela contribuinte (cliente do contador VAGNER FABIANO MOREIRA). De acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), em 01.05.2013, o sistema promoveu a emissão do lote de restituição para a DIRPF 2012 de Jane Paula Silva Ferreira, tendo sido o valor disponibilizado para a contribuinte em 15.05.2013 (vide fl. 166 – ID 270552802). Ainda de acordo com o Relatório elaborado pela Receita Federal, “não foram encontrados quaisquer registros de atendimento da referida contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA. Também não foi encontrado nenhum dossiê contendo os documentos que o Auditor-Fiscal afirma terem sido apresentados pela contribuinte para comprovar as deduções pleiteadas e/ou demonstrar sua admissibilidade” (fl. 168 – ID 270552802). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 7ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de, nessa ocasião, VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante tudo o que foi exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática de outros 2 (dois) delitos de corrupção passiva qualificada (referentes às 2ª e 7ª condutas). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA – ART. 317, §2º, DO CP (1ª, 4ª e 10ª condutas). PRESCRIÇÃO. A prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). No caso concreto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) foi condenado pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), com fulcro no artigo 317, §2º, do Código Penal. Houve, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa de três circunstâncias judiciais (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Operou-se o trânsito em julgado para a acusação, de maneira que o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de corrupção passiva privilegiada não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de corrupção passiva privilegiada ocorreram em 22.03.2013, 26.03.2013 e 23.04.2013 (fls. 08/15 – ID 170518764), isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE PECULATO ELETRÔNICO (ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL). O art. 313-A do Código Penal, assim dispõe: Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O delito de "inserção de dados falsos em sistema de informações" ou "peculato eletrônico" é misto alternativo (ou de ação múltipla), que possui, no seu bojo, vários verbos nucleares, quais sejam: "inserir" (introduzir, implantar, incluir), "facilitar a inserção" (auxiliar, tornar fácil a inserção), "alterar" (mudar, modificar) e "excluir" (remover, afastar, eliminar), de modo que, praticada quaisquer das condutas descritas, estará consumado o crime. Inclusive, a prática, em um mesmo contexto fático, de dois ou mais dos comportamentos previstos, enseja, em princípio, a responsabilização por uma única infração penal, não se havendo de falar em concurso de crimes. Além disso, para que se possa atribuir a um sujeito a autoria do delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, é indispensável a presença do dolo, isto é, da vontade livre e consciente de inserir/facilitar a inserção de dados sabidamente falsos (ou de alterar/excluir indevidamente dados corretos) em sistema ou banco de dados da Administração, bem como é imprescindível que o agente atue com a especial finalidade (elemento subjetivo que transcende ao dolo) de causar dano ou de obter vantagem indevida (de qualquer natureza) para si ou para outrem. Atente-se que, embora seja indispensável, para a caracterização deste crime, que o agente atue com o especial propósito de causar dano ou obter vantagem indevida (elemento subjetivo que transcende ao dolo), não se exige a efetiva produção de um resultado naturalístico para a sua consumação. Por se tratar de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá com a inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. OBTENÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDA. PENAS DE MULTA REDIMENSIONADAS. (...) 4. Restou demonstrado que foram inseridas informações falsas nos sistemas informatizados do INSS com o fim de garantir que a segurada cumprisse a carência necessária à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que deve ser mantida a condenação das apelantes pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. 5. O delito em questão, por ser crime formal, não exige a comprovação da ocorrência de resultado naturalístico para a sua consumação. Portanto, é irrelevante para a sua configuração a demonstração da efetiva obtenção de vantagem indevida. 6. A conduta narrada na denúncia - inserção de dados falsos no sistema da Previdência a fim de obter vantagem para si ou para outrem - subsome-se ao delito tipificado no art. 313-A do Código Penal, que foi aplicado com base no princípio da especialidade. (...) 11. Apelações desprovidas. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0007023-87.2014.4.03.6110, Rel. Nino Toldo, DJF3 Judicial 1 de 11.02.2019) APELAÇÕES CRIMINAIS. ARTIGOS 171 §3º e 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS VISANDO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA. NULIDADE AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. Crime formal, não exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico. Consuma-se, portanto, com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo penal, independentemente de efetiva obtenção de vantagem indevida ou ocorrência de prejuízo, que configuram exaurimento do crime. Segundo a acusação, a ré foi contratada para intermediar o requerimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Por sua vez, o outro réu, então servidor do INSS, tinha a incumbência de inserir dados falsos no sistema da autarquia, com a finalidade de garantir o êxito do requerimento do benefício. A conduta imputada aos acusados subsome-se ao crime descrito no art. 313-A do Código Penal. Prescrição afastada. Pena em concreto. (...) Apelação do réu a que se nega provimento. Apelação da ré a que se dá parcial provimento. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0008014-32.2015.4.03.6109, Rel. José Lunardelli, e-DJF3 Judicial 1 de 07.01.2019) Trata-se de crime próprio, que somente pode ser praticado por funcionário público (ou alguém a ele equiparado, nos termos do art. 327, caput e respectivos parágrafos, do CP). Além disso, apenas pode figurar como sujeito ativo o funcionário público que, além de ostentar essa qualidade, é autorizado a acessar/operar, por meio de senha ou qualquer outro comando, determinado sistema de informações da Administração Pública não aberto a outros funcionários ou ao público em geral. Em se tratando o agente de funcionário público "não autorizado", ficará afastada a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP, podendo se caracterizar, nessa hipótese, o delito de falsidade ideológica (inteligência do art. 299 do CP) ou, ainda, o delito previsto no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, por exemplo. É relevante salientar que, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como co-autores ou partícipes pelo crime previsto no artigo 313-A do Código Penal, desde que tenham pleno conhecimento de que o executor primário se trata de um funcionário público, isto é, desde que saibam que o delito está sendo praticado juntamente com um funcionário público. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: PENAL. ART. 313-A CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1- A denúncia aponta que os réus obtiveram vantagem ilícita, mediante fraude, em detrimento do INSS. A fraude supostamente utilizada pelos réus envolveu a utilização de sistemas informatizados e/ou banco de dados do INSS o que atrai a incidência do art. 313-A do Código Penal, específico para a situação. 2- A interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público Federal visando ao aumento da pena dos réus conduz à fixação do prazo prescricional segundo a pena máxima abstrata. Prescrição afastada. Entre os marcos interruptivos da prescrição, não decorreu prazo superior a 16 (dezesseis) anos. 3- Reconhecido o concurso de pessoas na prática do crime previsto no art. 313-A, o particular (não funcionário público) que tenha a vontade livre e consciente para agir com o funcionário público na obtenção de vantagem ilícita, deve responder pelo crime funcional como coautor ou partícipe. 4- Materialidade e autoria demonstrada. Prova documental e testemunhal. Confissão de um dos réus. 5- (...) (TRF3, Décima Primeira Turma , APCRIM 0001204-89.2007.4.03.6119, Rel. José Lunardelli, E-Djf3 Judicial 1 de 14.02.2017) O bem jurídico tutelado é a probidade administrativa, a moralidade e o patrimônio público, além da confiabilidade social nos sistemas e/ou banco de dados mantidos pela Administração Pública e respectivo conjunto de informações neles contidas, razão pela qual não se há de falar em aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: PENAL. PROCESSO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CP, ART. 313-A. NULIDADES. CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INAPLICABILIDADE. DEFESA DO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OMISSÃO. PREJUÍZO. COMPROVAÇÃO. EXIGIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENSÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. STJ, SÚMULA N. 444. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, o procedimento previsto no art. 514 do Código de Processão Penal não é aplicado se o funcionário público deixou de exercer a função na qual estava investido (STF, AP n. 465, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.04.14; STF, RHC n. 114116, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.12.12 e STF, HC n. 110361, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.06.12). 2. Embora o inquérito policial não supra a defesa prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, a omissão desta somente enseja nulidade se comprovado o efetivo prejuízo, consoante os precedentes do Supremo Tribunal Federal. (STF, Ag. Reg. no RHC n. 121.094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14 e STF, RHC n. 120.569, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.14). Para o Supremo Tribunal Federal, a prolação de sentença condenatória prejudica a alegação de nulidade por inobservância do art. 514 do Código de Processo Penal (STF, RHC n. 12.7296, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.06.15 e STF, Ag. Reg. no RHC n. 121094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14). 3. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a Administração Pública, não só no seu aspecto material mas também no moral, como sucede nos casos de peculato e inserção de dados falsos em sistema de informações (STJ, HC n. 165.725, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16.06.11; REsp n. 1378710, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.06.13, decisão monocrática; TRF da 3ª Região, ACR n. 00063043820044036181, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.01.13). 4. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito, é mantida a condenação da ré. 5. Dosimetria. No tocante a personalidade voltada para o crime, em consideração às condenações da ré pelo mesmo delito por outros fatos, não cabe valorá-los em prejuízo da ré sem a comprovação de trânsito em julgado, conforme dispõe a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Preliminar rejeitada. 7. Apelações desprovidas. (TRF3, Quinta Turma, ApCrim 0009695-23.2013.4.03.6104, Rel. André Nekatschalow, e-DJF3 Judicial 1 de18.10.2019) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância não é aplicável ao caso, ainda que seja de pequeno valor o prejuízo causado aos cofres da União, pois há um alto grau de reprovabilidade na conduta, que atinge a coletividade como um todo e a moralidade administrativa. 2. Apelação provida. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0006637-46.2012.4.03.6104, Rel. Nino Toldo, e-DJF3 Judicial 1 de 02.10.2019) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMÁTICA. CADASTRO DO BOLSA FAMÍLIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. SAQUES DO BENEFÍCIO DEPOSITADO EM CONTA DA AGENTE. ESTELIONATO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CP. DOLO NÃO COMPROVADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE COISA HAVIDA POR ERRO. - Comete o crime do art. 313-A do CP o agente que, na condição de menor aprendiz da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Trabalho (SEDEST) de Petrolina/PE, lotado no setor responsável pelo cadastro do Bolsa Família, insere dados falsos no sistema de informática com o objetivo de beneficiar terceiro que não preenchia os requisitos para integrar o referido programa de transferência de renda. Inteligência do art. 327, parágrafo 1º, do CP. - O delito tipificado no art. 313-A do Código Penal é modalidade de crime contra a administração pública, que resguarda, não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica, razão pela qual a ele não se aplica o princípio da insignificância. Precedente citado: STJ, AgRg no REsp n. 1.382.289/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE 11/6/2014. Hipótese, ademais, em que o valor total recebido pela apelante beneficiada pelo Bolsa Família perfez o montante de R$ 2.652,00, o qual supera em muito o salário mínimo vigente à época do fato e, ausente de dúvida, não pode ser tido como valor irrisório. - "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231 do STJ). Entendimento consolidado na jurisprudência com reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF, que reafirmou a orientação no sentido de que "circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (RE 597.270-RG-QO/RS). Pena mantida em 2 (dois) anos de reclusão, o mínimo previsto em lei para o crime do art. 313-A do Código Penal. - Não provimento do apelo interposto pelo agente responsável pela inserção de dados falsos em sistema informatizado da Administração Pública. (...) - Apelação do réu não provida e apelação da ré provida, em parte, para desclassificar a conduta descrita na denúncia para a do art. 169 do CP, com a fixação de nova pena. (TRF5, Quarta Turma, ACR - Apelação Criminal - 13833 0000028-69.2015.4.05.8308, Rel. Rubens de Mendonça Canuto, DJe de 12.08.2016, Página 160) CASO CONCRETO. Quanto aos crimes de peculato eletrônico, apurou-se, em síntese, que o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, agindo em conjunto com contadores e/ou contribuintes beneficiários, teria inserido, no sistema informatizado da Receita Federal, por diversas vezes, dados falsos consistentes em afirmações (inverídicas) de que contribuintes teriam comprovado deduções constantes de suas declarações de imposto de renda (DIRPFs), bem como teria emitido comandos de desbloqueio (com base em informações sabidamente falsas), possibilitando, assim, emissões irregulares de notificações de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir. Foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em continuidade delitiva, de oito delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas descritas na denúncia); EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia); FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia); JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia); CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática, em continuidade delitiva, de três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia); MAURO SERGIO ARANDA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese, que todas as condutas de peculato eletrônico descritas da denúncia são atípicas, já que não teria existido inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682). A defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). A defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. As defesas de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e MAURO SERGIO ARANDA alegam, em síntese, que os acusados devem ser absolvidos, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico (fls. 07/17 - ID 170518607, fls. 157/169 - ID 170518607 e fls. 57/61 - ID 170518682). Pois bem. No tocante às 1ª e 2ª condutas, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, após as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) de EDSON terem sido bloqueadas, por suspeita de fraude, nos dias 30.06.2010 e 12.05.2011, respectivamente, VITOR, em 15.02.2012, consultou as referidas declarações (às 10h05) e, na sequência (às 10h07 e às 10h08, respectivamente), desbloqueou-as, liberando-as, irregularmente, da “malha fina”, mediante afirmações (inverídicas) de que o contribuinte teria comprovado as deduções constantes de cada uma dessas declarações, o que possibilitou a disponibilização, em 01.03.2012, em favor de EDSON, de restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos) – correspondente à DIRPF/2010 - e de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos) – correspondente à DIRPF/2011 (vide fls. 165/175 - ID 270552801). Quanto à alegação da defesa de EDSON no sentido de que este “não obteve qualquer benefício com a suposta conduta” (fl. 64 – ID 170518682), cabe reiterar que, para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. In casu, de qualquer sorte, o Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas (vide fls. 165/175 - ID 270552801), revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções. Conforme explicitado na r. sentença, constou do aludido relatório que, em 15.02.2012, o servidor VITOR consultou as DIRPFs de EDSON e “efetuou o desbloqueio da lista (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB) e, automaticamente, o sistema a selecionou para a malha fina, o que levou o corréu a liberar a DIRPF mediante informação inverídica de que o contribuinte comprovara as deduções (...)” – fls. 117/118 – ID 170518759. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de EDSON FERREIRA DA SILVA pela prática, em concurso de agentes, de ambos os delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia). No tocante à 3ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que a declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa constava em malha fiscal e que, após a emissão eletrônica de intimação (em 30.12.2012), o servidor VITOR procedeu, em 01.04.2013, à liberação daquela DIRPF da “malha fina”, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da seguinte informação: “O CONTRIBUINTE APRESENTOU COMPROVAÇÃO DAS DEDUÇÕES PLEITEADAS E/OU DEMONSTROU SUA ADMISSIILIDADE” (fl. 180 – ID 270552801). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome de Marco Antonio de Castro Correa (conforme fl. 181 – ID 270552801). Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la (fl. 119 – ID 170518759): Vitão de acordo aquele processo referente ao ano de 2009 de Marco Antonio de Castro Corea, já foi deferido. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 4ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, em 05.05.2012, às 15h05, houve o bloqueio, para fins de fiscalização, da DIRPF/2012 de Marcelo Melro Mendonça e que, posteriormente (em 18.03.2013, às 15h11), o servidor VITOR “desbloqueou” a referida DIRPF (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB), tendo, ainda, no dia seguinte (em 19.03.2013, às 11h53) inserido dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal, a fim de “liberar” a declaração e possibilitar a emissão de notificação para restituição (indevida) de montante equivalente a R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos) – vide fls. 32/34 – ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte Marcelo Melro Mendonça. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF de Marcelo e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito (vide fl. 32 – ID 270552802). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 5ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que (vide fls. 160/164 – ID 270552801): “a DIRPF 2012 da contribuinte Maria José Marchetti Torrano foi incluída em malha em face de: a) inconsistência de dados de fontes pagadoras (código MF 210); b) suspeita de despesas médicas inidôneas (código MF400), especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão, não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 125.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fls. 163/164 – ID 270552801); “a DIRPF 2012 de Olavo Marchetti Torrano foi incluída em malha devido a suspeita de omissão de rendimentos de aluguéis recebidos de pessoa física pelo titular (Código MF 300) e de suspeita de despesas médicas inidôneas (Código MF400); especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 68.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fl. 164 – ID 270552801); A DIRPF 2012 de Gerson Gomide ficou “retida em malha fiscal por suspeita de declarações médicas inidôneas (parâmetro MF 400)” – fl. 122 - ID 170518759. Demonstrou, também, que as declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano foram “liberadas da malha fina” pelo servidor VITOR no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, respectivamente, bem como que a DIRPF/2012 de Gerson Gomide foi “liberada” da malha fiscal, também pelo servidor VITOR, em 12.06.2012, sempre mediante a informação inverídica de que os contribuintes teriam comprovado as deduções sob suspeita ou demonstrado sua admissibilidade. Consta, inclusive, que, graças às aludidas inserções de dados falsos no sistema da Receita Federal, os contribuintes receberam, indevidamente, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Em 12.03.2013 e em 19.03.2013, p.ex., trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 207 – ID 170518766): De: cleidemariac (...) Para: Vitor (...) Enviadas: Terça-feira, 12 de Março de 2013 16:12 Assunto: Notificação de nosso contribuinte. Olá Vitor Anexo a notificação do contribuinte, ele pagou na ocasião. Aguardo retorno Desde já agradeço abs Cleide Maria. De: Vítor Aurélio (...) Para: cleidemariac (...) Enviada em: terça-feira, 19 de março de 2013 18:47 Assunto: Re: Notificação de nosso contribuinte. Cleide, Desculpe a demora p/ responder este caso. Já está liberado. Abs. Em 05.04.2013, às 11h28 e às 12h10, CLEIDE e VITOR trocam, via SMS, as seguintes mensagens: CLEIDE: Oi Vitor, t perdida, ainda n)o fiz nenhum ir, e se eu fizer quase todos igual ano passado? O que vc acha? Abs VITOR: funciona. exceto p/ casos q liberei. Por fim, apurou-se que, em 10.04.2013 (às 13h45), a contadora (CLEIDE) encaminhou, ao auditor fiscal (VITOR), mensagem de correio eletrônico (e-mail) com o seguinte teor (fl. 03 – ID 170518943): Oi Vitor Não querendo incomodar mas já incomodando......não tem jeito de fazermos apenas uns 10. O repasse do serviços para você seria de R$ 4.000,00, com exceção da Maria José que seria R$ 6.000,00. Eu poderia fazer + ou - igual ao ano passado, somente teria alteração quanto a Maria José Torrano, Olavo Torrano e Gerson Gomide que foi lançado o Albert Einsten...pois não sei se pode usar este recurso.... Faríamos somente este ano, e já aviso aos mesmos que não será possível a partir de 2014. Senão for possível eu entendo, não podemos nos prejudicar de maneira alguma. Obrigada Cleide Maria Ora, não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide), é firme, com base nas trocas de mensagens supramencionadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 de Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de CLEIDE MARIA RIBEIRO pela prática, em concurso de agentes, dos referidos três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) revelou que, no dia 26.04.2013, às 13h44, o servidor VITOR efetivamente liberou, da “malha fina”, a referida declaração, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da informação (inverídica) de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções pleiteadas. Como resultado, a conduta criminosa gerou a restituição (indevida), em favor do contribuinte, de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos) – vide fls. 168/169 - ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome de Henry Luis Fornitano. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração de Henry Luis Fornitano (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração de Henry Luis Fornitano. Em 04.04.2013 e em 08.04.2013, os corréus trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 101 – ID 170518943) De: Mauro Aranda (...) Para: Victor (...) Enviadas: Quinta-feira, 4 de Abril de 2013 10:23 Anexar: 21401986897-1RPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao.pdf; 21401986897-1RPF-2012- 20111-retif-imagem-declaracao.pdf Assunto: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-1RPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Devidas correções feitas. De: Vitor Aurélio (...) Para: Mauro Aranda (...) Enviada em: segunda-feira, 8 de abril de 2013 19:10 Assunto: Re: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-IRPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Agora sim... pode transmitir o Henry. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) de Henry Luís Fornitano ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. Transcreve-se, aqui, o referido diálogo interceptado em 17.04.2013, às 11h47 (fls. 102/103 – ID 170518943): VITOR - Alô! MAURO - Alô! VITOR - Ô, meu! O que aconteceu...Você tava preso? (...). MAURO - Graças a Deus a coisa tá fluindo. Eu tô com um negócio aqui, eu preciso que você me ajude. Você viu que eu mandei do HENRY de novo, né? VITOR - Pera aí... Repete. Não entendi nada. MAURO - Você viu que eu mandei o IR do HENRY de novo... VITOR - Não, não vi. Você mandou? MAURO - Puta... Você não falou pra mandar... Você mandou um e-mail pra mim que podia mandar daquele jeito que tava? VITOR - Sim! MAURO - E tá dando pendência no Bradesco Saúde. VITOR - Ah, que... !MAURO - Você consegue ver isso aí? 1VITOR - Bom... É, bom... Paciência, né? Aí é... Aí é comigo. MAURO - (Risos)... Faz o seguinte, você vai fazer o que hoje à noite? VITOR - Hoje... Ah, hoje eu vou lá no puteiro perto de casa. MAURO - Meu, para com isso! Vira evangélico. Para de fazer bagunça! Vamo trabalhar... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tô com uma pilha de Imposto de Renda da minha frente. Eu tô olhando pra ela, tô com vontade de rasgar tudo e sair correndo... Você não tem noção (inaudível) trabalhar, tem um monte de coisa na minha mesa. Tô pensando em jogar tudo fora. VITOR - (Inaudível) MAURO - (Inaudível) tá vindo o pessoal do banco pra cá... Banco Safra. VITOR - Imagino que você esteja quase louco, mas... MAURO - Você vai... Você vai lá na Pompéia então? VITOR - Eu tô lá! MAURO - Que horas que você vai pra lá? Acho que vou lá conhecer. Vamo marcar umas 7h00 lá? VITOR - Ah, vamo... Você não quer ir um pouco mais tarde? MAURO - Pode ser. Você que me fala. Que horas? iVITOR - É... Eu tô... Eu tô pensando, assim... Você podia ir lá umas 8 e meia. MAURO - (Inaudível) sair daqui, eu te ligo. É mais fácil. VITOR - muito tarde? MAURO - Não, pra mim tudo bem. Não tem problema. Eu... preciso tirar esse monte de pendência da minha vida aqui...São coisas que eu acabo passando até vergonha aqui, porque eu não resolvo as coisas. VITOR - É... Mas escuta, você tem notícias da CRISTINA? MAURO - Tenho, tá aqui a carta que chegou aqui, só que ela tá viajando. Chegou a carta dela aqui... Cadê? Tá aqui na minha frente... Puta, os caras bateram palma... Por isso que eu tô... O pessoal do Banco Safra todinho vai vir pra cá agora por causa disso. Eles acharam o trabalho excelente, tudo... Tirando as mancadas que eu deixei... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tomei uma puta bronca. Ela falou ‘Meu, esse ROBERTO aqui não aparece...’, eu falei ‘Você quer que o cara aparece, manda carta dele, um cartão de Natal pra você, mas ele não vai botar o nome dele aqui...’. Ele mandou outro cara fazer a intimação dela. Então, fica tranquilo eu te passo hoje à tarde como é que tá a posição. VITOR - Ué? Mas eles já tavam sabendo que isso ia acontecer? MAURO - É... Não falei pra você que o marido dela é um cara que passa os negócios pra gente...O que que ele fez? Ele automaticamente... Falei ‘O, sua esposa vai receber intimação. Eu já recebi lá pra fechar...’, porque tava achando que não ia fechar a operação nunca. VITOR - Hã! MAURO – ‘Pode ficar tranquilo que tá fechando. Ela vai receber a carta...’, ele falou ‘Meu, o problema é que se minha mulher pegar isso aí na mão, ela vai ter um infarto’, falei ‘Então, avisa ela que ela vai ser intimada pra não ficar... Não ter infarto antes da hora’. VITOR - Pô, mas até o marido tá sabendo disso? Por quê? Não tô entendendo... MAURO - Não, o cara que passa o trabalho pra gente. Não, fica tranquilo! Eu te explico, mas assim... 100% seguro. Pode ficar sossegado. VITOR - É, porque, eu pensei assim, que era você que tava fazendo isso pra dar um susto nela. MAURO - Não, não, não... É pra garantir os próximos serviços dele. Porque ele ficou meio... Ele achou meio estranho porque... Como o dele caiu lá na situação e ninguém resolveu, ele ficou doido. Ele falou ‘Meu, cadê sua força?’, falei ‘Cadê minha força... Não me dá carta na mão, como é que eu posso ter força?’, mas eu te explico. Fica tranquilo que à noite eu te explico. VITOR - Bom, mas ele tava sabendo que você ia pedir pra um fiscal fazer a intimação? MAURO - Não, não. Ele não tava sabendo. Eu falei ‘Ela vai dançar, porque ela...’. VITOR - Ah, bom! MAURO - ... ‘Tem um patrimônio não declarado, que entrou uma puta grana na conta dela, ninguém explica nada, então ela vai dançar. Vai ser automático isso aí’, aí, ele falou ‘Como é que vai resolver?’, falei ‘Meu, a hora que chegar a carta, não esquenta. Me dá a carta que eu resolvo...’. VITOR - (Inaudível) MAURO – ‘Eu tenho gente que me ajuda a fazer Isso ai’. VITOR - Tá bom! MAURO - É isso que ele queria entender. VITOR - Ah... Hamhamm! MAURO - Ele não sabia quem era. VITOR - Tá... Tá bom! Belê! MAURO - Pode deixar comigo então. Umas 8, 8 e meia a gente se fala. VITOR - Tá bom. Falou! MAURO - Um abraço! VITOR - Outro, tchau! Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de MAURO SERGIO ARANDA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART. 325 DO CÓDIGO PENAL). O art. 325, caput e §1°, do Código Penal, assim dispõe: Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) O crime de violação de sigilo funcional (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada) se caracteriza pela conduta de, oralmente ou por escrito, revelar e/ou facilitar a revelação de informações confidenciais conhecidas em razão do cargo ocupado pelo agente público. O sigilo pode decorrer de Lei, de determinação judicial ou de determinação administrativa, p. ex., sendo que, para a caracterização do delito, é necessário que o funcionário tenha consciência da necessidade do segredo, por força de sua função, e que o segredo seja de interesse público. Note-se que, em se tratando de fornecimento de informações protegidas por sigilo que caracterize violação de sigilo fiscal, ato que, inclusive, configura improbidade administrativa, há, no âmbito administrativo, previsão de aplicação de pena de demissão (inteligência do art. 132, IX, da Lei n.° 8.112 de 11.12.1990), podendo o servidor, ainda, responder no âmbito cível, em ação de reparação de danos materiais e morais. E mesmo em se tratando de meros dados cadastrais, os quais, em regra, não são protegidos por sigilo fiscal, é certo que a lei determina o dever funcional de sigilo sobre assuntos da administração pública (inteligência do art. 116, incisos III e VIII, da Lei n.° 8.112/1990, os quais devem ser combinados com normas internas de cada órgão da administração), de maneira que o servidor público que, imotivadamente, acessar dados cadastrais para divulgá-los ou fornecê-los a quem não esteja legalmente autorizado a conhecê-los, estará descumprindo, eventualmente, dever funcional de observância às normas legais e regulamentares e, consequentemente, estará sujeito às sanções previstas no art. 325 do Código Penal. O bem jurídico tutelado é o regular funcionamento da Administração Pública, que poderia ser comprometido pela divulgação não autorizada de informações sigilosas. A norma visa coibir funcionários públicos de, no exercício de suas funções, revelarem fatos que devam permanecer em segredo, assegurando, assim, a confidencialidade necessária para a manutenção da eficácia administrativa e a salvaguarda do interesse público. Trata-se de crime formal, uma vez que se consuma no momento em que a informação sigilosa se torna conhecida por pessoa não autorizada, e que apenas admite a modalidade dolosa. Importante mencionar, por fim, que o delito em questão não se confunde com o de violação de segredo profissional, previsto no art. 154 do Código Penal, o qual pune a conduta de “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Neste último caso, os sujeitos ativos não se tratam de funcionários públicos responsáveis por sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública, mas sim de profissionais do setor privado, conhecidos como “confidentes necessários”, a exemplo dos advogados, sacerdotes, médicos e psicólogos, p. ex.. CASO CONCRETO. PRESCRIÇÃO. Quanto aos crimes de violação de sigilo funcional, houve a condenação de: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática, em continuidade delitiva, de quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª e 3ª condutas descritas na denúncia). Quanto ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, o r. juízo a quo reconheceu o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade deste acusado em relação aos delitos de violação de sigilo funcional. Em face do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a denúncia foi recebida apenas em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612), razão pela qual afastou-se, no momento da prolação da r. sentença (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759), a ocorrência de prescrição em relação a este acusado. Foi-lhe, pois, imputada, a pena de 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção pela prática, em continuidade delitiva, dos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). Não obstante, considerando que, no presente momento, já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição também em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH. Reitere-se que a prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de violação de sigilo funcional não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de violação de sigilo funcional ocorreram nos dias 19.03.2013 (1ª conduta), 25.03.2013 (3ª conduta), 03.04.2013 e 09.04.2013 (4ª conduta) e 26.03.2013 (5ª conduta) – fls. 03/38 – ID 170518764, isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI Nº 9.613, DE 03.03.1998). O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem (ilação que deve ser compreendida em coerência com a aplicação dos postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção do Direito Penal). Cumpre asseverar que, de acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente (cite-se, como exemplo, as operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras realizadas de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas - vide STF, AP n. 996, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29.05.2018, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção); controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas. Imperioso destacar, que, para fins de consumação do delito, não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas, dispensando-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. No que tange à desnecessidade da ocorrência de todas as etapas da lavagem e da sofisticação das condutas, confira-se: “Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de ‘lavagem de capitais’ mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, ‘caput’): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’ transnacional, com os quais se ocupa a literatura”. (STF, RHC 80816, Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18.06.2001) A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Tendo em vista a especial efetividade de que a persecução estatal deve imbuir-se no combate à criminalidade organizada, consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal, de sorte que o legislador pátrio o fez refletir na Lei nº 9.613/1998, cujo art. 2º, inc. II e § 1º, estabelece que: “II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. A autonomia da repressão ao delito de lavagem mostra-se certíssima medida processual penal assimilada pelo sistema normativo atual, o qual exige apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 1º, INCISO V, DA LEI 9.613/98. ABSOLVIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE: INOCORRÊNCIA DO CRIME DE LAVAGEM. CRIME DE DESCAMINHO. MODALIDADE TER EM DEPOSITO. APREENSÃO DA MERCADORIA: AUSENCIA DE PROVEITO ECONÔMICO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, que rejeitou a absolvição sumária do paciente, nos autos da ação penal nº 0000172-23.2008.403.6181. 2. O paciente foi denunciado porque teria ocultado a propriedade de bens, provenientes de delito contra a Administração Pública, consistente em contrabando e descaminho, crime este apurado nos autos 2007.61.81.014628-5. 3. A Primeira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento da apelação 2007.61.81.014628-5, por unanimidade, negou provimento ao apelo da acusação e deu parcial provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", c.c art. 29, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo o acórdão transitado em julgado. 4. Considerada a absolvição do crime antecedente, não há que se falar na ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. 5. Nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, e artigo 2º, inciso II, e §1º, da referida lei, prescinde-se da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente. Não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente. 6. No caso em tela, há uma particularidade, o crime antecedente nessa ação penal foi um crime bem definido e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem. E não houve prova suficiente para condenação do réu no crime antecedente, de modo que não restou caracterizado o crime de lavagem, por ausência da prévia ocorrência de crime do qual o numerário seja proveniente. 7. Caso não fosse imputada a autoria conhecida a alguém, o fato de não existir condenação não impediria que o crime de lavagem fosse imputado a outra pessoa. Mas uma vez imputada a autoria do crime de lavagem a um autor, que é o mesmo agente que se imputa o crime de lavagem, a absolvição com relação ao crime antecedente, esvazia a própria imputação de lavagem. 8. O Estado reconheceu em outra ação penal que não existe prova suficiente para relacionar o acusado com a obtenção ilícita daqueles bens. Assim, não há como imputar a esse acusado a mera ocultação da proveniência ilícita desses bens. Se o Estado não conseguiu provar que o agente obteve ilicitamente o bem, não pode mais tentar provar que o agente está ocultando ou dissimulando bem que tinha conhecimento que era ilícito. Sobrevindo sentença absolutória em relação ao crime antecedente, ainda que por insuficiência de provas em relação à autoria delitiva, entendo que não subsiste o crime de lavagem de capitais. 9. Ainda que assim não se entenda, observa-se que foi apontado na denúncia como crime antecedente ao da lavagem de dinheiro, o descaminho na modalidade 'ter em depósito'. Nessa modalidade de descaminho, ter em depósito, a única dissimulação ou ocultação possível seria dos próprios bens descaminhados, mas isso não existe, pois os bens foram aprendidos naquela operação, ou seja, para que seja possível o crime de lavagem nessa modalidade (ter em depósito), teria que se imputar ao paciente a ocultação dos próprios bens descaminhados, o que não ocorreu. Ao contrário, a denúncia imputa ao paciente a conduta de ter adquirido outros bens em nome de terceiras pessoas, na modalidade dissimulação, dissimulando a propriedade daqueles bens. 10. Se as mercadorias, objeto do crime de descaminho, não foram vendidas, pois foram apreendidas, imputando-se ao agente crime na modalidade ter em depósito, como esse agente poderia ter transformado o produto do descaminho apreendido em dinheiro, para posteriormente adquirir os bens que foram colocados em nomes de terceiros? Seria necessário que o agente vendesse o produto descaminhado, para conseguir transformá-los em dinheiro e adquirir aqueles bens que colocou em nome de outras pessoas. 11. É certo que os bens adquiridos em nome de terceiros poderiam ter sido adquiridos com o proveito de outros crimes de descaminho, em outras modalidades, mas não foi esse crime antecedente que a denúncia se referiu. A denúncia é explícita, apontando um crime específico como antecedente, qual seja, o descaminho relativo à apreensão ocorrida no dia 14/11/2007 que resultou na ação penal 2007.61.81.014628-5. E no tocante a esse descaminho, toda mercadoria que era mantida em depósito foi apreendida, não havendo que se falar em proveito econômico advindo do descaminho, de modo que não resta caracterizada um dos elementos objetivos do crime de lavagem, que é a proveniência ilícita dos bens. 12. Ausência de justa causa. Ordem concedida”. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 52049 - 0033971-34.2012.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 22.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.10.2013 - destaque nosso) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO V, DA LEI 8.137/1990 COMO DELITO ANTECEDENTE. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DENÚNCIAS QUE NARRAM A OCORRÊNCIA DE CRIME MATERIAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Embora independa a persecução pelo crime de lavagem de valores do processo e julgamento pelo crime antecedente, na forma do art. 2º, II, da Lei nº 9613/1998, exigido é que a denúncia seja instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012). (...) 4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro. (...)”. (STJ, RHC 73.599/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.09.2016, DJe de 20.09.2016) Em suma, deverá o órgão acusatório indicar na denúncia, de maneira certa, específica e individualizada, quais infrações subjacentes levaram à conclusão sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou valores, de modo a permitir ao acusado sua ampla defesa e o respeito ao princípio do contraditório. A devida caracterização do tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 exige que os fatos delituosos descritos não tenham caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Especificamente acerca do que se acaba de tratar, vide as palavras de Renato Brasileiro: “Em se tratando de crime de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrado que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, estabelece que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p. 173) - destaque nosso. A esse respeito, válida a referência à fundamentação irretocável trazida no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual se determinou o trancamento da ação penal precisamente em razão da inicial acusatória falhar em delimitar, de maneira clara, precisa e individualizada, as infrações subjacentes que embasavam a lavagem de dinheiro. In verbis: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N. 9.618/98. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO REPASSE DE VALORES AO PACIENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FORMA PRECISA E OBJETIVA DOS CRIMES ANTECEDENTES. FALTA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS VALORES RECEBIDOS PELO PACIENTE E OS SUPOSTOS EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O paciente foi denunciado pelo crime capitulado no artigo 1º, caput, incisos V e VI e § 1º, inciso II, da Lei n. 9.613/98, cujo feito foi instaurado a partir do desmembramento do Inquérito Policial 2.474 em curso no STF, com o escopo de investigar os diversos repasses efetuados pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, no valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao paciente. 2. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 3. Em casos extremos, todavia, em que a acusação se desenvolve de maneira claudicante, isto é, apresentando denúncia imprecisa, genérica e indeterminada, a jurisprudência não fecha a porta à possibilidade de trancamento da ação penal, especialmente, quando, pela imprecisão ou generalidade da peça acusatória, falhando no dever de bem delimitar e individualizar os fatos delituosos, dificulte a defesa de ordem a concretizar violação à ampla defesa e ao contraditório. 4. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 5. O Supremo Tribunal Federal tem imposto mesmo ao Ministério Público o dever de deduzir denúncia com idoneidade, de ordem a narrar os fatos de forma certa, determinada e precisa, para propiciar ao acusado a possibilidade de, sabendo a natureza e extensão da acusação contra ele dirigida, bem poder se defender. 6. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: 'O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado 'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado' (HC 84580, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513). 7. No caso, a denúncia relata que o paciente, no ano de 2003, teria recebido das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, indicado na AP 470/STF como operador do 'Mensalão', quatro depósitos bancários, que totalizaram o valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Posteriormente, consoante a denúncia, o paciente, em 23/06/2005, teria retificado sua Declaração do Imposto de Renda referente ao ano-calendário 2003, para declarar os valores recebidos como sendo provenientes de serviços prestados, sem, contudo, ter sido demonstrado documentalmente que se tratava de recursos obtidos em virtude da atividade profissional do paciente. 8. A denúncia, em redação pouco precisa, às vezes sem congruência, indica, num primeiro passo, ao início da descrição dos fatos delituosos, que os chamados crimes antecedentes consistiriam estritamente em empréstimos fraudulentos de onde originariam os recursos, posteriormente, transferidos à conta do paciente; sendo que, contraditoriamente, num segundo passo, em capítulo final, especialmente aberto para descrever e delimitar os crimes antecedentes, parece pretender imputar ao paciente, como crimes antecedentes que compõe a conduta a ele imputada, todos os crimes que eventualmente tenham sido processados e julgados na referida ação 470 (Mensalão). 9. No particular, verifica-se que não há qualquer remissão acerca dos crimes antecedentes ao suposto de crime de lavagem de dinheiro, limitando-se a denúncia a tecer considerações acerca dos crimes apurados na AP 470/STF. Ou seja, a denúncia não logrou demonstrar a vinculação objetiva ou subjetiva dos alegados crimes antecedentes com o ilícito de lavagem de ativos imputado ao paciente. Pior do que não indicar, com certeza e precisão, quais os crimes anteriores de que o acusado deve se defender, é atribuir-lhe uma quantidade indeterminada de delitos, afogando a sua defesa em indeterminação e incerteza. 10. Assim, embora tenha sido consignado na denúncia todos os crimes apurados na AP 470/STF (corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e formação de quadrilha), não houve a indicação de qual ou quais seria(m) o(s) crime(s) antecedente(s) do crime de lavagem de dinheiro atribuído ao paciente, restando apenas genérica imputação de que seriam os crimes apurados na referida ação penal. 11. Aliás, o próprio Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, após a realização de diversas diligências, que objetivavam esclarecimentos por parte dos peritos da Polícia Federal acerca da demonstração de vínculo entre os repasses realizados ao paciente e os supostos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do empresário Marcos Valério, em manifestação anterior à denúncia ora sob análise, havia requerido, em petição datada de 30/03/2015, o arquivamento do inquérito policial, por entender não presentes as evidências de que os repasses realizados em favor do paciente se vinculavam aos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, assim como por não reunir elementos indiciários da prática do crime de lavagem de dinheiro. Porém o pedido de arquivamento foi indeferido pelo juízo a quo e a denúncia foi apresentada por determinação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. 12. Consta dos autos que a manifestação técnica, que subsidiou à época o pedido de arquivamento do inquérito policial, foi precisa ao certificar que foram apurados apenas, com amparo em laudos produzidos nos autos da AP 470/STF, que o paciente havia recebido quatro repasses que totalizavam R$ 300.000,00, no período de 18/03/2003 a 25/04/2003, sem contudo indicar a origem dos recursos, pois, conforme justificativa apresentada, '(...) para se vincular exatamente os valores recebidos por João Pimenta da Veiga Filho aos 'empréstimos fraudulentos' será necessário reexaminar novamente os valores que ingressaram na conta corrente 60199, da agência 3032, do Banco do Brasil, e na conta corrente 60025952, da agência 009, do Banco Rural, identificando a origem do saldo disponível para efetuar os repasses da empresa DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. ao beneficiário João Pimenta da Veiga Filho'. 13. Caracteriza violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada; de outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado o crime de lavagem de ativos, o qual apenas se concretiza com a presença de delitos antecedentes, mas não lhe propicia, entretanto, em aberta violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF/88, defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador que o Ministério Público afirma presente na conduta supostamente praticada pelo denunciado. 14. O fato de, conforme o art. 2º, II, da Lei 9.613/98, o processo e o julgamento dos crimes previstos nesse estatuto legal independerem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, não infirma nem pode infirmar, seja acentuado, o direito do acusado de ver reconhecida pelo Estado-juiz a conclusão incontornável de que tem o direito de defender-se de todos os elementos que compõem o tipo penal da conduta que concretamente o Estado-acusador lhe imputa. 15. No caso, o tipo penal claramente inclui como um de seus elementos o fato de que só haverá crime de lavagem se os valores eventualmente dissimulados ou omitidos tenham sido provenientes direta ou indiretamente, de infração penal anterior (cito e realço a dicção expressa da Lei): 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'. 16. Portanto, se não há crime anterior, ou se, pelo menos, por defeituosa descrição dos fatos típicos, não se consegue demonstrar o vínculo, objetivo ou subjetivo, entre o delito antecedente e aquele outro cuja prática se atribui ao paciente, obviamente, não se poderá, ao final, impor-lhe um juízo condenatório pelo crime de lavagem de ativos. 17. Configurada a formulação de denúncia genérica e imprecisa, em especial por não individualizar quais seriam os empréstimos fraudulentos e delimitar, entre todos os crimes apurados na AP 470/STF, quais exatamente maculariam os valores repassados ao paciente, resta conformada a sua inépcia, nos termos dos artigos 395, I do CPP e, em consequência, a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente (CPP, art. 647), razão pela concedo a ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal 0010250-17.2016.4.01.3800, em curso na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em relação ao paciente João Pimenta da Veiga Filho”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus nº 00160028420174010000, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, julgado em 26.06.2017 - destaque nosso) Como se vê, o próprio delito de lavagem de dinheiro contém o elemento normativo infração penal, no sentido de que somente restará caracterizado o delito parasitário desde que eventualmente os proveitos econômicos que tenham sido ocultados, dissimulados, integrados ou reciclados, sejam oriundos de infração penal subjacente. Significa dizer, na fase do oferecimento da denúncia deverá o órgão ministerial apresentar indícios suficientes de que o objeto material da lavagem esteja vinculado, direta ou indiretamente, com a infração subjacente. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998. Na mesma linha de raciocínio, vide precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da justa causa duplicada nos crimes de lavagem, oportunidade em que se afirmou a necessidade de demonstração de lastro mínimo probatório acerca do delito acessório e da infração subjacente: “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. JUSTA CAUSA DUPLICADA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ANTECEDENTE E DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito - justa causa do processo penal -, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender aos requisitos essenciais do art. 41 do Código de Processo Penal - CPP. Precedentes. 2. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 3. A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. 4. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente. 5. No presente caso, o Parquet não observou sequer a exigência da exposição formal da justa causa duplicada, porquanto, mais do que não demonstrar lastro probatório mínimo do crime antecedente, o que obstaria o prosseguimento da persecução penal por violação à justa causa, o dominus litis nem mesmo indicou a conduta penalmente relevante antecedente, o que leva à inépcia da denúncia. Verifica-se que não é possível à defesa realizar sua resposta à acusação de forma adequada, porquanto indefinidos elementos mínimos do que consistiu a infração antecedente e a origem ilícita dos valores que teriam sido objeto do branqueamento. A denúncia apenas aponta que os valores seriam oriundos do orçamento municipal e o modus operandi do branqueamento, consistente no depósito do cheque, cuja beneficiária é uma sociedade empresária, em conta bancária de terceiro, sem qualquer vínculo formal com a pessoa jurídica da empresa contratada beneficiária. 6. Recurso provido para que seja trancado o processo penal que apura o crime de lavagem de capitais em questão, haja vista a inépcia da denúncia, facultando-se a oferta de nova denúncia, com o devido preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP”. (RHC 106.107/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019, DJe 01.07.2019 - destaque nosso) “PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA.DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA.REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO.JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE.RECEBIMENTO. (...) 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. (...)”. (APn 923/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23.09.2019, DJe 26.09.2019) Cite-se, ainda, importante precedente do C. Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido: “Habeas Corpus. Ação penal. Lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, com a redação anterior à Lei nº 12.683/12). Trancamento. Inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade do writ. Precedentes. Exame da questão de fundo. Admissibilidade. Manifesta inviabilidade da ação penal. Ausência de descrição mínima dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 41, CPP). Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98. Defeito que não se sana pelo advento da condenação. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98. 1. A superveniência da sentença condenatória torna superada a alegação de inépcia da denúncia, ainda que anteriormente deduzida. Precedentes. 2. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, embora assentando a prejudicialidade do habeas corpus, tem examinado a questão de fundo para afastar a arguição de inépcia. 3. Na espécie, por maior razão, não há como se deixar de analisar a viabilidade da denúncia, diante de sua manifesta inépcia. 4. Como sabido, o trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15) 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 16. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal quanto ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98, por inépcia da denúncia”. (HC 132179, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 26.09.2017, processo eletrônico DJe 09.03.2018 - destaque nosso) Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis. As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores. Indo adiante, cumpre asseverar que eu vinha entendendo no sentido de que a infração tida como subjacente deveria ser necessariamente pretérita aos atos apontados como de lavagem dos proveitos econômicos auferidos - em outras palavras, compreendia-se que não seria possível, em princípio, cogitar-se de lavagem tendo como base patrimônio amealhado anteriormente à prática da primeira infração que potencialmente teria gerado o lucro econômico ao seu agente. Acerca de tais marcações temporais, em feito de minha relatoria, já decidiu a 11ª Turma do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS. CRIME DO ARTIGO 1, INCISO I, DA LEI 9.613/1998. LAVAGEM DE CAPITAIS. DATA DO CRIME ANTECEDENTE É POSTERIOR AO CRIME DE LAVAGEM. ATIPICIDADE DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. - O crime antecedente (tráfico de drogas) praticado pelo requerente ocorreu em 25.09.2010, e a lavagem de dinheiro, da qual é acusado, especificamente quanto ao imóvel descrito na letra 'o' da denúncia, teria se consumado em abril de 2010, com o registro do citado imóvel em nome de terceiros, de forma que o ato de branqueamento de capitais teria se dado anteriormente à data do crime de tráfico de drogas. - A imputação do delito de lavagem de capitais ao requerente mostra-se descabida, haja vista que a ocorrência da transação reputada como suspeita é anterior a 25.09.2010. - Nesse contexto, a determinação temporal da prática do tráfico enquanto delito antecedente delimitava, à época, e delimita ainda o subsequente crime de branqueamento de lavagem de dinheiro dele proveniente, e não, por óbvio, o contrário. - Diante da atipicidade da conduta imputada ao requerente, resta configurado o constrangimento ilegal. - Deferido o pedido de extensão, de forma a determinar o trancamento apenas quanto ao item 'o' da denúncia, da ação penal nº 0011209-37.2014.4.03.6181. - Esta decisão não autoriza a devolução do imóvel, objeto do presente writ, uma vez que nos termos dos §§1º e 2º, do artigo 91, do Código Penal: '... Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Na hipótese do §1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.', já que o requerente integra associação criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas, devendo se apurar a aquisição lícita do referido imóvel. - Agravo regimental provido”. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5029387-23.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, julgado em 24.04.2019, Intimação via sistema data: 25.04.2019) Contudo, revisitando a temática, é possível deparar-se com situações concretas em que determinado agente, antes de praticar ato lesivo à Administração Pública, no caso de corrupção passiva/ativa, por exemplo, receba valores que são dissimulados no exterior, passando a constar como beneficiário final, e somente após este ato beneficie um dos licitantes. Ou, ainda, na hipótese em que um traficante recebe valores antes da prática criminosa e os lava servindo-se de interpostas pessoas anteriormente ao envio da droga ao beneficiário final. Tais situações foram por diversas vezes observadas em processos que tramitaram perante a 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e em Lavagem de Dinheiro, oportunidades em que houve troca de experiências com o Eminente Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali, então juiz substituto. Dentro de tal contexto, em revisão de posicionamento, chega-se à conclusão de que, a teor da legislação de regência, os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica). Aliás, o entendimento em tela foi trazido à baila em artigo por meio do qual se infere, de forma percuciente, que não há a necessidade de que haja uma precedência estritamente cronológica propriamente dita, mas apenas jurídica, acerca do que se convencionou nominar "crime antecedente", expressão que seria melhor compreendida, na realidade, por meio da locução "crime subjacente" - vamos ao artigo (CAVALI, Marcelo Costenaro; LORENCINI, Bruno César. Separando Joio, Peste e Praga: ‘Caixa Dois’ Eleitoral, Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In Direito, Instituições e Políticas Públicas. O papel do jusidealista na formação do Estado. Coordenação: Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, André Tito da Motta Oliveira, Rafael Hamze Issa e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2017, p. 40-41): “(...) Proveniência cronológica ou jurídica de infração penal? Virou voz comum o entendimento de que a infração penal antecedente tem de ser cronologicamente antecedente à lavagem do seu produto. E não só: não bastaria ter sido iniciada a execução, teria de estar consumado o delito antecedente para que se pudesse cogitar da realização de algum ato de lavagem. No caso do 'Mensalão', o STF decidiu que 'A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)' (AP 470 EI-sextos, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 13.03.2014). De fato, como regra, os atos de lavagem do dinheiro ocorreram somente após a ocorrência da infração penal antecedente. Mas não tem de ser assim, nem fática nem juridicamente. Do ponto de vista jurídico, a Lei nº 9.613/1998 não prevê essa antecedência cronológica, mas apenas uma derivação jurídica, quando o art. 1º se refere aos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. A antecedência tem de ser lógica - não cronológica. Faticamente, alguns exemplos ilustram como é possível lavar o dinheiro de um crime antes mesmo que ele tenha sua execução iniciada. Pense-se num caso em que um 'matador de aluguel' é contratado para assassinar uma pessoa. O mandante e o futuro executor do delito celebram, então, um 'contrato de prestação de serviços de consultoria em segurança'; os valores são pagos e declarados à Receita Federal. Depois disso, o homicídio contratado é executado. Note-se que todos os atos de dissimulação da natureza do dinheiro recebido ocorreram antes do início da execução do delito, embora a causa real do pagamento já fosse conhecida pelos envolvidos. Seria essa cronologia razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro? A resposta para essa pergunta é, a nosso ver, negativa. Os valores recebidos pelo 'matador de aluguel' configuram, uma vez combinados, produto do ilícito a ser perpetrado. É claro que, se o homicídio não vier a ter sua execução iniciada, não se poderá falar em lavagem de dinheiro, pois não houve infração penal antecedente, sequer na forma tentada. Por isso, nos casos em que as condutas próprias do delito de lavagem de dinheiro ocorrerem anteriormente à infração penal antecedente que deu causa ao ativo lavado, o delito da Lei nº 9.613/1998 somente se consumará no momento em que iniciada a execução da infração penal antecedente. A solução apresentada pode parecer heterodoxa, mas, se bem examinada, sua engrenagem não é diversa daquela que rege a incidência de qualquer norma jurídica. É preciso que todos os pressupostos da hipótese de incidência estejam preenchidos para o desencadear de suas consequências jurídicas; por vezes, tais pressupostos são preenchidos em momentos diferentes, de modo que somente quando caracterizado o último dos pressupostos normativos exigidos haverá a incidência da norma. Tampouco existe qualquer empecilho do ponto de vista subjetivo, pois as partes envolvidas conhecem a origem do dinheiro, isto é, sabem que os valores foram pagos para o cometimento de um futuro homicídio - embora ainda não iniciado. De igual modo, não existe razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro concomitantemente à infração penal antecedente. O melhor exemplo para ilustrar essa possibilidade encontramos no delito de corrupção. No referido precedente do STF, entendeu-se que a autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos e posteriores do produto do crime antecedente (já consumado). A conclusão não se sustenta, em primeiro lugar, pelo fato de que é possível a lavagem de dinheiro de infração penal antecedente tentada. Mesmo que o agente não consiga consumar o delito, é possível que a tentativa gere um produto ilícito. Pense-se, para continuar com o exemplo anterior, no caso do homicida que, tendo recebido antecipadamente o pagamento pelo delito, não tem sucesso em consumá-lo. Mas não é só. O crime de corrupção compreende, de fato, a conduta de receber 'direta ou indiretamente' a vantagem indevida. Com isso, mesmo que o valor seja repassado por meio de um intermediário, haverá corrupção. No entanto, desde o advento da Lei nº 9.613/1998, em razão de uma nova política-criminal legislativa, o recebimento indireto dos valores da corrupção, quando gere especiais dificuldades para a sua identificação, apreensão e confisco pelas autoridades competentes - como, por exemplo, quando o pagamento é realizado através de um 'contrato de consultoria' realizado com um 'laranja' -, não caracteriza apenas a corrupção, mas também a lavagem de dinheiro. Essa é, a propósito, a razão de ser da criação do tipo penal da lavagem de dinheiro. A corrupção, no mais das vezes, compreenderá desde a aceitação até o recebimento da vantagem indevida. Tratando-se de crime de ação múltipla, as duas condutas caracterizam um único delito. Por sua vez, a lavagem de dinheiro, envolvendo um processo que compreende atos de ocultação, mas também o recebimento do dinheiro, pode ser compreendida juridicamente como sendo a mesma ação da corrupção. Justamente para esses casos, em que, por meio de uma mesma conduta - recebimento do valor indevido de forma indireta - o autor perpetra dois crimes, o Código Penal prevê a figura do concurso formal (CP, art. 70). Aceitas as premissas sobre a política-criminal da lavagem de dinheiro, no exemplo mencionado a conduta representa violação de bens jurídicos distintos: lesa a probidade na Administração Pública e ofende a Administração da Justiça. É verdade que a diversidade de bens jurídicos não é o único critério a ser adotado na resolução de possíveis concursos de delitos: é possível consunção de um delito por outro mesmo que os tipos penais examinados tutelem bens jurídicos diversos. Mas também se pensarmos, como sugere Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. São Paulo-Coimbra: RT-Coimbra, 2007. p. 990), na existência de um único ou de uma pluralidade de sentidos autônomos de ilicitude para diferenciar um concurso aparente de um concurso real, verificaremos que, nos casos aqui examinados, a atuação do corrupto possui claramente dois sentidos de ilicitude: o primeiro é o sentido de venda da função pública, o segundo o de recebimento da vantagem já aparentemente imaculada de sua ilicitude originária. O desvalor de registrar a propina como recebimento de um legítimo contrato de consultoria é claramente maior do que o de simplesmente receber o dinheiro e o esconder em casa, sem dificultar sobremaneira a aplicação integral da lei penal no que se refere aos efeitos patrimoniais da condenação. Aquele que recebe a propina como se se tratasse de honorários de consultoria já age com o intuito de criar uma justificativa aparentemente lícita para o dinheiro recebido (...)”. Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Veja que não deveria surpreender tal entendimento. As implicações em razão da Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal – STF, a qual preconiza que: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”, poderiam levar a essa conclusão. A referida Súmula prevê que a tipificação (e consumação) do delito nos crimes tributários ocorre com o lançamento definitivo do crédito tributário. Acontece que o Direito Penal só pode punir a conduta da pessoa que pratica o ato. A consumação não poderia depender de um ato de terceiro. Ela só poderia existir com ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado (conforme dispõe o art. 4º do Código Penal - teoria da atividade), de modo que a consumação não poderia depender de um ato de terceiro que nada tem a ver com o delito. Falar-se que a materialidade de um crime material dependeria de uma apuração administrativa por si só seria contraditória com a doutrina e mesmo a jurisprudência consagrada aos crimes materiais. Por exemplo, Nelson Hungria preconizava que o corpo não é necessário para a prova do homicídio em havendo certeza moral da existência desse crime. No caso de corrupção, nas modalidades “aceitar” e “receber’, não há necessidade de nenhuma comprovação material fora da análise das condutas como tem sido exigida pela Súmula Vinculante n. 24 para os crimes tributários e, finalmente, o fato de mencionar tributo, que seria o elemento normativo do tipo, apenas sugere ao intérprete que se faça um juízo de valor do que seja tributo. Tributo está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, como estão definidas as contribuições sociais no art. 149 da CF, e isso não faz depender, necessariamente como imposto pela Súmula, da existência de uma apuração administrativa para verificação desse elemento normativo. Existem outros elementos normativos em vários tipos penais (tais como: como coisa alheia, funcionário público, vantagem indevida) que demandam atividade valorativa que pode, sim, ser feita pelo intérprete, independentemente do resultado obtido pela Administração Pública. E, finalmente, não se pode distinguir crime tributário como se fosse algo diferente do delito de corrupção, pois ambos tutelam os recursos da Administração Pública. No primeiro caso, o tributo ainda está com o particular, ao passo que na corrupção os valores já estão em poder do Estado, mas são desviados ou apropriados. A similitude é evidente. Para a identificação da corrupção não se exige um procedimento por parte dos órgãos de controle (Controladoria Geral da União, por exemplo), portanto, sistematicamente não tem coerência exigir para o delito tributário algo que não se pode exigir para o reconhecimento nos casos de crimes contra a Administração Pública. Em síntese, no crime tributário material não deveria haver a exigência do lançamento definitivo para a sua caracterização. No entanto, o entendimento sumular supramencionado, impõe que a consumação dos crimes de tal jaez ocorra somente com a constituição definitiva do crédito tributário. Excepcionalmente nas hipóteses em que houver a lavagem de dinheiro e o delito subjacente for um crime tributário material, s.m.j., a Súmula n.º 24 poderá ser mitigada. Ora, não se deveria exigir o lançamento definitivo do crime subjacente para dar início à apuração da lavagem decorrente deste crime tributário. A despeito de tratar-se de entendimento minoritário, há julgado do STF consignando que a regra inserta no aludido entendimento sumular pode ser mitigada nos crimes contra a Ordem Tributária nas hipóteses de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal (possibilidade de se dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo): “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 24. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INVESTIGAÇÃO CONCOMITANTE DE CRIMES DE NATUREZA DISTINTA DA FISCAL. VIABILIDADE, EM TESE, DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 8. Sobressai da narrativa dos agravantes que ‘são investigados outros crimes além dos tipificados no ‘art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90’, dentre eles, crimes contra a administração em geral e de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade do esgotamento das vias administrativas para a investigação do crime de lavagem de dinheiro, conquanto o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do enunciado nº 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC 118.985-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE 936.653-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016. 9. Agravo regimental desprovido”. (Rcl 28147 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018)” (grifei) Lado outro, a exigência do lançamento definitivo, que muitas vezes ocorre após a lavagem, leva, necessariamente, a uma inversão do marco temporal: ou seja, a infração subjacente pode ocorrer posteriormente à lavagem de dinheiro, de forma consumada ou tentada. Portanto, a lavagem não requer que a infração subjacente seja cronologicamente anterior, mas apenas que haja uma decorrência lógica. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro. Por exemplo, contratação de matador de aluguel que recebe uma vultosa quantia para matar alguém. Ele recebe o valor, lava, coloca em nome de laranjas e somente depois consuma ou tenta o homicídio; no crime tributário, a pessoa lava, coloca os bens em nome de terceiros e depois comete o delito tributário; no caso do delito de corrupção, nas modalidades de “aceitar” ou “receber”, a lavagem pode ocorrer antes destas. A lavagem de dinheiro pode concorrer formalmente com a infração subjacente. Uma conduta pode gerar um delito tributário e ao mesmo tempo gerar lavagem de dinheiro porque o âmbito de proteção do bem jurídico pelo legislador é diverso. Uma conduta, nos termos da teoria do concurso formal, atinge dois resultados: no caso do delito tributário tem uma proteção específica - os recursos que devem ser dirigidos à Administração Pública e as políticas públicas decorrentes da ausência desses recursos, ao passo que a lavagem de dinheiro tem um bem jurídico específico que é a Ordem Econômico-financeira e a Administração da Justiça. Ora pendendo mais à Administração da Justiça, ora à Ordem socioeconômico/financeira, a depender do caso concreto. A leitura que se faz é que a infração ligada à lavagem de dinheiro possui autonomia mais do que sufragada pelo legislador e acessoriedade limitada. A existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito que acabou se consagrando e a referência à expressão “antecedente” permanece como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando aduz no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º à infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que tem que ocorrer é algo vinculado. Os valores podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois da infração subjacente. Exige-se que o tipo subjacente seja ao menos tentado para a existência da lavagem de dinheiro, não importando a sua concretização em tempo determinado. Embora o art. 2º da Lei de Lavagem utilize a expressão "infração penal antecedente", a interpretação meramente literal do dispositivo não espelha, nesse caso, a finalidade da lei. In casu, devem ser aplicados os métodos sistemático e teleológico de exegese, a fim de que sejam atendidos tanto os fins sociais a que a norma se dirige quanto as exigências do bem comum. Nesse contexto, não é razoável excluir da persecução penal aqueles agentes que praticam a lavagem de bens ou valores comprovadamente advindos do cometimento de infração(ões) subjacente(s) não necessariamente pretérita(s) ou antecedente(s), cronologicamente falando. Em suma, a existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito, mas a referência à expressão “antecedente” permanece apenas como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando menciona no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º a expressão infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que se requer é a existência de produtos e proveitos logicamente decorrentes de infração(ões) subjacente(s) e não cronologicamente decorrentes. Não se deve, pois, obrigar a existência de um fato criminoso anterior uma vez que fatos criminosos podem mesmo ocorrer, por mais curioso que possa parecer, após a lavagem de dinheiro, como os exemplos citados, entendimento este reforçado pela consagração da Súmula do STF n.º 24 que entende típico o delito tributário material somente com o lançamento definitivo. Assim, urge a existência de algo ilícito vinculado. Os valores decorrentes de uma infração subjacente podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois deste. Por outro lado, cabe enfatizar que o mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem. No caso Mensalão (AP n.º 470/MG), por exemplo, o STF decidiu que o recebimento da corrupção por terceiros não configura o crime de lavagem de dinheiro, mas concretização do delito contra a Administração Pública. Imprescindível, portanto, para a configuração desse delito, identificar-se a ocorrência de ocultação ou de dissimulação. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima pontua: “(...) com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um 'laranja', a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais (...)” (in Legislação Criminal Especial Comentada. JusPodivm. 2. ed. 2014. p. 306-307). Mais recentemente, no ano de 2019, também em hipótese de corrupção, o STF, pela análise do cenário probatório descrito nos autos, entendeu que, para além do recebimento clandestino da vantagem indevida, restou evidenciada a dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. PLURALIDADE DE CONDUTAS. DOLOS DISTINTOS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o eventual cabimento de recurso extraordinário não subtrai, por si só, a cognoscibilidade do habeas corpus. Precedentes. 2. O sistema jurídico brasileiro não exclui os autores do delito antecedente do âmbito de incidência das normas penais definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, admitindo, por consequência, a punição da chamada autolavagem. É possível, portanto, em tese, que um mesmo acusado responda, concomitantemente, pela prática dos delitos antecedente e de lavagem, inexistindo bis in idem decorrente de tal proceder. 3. Nada obstante, a incriminação da autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação, dissimulação ou integração autônomos ao delito antecedente, ainda que se verifique, eventualmente, consumações simultâneas. 4. A consunção constitui critério de resolução de conflito aparente de normas penais incidente em casos em que a norma consuntiva contemple e esgote o desvalor da consumida, em hipótese de coapenamento de condutas. Assim, eventual coincidência temporal entre o recebimento indireto de vantagem indevida, no campo da corrupção passiva, e a implementação de atos autônomos de ocultação, dissimulação ou integração na lavagem, não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem. 5. O habeas corpus consubstancia via processual inadequada para o reconhecimento da ocorrência de consunção, forte na necessidade de exame do acervo probatório para o fim de avaliar o esgotamento do juízo de censura entre as condutas, providência que desborda dos limites cognitivos do writ. 6. Caso concreto em que se reconheceu a constituição de contas secretas e remessa clandestina de recursos ao exterior, atos que consubstanciaram práticas de ocultação, dissimulação ou integração, possibilitando fruição oportuna do resultado econômico do crime antecedente. O presente quadro processual diferencia-se, portanto, do enfrentado pelo Tribunal Pleno na AP 470 (EI-sextos e EI-décimos sextos), na qual se afastou a configuração do delito de lavagem em caso de recebimento de vantagem indevida mediante interposta pessoa e em hipótese na qual se exigiria a prática de atos subsequentes para fins de branqueamento do produto da infração penal antecedente. 7. Em caso de concurso de crimes, é incabível o reconhecimento, em habeas corpus, da incidência do critério da exasperação se as instâncias ordinárias atestaram a pluralidade de condutas e a presença de desígnios autônomos. 8. Não configura vulneração ao dever de motivação das decisões judiciais a rejeição de aplicação da regra do concurso formal próprio baseada em óbices normativos ao critério da exasperação. 9. Ordem denegada”. (HC 165036, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09.04.2019, processo eletrônico DJe 10.03.2020) (destaque nosso) Haverá, assim, tão somente a prática da infração penal subjacente quando apenas houver uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Com isto, ficariam afastadas desta infração penal as condutas de guardar dinheiro em colchão, subornar testemunhas para se conseguir álibi etc. O STF, nos autos do Inquérito n.º 3.515/SP (Rel. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 08.10.2019, acórdão eletrônico DJe 23.06.2020), explicitou hipótese em que o ato de receber “de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998”. Também cumpre asseverar, por exemplo, que a realização de transferências bancárias sucessivas, segregando-se determinado montante de dinheiro em várias contas bancárias diferentes, é conduta que, indubitavelmente, dificulta o rastreamento da quantia inicial advinda da infração subjacente, já que, a cada nova transação, torna-se mais difícil determinar a origem daquele valor, inclusive porque essa prática possibilita que fundos “limpos” e “sujos” se misturem para compor o saldo disponível em cada conta, o que torna ainda mais complexa a localização do produto criminoso original, fato que caracterizaria a lavagem. No entanto, nem todas e quaisquer transações bancárias envolvendo dinheiro ilícito caracterizam lavagem de dinheiro. Em se constatando, por exemplo, que o produto da infração subjacente foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável(eis) como pertencente(s) à(s) pessoa(s) que cometeu(ram) a infração subjacente, não se haverá que falar em lavagem, mas sim em mero exaurimento, ou seja, mera consequência lógica e natural da anterior ação criminosa. A simples distribuição do produto da infração entre os seus autores, mediante depósito/transferência do quinhão atribuído a cada participante, é desdobramento natural da infração penal subjacente e, portanto, não configura prática de lavagem. Em suma, se os agentes criminosos não se limitarem a mediante transferências (isoladas) para suas respectivas contas bancárias, simplesmente repartir, entre si, os valores obtidos pela prática de uma infração penal subjacente (o que caracterizaria o mero exaurimento), mas sim efetivarem a remessa dessas quantias a partir de transações bancárias de maneira deliberadamente pulverizadas, isto é, fracionadas e transferidas, múltiplas vezes, para diversas contas bancárias, em sua maioria abertas em nome de pessoas físicas ou jurídicas fictícias (e não em nome dos próprios agentes), restará evidenciada a intenção de mascaramento, e, por via de consequência, a lavagem de dinheiro. Em outra hipótese, em havendo a imputação de tráfico transnacional de drogas, com a apreensão dos valores oriundos desta infração pela autoridade policial em uma blitz, cujo objetivo era o desembaraço de carregamento de cocaína junto aos fornecedores da droga, devem ser considerados mero desdobramento da traficância (iter criminis), não se vislumbrando o cometimento do delito de branqueamento. No crime de lavagem de dinheiro terá que haver, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Embora adote o entendimento de que é desnecessária a precedência cronológica da infração subjacente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tendo-se em vista que a lavagem pode, excepcionalmente, ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente ao qual se vincula, é evidente que a precedência lógico-jurídica (e não estritamente cronológica) é indispensável. Em outras palavras, é imprescindível que os ganhos atrelados à suposta prática de corrupção, por exemplo, tenham sido obtidos em data anterior à da prática dos atos de ocultação/dissimulação, mesmo que o ato de corrupção, em si, possa vir a ser praticado depois da lavagem. Nesse contexto lógico-jurídico, faz sentido apenas falar-se em necessidade de demonstração de relação de anterioridade e posterioridade entre os ganhos decorrentes da infração subjacente e a lavagem de dinheiro, embora a infração subjacente possa ocorrer posteriormente. No caso de a lavagem ter sido cometida anteriormente à infração subjacente, para o reconhecimento de sua consumação é indispensável que tenha se iniciado a execução desta última, que, repise-se pode ocorrer depois daquela. CASO CONCRETO VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR) foram denunciados por, supostamente, terem praticado, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, 267 (duzentos e sessenta e sete) delitos de lavagem de dinheiro entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691) -, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY e IZA (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Ocorreu que, ao prolatar a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada um dos quatro acusados pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, nos seguintes termos (fls. 134/138 – ID 170518759): VI - DOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS Neste capítulo, a denúncia descreve que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos por pelo menos 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98 combinado com o artigo 71 caput do Código Penal. O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada conforme ela mesma admitiu em conversa telefônica interceptada: Eu não trabalho, mas a minha vida também é um correria... Comprovou-se, ainda, em relação aos sogros de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, variação patrimonial injustificada, a percepção de recursos de origem ilícita percebidos por VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e a existência de contas bancárias utilizadas para ocultar e dissimular os recursos auferidos pelo corréu VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, conforme comprovaram os documentos, as conversas telefônicas interceptadas e e-mails, especificamente as situações descritas nos itens 76 e 77 da denúncia. Entre os documentos, cabe registrar a análise realizada pela Delegacia da Receita Federal dos cheques depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH mantidas no Banco do Brasil (126) e Banco Itaú (140), cuja soma ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que comprovou que todos os referidos cheques foram emitidos por contribuintes que tiveram as respectivas DIRPFs acessadas no sistema por VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Também foram apreendidos, tanto na residência de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como na residência de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, outros cheques cujos valores foram calculados, respectivamente, em R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais), em R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais), conforme comprova fl. 15, apenso III e fls. 27/33 do apenso IV, sendo que, dentre os cheques apreendidos, alguns, no valor total de R$ 13.900,00, foram emitidos por contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 34 do Apenso IV) enquanto outros, no valor de R$ 10.000,00, foram emitidos por contribuintes mencionados pelos denunciados em conversas telefônicas interceptadas (fl. 35 do Apenso IV). Também restou comprovado que os cheques emitidos como contraprestação pelos serviços ilícitos prestados foram depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Também restou comprovado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH adquiriu um terreno em nome de seus sogros, conforme comprova matrícula 86.544, ficha 003, fl.541, localizado na Alameda Piava, e ali edificou uma residência, conforme demonstrado a fls. 476/477 dos autos principais, fl. 143 do Apenso I e fls. 540/541 do Apenso I, e admitido por ele na conversa telefônica interceptada a fls.476/477: ‘Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças. Eu comprei esse terreno da Piava...Em 2007 6 anos atrás... No começo de 2007. Eu paguei 650 ml e é terreno de esquina... O terreno normal...’. Foram também referidas movimentações atípicas consubstanciadas em aportes únicos em VGBL em valor igual ou superior a R$ 300.000,00, realizados no ano de 2012, conforme segue: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH na data de 06.07.2012 teria aplicado os valores de R$ 565.858,00 e R$ 609.858,00, ambos no UNIBANCO Vida e Previdência S.A. Contudo, em sua DIRPF de 2013, apenas uma pequena parcela desses valores - R$ 260.000,00 - teria sido declarada como pertencentes aos filhos; IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES na data de 04.06.2012 aplicou R$ 600.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.. Em sua DIRPF de 2013, ela declarou ter feito um aporte no valor de R$ 654.000,00; na mesma declaração, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, porém, declarou ter recebido rendimentos de apenas R$ 151.370,00, a título de indenização por rescisão de contrato de trabalho, informação essa que, ademais, segundo a autoridade policial, também seria inverídica; EDILAINE LOPES SZWARCTUCH na data de 20.09.2012 teria aplicado o valor de R$ 590.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.; contudo, esta informação não consta de sua DIRPF, mas na de seu pai DARCY DE OLIVEIRA LOPES. Segundo a autoridade policial, tal fato encontraria explicação ‘no alto grau de confiança existente entre ambos [VITOR e DARCY] e das dificuldades de relacionamento entre VITOR e EDILAINE, separados de fato há pouco tempo. Ao agir desta forma, VITOR impediu que sua esposa tivesse conhecimento do montante total de dinheiro que possui’. Portanto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria utilizado sua ex-esposa EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e seus sogros IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e DARCY DE OLIVEIRA LOPES com o propósito de dissimular a origem e conferir aparência de licitude aos valores recebidos em contrapartida aos crimes praticados no Setor da Malha Fina da Receita Federal de São Paulo. Concordo com o Ministério Público Federal que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito. Discordo, no entanto, no que diz respeito à ausência de conhecimento, adesão voluntária e efetiva participação nos inúmeros e distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração, corroborados pelo comportamento dos acusados e pelas provas produzidas nos autos, em especial o uso das contas correntes bancárias abertas para abrigar as vantagens indevidas cobradas pelas violações dos deveres funcionais. Assim, restou suficientemente comprovado, que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98. Não houve interposição de recurso por parte do Ministério Público Federal. Os corréus VITOR, DARCY, IZA e EDILAINE apelaram. Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). Passa-se, pois, a apreciar os apelos interpostos pelos demais corréus condenados (VITOR, IZA e EDILAINE). PLURALIDADE DE CONDUTAS DE LAVAGEM. Inicialmente, no que diz respeito ao número de condutas de lavagem a ser considerado em hipóteses como a presente, meu entendimento pessoal é no sentido de que a ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) deverá constituir uma conduta autônoma de lavagem. Ora, especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. Em outras palavras, em se tratando de ocultação e/ou dissimulação de recursos de origem ilícita por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por terceiros, haverá tantas condutas (de ocultação e/ou dissimulação) quantos forem os depósitos (inidôneos) individualmente considerados, de maneira que cada cheque fraudulentamente “guardado/escondido” nessas contas bancárias corresponderá a uma conduta autônoma de lavagem. No mesmo sentido, em se tratando de ocultação/dissimulação de recursos de origem ilícita por meio da aquisição de imóveis, o número de condutas criminosas equivalerá à quantidade de imóveis registrados em nome de outra(s) pessoa(s) que não o(s) verdadeiro(s) adquirente(s), a fim de ocultar seu(s) real(is) proprietário(s). In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito (fl. 137 – ID 170518759). Assim, não obstante este Relator adote posicionamento diferente, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. ORIGEM ILÍCITA DO IMÓVEL E/OU DOS VALORES OCULTADOS/DISSIMULADOS. In casu, ficou demonstrada a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados em contas de titularidade de “laranjas”, os quais foram obtidos pelo auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como produto e/ou proveito de múltiplos crimes (subjacentes) de corrupção passiva e de peculato eletrônico. Com efeito, os levantamentos realizados pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 e ESPEI08 demonstraram que os referidos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados, no Banco do Brasil e no Itaú, em contas de titularidade dos corréus DARCY, IZA e EDILAINE (vide cópias dos cheques às fls. 35/147, 157/196, 201/209, 227/251 – ID 270552804 – e fls. 02/27, 37/80, 110/114 e 119/122 – ID 270552805), foram emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina” (vide relatório e planilhas acostadas às fls. 130/156 - ID 270552805). Verificou-se, p. ex., que, entre os dias 28.03.2013 e 16.04.2013, ao trocar e-mails com pessoa de nome Jesualdo Guedes Pereira Filho, VITOR indicou conta bancária de seu sogro (DARCY) para depósito de propina, o que corrobora a tese de que VITOR costumava ocultar/dissimular, em contas titularizadas por seus familiares, o produto dos crimes de corrupção e/ou peculato eletrônico por ele cometidos (fls. 236/238 – ID 170518943): Em qui, 28 de mar de 2013 07:40 BRT Jesualdo Guedes Pereira Filho escreveu: Vitor, Você recebeu os documentos? Falta algo? Grato. Um abraço Jesualdo. De: Vitor Aurélio Para: jesualdozp@yahoo.com.br Enviadas: Quinta-feira, 28 de Março de 2013 10:01 Assunto: Re: Documentos preciso dos informes da gama, telecom, sul america e bradesco. De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vitor Aurélio Enviadas: Terça-feira, 2 de Abril de 2013 12:19 Assunto: Re: Documentos Vitor, a Gama não teve atendimento em 2012. Os demais, estou enviando em anexo. Grato Jesualdo. De: Vítor Aurélio Para: Jesualdo Guedes Pereira Filho lesualdoep@vahoo.com.br> Enviadas: Segunda-feira, 8 de Abril de 2013 19:52 Assunto: COPIAS DO IRPF 2013 Jesualdo, Segue em anexo as copias da declaracao 2013 e do recibo de entrega. O valor do deposito importa em r$ 2.000,00 e a conta: Banco Itaú Ag. 0152 c/c 04513-4 Darcy Oliveira Lopes Abraco De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vítor Aurelio Enviadas: Terça-feira, 9 de Abril de 2013 11:29 Assunto: Re: COPIAS DO IRPF 2013 Vitor, recebi as cópias do imposto de renda. Farei os pagamentos: rS 1.000,00 em 16/04113. r$ 1.000,00 em 16/05/13. Obrigado. Um abraço. Jesualdo. É firme, pois, a convicção de que VITOR, ao longo de anos, se valeu do expediente de guardar dinheiro (oriundo de propina) em contas bancárias titularizadas por seus familiares (sogro, sogra e ex-esposa), com o propósito de ocultar o fato de ser ele (VITOR) o real proprietário daqueles recursos. É o que se extrai, p. ex., dos seguintes diálogos interceptados pelos investigadores: diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 20.03.2013, às 11h19 (fl. 225 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY -0i, VITOR! VITOR - Tudo bem, DARCY? DARCY - É... Onde você tá? VITOR - Eu?! Eu tô aqui na... Na Afonso Bovero. DARCY - Ah, é? VITOR – É! DARCY - Tá ai no banco, é? VITOR - Eu já fui. DARCY - Não, aqui no Itaú. VITOR - É... Já fui! DARCY - No banco... VITOR - É... É... Já fui. DARCY - Escuta, mas então... Tô te ligando... Quando é que você vai querer abrir essa conta ai? VITOR - É... Que horas são agora? São 11h20... DARCY - Hoje não dá, VITOR VITOR - Ah, não? DARCI - É que eu que eu tô... Tô fazendo uma geral aqui no apartamento... VITOR – Hã. DARCY - E depois vou ter que comprar o negócio da baby. Então... Dá pra Ir amanhã? VITOR - Ah, a gente marca amanhã de manhã. DARCY - Então, escuta.... VITOR - Hum! DARCY - O que que vou precisar levar... Você falou? VITOR - Só os seus documentos. DARCY - Ah, tá! Não precisa de nenhuma conta de luz, nada? VITOR - Eu tenho, né? DARCY - Ah, tá! VITOR - Eu tenho uma conta de luz daí. DARCY - Você foi fazer o que aí? Foi abrir conta aí? VITOR - Não... Não... Eu fui fazer depósito. Na caderne... Na caderneta de poupança das crianças. DARCY - (Incompreensivel)... Você deposita aí e cai lá, né? VITOR - É... É... DARCY - Ah, tá! Então, faz o seguinte... Que horas que a gente se encontra... Onde é que a gente se encontra? VITOR - Ah, se você quiser, a gente pode se encontrar às 10h00 aqui na porta do banco... Unibanco. DARCY - Às 10h00 em ponto. E que eu não gosto de ficar muito parado aí não, viu? VITOR - É... Não, 10h00 em ponto! A hora que abre a gente já entra e já fala com o gerente. DARCY - Ah, tá legal! VITOR - Tá... Não esquece do CIC e RG. DARCY - Não, eu não largo deles... Tá comigo. V1TOR - Tá bom! DARCY - Tá... VITOR - Amanhã, então! Tá... diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51 (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - A1ô! DARCY – Oi, VITOR! VITOR – Oi! DARCY – Ó... VITOR - Hã? DARCY - Chegou mais um cartão da IZA agora, viu? VETOR - Tá... DARCY - Do Itaú. VITOR- Tá... Deixa aí. DARCY - Deixa aqui, né? VITOR – É! Deixa escondido. DARCY - Entrega pra ela? VITOR - Não, não fala nada... Deixa escondido. DARCY - Porque um... Um ela já pegou, né? VITOR - Hã! DARCY - E... Agora chegou outro. VITOR - É, não mostra não. Deixa quieto aí. Esconde... DARCY - Depois te mostro procê ai. VITOR- Tá bom. DARCY - Tá, tchau! VITOR Tchau. diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 04.04.2013, às 17h07 (fl. 229 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? DARCY - Tudo bem... Escuta! Chegou duas cartas aqui do nosso Itaú aqui... VITOR – Hã! DARCY - Eu acho que é cartão, né? VITOR - Eu também acho. DARCY - É, porque... Tá duro, aqueles negócio dele, sabe? VITOR – Hamhamm. DARCY - Tá uma no meu nome e uma no seu nome. VITOR - Tá... É, são os cartões... DARCY - É, né? VITOR - É! DARCY - Tá... Bom, depois eu te entrego uma hora aí, né? (...). diálogo travado entre VITOR e a gerente de sua conta no Banco Itaú Personalité, de nome Fabiana, interceptado em 05.04.213, às 15h55, o qual revela que era VITOR quem, efetivamente, controlava e/ou movimentava (inclusive sem procuração) as contas bancárias abertas em nome de seus familiares (fls. 231/234 – ID 170518943): FABIANA - Alô! Por gentileza, o Sr. VITOR... VITOR - Eu! FABIANA - Oi, Sr. VITOR! É FABIANA do Itaú Personnalité de Alphaville. Tudo bem? VITOR - Oi, tudo bem? FABIANA - Tudo! O senhor tá podendo falar um minutinho? (...) FABIANA - Eu tava analisando aqui, o senhor tem um volume expressivo, é... Em dois VGBLs, no master índice, de preço. VITOR - Isso... FABIANA - O que que eu queria conversar com o senhor: esses fundos, o ano passado, foram super bem, né? Acho que o senhor teve uma rentabilidade aí de quase 30% no ano. Porém esse ano, devido ao cenário agora, elevação na taxa de juros... Ele já está negativo de janeiro até ontem, já bateu 4% negativo. VITOR - Humhumm! FABIANA - Então, o que eu queria conversar com o senhor: como na previdência a gente tem esse benefício de poder fazer portabilidade sem causar nenhum ônus pro cliente, sem precisar pagar imposto... Enfim, nenhuma taxa... A gente portar ele para um plano DI, por exemplo, recuperando esse cenário de índice de preços, depois o senhor pode voltar pra essa...Pra esse produto. (...) VITOR - Mas será que com essa história do aumento da inflação, será que não vai reverter esse VGBL? FABIANA - Não, ele não tem a ver: aumenta a inflação, aumenta a rentabilidade. Ele é composto daquelas NPNs, que são aqueles títulos do governo... E esses títulos, nesses planos de previdência, são os títulos acima de 5 anos. Então, como o mercado já tá precificando que vai subir as taxas de juros, eles já tão fazendo a marcação ao mercado desses títulos.... VITOR - Hã... FABIANA - Por isso que tá tendo essa desvalorização. VITOR - Entendi... FABIANA - Ele não tem a ver... Ele é um fundo de índice de preços, mas ele não tem a ver: subiu a inflação...Senão, era pra tá super alto com a inflação, né? Eles vão justamente aumentar os juros pra poder controlar a inflação, mas não é nesse sentido. Tá? Esse fundo... VITOR - Hã! É... É que é assim, também não sou só eu nesse barco não... Tem os meus sogros, né? FABIANA - Hum! VITOR - ... Que também tão com o mesmo produto e... FABIANA - Estão na outra conta? VITOR - São outras duas contas. FABIANA - Hummm... Então, eu acho interessante... (...) VITOR - Tá, mas... Hã... FABIANA - Qual que é a conta do seu sogro? VITOR - Já te passo... No caso, com a KARINA, né? Eu fui com eles aí e a KARINA... Assim, era eu que... Eu que fazia tudo, né? Sou eu que cuido das contas deles. FABIANA - Mas na conta dele, você tem procuração? VITOR – Não tenho. Era coisa de boca, né. FABIANA – É... Porque ela fazia, mas assim... Ela poderia até ser punida por isso, tá VITOR? (...) Ou você vem... Vamos supor que você decida fazer a portabilidade. Ou você vem com eles aqui, ou eu posso mandar um portador pra eles assinarem... VITOR - Tá! FABIANA - Ou você faz uma procuração pra você entrar na conta. Entrar, não. Poder administrar, né? Vamos dizer assim... (...). Em suma, o conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 (fls. 130/156 - ID 270552805), quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto à residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, ficou igualmente demonstrado que, não obstante esta tenha sido edificada em terreno registrado em nome dos corréus DARCY e IZA (sogro e sogra de VITOR) - vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691- seu real proprietário era o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, conforme se pode extrair do seguinte diálogo, travado entre VITOR e um corretor de imóveis de nome Luis, interceptado em 23.03.2013, às 11h50 (fls. 227/228 – ID 170518943): LUIS - Alô! VITOR - LUIS? LUIS - Sim! VITOR - Ô, LUIS! Como vai? Tudo bem? LUIS - Tudo bom! VITOR - É... Quem fala é VITOR! Pai das trigêmeas... Lembra? LUIS - Pai das trigêmeas... VITOR - Vendi uma casa prum... Prum rapaz... na... no... Eu tinha uma casa térrea verde no 12... LUIS - Ah, no 12! O Sr VITOR... VITOR - Tá lembrado? LUIS - Ô! VITOR - Então tá... Seu LUIS! LUIS – Oi! VITOR - Estamos numa nova empreitada. LUIS - Oi! VITOR - Eu me separei E assim, eu queria ver o que que eu arrumo por aqui. LUIS - Ok! Tem ideia se é apartamento... VITOR - Não, apartamento não. LUIS - Casa mesmo? VITOR - É... Eu... E assim, eu tô pensando em ficar aqui no 11 mesmo... LUIS - Hã! VITOR - Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças... LUIS - Ah, eu lembro que o senhor vendeu lá. O senhor tinha construído no 11, não foi? VITOR - Isso! Isso! Então eu queria ficar aqui no 11 pra ficar perto das crianças. LUIS - Correto! VITOR - Mas assim, eu tô bem por fora de preços e tudo mais. Então, seria assim: num primeiro momento, o que a gente acha de casa. LUIS - Ok! VITOR - E se não... Sei lá! Se aqui no 11 não tiver nada, que a gente consiga chegar num consenso e tudo mais... LUIS - Hã! VITOR - De repente até eu posso pegar um terreno e também construir. LUIS - Ó, então, mais fácil casa, viu VITOR... VITOR - É, né? LUIS - Os terrenos estão acabando. VITOR - São poucos... LUIS - E terreno, o pouco que tem, o preço tá realmente lá em cima. (...) VITOR - Então, deixa me ver assim... O senhor tem ideia de quanto tá saindo o metro de terreno aqui no 11? LUIS - Tá na faixa de R$ 1.000,00, mais ou menos. Deixa pegar, o terreno... VITOR - Nossa Senhora! LUIS - ... Quer ver? Terreno... VITOR - Como subiu! Dobrou o valor... LUIS - Dobrou. É porque tá acabando. Por isso que eu falei... Às vezes, a pessoa faz um melhor negócio numa casa, né? VITOR - Hã! LUIS - Os terrenos aqui... É, ó... Eu tenho de 833, que não são bons... Já vou lhe falando... VITOR - Hum! LUIS - (Incompreensível) multo aclive, né? VITOR - Sim, sei... LUIS - Então, ali, realmente, o senhor economiza no terreno, mas gasta na construção, né? Os outros lá, tá de 900 até 1.400 o metro... VITOR - Caramba! Eu comprei... Eu comprei... LUIS - Entre 1.000 e 1.400. VITOR - Eu comprei esse terreno da Piava... LUIS - Hã! VITOR - ... Em 2007. LUIS - 6 anos atrás... VITOR - No começo de 2007. Eu paguei 6500 m 2 e é terreno de esquina... O terreno normal... LUIS - Se o senhor corrigir isso daí em 6 anos, também não vai dar muita diferença não. VITOR - É, né? O terreno normal, na época, tava 550 o metro. Quer dizer, dobrou, né? LUIS - É... Dobrou. VITOR - Dobrou em 6 anos. Ocorre que, embora se saiba que VITOR ocultou a propriedade do referido imóvel registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA), o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006 (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Quanto à residência situada no terreno, construída, ao que tudo indica, nos meses e/ou anos subsequentes (vide imagem à fl. 144 – ID 270552800), observa-se que a Matrícula do imóvel não a menciona e que a Corregedoria da Receita Federal apurou, a esse respeito, tão-somente o seguinte (fl. 144 – ID 270552800): Nota-se que nas DIRPF originais de 2007 a 2011 a Sra. IZA e o Sr. DARCY informaram a propriedade de 50% de um terreno à Al. Piava, 248 (...), em conformidade com o informado na DOI. Todavia, a partir da entrega das DIRPF retificadoras, transmitidas pelo IP SUSPEITO no ano de 2011, passou a constar que a Sra. IZA e o Sr. DARCY tinham a propriedade, cada um, de 50% de uma casa à Al. Piava, 248 (...). Ora, se a informação do cartório somente mostra a compra de um terreno e no local atualmente há uma casa, ela deve ter sido construída naquele terreno após a compra (...). Ora, apesar de, a partir das informações supramencionadas, ser possível extrair que a aludida residência foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos acostados às fls. 03/11 do ID 270552810, p. ex., revelam que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto (vide relatórios às fls. 04/55- ID 170518579 e fls. 53/71 - ID 170518766); a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013 (fls. 03/38 – ID 170518764). De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. Em outras palavras, o aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Caso o desvalor da conduta de ocultar/dissimular produto de ilícito penal (lavagem) não esteja abrangido pelo desvalor do recebimento (indireto) da vantagem indevida (oriunda da corrupção passiva), não se cogitará da aplicação do princípio da consunção. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Válido, nesse passo, destacar o seguinte trecho da fundamentação da r. sentença (fls. 134/165 - ID 170518759): O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada (...) – grifo nosso. Reitere-se que o fato de existir eventual coincidência temporal entre o recebimento da propina (oriunda do crime de corrupção) e a implementação de atos autônomos de lavagem, “não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem” (nesse sentido: STF, Segunda Turma, HC n.º 165.036/PR, Rel. Min. Edison Fachin, Julg. em 19.04.2019, Dje de 10.03.2020). Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. DOLO RELACIONADO ÀS CORRÉS IZA E EDILAINE. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese, ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), pois as apelantes não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682). É certo que, para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Cabe consignar, ainda, que o dolo (elemento integrante da tipicidade) não se confunde com a potencial consciência da ilicitude (elemento integrante da culpabilidade), bem como que a ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. Assim sendo, para que se cogite de condenação pelo delito de lavagem de dinheiro, deverá o agente, ao realizar quaisquer das ações nucleares do tipo, ter pleno conhecimento de todos os elementos que compõem a figura típica (o que inclui o conhecimento de que valores ocultados/dissimulados têm origem ilícita), sob pena de, eventualmente, se verificar a ocorrência de "erro de tipo", no caso, p. ex., de haver falsa percepção sobre a natureza (lícita ou ilícita) do recurso ocultado/dissimulado (hipótese em que se falará em exclusão do dolo). No caso concreto, entretanto, não se vislumbra ter havido, quer por parte de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH quer por parte de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, equivocado conhecimento sobre quaisquer elementares e/ou circunstâncias que integram a figura típica da lavagem, não se havendo de falar, pois, em erro de tipo. É certo que o fato de existir um ‘laranja’ se relacionando com bem proveniente de infração penal não torna, automaticamente, qualquer conduta do beneficiário desses ativos típica de lavagem de dinheiro, e nem significa que a conduta do ‘laranja’ será objetivamente típica. Afinal, o tipo penal em questão não incrimina a conduta de usar terceiros em seu nome para registrar ativos (in CAMPANA, Felipe Longobardi, e SILVA FILHO Sérgio Quintão, Responsabilização penal da figura do ‘laranja’ pelo delito de lavagem – parte 1 – https://www.conjur.com.br/2024-out-28/reflexoes-sobre-a-responsabilizacao-penal-da-figura-do-laranja-pelo-delito-de-lavagem-parte-1/ – acesso em 03.06.2025). Ocorre que, não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682), esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Frise-se, em especial, que: ficou demonstrado que VITOR não se limitava a abrir contas bancárias em nome das corrés (o que, ao que tudo indica, ocorria com a conivência delas, já que não há qualquer indício de falsificação de procuração, p. ex.), mas também costumava transmitir, em nome de ambas, declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), sendo razoável supor que isto ocorria, também, com o conhecimento delas. Consta dos autos, p. ex., que EDILAINE teria informado, em uma dessas declarações (DIRPF 2012), ter recebido o montante de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) a título de indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho, FGTS (rendimento isento), embora não exercesse nenhuma atividade remunerada, o que indica que ela sabia sobre a necessidade de “camuflar” a origem ilícita dos recursos por ela declarados à Receita Federal. Em relação à corré IZA, chega-se à mesma conclusão, pois, segundo se apurou, DARCY e IZA declararam, entre os anos de 2006 e 2011, terem recebido o montante de R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) a título de rendimentos de pessoa física, sem, contudo, demonstrarem a origem desses valores. ficou evidenciado que, na condição de familiares do auditor fiscal (VITOR), as corrés usufruíram, direta ou indiretamente, de status econômico-financeiro incompatível com a renda legitimamente aferida por VITOR (genro e ex-marido das corrés). Recibos de gastos apreendidos durante busca e apreensão realizada na residência de EDILAINE (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes) revelaram que esta corré gozava de um padrão (financeiro) de vida privilegiado, com gastos elevados. Em diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51, ambos mencionam, p. ex., que EDILAINE (“Tuca”) estaria “indo pra Miami”, bem como que EDILAINE costumava “gastar” muito dinheiro (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? (...) VITOR - Não sei se você sabe, a TUCA tá indo pra Miami hoje à noite. DARCY - Meu Deus do céu! É? VITOR - É, ela vai... DARCY - E as crianças? Vai ficar com quem? VITOR - Então, ela vai ficar fora uma semana e eu vou então lá pra Alphaville hoje. Eu vou ficar lá uma semana. DARCY - Ah, você vai ficar lá? VITOR - Vou... DARCY - Ainda bem, meu! Sabe o que eu pensei? Que ela ia pra lá e ia largar as crianças na mão da... Da IZA lá... Porque eu liguei pra lá agora, ela atendeu e me atendeu muito mal. Mandei chamar a IZA e ela me atendeu mal, sabe? VITOR - Hamhamm! DARCY - Ia só falar com a IZA, aí eu peguei e desliguei. Não dá pra conversar com ela. VITOR - É, então assim... Se você quiser ir pra lá, você pode ir. DARCY - Quando? VITOR - Não, quando você quiser! Qualquer dia... Eu vou tá lá. DARCY - Ela vai hoje e vai voltar quando? VITOR - Só volta na outra quinta-feira. DARCY - Nossa Senhora! Gasta dinheiro, né? VITOR - (Risos)... DARCY - Você paga, né? VITOR - Tô achando bom. Vou ficar uma semana com as crianças. DARCY - Legal, né? VITOR - Pra mim tá ótimo! (...). durante a execução de mandado de busca e apreensão (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes), cumprido em data em que VITOR e EDILAINE já estavam separados de fato e, portanto, morando em residências distintas, foram apreendidos diversos cheques oriundos de propina, isto é, cheques emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina”, sendo que, boa parte desses cheques foi encontrada na residência de EDILAINE, fato que reforça a convicção de que EDILAINE aderiu, conscientemente, ao comportamento criminoso de “lavar” a propina recebida por seu ex-marido (VITOR). Destaque-se que, nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. A propósito, confira-se: (...). Firmada a materialidade do crime de lavagem, resta analisar o elemento subjetivo. Questão que se coloca é a da efetiva ciência dos beneficiários quanto à procedência criminosa dos valores recebidos e à possibilidade do dolo eventual. O dolo eventual na lavagem significa, apenas, que o agente da lavagem, embora sem a certeza da origem criminosa dos bens, valores ou direitos envolvidos quando pratica os atos de ocultação e dissimulação, tem ciência da elevada probabilidade dessa procedência criminosa. Não se confundem o autor do crime antecedente e o autor do crime de lavagem, especialmente nos casos de terceirização da lavagem. O profissional da lavagem, contratado para realizá-la, pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o conhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o serviço realizado e não tem motivos para revelar os seus segredos, inclusive a procedência criminosa específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional. A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio. Assim, parece-me que não admitir a realização do crime de lavagem com dolo eventual significa na prática excluir a possibilidade de punição das formas mais graves de lavagem, em especial a terceirização profissional da lavagem. O caso presente ilustra essa hipótese, pois houve, no caso do PP e do PL, a contratação de empresas financeiras que lavaram o numerário repassado pelas contas das empresas de Marcos Valério de uma forma bastante sofisticada. Ainda que tivessem ciência da elevada probabilidade da procedência criminosa dos valores lavados, é difícil, do ponto de vista probatório, afirmar a certeza dos dirigentes dessas empresas quanto à origem criminosa dos recursos. Sem admitir o dolo eventual, revela-se improvável, em regra, a condenação dos lavadores profissionais. O tipo do caput do art. 1º da Lei 9.613/1998, de outra parte, comporta o dolo eventual pois, em sua literalidade, não exige elemento subjetivo especial, como o conhecimento específico da procedência criminosa dos valores objeto da lavagem. Essa interpretação encontra apoio expresso no item 40 da Exposição de Motivos n.º 692/1996: ‘Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1º, §1º, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou dissimulação da utilização de bens, direito ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo’. A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito. Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro. Na hipótese sub judice, há elementos probatórios suficientes para concluir por agir doloso - se não com dolo direto, pelo menos com dolo eventual (...) – grifo nosso. (STF, Plenário, AP n.° 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 17.12.2012, Public. em 22.04.2013, páginas 1.271/1.273 do Acórdão) Também o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento relacionado à prática do delito de lavagem de dinheiro, já asseverou que a denominada teoria da cegueira deliberada, criação doutrinária e jurisprudencial, preconiza que é possível a condenação pelo crime de lavagem de capitais, ainda que ausente o dolo direto, sendo admitida a punição a título de dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos, a saber, que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento da intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer, quando teria plenas condições de investigar a proveniência ilícita dos bens (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp n.° 1.793.377/PR – 2019/0020620-1, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Julg em 15.03.2022, DJe de 31.03.2022). Em suma, ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos ora apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, cada qual pela prática do delito de lavagem de dinheiro por uma vez (nos termos estabelecidos pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus). INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. Os crimes de lavagem de dinheiro em questão foram praticados por uma pluralidade de agentes, os quais agiram em convergência de vontades (vínculo subjetivo) para a realização de um mesmo tipo penal (unidade delitiva). Trata-se, assim, de hipótese de concurso de pessoas, em que a punição dos envolvidos pode, em tese, variar em função da posição e/ou teoria que, porventura, se adote, especialmente no que diz respeito aos critérios de distinção entre autor e partícipe e à sua punibilidade. As corrés EDILAINE e IZA requereram, em suas razões de Apelação, o reconhecimento de que não teriam atuado como coautoras, mas sim como partícipes de menor importância. Para uma melhor compreensão do tema, cabe sintetizar, brevemente, duas teorias que, baseando-se em critérios de distinção entre autoria e participação, relacionam-se à punibilidade daqueles que praticam crimes em concurso de pessoas, quais sejam: i) teoria monista e ii) teoria dualista. Teoria monista (ou unitária), de acordo com a qual todos os agentes que, de algum modo, contribuíram, em concurso, para o resultado criminoso, deverão, obrigatoriamente, responder pelo mesmo delito. Trata-se de corrente que se aproxima da teoria material-objetiva, pautada no critério subjetivo-causal (equivalência das condições), segundo a qual qualificam-se como autores todos aqueles que, independentemente de praticarem ou não o verbo descrito no tipo penal, contribuem dando causa, de algum modo, mesmo que em graus diferentes, à produção do resultado criminoso. Em suma, trata-se de teoria que se abstém de qualquer diferenciação entre as figuras de autor e partícipe. Para a corrente monista pura, todos os indivíduos que, causalmente e em equivalência de condições, concorrerem para a prática do crime serão, objetivamente, denominados autores (conceito extensivo de autor), podendo haver, somente a posteriori, no momento da fixação da pena, a atribuição de causas limitadoras da punibilidade para “autores de menor relevância”, em função de sua culpabilidade (princípio da individualização da pena). Teoria dualista, a qual sugere a aplicação de tipos penais diversos para autores e partícipes, identificando como autor aquele que pratica (integral ou parcialmente) a ação central tipificada (verbo da conduta criminosa) e como partícipe aquele que pratica ações acessórias, contribuindo para a realização do crime, isto é, auxiliando materialmente ou induzindo/instigando moralmente o autor. Trata-se, pois, de corrente que se apoia nos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria formal-objetiva, segundo a qual qualificam-se como autores apenas aqueles que executam, integral ou parcialmente, a ação legalmente tipificada, bem como qualificam-se como partícipes aqueles que, sem praticar o núcleo do tipo, contribuem para a realização do crime, quer prestando algum tipo de auxílio material ao autor, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Nesse contexto, os autores serão os agentes (executores) principais, enquanto os partícipes serão agentes meramente secundários, para os quais haverá uma previsão típica distinta. Cumpre esclarecer que, no âmbito do direito penal brasileiro, diferentemente do que ocorre em países como a Alemanha, p. ex., não há, no plano da Lei, uma distinção conceitual analítica clara entre autoria e participação. Os artigos 29, 30 e 31 do Código Penal Brasileiro assim dispõem: Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) A leitura isolada do caput do artigo 29 pode, em princípio, levar à conclusão de que todo aquele que se insere na cadeia causal de um crime deve, invariavelmente, ser qualificado como autor, nos moldes do que preceitua a teoria monista (ou unitária) pura, para a qual não há distinção entre autor e partícipe, ficando a quantificação da responsabilidade postergada para o momento da aplicação da pena, em função da culpabilidade de cada agente. Contudo, os dizeres dos parágrafos do artigo 29 e dos artigos 30 e 31 do Código Penal Brasileiro afastam a conclusão de que o legislador pátrio teria adotado um sistema unitário puro, apontando para a adoção de uma espécie de sistema unitário temperado (ou moderado), em que, ao mesmo tempo em que se determina, como regra, a imputação de um único crime aos agentes que agem em concurso (nos moldes do que propõe a teoria monista), faz-se, também, alusão aos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria dualista, conjugando-se, assim, ambas as teorias. Em outras palavras, não obstante tenha-se, como regra, que um único crime deve ser imputado a todos os agentes concorrentes (unidade delitiva), admite-se, a depender do grau de relevância causal da conduta praticada pelo agente, que a ele seja atribuída a condição de mero partícipe, e não, necessariamente, de autor/coautor, o que poderá lhe acarretar consequências mais brandas, caso, p. ex., sua participação seja identificada como de menor importância (inteligência do §1° do art. 29 do CP) ou, ainda, caso seja identificado um desvio subjetivo de conduta (inteligência do § 2° do art. 29 do CP). Nesse cenário, a distinção conceitual entre autor e partícipe ganha relevância, não apenas para fins de se quantificar a pena, mas, inclusive, para fins de se determinar, nos casos concretos, a própria extensão da norma proibitiva. Pois bem. Conforme já se asseverou, o Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Ocorre que, na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. DOSIMETRIA. O cálculo da pena deve atentar-se aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar-se à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi incialmente condenado pela prática dos delitos de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas), peculato eletrônico (por 8 – oito – vezes, referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, referentes à 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) e lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez). No corpo do presente voto, reconheceu-se, de ofício, a ocorrência de prescrição em relação às condutas de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, bem como foram mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática dos delitos de: corrupção passiva, por 3 – três – vezes (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; corrupção passiva qualificada, por 2 – duas – vezes (referentes às 2ª e 7ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; peculato eletrônico, por 8 - oito – vezes, tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. lavagem de dinheiro, por 1 – uma – vez, tendo sido a pena fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. Inicialmente, no tocante ao delito de corrupção passiva qualificada cumpre tecer algumas breves considerações. No crime de corrupção passiva qualificada, o juiz deveria ter partido da pena-base de 2 anos, que acrescida do aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas (sendo que cada uma ensejaria o aumento de 1/12 sobre a pena mínima), resultaria na pena-base de 2 anos e 6 meses de reclusão. Nada havendo a ser valorado na segunda fase da dosimetria e devendo ser reconhecida na terceira fase da dosimetria somente a causa de aumento de 1/3, a pena final deveria perfazer o total de 3 anos e 4 meses de reclusão. Todavia, partiu-se de uma pena-base de 2 anos e 8 meses, pois considerou o aumento previsto no artigo 317, § 1º, do CP, logo na primeira fase da dosimetria. Posteriormente, promoveu-se o aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas, perfazendo a pena de 3 anos e 4 meses, que se tornou definitiva em razão da ausência de critérios da segunda e terceira fases a serem considerados. Assim, como o procedimento levado a efeito pelo juiz não resultou em qualquer prejuízo ao réu, não há necessidade de qualquer reparo quanto à sistemática utilizada para o cálculo da pena do crime de corrupção passiva qualificada. Na primeira fase da dosimetria, foram valorados negativamente, para esses crimes (corrupção, peculato eletrônico e lavagem), três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime). Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VITOR tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fls. 145, 147, 149 e 153 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fls. 145, 147, 150 e 153 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas de corrupção e peculato eletrônico perpetradas por VITOR (auditor fiscal) apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de servidor lotado no setor de “malha fina” (Defis/SP/Sevic/Eqac) da Receita Federal, VITOR era, justamente, um dos responsáveis pela análise e/ou conferência dos dados (falsos) inseridos nas declarações de Imposto de Renda fraudulentamente “liberadas” por ele. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve, portanto, excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo auditor fiscal, justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de corrupção e peculato eletrônico. Quanto à prática do delito de lavagem de dinheiro, contudo, tem-se que o cargo ocupado por VITOR (auditor fiscal lotado no setor de “malha fina” da Receita Federal) não foi, diretamente, utilizado para viabilizar ou facilitar o crime. Em outras palavras, não se vislumbra conexão objetiva entre a função pública exercida por VITOR e o modo pelo qual se deu a prática criminosa da lavagem, razão pela qual a valoração negativa do vetor “culpabilidade” deve ser afastada. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” para os delitos de corrupção passiva, corrupção passiva qualificada e peculato eletrônico, bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, pois tais motivos teriam sido “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146, 147, 150 e 153 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção, o peculato eletrônico e a lavagem de dinheiro sejam crimes contra a Administração Pública e/ou contra a Ordem Econômica, é inegável que todos esses delitos, guardadas as suas peculiaridades (qualificação do agente como servidor público, p. ex.), possuem, também, características de crimes contra o patrimônio, isto é, envolvem expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base dos delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para os delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem. Do quantum a ser majorado. O quantum de majoração correspondente a cada circunstância judicial tida como desfavorável deve mostrar-se adequado à prevenção e reprovação do crime, não se limitando a cálculos aritméticos ou percentuais pré-estabelecidos, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA DOMICILIAR. JUSTA CAUSA OBSERVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. (AgRg no REsp 143.071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). Isso significa que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.595.884/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) No caso em questão, justificar-se-ia, em princípio, a exasperação da pena-base em patamar ainda mais elevado do que o adotado pelo r. juízo a quo. Contudo, em face da ausência de recurso ministerial, não se há de falar em modificação da fração de aumento fixada pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus. Em face do parcial provimento ao apelo de VITOR, as penas-base ficam assim estabelecidas: corrupção passiva: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva (art. 317, caput, do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. corrupção passiva qualificada: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva qualificada (art. 317, §1°, do CP) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa; peculato eletrônico: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. lavagem de dinheiro: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Não houve alteração desses patamares nas segunda e terceira fases da dosimetria, de modo que as penas definitivas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH ficam estabelecidas em: 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos três delitos de corrupção passiva a ele imputados; 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos dois delitos de corrupção passiva qualificada a ele imputados; 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos oito delitos de peculato eletrônico a ele imputados. 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa para um delito de lavagem a ele imputado. Concurso Material x Continuidade Delitiva. Em relação aos delitos de corrupção (três delitos de corrupção passiva e dois delitos de corrupção passiva qualificada) pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 26.03.2013, 08.04.2013, 16.04.2013 – por duas vezes - e 25.04.2013), observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra do concurso material de crimes (inteligência do art. 69 do Código Penal), somando, portanto, as penas a ele imputadas. Já em relação aos oito delitos de peculato eletrônico pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013) observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra da continuidade delitiva, incidindo, portanto, a pena de um dos crimes aumentada de 2/3 - dois terços – fl. 151 – ID 170518759 (inteligência do art. 71 do Código Penal) Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR requereu o reconhecimento da hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, nos moldes do que ocorreu em relação aos crimes de peculato eletrônico. Pois bem. Para a caracterização de crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O artigo 71, caput, do Código Penal assim dispõem: Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (grifo nosso). Ocorre que, no caso concreto, verificou-se a ocorrência de reiteração (ou habitualidade) criminosa, já que as provas amealhadas no curso da “Operação Publicano” revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria adotado, ao longo de anos, como modus vivendi, a prática de fraudar o sistema de arrecadação de imposto de renda da Receita Federal do Brasil, especialmente por meio do cometimento de delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico. In casu, portanto, deve-se considerar que, apesar de haver pluralidade de ações da mesma espécie com modus operandi semelhante, as condutas criminosas foram autônomas e isoladas, cada fato subsumindo-se à norma de maneira singular, sem que o primeiro crime seja causa do segundo, razão pela qual agiu bem o r. juízo a quo ao afastar a hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, fazendo incidir a regra do concurso material. Frise-se que, embora o mesmo raciocínio devesse ser aplicado aos delitos de peculato eletrônico praticados por VITOR, não se há de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Com efeito, não se deve confundir reiteração (ou habitualidade) criminosa com continuidade delitiva. Unificar a pena neste caso significaria um incentivo a esse tipo de comportamento reprovável de eleger a criminalidade como modus vivendi. A ficção jurídica do delito continuado se caracteriza, essencialmente, a partir de uma forma de "prosseguimento ou desdobramento da mesma conduta delituosa", o que é diferente de se praticar uma série de crimes isolados de semelhante espécie. Nesse sentido, já se posicionaram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME CONTINUADO. NECESSIDADE DE PRESENÇA DOS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. REITERAÇÃO HABITUAL. DESCARACTERIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Para a caracterização do crime continuado faz-se necessária a presença tanto dos elementos objetivos quanto subjetivos. 2. Constatada a reiteração habitual, em que as condutas criminosas são autônomas e isoladas, deve ser aplicada a regra do concurso material de crimes. 3. A continuidade delitiva, por implicar verdadeiro benefício àqueles delinqüentes que, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar de execução, praticam crimes da mesma espécie, deve ser aplicada somente aos acusados que realmente se mostrarem dignos de receber a benesse. 4. Habeas corpus denegado. (STF, 2ª Turma, Habeas Corpus n.° 101049, Rel. Ellen Gracie, Julg. 04.05.2010) HABEAS CORPUS. AÇÕES PENAIS. CONDENAÇÕES. CONTINUIDADE DELITIVA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. UNIFICAÇÃO DA REPRIMENDA. REQUISITOS DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. NÃO PREENCHIMENTO. AUSÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. REITERAÇÃO DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva). 2. Constatada a reiteração criminosa, e não a continuidade delitiva, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado. 3. A via estreita do habeas corpus é inadequada para um maior aprofundamento na apreciação dos fatos e provas constantes nos processos de conhecimento para a verificação do preenchimento das circunstâncias exigidas para o reconhecimento da ficção jurídica do crime continuado. Precedentes desta Corte Superior. 4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 128.663 - SP, Julg. em 05.08.2010, Rel. Jorge Mussi, DJe de 13.09.2010) Com tais considerações, mantém-se o reconhecimento da hipótese de concurso material para os delitos de corrupção (corrupção passiva e corrupção passiva qualificada). Fixa-se, pois, para os delitos de corrupção praticados por VITOR a pena definitiva de 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa. Quanto aos delitos de peculato eletrônico, no entanto, observa-se que a r. sentença aplicou a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. No que diz respeito à fração de pena a ser aumentada nas hipóteses de continuidade delitiva, é sabido que a Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos. Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 8 (oito) delitos de peculato eletrônico (em 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013), conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 2/3 (dois terços). Fixa-se, pois, para os oito delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia), bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). As penas definitivas ficam fixadas em: 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa para os delitos de corrução passiva e corrupção passiva qualificada (em concurso material); 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa para os delitos de peculato eletrônico (em continuidade delitiva); 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para o delito de lavagem de dinheiro. A soma dessas penas totaliza 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. VAGNER FABIANO MOREIRA VAGNER FABIANO MOREIRA foi incialmente condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta) e pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida, no bojo da própria sentença, a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição. Em relação ao delito de corrupção ativa (6ª conduta), foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VAGNER tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 155 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por VAGNER apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 155 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 156 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial tida como desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por VAGNER FABIANO MOREIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA foi condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MÁRCIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 159 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por MÁRCIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 159 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 159 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. EDSON FERREIRA DA SILVA EDSON FERREIRA DA SILVA foi condenado pela prática, por duas vezes, de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de EDSON (médico) tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 161– ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Diferentemente dos demais corréus, EDSON não se tratava de um contador (intermediário), mas sim de um contribuinte (médico) que, a fim de reduzir o imposto de renda a pagar, atuou em conjunto com o auditor fiscal VITOR, contatando-o diretamente, para inserir dados falsos no sistema da Receita Federal, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão, por parte de EDSON, a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que os crimes teriam sido praticados para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 161 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 161 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que as pena-bases dos delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticados por EDSON FERREIRA DA SILVA devem ser reduzidas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por EDSON, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 2 (dois) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/6 (um sexto). Fixa-se, pois, para os dois delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos dois delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de FÁBIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 163 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 163– ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por FÁBIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 163 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 163 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA JOSÉ CARLOS SIQUEIRA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de JOSÉ CARLOS tratar-se de “pessoa esclarecida, consultor de vendas” (fl. 165 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que JOSÉ CARLOS desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 165 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 165 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por JOSÉ CARLOS SIQUEIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. CLEIDE MARIA RIBEIRO CLEIDE MARIA RIBEIRO foi condenada pela prática, por três vezes, do delito de peculato eletrônico (5ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de CLEIDE tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 166 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ela, pela profissão que exercia, a de contadora, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fls. 166/167 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas perpetradas por CLEIDE apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contadora, ela tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pela contadora (exercício abusivo da profissão de contadora), justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 167 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 167 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por CLEIDE MARIA RIBEIRO deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por CLEIDE, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 3 (três) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/5 (um quinto). Fixa-se, pois, para os três delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos três delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MAURO SERGIO ARANDA MAURO SERGIO ARANDA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MAURO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 168 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, MAURO SERGIO ARANDA atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que MAURO desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 168 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fls. 168/169 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por MAURO SERGIO ARANDA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES E EDILAINE LOPES SZWARCTUCH IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra do auditor-fiscal VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa do auditor-fiscal VITOR) foram condenadas pela prática de um delito de lavagem de dinheiro. Foram valorados negativamente dois vetores (motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada uma dessas corrés estabelecida em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, para ambas as acusadas, porque “os motivos foram puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos pelo ex-marido” (ou pelo genro) e “amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 170 e 173 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o bem jurídico protegido pelo tipo penal seja a Ordem Econômica, é inegável que a lavagem de dinheiro possui, também, característica de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA e EDILAINE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a ambas. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto para a Administração da Justiça e para a economia na medida em que dificultaram a apuração de enriquecimento ilícito de servidor público, em como reintroduziram na economia, sob o simulacro de licitude, recursos provenientes de infrações criminais” (fls. 170 e 173/174 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR (ex-marido e genro das acusadas), esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base correspondentes às condutas de lavagem perpetradas por IZA e EDILAINE, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. A propósito, a jurisprudência já se posicionou no sentido de que, nos crimes de lavagem, é legítima a valoração negativa das consequências do crime em decorrência da movimentação de expressiva quantia de recursos envolvidos que extrapole o elemento natural do tipo. Nesse sentido, confira-se: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIME ANTERIOR DE PECULATO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. (...). 2. Na espécie, o paciente foi condenado a 6 (seis) anos e 9 (nove) meses, pela prática do crime de lavagem de dinheiro, conforme tipificado no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/1998, com redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 12.683/2012, na forma do art. 71 do Código Penal (seis vezes). 3. Os impetrantes se voltam contra a pena-base fixada pelo Tribunal de origem em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão - acima do limite mínimo de 3 (três) anos previsto no preceito secundário do tipo penal violado -, haja vista a valoração negativa dos motivos, das circunstâncias e das consequências do crime. MOTIVOS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. REELEIÇÃO PARA O CARGO DE GOVERNADOR. PODER ECONÔMICO ORIUNDO DE PRÁTICAS ILÍCITAS. DETURPAÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ELEMENTOS TRANSCENDENTES AO TIPO PENAL VIOLADO. 1. A valoração negativa dos motivos do crime apresenta razões adequadas, uma vez que o intuito do agente não foi o de simplesmente branquear um proveito financeiro advindo de crime anterior para assim usufruir dos valores. O mote também está no desvirtuamento do processo eleitoral, trazendo obscuridade à vontade livre do eleitor, diante da intenção do paciente em reeleger-se para o cargo que ocupava à época, justificativa que se mostra apta ao aumento procedido. Precedentes. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. COMPLEXIDADE DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS. MESCLA DE CAPITAIS LÍCITOS E ILÍCITOS. INVERSÃO NA ORDEM DOS ESTÁGIOS DE BRANQUEAMENTO. ELEVADO GRAU DE REFINAMENTO. REPROVAÇÃO JUSTIFICADA. 1. A maior complexidade das transações financeiras empreendidas pelo paciente e pelos demais corréus na execução dos delitos, dado objetivamente aferido e assinalado pela instância ordinária a partir da interpretação realizada sobre o contexto fático-probatório disponível, constitui argumento eficaz para negativar as circunstâncias do crime. 2. O Tribunal a quo, sem descurar do ciclo normal da lavagem de capitais, considerou mais elevado o grau de refinamento da estratégia idealizada e colocada em prática na execução do crime, inclusive com a mescla de capitais de origem lícita com os de fonte ilícita, bem como com a inversão na ordem dos estágios de branqueamento. Por isso classificou com maior gravidade o modus operandi da infração penal. 3. Não há constrangimento ilegal, haja vista que o distinto grau de sofisticação nos atos específicos de lavagem de capitais justifica a reprovação em face das circunstâncias sob as quais o crime foi praticado. Precedentes. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO VOLUME DE RECURSOS MOVIMENTADOS EM OPERAÇÃO DE LAVAGEM DE CAPITAIS. AUMENTO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. 1. A instância ordinária considerou expressiva a repercussão econômica do crime, que colocou em processo de branqueamento R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), no segundo semestre do ano de 1998, valores que, meramente atualizados, representariam aproximadamente R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais) nos dias de hoje. 2. O grande volume de recursos envolvidos na lavagem de capitais extrapola o elemento natural tipo e constitui razão idônea à majoração da pena-base, visto que, em tal espécie de delito, ‘a elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria’ (AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017). 3. Habeas corpus do qual não se conhece. (STJ, Quinta Turma, HC 518882/MG, Rel. Jorge Mussi, Julg. em 11.02.2020, Dje de 21.02.2020) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. VALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. INEXISTÊNCIA. TRADUÇÃO. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS. NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. LAVAGEM DE CAPITAIS. AUTORIA E MATERIALIDADE. SÚMULA 7/STJ. MOVIMENTAÇÃO DE ELEVADA QUANTIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. ‘A fundamentação per relacionem constitui medida de economia processual e não malfere os princípios do juiz natural e da fundamentação das decisões’. (REsp 1.443.593/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015). 2. Não há ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, na medida em que, da simples leitura do acórdão recorrido, constata-se que as questões apontadas como não enfrentadas foram examinadas e decididas fundamentadamente. 3. Conforme precedente do STF, ‘a tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro só deverá ser realizada se tal providência tornar-se absolutamente "necessária", nos termos do que dispõe o art. 236 do Código de Processo Penal’. (Inq 4146, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2016). 4. ‘No Processo Penal, é imprescindível quando se aventa nulidade de atos processuais a demonstração do prejuízo sofrido em consonância com o princípio pas de nullité sans grief’. (AgRg no HC 396.203/SC, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017). 5. Rever autoria e materialidade do crime de lavagem de capitais, conforme pleiteado no recurso demandaria, necessariamente, reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ. 6. A elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria. Precedente. 7. Agravo regimental parcialmente conhecido, e nessa parte, desprovido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Julg. em 26.09.2017, Dje de 06.10.2017) Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para ambas as acusadas. Do quantum a ser majorado. Observa-se que, em relação a VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (co-autor dos delitos de lavagem praticados por IZA e EDILAINE), o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (culpabilidade, motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Em relação às apelantes (IZA e EDILAINE), entretanto, o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/8 (um oitavo), equivalente a 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Disto resultou a fixação de pena idêntica para os três corréus (de 3 – três - anos e 9 – nove - meses de reclusão e 14 – quatorze - dias-multa), apesar de, para VITOR, ter havido a valoração negativa de uma circunstância judicial a mais (culpabilidade). A fim de se corrigir essa discrepância, determina-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, manteve-se, para IZA e EDILAINE, apenas, a valoração negativa de um vetor (consequências do crime), conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) de cada uma dessas acusadas deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena de cada uma das apelantes para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade atribuída a cada uma dessas acusadas por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos (fls. 171 e 174 – ID 170518759). Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS E DA MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS. Observa-se que, no bojo da r. sentença, o r. juízo a quo decretou a perda, em favor da União, de alguns dos bens e/ou valores apreendidos/sequestrados no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), bem como fixou valor mínimo para a reparação dos danos, nos seguintes termos (fls. 182/183 – ID 170518759): DOS BENS APREENDIDOS Conforme a fundamentação apresentada acima, decreto em favor da União a perda dos seguintes bens: a) imóvel localizado em Alphaville, na Alameda Piava, 248, registrado formalmente em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (‘DARCY’) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (‘IZA’), como objeto de lavagem de capitais; b) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR AURELIO SZWARTUCH (‘VITOR’), EDILAINE LOPES SZWARTUCH (‘EDILAINE’), IZA e DARCY; c) dos valores bloqueados, no total de R$ 1.112.351,34 (R$ 818.588,66 + 108,97 + 1.009,03 + 40.662,26 + 212.744,71 + 39.237,71) em contas de titularidade dos acusados; d) dos valores bloqueados no montante total de R$ 1.615.720,02 (R$ 752.089,50 + 264.104,13 + 264.104,13 + 335.422,26) relativos a planos de previdência. Dos valores acima será deduzida a quantia correspondente a R$ 43.445,18, cujo levantamento foi autorizado, conforme comprova cópia trasladada às fls. 2956/2958. DO VALOR DO DANO Com fundamento no artigo 91, I, do Código Penal, combinado com o artigo 386, IV, fixo como valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), tomado como base, para estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fls.02/34 do apenso I, volume I). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA opôs, então, Embargos de Declaração alegando que a r. sentença teria sido omissa quanto aos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados em contas bancárias de titularidade de VAGNER. Alegou, na oportunidade, que, em face da mínima sucumbência deste corréu, ele faria jus ao levantamento do excesso dos valores constritos, isto é, ao levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. Ao apreciar os referidos Embargos Declaratórios, o r. juízo a quo assim decidiu (fls. 241/243 – ID 170518759): De fato, a sentença não faz menção ao bloqueio de R$ 135.897,95, decretado nos autos do pedido de busca e apreensão (fls. 337-338, 479-484, 551 dos autos da busca e apreensão). A decisão de sequestro foi explícita sobre o objeto da constrição dos bens: ‘suposto valor dos produtos/proveitos do crime e da eventual reparação dos danos (incluindo despesas processuais e penas pecuniárias)’ - fls. 336-v. Especificamente sobre VAGNER, a decisão consigna que a necessidade da constrição cautelar decorria da possibilidade de que VAGNER viesse a ‘se desfazer de seu patrimônio, impedindo, em caso de eventual condenação judicial, a reparação dos danos provenientes das práticas delituosas’ (fls. 338 - destaquei). Vê-se que houve estimativa apenas do valor da pena de multa, mas a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos. A sentença condenatória fixou o valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (fls. 3272-3273). O acusado foi condenado pela prática de corrupção que se relaciona aos danos arbitrados, razão pela qual os valores bloqueados devem ser utilizados para pagamento das custas e pena de multa, enquanto o saldo deve ser objeto de perda em favor da União para pagamento do dano arbitrado na sentença. (...) II) CONHEÇO dos embargos de declaração opostos por VAGNER e os ACOLHO, para sanar a omissão da sentença, que fica acrescida da fundamentação supra e do seguinte trecho no item ‘DOS BENS APREENDIDOS’ (fls. 3272): ‘e) do valor bloqueado no montante de R$ 135.897,95 em contas da titularidade de VAGNER, parte para pagamento das custas e pena de multa, sendo o restante destinado ao pagamento do dano fixado na sentença’. Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou ter havido reformatio in pejus, pois a perda dos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados não foi decretada no bojo da r. sentença, mas sim, tão-somente, na oportunidade em que o r. juízo a quo apreciou Embargos Declaratórios opostos pelo acusado. Reitera, pois, o pedido de que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, seja autorizado o levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. As defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, por sua vez, requereram o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome das apelantes” (fl. 204 – ID 170518682). Pois bem. Observa-se, primeiramente, que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fl. 183 – ID 170518759). Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Em outras palavras, a fixação de valor mínimo para a reparação de danos referentes aos fatos criminosos compreendidos pelo presente feito constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente, para a realização da necessária liquidação. Tal modulação excede os limites cognitivos desta seara criminal. Com tais considerações, determina-se, de ofício, o afastamento da condenação dos acusados a repararem o dano com base no valor mínimo de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), fixado pela r. sentença, tendo-se em vista que o valor mínimo para a reparação de danos constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. Como consequência, afasta-se, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, até que se apure, com precisão, o montante do dano a ser efetivamente reparado, ficando prejudicada, assim, a alegação da defesa de VAGNER no sentido de que teria havido reformatio in pejus. Frise-se que, não obstante se esteja aqui afastando o decreto de perda, em favor da União, dos bens e valores constritos até que se apure o montante efetivamente devido a título de reparação dos danos, as constrições efetivadas devem ser mantidas. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano causado pela prática dos delitos identificados no bojo do presente feito, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Assim, não se há de falar em levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER, já que, como bem asseverou o r. juízo a quo, a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos (fl. 241 – ID 170518759). Note-se que o art. 120 do Código de Processo Penal dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem ou valor, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso. Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, até mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um bem ou valor apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como condenado deve, obrigatoriamente, demonstrar a origem lícita do bem ou valor para que se cogite de seu direito a vê-lo restituído. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. Ante o exposto, vota-se por: afastar, de ofício, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; afastar, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos; julgar prejudicado o pedido, formulado pela defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA, de reconhecimento da ocorrência de reformatio in pejus; indeferir os pedidos de levantamento das constrições formulados pelas defesas de VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES. DISPOSITIVO. Ante o exposto, vota-se por: DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas. É o voto. E M E N T A PENAL E PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO PUBLICANO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CPP COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ARTIGOS 333 E 317, CAPUT, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. ART. 317, §1°, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. ART. 317, §2°, DO CP. PRESCRIÇÃO. PECULATO ELETRÔNICO. ART. 313-A DO CP. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. ART. 325 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI Nº 9.613/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO POR UM ÚNICO DELITO, A DESPEITO DE HAVER PLURALIDADE DE CONDUTAS, SOB PENA DE REFORMATIO IN PEJUS. CONCURSO MATERIAL ENTRE AS PRÁTICAS DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOLO. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DE ALGUMAS DAS CIRCUSTÂNCIAS JUDICIAIS. REDUÇÃO DAS PENAS. VALOR MÍNIMO FIXADO A TÍTULO DE REPARAÇÃO DE DANOS AFASTADO. DECRETO DE PERDA DE BENS E VALORES EM FAVOR DA UNIÃO POR ORA AFASTADO. MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS NO BOJO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR. No bojo da denominada “Operação Publicano”, investigou-se a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. Não se há de falar em nulidade da r. sentença por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. A valoração negativa do vetor culpabilidade fundamentou-se em razões distintas para cada corréu e, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), muito embora tenham sido feitas alusões semelhantes para todos os corréus, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, pois se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas pela Corregedoria da Receita Federal - ESCOR08 e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal - ESPEI) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). As interceptações telefônicas se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida, por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013. Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013. Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER, bem como solicita-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013. Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013, não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER. Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. O fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação. Não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. No tocante à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). A conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Frise-se, ainda, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes. Do diálogo interceptado, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. Embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de de um contribuinte e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de outra contribuinte, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte (médico). Muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. No tocante à 2ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Muito embora se pudesse cogitar, com base nas mensagens e diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de uma contribuinte. Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Muito embora se pudesse cogitar, com base nos diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. PRESCRIÇÃO. Declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada pelos quais havia sido condenado (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia), uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. PECULATO ELETRÔNICO. Para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. No tocante às 1ª e 2ª condutas de peculato eletrônico descritas na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. O Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas, revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções No tocante à 3ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de um contribuinte, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la. No tocante à 4ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF daquele contribuinte e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito. No tocante à 5ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs de três contribuintes, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais os referidos três contribuintes), é firme, com base nas trocas de mensagens interceptadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 dos referidos três contribuintes, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. No tocante à 6ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que um contribuinte teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração daquele contribuinte (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração desse contribuinte. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. PRESCRIÇÃO. Considerando que já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. LAVAGEM DE DINHEIRO. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: a) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; b) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; c) ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. A ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) constitui uma conduta autônoma de lavagem. In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente. Ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. O conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08, quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto ao imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, embora se saiba que VITOR ocultou sua propriedade registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA,) o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006, ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Ademais, apesar de, a partir das informações que constam dos autos, ser possível extrair que a residência situada no terreno foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos revelam, p. ex., que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: i) a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto; ii) a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013. De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. O aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. Para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito”, esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. Ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). O Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. Observa-se que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas. Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Trata-se de questão a ser dirimida no juízo cível competente. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181, ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. DECLARA-SE, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos. AFASTA-SE, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. AFASTA-SE, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos. DETERMINA-SE, porém, a manutenção de todas as constrições efetivadas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor culpabilidade em relação ao delito de lavagem de dinheiro; afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. FAUSTO DE SANCTIS Desembargador Federal
  6. Tribunal: TRF3 | Data: 22/07/2025
    Tipo: Intimação
    PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A Advogados do(a) APELANTE: MARCELA TERRA DE MACEDO - SP381227-A, RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Foram interpostas Apelações pelas defesas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 56 – ID 170518607 e fls. 207/256 - ID170518682), VAGNER FABIANO MOREIRA (fls. 59/85 - ID 170518607), MAURO SERGIO ARANDA (fl. 215 – ID 170518759 e fls. 57/61 - ID 170518682), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (fl. 218 - ID 170518759 e fls. 163/206 - ID 170518682), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (fl. 156 – ID 170518607 e fls. 163/206 - ID 170518682), EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (fl. 219 - ID 170518759 e fls. 263/301 - ID 170518682), FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (fl. 03 – ID 170518607 e fls. 86/93 - ID 170518607), MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (fl. 04 – ID 170518607e fls. 51/55 - ID 170518682), EDSON FERREIRA DA SILVA (fl. 05 - ID 170518607 e fls. 62/65 - ID 170518682), JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (fls. 06/17 - ID 170518607) e CLEIDE MARIA RIBEIRO (fl. 27 ID 170518607 e fls. 157/169 - ID 170518607), em face da r. sentença, proferida, em 10.05.2018 (fls. 58/184 – ID 170518759 e fls. 236/243 - ID 170518759), pelo Exmo. Juiz Federal Silvio Luis Ferreira da Rocha (10ª Vara Federal Criminal de São Paulo-SP), que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para: rejeitar parcialmente a denúncia, para todos os acusados, por inépcia, tão somente em relação às acusações de prática do delito de formação de quadrilha (associação criminosa), previsto no art. 288 do Código Penal (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013). condenar VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), nascido em 24.07.1962, pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), de dois delitos de corrupção passiva qualificada (2ª e 7ª condutas) e de três delitos de corrupção passiva (6ª, 8ª e 11ª condutas) – em concurso material; pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva; pela prática de quatro delitos de violação de sigilo funcional (1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) – em continuidade delitiva; e pela prática de um delito de lavagem de dinheiro, à pena de 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa; absolver VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), por insuficiência de provas, de duas acusações relacionadas à prática de corrupção passiva (3ª e 5ª condutas), de três acusações relacionadas à prática de corrupção passiva qualificada (9ª conduta) e de uma acusação relacionada à prática de violação de sigilo funcional (2ª conduta); absolver DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 02.07.1976, por insuficiência de provas, das acusações relacionadas à prática de três delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª e 4ª condutas), de um delito de corrupção ativa (3ª conduta) e de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), nascido em 12.04.1976, pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, bem como pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição; absolver VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) de acusação relacionada à prática de um delito de violação de sigilo funcional (2ª conduta); condenar MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), nascido em 04.11.1967, pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), nascida em 15.05.1958, pela prática, por três vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (5ª conduta), à pena de 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de três delitos de corrupção ativa (9ª conduta); condenar JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), nascido em 09.02.1963, pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 24.07.1981, pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar MAURO SERGIO ARANDA, nascido em 08.1.1969, pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), nascido em 03.10.1964, pela prática, por duas vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas), à pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), nascido em 01.06.1938, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), nascida em 24.06.1950, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), nascida em 29.08.1975, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se apurou a suposta existência de quadrilha (associação criminosa), em tese liderada pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializada em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros membros da quadrilha a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, VAGNER FABIANO MOREIRA, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, todos relacionados a escritórios de contabilidade, seriam, também, membros da agremiação criminosa e responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia a DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se apurou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. As condutas criminosas praticadas foram assim descritas, em síntese, na denúncia (fls. 03/38 – ID 170518764): CRIME DE QUADRILHA (art. 288 do CP, antes do advento da Lei n.° 12.850/2013). Narrou a exordial que, pelo menos desde o início de 2011 até o dia 16 de maio de 2013, VITOR, DENIS, VAGNER, MÁRCIO, CLEIDE, SIQUEIRA, DARCY, IZA e EDILAINE associaram-se, em quadrilha, com estabilidade e permanência, para o fim de cometer crimes contra a Administração Pública e de ‘lavagem’ de ativos financeiros (...) – fls. 04/05 – ID 170518764. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA (artigos 317 e 333 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP, por duas vezes): no dia 26.03.2013, às 21h43, por intermédio de mensagem SMS, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que suspendesse o processamento das DIRPFs de quatro contribuintes (“clientes”). Em razão disso, em 01.04.2013, às 12h04 e às 12h06, VITOR, cedendo a tal pedido, efetuou a suspensão da contagem dos prazos relativos às declarações (DIRPF-2012) de dois daqueles contribuintes (Luiz Cesar Nogueira e Andrea Bicudo Leite), ambas retidas em “malha fina”, não o fazendo no tocante aos demais contribuintes, porque estes não possuíam domicílio em São Paulo-SP. - 2ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS (contador), para si, diretamente, em razão de sua função, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luis Fernando, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. - 3ª Conduta - VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 10h48, por meio de trocas de mensagens via telefone celular, DENIS (contador) ofereceu o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a VITOR (auditor fiscal), para que este “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) da contribuinte Daiana. Em resposta, VITOR solicitou, como contrapartida, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), o que foi aceito por DENIS. - 4ª Conduta – VITOR e DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 23.04.2013, às 10h45, por meio de conversa telefônica, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) do contribuinte Chafik, retido em função de deduções com despesas médicas, tendo sido esse pedido prontamente atendido por VITOR. - 5ª Conduta - VITOR, DENIS E FÁBIO (prática de corrupção passiva com concurso de agentes – art. 317, caput, do CP): no dia 21.04.2013, às 14h53, DENIS e FÁBIO (contadores), previamente ajustados com unidade de desígnios e identidade de propósitos com VITOR (auditor fiscal), solicitaram, para eles e para VITOR, diretamente, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dos quais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) seriam destinados a VITOR, como contrapartida pela “liberação da malha fina” de duas declarações (DIRPF) relacionadas a pessoa conhecida como Hernan. - 6ª Conduta – VITOR E VAGNER (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 14h36, VAGNER (contador) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que a declaração (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador fosse “retirada da malha fina”, tendo sido a referida proposta aceita por VITOR. - 7ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula, o que foi feito no dia 17.04.2013, às 13h53, tendo sido a restituição da referida contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. - 8ª Conduta – VITOR E MÁRCIO (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput e 333, ambos do CP): no dia 25.04.2013, às 9h34, MÁRCIO (contador e advogado) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente no pagamento de valor a ser decidido pelo funcionário público, a fim de que este “liberasse da malha fina” as declarações (DIRPFs) dos contribuintes Emerson Favero e Lilian Martzioros, proposta esta que foi aceita por VITOR. Posteriormente, além de fornecer a MÁRCIO (contador) orientações sobre como elaborar as declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes, VITOR (auditor fiscal) informou que as declarações seriam retidas em “malha fina” e que cobraria R$ 10.000,00 (dez mil reais) para “liberar” a DIRPF de Emerson e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para “liberar” a DIRPF de Lilian. Durante a execução de mandado de busca e apreensão, as DIRPFs/2013 desses dois contribuintes foram apreendidas na residência de VITOR (auditor fiscal). - 9ª Conduta – VITOR E CLEIDE (prática de corrupção passiva qualificada e ativa – artigos 317, caput e §1º, e 333, ambos do CP): no dia 10.04.2023, às 13h45, CLEIDE (contadora), por intermédio de correio eletrônico, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagens indevidas consistentes em pagamentos de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e R$ 6.000,00 (seis mil reais), a fim de que ele “retirasse da malha fina” alguns clientes da contadora, dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide. No dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, VITOR (auditor fiscal) efetuou a “liberação da malha fina” das declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano, mesmo sem emissão de intimações aos contribuintes nem elaboração de dossiês eletrônicos e, no dia 12.06.2012, às 9h45, VITOR “liberou da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de Gerson Gomide. As declarações supracitadas apresentavam deduções elevadas a título de pagamentos de despesas médicas inidôneas ao Hospital Albert Einstein, expediente fraudulento que foi citado por CLEIDE (contadora) na mensagem eletrônica. - 10ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 22.03.2013, às 13h27, VITOR (auditor fiscal), por intermédio do sistema informatizado da Secretaria da Recita Federal, infringiu dever funcional ao alterar o conteúdo da declaração (DIRPF/2012) de Marina Andrade de Campos Maia, o que ocorreu porque VITOR cedeu ao pedido de Eduardo (funcionário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), que, em conversa interceptada no dia 22.03.2013, solicitou a VITOR (auditor fiscal) que efetuasse as alterações necessárias na DIRPF/2012 de Marina. A alteração consistiu na glosa de despesas médicas de R$ 4.251,50 (quatro mil, duzentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos), gerando liberação de restituição de imposto de renda em benefício de Marina. De acordo com a exordial acusatória, era prática comum VITOR elaborar ou modificar DIRPF a pedido de Eduardo, todas relacionadas com supostos funcionários públicos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 14 – ID 170518764). - 11ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva – art. 317, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 15h46, VITOR (auditor fiscal) solicitou a SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. CRIMES DE PECULATO ELETRÔNICO (art. 313-A do CP). - 1ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h07, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, mediante a afirmação (inverídica) de que EDSON teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2010). No dia 30.06.2010, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2010 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF, bem como “liberou-a da malha fina”, inserindo no sistema as informações mencionadas. Assim, em 01.03.2012, foi disponibilizada a EDSON restituição de imposto de renda no montante de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos). - 2ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h08, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, referentes à declaração (DIRPF/2011) desse contribuinte. No dia 12.05.2011, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2011 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF/2011, bem como “liberou-a da malha fina”, tendo sido disponibilizada a EDSON, em 01.03.2012, restituição de imposto de renda no montante de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos). - 3ª Conduta – VITOR E FÁBIO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 01.04.2013, às 12h18, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com FÁBIO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2010) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada, ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição de imposto de renda. Segundo consta, poucos dias depois, em 08.04.2013 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, sobre a referida liberação, demonstrando que ambos tinham conhecimento sobre ela. - 4ª Conduta VITOR E SIQUEIRA (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): nos dias 18.03.2013, às 15h11, e 19.03.2013, às 11h53, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com SIQUEIRA (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, a fim de “liberá-la da malha fina”, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Verificou-se, durante conversa interceptada no dia 26.03.2013, que SIQUEIRA (contador) perguntou a VITOR (auditor fiscal) sobre a situação da DIRPF de Marcelo, respondendo VITOR que já havia realizado a sua parte. - 5ª Conduta - VITOR E CLEIDE (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como em 12.06.2012, às 09h45, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com CLEIDE (contadora), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José, Olavo e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações. Após as declarações terem sido “liberadas da malha fina”, foram disponibilizadas, aos contribuintes, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.0800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Segundo consta, CLEIDE (contadora), por intermédio de e-mail enviado em 10.04.2013, prometeu pagamentos indevidos a VITOR para que este “retirasse” seus clientes da “malha fina” e aduziu que preencheria as DIRPFs 2013 da mesma forma que fez no ano passado, com exceção das declarações de Maria José, de Olavo e de Gerson Gomide (fls. 18/19 – ID 170518764), o que demonstra que VITOR e CLEIDE agiam em conjunto ao menos desde 2012. - 6ª Conduta – VITOR E MAURO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 26.04.2013, às 13h44, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com MAURO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à DIRPF/2012 de Henry Luis Fornitano, mediante a afirmação (inverídica) de que este teria comprovado as deduções constantes de suas declarações. Segundo consta, a referida DIRPF havia sido retida em “malha fina” em 10.04.2013 e, em 17.04.2013, MAURO relatou que havia pendência com lançamento referente ao Bradesco Saúde, oportunidade em que VITOR declarou que iria “resolver o problema”. Como resultado, a conduta criminosa gerou, em favor do contribuinte, a restituição de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). CRIMES DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art. 325 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 19.03.2013, às 11h18, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à suspensão do Cadastro de Pessoa Física (CPF) de Álvaro Affonso de Miranda Netto (“Doda”) em razão de não ter sido entregue a declaração (DIRPF/2012), fato de que teve ciência em razão de sua função. Durante conversa telefônica entre VITOR e VAGNER, o contador (VAGNER) pediu ao auditor fiscal (VITOR) que pesquisasse no sistema da Delegacia da Receita Federal o motivo pelo qual o CPF de “Doda” encontrava-se suspenso. - 2ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 22.03.2013, às 14h01, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informações sigilosas relacionadas ao sistema de “malha fina” das quais teve ciência em razão de sua função. Em diálogo interceptado, o contador (VAGNER) indagou ao auditor fiscal (VITOR) se rendimentos com aluguéis e royalties poderiam ser lançados na declaração de imposto de renda de pessoa jurídica como sendo “Livro Caixa”, ao que VITOR respondeu que não, porque o sistema da DRFB não aceitava ‘Livro Caixa’ para essa situação, somente sendo permitido no caso de DIRPF (fl. 20 – ID 170518764). - 3ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 25.03.2013, às 13h39, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à declaração (DIRPF) de Daniela Bonfá, ex-esposa de VAGNER, da qual teve ciência em razão de sua função. Por meio de mensagem SMS, VAGNER perguntou a VITOR se este poderia acessar a DIRPF de sua ex-esposa e, no mesmo dia, VITOR revelou que a referida DIRPF ainda estava sendo processada no sistema. - 4 ª Conduta – VITOR E ANTONIO (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 03.04.2013, às 15h30, e em 09.04.2013, às 11h55, VITOR (auditor fiscal) revelou a ANTONIO ANGELO FARAGONE informações sigilosas acerca da sociedade empresária KOMPAC SERVIÇOS ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO LTDA, estas relacionadas ao cadastro, identidade dos sócios, patrimônio dos sócios e declarações de imposto de renda, das quais teve ciência em razão de sua função. - 5ª Conduta – VITOR E MARCOS (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 09h44, 09h46, 09h47 e 09h50, VITOR (auditor fiscal) revelou a MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA informações sigilosas relacionadas a bens imóveis de propriedade do pai, irmão e mãe de MARCOS (Wilma Menin de Avila), bem como da sociedade empresária WILMA MENIN DE AVILA ME, das quais teve ciência em razão de sua função. CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS (art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998, com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012). Narrou a denúncia que, entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013, VITOR, EDILAINE (ex-esposa), DARCY (sogro) e IZA (sogra), agindo com unidade de desígnios e identidade de propósitos, por, pelo menos, 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. Segundo a exordial: VITOR se utilizava dessas pessoas, com o conhecimento delas, para o desiderato de ocultar e dissimular o proveito criminoso das infrações penais funcionais por ele perpetradas (...). Apurou-se, de ato, que VITOR registrava parte de seus bens em nome de seu núcleo familiar. Ocorre que essas pessoas não tinham como comprovar renda suficiente que confirmasse a possibilidade de suportar os bens registrados em seus nomes, razão pela qual VITOR, valendo-se do cargo de Auditor–fiscal lotado no setor de ‘malha fina’ da DRFB, elaborava declarações de imposto de renda fictícias, criando rendas inexistentes, capazes, então, de comprovar o patrimônio declarado. (...) em 2006, VITOR e EDILAINE possuíam um total de recursos disponíveis de R$ 71.253,69 (setenta e um mil, duzentos e cinquenta e três reais e sessenta e nove centavos), sendo que, em 2011, totalizavam o valor de R$ 133.219,35 (cento e trinta e três mil, duzentos e dezenove reais e trinta e cinco centavos). EDILAINE, na DIRPF 2012, a título de ‘indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho; FGTS’, declarou, como rendimento isento, o valor de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais), mesmo afirmando que não trabalhava (...). Não obstante, registre-se que EDILAINE não exercia qualquer atividade remunerada que pudesse justificar todo patrimônio que estava declarado em seu nome (...). Ainda sob esse contexto, observe-se a variação patrimonial dos sogros de VITOR, que declararam recursos disponíveis negativos em 2006 e, no ano de 2011, um saldo positivo de R$ 52.847,76 (cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta e sete reais e setenta e seis centavos) (...). DARCY e IZA declararam R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) como rendimentos recebidos de pessoa física, entre os anos de 2006 e 2011, sem, contudo, demonstrarem a origem dos valores, restando apurado que, em verdade, esses recursos são oriundos dos delitos funcionais levados a efeito por VITOR (...). Em 20/03/2013, às 11:19 (horário inicial), VITOR dialogou com DARCY acerca da abertura de uma conta bancária, indicando que ele era peça fundamental para o cometimento do delito de ‘branqueamento’ de ativos financeiros perpetrado pelo núcleo familiar de VITOR e por outros integrantes da quadrilha (...). Deveras, nova conversa telefônica travada entre VITOR e DARCY no dia 21/03/2013, às 18:52 horas (horário inicial), demonstra claramente que DARCY e IZA possuíam contas bancárias que serviam para a ocultação e a dissimulação dos proveitos dos delitos cometidos pela quadrilha (...). Outro elemento de convicção constante dos autos emerge do diálogo entre VITOR e DARCY, ocorrido na data de 04/04/2013, às 17:07 horas (horário inicial). Nele, os interlocutores conversaram sobre cartões oriundos do Banco Itaú. Ressalte-se que DARCY asseverou a VITOR que chegaram as cartas do ‘nosso’ banco (...). Ainda, tratando das contas bancárias utilizadas pela quadrilha, em 05/04/2013, às 15:55 horas (horário inicial), VITOR conversou com FABIANA, gerente do Banco Itaú Personnalité, no qual VITOR possui uma conta. Na conversa, a gerente ressaltou o volume expressivo de recursos na conta bancária de VITOR, incompatíveis com a sua atividade profissional. Na mesma oportunidade, ela ofereceu um investimento ao denunciado para volume acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). O ponto mais importante da conversa é o momento em que VITOR afirma que opera as contas de seus sogros, mesmo sem possuir procuração para tanto (...), o que, mais uma vez, denota a importância do núcleo familiar para o cometimento do delito de ‘lavagem’ de dinheiro. Ainda nessa mesma linha, observe-se o caso do ‘serviço’ prestado em favor de JESUALDO GUEDES PEREIRA FILHO. Em troca da elaboração da DIRPF do particular, com informações inverídicas, VITOR recebeu R$ 2.000,00 (dois mil reais), os quais foram depositados, a pedido de VITOR, na conta n.° 045113-4 (...), pertencente a DARCY (...). Ademais, o ‘e-mail’ enviado por VITOR a MAICEL ANESIO TITTO, outra pessoa que se beneficiava das ilegalidades praticadas pela associação criminosa, no dia 08/04/2013, às 19:06 horas, é mais um demonstrativo de que VITOR se utilizava das contas bancárias de DARCY e de IZA, ambas mantidas no Banco Itaú, (...), sempre com a anuência destes, visando o recebimento de valores provenientes de suas atividades criminosas (...). (...) foi elaborada pela Delegacia da Receita Federal uma relação dos cheques emitidos em favor do núcleo familiar de VITOR e dos contribuintes que tiveram suas declarações de imposto de renda acessadas pelo Auditor-Fiscal (...). Veja-se que foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco do Brasil, o total de 126 (cento e vinte e seis cheques) (...). Por sua vez, foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco Itaú, o montante de 140 (cento e quarenta) cheques (...). A somatória dos valores dos cheques supramencionados ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo que, em relação a todos esses contribuintes, VITOR acessou suas DIRPF no sistema da SRFB para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Além dos cheques supracitados, também foram apreendidos na residência de VITOR outros cheques de clientes da quadrilha, cuja soma alcança a cifra de R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais) (...). Ademais, na execução de mandado de busca e apreensão na residência de EDILAINE, foi apreendida também grande quantidade de cheques emitidos para o pagamento pelos ‘serviços’ da associação criminosa. A soma dos valores lançados nos títulos de crédito aponta para o importe de R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais). Dentre os cheques apreendidos na ocasião, encontram-se (i) cheques nominais ao investigado DENIS, totalizando o valor de R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais); (ii) cheques de contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP (‘internet protocol’) de VITOR (...), cuja soma é de R$ 13.900,00 (treze mil e novecentos reais); e (iii) cheques de contribuintes mencionados pelos denunciados durante as interceptações telefônicas (...), perfazendo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Todos os cheques foram emitidos à guisa de pagamento pelos crimes cometidos pela quadrilha, em benefício dos contribuintes, sendo os depósitos efetuados nas contas de DARCY, IZA e EDILAINE para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Reforça essa assertiva o fato de que, após a deflagração da ‘Operação Publicano’, os contribuintes Rebeca Maria Filgueiras Moura Sampaio, Luiz Antonio Moura Sampaio e Alberto de Souza Cotrim Filho enviaram à SRFB declarações retificadoras de imposto de renda com um aumento significativo do valor de imposto devido. Por fim, VITOR também se utilizava da aquisição de imóveis no nome de pessoas de seu núcleo familiar para ocultar e dissimular a origem dos valores provenientes dos delitos praticados pela quadrilha. Nesse sentido, em 23/03/2013, às 12:01 horas (horário inicial), VITOR afirmou ao corretor de imóveis LUIS que adquiriu um terreno na Alameda Piava, construindo ali um imóvel, apesar de esse bem estar declarado nas DIRPFs de DARCY e IZA (...). Na conversa, VITOR afirmou que pagou R$650/m2, o que faria com que o valor total da transação fosse de aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Contudo, no registro do referido imóvel, aparece que ele foi adquirido por DARCY e IZA mediante o pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou seja, em torno de R$ 240/m2 (...). Portanto, além de VITOR ter registrado o bem no nome de seus sogros, também declarou um valor muito inferior do que o realmente pago, utilizando-se de valores provenientes dos crimes perpetrados pela quadrilha (...) - (fls. 23/35 – ID 170518764). Assim, o Ministério Público Federal denunciou: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes), corrupção passiva (por 5 –cinco – vezes, referentes às 3ª, 5ª, 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 5 – cinco – vezes, referentes às 2ª, 9ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quatro – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas) e violação de sigilo funcional (por 5 – cinco – vezes); 2. DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta), corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 3ª conduta) e corrupção privilegiada (por 3 – três – vezes, referentes às 1ª e 4ª condutas); 3. VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 3 – três – vezes); 4. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). 5. CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 3 – três – vezes, referentes à 9ª conduta) e peculato eletrônico (por 3 – três – vezes); 6. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 7. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 8. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 9. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 10. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez) e corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta); 11. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 12. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes); 13. ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma – vez); 14. MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma - vez). Tipificação: art. 288, caput (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013), art. 317, caput e §§ 1 º e 2º, art. 333, art. 313-A, art. 325, caput, todos do Código Penal e art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998 (com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012), c.c. art. 71, caput, do Código Penal. A denúncia foi recebida em 07.01.2014 (fls. 45/52 – ID 170518764). Em 29.08.2014, após a redistribuição do feito nos termos do Provimento CJF3R n.° 417/2014, anulou-se o recebimento da denúncia tão-somente em relação ao acusado VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a fim de que lhe fosse dada a oportunidade de oferecer defesa preliminar, na forma do art. 514 do Código de Processo Penal (fls. 184/186 - ID 170518762). Depois de sopesados os argumentos apresentados, a denúncia foi recebida, em face de VITOR, em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612). Em relação ao corréu ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), os autos foram desmembrados (distribuídos sob n.° 0002347-09.2016.403.6181) e, em 12.09.2016, reconheceu-se a prescrição da pretensão punitiva, tendo sido declarada extinta a punibilidade deste corréu (fl. 54 – ID 170518611). Em relação ao corréu MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, os autos foram desmembrados em 19.01.2017 (distribuídos sob o n.° 0000445-84.2017.6681), em razão da concessão de Habeas Corpus em seu favor. Em relação ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, transitou em julgado, em 14.12.2016, decisão proferida pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no bojo do RHC n.° 75520 - Habeas Corpus n.° 0001857-03.2016.4.03.0000, que reconheceu, para ele, a inépcia da denúncia no tocante ao delito de formação de quadrilha (associação criminosa). O Ministério Público Federal requereu, então, a extensão dos efeitos dessa decisão aos corréus, o que foi deferido pelo r. juízo a quo no bojo da r. sentença, tendo sido a imputação da prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal excluída em relação a todos os réus (fl. 83 – ID 170518759). A r. sentença (fls. 58/184 – ID 170518759) julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, determinando: i) para o crime de quadrilha: a rejeição, por inépcia, da denúncia e a correspondente exclusão da imputação da prática desse delito em relação a todos os réus; ii) para os crimes de corrupção ativa e passiva: a condenação dos acusados pela prática das 1ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 2ª, 4ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 6ª, 7ª, 8ª, 10ª e 11ª condutas e a absolvição dos acusados em relação às 3ª, 5ª e 9ª condutas; iii) para os crimes de peculato eletrônico: a condenação dos acusados pela prática das 6 (seis) condutas descritas; iv) para os crimes de violação de sigilo funcional: a condenação dos acusados pela prática das 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas e a absolvição destes em relação à 2ª conduta; v) para os crimes de lavagem: a condenação de todos os acusados. Foi determinada, como efeito extrapenal da condenação, a perda do cargo de auditor-fiscal em que estava regularmente investido VITOR AURÉLIO SZWARTUCH. Foi decretada a perda, em favor da União, dos seguintes bens: i) imóvel registrado em nome dos corréus DARCY e IZA; ii) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR, EDILAINE, IZA e DARCY; iii) valores bloqueados em contas de titularidade dos acusados; iv) valores bloqueados relativos a planos de previdência em nome dos acusados. Foi fixada, como valor mínimo para a reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais). Foram condenados: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes, em continuidade delitiva), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, em continuidade delitiva, tendo havido absolvição em relação a uma das imputações), corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas, tendo havido absolvição em relação às 3ª e 5ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas, tendo havido absolvição em relação à 9ª conduta) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas). Para os crimes de corrupção passiva, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva qualificada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva privilegiada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de peculato eletrônico, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 2/3 (dois terços) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 4 (quarto) anos e 2 (dois) meses de reclusão de 22 (vinte e dois) dias-multa. Para os crimes de violação de sigilo funcional, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/4 (um quarto) pela continuidade delitiva (vide fl. 240 – ID 170518759), ficando a pena definitiva fixada em 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção. Para o crime de lavagem de dinheiro, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A soma dessas penas resultou em 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa. Houve, ainda, a determinação de perda do cargo de Auditor Fiscal. 2. VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática dos delitos de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva, referentes à 1ª e 3ª condutas). Para os crimes de violação de sigilo funcional, foi reconhecida a extinção da punibilidade do acusado em razão do decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da r. sentença condenatória. Para o crime de corrupção ativa, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 3. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática do delito de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 4. CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 3 –três – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/5 (um quinto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 5. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 6. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 7. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 8. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/6 (um sexto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 9. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 10. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 11. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos. Em suas razões de Apelação (fls. 207/256 - ID170518682), a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682) e tendo-se em vista que houve “decisões diferentes em condutas envolvendo mesmos réus” (fl. 226 - ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) “o juiz não está autorizado a condenar o réu naqueles processos em que o Ministério Público se manifestou pela sua absolvição” (fl. 232 - ID 170518682), razão pela qual o acusado deve ser absolvido das acusações relacionadas aos crimes de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, tendo-se em vista o posicionamento ministerial pela absolvição em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do CPP pela Constituição Federal; iv) em relação à 1ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois a suspensão provisória do prazo é procedimento normal realizado por auditores fiscais, sendo o encerramento realizado de maneira automática quando não há a apresentação de documentos comprobatórios de despesas, não se havendo de falar, portando, violação de dever funcional; v) em relação à 2ª conduta (corrupção passiva qualificada), não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento; vi) em relação à 4ª conduta (corrupção passiva privilegiada), as transcrições não comprovam qualquer ilicitude relacionada à liberação do contribuinte Chafik Kanhouce da “malha fina”, a qual se deu “por trâmite normal” (fl. 237 – ID 170518682); vii) em relação à 6ª conduta (corrupção passiva), há atipicidade, pois o que ocorreu foi mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Afirma que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682); viii) em relação à 10ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois o réu “agiu de acordo com o que exige a sua função” (fl. 239 – ID 170518682); ix) em relação aos delitos de peculato eletrônico, o próprio órgão acusador posicionou-se pela absolvição de todos os réus. Aduz que todas as condutas são atípicas, já que não existiu inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682); x) em relação aos delitos de violação de sigilo funcional, as 1ª e 3ª condutas são atípicas, pois as informações reveladas pelo apelante não possuíam “nenhuma relevância ou importância, não tendo o condão de serem classificadas como ‘segredo’” (fl. 246 – ID 170518682) e, quanto às 4ª e 5ª condutas, estas “não se referem a sigilo funcional, mas sim a segredo profissional revestido de outro caráter, que é a inviolabilidade da intimidade daquele que tem o segredo revelado” (fls. 246/247 – ID 170518682), de modo que deveria haver a “reclassificação (...) para o previsto no artigo 154 do Código Penal” (fl. 247– ID 170518682), com a consequente extinção da punibilidade do acusado, nos termos do art. 109, V, do CP; xi) quanto ao delito de lavagem de dinheiro, afirma que o que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro; xii), quanto à dosimetria, deve ser afastado o concurso material dos crimes de corrupção, devendo ser aplicada a fração de aumento prevista no art. 71 do Código Penal; xiii) em relação aos delitos de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, deveria ter sido aplicada pena privativa de liberdade ou multa, mas não ambas cumulativamente. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “foram desconsideradas as questões subjetivas de cada agente e de sua participação no delito” (fl. 277 – ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), uma vez que “a apelante não tinha conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682); iv) requer, subsidiariamente, a incidência da causa de diminuição prevista no art. 29, §1º, do CP (participação de menor importância), a fim de que a pena seja reduzida em 1/3 (um terço); v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a majoração da pena em 1/4 (um quarto); vi) deve haver, diante da revisão da pena, a extinção da punibilidade pela prescrição; vii) deve haver, como consequência da extinção da punibilidade, o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome dos apelantes” (fl. 204 – Id 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alega, em síntese: i) que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, foram opostos embargos de declaração pleiteando-se o levantamento imediato do excesso dos valores constritos e que, no entanto, ao apreciar os referidos embargos declaratórios, o r. juízo a quo acabou determinando, em favor da União, a perda da totalidade do valor bloqueado, equivalente a R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos), bem como aduz ter havido reformatio in pejus, pois a r. sentença havia determinado, tão–somente, o pagamento de dez salários mínimos a título de prestação pecuniária; ii) violação ao princípio da congruência, uma vez que a denúncia não imputou a VAGNER a prática de quaisquer dos crimes de violação de sigilo funcional e, no entanto, este acusado foi condenado pela prática de dois desses delitos; iii) ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607); iv) atipicidade da sexta conduta de corrupção narrada na denúncia; v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa dos vetores “culpabilidade”, “motivos” e “consequências do crime”. Em suas razões de Apelação (fls. 57/61 - ID 170518682), a defesa de MAURO SERGIO ARANDA alega, em síntese, que não há provas suficientes do envolvimento do apelante com os fatos criminosos, razão pela qual este deve ser absolvido. Em suas razões de Apelação (fls. 87/93 - ID 170518607), a defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. Em suas razões de Apelação (fls. 52/55 - ID 170518682), a defesa de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 62/65 - ID 170518682), a defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 07/17 - ID 170518607), a defesa de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA alega, em síntese, que o acusado deve ser absolvido, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607); ii) que não há prova de que a apelante teria concorrido para a prática dos delitos de peculato eletrônico; iii) que o aumento de 1/2 (metade) pela continuidade delitiva se mostrou exacerbado e que deveria ter sido aplicada a fração de aumento mínima de 1/6 (um sexto). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contrarrazões às fls. 21/25 - ID 170518607, fls. 181/196 - ID 170518607, fls. 197/203 - ID 170518607, fls. 204/208 - ID 170518607, fls. 22/45 - ID 170518605, fls. 46/53 - ID 170518605, fls. 54/61- ID 170518605, fls. 62/66 - ID 170518605, fls. 67/71 - ID 170518605 e fls. 72/76 - ID 170518605. Oficiando nesta instância (fls. 87/111 - ID 170518605), o órgão ministerial opinou pela declaração de extinção da punibilidade de Darcy de Oliveira Lopes, pelo transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva estatal, restando prejudicado seu recurso de apelação; pelo provimento parcial do recurso de apelação de Cleide Maria Ribeiro, apenas para o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71, CP); e pelo desprovimento dos recursos de apelação dos demais apelantes (fl. 111 - ID 170518605). Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: ESCLARECIMENTOS INICIAIS SOBRE O RELATÓRIO. O despacho proferido pelo Exmo. Revisor em 26.05.2025 confirmou o Relatório com ressalvas, nos seguintes termos (ID 325722803): Confirmo o relatório, ressalvando que: i) em vez de absolvição, houve a declaração de extinção da punibilidade de VAGNER FABIANO MOREIRA quanto às imputações de violação de sigilo funcional, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal (ID 170518759, p. 178); ii) o recebimento de denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH se deu em 16.6.2015 (ID 170518612, p. 201). Peço dia para julgamento. Em relação à primeira ressalva apontada, é pertinente esclarecer que o corréu VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) foi denunciado pela suposta prática de 3 (três) delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 2ª e 3ª condutas descritas na denúncia) e que, conforme constou do Relatório (vide item “6”), foi absolvido, por ausência de crime, em relação a uma dessas imputações de violação de sigilo funcional (2ª conduta) – vide fl. 126 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759 – e fl. 240 da decisão que apreciou Embargos de Declaração – ID 170518759). Já em relação às outras duas imputações de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), VAGNER FABIANO MOREIRA foi, incialmente, condenado (vide fls. 123/125 e 126/127 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759). Posteriormente, contudo, no corpo da própria sentença (vide fls. 152/153 e 178 da r. sentença - ID 170518759), o r. juízo a quo entendeu por bem reconhecer o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade em relação às três condutas de violação de sigilo funcional, sem se atentar, contudo, à absolvição da 2ª conduta. A página 178 da r. sentença contém, portanto, erro material que, posteriormente, foi corrigido em sede de Embargos de Declaração (fl. 240 – ID 170518759). Ademais, retifico o terceiro parágrafo (item 2) do Relatório. Onde se lê: “pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, leia-se: “pela prática de oito delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, tendo-se em vista que a 5ª conduta refere-se à imputação de três delitos de peculato eletrônico. CONTEXTUALIZAÇÃO. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se investigou, por meio de inquérito policial instaurado em 25.02.2013, a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH requereu o reconhecimento da nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Aduziu, também, que deve ser reconhecida a nulidade da r. sentença por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente). A esse respeito, cabe esclarecer que não se há de falar em nulidade por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. In casu, a única circunstância de ordem subjetiva avaliada como desfavorável em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi a “culpabilidade”, não se havendo de falar, portanto, a despeito do que se alegou, em nulidade por ausência de manifestação expressa, no bojo da r. sentença, acerca dos vetores “antecedentes”, “conduta social” e “personalidade do agente”. Observa-se que, para os crimes em tese praticados por VITOR (corrupção, peculato eletrônico, violação de sigilo funcional e lavagem), considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” por tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fl. 145 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fl. 145 – ID 170518759). O incremento das penas-base foi, portanto, adequadamente motivado, não se havendo de falar em nulidade. Note-se que a valoração negativa do vetor culpabilidade para outros corréus fundamentou-se em razões distintas, relacionadas às características do exercício da profissão de contador, p. ex., de maneira que, em relação a esta circunstância de ordem subjetiva, não prospera a alegação de que “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Por fim, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), constou da fundamentação da dosimetria referente ao corréu VITOR, que: i) os motivos dos crimes teriam sido, “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146 – ID 170518682) e que ii) as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Muito embora, na dosimetria de outros corréus, tenham sido feitas alusões semelhantes para fundamentar-se a valoração negativa desses mesmos vetores, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, até porque se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Ante o exposto, não se vislumbram, no corpo da r. sentença, quaisquer vícios processuais que comprometam a sua validade. Eventual manutenção (ou reforma) da decisão de valorar negativamente tais circunstâncias judiciais será analisada oportunamente, no tópico referente à dosimetria da pena. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS COMO MEIO DE PROVA. O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. De seu turno, o inciso XII do mesmo artigo traz uma ressalva a esse direito, ao dispor sobre a possibilidade de, mediante autorização judicial, haver interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas, desde que para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A expressão "último caso", prevista no inciso XII do referido artigo 5º, refere-se tanto às comunicações telefônicas quanto às telegráficas e de dados, porquanto o legislador constitucional empregou a conjunção "e", tendo optado por distinguir entre o sigilo da correspondência e o sigilo das outras modalidades de comunicação: telegráfica, de dados e telefônica. A Lei n.° 9.296, de 24.07.1996, regulamenta, em doze artigos, os requisitos de aplicabilidade e de autorização, bem como o tempo de duração da interceptação telefônica e/ou telemática, além de tipificar como crime o uso desse meio de prova fora dos parâmetros legais. O prazo regular para a interceptação telefônica é de 15 (quinze) dias, contados a partir da efetivação da medida constritiva, isto é, contados a partir de sua efetiva implementação. Passado esse tempo, é possível a prorrogação, sem limite de vezes, mas sempre mediante autorização judicial e comprovação de que a escuta é indispensável como meio de prova. Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência pátria: EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado. (STF, Primeira Turma, HC n.° 106129 MS, Rel. Min. Dias Toffoli, Julg. em 06.03.2012, DJe-061 Divulg. em 23.03.2012 e Public. em 26.03.2012) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO. PRORROGAÇÃO POR MAIS DE 30 DIAS. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, não ocorrente no presente caso. 2. Segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, desde que devidamente fundamentadas. 3. O Juízo de primeiro grau autorizou o monitoramento das ligações telefônicas por entender que os elementos, já colhidos, demonstravam indícios gravosos de prática criminosa e apontavam para a imprescindibilidade do deferimento da medida excepcional. Posteriormente, prorrogou o prazo das interceptações telefônicas, por concluir que os indícios apurados demonstravam que se tratava de tráfico internacional de cocaína, sendo impossível a utilização de outros meios de prova diante da organização e sofisticação dos criminosos. 4. Habeas corpus não conhecido. (STJ, Sexta Turma, HC n.° 300.768/GO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 16.10.2014, DJe de 06.11.2014) A propósito, a questão ficou pacificada no julgamento de Recurso Extraordinário n.º 625263, tendo sido fixada a seguinte tese (Tema 661): “São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”. Confira-se: CONSTITUCIONAL E PENAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AFASTAMENTO DO SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS QUE SOMENTE PODERÁ SER DECRETADO, DE FORMA EXCEPCIONAL, POR ORDEM JUDICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PELO JUIZ COMPETENTE PARA A AÇÃO PRINCIPAL, QUANDO O FATO INVESTIGADO CONSTITUIR INFRAÇÃO PENAL PUNIDA COM RECLUSÃO E DESDE QUE PRESENTE A INDISPENSABILIDADE DESSE MEIO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÕES SUCESSIVAS DESDE QUE DEMONSTRADA A SUA NECESSIDADE DIANTE DE ELEMENTOS CONCRETOS E A COMPLEXIDADE DA INVESTIGAÇÃO, RESPEITADO O LIMITE DE 15 (QUINZE) DIAS ENTRE CADA UMA DELAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. A interceptação telefônica, prevista no art. 5º, XII, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 9.296/96, dependerá de ordem judicial (cláusula de reserva jurisdicional) e deverá ser expedida pelo juiz competente para a ação principal, em decisão devidamente fundamentada que demonstre a sua conveniência e a indispensabilidade desse meio de prova (HC 94.028/AM, Rel. Min. CÁMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 29/05/2009; Inq 2.424/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe de 26/03/2010; HC 103.418/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 14/11/2011; HC 96.056/PE Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 08/05/2012). 2. O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão e presente a imprescindibilidade desse meio de prova, pois a citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, não podendo, em regra, ser a primeira providência investigatória realizada pela autoridade policial. 3. Possibilidade de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica, desde que demonstrada a necessidade de renovar a medida e respeitado o limite de 15 (quinze) dias entre cada uma delas, sem que exista violação ao art. 5º, da Lei n. 9.296/96. Precedentes da CORTE: RHC 120.111/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 31/03/2014; HC 145.569-AgR/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 28/09/2017; HC 137.820/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Redator para o acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 12/06/2018; HC 130.596-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 30/08/2018; HC 128.755-AgR/PA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 18/02/2020; RHC 192.427-AgR/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 30/11/2020; HC 201.609-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 17/06/2021; ARE 1.320.336-AgR/GO, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 29/09/2021; HC 204.378-AgR/MT, Rel. Min. NUNES MARQUES, DJe de 3/2/2022. 4. No caso concreto, diante da demonstração, mínima e razoável, de que a medida era imprescindível para elucidação dos fatos, especialmente se levada em conta as ações criminosas investigadas, não há como declarar a nulidade das decisões que, embora sucintas, estão de acordo com o dever de fundamentação exigido pelo art. 93, IX, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese para o Tema 661: "São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto. (STF, Tribunal Pleno, RE n.° 625263, Rel. Gilmar Mendes, Rel. p/ acórdão Alexandre de Moraes, Julgado em 17.03.2022, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-109, Divulg. em 03.06.2022, Public. em 06.06.2022) Destaque-se que a interceptação telefônica não se confunde com a quebra de sigilo telefônico, uma vez que, no primeiro caso, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, enquanto, no segundo (quebra do sigilo), a única informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas. Além disso, interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina são medidas distintas. Na interceptação telefônica, nenhum dos dois interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada por um terceiro. Na escuta, um dos dois interlocutores sabe que eles estão sendo gravados por um terceiro. Na gravação, um dos interlocutores é quem grava a conversa. Tanto a interceptação telefônica quanto a escuta precisam, necessariamente, de autorização judicial para que sejam consideradas provas lícitas, o que não se dá em relação à gravação, a qual pode ser feita sem autorização do juiz. Tratando-se a interceptação telefônica de captação de conversa sem que haja o conhecimento dos interlocutores, esse procedimento revela-se um importantíssimo meio de prova em investigação criminal. Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve atuar com rapidez e efetividade, conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1º, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 6º da Constituição Federal) e adotando ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa. Contudo, a fim de impedir intromissão desmedida na esfera privada, a autorização de interceptação deve ser balizada pelos princípios da intimidade e da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, do nemo tenetur se detegere - princípio da não autoincriminação, da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e da instrumentalidade constitucional do processo penal. Nesse contexto, a Lei regulamentadora elencou as hipóteses de não cabimento da interceptação telefônica, quais sejam: i) quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; ii) quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; iii) quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção (inteligência dos incisos I, II e III do art. 2º da Lei n.° 9.296/1996), ressalvando-se, nesse último caso, a possibilidade de se autorizar a interceptação telefônica para apurar crime punível com detenção, desde que conexo com outros delitos puníveis com reclusão. As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T.E.I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 1º, “l”, e artigo 11, que prevê a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa acerca da entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina sobre a entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como para permitir a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A., artigo 5º), ou mesmo com a legislação nacional (Lei n.º 9.613, de 03.03.1998, alterada pelas Leis n.ºs 10.701/2003, 12.683/2012, 13.964/2019 e 14.478/2022 e pela Lei Complementar n.º 167/2019). O parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996, estabelece que o disposto nesta Lei se aplica à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que a Lei pode ser empregada para a interceptação de e-mails, de conversas estabelecidas pela internet e por intermédio de programas de computador. Estão inseridas as comunicações por fac símile, messenger, e-mail, whatsapp etc, já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros). A evolução tecnológica determinou o tratamento jurídico conjunto dessas duas modalidades, na medida em que a comunicação de dados acaba se valendo da estrutura destinada à comunicação telefônica, sem contar que o legislador constituinte não diferenciou a interceptação das comunicações telefônicas das telemáticas, donde se conclui que a Lei n.º 9.296/1996 deve ser adotada para ambos os tipos de comunicação. Luiz Flávio Gomes, em parceria com Silvio Maciel, definiu: comunicações telefônicas 'de qualquer natureza', destarte, significa qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, com uso ou não da informática (in Interceptação Telefônica - Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996, 2ª ed. 2013, p. 47, ed. Revista dos Tribunais). Ademais, não se pode esquecer que o procedimento de interceptação telefônica e/ou telemática possui natureza cautelar, cujo propósito é o de coletar elementos para a propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) e/ou para a instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que se cogita da prática de infração punida com pena de reclusão. Assim, sendo certo que a Constituição Federal determina, no inciso IX do artigo 93, a fundamentação das decisões judiciais (todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação), a demonstração do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" deverá ficar evidenciada na fundamentação de decisium que, eventualmente, deferir a interceptação telefônica e/ou telemática, já que a importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados de que o homem pode usufruir, principalmente em vista dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana (STJ, HC 248.263/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, v.u., DJe 02.10.2012). Porém, não se exige que a decisão seja demasiadamente pormenorizada, com motivação exaustiva e minudente, porquanto se cuida de procedimento cautelar em que o juiz realiza juízo sumário, analisando os fatos a ele apresentados na representação policial. A fundamentação da decisão que defere interceptação telefônica/telemática deverá demonstrar, tão-somente, a imprescindibilidade do meio de prova pretendido pela autoridade policial e a presença de indícios concretos de autoria e materialidade delitivas, ou seja, de que a pessoa possa estar cometendo crime punível com pena de reclusão, mas não realizar juízo de certeza sobre a culpa do investigado. Em suma, a decisão que defere medida de interceptação de telecomunicações deve conter elementos suficientes para revelar a pertinência do pedido, as razões empregadas na motivação judicial e o suporte legal da medida, de modo a ser possível eventual impugnação pelas partes. É o que basta. Importante destacar, ainda, que não há óbice a que a decisão que defira a interceptação ou que, simplesmente, renove a autorização de interceptação, faça menção, em sua fundamentação, ao pedido inicialmente realizado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, o qual, nesse caso, passará a integrar o decisium (fundamentação "per relationem"), uma vez que propiciará às partes conhecer os fundamentos encampados por aquela decisão judicial. Trata-se de prática já reconhecida como válida pelos Tribunais Superiores (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.º 2007.03.00.103554-3/SP, Rel. Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, v.u., DJU de 29.04.2008, p. 380). Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: é assente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há que se cogitar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o juiz, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à sentença anteriormente prolatada, ou mesmo ao parecer do Ministério Público, na denominada fundamentação 'per relationem' (STJ, Sexta Turma, AgRg no AgRg no AREsp n.º 17.227/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, v.u., DJe de 08.02.2012). No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao permitir a renovação de autorização de interceptação telefônica a despeito de não terem sido inseridos novos motivos: este Tribunal firmou o entendimento de que 'as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). O Plenário desta Corte já decidiu que é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996 (STF, Habeas Corpus, n.° 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim). A fim de assegurar-se a lisura de todo o procedimento de interceptação, seu conteúdo integral deverá, oportunamente, ser disponibilizado à defesa (cf. Inquérito n.º 2.424, Relator Min. Cesar Peluso, Tribunal Pleno, STF, DJe de 26.03.2010), sendo desnecessária, contudo, a degravação integral dos diálogos interceptados, mormente daqueles que em nada se referem aos fatos, porquanto a Lei n.° 9.296/1996 não faz nenhuma exigência nesse sentido (STJ, 6ª Turma, HC n.° 278.794, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 07.10.2014). Caso haja alegação de que a transcrição contém alguma imprecisão, deverá a defesa indicar a desconformidade, a fim de que possa ser saneada eventual inconsistência. Neste caso, em havendo solicitação de realização de perícia, tal pedido deverá ser analisado pelo juiz. Cabe mencionar, por último, que, no que diz respeito a pedidos de perícia para identificação de vozes, isto é, para se aferir se as vozes captadas pertencem, de fato, aos acusados, a jurisprudência é uníssona ao se posicionar pela prescindibilidade dessa diligência, já que a Lei n.º 9.296/1996 não prevê a necessidade de submissão dos diálogos gravados à análise técnica fonográfica: AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’ SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE O RELATOR DECIDIR MONOCRATICAMENTE. PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO MANTIDA PELO TRIBUNAL REVISOR E CERTIFICADO O TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE PROCESSUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PERÍCIA DE VOZ. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. ‘Esta Corte Superior entende que é despicienda a perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, por ausência de previsão legal na Lei n. 9.296/96 e quando puder ser aferida por outros meios de provas, sendo incabível o revolvimento do acervo probatório para fins de identificação do interlocutor ante a Súmula n. 7/STJ’ (HC 541.328/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020) (...). (STJ, Quinta Turma, AgRg no Habeas Corpus n.° 649.489/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Julgado em 03.08.2021, DJe de 10.08.2021) – destaque nosso. RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 9.º DA LEI N.º 9.296/1996 E AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR. TÓPICOS NÃO EXAMINADOS PELO TRIBUNAL LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PERÍCIA DE VOZ. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (...) 2. No que tange à tese remanescente, o ‘decisum’ vai ao encontro de entendimento pacífico deste Superior Tribunal de ser dispensável a realização de perícia para identificação das vozes captadas por meio de interceptações telefônicas, em razão da falta de previsão expressa na Lei n.º 9.296/1996, bem como da possibilidade de comprovação da autenticidade da voz por outros meios de provas. (...). (STJ, Sexta Turma, RHC n.° 102.679/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Julgado em 14.05.2019, DJe de 24.05.2019) PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. OPERAÇÃO ‘14 BIS’. DESCAMINHO. CORRUPÇÃO ATIVA. CORRRUPÇÃO PASSIVA. FACILITAÇÃO AO DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. PRELIMINARES DE NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, POR EXCESSO DE PRAZO, POR AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS GRAVAÇÕES POR PERITOS, PELA NEGATIVA DE PERÍCIA DE VOZ: REJEITADAS. PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA/CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO FISCAL: REJEITADA. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO: PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. MATERIALIDADES DOS DELITOS DO ARTIGO 334, 333, 317 E 318 DO CP COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CAUSA DE AUMENTO DO TRANSPORTE AÉREO CONFIGURADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INCABÍVEL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. ART. 92, CP. APELOS DA DEFESA DESPROVIDOS. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 7. Interceptação telefônica. Afastada a alegação de nulidade por ausência de perícia de voz. A Lei n.º 9.296/96 nada disciplina sobre a necessidade de submissão dos diálogos obtidos por interceptação telefônica à perícia de voz. Precedentes do STJ. Além disso, a conclusão de que as vozes constantes dos áudios pertencem realmente aos acusados é possível ser extraída dos elementos de convicção coligidos nos autos (art. 157 CPP). Registre-se, por fim, que os próprios acusados reconheceram os diálogos interceptados. (...). (TRF3, Primeira Turma, ApCrim n.° 53058 - autos n.° 0009503-34.2006.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, Julgado em 11.02.2020, e-DJF3 Judicial 1 de 19.02.2020) PENAL. PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DAS PROVAS NÃO VERIFICADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) 5. A Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação das comunicações telefônicas, não possui nenhuma previsão a respeito da necessidade de realização de perícia fonográfica quando da realização das interceptações, sendo que a identificação do acusado pode ser aferida por outros meios de prova, o que torna desnecessária a perícia de voz. (...). (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 5010776-85.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Mauricio Yukikazu Kato, Julgado em 28.08.2019, e - DJF3 Judicial 1 de 30.08.2019) DA VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES REALIZADAS NO CASO CONCRETO. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607). A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, por sua vez, afirmou que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682). Aduz, em relação à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, que a conversa interceptada na aludida data foi a única prova que embasou a condenação de VITOR E VAGNER e que, em se tratando de prova ilícita, os acusados devem ser absolvidos (fl. 238 – ID 170518682). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou, em síntese, ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). Pois bem. É certo que, para cogitar-se de autorização judicial de interceptação telefônica/telemática, deve haver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão, bem como é certo que, nos termos do art. 2°, II, da Lei n.° 9.296/1996, será descabida essa autorização se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, de maneira que, em se vislumbrando outra forma (menos invasiva) para a obtenção de elementos aptos a comprovar o delito, não se haverá de falar em adoção dessa medida como meio de prova. No caso em questão, contudo, diferentemente do que alegou a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO, as interceptações telefônicas e/ou telemáticas não foram as primeiras diligências encetadas. As investigações referentes à denominada "Operação Publicano" se iniciaram a partir de apurações realizadas pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), que, por meio de certos parâmetros objetivos, constatou que determinado grupo de contribuintes “da área médica” (grupo homogêneo de profissionais liberais que enviava declarações de um mesmo local), apresentava imposto retido na fonte muito aquém do padrão de rendimentos auferidos como declarados, o que, segundo se verificou, se devia à elevação fraudulenta de despesas com “Livro Caixa”, manobra utilizada para acobertar a emissão de recibos falsos emitidos para dedução de despesas médicas em favor do grupo, tudo com o intuito de diminuir o valor de Imposto de Renda Pessoa Física a pagar (graças à elevação fraudulenta de valores de deduções e de rendimentos isentos). Quando selecionadas para averiguações, tais declarações “levantaram suspeitas de facilitação na liberação da malha” (vide relatório à fl. 05 - ID 170518579). Apurou-se, inicialmente, distintos acessos às declarações suspeitas pelo servidor VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (lotado no setor de “malha fina” – Defis/SP/Sevic/Eqac), bem como constatou-se que o IP 201.87.133.194, utilizado por VITOR para transmitir suas declarações (e de seus familiares), havia sido, também, utilizado para transmitir ao menos doze das aludidas declarações selecionadas por suspeita de fraude. Ao se examinar a evolução patrimonial do auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (e de seu núcleo familiar), concluiu-se pela ocorrência “de variação patrimonial a descoberto no montante de R$ 1.080.353,98 (um milhão, oitenta mil, trezentos e cinquenta e três reais e noventa e oito centavos), decorrente de origens não confirmadas ou com fortíssimos indícios de inverossimilhança” (fl. 89 – ID 170518759), o que revelou fortes indícios de envolvimento do servidor com as fraudes detectadas. Verificou-se, também, que diversas declarações tidas como suspeitas haviam sido transmitidas pelo IP 200.161.88.161, que, aparentemente, estava relacionado a algum prestador de serviços de contabilidade, tendo o servidor VITOR realizado diversos acessos a DIRPFs entregues pelo referido IP, bem como consultado diversas informações fiscais em datas próximas às de transmissão de declarações retificadoras igualmente suspeitas. Após receber relatórios sobre as supostas irregularidades fiscais apuradas pela Corregedoria da Receita Federal (ESCOR08) e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI) – fls. 53/71 - ID 170518766, a Polícia Federal, considerando a gravidade, a complexidade e a sofisticação da atuação criminosa, identificou a necessidade de, para aprofundamento das investigações, afastar-se o sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas dos envolvidos, meio que, naquele momento, revelou-se como o único hábil a elucidar os fatos e a possibilitar a coleta de elementos de prova substanciais (fl. 88 – ID 170518766). Interceptações telefônicas de linhas relacionadas aos investigados VITOR e EDILAINE foram, então, regularmente autorizadas pelo r. juízo a quo (em 15.03.2013) e implementadas a partir de 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Com efeito, a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso serve de fundamento para o deferimento de interceptações telefônicas como último mecanismo apto a levar adiante a investigação criminal, dada a dificuldade de, nessas situações, proceder-se à colheita de provas por meios tradicionais: Habeas corpus. 2. Operação Navalha. 3. Interceptação telefônica. Autorização devidamente fundamentada. 4. Gravidade dos delitos supostamente cometidos pela organização e complexidade do esquema que envolve agentes públicos e políticos salientam a dificuldade de colher provas tradicionais. Pedido de interceptação baseado em relatório da Polícia Federal que demonstra envolvimento do paciente. 5. Motivação per relationem. 6. Ordem denegada. (STF, Segunda Turma, HC n.° 118882, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgado em 10.06.2014, Processo Eletrônico DJe-166, Divulg. em 27.08.2014, Public. em 28.08.2014) - destaque nosso. Em suma, observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). A propósito, a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de considerar legítima a prova obtida por meio de interceptação telefônica quando cumpridos os requisitos exigidos pela legislação de regência: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECURSO SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÕES. POSSIBLIDADE. PRECEDENTES. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DE TODAS AS CONVERSAS GRAVADAS. DESNECESSIDADE. PERÍCIA DE VOZ. INDEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA SOBRE O INTERLOCUTOR. RECURSO IMPROVIDO. (...) II - É legítima a prova oriunda de interceptação de comunicação telefônica autorizada judicialmente, de forma fundamentada e com observância dos requisitos legais: i) existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em ilícito penal; ii) único meio disponível para comprovar o fato investigado; iii) o crime investigado deve ser punido com pena mais gravosa que a detenção. III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que a interceptação de comunicação telefônica seja prorrogada, desde que a ordem seja fundamentada e respeite o prazo legal. Precedentes. (...) VII - Recurso Ordinário em Habeas Corpus improvido. (STF, Segunda Turma, RHC n.° 128485, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 25.10.2016, Processo Eletrônico DJe-246, Divulg. 18.11.2016, Public. 21.11.2016) - destaque nosso. No mesmo sentido, seguem outros dois julgados, o primeiro exarado pelo C. Supremo Tribunal Federal e o segundo por esta E. Corte Regional: Habeas corpus. Banco de tecidos musculoesqueléticos clandestino. Venda, guarda e distribuição de tecidos ou parte do corpo humano (arts. 15 e 17 da Lei nº 9.434/97). Investigação criminal. Violação do princípio do promotor natural. Não ocorrência. Inexistência de manipulação casuística ou de designação seletiva pela chefia do Ministério Público. Precedentes. Interceptação telefônica. Nulidade. Não ocorrência. Medida invasiva precedida de atos de investigação. Único meio de se apurar o fato criminoso. Testemunha sigilosa. Depoimento. Nulidade. Inexistência. Necessidade de preservação de sua higidez física ou psíquica, ante o temor de represálias. Inidoneidade do writ para revolvimento desses fatos. Ordem denegada. (...) 4. O afastamento do sigilo das comunicações telefônicas dos pacientes foi precedido de diligências realizadas no curso de uma investigação formalmente instaurada, restando suficientemente demonstrada a necessidade da medida extrema e a dificuldade para a apuração dos fatos por outros meios. 5. É o quanto basta para se legitimar o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas (HC nº 114.321/MG, Segunda Turma, Relatora a Ministra Carmen Lúcia, DJe de 19/12/13). (...) (STF, Segunda Turma, HC n.° 136503/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgamento em 04.04.2017, DJe-089, Divulg. 28.04.2017, Public. 02.05.2017) - destaque nosso. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. 'OPERAÇÃO TRAVESSIA'. PRELIMINAR REJEITADA. VALIDADE DS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. A utilização de interceptação em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96. 2. O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. (...) (TRF3, Décima Primeira Turma, ACR n.° 00000257620144036119 - Apelação Criminal - 67937, Rel. Des. Fed. Nildo Toldo, Julg. em 25.07.2017, v.u., e-DJF3 Judicial 1 de 01.08.2017) - destaque nosso. Inclusive, o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar a imprescindibilidade da interceptação telefônica, como meio de prova, quando evidenciada a prática de infrações penais via terminais telefônicos, vale dizer, quando o telefone (seja ele fixo, seja ele celular) seja, justamente, o expediente utilizado pelo delinquente para praticar o(s) delito(s) investigado(s), a exemplo do que ocorreu in casu, em que as promessas/oferecimentos e/ou as solicitações/aceitações de vantagens indevidas teriam se dado, conforme descreve a denúncia, via telefone. A propósito: Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico e associação para o tráfico (arts. 33 e 35 da Lei nº 11343/06). Impetração dirigida contra a decisão de negativa de seguimento ao HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça e contra o acórdão com que a Quinta Turma não conheceu do HC nº 286.219/PE. Não conhecimento da impetração em relação ao primeiro habeas corpus, em razão de não submissão da decisão singular ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Ausência de ilegalidade flagrante no julgamento colegiado do segundo writ. Prisão preventiva. Falta de fundamentação idônea. Não caracterização. Custódia justificada na garantia da ordem pública. Paciente integrante de bem estruturada organização criminosa voltada à distribuição de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais. Gravidade em concreto da conduta e periculosidade do paciente, evidenciadas pelo modus operandi da organização. Excesso de prazo. Complexidade do feito, consubstanciada na pluralidade de réus (15 acusados) e na necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de 2 (dois) acusados. Notícia constante do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco de que a instrução chegou a termo. Prejudicialidade. Precedentes. Alegada ausência de elementos concretos para corroborar a justa causa para a ação penal. Necessário reexame de fatos e de provas não admitido em sede de habeas corpus. Precedentes. Nulidade das interceptações telefônicas pelo não esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova. Não ocorrência. Procedimento devidamente fundamentado. Demonstração inequívoca da necessidade da medida. Utilização de terminal telefônico como meio de comunicação entre integrantes da organização presos e em liberdade para fomentar o tráfico. Alegações de não observância do prazo do § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do pedido de interceptação telefônica, de supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos em seu cumprimento. Temas não analisados pelas instâncias antecedentes. Dupla supressão de instância configurada, o que impede sua análise de forma originária pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada. (...) 9. Não procede a tese de nulidade das interceptações telefônicas levadas a cabo por não ter havido o esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova na espécie. 10. A decisão do juízo processante autorizando o procedimento em questão foi devidamente fundamentada, indicando com clareza a situação objeto da investigação e a necessidade da medida, mormente se levada em conta a notícia de que um dos investigados, de dentro da unidade prisional, utilizava terminal telefônico para se comunicar com os integrantes da organização criminosa e fomentar o tráfico de drogas, atendendo, portanto, a exigência prevista na lei de regência (art. 4º da Lei nº 9.296/96). (...) 13. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada (STF, Segunda Turma, HC n.° 128650, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgado em 20.09.2016, Processo Eletrônico DJe -212, Divulg. em 04.10.2016, Public. em 05.10.2016) - destaque nosso. As defesas alegaram, ainda, que a interceptação realizada no dia 16.04.2013, principal elemento de prova relacionado à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, teria ocorrido “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682), bem como que “qualquer interceptação telefônica com relação ao corréu VAGNER ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013 estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). A esse respeito, cumpre asseverar que as interceptações telefônicas em questão se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida (fl. 69 – ID 270552785), por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013 (fl. 79 - ID 270552785). Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), bem como solicitou-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013 (fls. 134/145 – ID 270552785). Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013 (vide o segundo relatório de inteligência policial - fl. 189 – ID 270552785), não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER (fls. 06 e 11 – ID 270552786). Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. Como bem asseverou o r. juízo a quo, o fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação (vide fl. 86 – ID 170518759). DA COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, quanto aos delitos de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, que o próprio órgão acusador se posicionou pela absolvição de todos os réus. Requer a absolvição do acusado, tendo-se em vista o posicionamento ministerial em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal. O artigo 385 do Código de Processo Penal assim dispõe: Art. 385: Nos os crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Não se ignora que, para alguns doutrinadores, o artigo 385 do Código de Processo Penal não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que, supostamente, violaria princípios e/ou parâmetros relacionados ao denominado “sistema acusatório” como, p. ex., os princípios da imparcialidade e da separação entre as funções de “julgar” e “acusar”. Não se deve perder de vista, entretanto, que a Constituição não demarcou, de maneira definitiva, os contornos do modelo acusatório por ela adotado. “Ao atribuir privativamente ao Ministério Público o encargo de promover a ação penal pública, o Constituinte ressalvou, no art. 129, I, que isso deveria ser exercido ‘na forma da lei’, de modo a resguardar ao legislador ordinário alguma margem de conformação constitucional para tratar da matéria, dentro da qual se enquadra a disposição contida no art. 385 do CPP” (STJ, Sexta Turma, Resp n.° 2.022.413-PA – 2022/0035644-0 -, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 14.02.2023, Dje de 07.03.2023). É inequívoco que, a fim de garantir-se a imparcialidade do julgador, não se pode admitir o início da persecução penal sem que haja a iniciativa do titular do ius puniendi (Ministério Público). Todavia, deve haver, no bojo do processo penal, alguma margem para a iniciativa do magistrado, a fim de, justamente, assegurar-se a realização de um processo justo e igualitário, em observância ao metaprincípio do devido processo legal. É este, p. ex., o objetivo da previsão contida no art. 156 do Código de Processo Penal, a qual faculta ao magistrado determinar, de ofício, a produção antecipada de provas e/ou a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, tendo-se em vista o risco de a busca da verdade ficar, exclusivamente, a cargo das partes. Nesse contexto, não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Ora, caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. Se, por um lado, é inquestionável, à luz dos princípios constitucionais, que o Ministério Público possui autonomia para decidir se vai (ou não) iniciar a persecução penal, por outro, compete exclusivamente ao juiz, de maneira indeclinável e indelegável, “dizer o direito”, de modo que, uma vez recebida a denúncia, mesmo que o órgão acusatório pugne pela absolvição, ao juiz incumbirá, a partir das provas produzidas nos autos, decidir se acolherá ou não esse pedido. Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça já pacificou seu entendimento: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. POSSIBILIDADE DE O JUIZ PROFERIR SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO TENHA OPINADO PELA ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte pacificou sua jurisprudência no sentido de que ‘conforme dispõe o art. 385 do Código de Processo Penal, é possível que o juiz condene o réu ainda que o Ministério Público peça a absolvição do acusado em alegações finais. Esse dispositivo legal está em consonância com o sistema acusatório adotado no Brasil e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, que introduziu o art. 3º-A no Código de Processo Penal’ (REsp n. 2.022.413/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 7/3/2023). 2. A análise acerca da alegada violação ao art. 155 do Código de Processo Penal demandaria revolvimento do acervo fático-probatório, desautorizado pela Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, 6 Turma, AgRg no REsp 2102020/SC - 2023/0369166-3 - Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Julg. em 02.04.2025, DJEN de 08.04.2025) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MANIFESTAÇÃO DO PARQUET PELA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO MAGISTRADO. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. ‘Consoante jurisprudência desta Corte, o pedido de absolvição do Ministério Público não vincula o julgador, que decide com base no princípio do livre convencimento motivado, sem que daí se extraia qualquer ofensa ao princípio acusatório’ (AgRg no HC n. 789.674/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 894527/SP - 2024/0065947-7. Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Julg. em 11.02.2025, DJEN de 18.02.2025) Com tais considerações, reconhece-se a recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal, bem como a validade da r. sentença que condenou os acusados a despeito de, em alegações finais, o Ministério Público ter se manifestado pela absolvição. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA (ARTIGOS 333 E 317 DO CÓDIGO PENAL). O ordenamento pátrio, ao estabelecer a imputação de um mesmo crime a todos os que concorrem para a sua prática (inteligência do art. 29 do Código Penal), adotou, como regra, a teoria monista (ou unitária), à exceção dos raros casos em que o legislador optou por adotar, extraordinariamente, a teoria pluralista, a exemplo dos crimes de corrupção ativa e passiva, em que há tipificações separadas, inclusive em capítulos distintos, para as condutas de oferecer/prometer e de solicitar/receber/aceitar vantagem indevida (inteligência dos artigos 333 e 317 do Código Penal). Embora seja intuitivo, a princípio, supor que, se há um corruptor/extraneus, haverá, necessariamente, um corrompido/intraneus (e vice-versa), a leitura dos artigos específicos revela ser perfeitamente possível vislumbrar-se a ocorrência de corrupção ativa e/ou passiva de maneiras independentes. A corrupção nem sempre é bilateral, senão vejamos: O art. 333 do Código Penal assim dispõe: Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O art. 317, caput, §1º e §2º do Código Penal, por sua vez, assim dispõe: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003). § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Os crimes de corrupção ativa e passiva tutelam, tanto um quanto o outro, o regular funcionamento da Administração Pública, a moralidade, a impessoalidade e a probidade administrativa, com o propósito de punir a mercancia da função pública. Ambos possuem, em regra, natureza formal, prescindindo do resultado naturalístico para a sua consumação. Admitem, apenas, a forma dolosa, sendo possível vislumbrar-se a possibilidade de tentativa, caso, p. ex., a oferta/promessa ou a solicitação/aceitação de vantagem indevida seja feita por escrito e, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não chegue ao conhecimento do destinatário. Na modalidade ativa (crime comum), a consumação da corrupção se dará no momento em que o particular oferecer/prometer a vantagem indevida (em troca da prática/omissão/lentidão de ato de ofício), independentemente do aceite por parte do funcionário público, bastando que a oferta/promessa chegue ao conhecimento deste. Na modalidade passiva (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada), a corrupção se consumará não apenas em face do efetivo recebimento, mas também da aceitação da promessa ou da solicitação, por parte do funcionário público, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, da vantagem indevida (patrimonial ou não), sendo que, nas hipóteses de aceite/solicitação, a efetiva entrega da vantagem se traduzirá em mero exaurimento do crime. Inclusive, a corrupção passiva não se confunde com o delito previsto no art. 316 do CP, uma vez que, na concussão, o verbo típico previsto é “exigir” (o que é diferente de solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida). O caput do art. 317 do Código Penal, diferentemente dos seus respectivos parágrafos e do art. 333 do mesmo diploma, não cita, em sua literalidade, como elementar do tipo, a expressão “ato de ofício”, razão pela qual doutrina e jurisprudência divergem sobre a indispensabilidade de, para cogitar-se da prática de corrupção passiva, determinar-se qual ato, exatamente, o funcionário público deveria praticar, retardar ou deixar de praticar em troca da vantagem indevida. Enquanto, para alguns, é indispensável a existência de nexo de causalidade entre a solicitação/recebimento/aceitação da vantagem pelo funcionário e a realização de determinado ato funcional de sua competência (ato de ofício), para outros, o tipo penal de corrupção passiva não exige comprovação de que a vantagem esteja, necessariamente, vinculada a "ato de ofício” englobado pelo plexo de atribuições formais daquele funcionário público. Para os adeptos da primeira corrente, não se pode abrir mão da indicação precisa do “ato de ofício” concretamente mercadejado (objeto de transação), o qual deve, necessariamente, ser da competência do agente e/ou estar intrinsecamente relacionado com o exercício de sua função. Já para os adeptos da segunda corrente, o crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada (STJ, 6ª Turma, Recurso Especial n.º 1.745.410 - SP - 2017/0007371-4, Rel. Sebastião Reis Júnior, Relatora para Acórdão: Min. Laurita Vaz, Julg. em 02.08.2018). Em outras palavras, para aqueles que adotam este último entendimento, dentre os quais me incluo, será suficiente, para a configuração da corrupção, que a vantagem seja solicitada/recebida/aceita em razão do cargo ocupado pelo funcionário público, isto é, em razão dos poderes de fato que o seu cargo lhe confere (e não, pura e simplesmente, em razão das atividades formalmente atribuídas àquele funcionário). Ademais, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como coautores ou partícipes pelo crime de corrupção passiva. Se, como consequência da vantagem ou promessa, o funcionário público, infringindo dever funcional, efetivamente praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva qualificada, devendo a pena ser aumentada em 1/3 (um terço) - inteligência do §1° do art. 317 do CP. De outro turno, se o funcionário público, infringindo dever funcional, praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício porque cedeu a pedido ou influência (social, moral ou econômica) de outrem, porém sem que tenha havido oferta/promessa nem solicitação/recebimento de vantagem indevida, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP). Diferentemente da corrupção passiva comum, portanto, as modalidades de corrupção passiva qualificada e privilegiada, previstas nos parágrafos 1° e 2° do art. 317 do Código Penal, possuem natureza material, já que exigem, para a sua consumação, a produção de resultado naturalístico (efetiva prática do ato de ofício que beneficiará o particular). Em relação ao delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP), é relevante mencionar, ainda, que, apesar das semelhanças (inclusive quanto à amplitude das penas), este difere do delito de prevaricação (previsto no art. 319 do CP), especialmente no que diz respeito ao dolo específico (ânimo) do agente, já que, na prevaricação, o agente pratica a conduta para satisfazer interesse ou sentimento próprio (pessoal), enquanto que, na corrupção passiva privilegiada, o funcionário público atua sob a influência e/ou para satisfazer interesse de terceiro. Por fim, é importante destacar que a conduta punida é mercadejar, transacionar, colocar “à venda” atos de ofício em troca de uma contrapartida que não lhe é legitimamente devida nem lhe será entregue pela normal remuneração da profissão. Nesse contexto, existirá crime independentemente de o ato objeto de transação ser regular ou irregular, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto, contrário ou não ao dever do funcionário. Em outras palavras, haverá crime tanto se o agente atuar contrariamente aos deveres do cargo público (corrupção própria) quanto se a vantagem for solicitada/recebida/aceita para a prática de ato regular e legal (corrupção imprópria), pois o que a Lei pretende coibir é o tráfico da função pública, sendo dispensável, para a configuração do delito, que o ato praticado, omitido ou retardado pelo funcionário público seja ilícito. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. No que diz respeito aos crimes de corrupção descritos na denúncia, foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em concurso material, de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª (por duas vezes), 4ª e 10ª condutas); VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta); MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA – ARTIGOS 317, ‘CAPUT’, E 333, AMBOS DO CP (6ª, 8ª E 11ª CONDUTAS). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). Segundo consta, “um conhecido” (ou “cliente/contribuinte”) de VAGNER teve sua declaração (DIRPF 2012) retida em “malha fina” em virtude de deduções com pensão alimentícia, o que deu ensejo a que o contador solicitasse a VITOR (auditor fiscal) o referido “serviço (ilícito) de liberação”, em troca do que VAGNER cobraria, de seu “conhecido” (ou “cliente/contribuinte”), valor em dinheiro a ser, posteriormente, dividido entre ele (VAGNER) e VITOR. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 104 – ID 170518759): VAGNER — Tá, se eu te levar só esse Informe, você consegue liberar para ele? Obviamente que a gente vai cobrar pelo serviço, mas você consegue liberar só com o Informe? Porque está bem evidenciado o CPF da mulher e o valor deduzido do salário dele. VITOR — Sim. Em suas razões de Apelação, as defesas de VAGNER e VITOR requereram o reconhecimento da atipicidade da conduta. De acordo com a defesa de VITOR, teria ocorrido mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Contudo, da leitura do diálogo interceptado é possível extrair, com clareza, que foi a promessa de pagamento em dinheiro (vantagem indevida) feita pelo contador (VAGNER) o que, verdadeiramente, motivou o auditor fiscal (VITOR) a dizer sim para o pleito de “liberação da malha fina” daquela declaração. Não se pode esquecer que a referida conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Segundo apurou o Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal - ESCOR08, VITOR, por diversas vezes, entregou DIRPFs a partir do IP instalado em sua casa, as quais foram retidas em malha fina, consultadas por ele no sistema oficial da Receita Federal e retificadas, também por ele, a partir de seu computador pessoal (fl. 12 – ID 270552758). Constou do relatório elaborado pela Receita Federal (ESCOR08), por exemplo, que, por meio de uma das declarações retificadoras entregues a partir de seu computador pessoal, VITOR “transformou o pagamento de R$ 759,08 de imposto de renda em uma restituição de R$ 34.530,90” (fl. 12 – ID 270552785). Note-se, ainda, que, no relatório de inteligência policial apresentado em 28.03.2013, os investigadores mencionam que, durante o primeiro período da interceptação telefônica (de 18.03.2013 a 27.03.2013 - fl. 79 - ID 270552785), VITOR manteve contato frequente, bem como travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), o que reforça a versão de que VITOR aceitava, habitualmente, propina em troca do serviço ilícito de “liberação da malha fina” de “clientes” daquele contador. Assim, não restam dúvidas a respeito de ter ocorrido a consumação dos delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP) referentes à 6ª conduta descrita na denúncia. Frise-se, por fim, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de Emerson Favero e Lilian Martzioros. Segundo consta, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) “colocou à disposição” de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) pagamentos de valores a serem “orçados” pelo funcionário público em troca da “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Isto deu ensejo a que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), VITOR (auditor fiscal): i) fornecesse orientações sobre como MÁRCIO (contador) deveria preencher, de maneira fraudulenta (com dados falsos), as aludidas declarações, de maneira a reduzir e/ou isentar o pagamento do imposto devido e a não levantar suspeitas sobre a fraude; ii) informasse a MÁRCIO que tais declarações seriam, de qualquer sorte, retidas em “malha fina”; iii) não apenas aceitasse a promessa de vantagem, como definisse, em conjunto e de comum acordo com MÁRCIO, os exatos valores a serem pagos em troca da “liberação da malha fina” de cada declaração (estabelecidos em R$ 10.000,00 – dez mil reais - para a declaração de Emerson e em R$ 5.000,00 – cinco mil reais – para a declaração de Lilian). A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fls. 108/110 – ID 170518759): MÁRCIO — Oi! VITOR — Então... MÁRCIO — Podemos abrir? VITOR — ‘Vamo’ lá! MÁRCIO — Primeiro ‘vamo’ ... Você quer falar de quem? VITOR — ‘Vamo’ falar do EMERSON, que é o pior caso. MÁRCIO — Tá ... Eu tô com ele aqui. Pode falar... VITOR —Abre a Declaração dele lá nos Rendimentos, tá? MÁRCIO — Hamhamm! Hã... Pode falar! VITOR — Então, primeira correção. Na Unimed Paulistana... MÁRCIO — Hã! VITOR — Você jogou 61.066... Tá? MÁRCIO — Tá VITOR - o valor correto... Anote! MÁRCIO —Paulistana... Tá .. Cinquenta e.. Eu tinha 61.066,69...O correto... VITOR — O correto é 58... MÁRCIO — 58... VICTOR - 122... MÁRCIO -122... VITOR - ... e 90. MÁRCIO — 90. VITOR — O resto não mexe. MÁRCIO — Tá! VITOR —Acrescenta aí fonte pagadora. MÁRCIO — Pode falar. VITOR — Puta, eu vou ter que ver pra você quem é essa fonte, né? Você não vai... Vai saber. MÁRCIO —Se você me der o CNPJ eu puxo. VITOR — Ou eu vejo aqui para você...Para agilizar, né? Fazer valer os meus HONORÁRIOS... MÁRCIO — (Risos) (...) MÁRCIO - Não, não vai dar não. Não vai dar não... Vai dar 31.000 aqui. VITOR — 31 mesmo? MÁRCIO — Porque é o seguinte... Já pagou 6. VITOR — Como pagou? MÁRCIO — Já foi retido 6.000,00. VITOR — Hã! Não, tá Beleza! Aí você vai fazer o seguinte, você vai por livro-caixa pra esse cara até dar alguma coisinha pra ele pagar. Você não vai me puxar uma restituição nesse cara, que você vai me foder. MÁRCIO — Não, tá... Até pagar. VITOR — Sei lá quanto que vai dar esse livro-caixa... Vai dar uns... 100 mil? Depois você faz. Você pode jogar, assim, um valor cheio... MÁRCIO — Hum! VITOR — 100 mil é o suficiente? Depois você divide mês a mês. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Vê aí... 100 mil bate? Já zera? MÁRCIO — Não, não consigo fazer agora. Esse aqui é o único que eu tenho... É...É ... Aqui. Tá num ‘pendrive’ na minha casa. Só que eu tenho ele aqui em texto e cópia. VITOR — Tá você vai... Então você vai colocar ... Hã... Hã... O livro- caixa. Tem que dar alguma coisinha pra ele pagar. Tá bom? MÁRCIO — Tá uns 1000 ... 1500 reais? VITOR — Nem precisa ser tanto! Põe R$ 200,00 pro cara pagar. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Ele vai cair em malha, tá? Hã... Aí, depois... Então, pra eu liberar da malha eu vou cobrar então uns 10. Tá bom? MÁRCIO — Tá... Perfeito. VITOR — Bom, ‘vamo’ na outra: LILIAN. MÁRCIO — Hã! VITOR — É ... A LILIAN vai ser a mesma coisa. É (...) você vai ter que colocar despesas que ela realmente tem, tá? Porque do jeito que tá, você não jogou lá valores nem nada. MÁRCIO —Não, só tem... só tem duas despesas. VITOR — É, para nós assim... não... não... não faz diferença, Tá? Nós vamos fazer... vai cair em malha também, nós vamos fazer o mesmo jogo do livro-caixa. Você vê ... aí... aí tá dando ... É você vai diminuir as despesas médicas, sei lá, vai dar... Sei lá! 15.000... 16.000... O que que a gente pode fazer nisso? Eu acho que... Esse caso é... Eu cobraria dela 6. MÁRCIO — Tá! VITOR — E nos podemos fazer o seguinte... Nós podemos... Você...Você... Vai por o que ela realmente tem de despesa, você aumenta esse livro-caixa. MÁRCIO — Certo. VITOR — Você pode aumentar esse livro-caixa até dar uma restituição para ela de 5.000. MÁRCIO —Até 5.000. VITOR — E eu cobro 6. Ou então... Ou então... Se você quer fazer... Pode dar uma restituição para ela de 6... MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Que aí, é o valor do meu honorário, ela não vai gastar nada. MÁRCIO — Tá faz 5 pra mim cobra 6, meu! VITOR — Tá bom! Tá bom! Faço... (...) MÁRCIO — Tá... VITOR —Aí, então fica 5 pra essa... Fica 10 pro outro ... É ... Como é que você quer fazer? Hã... Você vai conversar com ele, você vai transmitir e aí eu te provo que tá em malha... Não precisa provar, você vê pelo sistema... Porque vai aparecer ‘em processamento’. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alega a respeito dessa 8ª conduta, enquanto a defesa de MÁRCIO alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Contudo, da leitura do trecho de diálogo aqui transcrito, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Frise-se que, para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. In casu, é inequívoco que, durante a conversa ora mencionada, MÁRCIO se comprometeu, ainda que implicitamente, a entregar a referida vantagem financeira, ou seja, que houve corrupção bilateral, tendo ambos os acusados agido dolosamente para praticar os delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP). Note-se, por fim, que embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Emerson Favero e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Lilian Martzioros, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. Extrai-se do conjunto probatório que VITOR (auditor fiscal) e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), durante acerto prévio, teriam combinado a “liberação da malha fina” e a viabilização da restituição de cerca de R$ 46.000,00 (quarenta e seis mil reais) em favor do contribuinte Rodrigo Sepetiba, cliente do contador (SIQUEIRA), o que, contudo, ocorreria sob a condição de VITOR receber, como “garantia”, um cheque daquele cliente/contribuinte no valor da propina acordada. Assim, durante conversa travada em 26.03.2013 (interceptada às 15h46), VITOR solicita a SIQUEIRA, expressamente, a entrega do referido cheque (vantagem indevida) e, ao ser informado por SIQUEIRA que Rodrigo Sepetiba “só usa cartão”, os interlocutores combinam que o contador (SIQUEIRA) entregaria ao servidor (VITOR) “um cheque seu” como “garantia”. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 115 – ID 170518759): SIQUEIRA — Oi! VITOR — Oi, Siqueira. Eu já saí do serviço... É ... Lá não dava para conversar direito.... Você falou que o ... O... Tá tudo resolvido lá... Como é o nome do cara? SIQUEIRA — Rodrigo Sepetiba. VITOR— Sepetiba! Cê tá... Tá resolvido... Você pegou um cheque na mão? SIQUEIRA — Ele não tem cheque. Ele só usa cartão. VITOR — Não, e aí? SIQUEIRA — E aí você quer um cheque meu? Eu dou procê. VITOR — Eu preciso de uma garantia naquele valor. SIQUEIRA — Não, pode ficar tranquilo. Ele tá me devendo já desde o ano passado. VITOR — Porque é assim, não é só você... Que garantia você tem que ele vai te pagar? SIQUEIRA —Eu conheço o cara há mais de 20 anos. VITOR — Hã! Porque se ele não te paga, você vai chegar para mim e vai falar: Ó SIQUEIRA — Ele nunca ficou me devendo. Só no ano passado que ele não pagou. VITOR — É... SIQUEIRA — Porque não fiz a Declaração dele. Então não é que ele não me pagou. Ficamos elas por elas. Entendeu? Aí eu fiz um acordo com ele: Tá bom, então não precisa me pagar não. Quando sair a restituição, você paga. Ele falou: Fechado! Então foi um acordo das duas partes. Entendeu? VITOR — E, eu... Eu não gosto muito dessa situação, porque você até pode falar... SIQUEIRA —Não, mas aí... Você vai... Você vai receber o 16 e mais o 30, cara! VITOR — Não, não vejo problema! Assim... Eu fico pensando se ele não te paga, você vai chegar pra mim e falar ‘Ele não pagou’, né? Não é nem... nem falta de confiança em você. Não é isso não. É no cara mesmo que o valor é muito grande para ele, né? SIQUEIRA - Não, mas ele...mas acontece que o ano retrasado também ele recebeu restituição alta. Lembra? VITOR — É... Bom... SIQUEIRA — Talvez a gente.... (Incompreensível) VITOR — Tá você..., você então me dá um cheque seu? SIQUEIRA — Claro! Sem problema! VITOR — Tá... Tá bom! Então ficamos combinados assim. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 11ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, tendo-se em vista o evidente teor ilícito das tratativas realizadas, tendo havido, inclusive, expressa solicitação, por parte de VITOR, de um cheque assinado pelo contador (SIQUEIRA) em troca da viabilização da restituição do contribuinte Rodrigo Sepetiba, não poderia ser outra a conclusão senão a de que, também nessa ocasião (correspondente à 11ª conduta), VITOR praticou o delito de corrupção passiva. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática de 3 (três) delitos de corrupção passiva (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), bem como devem ser mantidas as condenações de VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 6ª conduta), e de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA – ART. 317, CAPUT E §1º, DO CP (2ª e 7ª condutas). No tocante à 2ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Segundo consta do Relatório de Inteligência Policial RIP n.° 02/2013 fl. 219 – ID 270552785), policiais federais diligenciaram, em 28.03.2013, no endereço da empresa de contabilidade de nome CONFITEC CONTABILIDADE LTDA (DHF ASSESSORIA CONTÁBIL & FISCAL), onde trabalhava o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, uma vez que, conforme tinha apurado o Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI), um grande volume de declarações tidas como fraudulentas havia sido enviado por meio do endereço de IP pertencente à CONFITEC. Consta que, por volta das 11h, os policiais federais avistaram o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA juntos, conversando “na varanda do piso superior do referido imóvel” (fl. 219 – ID 270552785), onde permaneceram alguns minutos, tendo, na sequência, retornado para o interior do imóvel (vide fotografias acostadas às fls. 219/221 – ID 270552785). Depois disso, apurou-se ter havido, no dia 01.04.2013, diversas trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e DENIS com o seguinte teor (fls. 222/229 – ID 270552785): SMS: Mande os cpf p/ suspender urgente. SMS: Recebeu esta no cel. SMS: Oi, segue alguns casos para v suspender: 565.156.267-20 luiz 983.122.518-04 neusa 523.069.258-87 Oridio 160553.258-45 Andrea bicudo, essa médica é da li. SMS: Troquei de aparelho e perdi sorry. (...) SMS: (...) até de 2010 sua. Depois me ligue ok. SMS: Te enviei agora. SMS: Recebeu? SMS: Ok. SMS: Show. SMS: Neusa e oridio são de outra jurisdição. SMS: Já estão em são Paulo. SMS: Não estão. Vc altera end c/ ID 2013. SMS: Vou alterar agora. SMS: Ok. Na sequência, em ligações interceptadas às 9h52 e às 9h57 do dia 04.04.2013, DENIS e VITOR mencionam, expressamente, o nome do contribuinte Luiz Fernando Rubira Gatto, um dos clientes do contador DENIS (fls. 230/231 – ID 270552785): VITOR: ‘Digue’ lá! DENIS: Preciso de um recibo aí, você consegue pra mim aí? VITOR: Claro, filho! Pode falar o CPF. (...) VITOR: Cícero Davi...Oh, o Davi! DENIS: É...você conhece ele. VITOR: Davi...2011...2011, base 10, Certo? DENIS: Certo. (...) DENIS: (Inaudível) também? O cara tá enchendo a minha paciência. É o Luis Gatto (inaudível). Não tem nenhuma pendência não, só mesmo as despesas. VITOR: É... DENIS: Você quer o CPF dele pra você ver aí? VITOR: Fala aí. DENIS: Pera aí, Vitão...o cara já para de me seguir (inaudível). VITOR: esse Davi já caiu em malha 2013, em omissão de rendimentos, viu? Alô! (...) DENIS: Você consegue puxar e ver? É Luis Fernando Rubira Gatto. VITOR: Luis com ‘S”? DENIS: É! VITOR: Luis... DENIS:... Fernando Rubira Gatto. VITOR: ...Fernando...Isso eu já descubro. Rubira...acho que isso já é suficiente. É! Fernando Rubira Gatto. Achei! Tá aqui. DENIS: Ah, é? Deu aí? VITOR: Humhumm! DENIS: você libera esse (inaudível). (...) VITOR: e aqueles outros casos. Você já retificou? Alô (cai a ligação). VITOR: Alô! DENIS: Oi, meu sinal tá ruim, viu! (...) VITOR: É, é...eu já liberei, tá? DENIS: Beleza pura! VITOR: Esses dois, o DAVI e o LUIS já estão em malha 2013. DENIS: eu sei! Eu sei! É...(inaudível) VITOR: Oi? DENIS: Luis Gatto fez 2013? VITOR: Fez. DENIS: Ah, ele fez? VITOR: Ele tem omissão de rendimentos. DENIS: 2013, né? Ele já fez, então? VITOR: Já. DENIS: Tá legal, bacana! te falar que tá tudo certo. Porque ele deu uma estressada comigo...ah, então ele já fez. Tá legal. Azar o dele. Beleza! (...) VITOR: Nós estamos falando de quem? Do Luis Rubira Gatto, né? DENIS: É. Já fez 2013? VITOR: Já fez. O Davi também. Só que os dois “tão” em malha. DENIS: Legal! Beleza...Tranquilo! VITOR: Tá bom? DENIS: Beleza pura! VITOR: Ok! DENIS: Falou, velhão. Depois te ligo aí. Abraço VITOR: Falou, tchau! DENIS: Tchau, tchau. Repare que, durante o referido diálogo (travado em 04.04.2013) VITOR, ao que tudo indica se referindo à declaração de Luís Fernando Rubira Gatto, diz: “eu já liberei, tá?” (fl. 230 – ID 270552785). Em face desses indícios, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que, às 9h46 do dia 04.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto (cliente do contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA), sob a justificativa formal de que o contribuinte havia apresentado comprovação das deduções pleiteadas ou demonstrado sua admissibilidade, o que, de acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), teria sido feito de maneira flagrantemente irregular, isto é, sem a elaboração de dossiê eletrônico em nome do contribuinte e sem que tenha havido atendimento presencial (vide fls. 178/181 e 204 – ID 270552801). Além disso, quatro dias depois (em 08.04.2013), VITOR (auditor fiscal), valendo-se do endereço eletrônico titoreceita@yahoo.com.br, enviou um e-mail ao contador (DENIS), no corpo do qual solicitou, expressamente (e por escrito), como contrapartida pela referida “liberação da malha fina” (ocorrida em 04.04.2013), o pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). A transcrição do referido e-mail enviado por VITOR ao contador (DENIS) é a seguinte (fl. 101 – ID 170518759): Chequei as declarações fechadas de 2012 e não encontrei o Luís Fernando... eu já liberei, então vc. Me deve r$ 4 mil. Muito embora, em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR alegue que não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento em relação à presente conduta (2ª conduta descrita na denúncia), os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva em sua forma qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula Silva Ferreira (CPF: 168.826.978-92). Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Segundo consta, VAGNER (contador) disse a VITOR (auditor fiscal), em diálogo interceptado no dia 16.04.2013, às 14h46, que a DIRPF 2012 de Jane Paula (cliente daquele contador) teria sido retida em “malha fina”. Informado por VAGNER (contador) de que este cobraria, de sua cliente, a título de honorários pelo serviço de “liberação da malha fina”, valor correspondente ao da restituição do imposto de renda, equivalente a cerca de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), VITOR solicita, para si, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais). VAGNER diz, então, que ficaria com restante do montante a ser restituído no mês seguinte (cerca de R$ 1.500,00 – mil e quinhentos reais), caso a contribuinte (Jane Paula) aceitasse a proposta. A transcrição de parte do referido diálogo é a seguinte (fls. 88/89 - ID 270552786 e fl. 106 – ID 170518759): VAGNER – Agora é o seguinte, lembra de uma mulher que eu falei que a burra foi retificando a Declaração dela porque foi dando inconsistência e ela ficou na malha retificadora? VITOR – Sim. VAGNER – Aí você falou assim ‘deixa aí essa porra...uma hora a gente vê...’ VITOR – Hã! VAGNER – Ela tem uma restituição legal pra gente trabalhar, mas assim...ela precisa que libera a declaração dela do ano passado, cara! Porque ela falou assim ‘cara, eu não sei mais o que fazer...’ eu falei pra ela ‘não mexa mais nessa porra. Deixa parado esse negócio lá que eu vou ver o que eu resolvo’. Ela tá pedindo de volta 4 ‘pau’. É... eu falei pra ela o seguinte, ‘se você pagar esses 4 ‘pau’ eu acho que eu consigo te ajudar. Só que você vai ficar sem nada, mas acho que eu consigo te ajudar’. E aí eu te pergundo: o que você acha? VITOR – Então, eu preciso ver, né? VAGNER – Você quer o CPF dela? (...) (...). VITOR — Tava o meu colega aqui do lado, não dava pra falar abertamente. Me dá o CPF dela, então... (...). VITOR — Olha, eu posso até... Eu posso até... Eu posso até liberar, mas assim... Hã... Eu libero, você não precisa retificar, nem nada. Só que a minha proposta é a seguinte: quando ela receber... Ela vai receber 4.418. Ela me dá 3. VAGNER — Tá bom! Eu pego 1.000 pra mim. Vou cobrar tudo dela. VITOR — É... você pega... VAGNER — Vou falar para ela ‘É pegar ou largar, filha’! VITOR —Não, você vai pegar mil... 1.500, mais ou menos... VAGNER — Quanto que dá de correção... Você sabe? VITOR — É um ano de correção... A SEL1C lá na faixa de 07... É 7% de correção. Com certeza! VAGNER — É 4.700, que vai dar. Eu vou falar pra ela o seguinte... É...É...E 4.700 os honorários para liberar isso aqui. E aí, se você liberar agora, já sai o mês que vem essa porra..., vou falar para ela. VITOR — É. VAGNER — Vou fazer essa proposta então. VITOR — Tá. VAGNER Tá bom? VITOR — Tá! Aí você faz... Você faz o seguinte, você pede algum...um cheque, né? Dela... Depois disso, apurou-se ter havido, às 16h16 do dia 16.04.2013 e às 10h06, 10h08 e 10h09 do dia 17.04.2013, trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e VAGNER com o seguinte teor (fls. 90/91 – ID 270552786): SMS: Pode liberar a Jane. Ela topou. (...). SMS: Bom dia. Não esquece de liberar a Jane. Abs. SMS: Já foi. SMS: Ela vai mandar o cheque amanhã. Com efeito, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que VITOR efetuou uma série de consultas à DIRPF 2012 de Jane Paula no mesmo horário em que conversou com VAGNER ao telefone e que, às 13h33 do dia 17.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) daquela contribuinte (cliente do contador VAGNER FABIANO MOREIRA). De acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), em 01.05.2013, o sistema promoveu a emissão do lote de restituição para a DIRPF 2012 de Jane Paula Silva Ferreira, tendo sido o valor disponibilizado para a contribuinte em 15.05.2013 (vide fl. 166 – ID 270552802). Ainda de acordo com o Relatório elaborado pela Receita Federal, “não foram encontrados quaisquer registros de atendimento da referida contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA. Também não foi encontrado nenhum dossiê contendo os documentos que o Auditor-Fiscal afirma terem sido apresentados pela contribuinte para comprovar as deduções pleiteadas e/ou demonstrar sua admissibilidade” (fl. 168 – ID 270552802). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 7ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de, nessa ocasião, VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante tudo o que foi exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática de outros 2 (dois) delitos de corrupção passiva qualificada (referentes às 2ª e 7ª condutas). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA – ART. 317, §2º, DO CP (1ª, 4ª e 10ª condutas). PRESCRIÇÃO. A prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). No caso concreto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) foi condenado pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), com fulcro no artigo 317, §2º, do Código Penal. Houve, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa de três circunstâncias judiciais (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Operou-se o trânsito em julgado para a acusação, de maneira que o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de corrupção passiva privilegiada não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de corrupção passiva privilegiada ocorreram em 22.03.2013, 26.03.2013 e 23.04.2013 (fls. 08/15 – ID 170518764), isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE PECULATO ELETRÔNICO (ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL). O art. 313-A do Código Penal, assim dispõe: Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O delito de "inserção de dados falsos em sistema de informações" ou "peculato eletrônico" é misto alternativo (ou de ação múltipla), que possui, no seu bojo, vários verbos nucleares, quais sejam: "inserir" (introduzir, implantar, incluir), "facilitar a inserção" (auxiliar, tornar fácil a inserção), "alterar" (mudar, modificar) e "excluir" (remover, afastar, eliminar), de modo que, praticada quaisquer das condutas descritas, estará consumado o crime. Inclusive, a prática, em um mesmo contexto fático, de dois ou mais dos comportamentos previstos, enseja, em princípio, a responsabilização por uma única infração penal, não se havendo de falar em concurso de crimes. Além disso, para que se possa atribuir a um sujeito a autoria do delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, é indispensável a presença do dolo, isto é, da vontade livre e consciente de inserir/facilitar a inserção de dados sabidamente falsos (ou de alterar/excluir indevidamente dados corretos) em sistema ou banco de dados da Administração, bem como é imprescindível que o agente atue com a especial finalidade (elemento subjetivo que transcende ao dolo) de causar dano ou de obter vantagem indevida (de qualquer natureza) para si ou para outrem. Atente-se que, embora seja indispensável, para a caracterização deste crime, que o agente atue com o especial propósito de causar dano ou obter vantagem indevida (elemento subjetivo que transcende ao dolo), não se exige a efetiva produção de um resultado naturalístico para a sua consumação. Por se tratar de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá com a inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. OBTENÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDA. PENAS DE MULTA REDIMENSIONADAS. (...) 4. Restou demonstrado que foram inseridas informações falsas nos sistemas informatizados do INSS com o fim de garantir que a segurada cumprisse a carência necessária à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que deve ser mantida a condenação das apelantes pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. 5. O delito em questão, por ser crime formal, não exige a comprovação da ocorrência de resultado naturalístico para a sua consumação. Portanto, é irrelevante para a sua configuração a demonstração da efetiva obtenção de vantagem indevida. 6. A conduta narrada na denúncia - inserção de dados falsos no sistema da Previdência a fim de obter vantagem para si ou para outrem - subsome-se ao delito tipificado no art. 313-A do Código Penal, que foi aplicado com base no princípio da especialidade. (...) 11. Apelações desprovidas. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0007023-87.2014.4.03.6110, Rel. Nino Toldo, DJF3 Judicial 1 de 11.02.2019) APELAÇÕES CRIMINAIS. ARTIGOS 171 §3º e 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS VISANDO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA. NULIDADE AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. Crime formal, não exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico. Consuma-se, portanto, com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo penal, independentemente de efetiva obtenção de vantagem indevida ou ocorrência de prejuízo, que configuram exaurimento do crime. Segundo a acusação, a ré foi contratada para intermediar o requerimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Por sua vez, o outro réu, então servidor do INSS, tinha a incumbência de inserir dados falsos no sistema da autarquia, com a finalidade de garantir o êxito do requerimento do benefício. A conduta imputada aos acusados subsome-se ao crime descrito no art. 313-A do Código Penal. Prescrição afastada. Pena em concreto. (...) Apelação do réu a que se nega provimento. Apelação da ré a que se dá parcial provimento. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0008014-32.2015.4.03.6109, Rel. José Lunardelli, e-DJF3 Judicial 1 de 07.01.2019) Trata-se de crime próprio, que somente pode ser praticado por funcionário público (ou alguém a ele equiparado, nos termos do art. 327, caput e respectivos parágrafos, do CP). Além disso, apenas pode figurar como sujeito ativo o funcionário público que, além de ostentar essa qualidade, é autorizado a acessar/operar, por meio de senha ou qualquer outro comando, determinado sistema de informações da Administração Pública não aberto a outros funcionários ou ao público em geral. Em se tratando o agente de funcionário público "não autorizado", ficará afastada a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP, podendo se caracterizar, nessa hipótese, o delito de falsidade ideológica (inteligência do art. 299 do CP) ou, ainda, o delito previsto no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, por exemplo. É relevante salientar que, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como co-autores ou partícipes pelo crime previsto no artigo 313-A do Código Penal, desde que tenham pleno conhecimento de que o executor primário se trata de um funcionário público, isto é, desde que saibam que o delito está sendo praticado juntamente com um funcionário público. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: PENAL. ART. 313-A CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1- A denúncia aponta que os réus obtiveram vantagem ilícita, mediante fraude, em detrimento do INSS. A fraude supostamente utilizada pelos réus envolveu a utilização de sistemas informatizados e/ou banco de dados do INSS o que atrai a incidência do art. 313-A do Código Penal, específico para a situação. 2- A interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público Federal visando ao aumento da pena dos réus conduz à fixação do prazo prescricional segundo a pena máxima abstrata. Prescrição afastada. Entre os marcos interruptivos da prescrição, não decorreu prazo superior a 16 (dezesseis) anos. 3- Reconhecido o concurso de pessoas na prática do crime previsto no art. 313-A, o particular (não funcionário público) que tenha a vontade livre e consciente para agir com o funcionário público na obtenção de vantagem ilícita, deve responder pelo crime funcional como coautor ou partícipe. 4- Materialidade e autoria demonstrada. Prova documental e testemunhal. Confissão de um dos réus. 5- (...) (TRF3, Décima Primeira Turma , APCRIM 0001204-89.2007.4.03.6119, Rel. José Lunardelli, E-Djf3 Judicial 1 de 14.02.2017) O bem jurídico tutelado é a probidade administrativa, a moralidade e o patrimônio público, além da confiabilidade social nos sistemas e/ou banco de dados mantidos pela Administração Pública e respectivo conjunto de informações neles contidas, razão pela qual não se há de falar em aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: PENAL. PROCESSO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CP, ART. 313-A. NULIDADES. CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INAPLICABILIDADE. DEFESA DO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OMISSÃO. PREJUÍZO. COMPROVAÇÃO. EXIGIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENSÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. STJ, SÚMULA N. 444. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, o procedimento previsto no art. 514 do Código de Processão Penal não é aplicado se o funcionário público deixou de exercer a função na qual estava investido (STF, AP n. 465, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.04.14; STF, RHC n. 114116, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.12.12 e STF, HC n. 110361, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.06.12). 2. Embora o inquérito policial não supra a defesa prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, a omissão desta somente enseja nulidade se comprovado o efetivo prejuízo, consoante os precedentes do Supremo Tribunal Federal. (STF, Ag. Reg. no RHC n. 121.094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14 e STF, RHC n. 120.569, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.14). Para o Supremo Tribunal Federal, a prolação de sentença condenatória prejudica a alegação de nulidade por inobservância do art. 514 do Código de Processo Penal (STF, RHC n. 12.7296, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.06.15 e STF, Ag. Reg. no RHC n. 121094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14). 3. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a Administração Pública, não só no seu aspecto material mas também no moral, como sucede nos casos de peculato e inserção de dados falsos em sistema de informações (STJ, HC n. 165.725, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16.06.11; REsp n. 1378710, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.06.13, decisão monocrática; TRF da 3ª Região, ACR n. 00063043820044036181, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.01.13). 4. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito, é mantida a condenação da ré. 5. Dosimetria. No tocante a personalidade voltada para o crime, em consideração às condenações da ré pelo mesmo delito por outros fatos, não cabe valorá-los em prejuízo da ré sem a comprovação de trânsito em julgado, conforme dispõe a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Preliminar rejeitada. 7. Apelações desprovidas. (TRF3, Quinta Turma, ApCrim 0009695-23.2013.4.03.6104, Rel. André Nekatschalow, e-DJF3 Judicial 1 de18.10.2019) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância não é aplicável ao caso, ainda que seja de pequeno valor o prejuízo causado aos cofres da União, pois há um alto grau de reprovabilidade na conduta, que atinge a coletividade como um todo e a moralidade administrativa. 2. Apelação provida. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0006637-46.2012.4.03.6104, Rel. Nino Toldo, e-DJF3 Judicial 1 de 02.10.2019) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMÁTICA. CADASTRO DO BOLSA FAMÍLIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. SAQUES DO BENEFÍCIO DEPOSITADO EM CONTA DA AGENTE. ESTELIONATO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CP. DOLO NÃO COMPROVADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE COISA HAVIDA POR ERRO. - Comete o crime do art. 313-A do CP o agente que, na condição de menor aprendiz da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Trabalho (SEDEST) de Petrolina/PE, lotado no setor responsável pelo cadastro do Bolsa Família, insere dados falsos no sistema de informática com o objetivo de beneficiar terceiro que não preenchia os requisitos para integrar o referido programa de transferência de renda. Inteligência do art. 327, parágrafo 1º, do CP. - O delito tipificado no art. 313-A do Código Penal é modalidade de crime contra a administração pública, que resguarda, não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica, razão pela qual a ele não se aplica o princípio da insignificância. Precedente citado: STJ, AgRg no REsp n. 1.382.289/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE 11/6/2014. Hipótese, ademais, em que o valor total recebido pela apelante beneficiada pelo Bolsa Família perfez o montante de R$ 2.652,00, o qual supera em muito o salário mínimo vigente à época do fato e, ausente de dúvida, não pode ser tido como valor irrisório. - "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231 do STJ). Entendimento consolidado na jurisprudência com reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF, que reafirmou a orientação no sentido de que "circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (RE 597.270-RG-QO/RS). Pena mantida em 2 (dois) anos de reclusão, o mínimo previsto em lei para o crime do art. 313-A do Código Penal. - Não provimento do apelo interposto pelo agente responsável pela inserção de dados falsos em sistema informatizado da Administração Pública. (...) - Apelação do réu não provida e apelação da ré provida, em parte, para desclassificar a conduta descrita na denúncia para a do art. 169 do CP, com a fixação de nova pena. (TRF5, Quarta Turma, ACR - Apelação Criminal - 13833 0000028-69.2015.4.05.8308, Rel. Rubens de Mendonça Canuto, DJe de 12.08.2016, Página 160) CASO CONCRETO. Quanto aos crimes de peculato eletrônico, apurou-se, em síntese, que o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, agindo em conjunto com contadores e/ou contribuintes beneficiários, teria inserido, no sistema informatizado da Receita Federal, por diversas vezes, dados falsos consistentes em afirmações (inverídicas) de que contribuintes teriam comprovado deduções constantes de suas declarações de imposto de renda (DIRPFs), bem como teria emitido comandos de desbloqueio (com base em informações sabidamente falsas), possibilitando, assim, emissões irregulares de notificações de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir. Foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em continuidade delitiva, de oito delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas descritas na denúncia); EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia); FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia); JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia); CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática, em continuidade delitiva, de três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia); MAURO SERGIO ARANDA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese, que todas as condutas de peculato eletrônico descritas da denúncia são atípicas, já que não teria existido inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682). A defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). A defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. As defesas de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e MAURO SERGIO ARANDA alegam, em síntese, que os acusados devem ser absolvidos, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico (fls. 07/17 - ID 170518607, fls. 157/169 - ID 170518607 e fls. 57/61 - ID 170518682). Pois bem. No tocante às 1ª e 2ª condutas, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, após as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) de EDSON terem sido bloqueadas, por suspeita de fraude, nos dias 30.06.2010 e 12.05.2011, respectivamente, VITOR, em 15.02.2012, consultou as referidas declarações (às 10h05) e, na sequência (às 10h07 e às 10h08, respectivamente), desbloqueou-as, liberando-as, irregularmente, da “malha fina”, mediante afirmações (inverídicas) de que o contribuinte teria comprovado as deduções constantes de cada uma dessas declarações, o que possibilitou a disponibilização, em 01.03.2012, em favor de EDSON, de restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos) – correspondente à DIRPF/2010 - e de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos) – correspondente à DIRPF/2011 (vide fls. 165/175 - ID 270552801). Quanto à alegação da defesa de EDSON no sentido de que este “não obteve qualquer benefício com a suposta conduta” (fl. 64 – ID 170518682), cabe reiterar que, para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. In casu, de qualquer sorte, o Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas (vide fls. 165/175 - ID 270552801), revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções. Conforme explicitado na r. sentença, constou do aludido relatório que, em 15.02.2012, o servidor VITOR consultou as DIRPFs de EDSON e “efetuou o desbloqueio da lista (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB) e, automaticamente, o sistema a selecionou para a malha fina, o que levou o corréu a liberar a DIRPF mediante informação inverídica de que o contribuinte comprovara as deduções (...)” – fls. 117/118 – ID 170518759. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de EDSON FERREIRA DA SILVA pela prática, em concurso de agentes, de ambos os delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia). No tocante à 3ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que a declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa constava em malha fiscal e que, após a emissão eletrônica de intimação (em 30.12.2012), o servidor VITOR procedeu, em 01.04.2013, à liberação daquela DIRPF da “malha fina”, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da seguinte informação: “O CONTRIBUINTE APRESENTOU COMPROVAÇÃO DAS DEDUÇÕES PLEITEADAS E/OU DEMONSTROU SUA ADMISSIILIDADE” (fl. 180 – ID 270552801). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome de Marco Antonio de Castro Correa (conforme fl. 181 – ID 270552801). Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la (fl. 119 – ID 170518759): Vitão de acordo aquele processo referente ao ano de 2009 de Marco Antonio de Castro Corea, já foi deferido. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 4ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, em 05.05.2012, às 15h05, houve o bloqueio, para fins de fiscalização, da DIRPF/2012 de Marcelo Melro Mendonça e que, posteriormente (em 18.03.2013, às 15h11), o servidor VITOR “desbloqueou” a referida DIRPF (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB), tendo, ainda, no dia seguinte (em 19.03.2013, às 11h53) inserido dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal, a fim de “liberar” a declaração e possibilitar a emissão de notificação para restituição (indevida) de montante equivalente a R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos) – vide fls. 32/34 – ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte Marcelo Melro Mendonça. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF de Marcelo e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito (vide fl. 32 – ID 270552802). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 5ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que (vide fls. 160/164 – ID 270552801): “a DIRPF 2012 da contribuinte Maria José Marchetti Torrano foi incluída em malha em face de: a) inconsistência de dados de fontes pagadoras (código MF 210); b) suspeita de despesas médicas inidôneas (código MF400), especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão, não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 125.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fls. 163/164 – ID 270552801); “a DIRPF 2012 de Olavo Marchetti Torrano foi incluída em malha devido a suspeita de omissão de rendimentos de aluguéis recebidos de pessoa física pelo titular (Código MF 300) e de suspeita de despesas médicas inidôneas (Código MF400); especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 68.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fl. 164 – ID 270552801); A DIRPF 2012 de Gerson Gomide ficou “retida em malha fiscal por suspeita de declarações médicas inidôneas (parâmetro MF 400)” – fl. 122 - ID 170518759. Demonstrou, também, que as declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano foram “liberadas da malha fina” pelo servidor VITOR no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, respectivamente, bem como que a DIRPF/2012 de Gerson Gomide foi “liberada” da malha fiscal, também pelo servidor VITOR, em 12.06.2012, sempre mediante a informação inverídica de que os contribuintes teriam comprovado as deduções sob suspeita ou demonstrado sua admissibilidade. Consta, inclusive, que, graças às aludidas inserções de dados falsos no sistema da Receita Federal, os contribuintes receberam, indevidamente, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Em 12.03.2013 e em 19.03.2013, p.ex., trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 207 – ID 170518766): De: cleidemariac (...) Para: Vitor (...) Enviadas: Terça-feira, 12 de Março de 2013 16:12 Assunto: Notificação de nosso contribuinte. Olá Vitor Anexo a notificação do contribuinte, ele pagou na ocasião. Aguardo retorno Desde já agradeço abs Cleide Maria. De: Vítor Aurélio (...) Para: cleidemariac (...) Enviada em: terça-feira, 19 de março de 2013 18:47 Assunto: Re: Notificação de nosso contribuinte. Cleide, Desculpe a demora p/ responder este caso. Já está liberado. Abs. Em 05.04.2013, às 11h28 e às 12h10, CLEIDE e VITOR trocam, via SMS, as seguintes mensagens: CLEIDE: Oi Vitor, t perdida, ainda n)o fiz nenhum ir, e se eu fizer quase todos igual ano passado? O que vc acha? Abs VITOR: funciona. exceto p/ casos q liberei. Por fim, apurou-se que, em 10.04.2013 (às 13h45), a contadora (CLEIDE) encaminhou, ao auditor fiscal (VITOR), mensagem de correio eletrônico (e-mail) com o seguinte teor (fl. 03 – ID 170518943): Oi Vitor Não querendo incomodar mas já incomodando......não tem jeito de fazermos apenas uns 10. O repasse do serviços para você seria de R$ 4.000,00, com exceção da Maria José que seria R$ 6.000,00. Eu poderia fazer + ou - igual ao ano passado, somente teria alteração quanto a Maria José Torrano, Olavo Torrano e Gerson Gomide que foi lançado o Albert Einsten...pois não sei se pode usar este recurso.... Faríamos somente este ano, e já aviso aos mesmos que não será possível a partir de 2014. Senão for possível eu entendo, não podemos nos prejudicar de maneira alguma. Obrigada Cleide Maria Ora, não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide), é firme, com base nas trocas de mensagens supramencionadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 de Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de CLEIDE MARIA RIBEIRO pela prática, em concurso de agentes, dos referidos três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) revelou que, no dia 26.04.2013, às 13h44, o servidor VITOR efetivamente liberou, da “malha fina”, a referida declaração, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da informação (inverídica) de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções pleiteadas. Como resultado, a conduta criminosa gerou a restituição (indevida), em favor do contribuinte, de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos) – vide fls. 168/169 - ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome de Henry Luis Fornitano. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração de Henry Luis Fornitano (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração de Henry Luis Fornitano. Em 04.04.2013 e em 08.04.2013, os corréus trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 101 – ID 170518943) De: Mauro Aranda (...) Para: Victor (...) Enviadas: Quinta-feira, 4 de Abril de 2013 10:23 Anexar: 21401986897-1RPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao.pdf; 21401986897-1RPF-2012- 20111-retif-imagem-declaracao.pdf Assunto: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-1RPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Devidas correções feitas. De: Vitor Aurélio (...) Para: Mauro Aranda (...) Enviada em: segunda-feira, 8 de abril de 2013 19:10 Assunto: Re: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-IRPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Agora sim... pode transmitir o Henry. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) de Henry Luís Fornitano ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. Transcreve-se, aqui, o referido diálogo interceptado em 17.04.2013, às 11h47 (fls. 102/103 – ID 170518943): VITOR - Alô! MAURO - Alô! VITOR - Ô, meu! O que aconteceu...Você tava preso? (...). MAURO - Graças a Deus a coisa tá fluindo. Eu tô com um negócio aqui, eu preciso que você me ajude. Você viu que eu mandei do HENRY de novo, né? VITOR - Pera aí... Repete. Não entendi nada. MAURO - Você viu que eu mandei o IR do HENRY de novo... VITOR - Não, não vi. Você mandou? MAURO - Puta... Você não falou pra mandar... Você mandou um e-mail pra mim que podia mandar daquele jeito que tava? VITOR - Sim! MAURO - E tá dando pendência no Bradesco Saúde. VITOR - Ah, que... !MAURO - Você consegue ver isso aí? 1VITOR - Bom... É, bom... Paciência, né? Aí é... Aí é comigo. MAURO - (Risos)... Faz o seguinte, você vai fazer o que hoje à noite? VITOR - Hoje... Ah, hoje eu vou lá no puteiro perto de casa. MAURO - Meu, para com isso! Vira evangélico. Para de fazer bagunça! Vamo trabalhar... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tô com uma pilha de Imposto de Renda da minha frente. Eu tô olhando pra ela, tô com vontade de rasgar tudo e sair correndo... Você não tem noção (inaudível) trabalhar, tem um monte de coisa na minha mesa. Tô pensando em jogar tudo fora. VITOR - (Inaudível) MAURO - (Inaudível) tá vindo o pessoal do banco pra cá... Banco Safra. VITOR - Imagino que você esteja quase louco, mas... MAURO - Você vai... Você vai lá na Pompéia então? VITOR - Eu tô lá! MAURO - Que horas que você vai pra lá? Acho que vou lá conhecer. Vamo marcar umas 7h00 lá? VITOR - Ah, vamo... Você não quer ir um pouco mais tarde? MAURO - Pode ser. Você que me fala. Que horas? iVITOR - É... Eu tô... Eu tô pensando, assim... Você podia ir lá umas 8 e meia. MAURO - (Inaudível) sair daqui, eu te ligo. É mais fácil. VITOR - muito tarde? MAURO - Não, pra mim tudo bem. Não tem problema. Eu... preciso tirar esse monte de pendência da minha vida aqui...São coisas que eu acabo passando até vergonha aqui, porque eu não resolvo as coisas. VITOR - É... Mas escuta, você tem notícias da CRISTINA? MAURO - Tenho, tá aqui a carta que chegou aqui, só que ela tá viajando. Chegou a carta dela aqui... Cadê? Tá aqui na minha frente... Puta, os caras bateram palma... Por isso que eu tô... O pessoal do Banco Safra todinho vai vir pra cá agora por causa disso. Eles acharam o trabalho excelente, tudo... Tirando as mancadas que eu deixei... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tomei uma puta bronca. Ela falou ‘Meu, esse ROBERTO aqui não aparece...’, eu falei ‘Você quer que o cara aparece, manda carta dele, um cartão de Natal pra você, mas ele não vai botar o nome dele aqui...’. Ele mandou outro cara fazer a intimação dela. Então, fica tranquilo eu te passo hoje à tarde como é que tá a posição. VITOR - Ué? Mas eles já tavam sabendo que isso ia acontecer? MAURO - É... Não falei pra você que o marido dela é um cara que passa os negócios pra gente...O que que ele fez? Ele automaticamente... Falei ‘O, sua esposa vai receber intimação. Eu já recebi lá pra fechar...’, porque tava achando que não ia fechar a operação nunca. VITOR - Hã! MAURO – ‘Pode ficar tranquilo que tá fechando. Ela vai receber a carta...’, ele falou ‘Meu, o problema é que se minha mulher pegar isso aí na mão, ela vai ter um infarto’, falei ‘Então, avisa ela que ela vai ser intimada pra não ficar... Não ter infarto antes da hora’. VITOR - Pô, mas até o marido tá sabendo disso? Por quê? Não tô entendendo... MAURO - Não, o cara que passa o trabalho pra gente. Não, fica tranquilo! Eu te explico, mas assim... 100% seguro. Pode ficar sossegado. VITOR - É, porque, eu pensei assim, que era você que tava fazendo isso pra dar um susto nela. MAURO - Não, não, não... É pra garantir os próximos serviços dele. Porque ele ficou meio... Ele achou meio estranho porque... Como o dele caiu lá na situação e ninguém resolveu, ele ficou doido. Ele falou ‘Meu, cadê sua força?’, falei ‘Cadê minha força... Não me dá carta na mão, como é que eu posso ter força?’, mas eu te explico. Fica tranquilo que à noite eu te explico. VITOR - Bom, mas ele tava sabendo que você ia pedir pra um fiscal fazer a intimação? MAURO - Não, não. Ele não tava sabendo. Eu falei ‘Ela vai dançar, porque ela...’. VITOR - Ah, bom! MAURO - ... ‘Tem um patrimônio não declarado, que entrou uma puta grana na conta dela, ninguém explica nada, então ela vai dançar. Vai ser automático isso aí’, aí, ele falou ‘Como é que vai resolver?’, falei ‘Meu, a hora que chegar a carta, não esquenta. Me dá a carta que eu resolvo...’. VITOR - (Inaudível) MAURO – ‘Eu tenho gente que me ajuda a fazer Isso ai’. VITOR - Tá bom! MAURO - É isso que ele queria entender. VITOR - Ah... Hamhamm! MAURO - Ele não sabia quem era. VITOR - Tá... Tá bom! Belê! MAURO - Pode deixar comigo então. Umas 8, 8 e meia a gente se fala. VITOR - Tá bom. Falou! MAURO - Um abraço! VITOR - Outro, tchau! Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de MAURO SERGIO ARANDA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART. 325 DO CÓDIGO PENAL). O art. 325, caput e §1°, do Código Penal, assim dispõe: Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) O crime de violação de sigilo funcional (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada) se caracteriza pela conduta de, oralmente ou por escrito, revelar e/ou facilitar a revelação de informações confidenciais conhecidas em razão do cargo ocupado pelo agente público. O sigilo pode decorrer de Lei, de determinação judicial ou de determinação administrativa, p. ex., sendo que, para a caracterização do delito, é necessário que o funcionário tenha consciência da necessidade do segredo, por força de sua função, e que o segredo seja de interesse público. Note-se que, em se tratando de fornecimento de informações protegidas por sigilo que caracterize violação de sigilo fiscal, ato que, inclusive, configura improbidade administrativa, há, no âmbito administrativo, previsão de aplicação de pena de demissão (inteligência do art. 132, IX, da Lei n.° 8.112 de 11.12.1990), podendo o servidor, ainda, responder no âmbito cível, em ação de reparação de danos materiais e morais. E mesmo em se tratando de meros dados cadastrais, os quais, em regra, não são protegidos por sigilo fiscal, é certo que a lei determina o dever funcional de sigilo sobre assuntos da administração pública (inteligência do art. 116, incisos III e VIII, da Lei n.° 8.112/1990, os quais devem ser combinados com normas internas de cada órgão da administração), de maneira que o servidor público que, imotivadamente, acessar dados cadastrais para divulgá-los ou fornecê-los a quem não esteja legalmente autorizado a conhecê-los, estará descumprindo, eventualmente, dever funcional de observância às normas legais e regulamentares e, consequentemente, estará sujeito às sanções previstas no art. 325 do Código Penal. O bem jurídico tutelado é o regular funcionamento da Administração Pública, que poderia ser comprometido pela divulgação não autorizada de informações sigilosas. A norma visa coibir funcionários públicos de, no exercício de suas funções, revelarem fatos que devam permanecer em segredo, assegurando, assim, a confidencialidade necessária para a manutenção da eficácia administrativa e a salvaguarda do interesse público. Trata-se de crime formal, uma vez que se consuma no momento em que a informação sigilosa se torna conhecida por pessoa não autorizada, e que apenas admite a modalidade dolosa. Importante mencionar, por fim, que o delito em questão não se confunde com o de violação de segredo profissional, previsto no art. 154 do Código Penal, o qual pune a conduta de “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Neste último caso, os sujeitos ativos não se tratam de funcionários públicos responsáveis por sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública, mas sim de profissionais do setor privado, conhecidos como “confidentes necessários”, a exemplo dos advogados, sacerdotes, médicos e psicólogos, p. ex.. CASO CONCRETO. PRESCRIÇÃO. Quanto aos crimes de violação de sigilo funcional, houve a condenação de: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática, em continuidade delitiva, de quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª e 3ª condutas descritas na denúncia). Quanto ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, o r. juízo a quo reconheceu o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade deste acusado em relação aos delitos de violação de sigilo funcional. Em face do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a denúncia foi recebida apenas em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612), razão pela qual afastou-se, no momento da prolação da r. sentença (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759), a ocorrência de prescrição em relação a este acusado. Foi-lhe, pois, imputada, a pena de 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção pela prática, em continuidade delitiva, dos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). Não obstante, considerando que, no presente momento, já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição também em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH. Reitere-se que a prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de violação de sigilo funcional não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de violação de sigilo funcional ocorreram nos dias 19.03.2013 (1ª conduta), 25.03.2013 (3ª conduta), 03.04.2013 e 09.04.2013 (4ª conduta) e 26.03.2013 (5ª conduta) – fls. 03/38 – ID 170518764, isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI Nº 9.613, DE 03.03.1998). O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem (ilação que deve ser compreendida em coerência com a aplicação dos postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção do Direito Penal). Cumpre asseverar que, de acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente (cite-se, como exemplo, as operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras realizadas de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas - vide STF, AP n. 996, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29.05.2018, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção); controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas. Imperioso destacar, que, para fins de consumação do delito, não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas, dispensando-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. No que tange à desnecessidade da ocorrência de todas as etapas da lavagem e da sofisticação das condutas, confira-se: “Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de ‘lavagem de capitais’ mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, ‘caput’): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’ transnacional, com os quais se ocupa a literatura”. (STF, RHC 80816, Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18.06.2001) A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Tendo em vista a especial efetividade de que a persecução estatal deve imbuir-se no combate à criminalidade organizada, consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal, de sorte que o legislador pátrio o fez refletir na Lei nº 9.613/1998, cujo art. 2º, inc. II e § 1º, estabelece que: “II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. A autonomia da repressão ao delito de lavagem mostra-se certíssima medida processual penal assimilada pelo sistema normativo atual, o qual exige apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 1º, INCISO V, DA LEI 9.613/98. ABSOLVIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE: INOCORRÊNCIA DO CRIME DE LAVAGEM. CRIME DE DESCAMINHO. MODALIDADE TER EM DEPOSITO. APREENSÃO DA MERCADORIA: AUSENCIA DE PROVEITO ECONÔMICO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, que rejeitou a absolvição sumária do paciente, nos autos da ação penal nº 0000172-23.2008.403.6181. 2. O paciente foi denunciado porque teria ocultado a propriedade de bens, provenientes de delito contra a Administração Pública, consistente em contrabando e descaminho, crime este apurado nos autos 2007.61.81.014628-5. 3. A Primeira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento da apelação 2007.61.81.014628-5, por unanimidade, negou provimento ao apelo da acusação e deu parcial provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", c.c art. 29, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo o acórdão transitado em julgado. 4. Considerada a absolvição do crime antecedente, não há que se falar na ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. 5. Nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, e artigo 2º, inciso II, e §1º, da referida lei, prescinde-se da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente. Não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente. 6. No caso em tela, há uma particularidade, o crime antecedente nessa ação penal foi um crime bem definido e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem. E não houve prova suficiente para condenação do réu no crime antecedente, de modo que não restou caracterizado o crime de lavagem, por ausência da prévia ocorrência de crime do qual o numerário seja proveniente. 7. Caso não fosse imputada a autoria conhecida a alguém, o fato de não existir condenação não impediria que o crime de lavagem fosse imputado a outra pessoa. Mas uma vez imputada a autoria do crime de lavagem a um autor, que é o mesmo agente que se imputa o crime de lavagem, a absolvição com relação ao crime antecedente, esvazia a própria imputação de lavagem. 8. O Estado reconheceu em outra ação penal que não existe prova suficiente para relacionar o acusado com a obtenção ilícita daqueles bens. Assim, não há como imputar a esse acusado a mera ocultação da proveniência ilícita desses bens. Se o Estado não conseguiu provar que o agente obteve ilicitamente o bem, não pode mais tentar provar que o agente está ocultando ou dissimulando bem que tinha conhecimento que era ilícito. Sobrevindo sentença absolutória em relação ao crime antecedente, ainda que por insuficiência de provas em relação à autoria delitiva, entendo que não subsiste o crime de lavagem de capitais. 9. Ainda que assim não se entenda, observa-se que foi apontado na denúncia como crime antecedente ao da lavagem de dinheiro, o descaminho na modalidade 'ter em depósito'. Nessa modalidade de descaminho, ter em depósito, a única dissimulação ou ocultação possível seria dos próprios bens descaminhados, mas isso não existe, pois os bens foram aprendidos naquela operação, ou seja, para que seja possível o crime de lavagem nessa modalidade (ter em depósito), teria que se imputar ao paciente a ocultação dos próprios bens descaminhados, o que não ocorreu. Ao contrário, a denúncia imputa ao paciente a conduta de ter adquirido outros bens em nome de terceiras pessoas, na modalidade dissimulação, dissimulando a propriedade daqueles bens. 10. Se as mercadorias, objeto do crime de descaminho, não foram vendidas, pois foram apreendidas, imputando-se ao agente crime na modalidade ter em depósito, como esse agente poderia ter transformado o produto do descaminho apreendido em dinheiro, para posteriormente adquirir os bens que foram colocados em nomes de terceiros? Seria necessário que o agente vendesse o produto descaminhado, para conseguir transformá-los em dinheiro e adquirir aqueles bens que colocou em nome de outras pessoas. 11. É certo que os bens adquiridos em nome de terceiros poderiam ter sido adquiridos com o proveito de outros crimes de descaminho, em outras modalidades, mas não foi esse crime antecedente que a denúncia se referiu. A denúncia é explícita, apontando um crime específico como antecedente, qual seja, o descaminho relativo à apreensão ocorrida no dia 14/11/2007 que resultou na ação penal 2007.61.81.014628-5. E no tocante a esse descaminho, toda mercadoria que era mantida em depósito foi apreendida, não havendo que se falar em proveito econômico advindo do descaminho, de modo que não resta caracterizada um dos elementos objetivos do crime de lavagem, que é a proveniência ilícita dos bens. 12. Ausência de justa causa. Ordem concedida”. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 52049 - 0033971-34.2012.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 22.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.10.2013 - destaque nosso) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO V, DA LEI 8.137/1990 COMO DELITO ANTECEDENTE. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DENÚNCIAS QUE NARRAM A OCORRÊNCIA DE CRIME MATERIAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Embora independa a persecução pelo crime de lavagem de valores do processo e julgamento pelo crime antecedente, na forma do art. 2º, II, da Lei nº 9613/1998, exigido é que a denúncia seja instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012). (...) 4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro. (...)”. (STJ, RHC 73.599/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.09.2016, DJe de 20.09.2016) Em suma, deverá o órgão acusatório indicar na denúncia, de maneira certa, específica e individualizada, quais infrações subjacentes levaram à conclusão sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou valores, de modo a permitir ao acusado sua ampla defesa e o respeito ao princípio do contraditório. A devida caracterização do tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 exige que os fatos delituosos descritos não tenham caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Especificamente acerca do que se acaba de tratar, vide as palavras de Renato Brasileiro: “Em se tratando de crime de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrado que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, estabelece que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p. 173) - destaque nosso. A esse respeito, válida a referência à fundamentação irretocável trazida no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual se determinou o trancamento da ação penal precisamente em razão da inicial acusatória falhar em delimitar, de maneira clara, precisa e individualizada, as infrações subjacentes que embasavam a lavagem de dinheiro. In verbis: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N. 9.618/98. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO REPASSE DE VALORES AO PACIENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FORMA PRECISA E OBJETIVA DOS CRIMES ANTECEDENTES. FALTA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS VALORES RECEBIDOS PELO PACIENTE E OS SUPOSTOS EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O paciente foi denunciado pelo crime capitulado no artigo 1º, caput, incisos V e VI e § 1º, inciso II, da Lei n. 9.613/98, cujo feito foi instaurado a partir do desmembramento do Inquérito Policial 2.474 em curso no STF, com o escopo de investigar os diversos repasses efetuados pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, no valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao paciente. 2. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 3. Em casos extremos, todavia, em que a acusação se desenvolve de maneira claudicante, isto é, apresentando denúncia imprecisa, genérica e indeterminada, a jurisprudência não fecha a porta à possibilidade de trancamento da ação penal, especialmente, quando, pela imprecisão ou generalidade da peça acusatória, falhando no dever de bem delimitar e individualizar os fatos delituosos, dificulte a defesa de ordem a concretizar violação à ampla defesa e ao contraditório. 4. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 5. O Supremo Tribunal Federal tem imposto mesmo ao Ministério Público o dever de deduzir denúncia com idoneidade, de ordem a narrar os fatos de forma certa, determinada e precisa, para propiciar ao acusado a possibilidade de, sabendo a natureza e extensão da acusação contra ele dirigida, bem poder se defender. 6. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: 'O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado 'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado' (HC 84580, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513). 7. No caso, a denúncia relata que o paciente, no ano de 2003, teria recebido das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, indicado na AP 470/STF como operador do 'Mensalão', quatro depósitos bancários, que totalizaram o valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Posteriormente, consoante a denúncia, o paciente, em 23/06/2005, teria retificado sua Declaração do Imposto de Renda referente ao ano-calendário 2003, para declarar os valores recebidos como sendo provenientes de serviços prestados, sem, contudo, ter sido demonstrado documentalmente que se tratava de recursos obtidos em virtude da atividade profissional do paciente. 8. A denúncia, em redação pouco precisa, às vezes sem congruência, indica, num primeiro passo, ao início da descrição dos fatos delituosos, que os chamados crimes antecedentes consistiriam estritamente em empréstimos fraudulentos de onde originariam os recursos, posteriormente, transferidos à conta do paciente; sendo que, contraditoriamente, num segundo passo, em capítulo final, especialmente aberto para descrever e delimitar os crimes antecedentes, parece pretender imputar ao paciente, como crimes antecedentes que compõe a conduta a ele imputada, todos os crimes que eventualmente tenham sido processados e julgados na referida ação 470 (Mensalão). 9. No particular, verifica-se que não há qualquer remissão acerca dos crimes antecedentes ao suposto de crime de lavagem de dinheiro, limitando-se a denúncia a tecer considerações acerca dos crimes apurados na AP 470/STF. Ou seja, a denúncia não logrou demonstrar a vinculação objetiva ou subjetiva dos alegados crimes antecedentes com o ilícito de lavagem de ativos imputado ao paciente. Pior do que não indicar, com certeza e precisão, quais os crimes anteriores de que o acusado deve se defender, é atribuir-lhe uma quantidade indeterminada de delitos, afogando a sua defesa em indeterminação e incerteza. 10. Assim, embora tenha sido consignado na denúncia todos os crimes apurados na AP 470/STF (corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e formação de quadrilha), não houve a indicação de qual ou quais seria(m) o(s) crime(s) antecedente(s) do crime de lavagem de dinheiro atribuído ao paciente, restando apenas genérica imputação de que seriam os crimes apurados na referida ação penal. 11. Aliás, o próprio Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, após a realização de diversas diligências, que objetivavam esclarecimentos por parte dos peritos da Polícia Federal acerca da demonstração de vínculo entre os repasses realizados ao paciente e os supostos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do empresário Marcos Valério, em manifestação anterior à denúncia ora sob análise, havia requerido, em petição datada de 30/03/2015, o arquivamento do inquérito policial, por entender não presentes as evidências de que os repasses realizados em favor do paciente se vinculavam aos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, assim como por não reunir elementos indiciários da prática do crime de lavagem de dinheiro. Porém o pedido de arquivamento foi indeferido pelo juízo a quo e a denúncia foi apresentada por determinação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. 12. Consta dos autos que a manifestação técnica, que subsidiou à época o pedido de arquivamento do inquérito policial, foi precisa ao certificar que foram apurados apenas, com amparo em laudos produzidos nos autos da AP 470/STF, que o paciente havia recebido quatro repasses que totalizavam R$ 300.000,00, no período de 18/03/2003 a 25/04/2003, sem contudo indicar a origem dos recursos, pois, conforme justificativa apresentada, '(...) para se vincular exatamente os valores recebidos por João Pimenta da Veiga Filho aos 'empréstimos fraudulentos' será necessário reexaminar novamente os valores que ingressaram na conta corrente 60199, da agência 3032, do Banco do Brasil, e na conta corrente 60025952, da agência 009, do Banco Rural, identificando a origem do saldo disponível para efetuar os repasses da empresa DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. ao beneficiário João Pimenta da Veiga Filho'. 13. Caracteriza violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada; de outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado o crime de lavagem de ativos, o qual apenas se concretiza com a presença de delitos antecedentes, mas não lhe propicia, entretanto, em aberta violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF/88, defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador que o Ministério Público afirma presente na conduta supostamente praticada pelo denunciado. 14. O fato de, conforme o art. 2º, II, da Lei 9.613/98, o processo e o julgamento dos crimes previstos nesse estatuto legal independerem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, não infirma nem pode infirmar, seja acentuado, o direito do acusado de ver reconhecida pelo Estado-juiz a conclusão incontornável de que tem o direito de defender-se de todos os elementos que compõem o tipo penal da conduta que concretamente o Estado-acusador lhe imputa. 15. No caso, o tipo penal claramente inclui como um de seus elementos o fato de que só haverá crime de lavagem se os valores eventualmente dissimulados ou omitidos tenham sido provenientes direta ou indiretamente, de infração penal anterior (cito e realço a dicção expressa da Lei): 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'. 16. Portanto, se não há crime anterior, ou se, pelo menos, por defeituosa descrição dos fatos típicos, não se consegue demonstrar o vínculo, objetivo ou subjetivo, entre o delito antecedente e aquele outro cuja prática se atribui ao paciente, obviamente, não se poderá, ao final, impor-lhe um juízo condenatório pelo crime de lavagem de ativos. 17. Configurada a formulação de denúncia genérica e imprecisa, em especial por não individualizar quais seriam os empréstimos fraudulentos e delimitar, entre todos os crimes apurados na AP 470/STF, quais exatamente maculariam os valores repassados ao paciente, resta conformada a sua inépcia, nos termos dos artigos 395, I do CPP e, em consequência, a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente (CPP, art. 647), razão pela concedo a ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal 0010250-17.2016.4.01.3800, em curso na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em relação ao paciente João Pimenta da Veiga Filho”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus nº 00160028420174010000, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, julgado em 26.06.2017 - destaque nosso) Como se vê, o próprio delito de lavagem de dinheiro contém o elemento normativo infração penal, no sentido de que somente restará caracterizado o delito parasitário desde que eventualmente os proveitos econômicos que tenham sido ocultados, dissimulados, integrados ou reciclados, sejam oriundos de infração penal subjacente. Significa dizer, na fase do oferecimento da denúncia deverá o órgão ministerial apresentar indícios suficientes de que o objeto material da lavagem esteja vinculado, direta ou indiretamente, com a infração subjacente. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998. Na mesma linha de raciocínio, vide precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da justa causa duplicada nos crimes de lavagem, oportunidade em que se afirmou a necessidade de demonstração de lastro mínimo probatório acerca do delito acessório e da infração subjacente: “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. JUSTA CAUSA DUPLICADA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ANTECEDENTE E DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito - justa causa do processo penal -, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender aos requisitos essenciais do art. 41 do Código de Processo Penal - CPP. Precedentes. 2. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 3. A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. 4. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente. 5. No presente caso, o Parquet não observou sequer a exigência da exposição formal da justa causa duplicada, porquanto, mais do que não demonstrar lastro probatório mínimo do crime antecedente, o que obstaria o prosseguimento da persecução penal por violação à justa causa, o dominus litis nem mesmo indicou a conduta penalmente relevante antecedente, o que leva à inépcia da denúncia. Verifica-se que não é possível à defesa realizar sua resposta à acusação de forma adequada, porquanto indefinidos elementos mínimos do que consistiu a infração antecedente e a origem ilícita dos valores que teriam sido objeto do branqueamento. A denúncia apenas aponta que os valores seriam oriundos do orçamento municipal e o modus operandi do branqueamento, consistente no depósito do cheque, cuja beneficiária é uma sociedade empresária, em conta bancária de terceiro, sem qualquer vínculo formal com a pessoa jurídica da empresa contratada beneficiária. 6. Recurso provido para que seja trancado o processo penal que apura o crime de lavagem de capitais em questão, haja vista a inépcia da denúncia, facultando-se a oferta de nova denúncia, com o devido preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP”. (RHC 106.107/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019, DJe 01.07.2019 - destaque nosso) “PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA.DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA.REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO.JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE.RECEBIMENTO. (...) 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. (...)”. (APn 923/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23.09.2019, DJe 26.09.2019) Cite-se, ainda, importante precedente do C. Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido: “Habeas Corpus. Ação penal. Lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, com a redação anterior à Lei nº 12.683/12). Trancamento. Inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade do writ. Precedentes. Exame da questão de fundo. Admissibilidade. Manifesta inviabilidade da ação penal. Ausência de descrição mínima dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 41, CPP). Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98. Defeito que não se sana pelo advento da condenação. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98. 1. A superveniência da sentença condenatória torna superada a alegação de inépcia da denúncia, ainda que anteriormente deduzida. Precedentes. 2. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, embora assentando a prejudicialidade do habeas corpus, tem examinado a questão de fundo para afastar a arguição de inépcia. 3. Na espécie, por maior razão, não há como se deixar de analisar a viabilidade da denúncia, diante de sua manifesta inépcia. 4. Como sabido, o trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15) 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 16. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal quanto ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98, por inépcia da denúncia”. (HC 132179, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 26.09.2017, processo eletrônico DJe 09.03.2018 - destaque nosso) Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis. As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores. Indo adiante, cumpre asseverar que eu vinha entendendo no sentido de que a infração tida como subjacente deveria ser necessariamente pretérita aos atos apontados como de lavagem dos proveitos econômicos auferidos - em outras palavras, compreendia-se que não seria possível, em princípio, cogitar-se de lavagem tendo como base patrimônio amealhado anteriormente à prática da primeira infração que potencialmente teria gerado o lucro econômico ao seu agente. Acerca de tais marcações temporais, em feito de minha relatoria, já decidiu a 11ª Turma do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS. CRIME DO ARTIGO 1, INCISO I, DA LEI 9.613/1998. LAVAGEM DE CAPITAIS. DATA DO CRIME ANTECEDENTE É POSTERIOR AO CRIME DE LAVAGEM. ATIPICIDADE DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. - O crime antecedente (tráfico de drogas) praticado pelo requerente ocorreu em 25.09.2010, e a lavagem de dinheiro, da qual é acusado, especificamente quanto ao imóvel descrito na letra 'o' da denúncia, teria se consumado em abril de 2010, com o registro do citado imóvel em nome de terceiros, de forma que o ato de branqueamento de capitais teria se dado anteriormente à data do crime de tráfico de drogas. - A imputação do delito de lavagem de capitais ao requerente mostra-se descabida, haja vista que a ocorrência da transação reputada como suspeita é anterior a 25.09.2010. - Nesse contexto, a determinação temporal da prática do tráfico enquanto delito antecedente delimitava, à época, e delimita ainda o subsequente crime de branqueamento de lavagem de dinheiro dele proveniente, e não, por óbvio, o contrário. - Diante da atipicidade da conduta imputada ao requerente, resta configurado o constrangimento ilegal. - Deferido o pedido de extensão, de forma a determinar o trancamento apenas quanto ao item 'o' da denúncia, da ação penal nº 0011209-37.2014.4.03.6181. - Esta decisão não autoriza a devolução do imóvel, objeto do presente writ, uma vez que nos termos dos §§1º e 2º, do artigo 91, do Código Penal: '... Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Na hipótese do §1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.', já que o requerente integra associação criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas, devendo se apurar a aquisição lícita do referido imóvel. - Agravo regimental provido”. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5029387-23.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, julgado em 24.04.2019, Intimação via sistema data: 25.04.2019) Contudo, revisitando a temática, é possível deparar-se com situações concretas em que determinado agente, antes de praticar ato lesivo à Administração Pública, no caso de corrupção passiva/ativa, por exemplo, receba valores que são dissimulados no exterior, passando a constar como beneficiário final, e somente após este ato beneficie um dos licitantes. Ou, ainda, na hipótese em que um traficante recebe valores antes da prática criminosa e os lava servindo-se de interpostas pessoas anteriormente ao envio da droga ao beneficiário final. Tais situações foram por diversas vezes observadas em processos que tramitaram perante a 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e em Lavagem de Dinheiro, oportunidades em que houve troca de experiências com o Eminente Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali, então juiz substituto. Dentro de tal contexto, em revisão de posicionamento, chega-se à conclusão de que, a teor da legislação de regência, os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica). Aliás, o entendimento em tela foi trazido à baila em artigo por meio do qual se infere, de forma percuciente, que não há a necessidade de que haja uma precedência estritamente cronológica propriamente dita, mas apenas jurídica, acerca do que se convencionou nominar "crime antecedente", expressão que seria melhor compreendida, na realidade, por meio da locução "crime subjacente" - vamos ao artigo (CAVALI, Marcelo Costenaro; LORENCINI, Bruno César. Separando Joio, Peste e Praga: ‘Caixa Dois’ Eleitoral, Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In Direito, Instituições e Políticas Públicas. O papel do jusidealista na formação do Estado. Coordenação: Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, André Tito da Motta Oliveira, Rafael Hamze Issa e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2017, p. 40-41): “(...) Proveniência cronológica ou jurídica de infração penal? Virou voz comum o entendimento de que a infração penal antecedente tem de ser cronologicamente antecedente à lavagem do seu produto. E não só: não bastaria ter sido iniciada a execução, teria de estar consumado o delito antecedente para que se pudesse cogitar da realização de algum ato de lavagem. No caso do 'Mensalão', o STF decidiu que 'A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)' (AP 470 EI-sextos, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 13.03.2014). De fato, como regra, os atos de lavagem do dinheiro ocorreram somente após a ocorrência da infração penal antecedente. Mas não tem de ser assim, nem fática nem juridicamente. Do ponto de vista jurídico, a Lei nº 9.613/1998 não prevê essa antecedência cronológica, mas apenas uma derivação jurídica, quando o art. 1º se refere aos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. A antecedência tem de ser lógica - não cronológica. Faticamente, alguns exemplos ilustram como é possível lavar o dinheiro de um crime antes mesmo que ele tenha sua execução iniciada. Pense-se num caso em que um 'matador de aluguel' é contratado para assassinar uma pessoa. O mandante e o futuro executor do delito celebram, então, um 'contrato de prestação de serviços de consultoria em segurança'; os valores são pagos e declarados à Receita Federal. Depois disso, o homicídio contratado é executado. Note-se que todos os atos de dissimulação da natureza do dinheiro recebido ocorreram antes do início da execução do delito, embora a causa real do pagamento já fosse conhecida pelos envolvidos. Seria essa cronologia razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro? A resposta para essa pergunta é, a nosso ver, negativa. Os valores recebidos pelo 'matador de aluguel' configuram, uma vez combinados, produto do ilícito a ser perpetrado. É claro que, se o homicídio não vier a ter sua execução iniciada, não se poderá falar em lavagem de dinheiro, pois não houve infração penal antecedente, sequer na forma tentada. Por isso, nos casos em que as condutas próprias do delito de lavagem de dinheiro ocorrerem anteriormente à infração penal antecedente que deu causa ao ativo lavado, o delito da Lei nº 9.613/1998 somente se consumará no momento em que iniciada a execução da infração penal antecedente. A solução apresentada pode parecer heterodoxa, mas, se bem examinada, sua engrenagem não é diversa daquela que rege a incidência de qualquer norma jurídica. É preciso que todos os pressupostos da hipótese de incidência estejam preenchidos para o desencadear de suas consequências jurídicas; por vezes, tais pressupostos são preenchidos em momentos diferentes, de modo que somente quando caracterizado o último dos pressupostos normativos exigidos haverá a incidência da norma. Tampouco existe qualquer empecilho do ponto de vista subjetivo, pois as partes envolvidas conhecem a origem do dinheiro, isto é, sabem que os valores foram pagos para o cometimento de um futuro homicídio - embora ainda não iniciado. De igual modo, não existe razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro concomitantemente à infração penal antecedente. O melhor exemplo para ilustrar essa possibilidade encontramos no delito de corrupção. No referido precedente do STF, entendeu-se que a autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos e posteriores do produto do crime antecedente (já consumado). A conclusão não se sustenta, em primeiro lugar, pelo fato de que é possível a lavagem de dinheiro de infração penal antecedente tentada. Mesmo que o agente não consiga consumar o delito, é possível que a tentativa gere um produto ilícito. Pense-se, para continuar com o exemplo anterior, no caso do homicida que, tendo recebido antecipadamente o pagamento pelo delito, não tem sucesso em consumá-lo. Mas não é só. O crime de corrupção compreende, de fato, a conduta de receber 'direta ou indiretamente' a vantagem indevida. Com isso, mesmo que o valor seja repassado por meio de um intermediário, haverá corrupção. No entanto, desde o advento da Lei nº 9.613/1998, em razão de uma nova política-criminal legislativa, o recebimento indireto dos valores da corrupção, quando gere especiais dificuldades para a sua identificação, apreensão e confisco pelas autoridades competentes - como, por exemplo, quando o pagamento é realizado através de um 'contrato de consultoria' realizado com um 'laranja' -, não caracteriza apenas a corrupção, mas também a lavagem de dinheiro. Essa é, a propósito, a razão de ser da criação do tipo penal da lavagem de dinheiro. A corrupção, no mais das vezes, compreenderá desde a aceitação até o recebimento da vantagem indevida. Tratando-se de crime de ação múltipla, as duas condutas caracterizam um único delito. Por sua vez, a lavagem de dinheiro, envolvendo um processo que compreende atos de ocultação, mas também o recebimento do dinheiro, pode ser compreendida juridicamente como sendo a mesma ação da corrupção. Justamente para esses casos, em que, por meio de uma mesma conduta - recebimento do valor indevido de forma indireta - o autor perpetra dois crimes, o Código Penal prevê a figura do concurso formal (CP, art. 70). Aceitas as premissas sobre a política-criminal da lavagem de dinheiro, no exemplo mencionado a conduta representa violação de bens jurídicos distintos: lesa a probidade na Administração Pública e ofende a Administração da Justiça. É verdade que a diversidade de bens jurídicos não é o único critério a ser adotado na resolução de possíveis concursos de delitos: é possível consunção de um delito por outro mesmo que os tipos penais examinados tutelem bens jurídicos diversos. Mas também se pensarmos, como sugere Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. São Paulo-Coimbra: RT-Coimbra, 2007. p. 990), na existência de um único ou de uma pluralidade de sentidos autônomos de ilicitude para diferenciar um concurso aparente de um concurso real, verificaremos que, nos casos aqui examinados, a atuação do corrupto possui claramente dois sentidos de ilicitude: o primeiro é o sentido de venda da função pública, o segundo o de recebimento da vantagem já aparentemente imaculada de sua ilicitude originária. O desvalor de registrar a propina como recebimento de um legítimo contrato de consultoria é claramente maior do que o de simplesmente receber o dinheiro e o esconder em casa, sem dificultar sobremaneira a aplicação integral da lei penal no que se refere aos efeitos patrimoniais da condenação. Aquele que recebe a propina como se se tratasse de honorários de consultoria já age com o intuito de criar uma justificativa aparentemente lícita para o dinheiro recebido (...)”. Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Veja que não deveria surpreender tal entendimento. As implicações em razão da Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal – STF, a qual preconiza que: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”, poderiam levar a essa conclusão. A referida Súmula prevê que a tipificação (e consumação) do delito nos crimes tributários ocorre com o lançamento definitivo do crédito tributário. Acontece que o Direito Penal só pode punir a conduta da pessoa que pratica o ato. A consumação não poderia depender de um ato de terceiro. Ela só poderia existir com ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado (conforme dispõe o art. 4º do Código Penal - teoria da atividade), de modo que a consumação não poderia depender de um ato de terceiro que nada tem a ver com o delito. Falar-se que a materialidade de um crime material dependeria de uma apuração administrativa por si só seria contraditória com a doutrina e mesmo a jurisprudência consagrada aos crimes materiais. Por exemplo, Nelson Hungria preconizava que o corpo não é necessário para a prova do homicídio em havendo certeza moral da existência desse crime. No caso de corrupção, nas modalidades “aceitar” e “receber’, não há necessidade de nenhuma comprovação material fora da análise das condutas como tem sido exigida pela Súmula Vinculante n. 24 para os crimes tributários e, finalmente, o fato de mencionar tributo, que seria o elemento normativo do tipo, apenas sugere ao intérprete que se faça um juízo de valor do que seja tributo. Tributo está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, como estão definidas as contribuições sociais no art. 149 da CF, e isso não faz depender, necessariamente como imposto pela Súmula, da existência de uma apuração administrativa para verificação desse elemento normativo. Existem outros elementos normativos em vários tipos penais (tais como: como coisa alheia, funcionário público, vantagem indevida) que demandam atividade valorativa que pode, sim, ser feita pelo intérprete, independentemente do resultado obtido pela Administração Pública. E, finalmente, não se pode distinguir crime tributário como se fosse algo diferente do delito de corrupção, pois ambos tutelam os recursos da Administração Pública. No primeiro caso, o tributo ainda está com o particular, ao passo que na corrupção os valores já estão em poder do Estado, mas são desviados ou apropriados. A similitude é evidente. Para a identificação da corrupção não se exige um procedimento por parte dos órgãos de controle (Controladoria Geral da União, por exemplo), portanto, sistematicamente não tem coerência exigir para o delito tributário algo que não se pode exigir para o reconhecimento nos casos de crimes contra a Administração Pública. Em síntese, no crime tributário material não deveria haver a exigência do lançamento definitivo para a sua caracterização. No entanto, o entendimento sumular supramencionado, impõe que a consumação dos crimes de tal jaez ocorra somente com a constituição definitiva do crédito tributário. Excepcionalmente nas hipóteses em que houver a lavagem de dinheiro e o delito subjacente for um crime tributário material, s.m.j., a Súmula n.º 24 poderá ser mitigada. Ora, não se deveria exigir o lançamento definitivo do crime subjacente para dar início à apuração da lavagem decorrente deste crime tributário. A despeito de tratar-se de entendimento minoritário, há julgado do STF consignando que a regra inserta no aludido entendimento sumular pode ser mitigada nos crimes contra a Ordem Tributária nas hipóteses de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal (possibilidade de se dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo): “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 24. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INVESTIGAÇÃO CONCOMITANTE DE CRIMES DE NATUREZA DISTINTA DA FISCAL. VIABILIDADE, EM TESE, DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 8. Sobressai da narrativa dos agravantes que ‘são investigados outros crimes além dos tipificados no ‘art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90’, dentre eles, crimes contra a administração em geral e de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade do esgotamento das vias administrativas para a investigação do crime de lavagem de dinheiro, conquanto o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do enunciado nº 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC 118.985-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE 936.653-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016. 9. Agravo regimental desprovido”. (Rcl 28147 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018)” (grifei) Lado outro, a exigência do lançamento definitivo, que muitas vezes ocorre após a lavagem, leva, necessariamente, a uma inversão do marco temporal: ou seja, a infração subjacente pode ocorrer posteriormente à lavagem de dinheiro, de forma consumada ou tentada. Portanto, a lavagem não requer que a infração subjacente seja cronologicamente anterior, mas apenas que haja uma decorrência lógica. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro. Por exemplo, contratação de matador de aluguel que recebe uma vultosa quantia para matar alguém. Ele recebe o valor, lava, coloca em nome de laranjas e somente depois consuma ou tenta o homicídio; no crime tributário, a pessoa lava, coloca os bens em nome de terceiros e depois comete o delito tributário; no caso do delito de corrupção, nas modalidades de “aceitar” ou “receber”, a lavagem pode ocorrer antes destas. A lavagem de dinheiro pode concorrer formalmente com a infração subjacente. Uma conduta pode gerar um delito tributário e ao mesmo tempo gerar lavagem de dinheiro porque o âmbito de proteção do bem jurídico pelo legislador é diverso. Uma conduta, nos termos da teoria do concurso formal, atinge dois resultados: no caso do delito tributário tem uma proteção específica - os recursos que devem ser dirigidos à Administração Pública e as políticas públicas decorrentes da ausência desses recursos, ao passo que a lavagem de dinheiro tem um bem jurídico específico que é a Ordem Econômico-financeira e a Administração da Justiça. Ora pendendo mais à Administração da Justiça, ora à Ordem socioeconômico/financeira, a depender do caso concreto. A leitura que se faz é que a infração ligada à lavagem de dinheiro possui autonomia mais do que sufragada pelo legislador e acessoriedade limitada. A existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito que acabou se consagrando e a referência à expressão “antecedente” permanece como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando aduz no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º à infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que tem que ocorrer é algo vinculado. Os valores podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois da infração subjacente. Exige-se que o tipo subjacente seja ao menos tentado para a existência da lavagem de dinheiro, não importando a sua concretização em tempo determinado. Embora o art. 2º da Lei de Lavagem utilize a expressão "infração penal antecedente", a interpretação meramente literal do dispositivo não espelha, nesse caso, a finalidade da lei. In casu, devem ser aplicados os métodos sistemático e teleológico de exegese, a fim de que sejam atendidos tanto os fins sociais a que a norma se dirige quanto as exigências do bem comum. Nesse contexto, não é razoável excluir da persecução penal aqueles agentes que praticam a lavagem de bens ou valores comprovadamente advindos do cometimento de infração(ões) subjacente(s) não necessariamente pretérita(s) ou antecedente(s), cronologicamente falando. Em suma, a existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito, mas a referência à expressão “antecedente” permanece apenas como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando menciona no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º a expressão infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que se requer é a existência de produtos e proveitos logicamente decorrentes de infração(ões) subjacente(s) e não cronologicamente decorrentes. Não se deve, pois, obrigar a existência de um fato criminoso anterior uma vez que fatos criminosos podem mesmo ocorrer, por mais curioso que possa parecer, após a lavagem de dinheiro, como os exemplos citados, entendimento este reforçado pela consagração da Súmula do STF n.º 24 que entende típico o delito tributário material somente com o lançamento definitivo. Assim, urge a existência de algo ilícito vinculado. Os valores decorrentes de uma infração subjacente podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois deste. Por outro lado, cabe enfatizar que o mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem. No caso Mensalão (AP n.º 470/MG), por exemplo, o STF decidiu que o recebimento da corrupção por terceiros não configura o crime de lavagem de dinheiro, mas concretização do delito contra a Administração Pública. Imprescindível, portanto, para a configuração desse delito, identificar-se a ocorrência de ocultação ou de dissimulação. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima pontua: “(...) com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um 'laranja', a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais (...)” (in Legislação Criminal Especial Comentada. JusPodivm. 2. ed. 2014. p. 306-307). Mais recentemente, no ano de 2019, também em hipótese de corrupção, o STF, pela análise do cenário probatório descrito nos autos, entendeu que, para além do recebimento clandestino da vantagem indevida, restou evidenciada a dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. PLURALIDADE DE CONDUTAS. DOLOS DISTINTOS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o eventual cabimento de recurso extraordinário não subtrai, por si só, a cognoscibilidade do habeas corpus. Precedentes. 2. O sistema jurídico brasileiro não exclui os autores do delito antecedente do âmbito de incidência das normas penais definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, admitindo, por consequência, a punição da chamada autolavagem. É possível, portanto, em tese, que um mesmo acusado responda, concomitantemente, pela prática dos delitos antecedente e de lavagem, inexistindo bis in idem decorrente de tal proceder. 3. Nada obstante, a incriminação da autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação, dissimulação ou integração autônomos ao delito antecedente, ainda que se verifique, eventualmente, consumações simultâneas. 4. A consunção constitui critério de resolução de conflito aparente de normas penais incidente em casos em que a norma consuntiva contemple e esgote o desvalor da consumida, em hipótese de coapenamento de condutas. Assim, eventual coincidência temporal entre o recebimento indireto de vantagem indevida, no campo da corrupção passiva, e a implementação de atos autônomos de ocultação, dissimulação ou integração na lavagem, não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem. 5. O habeas corpus consubstancia via processual inadequada para o reconhecimento da ocorrência de consunção, forte na necessidade de exame do acervo probatório para o fim de avaliar o esgotamento do juízo de censura entre as condutas, providência que desborda dos limites cognitivos do writ. 6. Caso concreto em que se reconheceu a constituição de contas secretas e remessa clandestina de recursos ao exterior, atos que consubstanciaram práticas de ocultação, dissimulação ou integração, possibilitando fruição oportuna do resultado econômico do crime antecedente. O presente quadro processual diferencia-se, portanto, do enfrentado pelo Tribunal Pleno na AP 470 (EI-sextos e EI-décimos sextos), na qual se afastou a configuração do delito de lavagem em caso de recebimento de vantagem indevida mediante interposta pessoa e em hipótese na qual se exigiria a prática de atos subsequentes para fins de branqueamento do produto da infração penal antecedente. 7. Em caso de concurso de crimes, é incabível o reconhecimento, em habeas corpus, da incidência do critério da exasperação se as instâncias ordinárias atestaram a pluralidade de condutas e a presença de desígnios autônomos. 8. Não configura vulneração ao dever de motivação das decisões judiciais a rejeição de aplicação da regra do concurso formal próprio baseada em óbices normativos ao critério da exasperação. 9. Ordem denegada”. (HC 165036, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09.04.2019, processo eletrônico DJe 10.03.2020) (destaque nosso) Haverá, assim, tão somente a prática da infração penal subjacente quando apenas houver uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Com isto, ficariam afastadas desta infração penal as condutas de guardar dinheiro em colchão, subornar testemunhas para se conseguir álibi etc. O STF, nos autos do Inquérito n.º 3.515/SP (Rel. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 08.10.2019, acórdão eletrônico DJe 23.06.2020), explicitou hipótese em que o ato de receber “de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998”. Também cumpre asseverar, por exemplo, que a realização de transferências bancárias sucessivas, segregando-se determinado montante de dinheiro em várias contas bancárias diferentes, é conduta que, indubitavelmente, dificulta o rastreamento da quantia inicial advinda da infração subjacente, já que, a cada nova transação, torna-se mais difícil determinar a origem daquele valor, inclusive porque essa prática possibilita que fundos “limpos” e “sujos” se misturem para compor o saldo disponível em cada conta, o que torna ainda mais complexa a localização do produto criminoso original, fato que caracterizaria a lavagem. No entanto, nem todas e quaisquer transações bancárias envolvendo dinheiro ilícito caracterizam lavagem de dinheiro. Em se constatando, por exemplo, que o produto da infração subjacente foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável(eis) como pertencente(s) à(s) pessoa(s) que cometeu(ram) a infração subjacente, não se haverá que falar em lavagem, mas sim em mero exaurimento, ou seja, mera consequência lógica e natural da anterior ação criminosa. A simples distribuição do produto da infração entre os seus autores, mediante depósito/transferência do quinhão atribuído a cada participante, é desdobramento natural da infração penal subjacente e, portanto, não configura prática de lavagem. Em suma, se os agentes criminosos não se limitarem a mediante transferências (isoladas) para suas respectivas contas bancárias, simplesmente repartir, entre si, os valores obtidos pela prática de uma infração penal subjacente (o que caracterizaria o mero exaurimento), mas sim efetivarem a remessa dessas quantias a partir de transações bancárias de maneira deliberadamente pulverizadas, isto é, fracionadas e transferidas, múltiplas vezes, para diversas contas bancárias, em sua maioria abertas em nome de pessoas físicas ou jurídicas fictícias (e não em nome dos próprios agentes), restará evidenciada a intenção de mascaramento, e, por via de consequência, a lavagem de dinheiro. Em outra hipótese, em havendo a imputação de tráfico transnacional de drogas, com a apreensão dos valores oriundos desta infração pela autoridade policial em uma blitz, cujo objetivo era o desembaraço de carregamento de cocaína junto aos fornecedores da droga, devem ser considerados mero desdobramento da traficância (iter criminis), não se vislumbrando o cometimento do delito de branqueamento. No crime de lavagem de dinheiro terá que haver, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Embora adote o entendimento de que é desnecessária a precedência cronológica da infração subjacente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tendo-se em vista que a lavagem pode, excepcionalmente, ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente ao qual se vincula, é evidente que a precedência lógico-jurídica (e não estritamente cronológica) é indispensável. Em outras palavras, é imprescindível que os ganhos atrelados à suposta prática de corrupção, por exemplo, tenham sido obtidos em data anterior à da prática dos atos de ocultação/dissimulação, mesmo que o ato de corrupção, em si, possa vir a ser praticado depois da lavagem. Nesse contexto lógico-jurídico, faz sentido apenas falar-se em necessidade de demonstração de relação de anterioridade e posterioridade entre os ganhos decorrentes da infração subjacente e a lavagem de dinheiro, embora a infração subjacente possa ocorrer posteriormente. No caso de a lavagem ter sido cometida anteriormente à infração subjacente, para o reconhecimento de sua consumação é indispensável que tenha se iniciado a execução desta última, que, repise-se pode ocorrer depois daquela. CASO CONCRETO VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR) foram denunciados por, supostamente, terem praticado, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, 267 (duzentos e sessenta e sete) delitos de lavagem de dinheiro entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691) -, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY e IZA (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Ocorreu que, ao prolatar a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada um dos quatro acusados pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, nos seguintes termos (fls. 134/138 – ID 170518759): VI - DOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS Neste capítulo, a denúncia descreve que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos por pelo menos 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98 combinado com o artigo 71 caput do Código Penal. O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada conforme ela mesma admitiu em conversa telefônica interceptada: Eu não trabalho, mas a minha vida também é um correria... Comprovou-se, ainda, em relação aos sogros de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, variação patrimonial injustificada, a percepção de recursos de origem ilícita percebidos por VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e a existência de contas bancárias utilizadas para ocultar e dissimular os recursos auferidos pelo corréu VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, conforme comprovaram os documentos, as conversas telefônicas interceptadas e e-mails, especificamente as situações descritas nos itens 76 e 77 da denúncia. Entre os documentos, cabe registrar a análise realizada pela Delegacia da Receita Federal dos cheques depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH mantidas no Banco do Brasil (126) e Banco Itaú (140), cuja soma ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que comprovou que todos os referidos cheques foram emitidos por contribuintes que tiveram as respectivas DIRPFs acessadas no sistema por VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Também foram apreendidos, tanto na residência de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como na residência de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, outros cheques cujos valores foram calculados, respectivamente, em R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais), em R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais), conforme comprova fl. 15, apenso III e fls. 27/33 do apenso IV, sendo que, dentre os cheques apreendidos, alguns, no valor total de R$ 13.900,00, foram emitidos por contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 34 do Apenso IV) enquanto outros, no valor de R$ 10.000,00, foram emitidos por contribuintes mencionados pelos denunciados em conversas telefônicas interceptadas (fl. 35 do Apenso IV). Também restou comprovado que os cheques emitidos como contraprestação pelos serviços ilícitos prestados foram depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Também restou comprovado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH adquiriu um terreno em nome de seus sogros, conforme comprova matrícula 86.544, ficha 003, fl.541, localizado na Alameda Piava, e ali edificou uma residência, conforme demonstrado a fls. 476/477 dos autos principais, fl. 143 do Apenso I e fls. 540/541 do Apenso I, e admitido por ele na conversa telefônica interceptada a fls.476/477: ‘Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças. Eu comprei esse terreno da Piava...Em 2007 6 anos atrás... No começo de 2007. Eu paguei 650 ml e é terreno de esquina... O terreno normal...’. Foram também referidas movimentações atípicas consubstanciadas em aportes únicos em VGBL em valor igual ou superior a R$ 300.000,00, realizados no ano de 2012, conforme segue: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH na data de 06.07.2012 teria aplicado os valores de R$ 565.858,00 e R$ 609.858,00, ambos no UNIBANCO Vida e Previdência S.A. Contudo, em sua DIRPF de 2013, apenas uma pequena parcela desses valores - R$ 260.000,00 - teria sido declarada como pertencentes aos filhos; IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES na data de 04.06.2012 aplicou R$ 600.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.. Em sua DIRPF de 2013, ela declarou ter feito um aporte no valor de R$ 654.000,00; na mesma declaração, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, porém, declarou ter recebido rendimentos de apenas R$ 151.370,00, a título de indenização por rescisão de contrato de trabalho, informação essa que, ademais, segundo a autoridade policial, também seria inverídica; EDILAINE LOPES SZWARCTUCH na data de 20.09.2012 teria aplicado o valor de R$ 590.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.; contudo, esta informação não consta de sua DIRPF, mas na de seu pai DARCY DE OLIVEIRA LOPES. Segundo a autoridade policial, tal fato encontraria explicação ‘no alto grau de confiança existente entre ambos [VITOR e DARCY] e das dificuldades de relacionamento entre VITOR e EDILAINE, separados de fato há pouco tempo. Ao agir desta forma, VITOR impediu que sua esposa tivesse conhecimento do montante total de dinheiro que possui’. Portanto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria utilizado sua ex-esposa EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e seus sogros IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e DARCY DE OLIVEIRA LOPES com o propósito de dissimular a origem e conferir aparência de licitude aos valores recebidos em contrapartida aos crimes praticados no Setor da Malha Fina da Receita Federal de São Paulo. Concordo com o Ministério Público Federal que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito. Discordo, no entanto, no que diz respeito à ausência de conhecimento, adesão voluntária e efetiva participação nos inúmeros e distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração, corroborados pelo comportamento dos acusados e pelas provas produzidas nos autos, em especial o uso das contas correntes bancárias abertas para abrigar as vantagens indevidas cobradas pelas violações dos deveres funcionais. Assim, restou suficientemente comprovado, que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98. Não houve interposição de recurso por parte do Ministério Público Federal. Os corréus VITOR, DARCY, IZA e EDILAINE apelaram. Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). Passa-se, pois, a apreciar os apelos interpostos pelos demais corréus condenados (VITOR, IZA e EDILAINE). PLURALIDADE DE CONDUTAS DE LAVAGEM. Inicialmente, no que diz respeito ao número de condutas de lavagem a ser considerado em hipóteses como a presente, meu entendimento pessoal é no sentido de que a ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) deverá constituir uma conduta autônoma de lavagem. Ora, especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. Em outras palavras, em se tratando de ocultação e/ou dissimulação de recursos de origem ilícita por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por terceiros, haverá tantas condutas (de ocultação e/ou dissimulação) quantos forem os depósitos (inidôneos) individualmente considerados, de maneira que cada cheque fraudulentamente “guardado/escondido” nessas contas bancárias corresponderá a uma conduta autônoma de lavagem. No mesmo sentido, em se tratando de ocultação/dissimulação de recursos de origem ilícita por meio da aquisição de imóveis, o número de condutas criminosas equivalerá à quantidade de imóveis registrados em nome de outra(s) pessoa(s) que não o(s) verdadeiro(s) adquirente(s), a fim de ocultar seu(s) real(is) proprietário(s). In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito (fl. 137 – ID 170518759). Assim, não obstante este Relator adote posicionamento diferente, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. ORIGEM ILÍCITA DO IMÓVEL E/OU DOS VALORES OCULTADOS/DISSIMULADOS. In casu, ficou demonstrada a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados em contas de titularidade de “laranjas”, os quais foram obtidos pelo auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como produto e/ou proveito de múltiplos crimes (subjacentes) de corrupção passiva e de peculato eletrônico. Com efeito, os levantamentos realizados pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 e ESPEI08 demonstraram que os referidos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados, no Banco do Brasil e no Itaú, em contas de titularidade dos corréus DARCY, IZA e EDILAINE (vide cópias dos cheques às fls. 35/147, 157/196, 201/209, 227/251 – ID 270552804 – e fls. 02/27, 37/80, 110/114 e 119/122 – ID 270552805), foram emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina” (vide relatório e planilhas acostadas às fls. 130/156 - ID 270552805). Verificou-se, p. ex., que, entre os dias 28.03.2013 e 16.04.2013, ao trocar e-mails com pessoa de nome Jesualdo Guedes Pereira Filho, VITOR indicou conta bancária de seu sogro (DARCY) para depósito de propina, o que corrobora a tese de que VITOR costumava ocultar/dissimular, em contas titularizadas por seus familiares, o produto dos crimes de corrupção e/ou peculato eletrônico por ele cometidos (fls. 236/238 – ID 170518943): Em qui, 28 de mar de 2013 07:40 BRT Jesualdo Guedes Pereira Filho escreveu: Vitor, Você recebeu os documentos? Falta algo? Grato. Um abraço Jesualdo. De: Vitor Aurélio Para: jesualdozp@yahoo.com.br Enviadas: Quinta-feira, 28 de Março de 2013 10:01 Assunto: Re: Documentos preciso dos informes da gama, telecom, sul america e bradesco. De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vitor Aurélio Enviadas: Terça-feira, 2 de Abril de 2013 12:19 Assunto: Re: Documentos Vitor, a Gama não teve atendimento em 2012. Os demais, estou enviando em anexo. Grato Jesualdo. De: Vítor Aurélio Para: Jesualdo Guedes Pereira Filho lesualdoep@vahoo.com.br> Enviadas: Segunda-feira, 8 de Abril de 2013 19:52 Assunto: COPIAS DO IRPF 2013 Jesualdo, Segue em anexo as copias da declaracao 2013 e do recibo de entrega. O valor do deposito importa em r$ 2.000,00 e a conta: Banco Itaú Ag. 0152 c/c 04513-4 Darcy Oliveira Lopes Abraco De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vítor Aurelio Enviadas: Terça-feira, 9 de Abril de 2013 11:29 Assunto: Re: COPIAS DO IRPF 2013 Vitor, recebi as cópias do imposto de renda. Farei os pagamentos: rS 1.000,00 em 16/04113. r$ 1.000,00 em 16/05/13. Obrigado. Um abraço. Jesualdo. É firme, pois, a convicção de que VITOR, ao longo de anos, se valeu do expediente de guardar dinheiro (oriundo de propina) em contas bancárias titularizadas por seus familiares (sogro, sogra e ex-esposa), com o propósito de ocultar o fato de ser ele (VITOR) o real proprietário daqueles recursos. É o que se extrai, p. ex., dos seguintes diálogos interceptados pelos investigadores: diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 20.03.2013, às 11h19 (fl. 225 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY -0i, VITOR! VITOR - Tudo bem, DARCY? DARCY - É... Onde você tá? VITOR - Eu?! Eu tô aqui na... Na Afonso Bovero. DARCY - Ah, é? VITOR – É! DARCY - Tá ai no banco, é? VITOR - Eu já fui. DARCY - Não, aqui no Itaú. VITOR - É... Já fui! DARCY - No banco... VITOR - É... É... Já fui. DARCY - Escuta, mas então... Tô te ligando... Quando é que você vai querer abrir essa conta ai? VITOR - É... Que horas são agora? São 11h20... DARCY - Hoje não dá, VITOR VITOR - Ah, não? DARCI - É que eu que eu tô... Tô fazendo uma geral aqui no apartamento... VITOR – Hã. DARCY - E depois vou ter que comprar o negócio da baby. Então... Dá pra Ir amanhã? VITOR - Ah, a gente marca amanhã de manhã. DARCY - Então, escuta.... VITOR - Hum! DARCY - O que que vou precisar levar... Você falou? VITOR - Só os seus documentos. DARCY - Ah, tá! Não precisa de nenhuma conta de luz, nada? VITOR - Eu tenho, né? DARCY - Ah, tá! VITOR - Eu tenho uma conta de luz daí. DARCY - Você foi fazer o que aí? Foi abrir conta aí? VITOR - Não... Não... Eu fui fazer depósito. Na caderne... Na caderneta de poupança das crianças. DARCY - (Incompreensivel)... Você deposita aí e cai lá, né? VITOR - É... É... DARCY - Ah, tá! Então, faz o seguinte... Que horas que a gente se encontra... Onde é que a gente se encontra? VITOR - Ah, se você quiser, a gente pode se encontrar às 10h00 aqui na porta do banco... Unibanco. DARCY - Às 10h00 em ponto. E que eu não gosto de ficar muito parado aí não, viu? VITOR - É... Não, 10h00 em ponto! A hora que abre a gente já entra e já fala com o gerente. DARCY - Ah, tá legal! VITOR - Tá... Não esquece do CIC e RG. DARCY - Não, eu não largo deles... Tá comigo. V1TOR - Tá bom! DARCY - Tá... VITOR - Amanhã, então! Tá... diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51 (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - A1ô! DARCY – Oi, VITOR! VITOR – Oi! DARCY – Ó... VITOR - Hã? DARCY - Chegou mais um cartão da IZA agora, viu? VETOR - Tá... DARCY - Do Itaú. VITOR- Tá... Deixa aí. DARCY - Deixa aqui, né? VITOR – É! Deixa escondido. DARCY - Entrega pra ela? VITOR - Não, não fala nada... Deixa escondido. DARCY - Porque um... Um ela já pegou, né? VITOR - Hã! DARCY - E... Agora chegou outro. VITOR - É, não mostra não. Deixa quieto aí. Esconde... DARCY - Depois te mostro procê ai. VITOR- Tá bom. DARCY - Tá, tchau! VITOR Tchau. diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 04.04.2013, às 17h07 (fl. 229 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? DARCY - Tudo bem... Escuta! Chegou duas cartas aqui do nosso Itaú aqui... VITOR – Hã! DARCY - Eu acho que é cartão, né? VITOR - Eu também acho. DARCY - É, porque... Tá duro, aqueles negócio dele, sabe? VITOR – Hamhamm. DARCY - Tá uma no meu nome e uma no seu nome. VITOR - Tá... É, são os cartões... DARCY - É, né? VITOR - É! DARCY - Tá... Bom, depois eu te entrego uma hora aí, né? (...). diálogo travado entre VITOR e a gerente de sua conta no Banco Itaú Personalité, de nome Fabiana, interceptado em 05.04.213, às 15h55, o qual revela que era VITOR quem, efetivamente, controlava e/ou movimentava (inclusive sem procuração) as contas bancárias abertas em nome de seus familiares (fls. 231/234 – ID 170518943): FABIANA - Alô! Por gentileza, o Sr. VITOR... VITOR - Eu! FABIANA - Oi, Sr. VITOR! É FABIANA do Itaú Personnalité de Alphaville. Tudo bem? VITOR - Oi, tudo bem? FABIANA - Tudo! O senhor tá podendo falar um minutinho? (...) FABIANA - Eu tava analisando aqui, o senhor tem um volume expressivo, é... Em dois VGBLs, no master índice, de preço. VITOR - Isso... FABIANA - O que que eu queria conversar com o senhor: esses fundos, o ano passado, foram super bem, né? Acho que o senhor teve uma rentabilidade aí de quase 30% no ano. Porém esse ano, devido ao cenário agora, elevação na taxa de juros... Ele já está negativo de janeiro até ontem, já bateu 4% negativo. VITOR - Humhumm! FABIANA - Então, o que eu queria conversar com o senhor: como na previdência a gente tem esse benefício de poder fazer portabilidade sem causar nenhum ônus pro cliente, sem precisar pagar imposto... Enfim, nenhuma taxa... A gente portar ele para um plano DI, por exemplo, recuperando esse cenário de índice de preços, depois o senhor pode voltar pra essa...Pra esse produto. (...) VITOR - Mas será que com essa história do aumento da inflação, será que não vai reverter esse VGBL? FABIANA - Não, ele não tem a ver: aumenta a inflação, aumenta a rentabilidade. Ele é composto daquelas NPNs, que são aqueles títulos do governo... E esses títulos, nesses planos de previdência, são os títulos acima de 5 anos. Então, como o mercado já tá precificando que vai subir as taxas de juros, eles já tão fazendo a marcação ao mercado desses títulos.... VITOR - Hã... FABIANA - Por isso que tá tendo essa desvalorização. VITOR - Entendi... FABIANA - Ele não tem a ver... Ele é um fundo de índice de preços, mas ele não tem a ver: subiu a inflação...Senão, era pra tá super alto com a inflação, né? Eles vão justamente aumentar os juros pra poder controlar a inflação, mas não é nesse sentido. Tá? Esse fundo... VITOR - Hã! É... É que é assim, também não sou só eu nesse barco não... Tem os meus sogros, né? FABIANA - Hum! VITOR - ... Que também tão com o mesmo produto e... FABIANA - Estão na outra conta? VITOR - São outras duas contas. FABIANA - Hummm... Então, eu acho interessante... (...) VITOR - Tá, mas... Hã... FABIANA - Qual que é a conta do seu sogro? VITOR - Já te passo... No caso, com a KARINA, né? Eu fui com eles aí e a KARINA... Assim, era eu que... Eu que fazia tudo, né? Sou eu que cuido das contas deles. FABIANA - Mas na conta dele, você tem procuração? VITOR – Não tenho. Era coisa de boca, né. FABIANA – É... Porque ela fazia, mas assim... Ela poderia até ser punida por isso, tá VITOR? (...) Ou você vem... Vamos supor que você decida fazer a portabilidade. Ou você vem com eles aqui, ou eu posso mandar um portador pra eles assinarem... VITOR - Tá! FABIANA - Ou você faz uma procuração pra você entrar na conta. Entrar, não. Poder administrar, né? Vamos dizer assim... (...). Em suma, o conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 (fls. 130/156 - ID 270552805), quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto à residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, ficou igualmente demonstrado que, não obstante esta tenha sido edificada em terreno registrado em nome dos corréus DARCY e IZA (sogro e sogra de VITOR) - vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691- seu real proprietário era o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, conforme se pode extrair do seguinte diálogo, travado entre VITOR e um corretor de imóveis de nome Luis, interceptado em 23.03.2013, às 11h50 (fls. 227/228 – ID 170518943): LUIS - Alô! VITOR - LUIS? LUIS - Sim! VITOR - Ô, LUIS! Como vai? Tudo bem? LUIS - Tudo bom! VITOR - É... Quem fala é VITOR! Pai das trigêmeas... Lembra? LUIS - Pai das trigêmeas... VITOR - Vendi uma casa prum... Prum rapaz... na... no... Eu tinha uma casa térrea verde no 12... LUIS - Ah, no 12! O Sr VITOR... VITOR - Tá lembrado? LUIS - Ô! VITOR - Então tá... Seu LUIS! LUIS – Oi! VITOR - Estamos numa nova empreitada. LUIS - Oi! VITOR - Eu me separei E assim, eu queria ver o que que eu arrumo por aqui. LUIS - Ok! Tem ideia se é apartamento... VITOR - Não, apartamento não. LUIS - Casa mesmo? VITOR - É... Eu... E assim, eu tô pensando em ficar aqui no 11 mesmo... LUIS - Hã! VITOR - Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças... LUIS - Ah, eu lembro que o senhor vendeu lá. O senhor tinha construído no 11, não foi? VITOR - Isso! Isso! Então eu queria ficar aqui no 11 pra ficar perto das crianças. LUIS - Correto! VITOR - Mas assim, eu tô bem por fora de preços e tudo mais. Então, seria assim: num primeiro momento, o que a gente acha de casa. LUIS - Ok! VITOR - E se não... Sei lá! Se aqui no 11 não tiver nada, que a gente consiga chegar num consenso e tudo mais... LUIS - Hã! VITOR - De repente até eu posso pegar um terreno e também construir. LUIS - Ó, então, mais fácil casa, viu VITOR... VITOR - É, né? LUIS - Os terrenos estão acabando. VITOR - São poucos... LUIS - E terreno, o pouco que tem, o preço tá realmente lá em cima. (...) VITOR - Então, deixa me ver assim... O senhor tem ideia de quanto tá saindo o metro de terreno aqui no 11? LUIS - Tá na faixa de R$ 1.000,00, mais ou menos. Deixa pegar, o terreno... VITOR - Nossa Senhora! LUIS - ... Quer ver? Terreno... VITOR - Como subiu! Dobrou o valor... LUIS - Dobrou. É porque tá acabando. Por isso que eu falei... Às vezes, a pessoa faz um melhor negócio numa casa, né? VITOR - Hã! LUIS - Os terrenos aqui... É, ó... Eu tenho de 833, que não são bons... Já vou lhe falando... VITOR - Hum! LUIS - (Incompreensível) multo aclive, né? VITOR - Sim, sei... LUIS - Então, ali, realmente, o senhor economiza no terreno, mas gasta na construção, né? Os outros lá, tá de 900 até 1.400 o metro... VITOR - Caramba! Eu comprei... Eu comprei... LUIS - Entre 1.000 e 1.400. VITOR - Eu comprei esse terreno da Piava... LUIS - Hã! VITOR - ... Em 2007. LUIS - 6 anos atrás... VITOR - No começo de 2007. Eu paguei 6500 m 2 e é terreno de esquina... O terreno normal... LUIS - Se o senhor corrigir isso daí em 6 anos, também não vai dar muita diferença não. VITOR - É, né? O terreno normal, na época, tava 550 o metro. Quer dizer, dobrou, né? LUIS - É... Dobrou. VITOR - Dobrou em 6 anos. Ocorre que, embora se saiba que VITOR ocultou a propriedade do referido imóvel registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA), o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006 (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Quanto à residência situada no terreno, construída, ao que tudo indica, nos meses e/ou anos subsequentes (vide imagem à fl. 144 – ID 270552800), observa-se que a Matrícula do imóvel não a menciona e que a Corregedoria da Receita Federal apurou, a esse respeito, tão-somente o seguinte (fl. 144 – ID 270552800): Nota-se que nas DIRPF originais de 2007 a 2011 a Sra. IZA e o Sr. DARCY informaram a propriedade de 50% de um terreno à Al. Piava, 248 (...), em conformidade com o informado na DOI. Todavia, a partir da entrega das DIRPF retificadoras, transmitidas pelo IP SUSPEITO no ano de 2011, passou a constar que a Sra. IZA e o Sr. DARCY tinham a propriedade, cada um, de 50% de uma casa à Al. Piava, 248 (...). Ora, se a informação do cartório somente mostra a compra de um terreno e no local atualmente há uma casa, ela deve ter sido construída naquele terreno após a compra (...). Ora, apesar de, a partir das informações supramencionadas, ser possível extrair que a aludida residência foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos acostados às fls. 03/11 do ID 270552810, p. ex., revelam que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto (vide relatórios às fls. 04/55- ID 170518579 e fls. 53/71 - ID 170518766); a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013 (fls. 03/38 – ID 170518764). De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. Em outras palavras, o aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Caso o desvalor da conduta de ocultar/dissimular produto de ilícito penal (lavagem) não esteja abrangido pelo desvalor do recebimento (indireto) da vantagem indevida (oriunda da corrupção passiva), não se cogitará da aplicação do princípio da consunção. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Válido, nesse passo, destacar o seguinte trecho da fundamentação da r. sentença (fls. 134/165 - ID 170518759): O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada (...) – grifo nosso. Reitere-se que o fato de existir eventual coincidência temporal entre o recebimento da propina (oriunda do crime de corrupção) e a implementação de atos autônomos de lavagem, “não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem” (nesse sentido: STF, Segunda Turma, HC n.º 165.036/PR, Rel. Min. Edison Fachin, Julg. em 19.04.2019, Dje de 10.03.2020). Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. DOLO RELACIONADO ÀS CORRÉS IZA E EDILAINE. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese, ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), pois as apelantes não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682). É certo que, para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Cabe consignar, ainda, que o dolo (elemento integrante da tipicidade) não se confunde com a potencial consciência da ilicitude (elemento integrante da culpabilidade), bem como que a ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. Assim sendo, para que se cogite de condenação pelo delito de lavagem de dinheiro, deverá o agente, ao realizar quaisquer das ações nucleares do tipo, ter pleno conhecimento de todos os elementos que compõem a figura típica (o que inclui o conhecimento de que valores ocultados/dissimulados têm origem ilícita), sob pena de, eventualmente, se verificar a ocorrência de "erro de tipo", no caso, p. ex., de haver falsa percepção sobre a natureza (lícita ou ilícita) do recurso ocultado/dissimulado (hipótese em que se falará em exclusão do dolo). No caso concreto, entretanto, não se vislumbra ter havido, quer por parte de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH quer por parte de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, equivocado conhecimento sobre quaisquer elementares e/ou circunstâncias que integram a figura típica da lavagem, não se havendo de falar, pois, em erro de tipo. É certo que o fato de existir um ‘laranja’ se relacionando com bem proveniente de infração penal não torna, automaticamente, qualquer conduta do beneficiário desses ativos típica de lavagem de dinheiro, e nem significa que a conduta do ‘laranja’ será objetivamente típica. Afinal, o tipo penal em questão não incrimina a conduta de usar terceiros em seu nome para registrar ativos (in CAMPANA, Felipe Longobardi, e SILVA FILHO Sérgio Quintão, Responsabilização penal da figura do ‘laranja’ pelo delito de lavagem – parte 1 – https://www.conjur.com.br/2024-out-28/reflexoes-sobre-a-responsabilizacao-penal-da-figura-do-laranja-pelo-delito-de-lavagem-parte-1/ – acesso em 03.06.2025). Ocorre que, não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682), esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Frise-se, em especial, que: ficou demonstrado que VITOR não se limitava a abrir contas bancárias em nome das corrés (o que, ao que tudo indica, ocorria com a conivência delas, já que não há qualquer indício de falsificação de procuração, p. ex.), mas também costumava transmitir, em nome de ambas, declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), sendo razoável supor que isto ocorria, também, com o conhecimento delas. Consta dos autos, p. ex., que EDILAINE teria informado, em uma dessas declarações (DIRPF 2012), ter recebido o montante de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) a título de indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho, FGTS (rendimento isento), embora não exercesse nenhuma atividade remunerada, o que indica que ela sabia sobre a necessidade de “camuflar” a origem ilícita dos recursos por ela declarados à Receita Federal. Em relação à corré IZA, chega-se à mesma conclusão, pois, segundo se apurou, DARCY e IZA declararam, entre os anos de 2006 e 2011, terem recebido o montante de R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) a título de rendimentos de pessoa física, sem, contudo, demonstrarem a origem desses valores. ficou evidenciado que, na condição de familiares do auditor fiscal (VITOR), as corrés usufruíram, direta ou indiretamente, de status econômico-financeiro incompatível com a renda legitimamente aferida por VITOR (genro e ex-marido das corrés). Recibos de gastos apreendidos durante busca e apreensão realizada na residência de EDILAINE (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes) revelaram que esta corré gozava de um padrão (financeiro) de vida privilegiado, com gastos elevados. Em diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51, ambos mencionam, p. ex., que EDILAINE (“Tuca”) estaria “indo pra Miami”, bem como que EDILAINE costumava “gastar” muito dinheiro (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? (...) VITOR - Não sei se você sabe, a TUCA tá indo pra Miami hoje à noite. DARCY - Meu Deus do céu! É? VITOR - É, ela vai... DARCY - E as crianças? Vai ficar com quem? VITOR - Então, ela vai ficar fora uma semana e eu vou então lá pra Alphaville hoje. Eu vou ficar lá uma semana. DARCY - Ah, você vai ficar lá? VITOR - Vou... DARCY - Ainda bem, meu! Sabe o que eu pensei? Que ela ia pra lá e ia largar as crianças na mão da... Da IZA lá... Porque eu liguei pra lá agora, ela atendeu e me atendeu muito mal. Mandei chamar a IZA e ela me atendeu mal, sabe? VITOR - Hamhamm! DARCY - Ia só falar com a IZA, aí eu peguei e desliguei. Não dá pra conversar com ela. VITOR - É, então assim... Se você quiser ir pra lá, você pode ir. DARCY - Quando? VITOR - Não, quando você quiser! Qualquer dia... Eu vou tá lá. DARCY - Ela vai hoje e vai voltar quando? VITOR - Só volta na outra quinta-feira. DARCY - Nossa Senhora! Gasta dinheiro, né? VITOR - (Risos)... DARCY - Você paga, né? VITOR - Tô achando bom. Vou ficar uma semana com as crianças. DARCY - Legal, né? VITOR - Pra mim tá ótimo! (...). durante a execução de mandado de busca e apreensão (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes), cumprido em data em que VITOR e EDILAINE já estavam separados de fato e, portanto, morando em residências distintas, foram apreendidos diversos cheques oriundos de propina, isto é, cheques emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina”, sendo que, boa parte desses cheques foi encontrada na residência de EDILAINE, fato que reforça a convicção de que EDILAINE aderiu, conscientemente, ao comportamento criminoso de “lavar” a propina recebida por seu ex-marido (VITOR). Destaque-se que, nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. A propósito, confira-se: (...). Firmada a materialidade do crime de lavagem, resta analisar o elemento subjetivo. Questão que se coloca é a da efetiva ciência dos beneficiários quanto à procedência criminosa dos valores recebidos e à possibilidade do dolo eventual. O dolo eventual na lavagem significa, apenas, que o agente da lavagem, embora sem a certeza da origem criminosa dos bens, valores ou direitos envolvidos quando pratica os atos de ocultação e dissimulação, tem ciência da elevada probabilidade dessa procedência criminosa. Não se confundem o autor do crime antecedente e o autor do crime de lavagem, especialmente nos casos de terceirização da lavagem. O profissional da lavagem, contratado para realizá-la, pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o conhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o serviço realizado e não tem motivos para revelar os seus segredos, inclusive a procedência criminosa específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional. A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio. Assim, parece-me que não admitir a realização do crime de lavagem com dolo eventual significa na prática excluir a possibilidade de punição das formas mais graves de lavagem, em especial a terceirização profissional da lavagem. O caso presente ilustra essa hipótese, pois houve, no caso do PP e do PL, a contratação de empresas financeiras que lavaram o numerário repassado pelas contas das empresas de Marcos Valério de uma forma bastante sofisticada. Ainda que tivessem ciência da elevada probabilidade da procedência criminosa dos valores lavados, é difícil, do ponto de vista probatório, afirmar a certeza dos dirigentes dessas empresas quanto à origem criminosa dos recursos. Sem admitir o dolo eventual, revela-se improvável, em regra, a condenação dos lavadores profissionais. O tipo do caput do art. 1º da Lei 9.613/1998, de outra parte, comporta o dolo eventual pois, em sua literalidade, não exige elemento subjetivo especial, como o conhecimento específico da procedência criminosa dos valores objeto da lavagem. Essa interpretação encontra apoio expresso no item 40 da Exposição de Motivos n.º 692/1996: ‘Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1º, §1º, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou dissimulação da utilização de bens, direito ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo’. A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito. Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro. Na hipótese sub judice, há elementos probatórios suficientes para concluir por agir doloso - se não com dolo direto, pelo menos com dolo eventual (...) – grifo nosso. (STF, Plenário, AP n.° 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 17.12.2012, Public. em 22.04.2013, páginas 1.271/1.273 do Acórdão) Também o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento relacionado à prática do delito de lavagem de dinheiro, já asseverou que a denominada teoria da cegueira deliberada, criação doutrinária e jurisprudencial, preconiza que é possível a condenação pelo crime de lavagem de capitais, ainda que ausente o dolo direto, sendo admitida a punição a título de dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos, a saber, que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento da intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer, quando teria plenas condições de investigar a proveniência ilícita dos bens (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp n.° 1.793.377/PR – 2019/0020620-1, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Julg em 15.03.2022, DJe de 31.03.2022). Em suma, ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos ora apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, cada qual pela prática do delito de lavagem de dinheiro por uma vez (nos termos estabelecidos pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus). INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. Os crimes de lavagem de dinheiro em questão foram praticados por uma pluralidade de agentes, os quais agiram em convergência de vontades (vínculo subjetivo) para a realização de um mesmo tipo penal (unidade delitiva). Trata-se, assim, de hipótese de concurso de pessoas, em que a punição dos envolvidos pode, em tese, variar em função da posição e/ou teoria que, porventura, se adote, especialmente no que diz respeito aos critérios de distinção entre autor e partícipe e à sua punibilidade. As corrés EDILAINE e IZA requereram, em suas razões de Apelação, o reconhecimento de que não teriam atuado como coautoras, mas sim como partícipes de menor importância. Para uma melhor compreensão do tema, cabe sintetizar, brevemente, duas teorias que, baseando-se em critérios de distinção entre autoria e participação, relacionam-se à punibilidade daqueles que praticam crimes em concurso de pessoas, quais sejam: i) teoria monista e ii) teoria dualista. Teoria monista (ou unitária), de acordo com a qual todos os agentes que, de algum modo, contribuíram, em concurso, para o resultado criminoso, deverão, obrigatoriamente, responder pelo mesmo delito. Trata-se de corrente que se aproxima da teoria material-objetiva, pautada no critério subjetivo-causal (equivalência das condições), segundo a qual qualificam-se como autores todos aqueles que, independentemente de praticarem ou não o verbo descrito no tipo penal, contribuem dando causa, de algum modo, mesmo que em graus diferentes, à produção do resultado criminoso. Em suma, trata-se de teoria que se abstém de qualquer diferenciação entre as figuras de autor e partícipe. Para a corrente monista pura, todos os indivíduos que, causalmente e em equivalência de condições, concorrerem para a prática do crime serão, objetivamente, denominados autores (conceito extensivo de autor), podendo haver, somente a posteriori, no momento da fixação da pena, a atribuição de causas limitadoras da punibilidade para “autores de menor relevância”, em função de sua culpabilidade (princípio da individualização da pena). Teoria dualista, a qual sugere a aplicação de tipos penais diversos para autores e partícipes, identificando como autor aquele que pratica (integral ou parcialmente) a ação central tipificada (verbo da conduta criminosa) e como partícipe aquele que pratica ações acessórias, contribuindo para a realização do crime, isto é, auxiliando materialmente ou induzindo/instigando moralmente o autor. Trata-se, pois, de corrente que se apoia nos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria formal-objetiva, segundo a qual qualificam-se como autores apenas aqueles que executam, integral ou parcialmente, a ação legalmente tipificada, bem como qualificam-se como partícipes aqueles que, sem praticar o núcleo do tipo, contribuem para a realização do crime, quer prestando algum tipo de auxílio material ao autor, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Nesse contexto, os autores serão os agentes (executores) principais, enquanto os partícipes serão agentes meramente secundários, para os quais haverá uma previsão típica distinta. Cumpre esclarecer que, no âmbito do direito penal brasileiro, diferentemente do que ocorre em países como a Alemanha, p. ex., não há, no plano da Lei, uma distinção conceitual analítica clara entre autoria e participação. Os artigos 29, 30 e 31 do Código Penal Brasileiro assim dispõem: Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) A leitura isolada do caput do artigo 29 pode, em princípio, levar à conclusão de que todo aquele que se insere na cadeia causal de um crime deve, invariavelmente, ser qualificado como autor, nos moldes do que preceitua a teoria monista (ou unitária) pura, para a qual não há distinção entre autor e partícipe, ficando a quantificação da responsabilidade postergada para o momento da aplicação da pena, em função da culpabilidade de cada agente. Contudo, os dizeres dos parágrafos do artigo 29 e dos artigos 30 e 31 do Código Penal Brasileiro afastam a conclusão de que o legislador pátrio teria adotado um sistema unitário puro, apontando para a adoção de uma espécie de sistema unitário temperado (ou moderado), em que, ao mesmo tempo em que se determina, como regra, a imputação de um único crime aos agentes que agem em concurso (nos moldes do que propõe a teoria monista), faz-se, também, alusão aos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria dualista, conjugando-se, assim, ambas as teorias. Em outras palavras, não obstante tenha-se, como regra, que um único crime deve ser imputado a todos os agentes concorrentes (unidade delitiva), admite-se, a depender do grau de relevância causal da conduta praticada pelo agente, que a ele seja atribuída a condição de mero partícipe, e não, necessariamente, de autor/coautor, o que poderá lhe acarretar consequências mais brandas, caso, p. ex., sua participação seja identificada como de menor importância (inteligência do §1° do art. 29 do CP) ou, ainda, caso seja identificado um desvio subjetivo de conduta (inteligência do § 2° do art. 29 do CP). Nesse cenário, a distinção conceitual entre autor e partícipe ganha relevância, não apenas para fins de se quantificar a pena, mas, inclusive, para fins de se determinar, nos casos concretos, a própria extensão da norma proibitiva. Pois bem. Conforme já se asseverou, o Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Ocorre que, na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. DOSIMETRIA. O cálculo da pena deve atentar-se aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar-se à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi incialmente condenado pela prática dos delitos de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas), peculato eletrônico (por 8 – oito – vezes, referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, referentes à 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) e lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez). No corpo do presente voto, reconheceu-se, de ofício, a ocorrência de prescrição em relação às condutas de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, bem como foram mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática dos delitos de: corrupção passiva, por 3 – três – vezes (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; corrupção passiva qualificada, por 2 – duas – vezes (referentes às 2ª e 7ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; peculato eletrônico, por 8 - oito – vezes, tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. lavagem de dinheiro, por 1 – uma – vez, tendo sido a pena fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. Inicialmente, no tocante ao delito de corrupção passiva qualificada cumpre tecer algumas breves considerações. No crime de corrupção passiva qualificada, o juiz deveria ter partido da pena-base de 2 anos, que acrescida do aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas (sendo que cada uma ensejaria o aumento de 1/12 sobre a pena mínima), resultaria na pena-base de 2 anos e 6 meses de reclusão. Nada havendo a ser valorado na segunda fase da dosimetria e devendo ser reconhecida na terceira fase da dosimetria somente a causa de aumento de 1/3, a pena final deveria perfazer o total de 3 anos e 4 meses de reclusão. Todavia, partiu-se de uma pena-base de 2 anos e 8 meses, pois considerou o aumento previsto no artigo 317, § 1º, do CP, logo na primeira fase da dosimetria. Posteriormente, promoveu-se o aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas, perfazendo a pena de 3 anos e 4 meses, que se tornou definitiva em razão da ausência de critérios da segunda e terceira fases a serem considerados. Assim, como o procedimento levado a efeito pelo juiz não resultou em qualquer prejuízo ao réu, não há necessidade de qualquer reparo quanto à sistemática utilizada para o cálculo da pena do crime de corrupção passiva qualificada. Na primeira fase da dosimetria, foram valorados negativamente, para esses crimes (corrupção, peculato eletrônico e lavagem), três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime). Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VITOR tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fls. 145, 147, 149 e 153 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fls. 145, 147, 150 e 153 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas de corrupção e peculato eletrônico perpetradas por VITOR (auditor fiscal) apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de servidor lotado no setor de “malha fina” (Defis/SP/Sevic/Eqac) da Receita Federal, VITOR era, justamente, um dos responsáveis pela análise e/ou conferência dos dados (falsos) inseridos nas declarações de Imposto de Renda fraudulentamente “liberadas” por ele. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve, portanto, excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo auditor fiscal, justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de corrupção e peculato eletrônico. Quanto à prática do delito de lavagem de dinheiro, contudo, tem-se que o cargo ocupado por VITOR (auditor fiscal lotado no setor de “malha fina” da Receita Federal) não foi, diretamente, utilizado para viabilizar ou facilitar o crime. Em outras palavras, não se vislumbra conexão objetiva entre a função pública exercida por VITOR e o modo pelo qual se deu a prática criminosa da lavagem, razão pela qual a valoração negativa do vetor “culpabilidade” deve ser afastada. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” para os delitos de corrupção passiva, corrupção passiva qualificada e peculato eletrônico, bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, pois tais motivos teriam sido “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146, 147, 150 e 153 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção, o peculato eletrônico e a lavagem de dinheiro sejam crimes contra a Administração Pública e/ou contra a Ordem Econômica, é inegável que todos esses delitos, guardadas as suas peculiaridades (qualificação do agente como servidor público, p. ex.), possuem, também, características de crimes contra o patrimônio, isto é, envolvem expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base dos delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para os delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem. Do quantum a ser majorado. O quantum de majoração correspondente a cada circunstância judicial tida como desfavorável deve mostrar-se adequado à prevenção e reprovação do crime, não se limitando a cálculos aritméticos ou percentuais pré-estabelecidos, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA DOMICILIAR. JUSTA CAUSA OBSERVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. (AgRg no REsp 143.071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). Isso significa que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.595.884/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) No caso em questão, justificar-se-ia, em princípio, a exasperação da pena-base em patamar ainda mais elevado do que o adotado pelo r. juízo a quo. Contudo, em face da ausência de recurso ministerial, não se há de falar em modificação da fração de aumento fixada pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus. Em face do parcial provimento ao apelo de VITOR, as penas-base ficam assim estabelecidas: corrupção passiva: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva (art. 317, caput, do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. corrupção passiva qualificada: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva qualificada (art. 317, §1°, do CP) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa; peculato eletrônico: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. lavagem de dinheiro: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Não houve alteração desses patamares nas segunda e terceira fases da dosimetria, de modo que as penas definitivas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH ficam estabelecidas em: 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos três delitos de corrupção passiva a ele imputados; 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos dois delitos de corrupção passiva qualificada a ele imputados; 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos oito delitos de peculato eletrônico a ele imputados. 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa para um delito de lavagem a ele imputado. Concurso Material x Continuidade Delitiva. Em relação aos delitos de corrupção (três delitos de corrupção passiva e dois delitos de corrupção passiva qualificada) pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 26.03.2013, 08.04.2013, 16.04.2013 – por duas vezes - e 25.04.2013), observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra do concurso material de crimes (inteligência do art. 69 do Código Penal), somando, portanto, as penas a ele imputadas. Já em relação aos oito delitos de peculato eletrônico pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013) observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra da continuidade delitiva, incidindo, portanto, a pena de um dos crimes aumentada de 2/3 - dois terços – fl. 151 – ID 170518759 (inteligência do art. 71 do Código Penal) Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR requereu o reconhecimento da hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, nos moldes do que ocorreu em relação aos crimes de peculato eletrônico. Pois bem. Para a caracterização de crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O artigo 71, caput, do Código Penal assim dispõem: Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (grifo nosso). Ocorre que, no caso concreto, verificou-se a ocorrência de reiteração (ou habitualidade) criminosa, já que as provas amealhadas no curso da “Operação Publicano” revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria adotado, ao longo de anos, como modus vivendi, a prática de fraudar o sistema de arrecadação de imposto de renda da Receita Federal do Brasil, especialmente por meio do cometimento de delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico. In casu, portanto, deve-se considerar que, apesar de haver pluralidade de ações da mesma espécie com modus operandi semelhante, as condutas criminosas foram autônomas e isoladas, cada fato subsumindo-se à norma de maneira singular, sem que o primeiro crime seja causa do segundo, razão pela qual agiu bem o r. juízo a quo ao afastar a hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, fazendo incidir a regra do concurso material. Frise-se que, embora o mesmo raciocínio devesse ser aplicado aos delitos de peculato eletrônico praticados por VITOR, não se há de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Com efeito, não se deve confundir reiteração (ou habitualidade) criminosa com continuidade delitiva. Unificar a pena neste caso significaria um incentivo a esse tipo de comportamento reprovável de eleger a criminalidade como modus vivendi. A ficção jurídica do delito continuado se caracteriza, essencialmente, a partir de uma forma de "prosseguimento ou desdobramento da mesma conduta delituosa", o que é diferente de se praticar uma série de crimes isolados de semelhante espécie. Nesse sentido, já se posicionaram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME CONTINUADO. NECESSIDADE DE PRESENÇA DOS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. REITERAÇÃO HABITUAL. DESCARACTERIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Para a caracterização do crime continuado faz-se necessária a presença tanto dos elementos objetivos quanto subjetivos. 2. Constatada a reiteração habitual, em que as condutas criminosas são autônomas e isoladas, deve ser aplicada a regra do concurso material de crimes. 3. A continuidade delitiva, por implicar verdadeiro benefício àqueles delinqüentes que, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar de execução, praticam crimes da mesma espécie, deve ser aplicada somente aos acusados que realmente se mostrarem dignos de receber a benesse. 4. Habeas corpus denegado. (STF, 2ª Turma, Habeas Corpus n.° 101049, Rel. Ellen Gracie, Julg. 04.05.2010) HABEAS CORPUS. AÇÕES PENAIS. CONDENAÇÕES. CONTINUIDADE DELITIVA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. UNIFICAÇÃO DA REPRIMENDA. REQUISITOS DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. NÃO PREENCHIMENTO. AUSÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. REITERAÇÃO DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva). 2. Constatada a reiteração criminosa, e não a continuidade delitiva, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado. 3. A via estreita do habeas corpus é inadequada para um maior aprofundamento na apreciação dos fatos e provas constantes nos processos de conhecimento para a verificação do preenchimento das circunstâncias exigidas para o reconhecimento da ficção jurídica do crime continuado. Precedentes desta Corte Superior. 4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 128.663 - SP, Julg. em 05.08.2010, Rel. Jorge Mussi, DJe de 13.09.2010) Com tais considerações, mantém-se o reconhecimento da hipótese de concurso material para os delitos de corrupção (corrupção passiva e corrupção passiva qualificada). Fixa-se, pois, para os delitos de corrupção praticados por VITOR a pena definitiva de 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa. Quanto aos delitos de peculato eletrônico, no entanto, observa-se que a r. sentença aplicou a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. No que diz respeito à fração de pena a ser aumentada nas hipóteses de continuidade delitiva, é sabido que a Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos. Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 8 (oito) delitos de peculato eletrônico (em 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013), conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 2/3 (dois terços). Fixa-se, pois, para os oito delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia), bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). As penas definitivas ficam fixadas em: 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa para os delitos de corrução passiva e corrupção passiva qualificada (em concurso material); 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa para os delitos de peculato eletrônico (em continuidade delitiva); 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para o delito de lavagem de dinheiro. A soma dessas penas totaliza 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. VAGNER FABIANO MOREIRA VAGNER FABIANO MOREIRA foi incialmente condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta) e pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida, no bojo da própria sentença, a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição. Em relação ao delito de corrupção ativa (6ª conduta), foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VAGNER tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 155 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por VAGNER apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 155 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 156 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial tida como desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por VAGNER FABIANO MOREIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA foi condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MÁRCIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 159 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por MÁRCIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 159 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 159 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. EDSON FERREIRA DA SILVA EDSON FERREIRA DA SILVA foi condenado pela prática, por duas vezes, de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de EDSON (médico) tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 161– ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Diferentemente dos demais corréus, EDSON não se tratava de um contador (intermediário), mas sim de um contribuinte (médico) que, a fim de reduzir o imposto de renda a pagar, atuou em conjunto com o auditor fiscal VITOR, contatando-o diretamente, para inserir dados falsos no sistema da Receita Federal, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão, por parte de EDSON, a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que os crimes teriam sido praticados para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 161 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 161 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que as pena-bases dos delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticados por EDSON FERREIRA DA SILVA devem ser reduzidas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por EDSON, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 2 (dois) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/6 (um sexto). Fixa-se, pois, para os dois delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos dois delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de FÁBIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 163 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 163– ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por FÁBIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 163 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 163 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA JOSÉ CARLOS SIQUEIRA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de JOSÉ CARLOS tratar-se de “pessoa esclarecida, consultor de vendas” (fl. 165 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que JOSÉ CARLOS desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 165 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 165 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por JOSÉ CARLOS SIQUEIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. CLEIDE MARIA RIBEIRO CLEIDE MARIA RIBEIRO foi condenada pela prática, por três vezes, do delito de peculato eletrônico (5ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de CLEIDE tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 166 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ela, pela profissão que exercia, a de contadora, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fls. 166/167 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas perpetradas por CLEIDE apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contadora, ela tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pela contadora (exercício abusivo da profissão de contadora), justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 167 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 167 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por CLEIDE MARIA RIBEIRO deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por CLEIDE, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 3 (três) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/5 (um quinto). Fixa-se, pois, para os três delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos três delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MAURO SERGIO ARANDA MAURO SERGIO ARANDA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MAURO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 168 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, MAURO SERGIO ARANDA atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que MAURO desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 168 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fls. 168/169 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por MAURO SERGIO ARANDA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES E EDILAINE LOPES SZWARCTUCH IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra do auditor-fiscal VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa do auditor-fiscal VITOR) foram condenadas pela prática de um delito de lavagem de dinheiro. Foram valorados negativamente dois vetores (motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada uma dessas corrés estabelecida em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, para ambas as acusadas, porque “os motivos foram puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos pelo ex-marido” (ou pelo genro) e “amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 170 e 173 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o bem jurídico protegido pelo tipo penal seja a Ordem Econômica, é inegável que a lavagem de dinheiro possui, também, característica de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA e EDILAINE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a ambas. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto para a Administração da Justiça e para a economia na medida em que dificultaram a apuração de enriquecimento ilícito de servidor público, em como reintroduziram na economia, sob o simulacro de licitude, recursos provenientes de infrações criminais” (fls. 170 e 173/174 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR (ex-marido e genro das acusadas), esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base correspondentes às condutas de lavagem perpetradas por IZA e EDILAINE, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. A propósito, a jurisprudência já se posicionou no sentido de que, nos crimes de lavagem, é legítima a valoração negativa das consequências do crime em decorrência da movimentação de expressiva quantia de recursos envolvidos que extrapole o elemento natural do tipo. Nesse sentido, confira-se: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIME ANTERIOR DE PECULATO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. (...). 2. Na espécie, o paciente foi condenado a 6 (seis) anos e 9 (nove) meses, pela prática do crime de lavagem de dinheiro, conforme tipificado no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/1998, com redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 12.683/2012, na forma do art. 71 do Código Penal (seis vezes). 3. Os impetrantes se voltam contra a pena-base fixada pelo Tribunal de origem em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão - acima do limite mínimo de 3 (três) anos previsto no preceito secundário do tipo penal violado -, haja vista a valoração negativa dos motivos, das circunstâncias e das consequências do crime. MOTIVOS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. REELEIÇÃO PARA O CARGO DE GOVERNADOR. PODER ECONÔMICO ORIUNDO DE PRÁTICAS ILÍCITAS. DETURPAÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ELEMENTOS TRANSCENDENTES AO TIPO PENAL VIOLADO. 1. A valoração negativa dos motivos do crime apresenta razões adequadas, uma vez que o intuito do agente não foi o de simplesmente branquear um proveito financeiro advindo de crime anterior para assim usufruir dos valores. O mote também está no desvirtuamento do processo eleitoral, trazendo obscuridade à vontade livre do eleitor, diante da intenção do paciente em reeleger-se para o cargo que ocupava à época, justificativa que se mostra apta ao aumento procedido. Precedentes. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. COMPLEXIDADE DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS. MESCLA DE CAPITAIS LÍCITOS E ILÍCITOS. INVERSÃO NA ORDEM DOS ESTÁGIOS DE BRANQUEAMENTO. ELEVADO GRAU DE REFINAMENTO. REPROVAÇÃO JUSTIFICADA. 1. A maior complexidade das transações financeiras empreendidas pelo paciente e pelos demais corréus na execução dos delitos, dado objetivamente aferido e assinalado pela instância ordinária a partir da interpretação realizada sobre o contexto fático-probatório disponível, constitui argumento eficaz para negativar as circunstâncias do crime. 2. O Tribunal a quo, sem descurar do ciclo normal da lavagem de capitais, considerou mais elevado o grau de refinamento da estratégia idealizada e colocada em prática na execução do crime, inclusive com a mescla de capitais de origem lícita com os de fonte ilícita, bem como com a inversão na ordem dos estágios de branqueamento. Por isso classificou com maior gravidade o modus operandi da infração penal. 3. Não há constrangimento ilegal, haja vista que o distinto grau de sofisticação nos atos específicos de lavagem de capitais justifica a reprovação em face das circunstâncias sob as quais o crime foi praticado. Precedentes. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO VOLUME DE RECURSOS MOVIMENTADOS EM OPERAÇÃO DE LAVAGEM DE CAPITAIS. AUMENTO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. 1. A instância ordinária considerou expressiva a repercussão econômica do crime, que colocou em processo de branqueamento R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), no segundo semestre do ano de 1998, valores que, meramente atualizados, representariam aproximadamente R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais) nos dias de hoje. 2. O grande volume de recursos envolvidos na lavagem de capitais extrapola o elemento natural tipo e constitui razão idônea à majoração da pena-base, visto que, em tal espécie de delito, ‘a elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria’ (AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017). 3. Habeas corpus do qual não se conhece. (STJ, Quinta Turma, HC 518882/MG, Rel. Jorge Mussi, Julg. em 11.02.2020, Dje de 21.02.2020) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. VALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. INEXISTÊNCIA. TRADUÇÃO. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS. NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. LAVAGEM DE CAPITAIS. AUTORIA E MATERIALIDADE. SÚMULA 7/STJ. MOVIMENTAÇÃO DE ELEVADA QUANTIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. ‘A fundamentação per relacionem constitui medida de economia processual e não malfere os princípios do juiz natural e da fundamentação das decisões’. (REsp 1.443.593/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015). 2. Não há ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, na medida em que, da simples leitura do acórdão recorrido, constata-se que as questões apontadas como não enfrentadas foram examinadas e decididas fundamentadamente. 3. Conforme precedente do STF, ‘a tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro só deverá ser realizada se tal providência tornar-se absolutamente "necessária", nos termos do que dispõe o art. 236 do Código de Processo Penal’. (Inq 4146, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2016). 4. ‘No Processo Penal, é imprescindível quando se aventa nulidade de atos processuais a demonstração do prejuízo sofrido em consonância com o princípio pas de nullité sans grief’. (AgRg no HC 396.203/SC, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017). 5. Rever autoria e materialidade do crime de lavagem de capitais, conforme pleiteado no recurso demandaria, necessariamente, reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ. 6. A elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria. Precedente. 7. Agravo regimental parcialmente conhecido, e nessa parte, desprovido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Julg. em 26.09.2017, Dje de 06.10.2017) Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para ambas as acusadas. Do quantum a ser majorado. Observa-se que, em relação a VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (co-autor dos delitos de lavagem praticados por IZA e EDILAINE), o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (culpabilidade, motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Em relação às apelantes (IZA e EDILAINE), entretanto, o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/8 (um oitavo), equivalente a 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Disto resultou a fixação de pena idêntica para os três corréus (de 3 – três - anos e 9 – nove - meses de reclusão e 14 – quatorze - dias-multa), apesar de, para VITOR, ter havido a valoração negativa de uma circunstância judicial a mais (culpabilidade). A fim de se corrigir essa discrepância, determina-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, manteve-se, para IZA e EDILAINE, apenas, a valoração negativa de um vetor (consequências do crime), conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) de cada uma dessas acusadas deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena de cada uma das apelantes para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade atribuída a cada uma dessas acusadas por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos (fls. 171 e 174 – ID 170518759). Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS E DA MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS. Observa-se que, no bojo da r. sentença, o r. juízo a quo decretou a perda, em favor da União, de alguns dos bens e/ou valores apreendidos/sequestrados no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), bem como fixou valor mínimo para a reparação dos danos, nos seguintes termos (fls. 182/183 – ID 170518759): DOS BENS APREENDIDOS Conforme a fundamentação apresentada acima, decreto em favor da União a perda dos seguintes bens: a) imóvel localizado em Alphaville, na Alameda Piava, 248, registrado formalmente em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (‘DARCY’) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (‘IZA’), como objeto de lavagem de capitais; b) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR AURELIO SZWARTUCH (‘VITOR’), EDILAINE LOPES SZWARTUCH (‘EDILAINE’), IZA e DARCY; c) dos valores bloqueados, no total de R$ 1.112.351,34 (R$ 818.588,66 + 108,97 + 1.009,03 + 40.662,26 + 212.744,71 + 39.237,71) em contas de titularidade dos acusados; d) dos valores bloqueados no montante total de R$ 1.615.720,02 (R$ 752.089,50 + 264.104,13 + 264.104,13 + 335.422,26) relativos a planos de previdência. Dos valores acima será deduzida a quantia correspondente a R$ 43.445,18, cujo levantamento foi autorizado, conforme comprova cópia trasladada às fls. 2956/2958. DO VALOR DO DANO Com fundamento no artigo 91, I, do Código Penal, combinado com o artigo 386, IV, fixo como valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), tomado como base, para estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fls.02/34 do apenso I, volume I). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA opôs, então, Embargos de Declaração alegando que a r. sentença teria sido omissa quanto aos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados em contas bancárias de titularidade de VAGNER. Alegou, na oportunidade, que, em face da mínima sucumbência deste corréu, ele faria jus ao levantamento do excesso dos valores constritos, isto é, ao levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. Ao apreciar os referidos Embargos Declaratórios, o r. juízo a quo assim decidiu (fls. 241/243 – ID 170518759): De fato, a sentença não faz menção ao bloqueio de R$ 135.897,95, decretado nos autos do pedido de busca e apreensão (fls. 337-338, 479-484, 551 dos autos da busca e apreensão). A decisão de sequestro foi explícita sobre o objeto da constrição dos bens: ‘suposto valor dos produtos/proveitos do crime e da eventual reparação dos danos (incluindo despesas processuais e penas pecuniárias)’ - fls. 336-v. Especificamente sobre VAGNER, a decisão consigna que a necessidade da constrição cautelar decorria da possibilidade de que VAGNER viesse a ‘se desfazer de seu patrimônio, impedindo, em caso de eventual condenação judicial, a reparação dos danos provenientes das práticas delituosas’ (fls. 338 - destaquei). Vê-se que houve estimativa apenas do valor da pena de multa, mas a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos. A sentença condenatória fixou o valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (fls. 3272-3273). O acusado foi condenado pela prática de corrupção que se relaciona aos danos arbitrados, razão pela qual os valores bloqueados devem ser utilizados para pagamento das custas e pena de multa, enquanto o saldo deve ser objeto de perda em favor da União para pagamento do dano arbitrado na sentença. (...) II) CONHEÇO dos embargos de declaração opostos por VAGNER e os ACOLHO, para sanar a omissão da sentença, que fica acrescida da fundamentação supra e do seguinte trecho no item ‘DOS BENS APREENDIDOS’ (fls. 3272): ‘e) do valor bloqueado no montante de R$ 135.897,95 em contas da titularidade de VAGNER, parte para pagamento das custas e pena de multa, sendo o restante destinado ao pagamento do dano fixado na sentença’. Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou ter havido reformatio in pejus, pois a perda dos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados não foi decretada no bojo da r. sentença, mas sim, tão-somente, na oportunidade em que o r. juízo a quo apreciou Embargos Declaratórios opostos pelo acusado. Reitera, pois, o pedido de que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, seja autorizado o levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. As defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, por sua vez, requereram o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome das apelantes” (fl. 204 – ID 170518682). Pois bem. Observa-se, primeiramente, que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fl. 183 – ID 170518759). Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Em outras palavras, a fixação de valor mínimo para a reparação de danos referentes aos fatos criminosos compreendidos pelo presente feito constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente, para a realização da necessária liquidação. Tal modulação excede os limites cognitivos desta seara criminal. Com tais considerações, determina-se, de ofício, o afastamento da condenação dos acusados a repararem o dano com base no valor mínimo de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), fixado pela r. sentença, tendo-se em vista que o valor mínimo para a reparação de danos constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. Como consequência, afasta-se, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, até que se apure, com precisão, o montante do dano a ser efetivamente reparado, ficando prejudicada, assim, a alegação da defesa de VAGNER no sentido de que teria havido reformatio in pejus. Frise-se que, não obstante se esteja aqui afastando o decreto de perda, em favor da União, dos bens e valores constritos até que se apure o montante efetivamente devido a título de reparação dos danos, as constrições efetivadas devem ser mantidas. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano causado pela prática dos delitos identificados no bojo do presente feito, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Assim, não se há de falar em levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER, já que, como bem asseverou o r. juízo a quo, a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos (fl. 241 – ID 170518759). Note-se que o art. 120 do Código de Processo Penal dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem ou valor, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso. Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, até mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um bem ou valor apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como condenado deve, obrigatoriamente, demonstrar a origem lícita do bem ou valor para que se cogite de seu direito a vê-lo restituído. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. Ante o exposto, vota-se por: afastar, de ofício, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; afastar, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos; julgar prejudicado o pedido, formulado pela defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA, de reconhecimento da ocorrência de reformatio in pejus; indeferir os pedidos de levantamento das constrições formulados pelas defesas de VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES. DISPOSITIVO. Ante o exposto, vota-se por: DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas. É o voto. E M E N T A PENAL E PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO PUBLICANO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CPP COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ARTIGOS 333 E 317, CAPUT, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. ART. 317, §1°, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. ART. 317, §2°, DO CP. PRESCRIÇÃO. PECULATO ELETRÔNICO. ART. 313-A DO CP. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. ART. 325 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI Nº 9.613/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO POR UM ÚNICO DELITO, A DESPEITO DE HAVER PLURALIDADE DE CONDUTAS, SOB PENA DE REFORMATIO IN PEJUS. CONCURSO MATERIAL ENTRE AS PRÁTICAS DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOLO. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DE ALGUMAS DAS CIRCUSTÂNCIAS JUDICIAIS. REDUÇÃO DAS PENAS. VALOR MÍNIMO FIXADO A TÍTULO DE REPARAÇÃO DE DANOS AFASTADO. DECRETO DE PERDA DE BENS E VALORES EM FAVOR DA UNIÃO POR ORA AFASTADO. MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS NO BOJO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR. No bojo da denominada “Operação Publicano”, investigou-se a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. Não se há de falar em nulidade da r. sentença por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. A valoração negativa do vetor culpabilidade fundamentou-se em razões distintas para cada corréu e, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), muito embora tenham sido feitas alusões semelhantes para todos os corréus, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, pois se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas pela Corregedoria da Receita Federal - ESCOR08 e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal - ESPEI) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). As interceptações telefônicas se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida, por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013. Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013. Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER, bem como solicita-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013. Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013, não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER. Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. O fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação. Não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. No tocante à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). A conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Frise-se, ainda, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes. Do diálogo interceptado, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. Embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de de um contribuinte e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de outra contribuinte, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte (médico). Muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. No tocante à 2ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Muito embora se pudesse cogitar, com base nas mensagens e diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de uma contribuinte. Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Muito embora se pudesse cogitar, com base nos diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. PRESCRIÇÃO. Declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada pelos quais havia sido condenado (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia), uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. PECULATO ELETRÔNICO. Para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. No tocante às 1ª e 2ª condutas de peculato eletrônico descritas na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. O Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas, revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções No tocante à 3ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de um contribuinte, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la. No tocante à 4ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF daquele contribuinte e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito. No tocante à 5ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs de três contribuintes, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais os referidos três contribuintes), é firme, com base nas trocas de mensagens interceptadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 dos referidos três contribuintes, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. No tocante à 6ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que um contribuinte teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração daquele contribuinte (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração desse contribuinte. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. PRESCRIÇÃO. Considerando que já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. LAVAGEM DE DINHEIRO. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: a) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; b) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; c) ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. A ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) constitui uma conduta autônoma de lavagem. In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente. Ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. O conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08, quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto ao imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, embora se saiba que VITOR ocultou sua propriedade registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA,) o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006, ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Ademais, apesar de, a partir das informações que constam dos autos, ser possível extrair que a residência situada no terreno foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos revelam, p. ex., que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: i) a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto; ii) a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013. De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. O aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. Para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito”, esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. Ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). O Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. Observa-se que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas. Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Trata-se de questão a ser dirimida no juízo cível competente. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181, ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. DECLARA-SE, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos. AFASTA-SE, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. AFASTA-SE, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos. DETERMINA-SE, porém, a manutenção de todas as constrições efetivadas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor culpabilidade em relação ao delito de lavagem de dinheiro; afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. FAUSTO DE SANCTIS Desembargador Federal
  7. Tribunal: TRF3 | Data: 22/07/2025
    Tipo: Intimação
    PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A Advogados do(a) APELANTE: MARCELA TERRA DE MACEDO - SP381227-A, RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Foram interpostas Apelações pelas defesas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 56 – ID 170518607 e fls. 207/256 - ID170518682), VAGNER FABIANO MOREIRA (fls. 59/85 - ID 170518607), MAURO SERGIO ARANDA (fl. 215 – ID 170518759 e fls. 57/61 - ID 170518682), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (fl. 218 - ID 170518759 e fls. 163/206 - ID 170518682), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (fl. 156 – ID 170518607 e fls. 163/206 - ID 170518682), EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (fl. 219 - ID 170518759 e fls. 263/301 - ID 170518682), FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (fl. 03 – ID 170518607 e fls. 86/93 - ID 170518607), MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (fl. 04 – ID 170518607e fls. 51/55 - ID 170518682), EDSON FERREIRA DA SILVA (fl. 05 - ID 170518607 e fls. 62/65 - ID 170518682), JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (fls. 06/17 - ID 170518607) e CLEIDE MARIA RIBEIRO (fl. 27 ID 170518607 e fls. 157/169 - ID 170518607), em face da r. sentença, proferida, em 10.05.2018 (fls. 58/184 – ID 170518759 e fls. 236/243 - ID 170518759), pelo Exmo. Juiz Federal Silvio Luis Ferreira da Rocha (10ª Vara Federal Criminal de São Paulo-SP), que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para: rejeitar parcialmente a denúncia, para todos os acusados, por inépcia, tão somente em relação às acusações de prática do delito de formação de quadrilha (associação criminosa), previsto no art. 288 do Código Penal (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013). condenar VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), nascido em 24.07.1962, pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), de dois delitos de corrupção passiva qualificada (2ª e 7ª condutas) e de três delitos de corrupção passiva (6ª, 8ª e 11ª condutas) – em concurso material; pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva; pela prática de quatro delitos de violação de sigilo funcional (1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) – em continuidade delitiva; e pela prática de um delito de lavagem de dinheiro, à pena de 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa; absolver VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), por insuficiência de provas, de duas acusações relacionadas à prática de corrupção passiva (3ª e 5ª condutas), de três acusações relacionadas à prática de corrupção passiva qualificada (9ª conduta) e de uma acusação relacionada à prática de violação de sigilo funcional (2ª conduta); absolver DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 02.07.1976, por insuficiência de provas, das acusações relacionadas à prática de três delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª e 4ª condutas), de um delito de corrupção ativa (3ª conduta) e de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), nascido em 12.04.1976, pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, bem como pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição; absolver VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) de acusação relacionada à prática de um delito de violação de sigilo funcional (2ª conduta); condenar MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), nascido em 04.11.1967, pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), nascida em 15.05.1958, pela prática, por três vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (5ª conduta), à pena de 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de três delitos de corrupção ativa (9ª conduta); condenar JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), nascido em 09.02.1963, pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 24.07.1981, pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar MAURO SERGIO ARANDA, nascido em 08.1.1969, pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), nascido em 03.10.1964, pela prática, por duas vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas), à pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), nascido em 01.06.1938, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), nascida em 24.06.1950, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), nascida em 29.08.1975, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se apurou a suposta existência de quadrilha (associação criminosa), em tese liderada pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializada em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros membros da quadrilha a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, VAGNER FABIANO MOREIRA, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, todos relacionados a escritórios de contabilidade, seriam, também, membros da agremiação criminosa e responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia a DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se apurou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. As condutas criminosas praticadas foram assim descritas, em síntese, na denúncia (fls. 03/38 – ID 170518764): CRIME DE QUADRILHA (art. 288 do CP, antes do advento da Lei n.° 12.850/2013). Narrou a exordial que, pelo menos desde o início de 2011 até o dia 16 de maio de 2013, VITOR, DENIS, VAGNER, MÁRCIO, CLEIDE, SIQUEIRA, DARCY, IZA e EDILAINE associaram-se, em quadrilha, com estabilidade e permanência, para o fim de cometer crimes contra a Administração Pública e de ‘lavagem’ de ativos financeiros (...) – fls. 04/05 – ID 170518764. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA (artigos 317 e 333 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP, por duas vezes): no dia 26.03.2013, às 21h43, por intermédio de mensagem SMS, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que suspendesse o processamento das DIRPFs de quatro contribuintes (“clientes”). Em razão disso, em 01.04.2013, às 12h04 e às 12h06, VITOR, cedendo a tal pedido, efetuou a suspensão da contagem dos prazos relativos às declarações (DIRPF-2012) de dois daqueles contribuintes (Luiz Cesar Nogueira e Andrea Bicudo Leite), ambas retidas em “malha fina”, não o fazendo no tocante aos demais contribuintes, porque estes não possuíam domicílio em São Paulo-SP. - 2ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS (contador), para si, diretamente, em razão de sua função, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luis Fernando, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. - 3ª Conduta - VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 10h48, por meio de trocas de mensagens via telefone celular, DENIS (contador) ofereceu o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a VITOR (auditor fiscal), para que este “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) da contribuinte Daiana. Em resposta, VITOR solicitou, como contrapartida, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), o que foi aceito por DENIS. - 4ª Conduta – VITOR e DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 23.04.2013, às 10h45, por meio de conversa telefônica, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) do contribuinte Chafik, retido em função de deduções com despesas médicas, tendo sido esse pedido prontamente atendido por VITOR. - 5ª Conduta - VITOR, DENIS E FÁBIO (prática de corrupção passiva com concurso de agentes – art. 317, caput, do CP): no dia 21.04.2013, às 14h53, DENIS e FÁBIO (contadores), previamente ajustados com unidade de desígnios e identidade de propósitos com VITOR (auditor fiscal), solicitaram, para eles e para VITOR, diretamente, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dos quais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) seriam destinados a VITOR, como contrapartida pela “liberação da malha fina” de duas declarações (DIRPF) relacionadas a pessoa conhecida como Hernan. - 6ª Conduta – VITOR E VAGNER (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 14h36, VAGNER (contador) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que a declaração (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador fosse “retirada da malha fina”, tendo sido a referida proposta aceita por VITOR. - 7ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula, o que foi feito no dia 17.04.2013, às 13h53, tendo sido a restituição da referida contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. - 8ª Conduta – VITOR E MÁRCIO (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput e 333, ambos do CP): no dia 25.04.2013, às 9h34, MÁRCIO (contador e advogado) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente no pagamento de valor a ser decidido pelo funcionário público, a fim de que este “liberasse da malha fina” as declarações (DIRPFs) dos contribuintes Emerson Favero e Lilian Martzioros, proposta esta que foi aceita por VITOR. Posteriormente, além de fornecer a MÁRCIO (contador) orientações sobre como elaborar as declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes, VITOR (auditor fiscal) informou que as declarações seriam retidas em “malha fina” e que cobraria R$ 10.000,00 (dez mil reais) para “liberar” a DIRPF de Emerson e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para “liberar” a DIRPF de Lilian. Durante a execução de mandado de busca e apreensão, as DIRPFs/2013 desses dois contribuintes foram apreendidas na residência de VITOR (auditor fiscal). - 9ª Conduta – VITOR E CLEIDE (prática de corrupção passiva qualificada e ativa – artigos 317, caput e §1º, e 333, ambos do CP): no dia 10.04.2023, às 13h45, CLEIDE (contadora), por intermédio de correio eletrônico, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagens indevidas consistentes em pagamentos de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e R$ 6.000,00 (seis mil reais), a fim de que ele “retirasse da malha fina” alguns clientes da contadora, dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide. No dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, VITOR (auditor fiscal) efetuou a “liberação da malha fina” das declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano, mesmo sem emissão de intimações aos contribuintes nem elaboração de dossiês eletrônicos e, no dia 12.06.2012, às 9h45, VITOR “liberou da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de Gerson Gomide. As declarações supracitadas apresentavam deduções elevadas a título de pagamentos de despesas médicas inidôneas ao Hospital Albert Einstein, expediente fraudulento que foi citado por CLEIDE (contadora) na mensagem eletrônica. - 10ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 22.03.2013, às 13h27, VITOR (auditor fiscal), por intermédio do sistema informatizado da Secretaria da Recita Federal, infringiu dever funcional ao alterar o conteúdo da declaração (DIRPF/2012) de Marina Andrade de Campos Maia, o que ocorreu porque VITOR cedeu ao pedido de Eduardo (funcionário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), que, em conversa interceptada no dia 22.03.2013, solicitou a VITOR (auditor fiscal) que efetuasse as alterações necessárias na DIRPF/2012 de Marina. A alteração consistiu na glosa de despesas médicas de R$ 4.251,50 (quatro mil, duzentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos), gerando liberação de restituição de imposto de renda em benefício de Marina. De acordo com a exordial acusatória, era prática comum VITOR elaborar ou modificar DIRPF a pedido de Eduardo, todas relacionadas com supostos funcionários públicos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 14 – ID 170518764). - 11ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva – art. 317, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 15h46, VITOR (auditor fiscal) solicitou a SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. CRIMES DE PECULATO ELETRÔNICO (art. 313-A do CP). - 1ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h07, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, mediante a afirmação (inverídica) de que EDSON teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2010). No dia 30.06.2010, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2010 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF, bem como “liberou-a da malha fina”, inserindo no sistema as informações mencionadas. Assim, em 01.03.2012, foi disponibilizada a EDSON restituição de imposto de renda no montante de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos). - 2ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h08, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, referentes à declaração (DIRPF/2011) desse contribuinte. No dia 12.05.2011, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2011 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF/2011, bem como “liberou-a da malha fina”, tendo sido disponibilizada a EDSON, em 01.03.2012, restituição de imposto de renda no montante de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos). - 3ª Conduta – VITOR E FÁBIO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 01.04.2013, às 12h18, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com FÁBIO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2010) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada, ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição de imposto de renda. Segundo consta, poucos dias depois, em 08.04.2013 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, sobre a referida liberação, demonstrando que ambos tinham conhecimento sobre ela. - 4ª Conduta VITOR E SIQUEIRA (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): nos dias 18.03.2013, às 15h11, e 19.03.2013, às 11h53, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com SIQUEIRA (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, a fim de “liberá-la da malha fina”, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Verificou-se, durante conversa interceptada no dia 26.03.2013, que SIQUEIRA (contador) perguntou a VITOR (auditor fiscal) sobre a situação da DIRPF de Marcelo, respondendo VITOR que já havia realizado a sua parte. - 5ª Conduta - VITOR E CLEIDE (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como em 12.06.2012, às 09h45, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com CLEIDE (contadora), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José, Olavo e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações. Após as declarações terem sido “liberadas da malha fina”, foram disponibilizadas, aos contribuintes, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.0800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Segundo consta, CLEIDE (contadora), por intermédio de e-mail enviado em 10.04.2013, prometeu pagamentos indevidos a VITOR para que este “retirasse” seus clientes da “malha fina” e aduziu que preencheria as DIRPFs 2013 da mesma forma que fez no ano passado, com exceção das declarações de Maria José, de Olavo e de Gerson Gomide (fls. 18/19 – ID 170518764), o que demonstra que VITOR e CLEIDE agiam em conjunto ao menos desde 2012. - 6ª Conduta – VITOR E MAURO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 26.04.2013, às 13h44, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com MAURO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à DIRPF/2012 de Henry Luis Fornitano, mediante a afirmação (inverídica) de que este teria comprovado as deduções constantes de suas declarações. Segundo consta, a referida DIRPF havia sido retida em “malha fina” em 10.04.2013 e, em 17.04.2013, MAURO relatou que havia pendência com lançamento referente ao Bradesco Saúde, oportunidade em que VITOR declarou que iria “resolver o problema”. Como resultado, a conduta criminosa gerou, em favor do contribuinte, a restituição de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). CRIMES DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art. 325 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 19.03.2013, às 11h18, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à suspensão do Cadastro de Pessoa Física (CPF) de Álvaro Affonso de Miranda Netto (“Doda”) em razão de não ter sido entregue a declaração (DIRPF/2012), fato de que teve ciência em razão de sua função. Durante conversa telefônica entre VITOR e VAGNER, o contador (VAGNER) pediu ao auditor fiscal (VITOR) que pesquisasse no sistema da Delegacia da Receita Federal o motivo pelo qual o CPF de “Doda” encontrava-se suspenso. - 2ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 22.03.2013, às 14h01, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informações sigilosas relacionadas ao sistema de “malha fina” das quais teve ciência em razão de sua função. Em diálogo interceptado, o contador (VAGNER) indagou ao auditor fiscal (VITOR) se rendimentos com aluguéis e royalties poderiam ser lançados na declaração de imposto de renda de pessoa jurídica como sendo “Livro Caixa”, ao que VITOR respondeu que não, porque o sistema da DRFB não aceitava ‘Livro Caixa’ para essa situação, somente sendo permitido no caso de DIRPF (fl. 20 – ID 170518764). - 3ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 25.03.2013, às 13h39, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à declaração (DIRPF) de Daniela Bonfá, ex-esposa de VAGNER, da qual teve ciência em razão de sua função. Por meio de mensagem SMS, VAGNER perguntou a VITOR se este poderia acessar a DIRPF de sua ex-esposa e, no mesmo dia, VITOR revelou que a referida DIRPF ainda estava sendo processada no sistema. - 4 ª Conduta – VITOR E ANTONIO (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 03.04.2013, às 15h30, e em 09.04.2013, às 11h55, VITOR (auditor fiscal) revelou a ANTONIO ANGELO FARAGONE informações sigilosas acerca da sociedade empresária KOMPAC SERVIÇOS ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO LTDA, estas relacionadas ao cadastro, identidade dos sócios, patrimônio dos sócios e declarações de imposto de renda, das quais teve ciência em razão de sua função. - 5ª Conduta – VITOR E MARCOS (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 09h44, 09h46, 09h47 e 09h50, VITOR (auditor fiscal) revelou a MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA informações sigilosas relacionadas a bens imóveis de propriedade do pai, irmão e mãe de MARCOS (Wilma Menin de Avila), bem como da sociedade empresária WILMA MENIN DE AVILA ME, das quais teve ciência em razão de sua função. CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS (art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998, com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012). Narrou a denúncia que, entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013, VITOR, EDILAINE (ex-esposa), DARCY (sogro) e IZA (sogra), agindo com unidade de desígnios e identidade de propósitos, por, pelo menos, 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. Segundo a exordial: VITOR se utilizava dessas pessoas, com o conhecimento delas, para o desiderato de ocultar e dissimular o proveito criminoso das infrações penais funcionais por ele perpetradas (...). Apurou-se, de ato, que VITOR registrava parte de seus bens em nome de seu núcleo familiar. Ocorre que essas pessoas não tinham como comprovar renda suficiente que confirmasse a possibilidade de suportar os bens registrados em seus nomes, razão pela qual VITOR, valendo-se do cargo de Auditor–fiscal lotado no setor de ‘malha fina’ da DRFB, elaborava declarações de imposto de renda fictícias, criando rendas inexistentes, capazes, então, de comprovar o patrimônio declarado. (...) em 2006, VITOR e EDILAINE possuíam um total de recursos disponíveis de R$ 71.253,69 (setenta e um mil, duzentos e cinquenta e três reais e sessenta e nove centavos), sendo que, em 2011, totalizavam o valor de R$ 133.219,35 (cento e trinta e três mil, duzentos e dezenove reais e trinta e cinco centavos). EDILAINE, na DIRPF 2012, a título de ‘indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho; FGTS’, declarou, como rendimento isento, o valor de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais), mesmo afirmando que não trabalhava (...). Não obstante, registre-se que EDILAINE não exercia qualquer atividade remunerada que pudesse justificar todo patrimônio que estava declarado em seu nome (...). Ainda sob esse contexto, observe-se a variação patrimonial dos sogros de VITOR, que declararam recursos disponíveis negativos em 2006 e, no ano de 2011, um saldo positivo de R$ 52.847,76 (cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta e sete reais e setenta e seis centavos) (...). DARCY e IZA declararam R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) como rendimentos recebidos de pessoa física, entre os anos de 2006 e 2011, sem, contudo, demonstrarem a origem dos valores, restando apurado que, em verdade, esses recursos são oriundos dos delitos funcionais levados a efeito por VITOR (...). Em 20/03/2013, às 11:19 (horário inicial), VITOR dialogou com DARCY acerca da abertura de uma conta bancária, indicando que ele era peça fundamental para o cometimento do delito de ‘branqueamento’ de ativos financeiros perpetrado pelo núcleo familiar de VITOR e por outros integrantes da quadrilha (...). Deveras, nova conversa telefônica travada entre VITOR e DARCY no dia 21/03/2013, às 18:52 horas (horário inicial), demonstra claramente que DARCY e IZA possuíam contas bancárias que serviam para a ocultação e a dissimulação dos proveitos dos delitos cometidos pela quadrilha (...). Outro elemento de convicção constante dos autos emerge do diálogo entre VITOR e DARCY, ocorrido na data de 04/04/2013, às 17:07 horas (horário inicial). Nele, os interlocutores conversaram sobre cartões oriundos do Banco Itaú. Ressalte-se que DARCY asseverou a VITOR que chegaram as cartas do ‘nosso’ banco (...). Ainda, tratando das contas bancárias utilizadas pela quadrilha, em 05/04/2013, às 15:55 horas (horário inicial), VITOR conversou com FABIANA, gerente do Banco Itaú Personnalité, no qual VITOR possui uma conta. Na conversa, a gerente ressaltou o volume expressivo de recursos na conta bancária de VITOR, incompatíveis com a sua atividade profissional. Na mesma oportunidade, ela ofereceu um investimento ao denunciado para volume acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). O ponto mais importante da conversa é o momento em que VITOR afirma que opera as contas de seus sogros, mesmo sem possuir procuração para tanto (...), o que, mais uma vez, denota a importância do núcleo familiar para o cometimento do delito de ‘lavagem’ de dinheiro. Ainda nessa mesma linha, observe-se o caso do ‘serviço’ prestado em favor de JESUALDO GUEDES PEREIRA FILHO. Em troca da elaboração da DIRPF do particular, com informações inverídicas, VITOR recebeu R$ 2.000,00 (dois mil reais), os quais foram depositados, a pedido de VITOR, na conta n.° 045113-4 (...), pertencente a DARCY (...). Ademais, o ‘e-mail’ enviado por VITOR a MAICEL ANESIO TITTO, outra pessoa que se beneficiava das ilegalidades praticadas pela associação criminosa, no dia 08/04/2013, às 19:06 horas, é mais um demonstrativo de que VITOR se utilizava das contas bancárias de DARCY e de IZA, ambas mantidas no Banco Itaú, (...), sempre com a anuência destes, visando o recebimento de valores provenientes de suas atividades criminosas (...). (...) foi elaborada pela Delegacia da Receita Federal uma relação dos cheques emitidos em favor do núcleo familiar de VITOR e dos contribuintes que tiveram suas declarações de imposto de renda acessadas pelo Auditor-Fiscal (...). Veja-se que foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco do Brasil, o total de 126 (cento e vinte e seis cheques) (...). Por sua vez, foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco Itaú, o montante de 140 (cento e quarenta) cheques (...). A somatória dos valores dos cheques supramencionados ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo que, em relação a todos esses contribuintes, VITOR acessou suas DIRPF no sistema da SRFB para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Além dos cheques supracitados, também foram apreendidos na residência de VITOR outros cheques de clientes da quadrilha, cuja soma alcança a cifra de R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais) (...). Ademais, na execução de mandado de busca e apreensão na residência de EDILAINE, foi apreendida também grande quantidade de cheques emitidos para o pagamento pelos ‘serviços’ da associação criminosa. A soma dos valores lançados nos títulos de crédito aponta para o importe de R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais). Dentre os cheques apreendidos na ocasião, encontram-se (i) cheques nominais ao investigado DENIS, totalizando o valor de R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais); (ii) cheques de contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP (‘internet protocol’) de VITOR (...), cuja soma é de R$ 13.900,00 (treze mil e novecentos reais); e (iii) cheques de contribuintes mencionados pelos denunciados durante as interceptações telefônicas (...), perfazendo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Todos os cheques foram emitidos à guisa de pagamento pelos crimes cometidos pela quadrilha, em benefício dos contribuintes, sendo os depósitos efetuados nas contas de DARCY, IZA e EDILAINE para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Reforça essa assertiva o fato de que, após a deflagração da ‘Operação Publicano’, os contribuintes Rebeca Maria Filgueiras Moura Sampaio, Luiz Antonio Moura Sampaio e Alberto de Souza Cotrim Filho enviaram à SRFB declarações retificadoras de imposto de renda com um aumento significativo do valor de imposto devido. Por fim, VITOR também se utilizava da aquisição de imóveis no nome de pessoas de seu núcleo familiar para ocultar e dissimular a origem dos valores provenientes dos delitos praticados pela quadrilha. Nesse sentido, em 23/03/2013, às 12:01 horas (horário inicial), VITOR afirmou ao corretor de imóveis LUIS que adquiriu um terreno na Alameda Piava, construindo ali um imóvel, apesar de esse bem estar declarado nas DIRPFs de DARCY e IZA (...). Na conversa, VITOR afirmou que pagou R$650/m2, o que faria com que o valor total da transação fosse de aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Contudo, no registro do referido imóvel, aparece que ele foi adquirido por DARCY e IZA mediante o pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou seja, em torno de R$ 240/m2 (...). Portanto, além de VITOR ter registrado o bem no nome de seus sogros, também declarou um valor muito inferior do que o realmente pago, utilizando-se de valores provenientes dos crimes perpetrados pela quadrilha (...) - (fls. 23/35 – ID 170518764). Assim, o Ministério Público Federal denunciou: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes), corrupção passiva (por 5 –cinco – vezes, referentes às 3ª, 5ª, 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 5 – cinco – vezes, referentes às 2ª, 9ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quatro – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas) e violação de sigilo funcional (por 5 – cinco – vezes); 2. DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta), corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 3ª conduta) e corrupção privilegiada (por 3 – três – vezes, referentes às 1ª e 4ª condutas); 3. VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 3 – três – vezes); 4. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). 5. CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 3 – três – vezes, referentes à 9ª conduta) e peculato eletrônico (por 3 – três – vezes); 6. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 7. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 8. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 9. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 10. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez) e corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta); 11. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 12. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes); 13. ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma – vez); 14. MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma - vez). Tipificação: art. 288, caput (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013), art. 317, caput e §§ 1 º e 2º, art. 333, art. 313-A, art. 325, caput, todos do Código Penal e art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998 (com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012), c.c. art. 71, caput, do Código Penal. A denúncia foi recebida em 07.01.2014 (fls. 45/52 – ID 170518764). Em 29.08.2014, após a redistribuição do feito nos termos do Provimento CJF3R n.° 417/2014, anulou-se o recebimento da denúncia tão-somente em relação ao acusado VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a fim de que lhe fosse dada a oportunidade de oferecer defesa preliminar, na forma do art. 514 do Código de Processo Penal (fls. 184/186 - ID 170518762). Depois de sopesados os argumentos apresentados, a denúncia foi recebida, em face de VITOR, em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612). Em relação ao corréu ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), os autos foram desmembrados (distribuídos sob n.° 0002347-09.2016.403.6181) e, em 12.09.2016, reconheceu-se a prescrição da pretensão punitiva, tendo sido declarada extinta a punibilidade deste corréu (fl. 54 – ID 170518611). Em relação ao corréu MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, os autos foram desmembrados em 19.01.2017 (distribuídos sob o n.° 0000445-84.2017.6681), em razão da concessão de Habeas Corpus em seu favor. Em relação ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, transitou em julgado, em 14.12.2016, decisão proferida pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no bojo do RHC n.° 75520 - Habeas Corpus n.° 0001857-03.2016.4.03.0000, que reconheceu, para ele, a inépcia da denúncia no tocante ao delito de formação de quadrilha (associação criminosa). O Ministério Público Federal requereu, então, a extensão dos efeitos dessa decisão aos corréus, o que foi deferido pelo r. juízo a quo no bojo da r. sentença, tendo sido a imputação da prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal excluída em relação a todos os réus (fl. 83 – ID 170518759). A r. sentença (fls. 58/184 – ID 170518759) julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, determinando: i) para o crime de quadrilha: a rejeição, por inépcia, da denúncia e a correspondente exclusão da imputação da prática desse delito em relação a todos os réus; ii) para os crimes de corrupção ativa e passiva: a condenação dos acusados pela prática das 1ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 2ª, 4ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 6ª, 7ª, 8ª, 10ª e 11ª condutas e a absolvição dos acusados em relação às 3ª, 5ª e 9ª condutas; iii) para os crimes de peculato eletrônico: a condenação dos acusados pela prática das 6 (seis) condutas descritas; iv) para os crimes de violação de sigilo funcional: a condenação dos acusados pela prática das 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas e a absolvição destes em relação à 2ª conduta; v) para os crimes de lavagem: a condenação de todos os acusados. Foi determinada, como efeito extrapenal da condenação, a perda do cargo de auditor-fiscal em que estava regularmente investido VITOR AURÉLIO SZWARTUCH. Foi decretada a perda, em favor da União, dos seguintes bens: i) imóvel registrado em nome dos corréus DARCY e IZA; ii) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR, EDILAINE, IZA e DARCY; iii) valores bloqueados em contas de titularidade dos acusados; iv) valores bloqueados relativos a planos de previdência em nome dos acusados. Foi fixada, como valor mínimo para a reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais). Foram condenados: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes, em continuidade delitiva), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, em continuidade delitiva, tendo havido absolvição em relação a uma das imputações), corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas, tendo havido absolvição em relação às 3ª e 5ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas, tendo havido absolvição em relação à 9ª conduta) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas). Para os crimes de corrupção passiva, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva qualificada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva privilegiada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de peculato eletrônico, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 2/3 (dois terços) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 4 (quarto) anos e 2 (dois) meses de reclusão de 22 (vinte e dois) dias-multa. Para os crimes de violação de sigilo funcional, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/4 (um quarto) pela continuidade delitiva (vide fl. 240 – ID 170518759), ficando a pena definitiva fixada em 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção. Para o crime de lavagem de dinheiro, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A soma dessas penas resultou em 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa. Houve, ainda, a determinação de perda do cargo de Auditor Fiscal. 2. VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática dos delitos de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva, referentes à 1ª e 3ª condutas). Para os crimes de violação de sigilo funcional, foi reconhecida a extinção da punibilidade do acusado em razão do decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da r. sentença condenatória. Para o crime de corrupção ativa, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 3. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática do delito de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 4. CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 3 –três – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/5 (um quinto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 5. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 6. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 7. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 8. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/6 (um sexto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 9. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 10. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 11. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos. Em suas razões de Apelação (fls. 207/256 - ID170518682), a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682) e tendo-se em vista que houve “decisões diferentes em condutas envolvendo mesmos réus” (fl. 226 - ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) “o juiz não está autorizado a condenar o réu naqueles processos em que o Ministério Público se manifestou pela sua absolvição” (fl. 232 - ID 170518682), razão pela qual o acusado deve ser absolvido das acusações relacionadas aos crimes de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, tendo-se em vista o posicionamento ministerial pela absolvição em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do CPP pela Constituição Federal; iv) em relação à 1ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois a suspensão provisória do prazo é procedimento normal realizado por auditores fiscais, sendo o encerramento realizado de maneira automática quando não há a apresentação de documentos comprobatórios de despesas, não se havendo de falar, portando, violação de dever funcional; v) em relação à 2ª conduta (corrupção passiva qualificada), não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento; vi) em relação à 4ª conduta (corrupção passiva privilegiada), as transcrições não comprovam qualquer ilicitude relacionada à liberação do contribuinte Chafik Kanhouce da “malha fina”, a qual se deu “por trâmite normal” (fl. 237 – ID 170518682); vii) em relação à 6ª conduta (corrupção passiva), há atipicidade, pois o que ocorreu foi mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Afirma que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682); viii) em relação à 10ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois o réu “agiu de acordo com o que exige a sua função” (fl. 239 – ID 170518682); ix) em relação aos delitos de peculato eletrônico, o próprio órgão acusador posicionou-se pela absolvição de todos os réus. Aduz que todas as condutas são atípicas, já que não existiu inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682); x) em relação aos delitos de violação de sigilo funcional, as 1ª e 3ª condutas são atípicas, pois as informações reveladas pelo apelante não possuíam “nenhuma relevância ou importância, não tendo o condão de serem classificadas como ‘segredo’” (fl. 246 – ID 170518682) e, quanto às 4ª e 5ª condutas, estas “não se referem a sigilo funcional, mas sim a segredo profissional revestido de outro caráter, que é a inviolabilidade da intimidade daquele que tem o segredo revelado” (fls. 246/247 – ID 170518682), de modo que deveria haver a “reclassificação (...) para o previsto no artigo 154 do Código Penal” (fl. 247– ID 170518682), com a consequente extinção da punibilidade do acusado, nos termos do art. 109, V, do CP; xi) quanto ao delito de lavagem de dinheiro, afirma que o que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro; xii), quanto à dosimetria, deve ser afastado o concurso material dos crimes de corrupção, devendo ser aplicada a fração de aumento prevista no art. 71 do Código Penal; xiii) em relação aos delitos de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, deveria ter sido aplicada pena privativa de liberdade ou multa, mas não ambas cumulativamente. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “foram desconsideradas as questões subjetivas de cada agente e de sua participação no delito” (fl. 277 – ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), uma vez que “a apelante não tinha conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682); iv) requer, subsidiariamente, a incidência da causa de diminuição prevista no art. 29, §1º, do CP (participação de menor importância), a fim de que a pena seja reduzida em 1/3 (um terço); v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a majoração da pena em 1/4 (um quarto); vi) deve haver, diante da revisão da pena, a extinção da punibilidade pela prescrição; vii) deve haver, como consequência da extinção da punibilidade, o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome dos apelantes” (fl. 204 – Id 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alega, em síntese: i) que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, foram opostos embargos de declaração pleiteando-se o levantamento imediato do excesso dos valores constritos e que, no entanto, ao apreciar os referidos embargos declaratórios, o r. juízo a quo acabou determinando, em favor da União, a perda da totalidade do valor bloqueado, equivalente a R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos), bem como aduz ter havido reformatio in pejus, pois a r. sentença havia determinado, tão–somente, o pagamento de dez salários mínimos a título de prestação pecuniária; ii) violação ao princípio da congruência, uma vez que a denúncia não imputou a VAGNER a prática de quaisquer dos crimes de violação de sigilo funcional e, no entanto, este acusado foi condenado pela prática de dois desses delitos; iii) ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607); iv) atipicidade da sexta conduta de corrupção narrada na denúncia; v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa dos vetores “culpabilidade”, “motivos” e “consequências do crime”. Em suas razões de Apelação (fls. 57/61 - ID 170518682), a defesa de MAURO SERGIO ARANDA alega, em síntese, que não há provas suficientes do envolvimento do apelante com os fatos criminosos, razão pela qual este deve ser absolvido. Em suas razões de Apelação (fls. 87/93 - ID 170518607), a defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. Em suas razões de Apelação (fls. 52/55 - ID 170518682), a defesa de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 62/65 - ID 170518682), a defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 07/17 - ID 170518607), a defesa de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA alega, em síntese, que o acusado deve ser absolvido, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607); ii) que não há prova de que a apelante teria concorrido para a prática dos delitos de peculato eletrônico; iii) que o aumento de 1/2 (metade) pela continuidade delitiva se mostrou exacerbado e que deveria ter sido aplicada a fração de aumento mínima de 1/6 (um sexto). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contrarrazões às fls. 21/25 - ID 170518607, fls. 181/196 - ID 170518607, fls. 197/203 - ID 170518607, fls. 204/208 - ID 170518607, fls. 22/45 - ID 170518605, fls. 46/53 - ID 170518605, fls. 54/61- ID 170518605, fls. 62/66 - ID 170518605, fls. 67/71 - ID 170518605 e fls. 72/76 - ID 170518605. Oficiando nesta instância (fls. 87/111 - ID 170518605), o órgão ministerial opinou pela declaração de extinção da punibilidade de Darcy de Oliveira Lopes, pelo transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva estatal, restando prejudicado seu recurso de apelação; pelo provimento parcial do recurso de apelação de Cleide Maria Ribeiro, apenas para o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71, CP); e pelo desprovimento dos recursos de apelação dos demais apelantes (fl. 111 - ID 170518605). Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: ESCLARECIMENTOS INICIAIS SOBRE O RELATÓRIO. O despacho proferido pelo Exmo. Revisor em 26.05.2025 confirmou o Relatório com ressalvas, nos seguintes termos (ID 325722803): Confirmo o relatório, ressalvando que: i) em vez de absolvição, houve a declaração de extinção da punibilidade de VAGNER FABIANO MOREIRA quanto às imputações de violação de sigilo funcional, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal (ID 170518759, p. 178); ii) o recebimento de denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH se deu em 16.6.2015 (ID 170518612, p. 201). Peço dia para julgamento. Em relação à primeira ressalva apontada, é pertinente esclarecer que o corréu VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) foi denunciado pela suposta prática de 3 (três) delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 2ª e 3ª condutas descritas na denúncia) e que, conforme constou do Relatório (vide item “6”), foi absolvido, por ausência de crime, em relação a uma dessas imputações de violação de sigilo funcional (2ª conduta) – vide fl. 126 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759 – e fl. 240 da decisão que apreciou Embargos de Declaração – ID 170518759). Já em relação às outras duas imputações de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), VAGNER FABIANO MOREIRA foi, incialmente, condenado (vide fls. 123/125 e 126/127 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759). Posteriormente, contudo, no corpo da própria sentença (vide fls. 152/153 e 178 da r. sentença - ID 170518759), o r. juízo a quo entendeu por bem reconhecer o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade em relação às três condutas de violação de sigilo funcional, sem se atentar, contudo, à absolvição da 2ª conduta. A página 178 da r. sentença contém, portanto, erro material que, posteriormente, foi corrigido em sede de Embargos de Declaração (fl. 240 – ID 170518759). Ademais, retifico o terceiro parágrafo (item 2) do Relatório. Onde se lê: “pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, leia-se: “pela prática de oito delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, tendo-se em vista que a 5ª conduta refere-se à imputação de três delitos de peculato eletrônico. CONTEXTUALIZAÇÃO. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se investigou, por meio de inquérito policial instaurado em 25.02.2013, a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH requereu o reconhecimento da nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Aduziu, também, que deve ser reconhecida a nulidade da r. sentença por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente). A esse respeito, cabe esclarecer que não se há de falar em nulidade por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. In casu, a única circunstância de ordem subjetiva avaliada como desfavorável em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi a “culpabilidade”, não se havendo de falar, portanto, a despeito do que se alegou, em nulidade por ausência de manifestação expressa, no bojo da r. sentença, acerca dos vetores “antecedentes”, “conduta social” e “personalidade do agente”. Observa-se que, para os crimes em tese praticados por VITOR (corrupção, peculato eletrônico, violação de sigilo funcional e lavagem), considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” por tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fl. 145 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fl. 145 – ID 170518759). O incremento das penas-base foi, portanto, adequadamente motivado, não se havendo de falar em nulidade. Note-se que a valoração negativa do vetor culpabilidade para outros corréus fundamentou-se em razões distintas, relacionadas às características do exercício da profissão de contador, p. ex., de maneira que, em relação a esta circunstância de ordem subjetiva, não prospera a alegação de que “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Por fim, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), constou da fundamentação da dosimetria referente ao corréu VITOR, que: i) os motivos dos crimes teriam sido, “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146 – ID 170518682) e que ii) as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Muito embora, na dosimetria de outros corréus, tenham sido feitas alusões semelhantes para fundamentar-se a valoração negativa desses mesmos vetores, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, até porque se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Ante o exposto, não se vislumbram, no corpo da r. sentença, quaisquer vícios processuais que comprometam a sua validade. Eventual manutenção (ou reforma) da decisão de valorar negativamente tais circunstâncias judiciais será analisada oportunamente, no tópico referente à dosimetria da pena. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS COMO MEIO DE PROVA. O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. De seu turno, o inciso XII do mesmo artigo traz uma ressalva a esse direito, ao dispor sobre a possibilidade de, mediante autorização judicial, haver interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas, desde que para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A expressão "último caso", prevista no inciso XII do referido artigo 5º, refere-se tanto às comunicações telefônicas quanto às telegráficas e de dados, porquanto o legislador constitucional empregou a conjunção "e", tendo optado por distinguir entre o sigilo da correspondência e o sigilo das outras modalidades de comunicação: telegráfica, de dados e telefônica. A Lei n.° 9.296, de 24.07.1996, regulamenta, em doze artigos, os requisitos de aplicabilidade e de autorização, bem como o tempo de duração da interceptação telefônica e/ou telemática, além de tipificar como crime o uso desse meio de prova fora dos parâmetros legais. O prazo regular para a interceptação telefônica é de 15 (quinze) dias, contados a partir da efetivação da medida constritiva, isto é, contados a partir de sua efetiva implementação. Passado esse tempo, é possível a prorrogação, sem limite de vezes, mas sempre mediante autorização judicial e comprovação de que a escuta é indispensável como meio de prova. Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência pátria: EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado. (STF, Primeira Turma, HC n.° 106129 MS, Rel. Min. Dias Toffoli, Julg. em 06.03.2012, DJe-061 Divulg. em 23.03.2012 e Public. em 26.03.2012) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO. PRORROGAÇÃO POR MAIS DE 30 DIAS. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, não ocorrente no presente caso. 2. Segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, desde que devidamente fundamentadas. 3. O Juízo de primeiro grau autorizou o monitoramento das ligações telefônicas por entender que os elementos, já colhidos, demonstravam indícios gravosos de prática criminosa e apontavam para a imprescindibilidade do deferimento da medida excepcional. Posteriormente, prorrogou o prazo das interceptações telefônicas, por concluir que os indícios apurados demonstravam que se tratava de tráfico internacional de cocaína, sendo impossível a utilização de outros meios de prova diante da organização e sofisticação dos criminosos. 4. Habeas corpus não conhecido. (STJ, Sexta Turma, HC n.° 300.768/GO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 16.10.2014, DJe de 06.11.2014) A propósito, a questão ficou pacificada no julgamento de Recurso Extraordinário n.º 625263, tendo sido fixada a seguinte tese (Tema 661): “São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”. Confira-se: CONSTITUCIONAL E PENAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AFASTAMENTO DO SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS QUE SOMENTE PODERÁ SER DECRETADO, DE FORMA EXCEPCIONAL, POR ORDEM JUDICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PELO JUIZ COMPETENTE PARA A AÇÃO PRINCIPAL, QUANDO O FATO INVESTIGADO CONSTITUIR INFRAÇÃO PENAL PUNIDA COM RECLUSÃO E DESDE QUE PRESENTE A INDISPENSABILIDADE DESSE MEIO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÕES SUCESSIVAS DESDE QUE DEMONSTRADA A SUA NECESSIDADE DIANTE DE ELEMENTOS CONCRETOS E A COMPLEXIDADE DA INVESTIGAÇÃO, RESPEITADO O LIMITE DE 15 (QUINZE) DIAS ENTRE CADA UMA DELAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. A interceptação telefônica, prevista no art. 5º, XII, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 9.296/96, dependerá de ordem judicial (cláusula de reserva jurisdicional) e deverá ser expedida pelo juiz competente para a ação principal, em decisão devidamente fundamentada que demonstre a sua conveniência e a indispensabilidade desse meio de prova (HC 94.028/AM, Rel. Min. CÁMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 29/05/2009; Inq 2.424/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe de 26/03/2010; HC 103.418/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 14/11/2011; HC 96.056/PE Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 08/05/2012). 2. O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão e presente a imprescindibilidade desse meio de prova, pois a citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, não podendo, em regra, ser a primeira providência investigatória realizada pela autoridade policial. 3. Possibilidade de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica, desde que demonstrada a necessidade de renovar a medida e respeitado o limite de 15 (quinze) dias entre cada uma delas, sem que exista violação ao art. 5º, da Lei n. 9.296/96. Precedentes da CORTE: RHC 120.111/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 31/03/2014; HC 145.569-AgR/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 28/09/2017; HC 137.820/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Redator para o acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 12/06/2018; HC 130.596-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 30/08/2018; HC 128.755-AgR/PA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 18/02/2020; RHC 192.427-AgR/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 30/11/2020; HC 201.609-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 17/06/2021; ARE 1.320.336-AgR/GO, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 29/09/2021; HC 204.378-AgR/MT, Rel. Min. NUNES MARQUES, DJe de 3/2/2022. 4. No caso concreto, diante da demonstração, mínima e razoável, de que a medida era imprescindível para elucidação dos fatos, especialmente se levada em conta as ações criminosas investigadas, não há como declarar a nulidade das decisões que, embora sucintas, estão de acordo com o dever de fundamentação exigido pelo art. 93, IX, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese para o Tema 661: "São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto. (STF, Tribunal Pleno, RE n.° 625263, Rel. Gilmar Mendes, Rel. p/ acórdão Alexandre de Moraes, Julgado em 17.03.2022, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-109, Divulg. em 03.06.2022, Public. em 06.06.2022) Destaque-se que a interceptação telefônica não se confunde com a quebra de sigilo telefônico, uma vez que, no primeiro caso, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, enquanto, no segundo (quebra do sigilo), a única informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas. Além disso, interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina são medidas distintas. Na interceptação telefônica, nenhum dos dois interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada por um terceiro. Na escuta, um dos dois interlocutores sabe que eles estão sendo gravados por um terceiro. Na gravação, um dos interlocutores é quem grava a conversa. Tanto a interceptação telefônica quanto a escuta precisam, necessariamente, de autorização judicial para que sejam consideradas provas lícitas, o que não se dá em relação à gravação, a qual pode ser feita sem autorização do juiz. Tratando-se a interceptação telefônica de captação de conversa sem que haja o conhecimento dos interlocutores, esse procedimento revela-se um importantíssimo meio de prova em investigação criminal. Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve atuar com rapidez e efetividade, conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1º, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 6º da Constituição Federal) e adotando ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa. Contudo, a fim de impedir intromissão desmedida na esfera privada, a autorização de interceptação deve ser balizada pelos princípios da intimidade e da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, do nemo tenetur se detegere - princípio da não autoincriminação, da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e da instrumentalidade constitucional do processo penal. Nesse contexto, a Lei regulamentadora elencou as hipóteses de não cabimento da interceptação telefônica, quais sejam: i) quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; ii) quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; iii) quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção (inteligência dos incisos I, II e III do art. 2º da Lei n.° 9.296/1996), ressalvando-se, nesse último caso, a possibilidade de se autorizar a interceptação telefônica para apurar crime punível com detenção, desde que conexo com outros delitos puníveis com reclusão. As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T.E.I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 1º, “l”, e artigo 11, que prevê a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa acerca da entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina sobre a entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como para permitir a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A., artigo 5º), ou mesmo com a legislação nacional (Lei n.º 9.613, de 03.03.1998, alterada pelas Leis n.ºs 10.701/2003, 12.683/2012, 13.964/2019 e 14.478/2022 e pela Lei Complementar n.º 167/2019). O parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996, estabelece que o disposto nesta Lei se aplica à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que a Lei pode ser empregada para a interceptação de e-mails, de conversas estabelecidas pela internet e por intermédio de programas de computador. Estão inseridas as comunicações por fac símile, messenger, e-mail, whatsapp etc, já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros). A evolução tecnológica determinou o tratamento jurídico conjunto dessas duas modalidades, na medida em que a comunicação de dados acaba se valendo da estrutura destinada à comunicação telefônica, sem contar que o legislador constituinte não diferenciou a interceptação das comunicações telefônicas das telemáticas, donde se conclui que a Lei n.º 9.296/1996 deve ser adotada para ambos os tipos de comunicação. Luiz Flávio Gomes, em parceria com Silvio Maciel, definiu: comunicações telefônicas 'de qualquer natureza', destarte, significa qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, com uso ou não da informática (in Interceptação Telefônica - Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996, 2ª ed. 2013, p. 47, ed. Revista dos Tribunais). Ademais, não se pode esquecer que o procedimento de interceptação telefônica e/ou telemática possui natureza cautelar, cujo propósito é o de coletar elementos para a propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) e/ou para a instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que se cogita da prática de infração punida com pena de reclusão. Assim, sendo certo que a Constituição Federal determina, no inciso IX do artigo 93, a fundamentação das decisões judiciais (todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação), a demonstração do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" deverá ficar evidenciada na fundamentação de decisium que, eventualmente, deferir a interceptação telefônica e/ou telemática, já que a importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados de que o homem pode usufruir, principalmente em vista dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana (STJ, HC 248.263/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, v.u., DJe 02.10.2012). Porém, não se exige que a decisão seja demasiadamente pormenorizada, com motivação exaustiva e minudente, porquanto se cuida de procedimento cautelar em que o juiz realiza juízo sumário, analisando os fatos a ele apresentados na representação policial. A fundamentação da decisão que defere interceptação telefônica/telemática deverá demonstrar, tão-somente, a imprescindibilidade do meio de prova pretendido pela autoridade policial e a presença de indícios concretos de autoria e materialidade delitivas, ou seja, de que a pessoa possa estar cometendo crime punível com pena de reclusão, mas não realizar juízo de certeza sobre a culpa do investigado. Em suma, a decisão que defere medida de interceptação de telecomunicações deve conter elementos suficientes para revelar a pertinência do pedido, as razões empregadas na motivação judicial e o suporte legal da medida, de modo a ser possível eventual impugnação pelas partes. É o que basta. Importante destacar, ainda, que não há óbice a que a decisão que defira a interceptação ou que, simplesmente, renove a autorização de interceptação, faça menção, em sua fundamentação, ao pedido inicialmente realizado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, o qual, nesse caso, passará a integrar o decisium (fundamentação "per relationem"), uma vez que propiciará às partes conhecer os fundamentos encampados por aquela decisão judicial. Trata-se de prática já reconhecida como válida pelos Tribunais Superiores (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.º 2007.03.00.103554-3/SP, Rel. Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, v.u., DJU de 29.04.2008, p. 380). Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: é assente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há que se cogitar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o juiz, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à sentença anteriormente prolatada, ou mesmo ao parecer do Ministério Público, na denominada fundamentação 'per relationem' (STJ, Sexta Turma, AgRg no AgRg no AREsp n.º 17.227/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, v.u., DJe de 08.02.2012). No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao permitir a renovação de autorização de interceptação telefônica a despeito de não terem sido inseridos novos motivos: este Tribunal firmou o entendimento de que 'as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). O Plenário desta Corte já decidiu que é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996 (STF, Habeas Corpus, n.° 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim). A fim de assegurar-se a lisura de todo o procedimento de interceptação, seu conteúdo integral deverá, oportunamente, ser disponibilizado à defesa (cf. Inquérito n.º 2.424, Relator Min. Cesar Peluso, Tribunal Pleno, STF, DJe de 26.03.2010), sendo desnecessária, contudo, a degravação integral dos diálogos interceptados, mormente daqueles que em nada se referem aos fatos, porquanto a Lei n.° 9.296/1996 não faz nenhuma exigência nesse sentido (STJ, 6ª Turma, HC n.° 278.794, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 07.10.2014). Caso haja alegação de que a transcrição contém alguma imprecisão, deverá a defesa indicar a desconformidade, a fim de que possa ser saneada eventual inconsistência. Neste caso, em havendo solicitação de realização de perícia, tal pedido deverá ser analisado pelo juiz. Cabe mencionar, por último, que, no que diz respeito a pedidos de perícia para identificação de vozes, isto é, para se aferir se as vozes captadas pertencem, de fato, aos acusados, a jurisprudência é uníssona ao se posicionar pela prescindibilidade dessa diligência, já que a Lei n.º 9.296/1996 não prevê a necessidade de submissão dos diálogos gravados à análise técnica fonográfica: AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’ SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE O RELATOR DECIDIR MONOCRATICAMENTE. PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO MANTIDA PELO TRIBUNAL REVISOR E CERTIFICADO O TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE PROCESSUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PERÍCIA DE VOZ. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. ‘Esta Corte Superior entende que é despicienda a perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, por ausência de previsão legal na Lei n. 9.296/96 e quando puder ser aferida por outros meios de provas, sendo incabível o revolvimento do acervo probatório para fins de identificação do interlocutor ante a Súmula n. 7/STJ’ (HC 541.328/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020) (...). (STJ, Quinta Turma, AgRg no Habeas Corpus n.° 649.489/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Julgado em 03.08.2021, DJe de 10.08.2021) – destaque nosso. RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 9.º DA LEI N.º 9.296/1996 E AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR. TÓPICOS NÃO EXAMINADOS PELO TRIBUNAL LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PERÍCIA DE VOZ. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (...) 2. No que tange à tese remanescente, o ‘decisum’ vai ao encontro de entendimento pacífico deste Superior Tribunal de ser dispensável a realização de perícia para identificação das vozes captadas por meio de interceptações telefônicas, em razão da falta de previsão expressa na Lei n.º 9.296/1996, bem como da possibilidade de comprovação da autenticidade da voz por outros meios de provas. (...). (STJ, Sexta Turma, RHC n.° 102.679/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Julgado em 14.05.2019, DJe de 24.05.2019) PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. OPERAÇÃO ‘14 BIS’. DESCAMINHO. CORRUPÇÃO ATIVA. CORRRUPÇÃO PASSIVA. FACILITAÇÃO AO DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. PRELIMINARES DE NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, POR EXCESSO DE PRAZO, POR AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS GRAVAÇÕES POR PERITOS, PELA NEGATIVA DE PERÍCIA DE VOZ: REJEITADAS. PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA/CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO FISCAL: REJEITADA. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO: PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. MATERIALIDADES DOS DELITOS DO ARTIGO 334, 333, 317 E 318 DO CP COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CAUSA DE AUMENTO DO TRANSPORTE AÉREO CONFIGURADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INCABÍVEL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. ART. 92, CP. APELOS DA DEFESA DESPROVIDOS. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 7. Interceptação telefônica. Afastada a alegação de nulidade por ausência de perícia de voz. A Lei n.º 9.296/96 nada disciplina sobre a necessidade de submissão dos diálogos obtidos por interceptação telefônica à perícia de voz. Precedentes do STJ. Além disso, a conclusão de que as vozes constantes dos áudios pertencem realmente aos acusados é possível ser extraída dos elementos de convicção coligidos nos autos (art. 157 CPP). Registre-se, por fim, que os próprios acusados reconheceram os diálogos interceptados. (...). (TRF3, Primeira Turma, ApCrim n.° 53058 - autos n.° 0009503-34.2006.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, Julgado em 11.02.2020, e-DJF3 Judicial 1 de 19.02.2020) PENAL. PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DAS PROVAS NÃO VERIFICADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) 5. A Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação das comunicações telefônicas, não possui nenhuma previsão a respeito da necessidade de realização de perícia fonográfica quando da realização das interceptações, sendo que a identificação do acusado pode ser aferida por outros meios de prova, o que torna desnecessária a perícia de voz. (...). (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 5010776-85.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Mauricio Yukikazu Kato, Julgado em 28.08.2019, e - DJF3 Judicial 1 de 30.08.2019) DA VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES REALIZADAS NO CASO CONCRETO. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607). A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, por sua vez, afirmou que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682). Aduz, em relação à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, que a conversa interceptada na aludida data foi a única prova que embasou a condenação de VITOR E VAGNER e que, em se tratando de prova ilícita, os acusados devem ser absolvidos (fl. 238 – ID 170518682). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou, em síntese, ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). Pois bem. É certo que, para cogitar-se de autorização judicial de interceptação telefônica/telemática, deve haver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão, bem como é certo que, nos termos do art. 2°, II, da Lei n.° 9.296/1996, será descabida essa autorização se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, de maneira que, em se vislumbrando outra forma (menos invasiva) para a obtenção de elementos aptos a comprovar o delito, não se haverá de falar em adoção dessa medida como meio de prova. No caso em questão, contudo, diferentemente do que alegou a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO, as interceptações telefônicas e/ou telemáticas não foram as primeiras diligências encetadas. As investigações referentes à denominada "Operação Publicano" se iniciaram a partir de apurações realizadas pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), que, por meio de certos parâmetros objetivos, constatou que determinado grupo de contribuintes “da área médica” (grupo homogêneo de profissionais liberais que enviava declarações de um mesmo local), apresentava imposto retido na fonte muito aquém do padrão de rendimentos auferidos como declarados, o que, segundo se verificou, se devia à elevação fraudulenta de despesas com “Livro Caixa”, manobra utilizada para acobertar a emissão de recibos falsos emitidos para dedução de despesas médicas em favor do grupo, tudo com o intuito de diminuir o valor de Imposto de Renda Pessoa Física a pagar (graças à elevação fraudulenta de valores de deduções e de rendimentos isentos). Quando selecionadas para averiguações, tais declarações “levantaram suspeitas de facilitação na liberação da malha” (vide relatório à fl. 05 - ID 170518579). Apurou-se, inicialmente, distintos acessos às declarações suspeitas pelo servidor VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (lotado no setor de “malha fina” – Defis/SP/Sevic/Eqac), bem como constatou-se que o IP 201.87.133.194, utilizado por VITOR para transmitir suas declarações (e de seus familiares), havia sido, também, utilizado para transmitir ao menos doze das aludidas declarações selecionadas por suspeita de fraude. Ao se examinar a evolução patrimonial do auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (e de seu núcleo familiar), concluiu-se pela ocorrência “de variação patrimonial a descoberto no montante de R$ 1.080.353,98 (um milhão, oitenta mil, trezentos e cinquenta e três reais e noventa e oito centavos), decorrente de origens não confirmadas ou com fortíssimos indícios de inverossimilhança” (fl. 89 – ID 170518759), o que revelou fortes indícios de envolvimento do servidor com as fraudes detectadas. Verificou-se, também, que diversas declarações tidas como suspeitas haviam sido transmitidas pelo IP 200.161.88.161, que, aparentemente, estava relacionado a algum prestador de serviços de contabilidade, tendo o servidor VITOR realizado diversos acessos a DIRPFs entregues pelo referido IP, bem como consultado diversas informações fiscais em datas próximas às de transmissão de declarações retificadoras igualmente suspeitas. Após receber relatórios sobre as supostas irregularidades fiscais apuradas pela Corregedoria da Receita Federal (ESCOR08) e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI) – fls. 53/71 - ID 170518766, a Polícia Federal, considerando a gravidade, a complexidade e a sofisticação da atuação criminosa, identificou a necessidade de, para aprofundamento das investigações, afastar-se o sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas dos envolvidos, meio que, naquele momento, revelou-se como o único hábil a elucidar os fatos e a possibilitar a coleta de elementos de prova substanciais (fl. 88 – ID 170518766). Interceptações telefônicas de linhas relacionadas aos investigados VITOR e EDILAINE foram, então, regularmente autorizadas pelo r. juízo a quo (em 15.03.2013) e implementadas a partir de 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Com efeito, a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso serve de fundamento para o deferimento de interceptações telefônicas como último mecanismo apto a levar adiante a investigação criminal, dada a dificuldade de, nessas situações, proceder-se à colheita de provas por meios tradicionais: Habeas corpus. 2. Operação Navalha. 3. Interceptação telefônica. Autorização devidamente fundamentada. 4. Gravidade dos delitos supostamente cometidos pela organização e complexidade do esquema que envolve agentes públicos e políticos salientam a dificuldade de colher provas tradicionais. Pedido de interceptação baseado em relatório da Polícia Federal que demonstra envolvimento do paciente. 5. Motivação per relationem. 6. Ordem denegada. (STF, Segunda Turma, HC n.° 118882, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgado em 10.06.2014, Processo Eletrônico DJe-166, Divulg. em 27.08.2014, Public. em 28.08.2014) - destaque nosso. Em suma, observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). A propósito, a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de considerar legítima a prova obtida por meio de interceptação telefônica quando cumpridos os requisitos exigidos pela legislação de regência: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECURSO SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÕES. POSSIBLIDADE. PRECEDENTES. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DE TODAS AS CONVERSAS GRAVADAS. DESNECESSIDADE. PERÍCIA DE VOZ. INDEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA SOBRE O INTERLOCUTOR. RECURSO IMPROVIDO. (...) II - É legítima a prova oriunda de interceptação de comunicação telefônica autorizada judicialmente, de forma fundamentada e com observância dos requisitos legais: i) existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em ilícito penal; ii) único meio disponível para comprovar o fato investigado; iii) o crime investigado deve ser punido com pena mais gravosa que a detenção. III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que a interceptação de comunicação telefônica seja prorrogada, desde que a ordem seja fundamentada e respeite o prazo legal. Precedentes. (...) VII - Recurso Ordinário em Habeas Corpus improvido. (STF, Segunda Turma, RHC n.° 128485, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 25.10.2016, Processo Eletrônico DJe-246, Divulg. 18.11.2016, Public. 21.11.2016) - destaque nosso. No mesmo sentido, seguem outros dois julgados, o primeiro exarado pelo C. Supremo Tribunal Federal e o segundo por esta E. Corte Regional: Habeas corpus. Banco de tecidos musculoesqueléticos clandestino. Venda, guarda e distribuição de tecidos ou parte do corpo humano (arts. 15 e 17 da Lei nº 9.434/97). Investigação criminal. Violação do princípio do promotor natural. Não ocorrência. Inexistência de manipulação casuística ou de designação seletiva pela chefia do Ministério Público. Precedentes. Interceptação telefônica. Nulidade. Não ocorrência. Medida invasiva precedida de atos de investigação. Único meio de se apurar o fato criminoso. Testemunha sigilosa. Depoimento. Nulidade. Inexistência. Necessidade de preservação de sua higidez física ou psíquica, ante o temor de represálias. Inidoneidade do writ para revolvimento desses fatos. Ordem denegada. (...) 4. O afastamento do sigilo das comunicações telefônicas dos pacientes foi precedido de diligências realizadas no curso de uma investigação formalmente instaurada, restando suficientemente demonstrada a necessidade da medida extrema e a dificuldade para a apuração dos fatos por outros meios. 5. É o quanto basta para se legitimar o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas (HC nº 114.321/MG, Segunda Turma, Relatora a Ministra Carmen Lúcia, DJe de 19/12/13). (...) (STF, Segunda Turma, HC n.° 136503/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgamento em 04.04.2017, DJe-089, Divulg. 28.04.2017, Public. 02.05.2017) - destaque nosso. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. 'OPERAÇÃO TRAVESSIA'. PRELIMINAR REJEITADA. VALIDADE DS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. A utilização de interceptação em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96. 2. O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. (...) (TRF3, Décima Primeira Turma, ACR n.° 00000257620144036119 - Apelação Criminal - 67937, Rel. Des. Fed. Nildo Toldo, Julg. em 25.07.2017, v.u., e-DJF3 Judicial 1 de 01.08.2017) - destaque nosso. Inclusive, o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar a imprescindibilidade da interceptação telefônica, como meio de prova, quando evidenciada a prática de infrações penais via terminais telefônicos, vale dizer, quando o telefone (seja ele fixo, seja ele celular) seja, justamente, o expediente utilizado pelo delinquente para praticar o(s) delito(s) investigado(s), a exemplo do que ocorreu in casu, em que as promessas/oferecimentos e/ou as solicitações/aceitações de vantagens indevidas teriam se dado, conforme descreve a denúncia, via telefone. A propósito: Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico e associação para o tráfico (arts. 33 e 35 da Lei nº 11343/06). Impetração dirigida contra a decisão de negativa de seguimento ao HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça e contra o acórdão com que a Quinta Turma não conheceu do HC nº 286.219/PE. Não conhecimento da impetração em relação ao primeiro habeas corpus, em razão de não submissão da decisão singular ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Ausência de ilegalidade flagrante no julgamento colegiado do segundo writ. Prisão preventiva. Falta de fundamentação idônea. Não caracterização. Custódia justificada na garantia da ordem pública. Paciente integrante de bem estruturada organização criminosa voltada à distribuição de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais. Gravidade em concreto da conduta e periculosidade do paciente, evidenciadas pelo modus operandi da organização. Excesso de prazo. Complexidade do feito, consubstanciada na pluralidade de réus (15 acusados) e na necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de 2 (dois) acusados. Notícia constante do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco de que a instrução chegou a termo. Prejudicialidade. Precedentes. Alegada ausência de elementos concretos para corroborar a justa causa para a ação penal. Necessário reexame de fatos e de provas não admitido em sede de habeas corpus. Precedentes. Nulidade das interceptações telefônicas pelo não esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova. Não ocorrência. Procedimento devidamente fundamentado. Demonstração inequívoca da necessidade da medida. Utilização de terminal telefônico como meio de comunicação entre integrantes da organização presos e em liberdade para fomentar o tráfico. Alegações de não observância do prazo do § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do pedido de interceptação telefônica, de supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos em seu cumprimento. Temas não analisados pelas instâncias antecedentes. Dupla supressão de instância configurada, o que impede sua análise de forma originária pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada. (...) 9. Não procede a tese de nulidade das interceptações telefônicas levadas a cabo por não ter havido o esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova na espécie. 10. A decisão do juízo processante autorizando o procedimento em questão foi devidamente fundamentada, indicando com clareza a situação objeto da investigação e a necessidade da medida, mormente se levada em conta a notícia de que um dos investigados, de dentro da unidade prisional, utilizava terminal telefônico para se comunicar com os integrantes da organização criminosa e fomentar o tráfico de drogas, atendendo, portanto, a exigência prevista na lei de regência (art. 4º da Lei nº 9.296/96). (...) 13. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada (STF, Segunda Turma, HC n.° 128650, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgado em 20.09.2016, Processo Eletrônico DJe -212, Divulg. em 04.10.2016, Public. em 05.10.2016) - destaque nosso. As defesas alegaram, ainda, que a interceptação realizada no dia 16.04.2013, principal elemento de prova relacionado à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, teria ocorrido “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682), bem como que “qualquer interceptação telefônica com relação ao corréu VAGNER ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013 estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). A esse respeito, cumpre asseverar que as interceptações telefônicas em questão se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida (fl. 69 – ID 270552785), por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013 (fl. 79 - ID 270552785). Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), bem como solicitou-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013 (fls. 134/145 – ID 270552785). Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013 (vide o segundo relatório de inteligência policial - fl. 189 – ID 270552785), não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER (fls. 06 e 11 – ID 270552786). Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. Como bem asseverou o r. juízo a quo, o fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação (vide fl. 86 – ID 170518759). DA COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, quanto aos delitos de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, que o próprio órgão acusador se posicionou pela absolvição de todos os réus. Requer a absolvição do acusado, tendo-se em vista o posicionamento ministerial em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal. O artigo 385 do Código de Processo Penal assim dispõe: Art. 385: Nos os crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Não se ignora que, para alguns doutrinadores, o artigo 385 do Código de Processo Penal não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que, supostamente, violaria princípios e/ou parâmetros relacionados ao denominado “sistema acusatório” como, p. ex., os princípios da imparcialidade e da separação entre as funções de “julgar” e “acusar”. Não se deve perder de vista, entretanto, que a Constituição não demarcou, de maneira definitiva, os contornos do modelo acusatório por ela adotado. “Ao atribuir privativamente ao Ministério Público o encargo de promover a ação penal pública, o Constituinte ressalvou, no art. 129, I, que isso deveria ser exercido ‘na forma da lei’, de modo a resguardar ao legislador ordinário alguma margem de conformação constitucional para tratar da matéria, dentro da qual se enquadra a disposição contida no art. 385 do CPP” (STJ, Sexta Turma, Resp n.° 2.022.413-PA – 2022/0035644-0 -, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 14.02.2023, Dje de 07.03.2023). É inequívoco que, a fim de garantir-se a imparcialidade do julgador, não se pode admitir o início da persecução penal sem que haja a iniciativa do titular do ius puniendi (Ministério Público). Todavia, deve haver, no bojo do processo penal, alguma margem para a iniciativa do magistrado, a fim de, justamente, assegurar-se a realização de um processo justo e igualitário, em observância ao metaprincípio do devido processo legal. É este, p. ex., o objetivo da previsão contida no art. 156 do Código de Processo Penal, a qual faculta ao magistrado determinar, de ofício, a produção antecipada de provas e/ou a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, tendo-se em vista o risco de a busca da verdade ficar, exclusivamente, a cargo das partes. Nesse contexto, não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Ora, caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. Se, por um lado, é inquestionável, à luz dos princípios constitucionais, que o Ministério Público possui autonomia para decidir se vai (ou não) iniciar a persecução penal, por outro, compete exclusivamente ao juiz, de maneira indeclinável e indelegável, “dizer o direito”, de modo que, uma vez recebida a denúncia, mesmo que o órgão acusatório pugne pela absolvição, ao juiz incumbirá, a partir das provas produzidas nos autos, decidir se acolherá ou não esse pedido. Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça já pacificou seu entendimento: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. POSSIBILIDADE DE O JUIZ PROFERIR SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO TENHA OPINADO PELA ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte pacificou sua jurisprudência no sentido de que ‘conforme dispõe o art. 385 do Código de Processo Penal, é possível que o juiz condene o réu ainda que o Ministério Público peça a absolvição do acusado em alegações finais. Esse dispositivo legal está em consonância com o sistema acusatório adotado no Brasil e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, que introduziu o art. 3º-A no Código de Processo Penal’ (REsp n. 2.022.413/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 7/3/2023). 2. A análise acerca da alegada violação ao art. 155 do Código de Processo Penal demandaria revolvimento do acervo fático-probatório, desautorizado pela Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, 6 Turma, AgRg no REsp 2102020/SC - 2023/0369166-3 - Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Julg. em 02.04.2025, DJEN de 08.04.2025) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MANIFESTAÇÃO DO PARQUET PELA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO MAGISTRADO. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. ‘Consoante jurisprudência desta Corte, o pedido de absolvição do Ministério Público não vincula o julgador, que decide com base no princípio do livre convencimento motivado, sem que daí se extraia qualquer ofensa ao princípio acusatório’ (AgRg no HC n. 789.674/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 894527/SP - 2024/0065947-7. Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Julg. em 11.02.2025, DJEN de 18.02.2025) Com tais considerações, reconhece-se a recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal, bem como a validade da r. sentença que condenou os acusados a despeito de, em alegações finais, o Ministério Público ter se manifestado pela absolvição. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA (ARTIGOS 333 E 317 DO CÓDIGO PENAL). O ordenamento pátrio, ao estabelecer a imputação de um mesmo crime a todos os que concorrem para a sua prática (inteligência do art. 29 do Código Penal), adotou, como regra, a teoria monista (ou unitária), à exceção dos raros casos em que o legislador optou por adotar, extraordinariamente, a teoria pluralista, a exemplo dos crimes de corrupção ativa e passiva, em que há tipificações separadas, inclusive em capítulos distintos, para as condutas de oferecer/prometer e de solicitar/receber/aceitar vantagem indevida (inteligência dos artigos 333 e 317 do Código Penal). Embora seja intuitivo, a princípio, supor que, se há um corruptor/extraneus, haverá, necessariamente, um corrompido/intraneus (e vice-versa), a leitura dos artigos específicos revela ser perfeitamente possível vislumbrar-se a ocorrência de corrupção ativa e/ou passiva de maneiras independentes. A corrupção nem sempre é bilateral, senão vejamos: O art. 333 do Código Penal assim dispõe: Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O art. 317, caput, §1º e §2º do Código Penal, por sua vez, assim dispõe: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003). § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Os crimes de corrupção ativa e passiva tutelam, tanto um quanto o outro, o regular funcionamento da Administração Pública, a moralidade, a impessoalidade e a probidade administrativa, com o propósito de punir a mercancia da função pública. Ambos possuem, em regra, natureza formal, prescindindo do resultado naturalístico para a sua consumação. Admitem, apenas, a forma dolosa, sendo possível vislumbrar-se a possibilidade de tentativa, caso, p. ex., a oferta/promessa ou a solicitação/aceitação de vantagem indevida seja feita por escrito e, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não chegue ao conhecimento do destinatário. Na modalidade ativa (crime comum), a consumação da corrupção se dará no momento em que o particular oferecer/prometer a vantagem indevida (em troca da prática/omissão/lentidão de ato de ofício), independentemente do aceite por parte do funcionário público, bastando que a oferta/promessa chegue ao conhecimento deste. Na modalidade passiva (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada), a corrupção se consumará não apenas em face do efetivo recebimento, mas também da aceitação da promessa ou da solicitação, por parte do funcionário público, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, da vantagem indevida (patrimonial ou não), sendo que, nas hipóteses de aceite/solicitação, a efetiva entrega da vantagem se traduzirá em mero exaurimento do crime. Inclusive, a corrupção passiva não se confunde com o delito previsto no art. 316 do CP, uma vez que, na concussão, o verbo típico previsto é “exigir” (o que é diferente de solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida). O caput do art. 317 do Código Penal, diferentemente dos seus respectivos parágrafos e do art. 333 do mesmo diploma, não cita, em sua literalidade, como elementar do tipo, a expressão “ato de ofício”, razão pela qual doutrina e jurisprudência divergem sobre a indispensabilidade de, para cogitar-se da prática de corrupção passiva, determinar-se qual ato, exatamente, o funcionário público deveria praticar, retardar ou deixar de praticar em troca da vantagem indevida. Enquanto, para alguns, é indispensável a existência de nexo de causalidade entre a solicitação/recebimento/aceitação da vantagem pelo funcionário e a realização de determinado ato funcional de sua competência (ato de ofício), para outros, o tipo penal de corrupção passiva não exige comprovação de que a vantagem esteja, necessariamente, vinculada a "ato de ofício” englobado pelo plexo de atribuições formais daquele funcionário público. Para os adeptos da primeira corrente, não se pode abrir mão da indicação precisa do “ato de ofício” concretamente mercadejado (objeto de transação), o qual deve, necessariamente, ser da competência do agente e/ou estar intrinsecamente relacionado com o exercício de sua função. Já para os adeptos da segunda corrente, o crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada (STJ, 6ª Turma, Recurso Especial n.º 1.745.410 - SP - 2017/0007371-4, Rel. Sebastião Reis Júnior, Relatora para Acórdão: Min. Laurita Vaz, Julg. em 02.08.2018). Em outras palavras, para aqueles que adotam este último entendimento, dentre os quais me incluo, será suficiente, para a configuração da corrupção, que a vantagem seja solicitada/recebida/aceita em razão do cargo ocupado pelo funcionário público, isto é, em razão dos poderes de fato que o seu cargo lhe confere (e não, pura e simplesmente, em razão das atividades formalmente atribuídas àquele funcionário). Ademais, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como coautores ou partícipes pelo crime de corrupção passiva. Se, como consequência da vantagem ou promessa, o funcionário público, infringindo dever funcional, efetivamente praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva qualificada, devendo a pena ser aumentada em 1/3 (um terço) - inteligência do §1° do art. 317 do CP. De outro turno, se o funcionário público, infringindo dever funcional, praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício porque cedeu a pedido ou influência (social, moral ou econômica) de outrem, porém sem que tenha havido oferta/promessa nem solicitação/recebimento de vantagem indevida, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP). Diferentemente da corrupção passiva comum, portanto, as modalidades de corrupção passiva qualificada e privilegiada, previstas nos parágrafos 1° e 2° do art. 317 do Código Penal, possuem natureza material, já que exigem, para a sua consumação, a produção de resultado naturalístico (efetiva prática do ato de ofício que beneficiará o particular). Em relação ao delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP), é relevante mencionar, ainda, que, apesar das semelhanças (inclusive quanto à amplitude das penas), este difere do delito de prevaricação (previsto no art. 319 do CP), especialmente no que diz respeito ao dolo específico (ânimo) do agente, já que, na prevaricação, o agente pratica a conduta para satisfazer interesse ou sentimento próprio (pessoal), enquanto que, na corrupção passiva privilegiada, o funcionário público atua sob a influência e/ou para satisfazer interesse de terceiro. Por fim, é importante destacar que a conduta punida é mercadejar, transacionar, colocar “à venda” atos de ofício em troca de uma contrapartida que não lhe é legitimamente devida nem lhe será entregue pela normal remuneração da profissão. Nesse contexto, existirá crime independentemente de o ato objeto de transação ser regular ou irregular, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto, contrário ou não ao dever do funcionário. Em outras palavras, haverá crime tanto se o agente atuar contrariamente aos deveres do cargo público (corrupção própria) quanto se a vantagem for solicitada/recebida/aceita para a prática de ato regular e legal (corrupção imprópria), pois o que a Lei pretende coibir é o tráfico da função pública, sendo dispensável, para a configuração do delito, que o ato praticado, omitido ou retardado pelo funcionário público seja ilícito. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. No que diz respeito aos crimes de corrupção descritos na denúncia, foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em concurso material, de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª (por duas vezes), 4ª e 10ª condutas); VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta); MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA – ARTIGOS 317, ‘CAPUT’, E 333, AMBOS DO CP (6ª, 8ª E 11ª CONDUTAS). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). Segundo consta, “um conhecido” (ou “cliente/contribuinte”) de VAGNER teve sua declaração (DIRPF 2012) retida em “malha fina” em virtude de deduções com pensão alimentícia, o que deu ensejo a que o contador solicitasse a VITOR (auditor fiscal) o referido “serviço (ilícito) de liberação”, em troca do que VAGNER cobraria, de seu “conhecido” (ou “cliente/contribuinte”), valor em dinheiro a ser, posteriormente, dividido entre ele (VAGNER) e VITOR. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 104 – ID 170518759): VAGNER — Tá, se eu te levar só esse Informe, você consegue liberar para ele? Obviamente que a gente vai cobrar pelo serviço, mas você consegue liberar só com o Informe? Porque está bem evidenciado o CPF da mulher e o valor deduzido do salário dele. VITOR — Sim. Em suas razões de Apelação, as defesas de VAGNER e VITOR requereram o reconhecimento da atipicidade da conduta. De acordo com a defesa de VITOR, teria ocorrido mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Contudo, da leitura do diálogo interceptado é possível extrair, com clareza, que foi a promessa de pagamento em dinheiro (vantagem indevida) feita pelo contador (VAGNER) o que, verdadeiramente, motivou o auditor fiscal (VITOR) a dizer sim para o pleito de “liberação da malha fina” daquela declaração. Não se pode esquecer que a referida conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Segundo apurou o Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal - ESCOR08, VITOR, por diversas vezes, entregou DIRPFs a partir do IP instalado em sua casa, as quais foram retidas em malha fina, consultadas por ele no sistema oficial da Receita Federal e retificadas, também por ele, a partir de seu computador pessoal (fl. 12 – ID 270552758). Constou do relatório elaborado pela Receita Federal (ESCOR08), por exemplo, que, por meio de uma das declarações retificadoras entregues a partir de seu computador pessoal, VITOR “transformou o pagamento de R$ 759,08 de imposto de renda em uma restituição de R$ 34.530,90” (fl. 12 – ID 270552785). Note-se, ainda, que, no relatório de inteligência policial apresentado em 28.03.2013, os investigadores mencionam que, durante o primeiro período da interceptação telefônica (de 18.03.2013 a 27.03.2013 - fl. 79 - ID 270552785), VITOR manteve contato frequente, bem como travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), o que reforça a versão de que VITOR aceitava, habitualmente, propina em troca do serviço ilícito de “liberação da malha fina” de “clientes” daquele contador. Assim, não restam dúvidas a respeito de ter ocorrido a consumação dos delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP) referentes à 6ª conduta descrita na denúncia. Frise-se, por fim, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de Emerson Favero e Lilian Martzioros. Segundo consta, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) “colocou à disposição” de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) pagamentos de valores a serem “orçados” pelo funcionário público em troca da “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Isto deu ensejo a que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), VITOR (auditor fiscal): i) fornecesse orientações sobre como MÁRCIO (contador) deveria preencher, de maneira fraudulenta (com dados falsos), as aludidas declarações, de maneira a reduzir e/ou isentar o pagamento do imposto devido e a não levantar suspeitas sobre a fraude; ii) informasse a MÁRCIO que tais declarações seriam, de qualquer sorte, retidas em “malha fina”; iii) não apenas aceitasse a promessa de vantagem, como definisse, em conjunto e de comum acordo com MÁRCIO, os exatos valores a serem pagos em troca da “liberação da malha fina” de cada declaração (estabelecidos em R$ 10.000,00 – dez mil reais - para a declaração de Emerson e em R$ 5.000,00 – cinco mil reais – para a declaração de Lilian). A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fls. 108/110 – ID 170518759): MÁRCIO — Oi! VITOR — Então... MÁRCIO — Podemos abrir? VITOR — ‘Vamo’ lá! MÁRCIO — Primeiro ‘vamo’ ... Você quer falar de quem? VITOR — ‘Vamo’ falar do EMERSON, que é o pior caso. MÁRCIO — Tá ... Eu tô com ele aqui. Pode falar... VITOR —Abre a Declaração dele lá nos Rendimentos, tá? MÁRCIO — Hamhamm! Hã... Pode falar! VITOR — Então, primeira correção. Na Unimed Paulistana... MÁRCIO — Hã! VITOR — Você jogou 61.066... Tá? MÁRCIO — Tá VITOR - o valor correto... Anote! MÁRCIO —Paulistana... Tá .. Cinquenta e.. Eu tinha 61.066,69...O correto... VITOR — O correto é 58... MÁRCIO — 58... VICTOR - 122... MÁRCIO -122... VITOR - ... e 90. MÁRCIO — 90. VITOR — O resto não mexe. MÁRCIO — Tá! VITOR —Acrescenta aí fonte pagadora. MÁRCIO — Pode falar. VITOR — Puta, eu vou ter que ver pra você quem é essa fonte, né? Você não vai... Vai saber. MÁRCIO —Se você me der o CNPJ eu puxo. VITOR — Ou eu vejo aqui para você...Para agilizar, né? Fazer valer os meus HONORÁRIOS... MÁRCIO — (Risos) (...) MÁRCIO - Não, não vai dar não. Não vai dar não... Vai dar 31.000 aqui. VITOR — 31 mesmo? MÁRCIO — Porque é o seguinte... Já pagou 6. VITOR — Como pagou? MÁRCIO — Já foi retido 6.000,00. VITOR — Hã! Não, tá Beleza! Aí você vai fazer o seguinte, você vai por livro-caixa pra esse cara até dar alguma coisinha pra ele pagar. Você não vai me puxar uma restituição nesse cara, que você vai me foder. MÁRCIO — Não, tá... Até pagar. VITOR — Sei lá quanto que vai dar esse livro-caixa... Vai dar uns... 100 mil? Depois você faz. Você pode jogar, assim, um valor cheio... MÁRCIO — Hum! VITOR — 100 mil é o suficiente? Depois você divide mês a mês. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Vê aí... 100 mil bate? Já zera? MÁRCIO — Não, não consigo fazer agora. Esse aqui é o único que eu tenho... É...É ... Aqui. Tá num ‘pendrive’ na minha casa. Só que eu tenho ele aqui em texto e cópia. VITOR — Tá você vai... Então você vai colocar ... Hã... Hã... O livro- caixa. Tem que dar alguma coisinha pra ele pagar. Tá bom? MÁRCIO — Tá uns 1000 ... 1500 reais? VITOR — Nem precisa ser tanto! Põe R$ 200,00 pro cara pagar. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Ele vai cair em malha, tá? Hã... Aí, depois... Então, pra eu liberar da malha eu vou cobrar então uns 10. Tá bom? MÁRCIO — Tá... Perfeito. VITOR — Bom, ‘vamo’ na outra: LILIAN. MÁRCIO — Hã! VITOR — É ... A LILIAN vai ser a mesma coisa. É (...) você vai ter que colocar despesas que ela realmente tem, tá? Porque do jeito que tá, você não jogou lá valores nem nada. MÁRCIO —Não, só tem... só tem duas despesas. VITOR — É, para nós assim... não... não... não faz diferença, Tá? Nós vamos fazer... vai cair em malha também, nós vamos fazer o mesmo jogo do livro-caixa. Você vê ... aí... aí tá dando ... É você vai diminuir as despesas médicas, sei lá, vai dar... Sei lá! 15.000... 16.000... O que que a gente pode fazer nisso? Eu acho que... Esse caso é... Eu cobraria dela 6. MÁRCIO — Tá! VITOR — E nos podemos fazer o seguinte... Nós podemos... Você...Você... Vai por o que ela realmente tem de despesa, você aumenta esse livro-caixa. MÁRCIO — Certo. VITOR — Você pode aumentar esse livro-caixa até dar uma restituição para ela de 5.000. MÁRCIO —Até 5.000. VITOR — E eu cobro 6. Ou então... Ou então... Se você quer fazer... Pode dar uma restituição para ela de 6... MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Que aí, é o valor do meu honorário, ela não vai gastar nada. MÁRCIO — Tá faz 5 pra mim cobra 6, meu! VITOR — Tá bom! Tá bom! Faço... (...) MÁRCIO — Tá... VITOR —Aí, então fica 5 pra essa... Fica 10 pro outro ... É ... Como é que você quer fazer? Hã... Você vai conversar com ele, você vai transmitir e aí eu te provo que tá em malha... Não precisa provar, você vê pelo sistema... Porque vai aparecer ‘em processamento’. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alega a respeito dessa 8ª conduta, enquanto a defesa de MÁRCIO alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Contudo, da leitura do trecho de diálogo aqui transcrito, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Frise-se que, para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. In casu, é inequívoco que, durante a conversa ora mencionada, MÁRCIO se comprometeu, ainda que implicitamente, a entregar a referida vantagem financeira, ou seja, que houve corrupção bilateral, tendo ambos os acusados agido dolosamente para praticar os delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP). Note-se, por fim, que embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Emerson Favero e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Lilian Martzioros, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. Extrai-se do conjunto probatório que VITOR (auditor fiscal) e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), durante acerto prévio, teriam combinado a “liberação da malha fina” e a viabilização da restituição de cerca de R$ 46.000,00 (quarenta e seis mil reais) em favor do contribuinte Rodrigo Sepetiba, cliente do contador (SIQUEIRA), o que, contudo, ocorreria sob a condição de VITOR receber, como “garantia”, um cheque daquele cliente/contribuinte no valor da propina acordada. Assim, durante conversa travada em 26.03.2013 (interceptada às 15h46), VITOR solicita a SIQUEIRA, expressamente, a entrega do referido cheque (vantagem indevida) e, ao ser informado por SIQUEIRA que Rodrigo Sepetiba “só usa cartão”, os interlocutores combinam que o contador (SIQUEIRA) entregaria ao servidor (VITOR) “um cheque seu” como “garantia”. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 115 – ID 170518759): SIQUEIRA — Oi! VITOR — Oi, Siqueira. Eu já saí do serviço... É ... Lá não dava para conversar direito.... Você falou que o ... O... Tá tudo resolvido lá... Como é o nome do cara? SIQUEIRA — Rodrigo Sepetiba. VITOR— Sepetiba! Cê tá... Tá resolvido... Você pegou um cheque na mão? SIQUEIRA — Ele não tem cheque. Ele só usa cartão. VITOR — Não, e aí? SIQUEIRA — E aí você quer um cheque meu? Eu dou procê. VITOR — Eu preciso de uma garantia naquele valor. SIQUEIRA — Não, pode ficar tranquilo. Ele tá me devendo já desde o ano passado. VITOR — Porque é assim, não é só você... Que garantia você tem que ele vai te pagar? SIQUEIRA —Eu conheço o cara há mais de 20 anos. VITOR — Hã! Porque se ele não te paga, você vai chegar para mim e vai falar: Ó SIQUEIRA — Ele nunca ficou me devendo. Só no ano passado que ele não pagou. VITOR — É... SIQUEIRA — Porque não fiz a Declaração dele. Então não é que ele não me pagou. Ficamos elas por elas. Entendeu? Aí eu fiz um acordo com ele: Tá bom, então não precisa me pagar não. Quando sair a restituição, você paga. Ele falou: Fechado! Então foi um acordo das duas partes. Entendeu? VITOR — E, eu... Eu não gosto muito dessa situação, porque você até pode falar... SIQUEIRA —Não, mas aí... Você vai... Você vai receber o 16 e mais o 30, cara! VITOR — Não, não vejo problema! Assim... Eu fico pensando se ele não te paga, você vai chegar pra mim e falar ‘Ele não pagou’, né? Não é nem... nem falta de confiança em você. Não é isso não. É no cara mesmo que o valor é muito grande para ele, né? SIQUEIRA - Não, mas ele...mas acontece que o ano retrasado também ele recebeu restituição alta. Lembra? VITOR — É... Bom... SIQUEIRA — Talvez a gente.... (Incompreensível) VITOR — Tá você..., você então me dá um cheque seu? SIQUEIRA — Claro! Sem problema! VITOR — Tá... Tá bom! Então ficamos combinados assim. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 11ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, tendo-se em vista o evidente teor ilícito das tratativas realizadas, tendo havido, inclusive, expressa solicitação, por parte de VITOR, de um cheque assinado pelo contador (SIQUEIRA) em troca da viabilização da restituição do contribuinte Rodrigo Sepetiba, não poderia ser outra a conclusão senão a de que, também nessa ocasião (correspondente à 11ª conduta), VITOR praticou o delito de corrupção passiva. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática de 3 (três) delitos de corrupção passiva (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), bem como devem ser mantidas as condenações de VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 6ª conduta), e de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA – ART. 317, CAPUT E §1º, DO CP (2ª e 7ª condutas). No tocante à 2ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Segundo consta do Relatório de Inteligência Policial RIP n.° 02/2013 fl. 219 – ID 270552785), policiais federais diligenciaram, em 28.03.2013, no endereço da empresa de contabilidade de nome CONFITEC CONTABILIDADE LTDA (DHF ASSESSORIA CONTÁBIL & FISCAL), onde trabalhava o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, uma vez que, conforme tinha apurado o Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI), um grande volume de declarações tidas como fraudulentas havia sido enviado por meio do endereço de IP pertencente à CONFITEC. Consta que, por volta das 11h, os policiais federais avistaram o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA juntos, conversando “na varanda do piso superior do referido imóvel” (fl. 219 – ID 270552785), onde permaneceram alguns minutos, tendo, na sequência, retornado para o interior do imóvel (vide fotografias acostadas às fls. 219/221 – ID 270552785). Depois disso, apurou-se ter havido, no dia 01.04.2013, diversas trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e DENIS com o seguinte teor (fls. 222/229 – ID 270552785): SMS: Mande os cpf p/ suspender urgente. SMS: Recebeu esta no cel. SMS: Oi, segue alguns casos para v suspender: 565.156.267-20 luiz 983.122.518-04 neusa 523.069.258-87 Oridio 160553.258-45 Andrea bicudo, essa médica é da li. SMS: Troquei de aparelho e perdi sorry. (...) SMS: (...) até de 2010 sua. Depois me ligue ok. SMS: Te enviei agora. SMS: Recebeu? SMS: Ok. SMS: Show. SMS: Neusa e oridio são de outra jurisdição. SMS: Já estão em são Paulo. SMS: Não estão. Vc altera end c/ ID 2013. SMS: Vou alterar agora. SMS: Ok. Na sequência, em ligações interceptadas às 9h52 e às 9h57 do dia 04.04.2013, DENIS e VITOR mencionam, expressamente, o nome do contribuinte Luiz Fernando Rubira Gatto, um dos clientes do contador DENIS (fls. 230/231 – ID 270552785): VITOR: ‘Digue’ lá! DENIS: Preciso de um recibo aí, você consegue pra mim aí? VITOR: Claro, filho! Pode falar o CPF. (...) VITOR: Cícero Davi...Oh, o Davi! DENIS: É...você conhece ele. VITOR: Davi...2011...2011, base 10, Certo? DENIS: Certo. (...) DENIS: (Inaudível) também? O cara tá enchendo a minha paciência. É o Luis Gatto (inaudível). Não tem nenhuma pendência não, só mesmo as despesas. VITOR: É... DENIS: Você quer o CPF dele pra você ver aí? VITOR: Fala aí. DENIS: Pera aí, Vitão...o cara já para de me seguir (inaudível). VITOR: esse Davi já caiu em malha 2013, em omissão de rendimentos, viu? Alô! (...) DENIS: Você consegue puxar e ver? É Luis Fernando Rubira Gatto. VITOR: Luis com ‘S”? DENIS: É! VITOR: Luis... DENIS:... Fernando Rubira Gatto. VITOR: ...Fernando...Isso eu já descubro. Rubira...acho que isso já é suficiente. É! Fernando Rubira Gatto. Achei! Tá aqui. DENIS: Ah, é? Deu aí? VITOR: Humhumm! DENIS: você libera esse (inaudível). (...) VITOR: e aqueles outros casos. Você já retificou? Alô (cai a ligação). VITOR: Alô! DENIS: Oi, meu sinal tá ruim, viu! (...) VITOR: É, é...eu já liberei, tá? DENIS: Beleza pura! VITOR: Esses dois, o DAVI e o LUIS já estão em malha 2013. DENIS: eu sei! Eu sei! É...(inaudível) VITOR: Oi? DENIS: Luis Gatto fez 2013? VITOR: Fez. DENIS: Ah, ele fez? VITOR: Ele tem omissão de rendimentos. DENIS: 2013, né? Ele já fez, então? VITOR: Já. DENIS: Tá legal, bacana! te falar que tá tudo certo. Porque ele deu uma estressada comigo...ah, então ele já fez. Tá legal. Azar o dele. Beleza! (...) VITOR: Nós estamos falando de quem? Do Luis Rubira Gatto, né? DENIS: É. Já fez 2013? VITOR: Já fez. O Davi também. Só que os dois “tão” em malha. DENIS: Legal! Beleza...Tranquilo! VITOR: Tá bom? DENIS: Beleza pura! VITOR: Ok! DENIS: Falou, velhão. Depois te ligo aí. Abraço VITOR: Falou, tchau! DENIS: Tchau, tchau. Repare que, durante o referido diálogo (travado em 04.04.2013) VITOR, ao que tudo indica se referindo à declaração de Luís Fernando Rubira Gatto, diz: “eu já liberei, tá?” (fl. 230 – ID 270552785). Em face desses indícios, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que, às 9h46 do dia 04.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto (cliente do contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA), sob a justificativa formal de que o contribuinte havia apresentado comprovação das deduções pleiteadas ou demonstrado sua admissibilidade, o que, de acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), teria sido feito de maneira flagrantemente irregular, isto é, sem a elaboração de dossiê eletrônico em nome do contribuinte e sem que tenha havido atendimento presencial (vide fls. 178/181 e 204 – ID 270552801). Além disso, quatro dias depois (em 08.04.2013), VITOR (auditor fiscal), valendo-se do endereço eletrônico titoreceita@yahoo.com.br, enviou um e-mail ao contador (DENIS), no corpo do qual solicitou, expressamente (e por escrito), como contrapartida pela referida “liberação da malha fina” (ocorrida em 04.04.2013), o pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). A transcrição do referido e-mail enviado por VITOR ao contador (DENIS) é a seguinte (fl. 101 – ID 170518759): Chequei as declarações fechadas de 2012 e não encontrei o Luís Fernando... eu já liberei, então vc. Me deve r$ 4 mil. Muito embora, em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR alegue que não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento em relação à presente conduta (2ª conduta descrita na denúncia), os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva em sua forma qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula Silva Ferreira (CPF: 168.826.978-92). Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Segundo consta, VAGNER (contador) disse a VITOR (auditor fiscal), em diálogo interceptado no dia 16.04.2013, às 14h46, que a DIRPF 2012 de Jane Paula (cliente daquele contador) teria sido retida em “malha fina”. Informado por VAGNER (contador) de que este cobraria, de sua cliente, a título de honorários pelo serviço de “liberação da malha fina”, valor correspondente ao da restituição do imposto de renda, equivalente a cerca de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), VITOR solicita, para si, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais). VAGNER diz, então, que ficaria com restante do montante a ser restituído no mês seguinte (cerca de R$ 1.500,00 – mil e quinhentos reais), caso a contribuinte (Jane Paula) aceitasse a proposta. A transcrição de parte do referido diálogo é a seguinte (fls. 88/89 - ID 270552786 e fl. 106 – ID 170518759): VAGNER – Agora é o seguinte, lembra de uma mulher que eu falei que a burra foi retificando a Declaração dela porque foi dando inconsistência e ela ficou na malha retificadora? VITOR – Sim. VAGNER – Aí você falou assim ‘deixa aí essa porra...uma hora a gente vê...’ VITOR – Hã! VAGNER – Ela tem uma restituição legal pra gente trabalhar, mas assim...ela precisa que libera a declaração dela do ano passado, cara! Porque ela falou assim ‘cara, eu não sei mais o que fazer...’ eu falei pra ela ‘não mexa mais nessa porra. Deixa parado esse negócio lá que eu vou ver o que eu resolvo’. Ela tá pedindo de volta 4 ‘pau’. É... eu falei pra ela o seguinte, ‘se você pagar esses 4 ‘pau’ eu acho que eu consigo te ajudar. Só que você vai ficar sem nada, mas acho que eu consigo te ajudar’. E aí eu te pergundo: o que você acha? VITOR – Então, eu preciso ver, né? VAGNER – Você quer o CPF dela? (...) (...). VITOR — Tava o meu colega aqui do lado, não dava pra falar abertamente. Me dá o CPF dela, então... (...). VITOR — Olha, eu posso até... Eu posso até... Eu posso até liberar, mas assim... Hã... Eu libero, você não precisa retificar, nem nada. Só que a minha proposta é a seguinte: quando ela receber... Ela vai receber 4.418. Ela me dá 3. VAGNER — Tá bom! Eu pego 1.000 pra mim. Vou cobrar tudo dela. VITOR — É... você pega... VAGNER — Vou falar para ela ‘É pegar ou largar, filha’! VITOR —Não, você vai pegar mil... 1.500, mais ou menos... VAGNER — Quanto que dá de correção... Você sabe? VITOR — É um ano de correção... A SEL1C lá na faixa de 07... É 7% de correção. Com certeza! VAGNER — É 4.700, que vai dar. Eu vou falar pra ela o seguinte... É...É...E 4.700 os honorários para liberar isso aqui. E aí, se você liberar agora, já sai o mês que vem essa porra..., vou falar para ela. VITOR — É. VAGNER — Vou fazer essa proposta então. VITOR — Tá. VAGNER Tá bom? VITOR — Tá! Aí você faz... Você faz o seguinte, você pede algum...um cheque, né? Dela... Depois disso, apurou-se ter havido, às 16h16 do dia 16.04.2013 e às 10h06, 10h08 e 10h09 do dia 17.04.2013, trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e VAGNER com o seguinte teor (fls. 90/91 – ID 270552786): SMS: Pode liberar a Jane. Ela topou. (...). SMS: Bom dia. Não esquece de liberar a Jane. Abs. SMS: Já foi. SMS: Ela vai mandar o cheque amanhã. Com efeito, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que VITOR efetuou uma série de consultas à DIRPF 2012 de Jane Paula no mesmo horário em que conversou com VAGNER ao telefone e que, às 13h33 do dia 17.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) daquela contribuinte (cliente do contador VAGNER FABIANO MOREIRA). De acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), em 01.05.2013, o sistema promoveu a emissão do lote de restituição para a DIRPF 2012 de Jane Paula Silva Ferreira, tendo sido o valor disponibilizado para a contribuinte em 15.05.2013 (vide fl. 166 – ID 270552802). Ainda de acordo com o Relatório elaborado pela Receita Federal, “não foram encontrados quaisquer registros de atendimento da referida contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA. Também não foi encontrado nenhum dossiê contendo os documentos que o Auditor-Fiscal afirma terem sido apresentados pela contribuinte para comprovar as deduções pleiteadas e/ou demonstrar sua admissibilidade” (fl. 168 – ID 270552802). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 7ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de, nessa ocasião, VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante tudo o que foi exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática de outros 2 (dois) delitos de corrupção passiva qualificada (referentes às 2ª e 7ª condutas). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA – ART. 317, §2º, DO CP (1ª, 4ª e 10ª condutas). PRESCRIÇÃO. A prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). No caso concreto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) foi condenado pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), com fulcro no artigo 317, §2º, do Código Penal. Houve, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa de três circunstâncias judiciais (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Operou-se o trânsito em julgado para a acusação, de maneira que o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de corrupção passiva privilegiada não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de corrupção passiva privilegiada ocorreram em 22.03.2013, 26.03.2013 e 23.04.2013 (fls. 08/15 – ID 170518764), isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE PECULATO ELETRÔNICO (ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL). O art. 313-A do Código Penal, assim dispõe: Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O delito de "inserção de dados falsos em sistema de informações" ou "peculato eletrônico" é misto alternativo (ou de ação múltipla), que possui, no seu bojo, vários verbos nucleares, quais sejam: "inserir" (introduzir, implantar, incluir), "facilitar a inserção" (auxiliar, tornar fácil a inserção), "alterar" (mudar, modificar) e "excluir" (remover, afastar, eliminar), de modo que, praticada quaisquer das condutas descritas, estará consumado o crime. Inclusive, a prática, em um mesmo contexto fático, de dois ou mais dos comportamentos previstos, enseja, em princípio, a responsabilização por uma única infração penal, não se havendo de falar em concurso de crimes. Além disso, para que se possa atribuir a um sujeito a autoria do delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, é indispensável a presença do dolo, isto é, da vontade livre e consciente de inserir/facilitar a inserção de dados sabidamente falsos (ou de alterar/excluir indevidamente dados corretos) em sistema ou banco de dados da Administração, bem como é imprescindível que o agente atue com a especial finalidade (elemento subjetivo que transcende ao dolo) de causar dano ou de obter vantagem indevida (de qualquer natureza) para si ou para outrem. Atente-se que, embora seja indispensável, para a caracterização deste crime, que o agente atue com o especial propósito de causar dano ou obter vantagem indevida (elemento subjetivo que transcende ao dolo), não se exige a efetiva produção de um resultado naturalístico para a sua consumação. Por se tratar de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá com a inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. OBTENÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDA. PENAS DE MULTA REDIMENSIONADAS. (...) 4. Restou demonstrado que foram inseridas informações falsas nos sistemas informatizados do INSS com o fim de garantir que a segurada cumprisse a carência necessária à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que deve ser mantida a condenação das apelantes pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. 5. O delito em questão, por ser crime formal, não exige a comprovação da ocorrência de resultado naturalístico para a sua consumação. Portanto, é irrelevante para a sua configuração a demonstração da efetiva obtenção de vantagem indevida. 6. A conduta narrada na denúncia - inserção de dados falsos no sistema da Previdência a fim de obter vantagem para si ou para outrem - subsome-se ao delito tipificado no art. 313-A do Código Penal, que foi aplicado com base no princípio da especialidade. (...) 11. Apelações desprovidas. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0007023-87.2014.4.03.6110, Rel. Nino Toldo, DJF3 Judicial 1 de 11.02.2019) APELAÇÕES CRIMINAIS. ARTIGOS 171 §3º e 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS VISANDO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA. NULIDADE AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. Crime formal, não exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico. Consuma-se, portanto, com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo penal, independentemente de efetiva obtenção de vantagem indevida ou ocorrência de prejuízo, que configuram exaurimento do crime. Segundo a acusação, a ré foi contratada para intermediar o requerimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Por sua vez, o outro réu, então servidor do INSS, tinha a incumbência de inserir dados falsos no sistema da autarquia, com a finalidade de garantir o êxito do requerimento do benefício. A conduta imputada aos acusados subsome-se ao crime descrito no art. 313-A do Código Penal. Prescrição afastada. Pena em concreto. (...) Apelação do réu a que se nega provimento. Apelação da ré a que se dá parcial provimento. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0008014-32.2015.4.03.6109, Rel. José Lunardelli, e-DJF3 Judicial 1 de 07.01.2019) Trata-se de crime próprio, que somente pode ser praticado por funcionário público (ou alguém a ele equiparado, nos termos do art. 327, caput e respectivos parágrafos, do CP). Além disso, apenas pode figurar como sujeito ativo o funcionário público que, além de ostentar essa qualidade, é autorizado a acessar/operar, por meio de senha ou qualquer outro comando, determinado sistema de informações da Administração Pública não aberto a outros funcionários ou ao público em geral. Em se tratando o agente de funcionário público "não autorizado", ficará afastada a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP, podendo se caracterizar, nessa hipótese, o delito de falsidade ideológica (inteligência do art. 299 do CP) ou, ainda, o delito previsto no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, por exemplo. É relevante salientar que, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como co-autores ou partícipes pelo crime previsto no artigo 313-A do Código Penal, desde que tenham pleno conhecimento de que o executor primário se trata de um funcionário público, isto é, desde que saibam que o delito está sendo praticado juntamente com um funcionário público. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: PENAL. ART. 313-A CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1- A denúncia aponta que os réus obtiveram vantagem ilícita, mediante fraude, em detrimento do INSS. A fraude supostamente utilizada pelos réus envolveu a utilização de sistemas informatizados e/ou banco de dados do INSS o que atrai a incidência do art. 313-A do Código Penal, específico para a situação. 2- A interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público Federal visando ao aumento da pena dos réus conduz à fixação do prazo prescricional segundo a pena máxima abstrata. Prescrição afastada. Entre os marcos interruptivos da prescrição, não decorreu prazo superior a 16 (dezesseis) anos. 3- Reconhecido o concurso de pessoas na prática do crime previsto no art. 313-A, o particular (não funcionário público) que tenha a vontade livre e consciente para agir com o funcionário público na obtenção de vantagem ilícita, deve responder pelo crime funcional como coautor ou partícipe. 4- Materialidade e autoria demonstrada. Prova documental e testemunhal. Confissão de um dos réus. 5- (...) (TRF3, Décima Primeira Turma , APCRIM 0001204-89.2007.4.03.6119, Rel. José Lunardelli, E-Djf3 Judicial 1 de 14.02.2017) O bem jurídico tutelado é a probidade administrativa, a moralidade e o patrimônio público, além da confiabilidade social nos sistemas e/ou banco de dados mantidos pela Administração Pública e respectivo conjunto de informações neles contidas, razão pela qual não se há de falar em aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: PENAL. PROCESSO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CP, ART. 313-A. NULIDADES. CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INAPLICABILIDADE. DEFESA DO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OMISSÃO. PREJUÍZO. COMPROVAÇÃO. EXIGIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENSÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. STJ, SÚMULA N. 444. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, o procedimento previsto no art. 514 do Código de Processão Penal não é aplicado se o funcionário público deixou de exercer a função na qual estava investido (STF, AP n. 465, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.04.14; STF, RHC n. 114116, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.12.12 e STF, HC n. 110361, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.06.12). 2. Embora o inquérito policial não supra a defesa prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, a omissão desta somente enseja nulidade se comprovado o efetivo prejuízo, consoante os precedentes do Supremo Tribunal Federal. (STF, Ag. Reg. no RHC n. 121.094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14 e STF, RHC n. 120.569, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.14). Para o Supremo Tribunal Federal, a prolação de sentença condenatória prejudica a alegação de nulidade por inobservância do art. 514 do Código de Processo Penal (STF, RHC n. 12.7296, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.06.15 e STF, Ag. Reg. no RHC n. 121094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14). 3. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a Administração Pública, não só no seu aspecto material mas também no moral, como sucede nos casos de peculato e inserção de dados falsos em sistema de informações (STJ, HC n. 165.725, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16.06.11; REsp n. 1378710, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.06.13, decisão monocrática; TRF da 3ª Região, ACR n. 00063043820044036181, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.01.13). 4. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito, é mantida a condenação da ré. 5. Dosimetria. No tocante a personalidade voltada para o crime, em consideração às condenações da ré pelo mesmo delito por outros fatos, não cabe valorá-los em prejuízo da ré sem a comprovação de trânsito em julgado, conforme dispõe a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Preliminar rejeitada. 7. Apelações desprovidas. (TRF3, Quinta Turma, ApCrim 0009695-23.2013.4.03.6104, Rel. André Nekatschalow, e-DJF3 Judicial 1 de18.10.2019) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância não é aplicável ao caso, ainda que seja de pequeno valor o prejuízo causado aos cofres da União, pois há um alto grau de reprovabilidade na conduta, que atinge a coletividade como um todo e a moralidade administrativa. 2. Apelação provida. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0006637-46.2012.4.03.6104, Rel. Nino Toldo, e-DJF3 Judicial 1 de 02.10.2019) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMÁTICA. CADASTRO DO BOLSA FAMÍLIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. SAQUES DO BENEFÍCIO DEPOSITADO EM CONTA DA AGENTE. ESTELIONATO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CP. DOLO NÃO COMPROVADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE COISA HAVIDA POR ERRO. - Comete o crime do art. 313-A do CP o agente que, na condição de menor aprendiz da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Trabalho (SEDEST) de Petrolina/PE, lotado no setor responsável pelo cadastro do Bolsa Família, insere dados falsos no sistema de informática com o objetivo de beneficiar terceiro que não preenchia os requisitos para integrar o referido programa de transferência de renda. Inteligência do art. 327, parágrafo 1º, do CP. - O delito tipificado no art. 313-A do Código Penal é modalidade de crime contra a administração pública, que resguarda, não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica, razão pela qual a ele não se aplica o princípio da insignificância. Precedente citado: STJ, AgRg no REsp n. 1.382.289/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE 11/6/2014. Hipótese, ademais, em que o valor total recebido pela apelante beneficiada pelo Bolsa Família perfez o montante de R$ 2.652,00, o qual supera em muito o salário mínimo vigente à época do fato e, ausente de dúvida, não pode ser tido como valor irrisório. - "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231 do STJ). Entendimento consolidado na jurisprudência com reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF, que reafirmou a orientação no sentido de que "circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (RE 597.270-RG-QO/RS). Pena mantida em 2 (dois) anos de reclusão, o mínimo previsto em lei para o crime do art. 313-A do Código Penal. - Não provimento do apelo interposto pelo agente responsável pela inserção de dados falsos em sistema informatizado da Administração Pública. (...) - Apelação do réu não provida e apelação da ré provida, em parte, para desclassificar a conduta descrita na denúncia para a do art. 169 do CP, com a fixação de nova pena. (TRF5, Quarta Turma, ACR - Apelação Criminal - 13833 0000028-69.2015.4.05.8308, Rel. Rubens de Mendonça Canuto, DJe de 12.08.2016, Página 160) CASO CONCRETO. Quanto aos crimes de peculato eletrônico, apurou-se, em síntese, que o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, agindo em conjunto com contadores e/ou contribuintes beneficiários, teria inserido, no sistema informatizado da Receita Federal, por diversas vezes, dados falsos consistentes em afirmações (inverídicas) de que contribuintes teriam comprovado deduções constantes de suas declarações de imposto de renda (DIRPFs), bem como teria emitido comandos de desbloqueio (com base em informações sabidamente falsas), possibilitando, assim, emissões irregulares de notificações de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir. Foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em continuidade delitiva, de oito delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas descritas na denúncia); EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia); FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia); JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia); CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática, em continuidade delitiva, de três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia); MAURO SERGIO ARANDA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese, que todas as condutas de peculato eletrônico descritas da denúncia são atípicas, já que não teria existido inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682). A defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). A defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. As defesas de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e MAURO SERGIO ARANDA alegam, em síntese, que os acusados devem ser absolvidos, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico (fls. 07/17 - ID 170518607, fls. 157/169 - ID 170518607 e fls. 57/61 - ID 170518682). Pois bem. No tocante às 1ª e 2ª condutas, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, após as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) de EDSON terem sido bloqueadas, por suspeita de fraude, nos dias 30.06.2010 e 12.05.2011, respectivamente, VITOR, em 15.02.2012, consultou as referidas declarações (às 10h05) e, na sequência (às 10h07 e às 10h08, respectivamente), desbloqueou-as, liberando-as, irregularmente, da “malha fina”, mediante afirmações (inverídicas) de que o contribuinte teria comprovado as deduções constantes de cada uma dessas declarações, o que possibilitou a disponibilização, em 01.03.2012, em favor de EDSON, de restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos) – correspondente à DIRPF/2010 - e de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos) – correspondente à DIRPF/2011 (vide fls. 165/175 - ID 270552801). Quanto à alegação da defesa de EDSON no sentido de que este “não obteve qualquer benefício com a suposta conduta” (fl. 64 – ID 170518682), cabe reiterar que, para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. In casu, de qualquer sorte, o Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas (vide fls. 165/175 - ID 270552801), revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções. Conforme explicitado na r. sentença, constou do aludido relatório que, em 15.02.2012, o servidor VITOR consultou as DIRPFs de EDSON e “efetuou o desbloqueio da lista (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB) e, automaticamente, o sistema a selecionou para a malha fina, o que levou o corréu a liberar a DIRPF mediante informação inverídica de que o contribuinte comprovara as deduções (...)” – fls. 117/118 – ID 170518759. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de EDSON FERREIRA DA SILVA pela prática, em concurso de agentes, de ambos os delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia). No tocante à 3ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que a declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa constava em malha fiscal e que, após a emissão eletrônica de intimação (em 30.12.2012), o servidor VITOR procedeu, em 01.04.2013, à liberação daquela DIRPF da “malha fina”, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da seguinte informação: “O CONTRIBUINTE APRESENTOU COMPROVAÇÃO DAS DEDUÇÕES PLEITEADAS E/OU DEMONSTROU SUA ADMISSIILIDADE” (fl. 180 – ID 270552801). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome de Marco Antonio de Castro Correa (conforme fl. 181 – ID 270552801). Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la (fl. 119 – ID 170518759): Vitão de acordo aquele processo referente ao ano de 2009 de Marco Antonio de Castro Corea, já foi deferido. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 4ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, em 05.05.2012, às 15h05, houve o bloqueio, para fins de fiscalização, da DIRPF/2012 de Marcelo Melro Mendonça e que, posteriormente (em 18.03.2013, às 15h11), o servidor VITOR “desbloqueou” a referida DIRPF (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB), tendo, ainda, no dia seguinte (em 19.03.2013, às 11h53) inserido dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal, a fim de “liberar” a declaração e possibilitar a emissão de notificação para restituição (indevida) de montante equivalente a R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos) – vide fls. 32/34 – ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte Marcelo Melro Mendonça. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF de Marcelo e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito (vide fl. 32 – ID 270552802). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 5ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que (vide fls. 160/164 – ID 270552801): “a DIRPF 2012 da contribuinte Maria José Marchetti Torrano foi incluída em malha em face de: a) inconsistência de dados de fontes pagadoras (código MF 210); b) suspeita de despesas médicas inidôneas (código MF400), especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão, não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 125.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fls. 163/164 – ID 270552801); “a DIRPF 2012 de Olavo Marchetti Torrano foi incluída em malha devido a suspeita de omissão de rendimentos de aluguéis recebidos de pessoa física pelo titular (Código MF 300) e de suspeita de despesas médicas inidôneas (Código MF400); especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 68.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fl. 164 – ID 270552801); A DIRPF 2012 de Gerson Gomide ficou “retida em malha fiscal por suspeita de declarações médicas inidôneas (parâmetro MF 400)” – fl. 122 - ID 170518759. Demonstrou, também, que as declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano foram “liberadas da malha fina” pelo servidor VITOR no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, respectivamente, bem como que a DIRPF/2012 de Gerson Gomide foi “liberada” da malha fiscal, também pelo servidor VITOR, em 12.06.2012, sempre mediante a informação inverídica de que os contribuintes teriam comprovado as deduções sob suspeita ou demonstrado sua admissibilidade. Consta, inclusive, que, graças às aludidas inserções de dados falsos no sistema da Receita Federal, os contribuintes receberam, indevidamente, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Em 12.03.2013 e em 19.03.2013, p.ex., trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 207 – ID 170518766): De: cleidemariac (...) Para: Vitor (...) Enviadas: Terça-feira, 12 de Março de 2013 16:12 Assunto: Notificação de nosso contribuinte. Olá Vitor Anexo a notificação do contribuinte, ele pagou na ocasião. Aguardo retorno Desde já agradeço abs Cleide Maria. De: Vítor Aurélio (...) Para: cleidemariac (...) Enviada em: terça-feira, 19 de março de 2013 18:47 Assunto: Re: Notificação de nosso contribuinte. Cleide, Desculpe a demora p/ responder este caso. Já está liberado. Abs. Em 05.04.2013, às 11h28 e às 12h10, CLEIDE e VITOR trocam, via SMS, as seguintes mensagens: CLEIDE: Oi Vitor, t perdida, ainda n)o fiz nenhum ir, e se eu fizer quase todos igual ano passado? O que vc acha? Abs VITOR: funciona. exceto p/ casos q liberei. Por fim, apurou-se que, em 10.04.2013 (às 13h45), a contadora (CLEIDE) encaminhou, ao auditor fiscal (VITOR), mensagem de correio eletrônico (e-mail) com o seguinte teor (fl. 03 – ID 170518943): Oi Vitor Não querendo incomodar mas já incomodando......não tem jeito de fazermos apenas uns 10. O repasse do serviços para você seria de R$ 4.000,00, com exceção da Maria José que seria R$ 6.000,00. Eu poderia fazer + ou - igual ao ano passado, somente teria alteração quanto a Maria José Torrano, Olavo Torrano e Gerson Gomide que foi lançado o Albert Einsten...pois não sei se pode usar este recurso.... Faríamos somente este ano, e já aviso aos mesmos que não será possível a partir de 2014. Senão for possível eu entendo, não podemos nos prejudicar de maneira alguma. Obrigada Cleide Maria Ora, não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide), é firme, com base nas trocas de mensagens supramencionadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 de Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de CLEIDE MARIA RIBEIRO pela prática, em concurso de agentes, dos referidos três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) revelou que, no dia 26.04.2013, às 13h44, o servidor VITOR efetivamente liberou, da “malha fina”, a referida declaração, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da informação (inverídica) de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções pleiteadas. Como resultado, a conduta criminosa gerou a restituição (indevida), em favor do contribuinte, de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos) – vide fls. 168/169 - ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome de Henry Luis Fornitano. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração de Henry Luis Fornitano (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração de Henry Luis Fornitano. Em 04.04.2013 e em 08.04.2013, os corréus trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 101 – ID 170518943) De: Mauro Aranda (...) Para: Victor (...) Enviadas: Quinta-feira, 4 de Abril de 2013 10:23 Anexar: 21401986897-1RPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao.pdf; 21401986897-1RPF-2012- 20111-retif-imagem-declaracao.pdf Assunto: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-1RPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Devidas correções feitas. De: Vitor Aurélio (...) Para: Mauro Aranda (...) Enviada em: segunda-feira, 8 de abril de 2013 19:10 Assunto: Re: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-IRPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Agora sim... pode transmitir o Henry. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) de Henry Luís Fornitano ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. Transcreve-se, aqui, o referido diálogo interceptado em 17.04.2013, às 11h47 (fls. 102/103 – ID 170518943): VITOR - Alô! MAURO - Alô! VITOR - Ô, meu! O que aconteceu...Você tava preso? (...). MAURO - Graças a Deus a coisa tá fluindo. Eu tô com um negócio aqui, eu preciso que você me ajude. Você viu que eu mandei do HENRY de novo, né? VITOR - Pera aí... Repete. Não entendi nada. MAURO - Você viu que eu mandei o IR do HENRY de novo... VITOR - Não, não vi. Você mandou? MAURO - Puta... Você não falou pra mandar... Você mandou um e-mail pra mim que podia mandar daquele jeito que tava? VITOR - Sim! MAURO - E tá dando pendência no Bradesco Saúde. VITOR - Ah, que... !MAURO - Você consegue ver isso aí? 1VITOR - Bom... É, bom... Paciência, né? Aí é... Aí é comigo. MAURO - (Risos)... Faz o seguinte, você vai fazer o que hoje à noite? VITOR - Hoje... Ah, hoje eu vou lá no puteiro perto de casa. MAURO - Meu, para com isso! Vira evangélico. Para de fazer bagunça! Vamo trabalhar... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tô com uma pilha de Imposto de Renda da minha frente. Eu tô olhando pra ela, tô com vontade de rasgar tudo e sair correndo... Você não tem noção (inaudível) trabalhar, tem um monte de coisa na minha mesa. Tô pensando em jogar tudo fora. VITOR - (Inaudível) MAURO - (Inaudível) tá vindo o pessoal do banco pra cá... Banco Safra. VITOR - Imagino que você esteja quase louco, mas... MAURO - Você vai... Você vai lá na Pompéia então? VITOR - Eu tô lá! MAURO - Que horas que você vai pra lá? Acho que vou lá conhecer. Vamo marcar umas 7h00 lá? VITOR - Ah, vamo... Você não quer ir um pouco mais tarde? MAURO - Pode ser. Você que me fala. Que horas? iVITOR - É... Eu tô... Eu tô pensando, assim... Você podia ir lá umas 8 e meia. MAURO - (Inaudível) sair daqui, eu te ligo. É mais fácil. VITOR - muito tarde? MAURO - Não, pra mim tudo bem. Não tem problema. Eu... preciso tirar esse monte de pendência da minha vida aqui...São coisas que eu acabo passando até vergonha aqui, porque eu não resolvo as coisas. VITOR - É... Mas escuta, você tem notícias da CRISTINA? MAURO - Tenho, tá aqui a carta que chegou aqui, só que ela tá viajando. Chegou a carta dela aqui... Cadê? Tá aqui na minha frente... Puta, os caras bateram palma... Por isso que eu tô... O pessoal do Banco Safra todinho vai vir pra cá agora por causa disso. Eles acharam o trabalho excelente, tudo... Tirando as mancadas que eu deixei... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tomei uma puta bronca. Ela falou ‘Meu, esse ROBERTO aqui não aparece...’, eu falei ‘Você quer que o cara aparece, manda carta dele, um cartão de Natal pra você, mas ele não vai botar o nome dele aqui...’. Ele mandou outro cara fazer a intimação dela. Então, fica tranquilo eu te passo hoje à tarde como é que tá a posição. VITOR - Ué? Mas eles já tavam sabendo que isso ia acontecer? MAURO - É... Não falei pra você que o marido dela é um cara que passa os negócios pra gente...O que que ele fez? Ele automaticamente... Falei ‘O, sua esposa vai receber intimação. Eu já recebi lá pra fechar...’, porque tava achando que não ia fechar a operação nunca. VITOR - Hã! MAURO – ‘Pode ficar tranquilo que tá fechando. Ela vai receber a carta...’, ele falou ‘Meu, o problema é que se minha mulher pegar isso aí na mão, ela vai ter um infarto’, falei ‘Então, avisa ela que ela vai ser intimada pra não ficar... Não ter infarto antes da hora’. VITOR - Pô, mas até o marido tá sabendo disso? Por quê? Não tô entendendo... MAURO - Não, o cara que passa o trabalho pra gente. Não, fica tranquilo! Eu te explico, mas assim... 100% seguro. Pode ficar sossegado. VITOR - É, porque, eu pensei assim, que era você que tava fazendo isso pra dar um susto nela. MAURO - Não, não, não... É pra garantir os próximos serviços dele. Porque ele ficou meio... Ele achou meio estranho porque... Como o dele caiu lá na situação e ninguém resolveu, ele ficou doido. Ele falou ‘Meu, cadê sua força?’, falei ‘Cadê minha força... Não me dá carta na mão, como é que eu posso ter força?’, mas eu te explico. Fica tranquilo que à noite eu te explico. VITOR - Bom, mas ele tava sabendo que você ia pedir pra um fiscal fazer a intimação? MAURO - Não, não. Ele não tava sabendo. Eu falei ‘Ela vai dançar, porque ela...’. VITOR - Ah, bom! MAURO - ... ‘Tem um patrimônio não declarado, que entrou uma puta grana na conta dela, ninguém explica nada, então ela vai dançar. Vai ser automático isso aí’, aí, ele falou ‘Como é que vai resolver?’, falei ‘Meu, a hora que chegar a carta, não esquenta. Me dá a carta que eu resolvo...’. VITOR - (Inaudível) MAURO – ‘Eu tenho gente que me ajuda a fazer Isso ai’. VITOR - Tá bom! MAURO - É isso que ele queria entender. VITOR - Ah... Hamhamm! MAURO - Ele não sabia quem era. VITOR - Tá... Tá bom! Belê! MAURO - Pode deixar comigo então. Umas 8, 8 e meia a gente se fala. VITOR - Tá bom. Falou! MAURO - Um abraço! VITOR - Outro, tchau! Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de MAURO SERGIO ARANDA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART. 325 DO CÓDIGO PENAL). O art. 325, caput e §1°, do Código Penal, assim dispõe: Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) O crime de violação de sigilo funcional (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada) se caracteriza pela conduta de, oralmente ou por escrito, revelar e/ou facilitar a revelação de informações confidenciais conhecidas em razão do cargo ocupado pelo agente público. O sigilo pode decorrer de Lei, de determinação judicial ou de determinação administrativa, p. ex., sendo que, para a caracterização do delito, é necessário que o funcionário tenha consciência da necessidade do segredo, por força de sua função, e que o segredo seja de interesse público. Note-se que, em se tratando de fornecimento de informações protegidas por sigilo que caracterize violação de sigilo fiscal, ato que, inclusive, configura improbidade administrativa, há, no âmbito administrativo, previsão de aplicação de pena de demissão (inteligência do art. 132, IX, da Lei n.° 8.112 de 11.12.1990), podendo o servidor, ainda, responder no âmbito cível, em ação de reparação de danos materiais e morais. E mesmo em se tratando de meros dados cadastrais, os quais, em regra, não são protegidos por sigilo fiscal, é certo que a lei determina o dever funcional de sigilo sobre assuntos da administração pública (inteligência do art. 116, incisos III e VIII, da Lei n.° 8.112/1990, os quais devem ser combinados com normas internas de cada órgão da administração), de maneira que o servidor público que, imotivadamente, acessar dados cadastrais para divulgá-los ou fornecê-los a quem não esteja legalmente autorizado a conhecê-los, estará descumprindo, eventualmente, dever funcional de observância às normas legais e regulamentares e, consequentemente, estará sujeito às sanções previstas no art. 325 do Código Penal. O bem jurídico tutelado é o regular funcionamento da Administração Pública, que poderia ser comprometido pela divulgação não autorizada de informações sigilosas. A norma visa coibir funcionários públicos de, no exercício de suas funções, revelarem fatos que devam permanecer em segredo, assegurando, assim, a confidencialidade necessária para a manutenção da eficácia administrativa e a salvaguarda do interesse público. Trata-se de crime formal, uma vez que se consuma no momento em que a informação sigilosa se torna conhecida por pessoa não autorizada, e que apenas admite a modalidade dolosa. Importante mencionar, por fim, que o delito em questão não se confunde com o de violação de segredo profissional, previsto no art. 154 do Código Penal, o qual pune a conduta de “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Neste último caso, os sujeitos ativos não se tratam de funcionários públicos responsáveis por sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública, mas sim de profissionais do setor privado, conhecidos como “confidentes necessários”, a exemplo dos advogados, sacerdotes, médicos e psicólogos, p. ex.. CASO CONCRETO. PRESCRIÇÃO. Quanto aos crimes de violação de sigilo funcional, houve a condenação de: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática, em continuidade delitiva, de quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª e 3ª condutas descritas na denúncia). Quanto ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, o r. juízo a quo reconheceu o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade deste acusado em relação aos delitos de violação de sigilo funcional. Em face do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a denúncia foi recebida apenas em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612), razão pela qual afastou-se, no momento da prolação da r. sentença (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759), a ocorrência de prescrição em relação a este acusado. Foi-lhe, pois, imputada, a pena de 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção pela prática, em continuidade delitiva, dos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). Não obstante, considerando que, no presente momento, já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição também em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH. Reitere-se que a prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de violação de sigilo funcional não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de violação de sigilo funcional ocorreram nos dias 19.03.2013 (1ª conduta), 25.03.2013 (3ª conduta), 03.04.2013 e 09.04.2013 (4ª conduta) e 26.03.2013 (5ª conduta) – fls. 03/38 – ID 170518764, isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI Nº 9.613, DE 03.03.1998). O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem (ilação que deve ser compreendida em coerência com a aplicação dos postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção do Direito Penal). Cumpre asseverar que, de acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente (cite-se, como exemplo, as operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras realizadas de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas - vide STF, AP n. 996, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29.05.2018, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção); controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas. Imperioso destacar, que, para fins de consumação do delito, não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas, dispensando-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. No que tange à desnecessidade da ocorrência de todas as etapas da lavagem e da sofisticação das condutas, confira-se: “Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de ‘lavagem de capitais’ mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, ‘caput’): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’ transnacional, com os quais se ocupa a literatura”. (STF, RHC 80816, Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18.06.2001) A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Tendo em vista a especial efetividade de que a persecução estatal deve imbuir-se no combate à criminalidade organizada, consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal, de sorte que o legislador pátrio o fez refletir na Lei nº 9.613/1998, cujo art. 2º, inc. II e § 1º, estabelece que: “II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. A autonomia da repressão ao delito de lavagem mostra-se certíssima medida processual penal assimilada pelo sistema normativo atual, o qual exige apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 1º, INCISO V, DA LEI 9.613/98. ABSOLVIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE: INOCORRÊNCIA DO CRIME DE LAVAGEM. CRIME DE DESCAMINHO. MODALIDADE TER EM DEPOSITO. APREENSÃO DA MERCADORIA: AUSENCIA DE PROVEITO ECONÔMICO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, que rejeitou a absolvição sumária do paciente, nos autos da ação penal nº 0000172-23.2008.403.6181. 2. O paciente foi denunciado porque teria ocultado a propriedade de bens, provenientes de delito contra a Administração Pública, consistente em contrabando e descaminho, crime este apurado nos autos 2007.61.81.014628-5. 3. A Primeira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento da apelação 2007.61.81.014628-5, por unanimidade, negou provimento ao apelo da acusação e deu parcial provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", c.c art. 29, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo o acórdão transitado em julgado. 4. Considerada a absolvição do crime antecedente, não há que se falar na ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. 5. Nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, e artigo 2º, inciso II, e §1º, da referida lei, prescinde-se da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente. Não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente. 6. No caso em tela, há uma particularidade, o crime antecedente nessa ação penal foi um crime bem definido e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem. E não houve prova suficiente para condenação do réu no crime antecedente, de modo que não restou caracterizado o crime de lavagem, por ausência da prévia ocorrência de crime do qual o numerário seja proveniente. 7. Caso não fosse imputada a autoria conhecida a alguém, o fato de não existir condenação não impediria que o crime de lavagem fosse imputado a outra pessoa. Mas uma vez imputada a autoria do crime de lavagem a um autor, que é o mesmo agente que se imputa o crime de lavagem, a absolvição com relação ao crime antecedente, esvazia a própria imputação de lavagem. 8. O Estado reconheceu em outra ação penal que não existe prova suficiente para relacionar o acusado com a obtenção ilícita daqueles bens. Assim, não há como imputar a esse acusado a mera ocultação da proveniência ilícita desses bens. Se o Estado não conseguiu provar que o agente obteve ilicitamente o bem, não pode mais tentar provar que o agente está ocultando ou dissimulando bem que tinha conhecimento que era ilícito. Sobrevindo sentença absolutória em relação ao crime antecedente, ainda que por insuficiência de provas em relação à autoria delitiva, entendo que não subsiste o crime de lavagem de capitais. 9. Ainda que assim não se entenda, observa-se que foi apontado na denúncia como crime antecedente ao da lavagem de dinheiro, o descaminho na modalidade 'ter em depósito'. Nessa modalidade de descaminho, ter em depósito, a única dissimulação ou ocultação possível seria dos próprios bens descaminhados, mas isso não existe, pois os bens foram aprendidos naquela operação, ou seja, para que seja possível o crime de lavagem nessa modalidade (ter em depósito), teria que se imputar ao paciente a ocultação dos próprios bens descaminhados, o que não ocorreu. Ao contrário, a denúncia imputa ao paciente a conduta de ter adquirido outros bens em nome de terceiras pessoas, na modalidade dissimulação, dissimulando a propriedade daqueles bens. 10. Se as mercadorias, objeto do crime de descaminho, não foram vendidas, pois foram apreendidas, imputando-se ao agente crime na modalidade ter em depósito, como esse agente poderia ter transformado o produto do descaminho apreendido em dinheiro, para posteriormente adquirir os bens que foram colocados em nomes de terceiros? Seria necessário que o agente vendesse o produto descaminhado, para conseguir transformá-los em dinheiro e adquirir aqueles bens que colocou em nome de outras pessoas. 11. É certo que os bens adquiridos em nome de terceiros poderiam ter sido adquiridos com o proveito de outros crimes de descaminho, em outras modalidades, mas não foi esse crime antecedente que a denúncia se referiu. A denúncia é explícita, apontando um crime específico como antecedente, qual seja, o descaminho relativo à apreensão ocorrida no dia 14/11/2007 que resultou na ação penal 2007.61.81.014628-5. E no tocante a esse descaminho, toda mercadoria que era mantida em depósito foi apreendida, não havendo que se falar em proveito econômico advindo do descaminho, de modo que não resta caracterizada um dos elementos objetivos do crime de lavagem, que é a proveniência ilícita dos bens. 12. Ausência de justa causa. Ordem concedida”. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 52049 - 0033971-34.2012.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 22.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.10.2013 - destaque nosso) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO V, DA LEI 8.137/1990 COMO DELITO ANTECEDENTE. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DENÚNCIAS QUE NARRAM A OCORRÊNCIA DE CRIME MATERIAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Embora independa a persecução pelo crime de lavagem de valores do processo e julgamento pelo crime antecedente, na forma do art. 2º, II, da Lei nº 9613/1998, exigido é que a denúncia seja instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012). (...) 4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro. (...)”. (STJ, RHC 73.599/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.09.2016, DJe de 20.09.2016) Em suma, deverá o órgão acusatório indicar na denúncia, de maneira certa, específica e individualizada, quais infrações subjacentes levaram à conclusão sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou valores, de modo a permitir ao acusado sua ampla defesa e o respeito ao princípio do contraditório. A devida caracterização do tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 exige que os fatos delituosos descritos não tenham caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Especificamente acerca do que se acaba de tratar, vide as palavras de Renato Brasileiro: “Em se tratando de crime de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrado que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, estabelece que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p. 173) - destaque nosso. A esse respeito, válida a referência à fundamentação irretocável trazida no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual se determinou o trancamento da ação penal precisamente em razão da inicial acusatória falhar em delimitar, de maneira clara, precisa e individualizada, as infrações subjacentes que embasavam a lavagem de dinheiro. In verbis: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N. 9.618/98. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO REPASSE DE VALORES AO PACIENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FORMA PRECISA E OBJETIVA DOS CRIMES ANTECEDENTES. FALTA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS VALORES RECEBIDOS PELO PACIENTE E OS SUPOSTOS EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O paciente foi denunciado pelo crime capitulado no artigo 1º, caput, incisos V e VI e § 1º, inciso II, da Lei n. 9.613/98, cujo feito foi instaurado a partir do desmembramento do Inquérito Policial 2.474 em curso no STF, com o escopo de investigar os diversos repasses efetuados pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, no valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao paciente. 2. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 3. Em casos extremos, todavia, em que a acusação se desenvolve de maneira claudicante, isto é, apresentando denúncia imprecisa, genérica e indeterminada, a jurisprudência não fecha a porta à possibilidade de trancamento da ação penal, especialmente, quando, pela imprecisão ou generalidade da peça acusatória, falhando no dever de bem delimitar e individualizar os fatos delituosos, dificulte a defesa de ordem a concretizar violação à ampla defesa e ao contraditório. 4. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 5. O Supremo Tribunal Federal tem imposto mesmo ao Ministério Público o dever de deduzir denúncia com idoneidade, de ordem a narrar os fatos de forma certa, determinada e precisa, para propiciar ao acusado a possibilidade de, sabendo a natureza e extensão da acusação contra ele dirigida, bem poder se defender. 6. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: 'O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado 'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado' (HC 84580, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513). 7. No caso, a denúncia relata que o paciente, no ano de 2003, teria recebido das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, indicado na AP 470/STF como operador do 'Mensalão', quatro depósitos bancários, que totalizaram o valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Posteriormente, consoante a denúncia, o paciente, em 23/06/2005, teria retificado sua Declaração do Imposto de Renda referente ao ano-calendário 2003, para declarar os valores recebidos como sendo provenientes de serviços prestados, sem, contudo, ter sido demonstrado documentalmente que se tratava de recursos obtidos em virtude da atividade profissional do paciente. 8. A denúncia, em redação pouco precisa, às vezes sem congruência, indica, num primeiro passo, ao início da descrição dos fatos delituosos, que os chamados crimes antecedentes consistiriam estritamente em empréstimos fraudulentos de onde originariam os recursos, posteriormente, transferidos à conta do paciente; sendo que, contraditoriamente, num segundo passo, em capítulo final, especialmente aberto para descrever e delimitar os crimes antecedentes, parece pretender imputar ao paciente, como crimes antecedentes que compõe a conduta a ele imputada, todos os crimes que eventualmente tenham sido processados e julgados na referida ação 470 (Mensalão). 9. No particular, verifica-se que não há qualquer remissão acerca dos crimes antecedentes ao suposto de crime de lavagem de dinheiro, limitando-se a denúncia a tecer considerações acerca dos crimes apurados na AP 470/STF. Ou seja, a denúncia não logrou demonstrar a vinculação objetiva ou subjetiva dos alegados crimes antecedentes com o ilícito de lavagem de ativos imputado ao paciente. Pior do que não indicar, com certeza e precisão, quais os crimes anteriores de que o acusado deve se defender, é atribuir-lhe uma quantidade indeterminada de delitos, afogando a sua defesa em indeterminação e incerteza. 10. Assim, embora tenha sido consignado na denúncia todos os crimes apurados na AP 470/STF (corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e formação de quadrilha), não houve a indicação de qual ou quais seria(m) o(s) crime(s) antecedente(s) do crime de lavagem de dinheiro atribuído ao paciente, restando apenas genérica imputação de que seriam os crimes apurados na referida ação penal. 11. Aliás, o próprio Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, após a realização de diversas diligências, que objetivavam esclarecimentos por parte dos peritos da Polícia Federal acerca da demonstração de vínculo entre os repasses realizados ao paciente e os supostos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do empresário Marcos Valério, em manifestação anterior à denúncia ora sob análise, havia requerido, em petição datada de 30/03/2015, o arquivamento do inquérito policial, por entender não presentes as evidências de que os repasses realizados em favor do paciente se vinculavam aos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, assim como por não reunir elementos indiciários da prática do crime de lavagem de dinheiro. Porém o pedido de arquivamento foi indeferido pelo juízo a quo e a denúncia foi apresentada por determinação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. 12. Consta dos autos que a manifestação técnica, que subsidiou à época o pedido de arquivamento do inquérito policial, foi precisa ao certificar que foram apurados apenas, com amparo em laudos produzidos nos autos da AP 470/STF, que o paciente havia recebido quatro repasses que totalizavam R$ 300.000,00, no período de 18/03/2003 a 25/04/2003, sem contudo indicar a origem dos recursos, pois, conforme justificativa apresentada, '(...) para se vincular exatamente os valores recebidos por João Pimenta da Veiga Filho aos 'empréstimos fraudulentos' será necessário reexaminar novamente os valores que ingressaram na conta corrente 60199, da agência 3032, do Banco do Brasil, e na conta corrente 60025952, da agência 009, do Banco Rural, identificando a origem do saldo disponível para efetuar os repasses da empresa DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. ao beneficiário João Pimenta da Veiga Filho'. 13. Caracteriza violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada; de outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado o crime de lavagem de ativos, o qual apenas se concretiza com a presença de delitos antecedentes, mas não lhe propicia, entretanto, em aberta violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF/88, defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador que o Ministério Público afirma presente na conduta supostamente praticada pelo denunciado. 14. O fato de, conforme o art. 2º, II, da Lei 9.613/98, o processo e o julgamento dos crimes previstos nesse estatuto legal independerem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, não infirma nem pode infirmar, seja acentuado, o direito do acusado de ver reconhecida pelo Estado-juiz a conclusão incontornável de que tem o direito de defender-se de todos os elementos que compõem o tipo penal da conduta que concretamente o Estado-acusador lhe imputa. 15. No caso, o tipo penal claramente inclui como um de seus elementos o fato de que só haverá crime de lavagem se os valores eventualmente dissimulados ou omitidos tenham sido provenientes direta ou indiretamente, de infração penal anterior (cito e realço a dicção expressa da Lei): 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'. 16. Portanto, se não há crime anterior, ou se, pelo menos, por defeituosa descrição dos fatos típicos, não se consegue demonstrar o vínculo, objetivo ou subjetivo, entre o delito antecedente e aquele outro cuja prática se atribui ao paciente, obviamente, não se poderá, ao final, impor-lhe um juízo condenatório pelo crime de lavagem de ativos. 17. Configurada a formulação de denúncia genérica e imprecisa, em especial por não individualizar quais seriam os empréstimos fraudulentos e delimitar, entre todos os crimes apurados na AP 470/STF, quais exatamente maculariam os valores repassados ao paciente, resta conformada a sua inépcia, nos termos dos artigos 395, I do CPP e, em consequência, a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente (CPP, art. 647), razão pela concedo a ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal 0010250-17.2016.4.01.3800, em curso na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em relação ao paciente João Pimenta da Veiga Filho”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus nº 00160028420174010000, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, julgado em 26.06.2017 - destaque nosso) Como se vê, o próprio delito de lavagem de dinheiro contém o elemento normativo infração penal, no sentido de que somente restará caracterizado o delito parasitário desde que eventualmente os proveitos econômicos que tenham sido ocultados, dissimulados, integrados ou reciclados, sejam oriundos de infração penal subjacente. Significa dizer, na fase do oferecimento da denúncia deverá o órgão ministerial apresentar indícios suficientes de que o objeto material da lavagem esteja vinculado, direta ou indiretamente, com a infração subjacente. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998. Na mesma linha de raciocínio, vide precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da justa causa duplicada nos crimes de lavagem, oportunidade em que se afirmou a necessidade de demonstração de lastro mínimo probatório acerca do delito acessório e da infração subjacente: “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. JUSTA CAUSA DUPLICADA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ANTECEDENTE E DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito - justa causa do processo penal -, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender aos requisitos essenciais do art. 41 do Código de Processo Penal - CPP. Precedentes. 2. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 3. A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. 4. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente. 5. No presente caso, o Parquet não observou sequer a exigência da exposição formal da justa causa duplicada, porquanto, mais do que não demonstrar lastro probatório mínimo do crime antecedente, o que obstaria o prosseguimento da persecução penal por violação à justa causa, o dominus litis nem mesmo indicou a conduta penalmente relevante antecedente, o que leva à inépcia da denúncia. Verifica-se que não é possível à defesa realizar sua resposta à acusação de forma adequada, porquanto indefinidos elementos mínimos do que consistiu a infração antecedente e a origem ilícita dos valores que teriam sido objeto do branqueamento. A denúncia apenas aponta que os valores seriam oriundos do orçamento municipal e o modus operandi do branqueamento, consistente no depósito do cheque, cuja beneficiária é uma sociedade empresária, em conta bancária de terceiro, sem qualquer vínculo formal com a pessoa jurídica da empresa contratada beneficiária. 6. Recurso provido para que seja trancado o processo penal que apura o crime de lavagem de capitais em questão, haja vista a inépcia da denúncia, facultando-se a oferta de nova denúncia, com o devido preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP”. (RHC 106.107/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019, DJe 01.07.2019 - destaque nosso) “PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA.DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA.REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO.JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE.RECEBIMENTO. (...) 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. (...)”. (APn 923/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23.09.2019, DJe 26.09.2019) Cite-se, ainda, importante precedente do C. Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido: “Habeas Corpus. Ação penal. Lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, com a redação anterior à Lei nº 12.683/12). Trancamento. Inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade do writ. Precedentes. Exame da questão de fundo. Admissibilidade. Manifesta inviabilidade da ação penal. Ausência de descrição mínima dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 41, CPP). Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98. Defeito que não se sana pelo advento da condenação. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98. 1. A superveniência da sentença condenatória torna superada a alegação de inépcia da denúncia, ainda que anteriormente deduzida. Precedentes. 2. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, embora assentando a prejudicialidade do habeas corpus, tem examinado a questão de fundo para afastar a arguição de inépcia. 3. Na espécie, por maior razão, não há como se deixar de analisar a viabilidade da denúncia, diante de sua manifesta inépcia. 4. Como sabido, o trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15) 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 16. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal quanto ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98, por inépcia da denúncia”. (HC 132179, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 26.09.2017, processo eletrônico DJe 09.03.2018 - destaque nosso) Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis. As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores. Indo adiante, cumpre asseverar que eu vinha entendendo no sentido de que a infração tida como subjacente deveria ser necessariamente pretérita aos atos apontados como de lavagem dos proveitos econômicos auferidos - em outras palavras, compreendia-se que não seria possível, em princípio, cogitar-se de lavagem tendo como base patrimônio amealhado anteriormente à prática da primeira infração que potencialmente teria gerado o lucro econômico ao seu agente. Acerca de tais marcações temporais, em feito de minha relatoria, já decidiu a 11ª Turma do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS. CRIME DO ARTIGO 1, INCISO I, DA LEI 9.613/1998. LAVAGEM DE CAPITAIS. DATA DO CRIME ANTECEDENTE É POSTERIOR AO CRIME DE LAVAGEM. ATIPICIDADE DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. - O crime antecedente (tráfico de drogas) praticado pelo requerente ocorreu em 25.09.2010, e a lavagem de dinheiro, da qual é acusado, especificamente quanto ao imóvel descrito na letra 'o' da denúncia, teria se consumado em abril de 2010, com o registro do citado imóvel em nome de terceiros, de forma que o ato de branqueamento de capitais teria se dado anteriormente à data do crime de tráfico de drogas. - A imputação do delito de lavagem de capitais ao requerente mostra-se descabida, haja vista que a ocorrência da transação reputada como suspeita é anterior a 25.09.2010. - Nesse contexto, a determinação temporal da prática do tráfico enquanto delito antecedente delimitava, à época, e delimita ainda o subsequente crime de branqueamento de lavagem de dinheiro dele proveniente, e não, por óbvio, o contrário. - Diante da atipicidade da conduta imputada ao requerente, resta configurado o constrangimento ilegal. - Deferido o pedido de extensão, de forma a determinar o trancamento apenas quanto ao item 'o' da denúncia, da ação penal nº 0011209-37.2014.4.03.6181. - Esta decisão não autoriza a devolução do imóvel, objeto do presente writ, uma vez que nos termos dos §§1º e 2º, do artigo 91, do Código Penal: '... Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Na hipótese do §1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.', já que o requerente integra associação criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas, devendo se apurar a aquisição lícita do referido imóvel. - Agravo regimental provido”. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5029387-23.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, julgado em 24.04.2019, Intimação via sistema data: 25.04.2019) Contudo, revisitando a temática, é possível deparar-se com situações concretas em que determinado agente, antes de praticar ato lesivo à Administração Pública, no caso de corrupção passiva/ativa, por exemplo, receba valores que são dissimulados no exterior, passando a constar como beneficiário final, e somente após este ato beneficie um dos licitantes. Ou, ainda, na hipótese em que um traficante recebe valores antes da prática criminosa e os lava servindo-se de interpostas pessoas anteriormente ao envio da droga ao beneficiário final. Tais situações foram por diversas vezes observadas em processos que tramitaram perante a 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e em Lavagem de Dinheiro, oportunidades em que houve troca de experiências com o Eminente Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali, então juiz substituto. Dentro de tal contexto, em revisão de posicionamento, chega-se à conclusão de que, a teor da legislação de regência, os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica). Aliás, o entendimento em tela foi trazido à baila em artigo por meio do qual se infere, de forma percuciente, que não há a necessidade de que haja uma precedência estritamente cronológica propriamente dita, mas apenas jurídica, acerca do que se convencionou nominar "crime antecedente", expressão que seria melhor compreendida, na realidade, por meio da locução "crime subjacente" - vamos ao artigo (CAVALI, Marcelo Costenaro; LORENCINI, Bruno César. Separando Joio, Peste e Praga: ‘Caixa Dois’ Eleitoral, Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In Direito, Instituições e Políticas Públicas. O papel do jusidealista na formação do Estado. Coordenação: Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, André Tito da Motta Oliveira, Rafael Hamze Issa e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2017, p. 40-41): “(...) Proveniência cronológica ou jurídica de infração penal? Virou voz comum o entendimento de que a infração penal antecedente tem de ser cronologicamente antecedente à lavagem do seu produto. E não só: não bastaria ter sido iniciada a execução, teria de estar consumado o delito antecedente para que se pudesse cogitar da realização de algum ato de lavagem. No caso do 'Mensalão', o STF decidiu que 'A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)' (AP 470 EI-sextos, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 13.03.2014). De fato, como regra, os atos de lavagem do dinheiro ocorreram somente após a ocorrência da infração penal antecedente. Mas não tem de ser assim, nem fática nem juridicamente. Do ponto de vista jurídico, a Lei nº 9.613/1998 não prevê essa antecedência cronológica, mas apenas uma derivação jurídica, quando o art. 1º se refere aos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. A antecedência tem de ser lógica - não cronológica. Faticamente, alguns exemplos ilustram como é possível lavar o dinheiro de um crime antes mesmo que ele tenha sua execução iniciada. Pense-se num caso em que um 'matador de aluguel' é contratado para assassinar uma pessoa. O mandante e o futuro executor do delito celebram, então, um 'contrato de prestação de serviços de consultoria em segurança'; os valores são pagos e declarados à Receita Federal. Depois disso, o homicídio contratado é executado. Note-se que todos os atos de dissimulação da natureza do dinheiro recebido ocorreram antes do início da execução do delito, embora a causa real do pagamento já fosse conhecida pelos envolvidos. Seria essa cronologia razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro? A resposta para essa pergunta é, a nosso ver, negativa. Os valores recebidos pelo 'matador de aluguel' configuram, uma vez combinados, produto do ilícito a ser perpetrado. É claro que, se o homicídio não vier a ter sua execução iniciada, não se poderá falar em lavagem de dinheiro, pois não houve infração penal antecedente, sequer na forma tentada. Por isso, nos casos em que as condutas próprias do delito de lavagem de dinheiro ocorrerem anteriormente à infração penal antecedente que deu causa ao ativo lavado, o delito da Lei nº 9.613/1998 somente se consumará no momento em que iniciada a execução da infração penal antecedente. A solução apresentada pode parecer heterodoxa, mas, se bem examinada, sua engrenagem não é diversa daquela que rege a incidência de qualquer norma jurídica. É preciso que todos os pressupostos da hipótese de incidência estejam preenchidos para o desencadear de suas consequências jurídicas; por vezes, tais pressupostos são preenchidos em momentos diferentes, de modo que somente quando caracterizado o último dos pressupostos normativos exigidos haverá a incidência da norma. Tampouco existe qualquer empecilho do ponto de vista subjetivo, pois as partes envolvidas conhecem a origem do dinheiro, isto é, sabem que os valores foram pagos para o cometimento de um futuro homicídio - embora ainda não iniciado. De igual modo, não existe razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro concomitantemente à infração penal antecedente. O melhor exemplo para ilustrar essa possibilidade encontramos no delito de corrupção. No referido precedente do STF, entendeu-se que a autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos e posteriores do produto do crime antecedente (já consumado). A conclusão não se sustenta, em primeiro lugar, pelo fato de que é possível a lavagem de dinheiro de infração penal antecedente tentada. Mesmo que o agente não consiga consumar o delito, é possível que a tentativa gere um produto ilícito. Pense-se, para continuar com o exemplo anterior, no caso do homicida que, tendo recebido antecipadamente o pagamento pelo delito, não tem sucesso em consumá-lo. Mas não é só. O crime de corrupção compreende, de fato, a conduta de receber 'direta ou indiretamente' a vantagem indevida. Com isso, mesmo que o valor seja repassado por meio de um intermediário, haverá corrupção. No entanto, desde o advento da Lei nº 9.613/1998, em razão de uma nova política-criminal legislativa, o recebimento indireto dos valores da corrupção, quando gere especiais dificuldades para a sua identificação, apreensão e confisco pelas autoridades competentes - como, por exemplo, quando o pagamento é realizado através de um 'contrato de consultoria' realizado com um 'laranja' -, não caracteriza apenas a corrupção, mas também a lavagem de dinheiro. Essa é, a propósito, a razão de ser da criação do tipo penal da lavagem de dinheiro. A corrupção, no mais das vezes, compreenderá desde a aceitação até o recebimento da vantagem indevida. Tratando-se de crime de ação múltipla, as duas condutas caracterizam um único delito. Por sua vez, a lavagem de dinheiro, envolvendo um processo que compreende atos de ocultação, mas também o recebimento do dinheiro, pode ser compreendida juridicamente como sendo a mesma ação da corrupção. Justamente para esses casos, em que, por meio de uma mesma conduta - recebimento do valor indevido de forma indireta - o autor perpetra dois crimes, o Código Penal prevê a figura do concurso formal (CP, art. 70). Aceitas as premissas sobre a política-criminal da lavagem de dinheiro, no exemplo mencionado a conduta representa violação de bens jurídicos distintos: lesa a probidade na Administração Pública e ofende a Administração da Justiça. É verdade que a diversidade de bens jurídicos não é o único critério a ser adotado na resolução de possíveis concursos de delitos: é possível consunção de um delito por outro mesmo que os tipos penais examinados tutelem bens jurídicos diversos. Mas também se pensarmos, como sugere Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. São Paulo-Coimbra: RT-Coimbra, 2007. p. 990), na existência de um único ou de uma pluralidade de sentidos autônomos de ilicitude para diferenciar um concurso aparente de um concurso real, verificaremos que, nos casos aqui examinados, a atuação do corrupto possui claramente dois sentidos de ilicitude: o primeiro é o sentido de venda da função pública, o segundo o de recebimento da vantagem já aparentemente imaculada de sua ilicitude originária. O desvalor de registrar a propina como recebimento de um legítimo contrato de consultoria é claramente maior do que o de simplesmente receber o dinheiro e o esconder em casa, sem dificultar sobremaneira a aplicação integral da lei penal no que se refere aos efeitos patrimoniais da condenação. Aquele que recebe a propina como se se tratasse de honorários de consultoria já age com o intuito de criar uma justificativa aparentemente lícita para o dinheiro recebido (...)”. Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Veja que não deveria surpreender tal entendimento. As implicações em razão da Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal – STF, a qual preconiza que: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”, poderiam levar a essa conclusão. A referida Súmula prevê que a tipificação (e consumação) do delito nos crimes tributários ocorre com o lançamento definitivo do crédito tributário. Acontece que o Direito Penal só pode punir a conduta da pessoa que pratica o ato. A consumação não poderia depender de um ato de terceiro. Ela só poderia existir com ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado (conforme dispõe o art. 4º do Código Penal - teoria da atividade), de modo que a consumação não poderia depender de um ato de terceiro que nada tem a ver com o delito. Falar-se que a materialidade de um crime material dependeria de uma apuração administrativa por si só seria contraditória com a doutrina e mesmo a jurisprudência consagrada aos crimes materiais. Por exemplo, Nelson Hungria preconizava que o corpo não é necessário para a prova do homicídio em havendo certeza moral da existência desse crime. No caso de corrupção, nas modalidades “aceitar” e “receber’, não há necessidade de nenhuma comprovação material fora da análise das condutas como tem sido exigida pela Súmula Vinculante n. 24 para os crimes tributários e, finalmente, o fato de mencionar tributo, que seria o elemento normativo do tipo, apenas sugere ao intérprete que se faça um juízo de valor do que seja tributo. Tributo está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, como estão definidas as contribuições sociais no art. 149 da CF, e isso não faz depender, necessariamente como imposto pela Súmula, da existência de uma apuração administrativa para verificação desse elemento normativo. Existem outros elementos normativos em vários tipos penais (tais como: como coisa alheia, funcionário público, vantagem indevida) que demandam atividade valorativa que pode, sim, ser feita pelo intérprete, independentemente do resultado obtido pela Administração Pública. E, finalmente, não se pode distinguir crime tributário como se fosse algo diferente do delito de corrupção, pois ambos tutelam os recursos da Administração Pública. No primeiro caso, o tributo ainda está com o particular, ao passo que na corrupção os valores já estão em poder do Estado, mas são desviados ou apropriados. A similitude é evidente. Para a identificação da corrupção não se exige um procedimento por parte dos órgãos de controle (Controladoria Geral da União, por exemplo), portanto, sistematicamente não tem coerência exigir para o delito tributário algo que não se pode exigir para o reconhecimento nos casos de crimes contra a Administração Pública. Em síntese, no crime tributário material não deveria haver a exigência do lançamento definitivo para a sua caracterização. No entanto, o entendimento sumular supramencionado, impõe que a consumação dos crimes de tal jaez ocorra somente com a constituição definitiva do crédito tributário. Excepcionalmente nas hipóteses em que houver a lavagem de dinheiro e o delito subjacente for um crime tributário material, s.m.j., a Súmula n.º 24 poderá ser mitigada. Ora, não se deveria exigir o lançamento definitivo do crime subjacente para dar início à apuração da lavagem decorrente deste crime tributário. A despeito de tratar-se de entendimento minoritário, há julgado do STF consignando que a regra inserta no aludido entendimento sumular pode ser mitigada nos crimes contra a Ordem Tributária nas hipóteses de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal (possibilidade de se dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo): “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 24. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INVESTIGAÇÃO CONCOMITANTE DE CRIMES DE NATUREZA DISTINTA DA FISCAL. VIABILIDADE, EM TESE, DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 8. Sobressai da narrativa dos agravantes que ‘são investigados outros crimes além dos tipificados no ‘art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90’, dentre eles, crimes contra a administração em geral e de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade do esgotamento das vias administrativas para a investigação do crime de lavagem de dinheiro, conquanto o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do enunciado nº 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC 118.985-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE 936.653-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016. 9. Agravo regimental desprovido”. (Rcl 28147 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018)” (grifei) Lado outro, a exigência do lançamento definitivo, que muitas vezes ocorre após a lavagem, leva, necessariamente, a uma inversão do marco temporal: ou seja, a infração subjacente pode ocorrer posteriormente à lavagem de dinheiro, de forma consumada ou tentada. Portanto, a lavagem não requer que a infração subjacente seja cronologicamente anterior, mas apenas que haja uma decorrência lógica. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro. Por exemplo, contratação de matador de aluguel que recebe uma vultosa quantia para matar alguém. Ele recebe o valor, lava, coloca em nome de laranjas e somente depois consuma ou tenta o homicídio; no crime tributário, a pessoa lava, coloca os bens em nome de terceiros e depois comete o delito tributário; no caso do delito de corrupção, nas modalidades de “aceitar” ou “receber”, a lavagem pode ocorrer antes destas. A lavagem de dinheiro pode concorrer formalmente com a infração subjacente. Uma conduta pode gerar um delito tributário e ao mesmo tempo gerar lavagem de dinheiro porque o âmbito de proteção do bem jurídico pelo legislador é diverso. Uma conduta, nos termos da teoria do concurso formal, atinge dois resultados: no caso do delito tributário tem uma proteção específica - os recursos que devem ser dirigidos à Administração Pública e as políticas públicas decorrentes da ausência desses recursos, ao passo que a lavagem de dinheiro tem um bem jurídico específico que é a Ordem Econômico-financeira e a Administração da Justiça. Ora pendendo mais à Administração da Justiça, ora à Ordem socioeconômico/financeira, a depender do caso concreto. A leitura que se faz é que a infração ligada à lavagem de dinheiro possui autonomia mais do que sufragada pelo legislador e acessoriedade limitada. A existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito que acabou se consagrando e a referência à expressão “antecedente” permanece como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando aduz no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º à infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que tem que ocorrer é algo vinculado. Os valores podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois da infração subjacente. Exige-se que o tipo subjacente seja ao menos tentado para a existência da lavagem de dinheiro, não importando a sua concretização em tempo determinado. Embora o art. 2º da Lei de Lavagem utilize a expressão "infração penal antecedente", a interpretação meramente literal do dispositivo não espelha, nesse caso, a finalidade da lei. In casu, devem ser aplicados os métodos sistemático e teleológico de exegese, a fim de que sejam atendidos tanto os fins sociais a que a norma se dirige quanto as exigências do bem comum. Nesse contexto, não é razoável excluir da persecução penal aqueles agentes que praticam a lavagem de bens ou valores comprovadamente advindos do cometimento de infração(ões) subjacente(s) não necessariamente pretérita(s) ou antecedente(s), cronologicamente falando. Em suma, a existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito, mas a referência à expressão “antecedente” permanece apenas como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando menciona no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º a expressão infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que se requer é a existência de produtos e proveitos logicamente decorrentes de infração(ões) subjacente(s) e não cronologicamente decorrentes. Não se deve, pois, obrigar a existência de um fato criminoso anterior uma vez que fatos criminosos podem mesmo ocorrer, por mais curioso que possa parecer, após a lavagem de dinheiro, como os exemplos citados, entendimento este reforçado pela consagração da Súmula do STF n.º 24 que entende típico o delito tributário material somente com o lançamento definitivo. Assim, urge a existência de algo ilícito vinculado. Os valores decorrentes de uma infração subjacente podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois deste. Por outro lado, cabe enfatizar que o mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem. No caso Mensalão (AP n.º 470/MG), por exemplo, o STF decidiu que o recebimento da corrupção por terceiros não configura o crime de lavagem de dinheiro, mas concretização do delito contra a Administração Pública. Imprescindível, portanto, para a configuração desse delito, identificar-se a ocorrência de ocultação ou de dissimulação. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima pontua: “(...) com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um 'laranja', a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais (...)” (in Legislação Criminal Especial Comentada. JusPodivm. 2. ed. 2014. p. 306-307). Mais recentemente, no ano de 2019, também em hipótese de corrupção, o STF, pela análise do cenário probatório descrito nos autos, entendeu que, para além do recebimento clandestino da vantagem indevida, restou evidenciada a dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. PLURALIDADE DE CONDUTAS. DOLOS DISTINTOS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o eventual cabimento de recurso extraordinário não subtrai, por si só, a cognoscibilidade do habeas corpus. Precedentes. 2. O sistema jurídico brasileiro não exclui os autores do delito antecedente do âmbito de incidência das normas penais definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, admitindo, por consequência, a punição da chamada autolavagem. É possível, portanto, em tese, que um mesmo acusado responda, concomitantemente, pela prática dos delitos antecedente e de lavagem, inexistindo bis in idem decorrente de tal proceder. 3. Nada obstante, a incriminação da autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação, dissimulação ou integração autônomos ao delito antecedente, ainda que se verifique, eventualmente, consumações simultâneas. 4. A consunção constitui critério de resolução de conflito aparente de normas penais incidente em casos em que a norma consuntiva contemple e esgote o desvalor da consumida, em hipótese de coapenamento de condutas. Assim, eventual coincidência temporal entre o recebimento indireto de vantagem indevida, no campo da corrupção passiva, e a implementação de atos autônomos de ocultação, dissimulação ou integração na lavagem, não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem. 5. O habeas corpus consubstancia via processual inadequada para o reconhecimento da ocorrência de consunção, forte na necessidade de exame do acervo probatório para o fim de avaliar o esgotamento do juízo de censura entre as condutas, providência que desborda dos limites cognitivos do writ. 6. Caso concreto em que se reconheceu a constituição de contas secretas e remessa clandestina de recursos ao exterior, atos que consubstanciaram práticas de ocultação, dissimulação ou integração, possibilitando fruição oportuna do resultado econômico do crime antecedente. O presente quadro processual diferencia-se, portanto, do enfrentado pelo Tribunal Pleno na AP 470 (EI-sextos e EI-décimos sextos), na qual se afastou a configuração do delito de lavagem em caso de recebimento de vantagem indevida mediante interposta pessoa e em hipótese na qual se exigiria a prática de atos subsequentes para fins de branqueamento do produto da infração penal antecedente. 7. Em caso de concurso de crimes, é incabível o reconhecimento, em habeas corpus, da incidência do critério da exasperação se as instâncias ordinárias atestaram a pluralidade de condutas e a presença de desígnios autônomos. 8. Não configura vulneração ao dever de motivação das decisões judiciais a rejeição de aplicação da regra do concurso formal próprio baseada em óbices normativos ao critério da exasperação. 9. Ordem denegada”. (HC 165036, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09.04.2019, processo eletrônico DJe 10.03.2020) (destaque nosso) Haverá, assim, tão somente a prática da infração penal subjacente quando apenas houver uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Com isto, ficariam afastadas desta infração penal as condutas de guardar dinheiro em colchão, subornar testemunhas para se conseguir álibi etc. O STF, nos autos do Inquérito n.º 3.515/SP (Rel. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 08.10.2019, acórdão eletrônico DJe 23.06.2020), explicitou hipótese em que o ato de receber “de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998”. Também cumpre asseverar, por exemplo, que a realização de transferências bancárias sucessivas, segregando-se determinado montante de dinheiro em várias contas bancárias diferentes, é conduta que, indubitavelmente, dificulta o rastreamento da quantia inicial advinda da infração subjacente, já que, a cada nova transação, torna-se mais difícil determinar a origem daquele valor, inclusive porque essa prática possibilita que fundos “limpos” e “sujos” se misturem para compor o saldo disponível em cada conta, o que torna ainda mais complexa a localização do produto criminoso original, fato que caracterizaria a lavagem. No entanto, nem todas e quaisquer transações bancárias envolvendo dinheiro ilícito caracterizam lavagem de dinheiro. Em se constatando, por exemplo, que o produto da infração subjacente foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável(eis) como pertencente(s) à(s) pessoa(s) que cometeu(ram) a infração subjacente, não se haverá que falar em lavagem, mas sim em mero exaurimento, ou seja, mera consequência lógica e natural da anterior ação criminosa. A simples distribuição do produto da infração entre os seus autores, mediante depósito/transferência do quinhão atribuído a cada participante, é desdobramento natural da infração penal subjacente e, portanto, não configura prática de lavagem. Em suma, se os agentes criminosos não se limitarem a mediante transferências (isoladas) para suas respectivas contas bancárias, simplesmente repartir, entre si, os valores obtidos pela prática de uma infração penal subjacente (o que caracterizaria o mero exaurimento), mas sim efetivarem a remessa dessas quantias a partir de transações bancárias de maneira deliberadamente pulverizadas, isto é, fracionadas e transferidas, múltiplas vezes, para diversas contas bancárias, em sua maioria abertas em nome de pessoas físicas ou jurídicas fictícias (e não em nome dos próprios agentes), restará evidenciada a intenção de mascaramento, e, por via de consequência, a lavagem de dinheiro. Em outra hipótese, em havendo a imputação de tráfico transnacional de drogas, com a apreensão dos valores oriundos desta infração pela autoridade policial em uma blitz, cujo objetivo era o desembaraço de carregamento de cocaína junto aos fornecedores da droga, devem ser considerados mero desdobramento da traficância (iter criminis), não se vislumbrando o cometimento do delito de branqueamento. No crime de lavagem de dinheiro terá que haver, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Embora adote o entendimento de que é desnecessária a precedência cronológica da infração subjacente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tendo-se em vista que a lavagem pode, excepcionalmente, ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente ao qual se vincula, é evidente que a precedência lógico-jurídica (e não estritamente cronológica) é indispensável. Em outras palavras, é imprescindível que os ganhos atrelados à suposta prática de corrupção, por exemplo, tenham sido obtidos em data anterior à da prática dos atos de ocultação/dissimulação, mesmo que o ato de corrupção, em si, possa vir a ser praticado depois da lavagem. Nesse contexto lógico-jurídico, faz sentido apenas falar-se em necessidade de demonstração de relação de anterioridade e posterioridade entre os ganhos decorrentes da infração subjacente e a lavagem de dinheiro, embora a infração subjacente possa ocorrer posteriormente. No caso de a lavagem ter sido cometida anteriormente à infração subjacente, para o reconhecimento de sua consumação é indispensável que tenha se iniciado a execução desta última, que, repise-se pode ocorrer depois daquela. CASO CONCRETO VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR) foram denunciados por, supostamente, terem praticado, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, 267 (duzentos e sessenta e sete) delitos de lavagem de dinheiro entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691) -, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY e IZA (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Ocorreu que, ao prolatar a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada um dos quatro acusados pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, nos seguintes termos (fls. 134/138 – ID 170518759): VI - DOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS Neste capítulo, a denúncia descreve que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos por pelo menos 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98 combinado com o artigo 71 caput do Código Penal. O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada conforme ela mesma admitiu em conversa telefônica interceptada: Eu não trabalho, mas a minha vida também é um correria... Comprovou-se, ainda, em relação aos sogros de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, variação patrimonial injustificada, a percepção de recursos de origem ilícita percebidos por VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e a existência de contas bancárias utilizadas para ocultar e dissimular os recursos auferidos pelo corréu VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, conforme comprovaram os documentos, as conversas telefônicas interceptadas e e-mails, especificamente as situações descritas nos itens 76 e 77 da denúncia. Entre os documentos, cabe registrar a análise realizada pela Delegacia da Receita Federal dos cheques depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH mantidas no Banco do Brasil (126) e Banco Itaú (140), cuja soma ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que comprovou que todos os referidos cheques foram emitidos por contribuintes que tiveram as respectivas DIRPFs acessadas no sistema por VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Também foram apreendidos, tanto na residência de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como na residência de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, outros cheques cujos valores foram calculados, respectivamente, em R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais), em R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais), conforme comprova fl. 15, apenso III e fls. 27/33 do apenso IV, sendo que, dentre os cheques apreendidos, alguns, no valor total de R$ 13.900,00, foram emitidos por contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 34 do Apenso IV) enquanto outros, no valor de R$ 10.000,00, foram emitidos por contribuintes mencionados pelos denunciados em conversas telefônicas interceptadas (fl. 35 do Apenso IV). Também restou comprovado que os cheques emitidos como contraprestação pelos serviços ilícitos prestados foram depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Também restou comprovado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH adquiriu um terreno em nome de seus sogros, conforme comprova matrícula 86.544, ficha 003, fl.541, localizado na Alameda Piava, e ali edificou uma residência, conforme demonstrado a fls. 476/477 dos autos principais, fl. 143 do Apenso I e fls. 540/541 do Apenso I, e admitido por ele na conversa telefônica interceptada a fls.476/477: ‘Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças. Eu comprei esse terreno da Piava...Em 2007 6 anos atrás... No começo de 2007. Eu paguei 650 ml e é terreno de esquina... O terreno normal...’. Foram também referidas movimentações atípicas consubstanciadas em aportes únicos em VGBL em valor igual ou superior a R$ 300.000,00, realizados no ano de 2012, conforme segue: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH na data de 06.07.2012 teria aplicado os valores de R$ 565.858,00 e R$ 609.858,00, ambos no UNIBANCO Vida e Previdência S.A. Contudo, em sua DIRPF de 2013, apenas uma pequena parcela desses valores - R$ 260.000,00 - teria sido declarada como pertencentes aos filhos; IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES na data de 04.06.2012 aplicou R$ 600.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.. Em sua DIRPF de 2013, ela declarou ter feito um aporte no valor de R$ 654.000,00; na mesma declaração, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, porém, declarou ter recebido rendimentos de apenas R$ 151.370,00, a título de indenização por rescisão de contrato de trabalho, informação essa que, ademais, segundo a autoridade policial, também seria inverídica; EDILAINE LOPES SZWARCTUCH na data de 20.09.2012 teria aplicado o valor de R$ 590.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.; contudo, esta informação não consta de sua DIRPF, mas na de seu pai DARCY DE OLIVEIRA LOPES. Segundo a autoridade policial, tal fato encontraria explicação ‘no alto grau de confiança existente entre ambos [VITOR e DARCY] e das dificuldades de relacionamento entre VITOR e EDILAINE, separados de fato há pouco tempo. Ao agir desta forma, VITOR impediu que sua esposa tivesse conhecimento do montante total de dinheiro que possui’. Portanto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria utilizado sua ex-esposa EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e seus sogros IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e DARCY DE OLIVEIRA LOPES com o propósito de dissimular a origem e conferir aparência de licitude aos valores recebidos em contrapartida aos crimes praticados no Setor da Malha Fina da Receita Federal de São Paulo. Concordo com o Ministério Público Federal que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito. Discordo, no entanto, no que diz respeito à ausência de conhecimento, adesão voluntária e efetiva participação nos inúmeros e distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração, corroborados pelo comportamento dos acusados e pelas provas produzidas nos autos, em especial o uso das contas correntes bancárias abertas para abrigar as vantagens indevidas cobradas pelas violações dos deveres funcionais. Assim, restou suficientemente comprovado, que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98. Não houve interposição de recurso por parte do Ministério Público Federal. Os corréus VITOR, DARCY, IZA e EDILAINE apelaram. Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). Passa-se, pois, a apreciar os apelos interpostos pelos demais corréus condenados (VITOR, IZA e EDILAINE). PLURALIDADE DE CONDUTAS DE LAVAGEM. Inicialmente, no que diz respeito ao número de condutas de lavagem a ser considerado em hipóteses como a presente, meu entendimento pessoal é no sentido de que a ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) deverá constituir uma conduta autônoma de lavagem. Ora, especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. Em outras palavras, em se tratando de ocultação e/ou dissimulação de recursos de origem ilícita por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por terceiros, haverá tantas condutas (de ocultação e/ou dissimulação) quantos forem os depósitos (inidôneos) individualmente considerados, de maneira que cada cheque fraudulentamente “guardado/escondido” nessas contas bancárias corresponderá a uma conduta autônoma de lavagem. No mesmo sentido, em se tratando de ocultação/dissimulação de recursos de origem ilícita por meio da aquisição de imóveis, o número de condutas criminosas equivalerá à quantidade de imóveis registrados em nome de outra(s) pessoa(s) que não o(s) verdadeiro(s) adquirente(s), a fim de ocultar seu(s) real(is) proprietário(s). In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito (fl. 137 – ID 170518759). Assim, não obstante este Relator adote posicionamento diferente, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. ORIGEM ILÍCITA DO IMÓVEL E/OU DOS VALORES OCULTADOS/DISSIMULADOS. In casu, ficou demonstrada a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados em contas de titularidade de “laranjas”, os quais foram obtidos pelo auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como produto e/ou proveito de múltiplos crimes (subjacentes) de corrupção passiva e de peculato eletrônico. Com efeito, os levantamentos realizados pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 e ESPEI08 demonstraram que os referidos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados, no Banco do Brasil e no Itaú, em contas de titularidade dos corréus DARCY, IZA e EDILAINE (vide cópias dos cheques às fls. 35/147, 157/196, 201/209, 227/251 – ID 270552804 – e fls. 02/27, 37/80, 110/114 e 119/122 – ID 270552805), foram emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina” (vide relatório e planilhas acostadas às fls. 130/156 - ID 270552805). Verificou-se, p. ex., que, entre os dias 28.03.2013 e 16.04.2013, ao trocar e-mails com pessoa de nome Jesualdo Guedes Pereira Filho, VITOR indicou conta bancária de seu sogro (DARCY) para depósito de propina, o que corrobora a tese de que VITOR costumava ocultar/dissimular, em contas titularizadas por seus familiares, o produto dos crimes de corrupção e/ou peculato eletrônico por ele cometidos (fls. 236/238 – ID 170518943): Em qui, 28 de mar de 2013 07:40 BRT Jesualdo Guedes Pereira Filho escreveu: Vitor, Você recebeu os documentos? Falta algo? Grato. Um abraço Jesualdo. De: Vitor Aurélio Para: jesualdozp@yahoo.com.br Enviadas: Quinta-feira, 28 de Março de 2013 10:01 Assunto: Re: Documentos preciso dos informes da gama, telecom, sul america e bradesco. De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vitor Aurélio Enviadas: Terça-feira, 2 de Abril de 2013 12:19 Assunto: Re: Documentos Vitor, a Gama não teve atendimento em 2012. Os demais, estou enviando em anexo. Grato Jesualdo. De: Vítor Aurélio Para: Jesualdo Guedes Pereira Filho lesualdoep@vahoo.com.br> Enviadas: Segunda-feira, 8 de Abril de 2013 19:52 Assunto: COPIAS DO IRPF 2013 Jesualdo, Segue em anexo as copias da declaracao 2013 e do recibo de entrega. O valor do deposito importa em r$ 2.000,00 e a conta: Banco Itaú Ag. 0152 c/c 04513-4 Darcy Oliveira Lopes Abraco De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vítor Aurelio Enviadas: Terça-feira, 9 de Abril de 2013 11:29 Assunto: Re: COPIAS DO IRPF 2013 Vitor, recebi as cópias do imposto de renda. Farei os pagamentos: rS 1.000,00 em 16/04113. r$ 1.000,00 em 16/05/13. Obrigado. Um abraço. Jesualdo. É firme, pois, a convicção de que VITOR, ao longo de anos, se valeu do expediente de guardar dinheiro (oriundo de propina) em contas bancárias titularizadas por seus familiares (sogro, sogra e ex-esposa), com o propósito de ocultar o fato de ser ele (VITOR) o real proprietário daqueles recursos. É o que se extrai, p. ex., dos seguintes diálogos interceptados pelos investigadores: diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 20.03.2013, às 11h19 (fl. 225 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY -0i, VITOR! VITOR - Tudo bem, DARCY? DARCY - É... Onde você tá? VITOR - Eu?! Eu tô aqui na... Na Afonso Bovero. DARCY - Ah, é? VITOR – É! DARCY - Tá ai no banco, é? VITOR - Eu já fui. DARCY - Não, aqui no Itaú. VITOR - É... Já fui! DARCY - No banco... VITOR - É... É... Já fui. DARCY - Escuta, mas então... Tô te ligando... Quando é que você vai querer abrir essa conta ai? VITOR - É... Que horas são agora? São 11h20... DARCY - Hoje não dá, VITOR VITOR - Ah, não? DARCI - É que eu que eu tô... Tô fazendo uma geral aqui no apartamento... VITOR – Hã. DARCY - E depois vou ter que comprar o negócio da baby. Então... Dá pra Ir amanhã? VITOR - Ah, a gente marca amanhã de manhã. DARCY - Então, escuta.... VITOR - Hum! DARCY - O que que vou precisar levar... Você falou? VITOR - Só os seus documentos. DARCY - Ah, tá! Não precisa de nenhuma conta de luz, nada? VITOR - Eu tenho, né? DARCY - Ah, tá! VITOR - Eu tenho uma conta de luz daí. DARCY - Você foi fazer o que aí? Foi abrir conta aí? VITOR - Não... Não... Eu fui fazer depósito. Na caderne... Na caderneta de poupança das crianças. DARCY - (Incompreensivel)... Você deposita aí e cai lá, né? VITOR - É... É... DARCY - Ah, tá! Então, faz o seguinte... Que horas que a gente se encontra... Onde é que a gente se encontra? VITOR - Ah, se você quiser, a gente pode se encontrar às 10h00 aqui na porta do banco... Unibanco. DARCY - Às 10h00 em ponto. E que eu não gosto de ficar muito parado aí não, viu? VITOR - É... Não, 10h00 em ponto! A hora que abre a gente já entra e já fala com o gerente. DARCY - Ah, tá legal! VITOR - Tá... Não esquece do CIC e RG. DARCY - Não, eu não largo deles... Tá comigo. V1TOR - Tá bom! DARCY - Tá... VITOR - Amanhã, então! Tá... diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51 (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - A1ô! DARCY – Oi, VITOR! VITOR – Oi! DARCY – Ó... VITOR - Hã? DARCY - Chegou mais um cartão da IZA agora, viu? VETOR - Tá... DARCY - Do Itaú. VITOR- Tá... Deixa aí. DARCY - Deixa aqui, né? VITOR – É! Deixa escondido. DARCY - Entrega pra ela? VITOR - Não, não fala nada... Deixa escondido. DARCY - Porque um... Um ela já pegou, né? VITOR - Hã! DARCY - E... Agora chegou outro. VITOR - É, não mostra não. Deixa quieto aí. Esconde... DARCY - Depois te mostro procê ai. VITOR- Tá bom. DARCY - Tá, tchau! VITOR Tchau. diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 04.04.2013, às 17h07 (fl. 229 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? DARCY - Tudo bem... Escuta! Chegou duas cartas aqui do nosso Itaú aqui... VITOR – Hã! DARCY - Eu acho que é cartão, né? VITOR - Eu também acho. DARCY - É, porque... Tá duro, aqueles negócio dele, sabe? VITOR – Hamhamm. DARCY - Tá uma no meu nome e uma no seu nome. VITOR - Tá... É, são os cartões... DARCY - É, né? VITOR - É! DARCY - Tá... Bom, depois eu te entrego uma hora aí, né? (...). diálogo travado entre VITOR e a gerente de sua conta no Banco Itaú Personalité, de nome Fabiana, interceptado em 05.04.213, às 15h55, o qual revela que era VITOR quem, efetivamente, controlava e/ou movimentava (inclusive sem procuração) as contas bancárias abertas em nome de seus familiares (fls. 231/234 – ID 170518943): FABIANA - Alô! Por gentileza, o Sr. VITOR... VITOR - Eu! FABIANA - Oi, Sr. VITOR! É FABIANA do Itaú Personnalité de Alphaville. Tudo bem? VITOR - Oi, tudo bem? FABIANA - Tudo! O senhor tá podendo falar um minutinho? (...) FABIANA - Eu tava analisando aqui, o senhor tem um volume expressivo, é... Em dois VGBLs, no master índice, de preço. VITOR - Isso... FABIANA - O que que eu queria conversar com o senhor: esses fundos, o ano passado, foram super bem, né? Acho que o senhor teve uma rentabilidade aí de quase 30% no ano. Porém esse ano, devido ao cenário agora, elevação na taxa de juros... Ele já está negativo de janeiro até ontem, já bateu 4% negativo. VITOR - Humhumm! FABIANA - Então, o que eu queria conversar com o senhor: como na previdência a gente tem esse benefício de poder fazer portabilidade sem causar nenhum ônus pro cliente, sem precisar pagar imposto... Enfim, nenhuma taxa... A gente portar ele para um plano DI, por exemplo, recuperando esse cenário de índice de preços, depois o senhor pode voltar pra essa...Pra esse produto. (...) VITOR - Mas será que com essa história do aumento da inflação, será que não vai reverter esse VGBL? FABIANA - Não, ele não tem a ver: aumenta a inflação, aumenta a rentabilidade. Ele é composto daquelas NPNs, que são aqueles títulos do governo... E esses títulos, nesses planos de previdência, são os títulos acima de 5 anos. Então, como o mercado já tá precificando que vai subir as taxas de juros, eles já tão fazendo a marcação ao mercado desses títulos.... VITOR - Hã... FABIANA - Por isso que tá tendo essa desvalorização. VITOR - Entendi... FABIANA - Ele não tem a ver... Ele é um fundo de índice de preços, mas ele não tem a ver: subiu a inflação...Senão, era pra tá super alto com a inflação, né? Eles vão justamente aumentar os juros pra poder controlar a inflação, mas não é nesse sentido. Tá? Esse fundo... VITOR - Hã! É... É que é assim, também não sou só eu nesse barco não... Tem os meus sogros, né? FABIANA - Hum! VITOR - ... Que também tão com o mesmo produto e... FABIANA - Estão na outra conta? VITOR - São outras duas contas. FABIANA - Hummm... Então, eu acho interessante... (...) VITOR - Tá, mas... Hã... FABIANA - Qual que é a conta do seu sogro? VITOR - Já te passo... No caso, com a KARINA, né? Eu fui com eles aí e a KARINA... Assim, era eu que... Eu que fazia tudo, né? Sou eu que cuido das contas deles. FABIANA - Mas na conta dele, você tem procuração? VITOR – Não tenho. Era coisa de boca, né. FABIANA – É... Porque ela fazia, mas assim... Ela poderia até ser punida por isso, tá VITOR? (...) Ou você vem... Vamos supor que você decida fazer a portabilidade. Ou você vem com eles aqui, ou eu posso mandar um portador pra eles assinarem... VITOR - Tá! FABIANA - Ou você faz uma procuração pra você entrar na conta. Entrar, não. Poder administrar, né? Vamos dizer assim... (...). Em suma, o conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 (fls. 130/156 - ID 270552805), quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto à residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, ficou igualmente demonstrado que, não obstante esta tenha sido edificada em terreno registrado em nome dos corréus DARCY e IZA (sogro e sogra de VITOR) - vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691- seu real proprietário era o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, conforme se pode extrair do seguinte diálogo, travado entre VITOR e um corretor de imóveis de nome Luis, interceptado em 23.03.2013, às 11h50 (fls. 227/228 – ID 170518943): LUIS - Alô! VITOR - LUIS? LUIS - Sim! VITOR - Ô, LUIS! Como vai? Tudo bem? LUIS - Tudo bom! VITOR - É... Quem fala é VITOR! Pai das trigêmeas... Lembra? LUIS - Pai das trigêmeas... VITOR - Vendi uma casa prum... Prum rapaz... na... no... Eu tinha uma casa térrea verde no 12... LUIS - Ah, no 12! O Sr VITOR... VITOR - Tá lembrado? LUIS - Ô! VITOR - Então tá... Seu LUIS! LUIS – Oi! VITOR - Estamos numa nova empreitada. LUIS - Oi! VITOR - Eu me separei E assim, eu queria ver o que que eu arrumo por aqui. LUIS - Ok! Tem ideia se é apartamento... VITOR - Não, apartamento não. LUIS - Casa mesmo? VITOR - É... Eu... E assim, eu tô pensando em ficar aqui no 11 mesmo... LUIS - Hã! VITOR - Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças... LUIS - Ah, eu lembro que o senhor vendeu lá. O senhor tinha construído no 11, não foi? VITOR - Isso! Isso! Então eu queria ficar aqui no 11 pra ficar perto das crianças. LUIS - Correto! VITOR - Mas assim, eu tô bem por fora de preços e tudo mais. Então, seria assim: num primeiro momento, o que a gente acha de casa. LUIS - Ok! VITOR - E se não... Sei lá! Se aqui no 11 não tiver nada, que a gente consiga chegar num consenso e tudo mais... LUIS - Hã! VITOR - De repente até eu posso pegar um terreno e também construir. LUIS - Ó, então, mais fácil casa, viu VITOR... VITOR - É, né? LUIS - Os terrenos estão acabando. VITOR - São poucos... LUIS - E terreno, o pouco que tem, o preço tá realmente lá em cima. (...) VITOR - Então, deixa me ver assim... O senhor tem ideia de quanto tá saindo o metro de terreno aqui no 11? LUIS - Tá na faixa de R$ 1.000,00, mais ou menos. Deixa pegar, o terreno... VITOR - Nossa Senhora! LUIS - ... Quer ver? Terreno... VITOR - Como subiu! Dobrou o valor... LUIS - Dobrou. É porque tá acabando. Por isso que eu falei... Às vezes, a pessoa faz um melhor negócio numa casa, né? VITOR - Hã! LUIS - Os terrenos aqui... É, ó... Eu tenho de 833, que não são bons... Já vou lhe falando... VITOR - Hum! LUIS - (Incompreensível) multo aclive, né? VITOR - Sim, sei... LUIS - Então, ali, realmente, o senhor economiza no terreno, mas gasta na construção, né? Os outros lá, tá de 900 até 1.400 o metro... VITOR - Caramba! Eu comprei... Eu comprei... LUIS - Entre 1.000 e 1.400. VITOR - Eu comprei esse terreno da Piava... LUIS - Hã! VITOR - ... Em 2007. LUIS - 6 anos atrás... VITOR - No começo de 2007. Eu paguei 6500 m 2 e é terreno de esquina... O terreno normal... LUIS - Se o senhor corrigir isso daí em 6 anos, também não vai dar muita diferença não. VITOR - É, né? O terreno normal, na época, tava 550 o metro. Quer dizer, dobrou, né? LUIS - É... Dobrou. VITOR - Dobrou em 6 anos. Ocorre que, embora se saiba que VITOR ocultou a propriedade do referido imóvel registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA), o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006 (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Quanto à residência situada no terreno, construída, ao que tudo indica, nos meses e/ou anos subsequentes (vide imagem à fl. 144 – ID 270552800), observa-se que a Matrícula do imóvel não a menciona e que a Corregedoria da Receita Federal apurou, a esse respeito, tão-somente o seguinte (fl. 144 – ID 270552800): Nota-se que nas DIRPF originais de 2007 a 2011 a Sra. IZA e o Sr. DARCY informaram a propriedade de 50% de um terreno à Al. Piava, 248 (...), em conformidade com o informado na DOI. Todavia, a partir da entrega das DIRPF retificadoras, transmitidas pelo IP SUSPEITO no ano de 2011, passou a constar que a Sra. IZA e o Sr. DARCY tinham a propriedade, cada um, de 50% de uma casa à Al. Piava, 248 (...). Ora, se a informação do cartório somente mostra a compra de um terreno e no local atualmente há uma casa, ela deve ter sido construída naquele terreno após a compra (...). Ora, apesar de, a partir das informações supramencionadas, ser possível extrair que a aludida residência foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos acostados às fls. 03/11 do ID 270552810, p. ex., revelam que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto (vide relatórios às fls. 04/55- ID 170518579 e fls. 53/71 - ID 170518766); a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013 (fls. 03/38 – ID 170518764). De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. Em outras palavras, o aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Caso o desvalor da conduta de ocultar/dissimular produto de ilícito penal (lavagem) não esteja abrangido pelo desvalor do recebimento (indireto) da vantagem indevida (oriunda da corrupção passiva), não se cogitará da aplicação do princípio da consunção. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Válido, nesse passo, destacar o seguinte trecho da fundamentação da r. sentença (fls. 134/165 - ID 170518759): O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada (...) – grifo nosso. Reitere-se que o fato de existir eventual coincidência temporal entre o recebimento da propina (oriunda do crime de corrupção) e a implementação de atos autônomos de lavagem, “não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem” (nesse sentido: STF, Segunda Turma, HC n.º 165.036/PR, Rel. Min. Edison Fachin, Julg. em 19.04.2019, Dje de 10.03.2020). Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. DOLO RELACIONADO ÀS CORRÉS IZA E EDILAINE. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese, ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), pois as apelantes não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682). É certo que, para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Cabe consignar, ainda, que o dolo (elemento integrante da tipicidade) não se confunde com a potencial consciência da ilicitude (elemento integrante da culpabilidade), bem como que a ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. Assim sendo, para que se cogite de condenação pelo delito de lavagem de dinheiro, deverá o agente, ao realizar quaisquer das ações nucleares do tipo, ter pleno conhecimento de todos os elementos que compõem a figura típica (o que inclui o conhecimento de que valores ocultados/dissimulados têm origem ilícita), sob pena de, eventualmente, se verificar a ocorrência de "erro de tipo", no caso, p. ex., de haver falsa percepção sobre a natureza (lícita ou ilícita) do recurso ocultado/dissimulado (hipótese em que se falará em exclusão do dolo). No caso concreto, entretanto, não se vislumbra ter havido, quer por parte de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH quer por parte de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, equivocado conhecimento sobre quaisquer elementares e/ou circunstâncias que integram a figura típica da lavagem, não se havendo de falar, pois, em erro de tipo. É certo que o fato de existir um ‘laranja’ se relacionando com bem proveniente de infração penal não torna, automaticamente, qualquer conduta do beneficiário desses ativos típica de lavagem de dinheiro, e nem significa que a conduta do ‘laranja’ será objetivamente típica. Afinal, o tipo penal em questão não incrimina a conduta de usar terceiros em seu nome para registrar ativos (in CAMPANA, Felipe Longobardi, e SILVA FILHO Sérgio Quintão, Responsabilização penal da figura do ‘laranja’ pelo delito de lavagem – parte 1 – https://www.conjur.com.br/2024-out-28/reflexoes-sobre-a-responsabilizacao-penal-da-figura-do-laranja-pelo-delito-de-lavagem-parte-1/ – acesso em 03.06.2025). Ocorre que, não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682), esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Frise-se, em especial, que: ficou demonstrado que VITOR não se limitava a abrir contas bancárias em nome das corrés (o que, ao que tudo indica, ocorria com a conivência delas, já que não há qualquer indício de falsificação de procuração, p. ex.), mas também costumava transmitir, em nome de ambas, declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), sendo razoável supor que isto ocorria, também, com o conhecimento delas. Consta dos autos, p. ex., que EDILAINE teria informado, em uma dessas declarações (DIRPF 2012), ter recebido o montante de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) a título de indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho, FGTS (rendimento isento), embora não exercesse nenhuma atividade remunerada, o que indica que ela sabia sobre a necessidade de “camuflar” a origem ilícita dos recursos por ela declarados à Receita Federal. Em relação à corré IZA, chega-se à mesma conclusão, pois, segundo se apurou, DARCY e IZA declararam, entre os anos de 2006 e 2011, terem recebido o montante de R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) a título de rendimentos de pessoa física, sem, contudo, demonstrarem a origem desses valores. ficou evidenciado que, na condição de familiares do auditor fiscal (VITOR), as corrés usufruíram, direta ou indiretamente, de status econômico-financeiro incompatível com a renda legitimamente aferida por VITOR (genro e ex-marido das corrés). Recibos de gastos apreendidos durante busca e apreensão realizada na residência de EDILAINE (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes) revelaram que esta corré gozava de um padrão (financeiro) de vida privilegiado, com gastos elevados. Em diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51, ambos mencionam, p. ex., que EDILAINE (“Tuca”) estaria “indo pra Miami”, bem como que EDILAINE costumava “gastar” muito dinheiro (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? (...) VITOR - Não sei se você sabe, a TUCA tá indo pra Miami hoje à noite. DARCY - Meu Deus do céu! É? VITOR - É, ela vai... DARCY - E as crianças? Vai ficar com quem? VITOR - Então, ela vai ficar fora uma semana e eu vou então lá pra Alphaville hoje. Eu vou ficar lá uma semana. DARCY - Ah, você vai ficar lá? VITOR - Vou... DARCY - Ainda bem, meu! Sabe o que eu pensei? Que ela ia pra lá e ia largar as crianças na mão da... Da IZA lá... Porque eu liguei pra lá agora, ela atendeu e me atendeu muito mal. Mandei chamar a IZA e ela me atendeu mal, sabe? VITOR - Hamhamm! DARCY - Ia só falar com a IZA, aí eu peguei e desliguei. Não dá pra conversar com ela. VITOR - É, então assim... Se você quiser ir pra lá, você pode ir. DARCY - Quando? VITOR - Não, quando você quiser! Qualquer dia... Eu vou tá lá. DARCY - Ela vai hoje e vai voltar quando? VITOR - Só volta na outra quinta-feira. DARCY - Nossa Senhora! Gasta dinheiro, né? VITOR - (Risos)... DARCY - Você paga, né? VITOR - Tô achando bom. Vou ficar uma semana com as crianças. DARCY - Legal, né? VITOR - Pra mim tá ótimo! (...). durante a execução de mandado de busca e apreensão (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes), cumprido em data em que VITOR e EDILAINE já estavam separados de fato e, portanto, morando em residências distintas, foram apreendidos diversos cheques oriundos de propina, isto é, cheques emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina”, sendo que, boa parte desses cheques foi encontrada na residência de EDILAINE, fato que reforça a convicção de que EDILAINE aderiu, conscientemente, ao comportamento criminoso de “lavar” a propina recebida por seu ex-marido (VITOR). Destaque-se que, nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. A propósito, confira-se: (...). Firmada a materialidade do crime de lavagem, resta analisar o elemento subjetivo. Questão que se coloca é a da efetiva ciência dos beneficiários quanto à procedência criminosa dos valores recebidos e à possibilidade do dolo eventual. O dolo eventual na lavagem significa, apenas, que o agente da lavagem, embora sem a certeza da origem criminosa dos bens, valores ou direitos envolvidos quando pratica os atos de ocultação e dissimulação, tem ciência da elevada probabilidade dessa procedência criminosa. Não se confundem o autor do crime antecedente e o autor do crime de lavagem, especialmente nos casos de terceirização da lavagem. O profissional da lavagem, contratado para realizá-la, pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o conhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o serviço realizado e não tem motivos para revelar os seus segredos, inclusive a procedência criminosa específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional. A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio. Assim, parece-me que não admitir a realização do crime de lavagem com dolo eventual significa na prática excluir a possibilidade de punição das formas mais graves de lavagem, em especial a terceirização profissional da lavagem. O caso presente ilustra essa hipótese, pois houve, no caso do PP e do PL, a contratação de empresas financeiras que lavaram o numerário repassado pelas contas das empresas de Marcos Valério de uma forma bastante sofisticada. Ainda que tivessem ciência da elevada probabilidade da procedência criminosa dos valores lavados, é difícil, do ponto de vista probatório, afirmar a certeza dos dirigentes dessas empresas quanto à origem criminosa dos recursos. Sem admitir o dolo eventual, revela-se improvável, em regra, a condenação dos lavadores profissionais. O tipo do caput do art. 1º da Lei 9.613/1998, de outra parte, comporta o dolo eventual pois, em sua literalidade, não exige elemento subjetivo especial, como o conhecimento específico da procedência criminosa dos valores objeto da lavagem. Essa interpretação encontra apoio expresso no item 40 da Exposição de Motivos n.º 692/1996: ‘Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1º, §1º, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou dissimulação da utilização de bens, direito ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo’. A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito. Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro. Na hipótese sub judice, há elementos probatórios suficientes para concluir por agir doloso - se não com dolo direto, pelo menos com dolo eventual (...) – grifo nosso. (STF, Plenário, AP n.° 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 17.12.2012, Public. em 22.04.2013, páginas 1.271/1.273 do Acórdão) Também o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento relacionado à prática do delito de lavagem de dinheiro, já asseverou que a denominada teoria da cegueira deliberada, criação doutrinária e jurisprudencial, preconiza que é possível a condenação pelo crime de lavagem de capitais, ainda que ausente o dolo direto, sendo admitida a punição a título de dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos, a saber, que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento da intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer, quando teria plenas condições de investigar a proveniência ilícita dos bens (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp n.° 1.793.377/PR – 2019/0020620-1, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Julg em 15.03.2022, DJe de 31.03.2022). Em suma, ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos ora apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, cada qual pela prática do delito de lavagem de dinheiro por uma vez (nos termos estabelecidos pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus). INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. Os crimes de lavagem de dinheiro em questão foram praticados por uma pluralidade de agentes, os quais agiram em convergência de vontades (vínculo subjetivo) para a realização de um mesmo tipo penal (unidade delitiva). Trata-se, assim, de hipótese de concurso de pessoas, em que a punição dos envolvidos pode, em tese, variar em função da posição e/ou teoria que, porventura, se adote, especialmente no que diz respeito aos critérios de distinção entre autor e partícipe e à sua punibilidade. As corrés EDILAINE e IZA requereram, em suas razões de Apelação, o reconhecimento de que não teriam atuado como coautoras, mas sim como partícipes de menor importância. Para uma melhor compreensão do tema, cabe sintetizar, brevemente, duas teorias que, baseando-se em critérios de distinção entre autoria e participação, relacionam-se à punibilidade daqueles que praticam crimes em concurso de pessoas, quais sejam: i) teoria monista e ii) teoria dualista. Teoria monista (ou unitária), de acordo com a qual todos os agentes que, de algum modo, contribuíram, em concurso, para o resultado criminoso, deverão, obrigatoriamente, responder pelo mesmo delito. Trata-se de corrente que se aproxima da teoria material-objetiva, pautada no critério subjetivo-causal (equivalência das condições), segundo a qual qualificam-se como autores todos aqueles que, independentemente de praticarem ou não o verbo descrito no tipo penal, contribuem dando causa, de algum modo, mesmo que em graus diferentes, à produção do resultado criminoso. Em suma, trata-se de teoria que se abstém de qualquer diferenciação entre as figuras de autor e partícipe. Para a corrente monista pura, todos os indivíduos que, causalmente e em equivalência de condições, concorrerem para a prática do crime serão, objetivamente, denominados autores (conceito extensivo de autor), podendo haver, somente a posteriori, no momento da fixação da pena, a atribuição de causas limitadoras da punibilidade para “autores de menor relevância”, em função de sua culpabilidade (princípio da individualização da pena). Teoria dualista, a qual sugere a aplicação de tipos penais diversos para autores e partícipes, identificando como autor aquele que pratica (integral ou parcialmente) a ação central tipificada (verbo da conduta criminosa) e como partícipe aquele que pratica ações acessórias, contribuindo para a realização do crime, isto é, auxiliando materialmente ou induzindo/instigando moralmente o autor. Trata-se, pois, de corrente que se apoia nos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria formal-objetiva, segundo a qual qualificam-se como autores apenas aqueles que executam, integral ou parcialmente, a ação legalmente tipificada, bem como qualificam-se como partícipes aqueles que, sem praticar o núcleo do tipo, contribuem para a realização do crime, quer prestando algum tipo de auxílio material ao autor, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Nesse contexto, os autores serão os agentes (executores) principais, enquanto os partícipes serão agentes meramente secundários, para os quais haverá uma previsão típica distinta. Cumpre esclarecer que, no âmbito do direito penal brasileiro, diferentemente do que ocorre em países como a Alemanha, p. ex., não há, no plano da Lei, uma distinção conceitual analítica clara entre autoria e participação. Os artigos 29, 30 e 31 do Código Penal Brasileiro assim dispõem: Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) A leitura isolada do caput do artigo 29 pode, em princípio, levar à conclusão de que todo aquele que se insere na cadeia causal de um crime deve, invariavelmente, ser qualificado como autor, nos moldes do que preceitua a teoria monista (ou unitária) pura, para a qual não há distinção entre autor e partícipe, ficando a quantificação da responsabilidade postergada para o momento da aplicação da pena, em função da culpabilidade de cada agente. Contudo, os dizeres dos parágrafos do artigo 29 e dos artigos 30 e 31 do Código Penal Brasileiro afastam a conclusão de que o legislador pátrio teria adotado um sistema unitário puro, apontando para a adoção de uma espécie de sistema unitário temperado (ou moderado), em que, ao mesmo tempo em que se determina, como regra, a imputação de um único crime aos agentes que agem em concurso (nos moldes do que propõe a teoria monista), faz-se, também, alusão aos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria dualista, conjugando-se, assim, ambas as teorias. Em outras palavras, não obstante tenha-se, como regra, que um único crime deve ser imputado a todos os agentes concorrentes (unidade delitiva), admite-se, a depender do grau de relevância causal da conduta praticada pelo agente, que a ele seja atribuída a condição de mero partícipe, e não, necessariamente, de autor/coautor, o que poderá lhe acarretar consequências mais brandas, caso, p. ex., sua participação seja identificada como de menor importância (inteligência do §1° do art. 29 do CP) ou, ainda, caso seja identificado um desvio subjetivo de conduta (inteligência do § 2° do art. 29 do CP). Nesse cenário, a distinção conceitual entre autor e partícipe ganha relevância, não apenas para fins de se quantificar a pena, mas, inclusive, para fins de se determinar, nos casos concretos, a própria extensão da norma proibitiva. Pois bem. Conforme já se asseverou, o Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Ocorre que, na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. DOSIMETRIA. O cálculo da pena deve atentar-se aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar-se à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi incialmente condenado pela prática dos delitos de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas), peculato eletrônico (por 8 – oito – vezes, referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, referentes à 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) e lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez). No corpo do presente voto, reconheceu-se, de ofício, a ocorrência de prescrição em relação às condutas de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, bem como foram mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática dos delitos de: corrupção passiva, por 3 – três – vezes (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; corrupção passiva qualificada, por 2 – duas – vezes (referentes às 2ª e 7ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; peculato eletrônico, por 8 - oito – vezes, tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. lavagem de dinheiro, por 1 – uma – vez, tendo sido a pena fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. Inicialmente, no tocante ao delito de corrupção passiva qualificada cumpre tecer algumas breves considerações. No crime de corrupção passiva qualificada, o juiz deveria ter partido da pena-base de 2 anos, que acrescida do aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas (sendo que cada uma ensejaria o aumento de 1/12 sobre a pena mínima), resultaria na pena-base de 2 anos e 6 meses de reclusão. Nada havendo a ser valorado na segunda fase da dosimetria e devendo ser reconhecida na terceira fase da dosimetria somente a causa de aumento de 1/3, a pena final deveria perfazer o total de 3 anos e 4 meses de reclusão. Todavia, partiu-se de uma pena-base de 2 anos e 8 meses, pois considerou o aumento previsto no artigo 317, § 1º, do CP, logo na primeira fase da dosimetria. Posteriormente, promoveu-se o aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas, perfazendo a pena de 3 anos e 4 meses, que se tornou definitiva em razão da ausência de critérios da segunda e terceira fases a serem considerados. Assim, como o procedimento levado a efeito pelo juiz não resultou em qualquer prejuízo ao réu, não há necessidade de qualquer reparo quanto à sistemática utilizada para o cálculo da pena do crime de corrupção passiva qualificada. Na primeira fase da dosimetria, foram valorados negativamente, para esses crimes (corrupção, peculato eletrônico e lavagem), três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime). Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VITOR tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fls. 145, 147, 149 e 153 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fls. 145, 147, 150 e 153 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas de corrupção e peculato eletrônico perpetradas por VITOR (auditor fiscal) apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de servidor lotado no setor de “malha fina” (Defis/SP/Sevic/Eqac) da Receita Federal, VITOR era, justamente, um dos responsáveis pela análise e/ou conferência dos dados (falsos) inseridos nas declarações de Imposto de Renda fraudulentamente “liberadas” por ele. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve, portanto, excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo auditor fiscal, justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de corrupção e peculato eletrônico. Quanto à prática do delito de lavagem de dinheiro, contudo, tem-se que o cargo ocupado por VITOR (auditor fiscal lotado no setor de “malha fina” da Receita Federal) não foi, diretamente, utilizado para viabilizar ou facilitar o crime. Em outras palavras, não se vislumbra conexão objetiva entre a função pública exercida por VITOR e o modo pelo qual se deu a prática criminosa da lavagem, razão pela qual a valoração negativa do vetor “culpabilidade” deve ser afastada. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” para os delitos de corrupção passiva, corrupção passiva qualificada e peculato eletrônico, bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, pois tais motivos teriam sido “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146, 147, 150 e 153 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção, o peculato eletrônico e a lavagem de dinheiro sejam crimes contra a Administração Pública e/ou contra a Ordem Econômica, é inegável que todos esses delitos, guardadas as suas peculiaridades (qualificação do agente como servidor público, p. ex.), possuem, também, características de crimes contra o patrimônio, isto é, envolvem expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base dos delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para os delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem. Do quantum a ser majorado. O quantum de majoração correspondente a cada circunstância judicial tida como desfavorável deve mostrar-se adequado à prevenção e reprovação do crime, não se limitando a cálculos aritméticos ou percentuais pré-estabelecidos, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA DOMICILIAR. JUSTA CAUSA OBSERVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. (AgRg no REsp 143.071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). Isso significa que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.595.884/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) No caso em questão, justificar-se-ia, em princípio, a exasperação da pena-base em patamar ainda mais elevado do que o adotado pelo r. juízo a quo. Contudo, em face da ausência de recurso ministerial, não se há de falar em modificação da fração de aumento fixada pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus. Em face do parcial provimento ao apelo de VITOR, as penas-base ficam assim estabelecidas: corrupção passiva: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva (art. 317, caput, do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. corrupção passiva qualificada: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva qualificada (art. 317, §1°, do CP) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa; peculato eletrônico: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. lavagem de dinheiro: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Não houve alteração desses patamares nas segunda e terceira fases da dosimetria, de modo que as penas definitivas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH ficam estabelecidas em: 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos três delitos de corrupção passiva a ele imputados; 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos dois delitos de corrupção passiva qualificada a ele imputados; 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos oito delitos de peculato eletrônico a ele imputados. 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa para um delito de lavagem a ele imputado. Concurso Material x Continuidade Delitiva. Em relação aos delitos de corrupção (três delitos de corrupção passiva e dois delitos de corrupção passiva qualificada) pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 26.03.2013, 08.04.2013, 16.04.2013 – por duas vezes - e 25.04.2013), observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra do concurso material de crimes (inteligência do art. 69 do Código Penal), somando, portanto, as penas a ele imputadas. Já em relação aos oito delitos de peculato eletrônico pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013) observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra da continuidade delitiva, incidindo, portanto, a pena de um dos crimes aumentada de 2/3 - dois terços – fl. 151 – ID 170518759 (inteligência do art. 71 do Código Penal) Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR requereu o reconhecimento da hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, nos moldes do que ocorreu em relação aos crimes de peculato eletrônico. Pois bem. Para a caracterização de crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O artigo 71, caput, do Código Penal assim dispõem: Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (grifo nosso). Ocorre que, no caso concreto, verificou-se a ocorrência de reiteração (ou habitualidade) criminosa, já que as provas amealhadas no curso da “Operação Publicano” revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria adotado, ao longo de anos, como modus vivendi, a prática de fraudar o sistema de arrecadação de imposto de renda da Receita Federal do Brasil, especialmente por meio do cometimento de delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico. In casu, portanto, deve-se considerar que, apesar de haver pluralidade de ações da mesma espécie com modus operandi semelhante, as condutas criminosas foram autônomas e isoladas, cada fato subsumindo-se à norma de maneira singular, sem que o primeiro crime seja causa do segundo, razão pela qual agiu bem o r. juízo a quo ao afastar a hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, fazendo incidir a regra do concurso material. Frise-se que, embora o mesmo raciocínio devesse ser aplicado aos delitos de peculato eletrônico praticados por VITOR, não se há de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Com efeito, não se deve confundir reiteração (ou habitualidade) criminosa com continuidade delitiva. Unificar a pena neste caso significaria um incentivo a esse tipo de comportamento reprovável de eleger a criminalidade como modus vivendi. A ficção jurídica do delito continuado se caracteriza, essencialmente, a partir de uma forma de "prosseguimento ou desdobramento da mesma conduta delituosa", o que é diferente de se praticar uma série de crimes isolados de semelhante espécie. Nesse sentido, já se posicionaram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME CONTINUADO. NECESSIDADE DE PRESENÇA DOS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. REITERAÇÃO HABITUAL. DESCARACTERIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Para a caracterização do crime continuado faz-se necessária a presença tanto dos elementos objetivos quanto subjetivos. 2. Constatada a reiteração habitual, em que as condutas criminosas são autônomas e isoladas, deve ser aplicada a regra do concurso material de crimes. 3. A continuidade delitiva, por implicar verdadeiro benefício àqueles delinqüentes que, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar de execução, praticam crimes da mesma espécie, deve ser aplicada somente aos acusados que realmente se mostrarem dignos de receber a benesse. 4. Habeas corpus denegado. (STF, 2ª Turma, Habeas Corpus n.° 101049, Rel. Ellen Gracie, Julg. 04.05.2010) HABEAS CORPUS. AÇÕES PENAIS. CONDENAÇÕES. CONTINUIDADE DELITIVA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. UNIFICAÇÃO DA REPRIMENDA. REQUISITOS DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. NÃO PREENCHIMENTO. AUSÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. REITERAÇÃO DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva). 2. Constatada a reiteração criminosa, e não a continuidade delitiva, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado. 3. A via estreita do habeas corpus é inadequada para um maior aprofundamento na apreciação dos fatos e provas constantes nos processos de conhecimento para a verificação do preenchimento das circunstâncias exigidas para o reconhecimento da ficção jurídica do crime continuado. Precedentes desta Corte Superior. 4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 128.663 - SP, Julg. em 05.08.2010, Rel. Jorge Mussi, DJe de 13.09.2010) Com tais considerações, mantém-se o reconhecimento da hipótese de concurso material para os delitos de corrupção (corrupção passiva e corrupção passiva qualificada). Fixa-se, pois, para os delitos de corrupção praticados por VITOR a pena definitiva de 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa. Quanto aos delitos de peculato eletrônico, no entanto, observa-se que a r. sentença aplicou a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. No que diz respeito à fração de pena a ser aumentada nas hipóteses de continuidade delitiva, é sabido que a Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos. Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 8 (oito) delitos de peculato eletrônico (em 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013), conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 2/3 (dois terços). Fixa-se, pois, para os oito delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia), bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). As penas definitivas ficam fixadas em: 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa para os delitos de corrução passiva e corrupção passiva qualificada (em concurso material); 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa para os delitos de peculato eletrônico (em continuidade delitiva); 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para o delito de lavagem de dinheiro. A soma dessas penas totaliza 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. VAGNER FABIANO MOREIRA VAGNER FABIANO MOREIRA foi incialmente condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta) e pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida, no bojo da própria sentença, a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição. Em relação ao delito de corrupção ativa (6ª conduta), foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VAGNER tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 155 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por VAGNER apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 155 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 156 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial tida como desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por VAGNER FABIANO MOREIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA foi condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MÁRCIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 159 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por MÁRCIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 159 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 159 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. EDSON FERREIRA DA SILVA EDSON FERREIRA DA SILVA foi condenado pela prática, por duas vezes, de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de EDSON (médico) tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 161– ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Diferentemente dos demais corréus, EDSON não se tratava de um contador (intermediário), mas sim de um contribuinte (médico) que, a fim de reduzir o imposto de renda a pagar, atuou em conjunto com o auditor fiscal VITOR, contatando-o diretamente, para inserir dados falsos no sistema da Receita Federal, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão, por parte de EDSON, a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que os crimes teriam sido praticados para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 161 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 161 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que as pena-bases dos delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticados por EDSON FERREIRA DA SILVA devem ser reduzidas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por EDSON, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 2 (dois) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/6 (um sexto). Fixa-se, pois, para os dois delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos dois delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de FÁBIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 163 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 163– ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por FÁBIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 163 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 163 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA JOSÉ CARLOS SIQUEIRA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de JOSÉ CARLOS tratar-se de “pessoa esclarecida, consultor de vendas” (fl. 165 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que JOSÉ CARLOS desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 165 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 165 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por JOSÉ CARLOS SIQUEIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. CLEIDE MARIA RIBEIRO CLEIDE MARIA RIBEIRO foi condenada pela prática, por três vezes, do delito de peculato eletrônico (5ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de CLEIDE tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 166 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ela, pela profissão que exercia, a de contadora, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fls. 166/167 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas perpetradas por CLEIDE apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contadora, ela tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pela contadora (exercício abusivo da profissão de contadora), justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 167 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 167 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por CLEIDE MARIA RIBEIRO deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por CLEIDE, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 3 (três) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/5 (um quinto). Fixa-se, pois, para os três delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos três delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MAURO SERGIO ARANDA MAURO SERGIO ARANDA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MAURO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 168 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, MAURO SERGIO ARANDA atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que MAURO desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 168 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fls. 168/169 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por MAURO SERGIO ARANDA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES E EDILAINE LOPES SZWARCTUCH IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra do auditor-fiscal VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa do auditor-fiscal VITOR) foram condenadas pela prática de um delito de lavagem de dinheiro. Foram valorados negativamente dois vetores (motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada uma dessas corrés estabelecida em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, para ambas as acusadas, porque “os motivos foram puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos pelo ex-marido” (ou pelo genro) e “amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 170 e 173 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o bem jurídico protegido pelo tipo penal seja a Ordem Econômica, é inegável que a lavagem de dinheiro possui, também, característica de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA e EDILAINE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a ambas. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto para a Administração da Justiça e para a economia na medida em que dificultaram a apuração de enriquecimento ilícito de servidor público, em como reintroduziram na economia, sob o simulacro de licitude, recursos provenientes de infrações criminais” (fls. 170 e 173/174 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR (ex-marido e genro das acusadas), esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base correspondentes às condutas de lavagem perpetradas por IZA e EDILAINE, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. A propósito, a jurisprudência já se posicionou no sentido de que, nos crimes de lavagem, é legítima a valoração negativa das consequências do crime em decorrência da movimentação de expressiva quantia de recursos envolvidos que extrapole o elemento natural do tipo. Nesse sentido, confira-se: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIME ANTERIOR DE PECULATO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. (...). 2. Na espécie, o paciente foi condenado a 6 (seis) anos e 9 (nove) meses, pela prática do crime de lavagem de dinheiro, conforme tipificado no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/1998, com redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 12.683/2012, na forma do art. 71 do Código Penal (seis vezes). 3. Os impetrantes se voltam contra a pena-base fixada pelo Tribunal de origem em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão - acima do limite mínimo de 3 (três) anos previsto no preceito secundário do tipo penal violado -, haja vista a valoração negativa dos motivos, das circunstâncias e das consequências do crime. MOTIVOS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. REELEIÇÃO PARA O CARGO DE GOVERNADOR. PODER ECONÔMICO ORIUNDO DE PRÁTICAS ILÍCITAS. DETURPAÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ELEMENTOS TRANSCENDENTES AO TIPO PENAL VIOLADO. 1. A valoração negativa dos motivos do crime apresenta razões adequadas, uma vez que o intuito do agente não foi o de simplesmente branquear um proveito financeiro advindo de crime anterior para assim usufruir dos valores. O mote também está no desvirtuamento do processo eleitoral, trazendo obscuridade à vontade livre do eleitor, diante da intenção do paciente em reeleger-se para o cargo que ocupava à época, justificativa que se mostra apta ao aumento procedido. Precedentes. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. COMPLEXIDADE DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS. MESCLA DE CAPITAIS LÍCITOS E ILÍCITOS. INVERSÃO NA ORDEM DOS ESTÁGIOS DE BRANQUEAMENTO. ELEVADO GRAU DE REFINAMENTO. REPROVAÇÃO JUSTIFICADA. 1. A maior complexidade das transações financeiras empreendidas pelo paciente e pelos demais corréus na execução dos delitos, dado objetivamente aferido e assinalado pela instância ordinária a partir da interpretação realizada sobre o contexto fático-probatório disponível, constitui argumento eficaz para negativar as circunstâncias do crime. 2. O Tribunal a quo, sem descurar do ciclo normal da lavagem de capitais, considerou mais elevado o grau de refinamento da estratégia idealizada e colocada em prática na execução do crime, inclusive com a mescla de capitais de origem lícita com os de fonte ilícita, bem como com a inversão na ordem dos estágios de branqueamento. Por isso classificou com maior gravidade o modus operandi da infração penal. 3. Não há constrangimento ilegal, haja vista que o distinto grau de sofisticação nos atos específicos de lavagem de capitais justifica a reprovação em face das circunstâncias sob as quais o crime foi praticado. Precedentes. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO VOLUME DE RECURSOS MOVIMENTADOS EM OPERAÇÃO DE LAVAGEM DE CAPITAIS. AUMENTO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. 1. A instância ordinária considerou expressiva a repercussão econômica do crime, que colocou em processo de branqueamento R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), no segundo semestre do ano de 1998, valores que, meramente atualizados, representariam aproximadamente R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais) nos dias de hoje. 2. O grande volume de recursos envolvidos na lavagem de capitais extrapola o elemento natural tipo e constitui razão idônea à majoração da pena-base, visto que, em tal espécie de delito, ‘a elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria’ (AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017). 3. Habeas corpus do qual não se conhece. (STJ, Quinta Turma, HC 518882/MG, Rel. Jorge Mussi, Julg. em 11.02.2020, Dje de 21.02.2020) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. VALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. INEXISTÊNCIA. TRADUÇÃO. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS. NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. LAVAGEM DE CAPITAIS. AUTORIA E MATERIALIDADE. SÚMULA 7/STJ. MOVIMENTAÇÃO DE ELEVADA QUANTIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. ‘A fundamentação per relacionem constitui medida de economia processual e não malfere os princípios do juiz natural e da fundamentação das decisões’. (REsp 1.443.593/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015). 2. Não há ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, na medida em que, da simples leitura do acórdão recorrido, constata-se que as questões apontadas como não enfrentadas foram examinadas e decididas fundamentadamente. 3. Conforme precedente do STF, ‘a tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro só deverá ser realizada se tal providência tornar-se absolutamente "necessária", nos termos do que dispõe o art. 236 do Código de Processo Penal’. (Inq 4146, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2016). 4. ‘No Processo Penal, é imprescindível quando se aventa nulidade de atos processuais a demonstração do prejuízo sofrido em consonância com o princípio pas de nullité sans grief’. (AgRg no HC 396.203/SC, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017). 5. Rever autoria e materialidade do crime de lavagem de capitais, conforme pleiteado no recurso demandaria, necessariamente, reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ. 6. A elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria. Precedente. 7. Agravo regimental parcialmente conhecido, e nessa parte, desprovido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Julg. em 26.09.2017, Dje de 06.10.2017) Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para ambas as acusadas. Do quantum a ser majorado. Observa-se que, em relação a VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (co-autor dos delitos de lavagem praticados por IZA e EDILAINE), o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (culpabilidade, motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Em relação às apelantes (IZA e EDILAINE), entretanto, o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/8 (um oitavo), equivalente a 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Disto resultou a fixação de pena idêntica para os três corréus (de 3 – três - anos e 9 – nove - meses de reclusão e 14 – quatorze - dias-multa), apesar de, para VITOR, ter havido a valoração negativa de uma circunstância judicial a mais (culpabilidade). A fim de se corrigir essa discrepância, determina-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, manteve-se, para IZA e EDILAINE, apenas, a valoração negativa de um vetor (consequências do crime), conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) de cada uma dessas acusadas deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena de cada uma das apelantes para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade atribuída a cada uma dessas acusadas por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos (fls. 171 e 174 – ID 170518759). Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS E DA MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS. Observa-se que, no bojo da r. sentença, o r. juízo a quo decretou a perda, em favor da União, de alguns dos bens e/ou valores apreendidos/sequestrados no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), bem como fixou valor mínimo para a reparação dos danos, nos seguintes termos (fls. 182/183 – ID 170518759): DOS BENS APREENDIDOS Conforme a fundamentação apresentada acima, decreto em favor da União a perda dos seguintes bens: a) imóvel localizado em Alphaville, na Alameda Piava, 248, registrado formalmente em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (‘DARCY’) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (‘IZA’), como objeto de lavagem de capitais; b) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR AURELIO SZWARTUCH (‘VITOR’), EDILAINE LOPES SZWARTUCH (‘EDILAINE’), IZA e DARCY; c) dos valores bloqueados, no total de R$ 1.112.351,34 (R$ 818.588,66 + 108,97 + 1.009,03 + 40.662,26 + 212.744,71 + 39.237,71) em contas de titularidade dos acusados; d) dos valores bloqueados no montante total de R$ 1.615.720,02 (R$ 752.089,50 + 264.104,13 + 264.104,13 + 335.422,26) relativos a planos de previdência. Dos valores acima será deduzida a quantia correspondente a R$ 43.445,18, cujo levantamento foi autorizado, conforme comprova cópia trasladada às fls. 2956/2958. DO VALOR DO DANO Com fundamento no artigo 91, I, do Código Penal, combinado com o artigo 386, IV, fixo como valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), tomado como base, para estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fls.02/34 do apenso I, volume I). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA opôs, então, Embargos de Declaração alegando que a r. sentença teria sido omissa quanto aos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados em contas bancárias de titularidade de VAGNER. Alegou, na oportunidade, que, em face da mínima sucumbência deste corréu, ele faria jus ao levantamento do excesso dos valores constritos, isto é, ao levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. Ao apreciar os referidos Embargos Declaratórios, o r. juízo a quo assim decidiu (fls. 241/243 – ID 170518759): De fato, a sentença não faz menção ao bloqueio de R$ 135.897,95, decretado nos autos do pedido de busca e apreensão (fls. 337-338, 479-484, 551 dos autos da busca e apreensão). A decisão de sequestro foi explícita sobre o objeto da constrição dos bens: ‘suposto valor dos produtos/proveitos do crime e da eventual reparação dos danos (incluindo despesas processuais e penas pecuniárias)’ - fls. 336-v. Especificamente sobre VAGNER, a decisão consigna que a necessidade da constrição cautelar decorria da possibilidade de que VAGNER viesse a ‘se desfazer de seu patrimônio, impedindo, em caso de eventual condenação judicial, a reparação dos danos provenientes das práticas delituosas’ (fls. 338 - destaquei). Vê-se que houve estimativa apenas do valor da pena de multa, mas a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos. A sentença condenatória fixou o valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (fls. 3272-3273). O acusado foi condenado pela prática de corrupção que se relaciona aos danos arbitrados, razão pela qual os valores bloqueados devem ser utilizados para pagamento das custas e pena de multa, enquanto o saldo deve ser objeto de perda em favor da União para pagamento do dano arbitrado na sentença. (...) II) CONHEÇO dos embargos de declaração opostos por VAGNER e os ACOLHO, para sanar a omissão da sentença, que fica acrescida da fundamentação supra e do seguinte trecho no item ‘DOS BENS APREENDIDOS’ (fls. 3272): ‘e) do valor bloqueado no montante de R$ 135.897,95 em contas da titularidade de VAGNER, parte para pagamento das custas e pena de multa, sendo o restante destinado ao pagamento do dano fixado na sentença’. Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou ter havido reformatio in pejus, pois a perda dos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados não foi decretada no bojo da r. sentença, mas sim, tão-somente, na oportunidade em que o r. juízo a quo apreciou Embargos Declaratórios opostos pelo acusado. Reitera, pois, o pedido de que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, seja autorizado o levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. As defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, por sua vez, requereram o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome das apelantes” (fl. 204 – ID 170518682). Pois bem. Observa-se, primeiramente, que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fl. 183 – ID 170518759). Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Em outras palavras, a fixação de valor mínimo para a reparação de danos referentes aos fatos criminosos compreendidos pelo presente feito constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente, para a realização da necessária liquidação. Tal modulação excede os limites cognitivos desta seara criminal. Com tais considerações, determina-se, de ofício, o afastamento da condenação dos acusados a repararem o dano com base no valor mínimo de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), fixado pela r. sentença, tendo-se em vista que o valor mínimo para a reparação de danos constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. Como consequência, afasta-se, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, até que se apure, com precisão, o montante do dano a ser efetivamente reparado, ficando prejudicada, assim, a alegação da defesa de VAGNER no sentido de que teria havido reformatio in pejus. Frise-se que, não obstante se esteja aqui afastando o decreto de perda, em favor da União, dos bens e valores constritos até que se apure o montante efetivamente devido a título de reparação dos danos, as constrições efetivadas devem ser mantidas. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano causado pela prática dos delitos identificados no bojo do presente feito, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Assim, não se há de falar em levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER, já que, como bem asseverou o r. juízo a quo, a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos (fl. 241 – ID 170518759). Note-se que o art. 120 do Código de Processo Penal dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem ou valor, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso. Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, até mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um bem ou valor apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como condenado deve, obrigatoriamente, demonstrar a origem lícita do bem ou valor para que se cogite de seu direito a vê-lo restituído. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. Ante o exposto, vota-se por: afastar, de ofício, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; afastar, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos; julgar prejudicado o pedido, formulado pela defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA, de reconhecimento da ocorrência de reformatio in pejus; indeferir os pedidos de levantamento das constrições formulados pelas defesas de VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES. DISPOSITIVO. Ante o exposto, vota-se por: DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas. É o voto. E M E N T A PENAL E PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO PUBLICANO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CPP COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ARTIGOS 333 E 317, CAPUT, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. ART. 317, §1°, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. ART. 317, §2°, DO CP. PRESCRIÇÃO. PECULATO ELETRÔNICO. ART. 313-A DO CP. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. ART. 325 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI Nº 9.613/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO POR UM ÚNICO DELITO, A DESPEITO DE HAVER PLURALIDADE DE CONDUTAS, SOB PENA DE REFORMATIO IN PEJUS. CONCURSO MATERIAL ENTRE AS PRÁTICAS DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOLO. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DE ALGUMAS DAS CIRCUSTÂNCIAS JUDICIAIS. REDUÇÃO DAS PENAS. VALOR MÍNIMO FIXADO A TÍTULO DE REPARAÇÃO DE DANOS AFASTADO. DECRETO DE PERDA DE BENS E VALORES EM FAVOR DA UNIÃO POR ORA AFASTADO. MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS NO BOJO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR. No bojo da denominada “Operação Publicano”, investigou-se a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. Não se há de falar em nulidade da r. sentença por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. A valoração negativa do vetor culpabilidade fundamentou-se em razões distintas para cada corréu e, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), muito embora tenham sido feitas alusões semelhantes para todos os corréus, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, pois se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas pela Corregedoria da Receita Federal - ESCOR08 e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal - ESPEI) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). As interceptações telefônicas se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida, por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013. Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013. Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER, bem como solicita-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013. Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013, não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER. Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. O fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação. Não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. No tocante à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). A conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Frise-se, ainda, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes. Do diálogo interceptado, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. Embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de de um contribuinte e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de outra contribuinte, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte (médico). Muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. No tocante à 2ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Muito embora se pudesse cogitar, com base nas mensagens e diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de uma contribuinte. Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Muito embora se pudesse cogitar, com base nos diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. PRESCRIÇÃO. Declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada pelos quais havia sido condenado (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia), uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. PECULATO ELETRÔNICO. Para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. No tocante às 1ª e 2ª condutas de peculato eletrônico descritas na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. O Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas, revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções No tocante à 3ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de um contribuinte, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la. No tocante à 4ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF daquele contribuinte e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito. No tocante à 5ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs de três contribuintes, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais os referidos três contribuintes), é firme, com base nas trocas de mensagens interceptadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 dos referidos três contribuintes, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. No tocante à 6ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que um contribuinte teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração daquele contribuinte (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração desse contribuinte. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. PRESCRIÇÃO. Considerando que já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. LAVAGEM DE DINHEIRO. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: a) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; b) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; c) ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. A ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) constitui uma conduta autônoma de lavagem. In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente. Ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. O conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08, quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto ao imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, embora se saiba que VITOR ocultou sua propriedade registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA,) o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006, ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Ademais, apesar de, a partir das informações que constam dos autos, ser possível extrair que a residência situada no terreno foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos revelam, p. ex., que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: i) a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto; ii) a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013. De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. O aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. Para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito”, esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. Ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). O Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. Observa-se que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas. Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Trata-se de questão a ser dirimida no juízo cível competente. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181, ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. DECLARA-SE, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos. AFASTA-SE, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. AFASTA-SE, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos. DETERMINA-SE, porém, a manutenção de todas as constrições efetivadas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor culpabilidade em relação ao delito de lavagem de dinheiro; afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. FAUSTO DE SANCTIS Desembargador Federal
  8. Tribunal: TRF3 | Data: 22/07/2025
    Tipo: Intimação
    PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A Advogados do(a) APELANTE: MARCELA TERRA DE MACEDO - SP381227-A, RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Foram interpostas Apelações pelas defesas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 56 – ID 170518607 e fls. 207/256 - ID170518682), VAGNER FABIANO MOREIRA (fls. 59/85 - ID 170518607), MAURO SERGIO ARANDA (fl. 215 – ID 170518759 e fls. 57/61 - ID 170518682), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (fl. 218 - ID 170518759 e fls. 163/206 - ID 170518682), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (fl. 156 – ID 170518607 e fls. 163/206 - ID 170518682), EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (fl. 219 - ID 170518759 e fls. 263/301 - ID 170518682), FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (fl. 03 – ID 170518607 e fls. 86/93 - ID 170518607), MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (fl. 04 – ID 170518607e fls. 51/55 - ID 170518682), EDSON FERREIRA DA SILVA (fl. 05 - ID 170518607 e fls. 62/65 - ID 170518682), JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (fls. 06/17 - ID 170518607) e CLEIDE MARIA RIBEIRO (fl. 27 ID 170518607 e fls. 157/169 - ID 170518607), em face da r. sentença, proferida, em 10.05.2018 (fls. 58/184 – ID 170518759 e fls. 236/243 - ID 170518759), pelo Exmo. Juiz Federal Silvio Luis Ferreira da Rocha (10ª Vara Federal Criminal de São Paulo-SP), que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para: rejeitar parcialmente a denúncia, para todos os acusados, por inépcia, tão somente em relação às acusações de prática do delito de formação de quadrilha (associação criminosa), previsto no art. 288 do Código Penal (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013). condenar VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), nascido em 24.07.1962, pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), de dois delitos de corrupção passiva qualificada (2ª e 7ª condutas) e de três delitos de corrupção passiva (6ª, 8ª e 11ª condutas) – em concurso material; pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva; pela prática de quatro delitos de violação de sigilo funcional (1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) – em continuidade delitiva; e pela prática de um delito de lavagem de dinheiro, à pena de 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa; absolver VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), por insuficiência de provas, de duas acusações relacionadas à prática de corrupção passiva (3ª e 5ª condutas), de três acusações relacionadas à prática de corrupção passiva qualificada (9ª conduta) e de uma acusação relacionada à prática de violação de sigilo funcional (2ª conduta); absolver DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 02.07.1976, por insuficiência de provas, das acusações relacionadas à prática de três delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª e 4ª condutas), de um delito de corrupção ativa (3ª conduta) e de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), nascido em 12.04.1976, pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, bem como pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição; absolver VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) de acusação relacionada à prática de um delito de violação de sigilo funcional (2ª conduta); condenar MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), nascido em 04.11.1967, pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), nascida em 15.05.1958, pela prática, por três vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (5ª conduta), à pena de 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de três delitos de corrupção ativa (9ª conduta); condenar JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), nascido em 09.02.1963, pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), nascido em 24.07.1981, pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; absolver FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), por insuficiência de provas, de acusação relacionada à prática de um delito de corrupção passiva (5ª conduta); condenar MAURO SERGIO ARANDA, nascido em 08.1.1969, pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta), à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), nascido em 03.10.1964, pela prática, por duas vezes (em continuidade delitiva), de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas), à pena de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), nascido em 01.06.1938, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), nascida em 24.06.1950, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos; condenar EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), nascida em 29.08.1975, pela prática de lavagem de dinheiro, à pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se apurou a suposta existência de quadrilha (associação criminosa), em tese liderada pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializada em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros membros da quadrilha a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, VAGNER FABIANO MOREIRA, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, todos relacionados a escritórios de contabilidade, seriam, também, membros da agremiação criminosa e responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia a DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se apurou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. As condutas criminosas praticadas foram assim descritas, em síntese, na denúncia (fls. 03/38 – ID 170518764): CRIME DE QUADRILHA (art. 288 do CP, antes do advento da Lei n.° 12.850/2013). Narrou a exordial que, pelo menos desde o início de 2011 até o dia 16 de maio de 2013, VITOR, DENIS, VAGNER, MÁRCIO, CLEIDE, SIQUEIRA, DARCY, IZA e EDILAINE associaram-se, em quadrilha, com estabilidade e permanência, para o fim de cometer crimes contra a Administração Pública e de ‘lavagem’ de ativos financeiros (...) – fls. 04/05 – ID 170518764. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA (artigos 317 e 333 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP, por duas vezes): no dia 26.03.2013, às 21h43, por intermédio de mensagem SMS, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que suspendesse o processamento das DIRPFs de quatro contribuintes (“clientes”). Em razão disso, em 01.04.2013, às 12h04 e às 12h06, VITOR, cedendo a tal pedido, efetuou a suspensão da contagem dos prazos relativos às declarações (DIRPF-2012) de dois daqueles contribuintes (Luiz Cesar Nogueira e Andrea Bicudo Leite), ambas retidas em “malha fina”, não o fazendo no tocante aos demais contribuintes, porque estes não possuíam domicílio em São Paulo-SP. - 2ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS (contador), para si, diretamente, em razão de sua função, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luis Fernando, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. - 3ª Conduta - VITOR E DENIS (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 10h48, por meio de trocas de mensagens via telefone celular, DENIS (contador) ofereceu o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a VITOR (auditor fiscal), para que este “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) da contribuinte Daiana. Em resposta, VITOR solicitou, como contrapartida, o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), o que foi aceito por DENIS. - 4ª Conduta – VITOR e DENIS (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 23.04.2013, às 10h45, por meio de conversa telefônica, DENIS (contador) pediu a VITOR (auditor fiscal) que “retirasse da malha fina” a declaração (DIRPF) do contribuinte Chafik, retido em função de deduções com despesas médicas, tendo sido esse pedido prontamente atendido por VITOR. - 5ª Conduta - VITOR, DENIS E FÁBIO (prática de corrupção passiva com concurso de agentes – art. 317, caput, do CP): no dia 21.04.2013, às 14h53, DENIS e FÁBIO (contadores), previamente ajustados com unidade de desígnios e identidade de propósitos com VITOR (auditor fiscal), solicitaram, para eles e para VITOR, diretamente, vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), dos quais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) seriam destinados a VITOR, como contrapartida pela “liberação da malha fina” de duas declarações (DIRPF) relacionadas a pessoa conhecida como Hernan. - 6ª Conduta – VITOR E VAGNER (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput, e 333, ambos do CP): no dia 16.04.2013, às 14h36, VAGNER (contador) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que a declaração (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador fosse “retirada da malha fina”, tendo sido a referida proposta aceita por VITOR. - 7ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva qualificada – art. 317, caput e §1º, do CP): no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula, o que foi feito no dia 17.04.2013, às 13h53, tendo sido a restituição da referida contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. - 8ª Conduta – VITOR E MÁRCIO (prática de corrupção passiva e ativa – artigos 317, caput e 333, ambos do CP): no dia 25.04.2013, às 9h34, MÁRCIO (contador e advogado) prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente no pagamento de valor a ser decidido pelo funcionário público, a fim de que este “liberasse da malha fina” as declarações (DIRPFs) dos contribuintes Emerson Favero e Lilian Martzioros, proposta esta que foi aceita por VITOR. Posteriormente, além de fornecer a MÁRCIO (contador) orientações sobre como elaborar as declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes, VITOR (auditor fiscal) informou que as declarações seriam retidas em “malha fina” e que cobraria R$ 10.000,00 (dez mil reais) para “liberar” a DIRPF de Emerson e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para “liberar” a DIRPF de Lilian. Durante a execução de mandado de busca e apreensão, as DIRPFs/2013 desses dois contribuintes foram apreendidas na residência de VITOR (auditor fiscal). - 9ª Conduta – VITOR E CLEIDE (prática de corrupção passiva qualificada e ativa – artigos 317, caput e §1º, e 333, ambos do CP): no dia 10.04.2023, às 13h45, CLEIDE (contadora), por intermédio de correio eletrônico, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagens indevidas consistentes em pagamentos de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e R$ 6.000,00 (seis mil reais), a fim de que ele “retirasse da malha fina” alguns clientes da contadora, dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide. No dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, VITOR (auditor fiscal) efetuou a “liberação da malha fina” das declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano, mesmo sem emissão de intimações aos contribuintes nem elaboração de dossiês eletrônicos e, no dia 12.06.2012, às 9h45, VITOR “liberou da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de Gerson Gomide. As declarações supracitadas apresentavam deduções elevadas a título de pagamentos de despesas médicas inidôneas ao Hospital Albert Einstein, expediente fraudulento que foi citado por CLEIDE (contadora) na mensagem eletrônica. - 10ª Conduta - VITOR (prática de corrupção passiva privilegiada – art. 317, §2º, do CP): no dia 22.03.2013, às 13h27, VITOR (auditor fiscal), por intermédio do sistema informatizado da Secretaria da Recita Federal, infringiu dever funcional ao alterar o conteúdo da declaração (DIRPF/2012) de Marina Andrade de Campos Maia, o que ocorreu porque VITOR cedeu ao pedido de Eduardo (funcionário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), que, em conversa interceptada no dia 22.03.2013, solicitou a VITOR (auditor fiscal) que efetuasse as alterações necessárias na DIRPF/2012 de Marina. A alteração consistiu na glosa de despesas médicas de R$ 4.251,50 (quatro mil, duzentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos), gerando liberação de restituição de imposto de renda em benefício de Marina. De acordo com a exordial acusatória, era prática comum VITOR elaborar ou modificar DIRPF a pedido de Eduardo, todas relacionadas com supostos funcionários públicos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 14 – ID 170518764). - 11ª Conduta – VITOR (prática de corrupção passiva – art. 317, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 15h46, VITOR (auditor fiscal) solicitou a SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. CRIMES DE PECULATO ELETRÔNICO (art. 313-A do CP). - 1ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h07, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, mediante a afirmação (inverídica) de que EDSON teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2010). No dia 30.06.2010, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2010 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF, bem como “liberou-a da malha fina”, inserindo no sistema as informações mencionadas. Assim, em 01.03.2012, foi disponibilizada a EDSON restituição de imposto de renda no montante de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos). - 2ª Conduta – VITOR E EDSON (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 15.02.2012, às 10h08, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com o contribuinte EDSON, inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, referentes à declaração (DIRPF/2011) desse contribuinte. No dia 12.05.2011, havia sido realizado o bloqueio da DIRPF/2011 de EDSON, sob suspeita de fraude e, em 15.02.2012, VITOR desbloqueou a referida DIRPF/2011, bem como “liberou-a da malha fina”, tendo sido disponibilizada a EDSON, em 01.03.2012, restituição de imposto de renda no montante de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos). - 3ª Conduta – VITOR E FÁBIO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 01.04.2013, às 12h18, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com FÁBIO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2010) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada, ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição de imposto de renda. Segundo consta, poucos dias depois, em 08.04.2013 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, sobre a referida liberação, demonstrando que ambos tinham conhecimento sobre ela. - 4ª Conduta VITOR E SIQUEIRA (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): nos dias 18.03.2013, às 15h11, e 19.03.2013, às 11h53, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com SIQUEIRA (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, a fim de “liberá-la da malha fina”, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Verificou-se, durante conversa interceptada no dia 26.03.2013, que SIQUEIRA (contador) perguntou a VITOR (auditor fiscal) sobre a situação da DIRPF de Marcelo, respondendo VITOR que já havia realizado a sua parte. - 5ª Conduta - VITOR E CLEIDE (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como em 12.06.2012, às 09h45, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com CLEIDE (contadora), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José, Olavo e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações. Após as declarações terem sido “liberadas da malha fina”, foram disponibilizadas, aos contribuintes, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.0800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Segundo consta, CLEIDE (contadora), por intermédio de e-mail enviado em 10.04.2013, prometeu pagamentos indevidos a VITOR para que este “retirasse” seus clientes da “malha fina” e aduziu que preencheria as DIRPFs 2013 da mesma forma que fez no ano passado, com exceção das declarações de Maria José, de Olavo e de Gerson Gomide (fls. 18/19 – ID 170518764), o que demonstra que VITOR e CLEIDE agiam em conjunto ao menos desde 2012. - 6ª Conduta – VITOR E MAURO (crime de peculato eletrônico praticado em concurso de agentes – art. 313-A do CP): no dia 26.04.2013, às 13h44, VITOR (auditor fiscal), previamente ajustado e com unidade de desígnios e identidade de propósitos com MAURO (contador), inseriu dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil referentes à DIRPF/2012 de Henry Luis Fornitano, mediante a afirmação (inverídica) de que este teria comprovado as deduções constantes de suas declarações. Segundo consta, a referida DIRPF havia sido retida em “malha fina” em 10.04.2013 e, em 17.04.2013, MAURO relatou que havia pendência com lançamento referente ao Bradesco Saúde, oportunidade em que VITOR declarou que iria “resolver o problema”. Como resultado, a conduta criminosa gerou, em favor do contribuinte, a restituição de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). CRIMES DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art. 325 do CP). - 1ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 19.03.2013, às 11h18, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à suspensão do Cadastro de Pessoa Física (CPF) de Álvaro Affonso de Miranda Netto (“Doda”) em razão de não ter sido entregue a declaração (DIRPF/2012), fato de que teve ciência em razão de sua função. Durante conversa telefônica entre VITOR e VAGNER, o contador (VAGNER) pediu ao auditor fiscal (VITOR) que pesquisasse no sistema da Delegacia da Receita Federal o motivo pelo qual o CPF de “Doda” encontrava-se suspenso. - 2ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 22.03.2013, às 14h01, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informações sigilosas relacionadas ao sistema de “malha fina” das quais teve ciência em razão de sua função. Em diálogo interceptado, o contador (VAGNER) indagou ao auditor fiscal (VITOR) se rendimentos com aluguéis e royalties poderiam ser lançados na declaração de imposto de renda de pessoa jurídica como sendo “Livro Caixa”, ao que VITOR respondeu que não, porque o sistema da DRFB não aceitava ‘Livro Caixa’ para essa situação, somente sendo permitido no caso de DIRPF (fl. 20 – ID 170518764). - 3ª Conduta – VITOR E VAGNER (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 25.03.2013, às 13h39, VITOR (auditor fiscal) revelou a VAGNER (contador) informação sigilosa relacionada à declaração (DIRPF) de Daniela Bonfá, ex-esposa de VAGNER, da qual teve ciência em razão de sua função. Por meio de mensagem SMS, VAGNER perguntou a VITOR se este poderia acessar a DIRPF de sua ex-esposa e, no mesmo dia, VITOR revelou que a referida DIRPF ainda estava sendo processada no sistema. - 4 ª Conduta – VITOR E ANTONIO (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 03.04.2013, às 15h30, e em 09.04.2013, às 11h55, VITOR (auditor fiscal) revelou a ANTONIO ANGELO FARAGONE informações sigilosas acerca da sociedade empresária KOMPAC SERVIÇOS ENGENHARIA E DESENVOLVIMENTO LTDA, estas relacionadas ao cadastro, identidade dos sócios, patrimônio dos sócios e declarações de imposto de renda, das quais teve ciência em razão de sua função. - 5ª Conduta – VITOR E MARCOS (crime de violação de sigilo funcional – art. 325, caput, do CP): no dia 26.03.2013, às 09h44, 09h46, 09h47 e 09h50, VITOR (auditor fiscal) revelou a MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA informações sigilosas relacionadas a bens imóveis de propriedade do pai, irmão e mãe de MARCOS (Wilma Menin de Avila), bem como da sociedade empresária WILMA MENIN DE AVILA ME, das quais teve ciência em razão de sua função. CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS (art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998, com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012). Narrou a denúncia que, entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013, VITOR, EDILAINE (ex-esposa), DARCY (sogro) e IZA (sogra), agindo com unidade de desígnios e identidade de propósitos, por, pelo menos, 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes, ocultaram e dissimularam a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. Segundo a exordial: VITOR se utilizava dessas pessoas, com o conhecimento delas, para o desiderato de ocultar e dissimular o proveito criminoso das infrações penais funcionais por ele perpetradas (...). Apurou-se, de ato, que VITOR registrava parte de seus bens em nome de seu núcleo familiar. Ocorre que essas pessoas não tinham como comprovar renda suficiente que confirmasse a possibilidade de suportar os bens registrados em seus nomes, razão pela qual VITOR, valendo-se do cargo de Auditor–fiscal lotado no setor de ‘malha fina’ da DRFB, elaborava declarações de imposto de renda fictícias, criando rendas inexistentes, capazes, então, de comprovar o patrimônio declarado. (...) em 2006, VITOR e EDILAINE possuíam um total de recursos disponíveis de R$ 71.253,69 (setenta e um mil, duzentos e cinquenta e três reais e sessenta e nove centavos), sendo que, em 2011, totalizavam o valor de R$ 133.219,35 (cento e trinta e três mil, duzentos e dezenove reais e trinta e cinco centavos). EDILAINE, na DIRPF 2012, a título de ‘indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho; FGTS’, declarou, como rendimento isento, o valor de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais), mesmo afirmando que não trabalhava (...). Não obstante, registre-se que EDILAINE não exercia qualquer atividade remunerada que pudesse justificar todo patrimônio que estava declarado em seu nome (...). Ainda sob esse contexto, observe-se a variação patrimonial dos sogros de VITOR, que declararam recursos disponíveis negativos em 2006 e, no ano de 2011, um saldo positivo de R$ 52.847,76 (cinquenta e dois mil, oitocentos e quarenta e sete reais e setenta e seis centavos) (...). DARCY e IZA declararam R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) como rendimentos recebidos de pessoa física, entre os anos de 2006 e 2011, sem, contudo, demonstrarem a origem dos valores, restando apurado que, em verdade, esses recursos são oriundos dos delitos funcionais levados a efeito por VITOR (...). Em 20/03/2013, às 11:19 (horário inicial), VITOR dialogou com DARCY acerca da abertura de uma conta bancária, indicando que ele era peça fundamental para o cometimento do delito de ‘branqueamento’ de ativos financeiros perpetrado pelo núcleo familiar de VITOR e por outros integrantes da quadrilha (...). Deveras, nova conversa telefônica travada entre VITOR e DARCY no dia 21/03/2013, às 18:52 horas (horário inicial), demonstra claramente que DARCY e IZA possuíam contas bancárias que serviam para a ocultação e a dissimulação dos proveitos dos delitos cometidos pela quadrilha (...). Outro elemento de convicção constante dos autos emerge do diálogo entre VITOR e DARCY, ocorrido na data de 04/04/2013, às 17:07 horas (horário inicial). Nele, os interlocutores conversaram sobre cartões oriundos do Banco Itaú. Ressalte-se que DARCY asseverou a VITOR que chegaram as cartas do ‘nosso’ banco (...). Ainda, tratando das contas bancárias utilizadas pela quadrilha, em 05/04/2013, às 15:55 horas (horário inicial), VITOR conversou com FABIANA, gerente do Banco Itaú Personnalité, no qual VITOR possui uma conta. Na conversa, a gerente ressaltou o volume expressivo de recursos na conta bancária de VITOR, incompatíveis com a sua atividade profissional. Na mesma oportunidade, ela ofereceu um investimento ao denunciado para volume acima de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). O ponto mais importante da conversa é o momento em que VITOR afirma que opera as contas de seus sogros, mesmo sem possuir procuração para tanto (...), o que, mais uma vez, denota a importância do núcleo familiar para o cometimento do delito de ‘lavagem’ de dinheiro. Ainda nessa mesma linha, observe-se o caso do ‘serviço’ prestado em favor de JESUALDO GUEDES PEREIRA FILHO. Em troca da elaboração da DIRPF do particular, com informações inverídicas, VITOR recebeu R$ 2.000,00 (dois mil reais), os quais foram depositados, a pedido de VITOR, na conta n.° 045113-4 (...), pertencente a DARCY (...). Ademais, o ‘e-mail’ enviado por VITOR a MAICEL ANESIO TITTO, outra pessoa que se beneficiava das ilegalidades praticadas pela associação criminosa, no dia 08/04/2013, às 19:06 horas, é mais um demonstrativo de que VITOR se utilizava das contas bancárias de DARCY e de IZA, ambas mantidas no Banco Itaú, (...), sempre com a anuência destes, visando o recebimento de valores provenientes de suas atividades criminosas (...). (...) foi elaborada pela Delegacia da Receita Federal uma relação dos cheques emitidos em favor do núcleo familiar de VITOR e dos contribuintes que tiveram suas declarações de imposto de renda acessadas pelo Auditor-Fiscal (...). Veja-se que foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco do Brasil, o total de 126 (cento e vinte e seis cheques) (...). Por sua vez, foram depositados nas contas pertencentes a DARCY, IZA e EDILAINE, mantidas no Banco Itaú, o montante de 140 (cento e quarenta) cheques (...). A somatória dos valores dos cheques supramencionados ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo que, em relação a todos esses contribuintes, VITOR acessou suas DIRPF no sistema da SRFB para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Além dos cheques supracitados, também foram apreendidos na residência de VITOR outros cheques de clientes da quadrilha, cuja soma alcança a cifra de R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais) (...). Ademais, na execução de mandado de busca e apreensão na residência de EDILAINE, foi apreendida também grande quantidade de cheques emitidos para o pagamento pelos ‘serviços’ da associação criminosa. A soma dos valores lançados nos títulos de crédito aponta para o importe de R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais). Dentre os cheques apreendidos na ocasião, encontram-se (i) cheques nominais ao investigado DENIS, totalizando o valor de R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais); (ii) cheques de contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP (‘internet protocol’) de VITOR (...), cuja soma é de R$ 13.900,00 (treze mil e novecentos reais); e (iii) cheques de contribuintes mencionados pelos denunciados durante as interceptações telefônicas (...), perfazendo o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Todos os cheques foram emitidos à guisa de pagamento pelos crimes cometidos pela quadrilha, em benefício dos contribuintes, sendo os depósitos efetuados nas contas de DARCY, IZA e EDILAINE para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Reforça essa assertiva o fato de que, após a deflagração da ‘Operação Publicano’, os contribuintes Rebeca Maria Filgueiras Moura Sampaio, Luiz Antonio Moura Sampaio e Alberto de Souza Cotrim Filho enviaram à SRFB declarações retificadoras de imposto de renda com um aumento significativo do valor de imposto devido. Por fim, VITOR também se utilizava da aquisição de imóveis no nome de pessoas de seu núcleo familiar para ocultar e dissimular a origem dos valores provenientes dos delitos praticados pela quadrilha. Nesse sentido, em 23/03/2013, às 12:01 horas (horário inicial), VITOR afirmou ao corretor de imóveis LUIS que adquiriu um terreno na Alameda Piava, construindo ali um imóvel, apesar de esse bem estar declarado nas DIRPFs de DARCY e IZA (...). Na conversa, VITOR afirmou que pagou R$650/m2, o que faria com que o valor total da transação fosse de aproximadamente R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Contudo, no registro do referido imóvel, aparece que ele foi adquirido por DARCY e IZA mediante o pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), ou seja, em torno de R$ 240/m2 (...). Portanto, além de VITOR ter registrado o bem no nome de seus sogros, também declarou um valor muito inferior do que o realmente pago, utilizando-se de valores provenientes dos crimes perpetrados pela quadrilha (...) - (fls. 23/35 – ID 170518764). Assim, o Ministério Público Federal denunciou: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes), corrupção passiva (por 5 –cinco – vezes, referentes às 3ª, 5ª, 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 5 – cinco – vezes, referentes às 2ª, 9ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quatro – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas) e violação de sigilo funcional (por 5 – cinco – vezes); 2. DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta), corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 3ª conduta) e corrupção privilegiada (por 3 – três – vezes, referentes às 1ª e 4ª condutas); 3. VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 3 – três – vezes); 4. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). 5. CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora), pela prática dos delitos de formação de quadrilha, corrupção ativa (por 3 – três – vezes, referentes à 9ª conduta) e peculato eletrônico (por 3 – três – vezes); 6. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 7. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 8. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 9. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática dos delitos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (por 267 – duzentos e sessenta e sete – vezes); 10. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador), pela prática dos delitos de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez) e corrupção passiva (por 1 – uma – vez, referente à 5ª conduta); 11. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez); 12. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes); 13. ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma – vez); 14. MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, pela prática do delito de violação de dever funcional (por 1 – uma - vez). Tipificação: art. 288, caput (com redação anterior à Lei n.° 12.850/2013), art. 317, caput e §§ 1 º e 2º, art. 333, art. 313-A, art. 325, caput, todos do Código Penal e art. 1º, V, da Lei n.° 9.613/1998 (com redação anterior à Lei n.° 12.683/2012), c.c. art. 71, caput, do Código Penal. A denúncia foi recebida em 07.01.2014 (fls. 45/52 – ID 170518764). Em 29.08.2014, após a redistribuição do feito nos termos do Provimento CJF3R n.° 417/2014, anulou-se o recebimento da denúncia tão-somente em relação ao acusado VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a fim de que lhe fosse dada a oportunidade de oferecer defesa preliminar, na forma do art. 514 do Código de Processo Penal (fls. 184/186 - ID 170518762). Depois de sopesados os argumentos apresentados, a denúncia foi recebida, em face de VITOR, em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612). Em relação ao corréu ANTONIO ANGELO FARGONE (advogado), os autos foram desmembrados (distribuídos sob n.° 0002347-09.2016.403.6181) e, em 12.09.2016, reconheceu-se a prescrição da pretensão punitiva, tendo sido declarada extinta a punibilidade deste corréu (fl. 54 – ID 170518611). Em relação ao corréu MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, os autos foram desmembrados em 19.01.2017 (distribuídos sob o n.° 0000445-84.2017.6681), em razão da concessão de Habeas Corpus em seu favor. Em relação ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, transitou em julgado, em 14.12.2016, decisão proferida pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no bojo do RHC n.° 75520 - Habeas Corpus n.° 0001857-03.2016.4.03.0000, que reconheceu, para ele, a inépcia da denúncia no tocante ao delito de formação de quadrilha (associação criminosa). O Ministério Público Federal requereu, então, a extensão dos efeitos dessa decisão aos corréus, o que foi deferido pelo r. juízo a quo no bojo da r. sentença, tendo sido a imputação da prática do delito previsto no art. 288 do Código Penal excluída em relação a todos os réus (fl. 83 – ID 170518759). A r. sentença (fls. 58/184 – ID 170518759) julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, determinando: i) para o crime de quadrilha: a rejeição, por inépcia, da denúncia e a correspondente exclusão da imputação da prática desse delito em relação a todos os réus; ii) para os crimes de corrupção ativa e passiva: a condenação dos acusados pela prática das 1ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 2ª, 4ª (exceto DENIS, que foi absolvido), 6ª, 7ª, 8ª, 10ª e 11ª condutas e a absolvição dos acusados em relação às 3ª, 5ª e 9ª condutas; iii) para os crimes de peculato eletrônico: a condenação dos acusados pela prática das 6 (seis) condutas descritas; iv) para os crimes de violação de sigilo funcional: a condenação dos acusados pela prática das 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas e a absolvição destes em relação à 2ª conduta; v) para os crimes de lavagem: a condenação de todos os acusados. Foi determinada, como efeito extrapenal da condenação, a perda do cargo de auditor-fiscal em que estava regularmente investido VITOR AURÉLIO SZWARTUCH. Foi decretada a perda, em favor da União, dos seguintes bens: i) imóvel registrado em nome dos corréus DARCY e IZA; ii) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR, EDILAINE, IZA e DARCY; iii) valores bloqueados em contas de titularidade dos acusados; iv) valores bloqueados relativos a planos de previdência em nome dos acusados. Foi fixada, como valor mínimo para a reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais). Foram condenados: 1. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez), peculato eletrônico (por 8 - oito – vezes, em continuidade delitiva), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, em continuidade delitiva, tendo havido absolvição em relação a uma das imputações), corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas, tendo havido absolvição em relação às 3ª e 5ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas, tendo havido absolvição em relação à 9ª conduta) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas). Para os crimes de corrupção passiva, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva qualificada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de corrupção passiva privilegiada, foram valorados negativamente os mesmos três vetores, de modo que cada pena foi fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Para os crimes de peculato eletrônico, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 2/3 (dois terços) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 4 (quarto) anos e 2 (dois) meses de reclusão de 22 (vinte e dois) dias-multa. Para os crimes de violação de sigilo funcional, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/4 (um quarto) pela continuidade delitiva (vide fl. 240 – ID 170518759), ficando a pena definitiva fixada em 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção. Para o crime de lavagem de dinheiro, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A soma dessas penas resultou em 24 (vinte e quatro) anos e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 162 dias-multa. Houve, ainda, a determinação de perda do cargo de Auditor Fiscal. 2. VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática dos delitos de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta) e violação de sigilo funcional (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva, referentes à 1ª e 3ª condutas). Para os crimes de violação de sigilo funcional, foi reconhecida a extinção da punibilidade do acusado em razão do decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da r. sentença condenatória. Para o crime de corrupção ativa, foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 3. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática do delito de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena, ao final, estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 4. CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 3 –três – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/5 (um quinto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 5. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 6. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 7. MAURO SERGIO ARANDA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 8. EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática do delito de peculato eletrônico (por 2 – duas – vezes, em continuidade delitiva). Foram valorados negativamente três vetores na primeira fase (culpabilidade, motivos e consequências do crime), bem como foi aplicado acréscimo de 1/6 (um sexto) pela continuidade delitiva, ficando a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos; 9. DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 10. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos; 11. EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), pela prática do delito de lavagem de dinheiro (por 1 – uma – vez). Foram valorados negativamente dois vetores na primeira fase (motivos e consequências do crime), ficando a pena definitiva fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e prestação pecuniária de 4 (quatro) salários mínimos. Em suas razões de Apelação (fls. 207/256 - ID170518682), a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682) e tendo-se em vista que houve “decisões diferentes em condutas envolvendo mesmos réus” (fl. 226 - ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) “o juiz não está autorizado a condenar o réu naqueles processos em que o Ministério Público se manifestou pela sua absolvição” (fl. 232 - ID 170518682), razão pela qual o acusado deve ser absolvido das acusações relacionadas aos crimes de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, tendo-se em vista o posicionamento ministerial pela absolvição em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do CPP pela Constituição Federal; iv) em relação à 1ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois a suspensão provisória do prazo é procedimento normal realizado por auditores fiscais, sendo o encerramento realizado de maneira automática quando não há a apresentação de documentos comprobatórios de despesas, não se havendo de falar, portando, violação de dever funcional; v) em relação à 2ª conduta (corrupção passiva qualificada), não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento; vi) em relação à 4ª conduta (corrupção passiva privilegiada), as transcrições não comprovam qualquer ilicitude relacionada à liberação do contribuinte Chafik Kanhouce da “malha fina”, a qual se deu “por trâmite normal” (fl. 237 – ID 170518682); vii) em relação à 6ª conduta (corrupção passiva), há atipicidade, pois o que ocorreu foi mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Afirma que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682); viii) em relação à 10ª conduta (corrupção passiva privilegiada), há atipicidade, pois o réu “agiu de acordo com o que exige a sua função” (fl. 239 – ID 170518682); ix) em relação aos delitos de peculato eletrônico, o próprio órgão acusador posicionou-se pela absolvição de todos os réus. Aduz que todas as condutas são atípicas, já que não existiu inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682); x) em relação aos delitos de violação de sigilo funcional, as 1ª e 3ª condutas são atípicas, pois as informações reveladas pelo apelante não possuíam “nenhuma relevância ou importância, não tendo o condão de serem classificadas como ‘segredo’” (fl. 246 – ID 170518682) e, quanto às 4ª e 5ª condutas, estas “não se referem a sigilo funcional, mas sim a segredo profissional revestido de outro caráter, que é a inviolabilidade da intimidade daquele que tem o segredo revelado” (fls. 246/247 – ID 170518682), de modo que deveria haver a “reclassificação (...) para o previsto no artigo 154 do Código Penal” (fl. 247– ID 170518682), com a consequente extinção da punibilidade do acusado, nos termos do art. 109, V, do CP; xi) quanto ao delito de lavagem de dinheiro, afirma que o que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro; xii), quanto à dosimetria, deve ser afastado o concurso material dos crimes de corrupção, devendo ser aplicada a fração de aumento prevista no art. 71 do Código Penal; xiii) em relação aos delitos de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, deveria ter sido aplicada pena privativa de liberdade ou multa, mas não ambas cumulativamente. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese: i) nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “foram desconsideradas as questões subjetivas de cada agente e de sua participação no delito” (fl. 277 – ID 170518682); ii) nulidade por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente); iii) ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), uma vez que “a apelante não tinha conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682); iv) requer, subsidiariamente, a incidência da causa de diminuição prevista no art. 29, §1º, do CP (participação de menor importância), a fim de que a pena seja reduzida em 1/3 (um terço); v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a majoração da pena em 1/4 (um quarto); vi) deve haver, diante da revisão da pena, a extinção da punibilidade pela prescrição; vii) deve haver, como consequência da extinção da punibilidade, o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome dos apelantes” (fl. 204 – Id 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alega, em síntese: i) que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, foram opostos embargos de declaração pleiteando-se o levantamento imediato do excesso dos valores constritos e que, no entanto, ao apreciar os referidos embargos declaratórios, o r. juízo a quo acabou determinando, em favor da União, a perda da totalidade do valor bloqueado, equivalente a R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos), bem como aduz ter havido reformatio in pejus, pois a r. sentença havia determinado, tão–somente, o pagamento de dez salários mínimos a título de prestação pecuniária; ii) violação ao princípio da congruência, uma vez que a denúncia não imputou a VAGNER a prática de quaisquer dos crimes de violação de sigilo funcional e, no entanto, este acusado foi condenado pela prática de dois desses delitos; iii) ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607); iv) atipicidade da sexta conduta de corrupção narrada na denúncia; v) deve ser afastada, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa dos vetores “culpabilidade”, “motivos” e “consequências do crime”. Em suas razões de Apelação (fls. 57/61 - ID 170518682), a defesa de MAURO SERGIO ARANDA alega, em síntese, que não há provas suficientes do envolvimento do apelante com os fatos criminosos, razão pela qual este deve ser absolvido. Em suas razões de Apelação (fls. 87/93 - ID 170518607), a defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. Em suas razões de Apelação (fls. 52/55 - ID 170518682), a defesa de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 62/65 - ID 170518682), a defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). Em suas razões de Apelação (fls. 07/17 - ID 170518607), a defesa de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA alega, em síntese, que o acusado deve ser absolvido, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607); ii) que não há prova de que a apelante teria concorrido para a prática dos delitos de peculato eletrônico; iii) que o aumento de 1/2 (metade) pela continuidade delitiva se mostrou exacerbado e que deveria ter sido aplicada a fração de aumento mínima de 1/6 (um sexto). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contrarrazões às fls. 21/25 - ID 170518607, fls. 181/196 - ID 170518607, fls. 197/203 - ID 170518607, fls. 204/208 - ID 170518607, fls. 22/45 - ID 170518605, fls. 46/53 - ID 170518605, fls. 54/61- ID 170518605, fls. 62/66 - ID 170518605, fls. 67/71 - ID 170518605 e fls. 72/76 - ID 170518605. Oficiando nesta instância (fls. 87/111 - ID 170518605), o órgão ministerial opinou pela declaração de extinção da punibilidade de Darcy de Oliveira Lopes, pelo transcurso do prazo da prescrição da pretensão punitiva estatal, restando prejudicado seu recurso de apelação; pelo provimento parcial do recurso de apelação de Cleide Maria Ribeiro, apenas para o reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71, CP); e pelo desprovimento dos recursos de apelação dos demais apelantes (fl. 111 - ID 170518605). Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). É o relatório. À revisão. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 11ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-50.2013.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: VITOR AURELIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, VAGNER FABIANO MOREIRA, MARCIO LUIS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, CLEIDE MARIA RIBEIRO, JOSE CARLOS SIQUEIRA, FABIO DE SOUSA MENDONCA, MAURO SERGIO ARANDA, EDSON FERREIRA DA SILVA ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: DARCY OLIVEIRA LOPES Advogados do(a) APELANTE: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: DENILSON MANUSSADJIAN PEREIRA - SP283505-A, SOLON SANTOS SILVA - SP395586 Advogados do(a) APELANTE: AMANDA VIANA CHAVES - SP424263-A, DANIELA CASSANDRA TEIXEIRA IACOMINI - SP342559-A, DANILO MOREIRA DE ARAUJO - SP333620-A, GABRIEL BACAYOCOA BORGES - SP444916-A Advogados do(a) APELANTE: CINTIA MARIA DE SOUZA LIMONGI - SP207662-A, VIVIANE CRISTINA DE SOUZA LIMONGI - SP166633-A Advogados do(a) ACUSADO - PUNIBILIDADE EXTINTA: EVERSON PINHEIRO BUENO GAMA - SP297175-A, MAURICIO TASSINARI FARAGONE - SP131208-A Advogados do(a) APELANTE: RENATA DE CAROLI - SP177829-A, UBIRATAN COSTODIO - SP181240-A Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO CARLOS BORGES PEREIRA - SP150799-A Advogado do(a) APELANTE: ROSA MARIA NEVES ABADE - SP109664-A Advogados do(a) APELANTE: JOAO IBAIXE JUNIOR - SP104409-A, JONATHAN HERNANDES MARCANTONIO - SP372022 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ABSOLVIDO: DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONCA TERCEIRO INTERESSADO: MARCOS RODRIGO MENIN DE AVILA, ANTONIO ANGELO FARAGONE, EDUARDO SICCONE NETO V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: ESCLARECIMENTOS INICIAIS SOBRE O RELATÓRIO. O despacho proferido pelo Exmo. Revisor em 26.05.2025 confirmou o Relatório com ressalvas, nos seguintes termos (ID 325722803): Confirmo o relatório, ressalvando que: i) em vez de absolvição, houve a declaração de extinção da punibilidade de VAGNER FABIANO MOREIRA quanto às imputações de violação de sigilo funcional, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal (ID 170518759, p. 178); ii) o recebimento de denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH se deu em 16.6.2015 (ID 170518612, p. 201). Peço dia para julgamento. Em relação à primeira ressalva apontada, é pertinente esclarecer que o corréu VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) foi denunciado pela suposta prática de 3 (três) delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 2ª e 3ª condutas descritas na denúncia) e que, conforme constou do Relatório (vide item “6”), foi absolvido, por ausência de crime, em relação a uma dessas imputações de violação de sigilo funcional (2ª conduta) – vide fl. 126 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759 – e fl. 240 da decisão que apreciou Embargos de Declaração – ID 170518759). Já em relação às outras duas imputações de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), VAGNER FABIANO MOREIRA foi, incialmente, condenado (vide fls. 123/125 e 126/127 da fundamentação da r. sentença - ID 170518759). Posteriormente, contudo, no corpo da própria sentença (vide fls. 152/153 e 178 da r. sentença - ID 170518759), o r. juízo a quo entendeu por bem reconhecer o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade em relação às três condutas de violação de sigilo funcional, sem se atentar, contudo, à absolvição da 2ª conduta. A página 178 da r. sentença contém, portanto, erro material que, posteriormente, foi corrigido em sede de Embargos de Declaração (fl. 240 – ID 170518759). Ademais, retifico o terceiro parágrafo (item 2) do Relatório. Onde se lê: “pela prática de seis delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, leia-se: “pela prática de oito delitos de peculato eletrônico (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas) – em continuidade delitiva”, tendo-se em vista que a 5ª conduta refere-se à imputação de três delitos de peculato eletrônico. CONTEXTUALIZAÇÃO. O presente feito refere-se à denominada “Operação Publicano”, em que se investigou, por meio de inquérito policial instaurado em 25.02.2013, a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH requereu o reconhecimento da nulidade da r. sentença por violação aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade, uma vez que, na primeira fase da dosimetria, “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Aduziu, também, que deve ser reconhecida a nulidade da r. sentença por ausência de manifestação expressa sobre circunstâncias judiciais de ordem subjetiva (culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente). A esse respeito, cabe esclarecer que não se há de falar em nulidade por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. In casu, a única circunstância de ordem subjetiva avaliada como desfavorável em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi a “culpabilidade”, não se havendo de falar, portanto, a despeito do que se alegou, em nulidade por ausência de manifestação expressa, no bojo da r. sentença, acerca dos vetores “antecedentes”, “conduta social” e “personalidade do agente”. Observa-se que, para os crimes em tese praticados por VITOR (corrupção, peculato eletrônico, violação de sigilo funcional e lavagem), considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” por tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fl. 145 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fl. 145 – ID 170518759). O incremento das penas-base foi, portanto, adequadamente motivado, não se havendo de falar em nulidade. Note-se que a valoração negativa do vetor culpabilidade para outros corréus fundamentou-se em razões distintas, relacionadas às características do exercício da profissão de contador, p. ex., de maneira que, em relação a esta circunstância de ordem subjetiva, não prospera a alegação de que “o magistrado (...) copiou as mesmas alusões atribuídas a todos os corréus” (fl. 221 – ID 170518682). Por fim, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), constou da fundamentação da dosimetria referente ao corréu VITOR, que: i) os motivos dos crimes teriam sido, “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146 – ID 170518682) e que ii) as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Muito embora, na dosimetria de outros corréus, tenham sido feitas alusões semelhantes para fundamentar-se a valoração negativa desses mesmos vetores, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, até porque se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Ante o exposto, não se vislumbram, no corpo da r. sentença, quaisquer vícios processuais que comprometam a sua validade. Eventual manutenção (ou reforma) da decisão de valorar negativamente tais circunstâncias judiciais será analisada oportunamente, no tópico referente à dosimetria da pena. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS COMO MEIO DE PROVA. O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. De seu turno, o inciso XII do mesmo artigo traz uma ressalva a esse direito, ao dispor sobre a possibilidade de, mediante autorização judicial, haver interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas, desde que para fins de investigação criminal ou instrução processual penal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A expressão "último caso", prevista no inciso XII do referido artigo 5º, refere-se tanto às comunicações telefônicas quanto às telegráficas e de dados, porquanto o legislador constitucional empregou a conjunção "e", tendo optado por distinguir entre o sigilo da correspondência e o sigilo das outras modalidades de comunicação: telegráfica, de dados e telefônica. A Lei n.° 9.296, de 24.07.1996, regulamenta, em doze artigos, os requisitos de aplicabilidade e de autorização, bem como o tempo de duração da interceptação telefônica e/ou telemática, além de tipificar como crime o uso desse meio de prova fora dos parâmetros legais. O prazo regular para a interceptação telefônica é de 15 (quinze) dias, contados a partir da efetivação da medida constritiva, isto é, contados a partir de sua efetiva implementação. Passado esse tempo, é possível a prorrogação, sem limite de vezes, mas sempre mediante autorização judicial e comprovação de que a escuta é indispensável como meio de prova. Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência pátria: EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado. (STF, Primeira Turma, HC n.° 106129 MS, Rel. Min. Dias Toffoli, Julg. em 06.03.2012, DJe-061 Divulg. em 23.03.2012 e Public. em 26.03.2012) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO. PRORROGAÇÃO POR MAIS DE 30 DIAS. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais, não ocorrente no presente caso. 2. Segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver sucessivas renovações, desde que devidamente fundamentadas. 3. O Juízo de primeiro grau autorizou o monitoramento das ligações telefônicas por entender que os elementos, já colhidos, demonstravam indícios gravosos de prática criminosa e apontavam para a imprescindibilidade do deferimento da medida excepcional. Posteriormente, prorrogou o prazo das interceptações telefônicas, por concluir que os indícios apurados demonstravam que se tratava de tráfico internacional de cocaína, sendo impossível a utilização de outros meios de prova diante da organização e sofisticação dos criminosos. 4. Habeas corpus não conhecido. (STJ, Sexta Turma, HC n.° 300.768/GO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgado em 16.10.2014, DJe de 06.11.2014) A propósito, a questão ficou pacificada no julgamento de Recurso Extraordinário n.º 625263, tendo sido fixada a seguinte tese (Tema 661): “São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto”. Confira-se: CONSTITUCIONAL E PENAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AFASTAMENTO DO SIGILO DE DADOS TELEFÔNICOS QUE SOMENTE PODERÁ SER DECRETADO, DE FORMA EXCEPCIONAL, POR ORDEM JUDICIAL DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PELO JUIZ COMPETENTE PARA A AÇÃO PRINCIPAL, QUANDO O FATO INVESTIGADO CONSTITUIR INFRAÇÃO PENAL PUNIDA COM RECLUSÃO E DESDE QUE PRESENTE A INDISPENSABILIDADE DESSE MEIO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÕES SUCESSIVAS DESDE QUE DEMONSTRADA A SUA NECESSIDADE DIANTE DE ELEMENTOS CONCRETOS E A COMPLEXIDADE DA INVESTIGAÇÃO, RESPEITADO O LIMITE DE 15 (QUINZE) DIAS ENTRE CADA UMA DELAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. A interceptação telefônica, prevista no art. 5º, XII, da Constituição Federal e regulamentada pela Lei n. 9.296/96, dependerá de ordem judicial (cláusula de reserva jurisdicional) e deverá ser expedida pelo juiz competente para a ação principal, em decisão devidamente fundamentada que demonstre a sua conveniência e a indispensabilidade desse meio de prova (HC 94.028/AM, Rel. Min. CÁMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 29/05/2009; Inq 2.424/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe de 26/03/2010; HC 103.418/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 14/11/2011; HC 96.056/PE Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 08/05/2012). 2. O afastamento do sigilo de dados telefônicos somente poderá ser decretado, da mesma maneira que no tocante às comunicações telefônicas, nos termos da Lei n. 9.296/96 e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão e presente a imprescindibilidade desse meio de prova, pois a citada lei vedou o afastamento da inviolabilidade constitucional quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, não podendo, em regra, ser a primeira providência investigatória realizada pela autoridade policial. 3. Possibilidade de sucessivas prorrogações da interceptação telefônica, desde que demonstrada a necessidade de renovar a medida e respeitado o limite de 15 (quinze) dias entre cada uma delas, sem que exista violação ao art. 5º, da Lei n. 9.296/96. Precedentes da CORTE: RHC 120.111/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 31/03/2014; HC 145.569-AgR/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 28/09/2017; HC 137.820/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Redator para o acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 12/06/2018; HC 130.596-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 30/08/2018; HC 128.755-AgR/PA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 18/02/2020; RHC 192.427-AgR/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 30/11/2020; HC 201.609-AgR/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 17/06/2021; ARE 1.320.336-AgR/GO, Rel. Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe de 29/09/2021; HC 204.378-AgR/MT, Rel. Min. NUNES MARQUES, DJe de 3/2/2022. 4. No caso concreto, diante da demonstração, mínima e razoável, de que a medida era imprescindível para elucidação dos fatos, especialmente se levada em conta as ações criminosas investigadas, não há como declarar a nulidade das decisões que, embora sucintas, estão de acordo com o dever de fundamentação exigido pelo art. 93, IX, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese para o Tema 661: "São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei nº 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações. São ilegais as motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto. (STF, Tribunal Pleno, RE n.° 625263, Rel. Gilmar Mendes, Rel. p/ acórdão Alexandre de Moraes, Julgado em 17.03.2022, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-109, Divulg. em 03.06.2022, Public. em 06.06.2022) Destaque-se que a interceptação telefônica não se confunde com a quebra de sigilo telefônico, uma vez que, no primeiro caso, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, enquanto, no segundo (quebra do sigilo), a única informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas. Além disso, interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação clandestina são medidas distintas. Na interceptação telefônica, nenhum dos dois interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada por um terceiro. Na escuta, um dos dois interlocutores sabe que eles estão sendo gravados por um terceiro. Na gravação, um dos interlocutores é quem grava a conversa. Tanto a interceptação telefônica quanto a escuta precisam, necessariamente, de autorização judicial para que sejam consideradas provas lícitas, o que não se dá em relação à gravação, a qual pode ser feita sem autorização do juiz. Tratando-se a interceptação telefônica de captação de conversa sem que haja o conhecimento dos interlocutores, esse procedimento revela-se um importantíssimo meio de prova em investigação criminal. Exatamente porque o crime organizado tem conseguido agir com elevado poder de detecção de brechas no sistema repressivo estatal, o Estado deve atuar com rapidez e efetividade, conjugando os direitos dos investigados com os princípios da integridade estatal (art. 1º, caput, da Constituição Federal), da promoção do bem de todos (art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e da segurança pública (art. 6º da Constituição Federal) e adotando ações de inteligência para frear esta modalidade criminosa. Contudo, a fim de impedir intromissão desmedida na esfera privada, a autorização de interceptação deve ser balizada pelos princípios da intimidade e da privacidade, da proporcionalidade, da legalidade, da presunção de inocência, do nemo tenetur se detegere - princípio da não autoincriminação, da razoável duração do processo, da inadmissibilidade de provas ilícitas e da instrumentalidade constitucional do processo penal. Nesse contexto, a Lei regulamentadora elencou as hipóteses de não cabimento da interceptação telefônica, quais sejam: i) quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; ii) quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; iii) quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção (inteligência dos incisos I, II e III do art. 2º da Lei n.° 9.296/1996), ressalvando-se, nesse último caso, a possibilidade de se autorizar a interceptação telefônica para apurar crime punível com detenção, desde que conexo com outros delitos puníveis com reclusão. As interceptações telefônicas são consideradas uma das Técnicas Especiais de Investigação (T.E.I.) e guardam simetria com as obrigações assumidas pelo Brasil, por meio da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 1º, “l”, e artigo 11, que prevê a entrega vigiada ou controlada), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo de 2000, cujo artigo 20 versa acerca da entrega vigiada e outras técnicas de investigação como vigilância eletrônica e operações encobertas), da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida de 2003, notadamente artigo 50, que disciplina sobre a entrega vigiada, vigilância eletrônica e outras de mesma índole e as operações secretas, assim como para permitir a admissibilidade das provas derivadas dessas técnicas em seus tribunais), da Recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI/FATF, Recomendação 31) e do Regulamento Modelo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD/O.E.A., artigo 5º), ou mesmo com a legislação nacional (Lei n.º 9.613, de 03.03.1998, alterada pelas Leis n.ºs 10.701/2003, 12.683/2012, 13.964/2019 e 14.478/2022 e pela Lei Complementar n.º 167/2019). O parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996, estabelece que o disposto nesta Lei se aplica à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, de modo que a Lei pode ser empregada para a interceptação de e-mails, de conversas estabelecidas pela internet e por intermédio de programas de computador. Estão inseridas as comunicações por fac símile, messenger, e-mail, whatsapp etc, já que estas são modalidades de comunicações telefônicas e de dados realizadas por sofisticados sistemas fornecidos por operadoras de telefonia (por cabos óticos, torres de transmissão, dentre outros). A evolução tecnológica determinou o tratamento jurídico conjunto dessas duas modalidades, na medida em que a comunicação de dados acaba se valendo da estrutura destinada à comunicação telefônica, sem contar que o legislador constituinte não diferenciou a interceptação das comunicações telefônicas das telemáticas, donde se conclui que a Lei n.º 9.296/1996 deve ser adotada para ambos os tipos de comunicação. Luiz Flávio Gomes, em parceria com Silvio Maciel, definiu: comunicações telefônicas 'de qualquer natureza', destarte, significa qualquer tipo de comunicação telefônica permitida na atualidade em razão do desenvolvimento tecnológico. Pouco importa se isso se concretiza por meio de fio, radioeletricidade (como é o caso do celular), meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, com uso ou não da informática (in Interceptação Telefônica - Comentários à Lei 9.296, de 24.07.1996, 2ª ed. 2013, p. 47, ed. Revista dos Tribunais). Ademais, não se pode esquecer que o procedimento de interceptação telefônica e/ou telemática possui natureza cautelar, cujo propósito é o de coletar elementos para a propositura de ação penal (medida cautelar preparatória) e/ou para a instrução penal (medida cautelar incidental), nos casos em que se cogita da prática de infração punida com pena de reclusão. Assim, sendo certo que a Constituição Federal determina, no inciso IX do artigo 93, a fundamentação das decisões judiciais (todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação), a demonstração do "fumus boni juris" e do "periculum in mora" deverá ficar evidenciada na fundamentação de decisium que, eventualmente, deferir a interceptação telefônica e/ou telemática, já que a importância da fundamentação ultrapassa a literalidade da lei, pois reflete a liberdade, um dos bens mais sagrados de que o homem pode usufruir, principalmente em vista dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana (STJ, HC 248.263/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, v.u., DJe 02.10.2012). Porém, não se exige que a decisão seja demasiadamente pormenorizada, com motivação exaustiva e minudente, porquanto se cuida de procedimento cautelar em que o juiz realiza juízo sumário, analisando os fatos a ele apresentados na representação policial. A fundamentação da decisão que defere interceptação telefônica/telemática deverá demonstrar, tão-somente, a imprescindibilidade do meio de prova pretendido pela autoridade policial e a presença de indícios concretos de autoria e materialidade delitivas, ou seja, de que a pessoa possa estar cometendo crime punível com pena de reclusão, mas não realizar juízo de certeza sobre a culpa do investigado. Em suma, a decisão que defere medida de interceptação de telecomunicações deve conter elementos suficientes para revelar a pertinência do pedido, as razões empregadas na motivação judicial e o suporte legal da medida, de modo a ser possível eventual impugnação pelas partes. É o que basta. Importante destacar, ainda, que não há óbice a que a decisão que defira a interceptação ou que, simplesmente, renove a autorização de interceptação, faça menção, em sua fundamentação, ao pedido inicialmente realizado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, o qual, nesse caso, passará a integrar o decisium (fundamentação "per relationem"), uma vez que propiciará às partes conhecer os fundamentos encampados por aquela decisão judicial. Trata-se de prática já reconhecida como válida pelos Tribunais Superiores (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.º 2007.03.00.103554-3/SP, Rel. Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, v.u., DJU de 29.04.2008, p. 380). Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: é assente nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há que se cogitar em nulidade da sentença por ausência de fundamentação ou ofensa ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, se o juiz, ao fundamentar sua decisão, reporta-se à sentença anteriormente prolatada, ou mesmo ao parecer do Ministério Público, na denominada fundamentação 'per relationem' (STJ, Sexta Turma, AgRg no AgRg no AREsp n.º 17.227/ES, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, v.u., DJe de 08.02.2012). No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao permitir a renovação de autorização de interceptação telefônica a despeito de não terem sido inseridos novos motivos: este Tribunal firmou o entendimento de que 'as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa). O Plenário desta Corte já decidiu que é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996 (STF, Habeas Corpus, n.° 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim). A fim de assegurar-se a lisura de todo o procedimento de interceptação, seu conteúdo integral deverá, oportunamente, ser disponibilizado à defesa (cf. Inquérito n.º 2.424, Relator Min. Cesar Peluso, Tribunal Pleno, STF, DJe de 26.03.2010), sendo desnecessária, contudo, a degravação integral dos diálogos interceptados, mormente daqueles que em nada se referem aos fatos, porquanto a Lei n.° 9.296/1996 não faz nenhuma exigência nesse sentido (STJ, 6ª Turma, HC n.° 278.794, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 07.10.2014). Caso haja alegação de que a transcrição contém alguma imprecisão, deverá a defesa indicar a desconformidade, a fim de que possa ser saneada eventual inconsistência. Neste caso, em havendo solicitação de realização de perícia, tal pedido deverá ser analisado pelo juiz. Cabe mencionar, por último, que, no que diz respeito a pedidos de perícia para identificação de vozes, isto é, para se aferir se as vozes captadas pertencem, de fato, aos acusados, a jurisprudência é uníssona ao se posicionar pela prescindibilidade dessa diligência, já que a Lei n.º 9.296/1996 não prevê a necessidade de submissão dos diálogos gravados à análise técnica fonográfica: AGRAVO REGIMENTAL EM ‘HABEAS CORPUS’ SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE O RELATOR DECIDIR MONOCRATICAMENTE. PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO MANTIDA PELO TRIBUNAL REVISOR E CERTIFICADO O TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE PROCESSUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. PERÍCIA DE VOZ. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. ‘Esta Corte Superior entende que é despicienda a perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, por ausência de previsão legal na Lei n. 9.296/96 e quando puder ser aferida por outros meios de provas, sendo incabível o revolvimento do acervo probatório para fins de identificação do interlocutor ante a Súmula n. 7/STJ’ (HC 541.328/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 13/10/2020, DJe 19/10/2020) (...). (STJ, Quinta Turma, AgRg no Habeas Corpus n.° 649.489/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Julgado em 03.08.2021, DJe de 10.08.2021) – destaque nosso. RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART. 9.º DA LEI N.º 9.296/1996 E AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR. TÓPICOS NÃO EXAMINADOS PELO TRIBUNAL LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PERÍCIA DE VOZ. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (...) 2. No que tange à tese remanescente, o ‘decisum’ vai ao encontro de entendimento pacífico deste Superior Tribunal de ser dispensável a realização de perícia para identificação das vozes captadas por meio de interceptações telefônicas, em razão da falta de previsão expressa na Lei n.º 9.296/1996, bem como da possibilidade de comprovação da autenticidade da voz por outros meios de provas. (...). (STJ, Sexta Turma, RHC n.° 102.679/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Julgado em 14.05.2019, DJe de 24.05.2019) PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. OPERAÇÃO ‘14 BIS’. DESCAMINHO. CORRUPÇÃO ATIVA. CORRRUPÇÃO PASSIVA. FACILITAÇÃO AO DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. PRELIMINARES DE NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, POR EXCESSO DE PRAZO, POR AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS GRAVAÇÕES POR PERITOS, PELA NEGATIVA DE PERÍCIA DE VOZ: REJEITADAS. PRELIMINAR DE NECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA/CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO FISCAL: REJEITADA. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO: PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. MATERIALIDADES DOS DELITOS DO ARTIGO 334, 333, 317 E 318 DO CP COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CAUSA DE AUMENTO DO TRANSPORTE AÉREO CONFIGURADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. INCABÍVEL. PERDA DO CARGO PÚBLICO. ART. 92, CP. APELOS DA DEFESA DESPROVIDOS. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 7. Interceptação telefônica. Afastada a alegação de nulidade por ausência de perícia de voz. A Lei n.º 9.296/96 nada disciplina sobre a necessidade de submissão dos diálogos obtidos por interceptação telefônica à perícia de voz. Precedentes do STJ. Além disso, a conclusão de que as vozes constantes dos áudios pertencem realmente aos acusados é possível ser extraída dos elementos de convicção coligidos nos autos (art. 157 CPP). Registre-se, por fim, que os próprios acusados reconheceram os diálogos interceptados. (...). (TRF3, Primeira Turma, ApCrim n.° 53058 - autos n.° 0009503-34.2006.4.03.6105, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, Julgado em 11.02.2020, e-DJF3 Judicial 1 de 19.02.2020) PENAL. PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DAS PROVAS NÃO VERIFICADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. (...) 5. A Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação das comunicações telefônicas, não possui nenhuma previsão a respeito da necessidade de realização de perícia fonográfica quando da realização das interceptações, sendo que a identificação do acusado pode ser aferida por outros meios de prova, o que torna desnecessária a perícia de voz. (...). (TRF3, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 5010776-85.2019.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Mauricio Yukikazu Kato, Julgado em 28.08.2019, e - DJF3 Judicial 1 de 30.08.2019) DA VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES REALIZADAS NO CASO CONCRETO. Em suas razões de Apelação (fls. 157/169 - ID 170518607), a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO alega, em síntese: i) que a interceptação telefônica e telemática “foi feita de forma ilegal, pois foi a primeira providência tomada para colhimento de provas, quando deveria ser a última” (fl. 161 – ID 170518607). A defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, por sua vez, afirmou que a interceptação telefônica iniciada às 16h36 do dia 16.04.2013 é prova ilícita, pois foi realizada “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682). Aduz, em relação à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, que a conversa interceptada na aludida data foi a única prova que embasou a condenação de VITOR E VAGNER e que, em se tratando de prova ilícita, os acusados devem ser absolvidos (fl. 238 – ID 170518682). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou, em síntese, ilicitude da prova que embasou a condenação pela prática de corrupção ativa, uma vez que esta se refere a conversa interceptada em 16.04.2013, às 14h36, sendo que “qualquer interceptação telefônica, com relação ao corréu VAGNER, ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013, estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). Pois bem. É certo que, para cogitar-se de autorização judicial de interceptação telefônica/telemática, deve haver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão, bem como é certo que, nos termos do art. 2°, II, da Lei n.° 9.296/1996, será descabida essa autorização se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, de maneira que, em se vislumbrando outra forma (menos invasiva) para a obtenção de elementos aptos a comprovar o delito, não se haverá de falar em adoção dessa medida como meio de prova. No caso em questão, contudo, diferentemente do que alegou a defesa de CLEIDE MARIA RIBEIRO, as interceptações telefônicas e/ou telemáticas não foram as primeiras diligências encetadas. As investigações referentes à denominada "Operação Publicano" se iniciaram a partir de apurações realizadas pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), que, por meio de certos parâmetros objetivos, constatou que determinado grupo de contribuintes “da área médica” (grupo homogêneo de profissionais liberais que enviava declarações de um mesmo local), apresentava imposto retido na fonte muito aquém do padrão de rendimentos auferidos como declarados, o que, segundo se verificou, se devia à elevação fraudulenta de despesas com “Livro Caixa”, manobra utilizada para acobertar a emissão de recibos falsos emitidos para dedução de despesas médicas em favor do grupo, tudo com o intuito de diminuir o valor de Imposto de Renda Pessoa Física a pagar (graças à elevação fraudulenta de valores de deduções e de rendimentos isentos). Quando selecionadas para averiguações, tais declarações “levantaram suspeitas de facilitação na liberação da malha” (vide relatório à fl. 05 - ID 170518579). Apurou-se, inicialmente, distintos acessos às declarações suspeitas pelo servidor VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (lotado no setor de “malha fina” – Defis/SP/Sevic/Eqac), bem como constatou-se que o IP 201.87.133.194, utilizado por VITOR para transmitir suas declarações (e de seus familiares), havia sido, também, utilizado para transmitir ao menos doze das aludidas declarações selecionadas por suspeita de fraude. Ao se examinar a evolução patrimonial do auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (e de seu núcleo familiar), concluiu-se pela ocorrência “de variação patrimonial a descoberto no montante de R$ 1.080.353,98 (um milhão, oitenta mil, trezentos e cinquenta e três reais e noventa e oito centavos), decorrente de origens não confirmadas ou com fortíssimos indícios de inverossimilhança” (fl. 89 – ID 170518759), o que revelou fortes indícios de envolvimento do servidor com as fraudes detectadas. Verificou-se, também, que diversas declarações tidas como suspeitas haviam sido transmitidas pelo IP 200.161.88.161, que, aparentemente, estava relacionado a algum prestador de serviços de contabilidade, tendo o servidor VITOR realizado diversos acessos a DIRPFs entregues pelo referido IP, bem como consultado diversas informações fiscais em datas próximas às de transmissão de declarações retificadoras igualmente suspeitas. Após receber relatórios sobre as supostas irregularidades fiscais apuradas pela Corregedoria da Receita Federal (ESCOR08) e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI) – fls. 53/71 - ID 170518766, a Polícia Federal, considerando a gravidade, a complexidade e a sofisticação da atuação criminosa, identificou a necessidade de, para aprofundamento das investigações, afastar-se o sigilo das comunicações telefônicas e/ou telemáticas dos envolvidos, meio que, naquele momento, revelou-se como o único hábil a elucidar os fatos e a possibilitar a coleta de elementos de prova substanciais (fl. 88 – ID 170518766). Interceptações telefônicas de linhas relacionadas aos investigados VITOR e EDILAINE foram, então, regularmente autorizadas pelo r. juízo a quo (em 15.03.2013) e implementadas a partir de 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Com efeito, a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso serve de fundamento para o deferimento de interceptações telefônicas como último mecanismo apto a levar adiante a investigação criminal, dada a dificuldade de, nessas situações, proceder-se à colheita de provas por meios tradicionais: Habeas corpus. 2. Operação Navalha. 3. Interceptação telefônica. Autorização devidamente fundamentada. 4. Gravidade dos delitos supostamente cometidos pela organização e complexidade do esquema que envolve agentes públicos e políticos salientam a dificuldade de colher provas tradicionais. Pedido de interceptação baseado em relatório da Polícia Federal que demonstra envolvimento do paciente. 5. Motivação per relationem. 6. Ordem denegada. (STF, Segunda Turma, HC n.° 118882, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julgado em 10.06.2014, Processo Eletrônico DJe-166, Divulg. em 27.08.2014, Public. em 28.08.2014) - destaque nosso. Em suma, observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). A propósito, a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de considerar legítima a prova obtida por meio de interceptação telefônica quando cumpridos os requisitos exigidos pela legislação de regência: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. RECURSO SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICA. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÕES. POSSIBLIDADE. PRECEDENTES. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DE TODAS AS CONVERSAS GRAVADAS. DESNECESSIDADE. PERÍCIA DE VOZ. INDEFERIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA SOBRE O INTERLOCUTOR. RECURSO IMPROVIDO. (...) II - É legítima a prova oriunda de interceptação de comunicação telefônica autorizada judicialmente, de forma fundamentada e com observância dos requisitos legais: i) existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em ilícito penal; ii) único meio disponível para comprovar o fato investigado; iii) o crime investigado deve ser punido com pena mais gravosa que a detenção. III - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite que a interceptação de comunicação telefônica seja prorrogada, desde que a ordem seja fundamentada e respeite o prazo legal. Precedentes. (...) VII - Recurso Ordinário em Habeas Corpus improvido. (STF, Segunda Turma, RHC n.° 128485, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgado em 25.10.2016, Processo Eletrônico DJe-246, Divulg. 18.11.2016, Public. 21.11.2016) - destaque nosso. No mesmo sentido, seguem outros dois julgados, o primeiro exarado pelo C. Supremo Tribunal Federal e o segundo por esta E. Corte Regional: Habeas corpus. Banco de tecidos musculoesqueléticos clandestino. Venda, guarda e distribuição de tecidos ou parte do corpo humano (arts. 15 e 17 da Lei nº 9.434/97). Investigação criminal. Violação do princípio do promotor natural. Não ocorrência. Inexistência de manipulação casuística ou de designação seletiva pela chefia do Ministério Público. Precedentes. Interceptação telefônica. Nulidade. Não ocorrência. Medida invasiva precedida de atos de investigação. Único meio de se apurar o fato criminoso. Testemunha sigilosa. Depoimento. Nulidade. Inexistência. Necessidade de preservação de sua higidez física ou psíquica, ante o temor de represálias. Inidoneidade do writ para revolvimento desses fatos. Ordem denegada. (...) 4. O afastamento do sigilo das comunicações telefônicas dos pacientes foi precedido de diligências realizadas no curso de uma investigação formalmente instaurada, restando suficientemente demonstrada a necessidade da medida extrema e a dificuldade para a apuração dos fatos por outros meios. 5. É o quanto basta para se legitimar o afastamento do sigilo das comunicações telefônicas (HC nº 114.321/MG, Segunda Turma, Relatora a Ministra Carmen Lúcia, DJe de 19/12/13). (...) (STF, Segunda Turma, HC n.° 136503/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgamento em 04.04.2017, DJe-089, Divulg. 28.04.2017, Public. 02.05.2017) - destaque nosso. PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. 'OPERAÇÃO TRAVESSIA'. PRELIMINAR REJEITADA. VALIDADE DS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. A utilização de interceptação em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96. 2. O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. (...) (TRF3, Décima Primeira Turma, ACR n.° 00000257620144036119 - Apelação Criminal - 67937, Rel. Des. Fed. Nildo Toldo, Julg. em 25.07.2017, v.u., e-DJF3 Judicial 1 de 01.08.2017) - destaque nosso. Inclusive, o C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de assentar a imprescindibilidade da interceptação telefônica, como meio de prova, quando evidenciada a prática de infrações penais via terminais telefônicos, vale dizer, quando o telefone (seja ele fixo, seja ele celular) seja, justamente, o expediente utilizado pelo delinquente para praticar o(s) delito(s) investigado(s), a exemplo do que ocorreu in casu, em que as promessas/oferecimentos e/ou as solicitações/aceitações de vantagens indevidas teriam se dado, conforme descreve a denúncia, via telefone. A propósito: Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico e associação para o tráfico (arts. 33 e 35 da Lei nº 11343/06). Impetração dirigida contra a decisão de negativa de seguimento ao HC nº 286.196/PE no Superior Tribunal de Justiça e contra o acórdão com que a Quinta Turma não conheceu do HC nº 286.219/PE. Não conhecimento da impetração em relação ao primeiro habeas corpus, em razão de não submissão da decisão singular ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Ausência de ilegalidade flagrante no julgamento colegiado do segundo writ. Prisão preventiva. Falta de fundamentação idônea. Não caracterização. Custódia justificada na garantia da ordem pública. Paciente integrante de bem estruturada organização criminosa voltada à distribuição de drogas no Estado de Pernambuco e em seus estabelecimentos prisionais. Gravidade em concreto da conduta e periculosidade do paciente, evidenciadas pelo modus operandi da organização. Excesso de prazo. Complexidade do feito, consubstanciada na pluralidade de réus (15 acusados) e na necessidade de expedição de cartas precatórias para oitiva de 2 (dois) acusados. Notícia constante do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Pernambuco de que a instrução chegou a termo. Prejudicialidade. Precedentes. Alegada ausência de elementos concretos para corroborar a justa causa para a ação penal. Necessário reexame de fatos e de provas não admitido em sede de habeas corpus. Precedentes. Nulidade das interceptações telefônicas pelo não esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova. Não ocorrência. Procedimento devidamente fundamentado. Demonstração inequívoca da necessidade da medida. Utilização de terminal telefônico como meio de comunicação entre integrantes da organização presos e em liberdade para fomentar o tráfico. Alegações de não observância do prazo do § 2º do art. 4º da Lei nº 9.626/96 para a análise do pedido de interceptação telefônica, de supostos vícios formais no mandado de prisão e de excessos em seu cumprimento. Temas não analisados pelas instâncias antecedentes. Dupla supressão de instância configurada, o que impede sua análise de forma originária pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada. (...) 9. Não procede a tese de nulidade das interceptações telefônicas levadas a cabo por não ter havido o esgotamento prévio de todas as possibilidades de produção da prova na espécie. 10. A decisão do juízo processante autorizando o procedimento em questão foi devidamente fundamentada, indicando com clareza a situação objeto da investigação e a necessidade da medida, mormente se levada em conta a notícia de que um dos investigados, de dentro da unidade prisional, utilizava terminal telefônico para se comunicar com os integrantes da organização criminosa e fomentar o tráfico de drogas, atendendo, portanto, a exigência prevista na lei de regência (art. 4º da Lei nº 9.296/96). (...) 13. Conhecimento parcial do habeas corpus. Ordem denegada (STF, Segunda Turma, HC n.° 128650, Rel. Min. Dias Toffoli, Julgado em 20.09.2016, Processo Eletrônico DJe -212, Divulg. em 04.10.2016, Public. em 05.10.2016) - destaque nosso. As defesas alegaram, ainda, que a interceptação realizada no dia 16.04.2013, principal elemento de prova relacionado à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, teria ocorrido “fora da data e feita em linha diversa que constou da autorização judicial” (fl. 238 – ID 170518682), bem como que “qualquer interceptação telefônica com relação ao corréu VAGNER ocorrida antes do dia 18 de abril de 2013 estaria desacobertada de decisão judicial” (fl. 72 – ID 170518607). A esse respeito, cumpre asseverar que as interceptações telefônicas em questão se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida (fl. 69 – ID 270552785), por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013 (fls. 33/47 – ID 270552785 - autos n.° 003435-87.2013.403.6181). Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013 (fl. 79 - ID 270552785). Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), bem como solicitou-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013 (fls. 134/145 – ID 270552785). Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013 (vide o segundo relatório de inteligência policial - fl. 189 – ID 270552785), não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER (fls. 06 e 11 – ID 270552786). Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. Como bem asseverou o r. juízo a quo, o fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação (vide fl. 86 – ID 170518759). DA COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, quanto aos delitos de peculato eletrônico e violação de sigilo funcional, que o próprio órgão acusador se posicionou pela absolvição de todos os réus. Requer a absolvição do acusado, tendo-se em vista o posicionamento ministerial em alegações finais e considerando-se a não recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal. O artigo 385 do Código de Processo Penal assim dispõe: Art. 385: Nos os crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. Não se ignora que, para alguns doutrinadores, o artigo 385 do Código de Processo Penal não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que, supostamente, violaria princípios e/ou parâmetros relacionados ao denominado “sistema acusatório” como, p. ex., os princípios da imparcialidade e da separação entre as funções de “julgar” e “acusar”. Não se deve perder de vista, entretanto, que a Constituição não demarcou, de maneira definitiva, os contornos do modelo acusatório por ela adotado. “Ao atribuir privativamente ao Ministério Público o encargo de promover a ação penal pública, o Constituinte ressalvou, no art. 129, I, que isso deveria ser exercido ‘na forma da lei’, de modo a resguardar ao legislador ordinário alguma margem de conformação constitucional para tratar da matéria, dentro da qual se enquadra a disposição contida no art. 385 do CPP” (STJ, Sexta Turma, Resp n.° 2.022.413-PA – 2022/0035644-0 -, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Ministro Rogério Schietti Cruz, Julg. em 14.02.2023, Dje de 07.03.2023). É inequívoco que, a fim de garantir-se a imparcialidade do julgador, não se pode admitir o início da persecução penal sem que haja a iniciativa do titular do ius puniendi (Ministério Público). Todavia, deve haver, no bojo do processo penal, alguma margem para a iniciativa do magistrado, a fim de, justamente, assegurar-se a realização de um processo justo e igualitário, em observância ao metaprincípio do devido processo legal. É este, p. ex., o objetivo da previsão contida no art. 156 do Código de Processo Penal, a qual faculta ao magistrado determinar, de ofício, a produção antecipada de provas e/ou a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, tendo-se em vista o risco de a busca da verdade ficar, exclusivamente, a cargo das partes. Nesse contexto, não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Ora, caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. Se, por um lado, é inquestionável, à luz dos princípios constitucionais, que o Ministério Público possui autonomia para decidir se vai (ou não) iniciar a persecução penal, por outro, compete exclusivamente ao juiz, de maneira indeclinável e indelegável, “dizer o direito”, de modo que, uma vez recebida a denúncia, mesmo que o órgão acusatório pugne pela absolvição, ao juiz incumbirá, a partir das provas produzidas nos autos, decidir se acolherá ou não esse pedido. Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça já pacificou seu entendimento: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. POSSIBILIDADE DE O JUIZ PROFERIR SENTENÇA CONDENATÓRIA AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO TENHA OPINADO PELA ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte pacificou sua jurisprudência no sentido de que ‘conforme dispõe o art. 385 do Código de Processo Penal, é possível que o juiz condene o réu ainda que o Ministério Público peça a absolvição do acusado em alegações finais. Esse dispositivo legal está em consonância com o sistema acusatório adotado no Brasil e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, que introduziu o art. 3º-A no Código de Processo Penal’ (REsp n. 2.022.413/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 7/3/2023). 2. A análise acerca da alegada violação ao art. 155 do Código de Processo Penal demandaria revolvimento do acervo fático-probatório, desautorizado pela Súmula 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, 6 Turma, AgRg no REsp 2102020/SC - 2023/0369166-3 - Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Julg. em 02.04.2025, DJEN de 08.04.2025) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. MANIFESTAÇÃO DO PARQUET PELA ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO DO MAGISTRADO. OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. ‘Consoante jurisprudência desta Corte, o pedido de absolvição do Ministério Público não vincula o julgador, que decide com base no princípio do livre convencimento motivado, sem que daí se extraia qualquer ofensa ao princípio acusatório’ (AgRg no HC n. 789.674/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 13/2/2023). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 894527/SP - 2024/0065947-7. Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Julg. em 11.02.2025, DJEN de 18.02.2025) Com tais considerações, reconhece-se a recepção do art. 385 do Código de Processo Penal pela Constituição Federal, bem como a validade da r. sentença que condenou os acusados a despeito de, em alegações finais, o Ministério Público ter se manifestado pela absolvição. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA (ARTIGOS 333 E 317 DO CÓDIGO PENAL). O ordenamento pátrio, ao estabelecer a imputação de um mesmo crime a todos os que concorrem para a sua prática (inteligência do art. 29 do Código Penal), adotou, como regra, a teoria monista (ou unitária), à exceção dos raros casos em que o legislador optou por adotar, extraordinariamente, a teoria pluralista, a exemplo dos crimes de corrupção ativa e passiva, em que há tipificações separadas, inclusive em capítulos distintos, para as condutas de oferecer/prometer e de solicitar/receber/aceitar vantagem indevida (inteligência dos artigos 333 e 317 do Código Penal). Embora seja intuitivo, a princípio, supor que, se há um corruptor/extraneus, haverá, necessariamente, um corrompido/intraneus (e vice-versa), a leitura dos artigos específicos revela ser perfeitamente possível vislumbrar-se a ocorrência de corrupção ativa e/ou passiva de maneiras independentes. A corrupção nem sempre é bilateral, senão vejamos: O art. 333 do Código Penal assim dispõe: Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O art. 317, caput, §1º e §2º do Código Penal, por sua vez, assim dispõe: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003). § 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Os crimes de corrupção ativa e passiva tutelam, tanto um quanto o outro, o regular funcionamento da Administração Pública, a moralidade, a impessoalidade e a probidade administrativa, com o propósito de punir a mercancia da função pública. Ambos possuem, em regra, natureza formal, prescindindo do resultado naturalístico para a sua consumação. Admitem, apenas, a forma dolosa, sendo possível vislumbrar-se a possibilidade de tentativa, caso, p. ex., a oferta/promessa ou a solicitação/aceitação de vantagem indevida seja feita por escrito e, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não chegue ao conhecimento do destinatário. Na modalidade ativa (crime comum), a consumação da corrupção se dará no momento em que o particular oferecer/prometer a vantagem indevida (em troca da prática/omissão/lentidão de ato de ofício), independentemente do aceite por parte do funcionário público, bastando que a oferta/promessa chegue ao conhecimento deste. Na modalidade passiva (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada), a corrupção se consumará não apenas em face do efetivo recebimento, mas também da aceitação da promessa ou da solicitação, por parte do funcionário público, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, da vantagem indevida (patrimonial ou não), sendo que, nas hipóteses de aceite/solicitação, a efetiva entrega da vantagem se traduzirá em mero exaurimento do crime. Inclusive, a corrupção passiva não se confunde com o delito previsto no art. 316 do CP, uma vez que, na concussão, o verbo típico previsto é “exigir” (o que é diferente de solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida). O caput do art. 317 do Código Penal, diferentemente dos seus respectivos parágrafos e do art. 333 do mesmo diploma, não cita, em sua literalidade, como elementar do tipo, a expressão “ato de ofício”, razão pela qual doutrina e jurisprudência divergem sobre a indispensabilidade de, para cogitar-se da prática de corrupção passiva, determinar-se qual ato, exatamente, o funcionário público deveria praticar, retardar ou deixar de praticar em troca da vantagem indevida. Enquanto, para alguns, é indispensável a existência de nexo de causalidade entre a solicitação/recebimento/aceitação da vantagem pelo funcionário e a realização de determinado ato funcional de sua competência (ato de ofício), para outros, o tipo penal de corrupção passiva não exige comprovação de que a vantagem esteja, necessariamente, vinculada a "ato de ofício” englobado pelo plexo de atribuições formais daquele funcionário público. Para os adeptos da primeira corrente, não se pode abrir mão da indicação precisa do “ato de ofício” concretamente mercadejado (objeto de transação), o qual deve, necessariamente, ser da competência do agente e/ou estar intrinsecamente relacionado com o exercício de sua função. Já para os adeptos da segunda corrente, o crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada (STJ, 6ª Turma, Recurso Especial n.º 1.745.410 - SP - 2017/0007371-4, Rel. Sebastião Reis Júnior, Relatora para Acórdão: Min. Laurita Vaz, Julg. em 02.08.2018). Em outras palavras, para aqueles que adotam este último entendimento, dentre os quais me incluo, será suficiente, para a configuração da corrupção, que a vantagem seja solicitada/recebida/aceita em razão do cargo ocupado pelo funcionário público, isto é, em razão dos poderes de fato que o seu cargo lhe confere (e não, pura e simplesmente, em razão das atividades formalmente atribuídas àquele funcionário). Ademais, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como coautores ou partícipes pelo crime de corrupção passiva. Se, como consequência da vantagem ou promessa, o funcionário público, infringindo dever funcional, efetivamente praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva qualificada, devendo a pena ser aumentada em 1/3 (um terço) - inteligência do §1° do art. 317 do CP. De outro turno, se o funcionário público, infringindo dever funcional, praticar, deixar de praticar ou retardar ato de ofício porque cedeu a pedido ou influência (social, moral ou econômica) de outrem, porém sem que tenha havido oferta/promessa nem solicitação/recebimento de vantagem indevida, caracterizar-se-á o delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP). Diferentemente da corrupção passiva comum, portanto, as modalidades de corrupção passiva qualificada e privilegiada, previstas nos parágrafos 1° e 2° do art. 317 do Código Penal, possuem natureza material, já que exigem, para a sua consumação, a produção de resultado naturalístico (efetiva prática do ato de ofício que beneficiará o particular). Em relação ao delito de corrupção passiva privilegiada (inteligência do §2° do art. 317 do CP), é relevante mencionar, ainda, que, apesar das semelhanças (inclusive quanto à amplitude das penas), este difere do delito de prevaricação (previsto no art. 319 do CP), especialmente no que diz respeito ao dolo específico (ânimo) do agente, já que, na prevaricação, o agente pratica a conduta para satisfazer interesse ou sentimento próprio (pessoal), enquanto que, na corrupção passiva privilegiada, o funcionário público atua sob a influência e/ou para satisfazer interesse de terceiro. Por fim, é importante destacar que a conduta punida é mercadejar, transacionar, colocar “à venda” atos de ofício em troca de uma contrapartida que não lhe é legitimamente devida nem lhe será entregue pela normal remuneração da profissão. Nesse contexto, existirá crime independentemente de o ato objeto de transação ser regular ou irregular, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto, contrário ou não ao dever do funcionário. Em outras palavras, haverá crime tanto se o agente atuar contrariamente aos deveres do cargo público (corrupção própria) quanto se a vantagem for solicitada/recebida/aceita para a prática de ato regular e legal (corrupção imprópria), pois o que a Lei pretende coibir é o tráfico da função pública, sendo dispensável, para a configuração do delito, que o ato praticado, omitido ou retardado pelo funcionário público seja ilícito. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. No que diz respeito aos crimes de corrupção descritos na denúncia, foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em concurso material, de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas) e corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª (por duas vezes), 4ª e 10ª condutas); VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 6ª conduta); MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de corrupção ativa (por 1 – uma – vez, referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA – ARTIGOS 317, ‘CAPUT’, E 333, AMBOS DO CP (6ª, 8ª E 11ª CONDUTAS). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). Segundo consta, “um conhecido” (ou “cliente/contribuinte”) de VAGNER teve sua declaração (DIRPF 2012) retida em “malha fina” em virtude de deduções com pensão alimentícia, o que deu ensejo a que o contador solicitasse a VITOR (auditor fiscal) o referido “serviço (ilícito) de liberação”, em troca do que VAGNER cobraria, de seu “conhecido” (ou “cliente/contribuinte”), valor em dinheiro a ser, posteriormente, dividido entre ele (VAGNER) e VITOR. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 104 – ID 170518759): VAGNER — Tá, se eu te levar só esse Informe, você consegue liberar para ele? Obviamente que a gente vai cobrar pelo serviço, mas você consegue liberar só com o Informe? Porque está bem evidenciado o CPF da mulher e o valor deduzido do salário dele. VITOR — Sim. Em suas razões de Apelação, as defesas de VAGNER e VITOR requereram o reconhecimento da atipicidade da conduta. De acordo com a defesa de VITOR, teria ocorrido mera consulta técnica a respeito de dúvidas que VAGNER possuía, não se verificando, em nenhum momento, solicitação, oferecimento ou aceitação de vantagem indevida. Contudo, da leitura do diálogo interceptado é possível extrair, com clareza, que foi a promessa de pagamento em dinheiro (vantagem indevida) feita pelo contador (VAGNER) o que, verdadeiramente, motivou o auditor fiscal (VITOR) a dizer sim para o pleito de “liberação da malha fina” daquela declaração. Não se pode esquecer que a referida conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Segundo apurou o Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal - ESCOR08, VITOR, por diversas vezes, entregou DIRPFs a partir do IP instalado em sua casa, as quais foram retidas em malha fina, consultadas por ele no sistema oficial da Receita Federal e retificadas, também por ele, a partir de seu computador pessoal (fl. 12 – ID 270552758). Constou do relatório elaborado pela Receita Federal (ESCOR08), por exemplo, que, por meio de uma das declarações retificadoras entregues a partir de seu computador pessoal, VITOR “transformou o pagamento de R$ 759,08 de imposto de renda em uma restituição de R$ 34.530,90” (fl. 12 – ID 270552785). Note-se, ainda, que, no relatório de inteligência policial apresentado em 28.03.2013, os investigadores mencionam que, durante o primeiro período da interceptação telefônica (de 18.03.2013 a 27.03.2013 - fl. 79 - ID 270552785), VITOR manteve contato frequente, bem como travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER (fls. 100/113 – ID 270552785), o que reforça a versão de que VITOR aceitava, habitualmente, propina em troca do serviço ilícito de “liberação da malha fina” de “clientes” daquele contador. Assim, não restam dúvidas a respeito de ter ocorrido a consumação dos delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP) referentes à 6ª conduta descrita na denúncia. Frise-se, por fim, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de Emerson Favero e Lilian Martzioros. Segundo consta, MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) “colocou à disposição” de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) pagamentos de valores a serem “orçados” pelo funcionário público em troca da “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador (Emerson Favero e Lilian Martzioros). Isto deu ensejo a que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), VITOR (auditor fiscal): i) fornecesse orientações sobre como MÁRCIO (contador) deveria preencher, de maneira fraudulenta (com dados falsos), as aludidas declarações, de maneira a reduzir e/ou isentar o pagamento do imposto devido e a não levantar suspeitas sobre a fraude; ii) informasse a MÁRCIO que tais declarações seriam, de qualquer sorte, retidas em “malha fina”; iii) não apenas aceitasse a promessa de vantagem, como definisse, em conjunto e de comum acordo com MÁRCIO, os exatos valores a serem pagos em troca da “liberação da malha fina” de cada declaração (estabelecidos em R$ 10.000,00 – dez mil reais - para a declaração de Emerson e em R$ 5.000,00 – cinco mil reais – para a declaração de Lilian). A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fls. 108/110 – ID 170518759): MÁRCIO — Oi! VITOR — Então... MÁRCIO — Podemos abrir? VITOR — ‘Vamo’ lá! MÁRCIO — Primeiro ‘vamo’ ... Você quer falar de quem? VITOR — ‘Vamo’ falar do EMERSON, que é o pior caso. MÁRCIO — Tá ... Eu tô com ele aqui. Pode falar... VITOR —Abre a Declaração dele lá nos Rendimentos, tá? MÁRCIO — Hamhamm! Hã... Pode falar! VITOR — Então, primeira correção. Na Unimed Paulistana... MÁRCIO — Hã! VITOR — Você jogou 61.066... Tá? MÁRCIO — Tá VITOR - o valor correto... Anote! MÁRCIO —Paulistana... Tá .. Cinquenta e.. Eu tinha 61.066,69...O correto... VITOR — O correto é 58... MÁRCIO — 58... VICTOR - 122... MÁRCIO -122... VITOR - ... e 90. MÁRCIO — 90. VITOR — O resto não mexe. MÁRCIO — Tá! VITOR —Acrescenta aí fonte pagadora. MÁRCIO — Pode falar. VITOR — Puta, eu vou ter que ver pra você quem é essa fonte, né? Você não vai... Vai saber. MÁRCIO —Se você me der o CNPJ eu puxo. VITOR — Ou eu vejo aqui para você...Para agilizar, né? Fazer valer os meus HONORÁRIOS... MÁRCIO — (Risos) (...) MÁRCIO - Não, não vai dar não. Não vai dar não... Vai dar 31.000 aqui. VITOR — 31 mesmo? MÁRCIO — Porque é o seguinte... Já pagou 6. VITOR — Como pagou? MÁRCIO — Já foi retido 6.000,00. VITOR — Hã! Não, tá Beleza! Aí você vai fazer o seguinte, você vai por livro-caixa pra esse cara até dar alguma coisinha pra ele pagar. Você não vai me puxar uma restituição nesse cara, que você vai me foder. MÁRCIO — Não, tá... Até pagar. VITOR — Sei lá quanto que vai dar esse livro-caixa... Vai dar uns... 100 mil? Depois você faz. Você pode jogar, assim, um valor cheio... MÁRCIO — Hum! VITOR — 100 mil é o suficiente? Depois você divide mês a mês. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Vê aí... 100 mil bate? Já zera? MÁRCIO — Não, não consigo fazer agora. Esse aqui é o único que eu tenho... É...É ... Aqui. Tá num ‘pendrive’ na minha casa. Só que eu tenho ele aqui em texto e cópia. VITOR — Tá você vai... Então você vai colocar ... Hã... Hã... O livro- caixa. Tem que dar alguma coisinha pra ele pagar. Tá bom? MÁRCIO — Tá uns 1000 ... 1500 reais? VITOR — Nem precisa ser tanto! Põe R$ 200,00 pro cara pagar. MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Ele vai cair em malha, tá? Hã... Aí, depois... Então, pra eu liberar da malha eu vou cobrar então uns 10. Tá bom? MÁRCIO — Tá... Perfeito. VITOR — Bom, ‘vamo’ na outra: LILIAN. MÁRCIO — Hã! VITOR — É ... A LILIAN vai ser a mesma coisa. É (...) você vai ter que colocar despesas que ela realmente tem, tá? Porque do jeito que tá, você não jogou lá valores nem nada. MÁRCIO —Não, só tem... só tem duas despesas. VITOR — É, para nós assim... não... não... não faz diferença, Tá? Nós vamos fazer... vai cair em malha também, nós vamos fazer o mesmo jogo do livro-caixa. Você vê ... aí... aí tá dando ... É você vai diminuir as despesas médicas, sei lá, vai dar... Sei lá! 15.000... 16.000... O que que a gente pode fazer nisso? Eu acho que... Esse caso é... Eu cobraria dela 6. MÁRCIO — Tá! VITOR — E nos podemos fazer o seguinte... Nós podemos... Você...Você... Vai por o que ela realmente tem de despesa, você aumenta esse livro-caixa. MÁRCIO — Certo. VITOR — Você pode aumentar esse livro-caixa até dar uma restituição para ela de 5.000. MÁRCIO —Até 5.000. VITOR — E eu cobro 6. Ou então... Ou então... Se você quer fazer... Pode dar uma restituição para ela de 6... MÁRCIO — Tá bom! VITOR — Que aí, é o valor do meu honorário, ela não vai gastar nada. MÁRCIO — Tá faz 5 pra mim cobra 6, meu! VITOR — Tá bom! Tá bom! Faço... (...) MÁRCIO — Tá... VITOR —Aí, então fica 5 pra essa... Fica 10 pro outro ... É ... Como é que você quer fazer? Hã... Você vai conversar com ele, você vai transmitir e aí eu te provo que tá em malha... Não precisa provar, você vê pelo sistema... Porque vai aparecer ‘em processamento’. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alega a respeito dessa 8ª conduta, enquanto a defesa de MÁRCIO alega, em síntese, que o acusado “apenas mantinha relação profissional com VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, haja vista ser advogado da família” (fl. 53 – ID 170518682) e que as conversas interceptadas “traduzem meras consultas feitas pelo então réu a VITOR, que detinha ‘expertise’ em imposto de renda” (fl. 54 – ID 170518682). Aduz que “os diálogos não apresentam qualquer oferecimento de valores por parte do ora apelante, mas sim exigência de honorários por parte de VITOR, caso fosse finalizada a consultoria” (fl. 54 – ID 170518682). Contudo, da leitura do trecho de diálogo aqui transcrito, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Frise-se que, para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. In casu, é inequívoco que, durante a conversa ora mencionada, MÁRCIO se comprometeu, ainda que implicitamente, a entregar a referida vantagem financeira, ou seja, que houve corrupção bilateral, tendo ambos os acusados agido dolosamente para praticar os delitos de corrupção passiva e ativa (artigos 317, caput, e 333, ambos do CP). Note-se, por fim, que embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Emerson Favero e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de Lilian Martzioros, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) do contribuinte (médico) Rodrigo José Castro Sepetiba. Extrai-se do conjunto probatório que VITOR (auditor fiscal) e JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), durante acerto prévio, teriam combinado a “liberação da malha fina” e a viabilização da restituição de cerca de R$ 46.000,00 (quarenta e seis mil reais) em favor do contribuinte Rodrigo Sepetiba, cliente do contador (SIQUEIRA), o que, contudo, ocorreria sob a condição de VITOR receber, como “garantia”, um cheque daquele cliente/contribuinte no valor da propina acordada. Assim, durante conversa travada em 26.03.2013 (interceptada às 15h46), VITOR solicita a SIQUEIRA, expressamente, a entrega do referido cheque (vantagem indevida) e, ao ser informado por SIQUEIRA que Rodrigo Sepetiba “só usa cartão”, os interlocutores combinam que o contador (SIQUEIRA) entregaria ao servidor (VITOR) “um cheque seu” como “garantia”. A transcrição do referido diálogo é a seguinte (fl. 115 – ID 170518759): SIQUEIRA — Oi! VITOR — Oi, Siqueira. Eu já saí do serviço... É ... Lá não dava para conversar direito.... Você falou que o ... O... Tá tudo resolvido lá... Como é o nome do cara? SIQUEIRA — Rodrigo Sepetiba. VITOR— Sepetiba! Cê tá... Tá resolvido... Você pegou um cheque na mão? SIQUEIRA — Ele não tem cheque. Ele só usa cartão. VITOR — Não, e aí? SIQUEIRA — E aí você quer um cheque meu? Eu dou procê. VITOR — Eu preciso de uma garantia naquele valor. SIQUEIRA — Não, pode ficar tranquilo. Ele tá me devendo já desde o ano passado. VITOR — Porque é assim, não é só você... Que garantia você tem que ele vai te pagar? SIQUEIRA —Eu conheço o cara há mais de 20 anos. VITOR — Hã! Porque se ele não te paga, você vai chegar para mim e vai falar: Ó SIQUEIRA — Ele nunca ficou me devendo. Só no ano passado que ele não pagou. VITOR — É... SIQUEIRA — Porque não fiz a Declaração dele. Então não é que ele não me pagou. Ficamos elas por elas. Entendeu? Aí eu fiz um acordo com ele: Tá bom, então não precisa me pagar não. Quando sair a restituição, você paga. Ele falou: Fechado! Então foi um acordo das duas partes. Entendeu? VITOR — E, eu... Eu não gosto muito dessa situação, porque você até pode falar... SIQUEIRA —Não, mas aí... Você vai... Você vai receber o 16 e mais o 30, cara! VITOR — Não, não vejo problema! Assim... Eu fico pensando se ele não te paga, você vai chegar pra mim e falar ‘Ele não pagou’, né? Não é nem... nem falta de confiança em você. Não é isso não. É no cara mesmo que o valor é muito grande para ele, né? SIQUEIRA - Não, mas ele...mas acontece que o ano retrasado também ele recebeu restituição alta. Lembra? VITOR — É... Bom... SIQUEIRA — Talvez a gente.... (Incompreensível) VITOR — Tá você..., você então me dá um cheque seu? SIQUEIRA — Claro! Sem problema! VITOR — Tá... Tá bom! Então ficamos combinados assim. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 11ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, tendo-se em vista o evidente teor ilícito das tratativas realizadas, tendo havido, inclusive, expressa solicitação, por parte de VITOR, de um cheque assinado pelo contador (SIQUEIRA) em troca da viabilização da restituição do contribuinte Rodrigo Sepetiba, não poderia ser outra a conclusão senão a de que, também nessa ocasião (correspondente à 11ª conduta), VITOR praticou o delito de corrupção passiva. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática de 3 (três) delitos de corrupção passiva (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), bem como devem ser mantidas as condenações de VAGNER FABIANO MOREIRA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 6ª conduta), e de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, pela prática de 1 (um) delito de corrupção ativa (referente à 8ª conduta). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA – ART. 317, CAPUT E §1º, DO CP (2ª e 7ª condutas). No tocante à 2ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Segundo consta do Relatório de Inteligência Policial RIP n.° 02/2013 fl. 219 – ID 270552785), policiais federais diligenciaram, em 28.03.2013, no endereço da empresa de contabilidade de nome CONFITEC CONTABILIDADE LTDA (DHF ASSESSORIA CONTÁBIL & FISCAL), onde trabalhava o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, uma vez que, conforme tinha apurado o Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal (ESPEI), um grande volume de declarações tidas como fraudulentas havia sido enviado por meio do endereço de IP pertencente à CONFITEC. Consta que, por volta das 11h, os policiais federais avistaram o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e o contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA juntos, conversando “na varanda do piso superior do referido imóvel” (fl. 219 – ID 270552785), onde permaneceram alguns minutos, tendo, na sequência, retornado para o interior do imóvel (vide fotografias acostadas às fls. 219/221 – ID 270552785). Depois disso, apurou-se ter havido, no dia 01.04.2013, diversas trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e DENIS com o seguinte teor (fls. 222/229 – ID 270552785): SMS: Mande os cpf p/ suspender urgente. SMS: Recebeu esta no cel. SMS: Oi, segue alguns casos para v suspender: 565.156.267-20 luiz 983.122.518-04 neusa 523.069.258-87 Oridio 160553.258-45 Andrea bicudo, essa médica é da li. SMS: Troquei de aparelho e perdi sorry. (...) SMS: (...) até de 2010 sua. Depois me ligue ok. SMS: Te enviei agora. SMS: Recebeu? SMS: Ok. SMS: Show. SMS: Neusa e oridio são de outra jurisdição. SMS: Já estão em são Paulo. SMS: Não estão. Vc altera end c/ ID 2013. SMS: Vou alterar agora. SMS: Ok. Na sequência, em ligações interceptadas às 9h52 e às 9h57 do dia 04.04.2013, DENIS e VITOR mencionam, expressamente, o nome do contribuinte Luiz Fernando Rubira Gatto, um dos clientes do contador DENIS (fls. 230/231 – ID 270552785): VITOR: ‘Digue’ lá! DENIS: Preciso de um recibo aí, você consegue pra mim aí? VITOR: Claro, filho! Pode falar o CPF. (...) VITOR: Cícero Davi...Oh, o Davi! DENIS: É...você conhece ele. VITOR: Davi...2011...2011, base 10, Certo? DENIS: Certo. (...) DENIS: (Inaudível) também? O cara tá enchendo a minha paciência. É o Luis Gatto (inaudível). Não tem nenhuma pendência não, só mesmo as despesas. VITOR: É... DENIS: Você quer o CPF dele pra você ver aí? VITOR: Fala aí. DENIS: Pera aí, Vitão...o cara já para de me seguir (inaudível). VITOR: esse Davi já caiu em malha 2013, em omissão de rendimentos, viu? Alô! (...) DENIS: Você consegue puxar e ver? É Luis Fernando Rubira Gatto. VITOR: Luis com ‘S”? DENIS: É! VITOR: Luis... DENIS:... Fernando Rubira Gatto. VITOR: ...Fernando...Isso eu já descubro. Rubira...acho que isso já é suficiente. É! Fernando Rubira Gatto. Achei! Tá aqui. DENIS: Ah, é? Deu aí? VITOR: Humhumm! DENIS: você libera esse (inaudível). (...) VITOR: e aqueles outros casos. Você já retificou? Alô (cai a ligação). VITOR: Alô! DENIS: Oi, meu sinal tá ruim, viu! (...) VITOR: É, é...eu já liberei, tá? DENIS: Beleza pura! VITOR: Esses dois, o DAVI e o LUIS já estão em malha 2013. DENIS: eu sei! Eu sei! É...(inaudível) VITOR: Oi? DENIS: Luis Gatto fez 2013? VITOR: Fez. DENIS: Ah, ele fez? VITOR: Ele tem omissão de rendimentos. DENIS: 2013, né? Ele já fez, então? VITOR: Já. DENIS: Tá legal, bacana! te falar que tá tudo certo. Porque ele deu uma estressada comigo...ah, então ele já fez. Tá legal. Azar o dele. Beleza! (...) VITOR: Nós estamos falando de quem? Do Luis Rubira Gatto, né? DENIS: É. Já fez 2013? VITOR: Já fez. O Davi também. Só que os dois “tão” em malha. DENIS: Legal! Beleza...Tranquilo! VITOR: Tá bom? DENIS: Beleza pura! VITOR: Ok! DENIS: Falou, velhão. Depois te ligo aí. Abraço VITOR: Falou, tchau! DENIS: Tchau, tchau. Repare que, durante o referido diálogo (travado em 04.04.2013) VITOR, ao que tudo indica se referindo à declaração de Luís Fernando Rubira Gatto, diz: “eu já liberei, tá?” (fl. 230 – ID 270552785). Em face desses indícios, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que, às 9h46 do dia 04.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) do contribuinte Luís Fernando Rubira Gatto (cliente do contador DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA), sob a justificativa formal de que o contribuinte havia apresentado comprovação das deduções pleiteadas ou demonstrado sua admissibilidade, o que, de acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), teria sido feito de maneira flagrantemente irregular, isto é, sem a elaboração de dossiê eletrônico em nome do contribuinte e sem que tenha havido atendimento presencial (vide fls. 178/181 e 204 – ID 270552801). Além disso, quatro dias depois (em 08.04.2013), VITOR (auditor fiscal), valendo-se do endereço eletrônico titoreceita@yahoo.com.br, enviou um e-mail ao contador (DENIS), no corpo do qual solicitou, expressamente (e por escrito), como contrapartida pela referida “liberação da malha fina” (ocorrida em 04.04.2013), o pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais). A transcrição do referido e-mail enviado por VITOR ao contador (DENIS) é a seguinte (fl. 101 – ID 170518759): Chequei as declarações fechadas de 2012 e não encontrei o Luís Fernando... eu já liberei, então vc. Me deve r$ 4 mil. Muito embora, em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR alegue que não se há de falar em tipicidade e/ou causa de aumento em relação à presente conduta (2ª conduta descrita na denúncia), os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva em sua forma qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) da contribuinte Jane Paula Silva Ferreira (CPF: 168.826.978-92). Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Segundo consta, VAGNER (contador) disse a VITOR (auditor fiscal), em diálogo interceptado no dia 16.04.2013, às 14h46, que a DIRPF 2012 de Jane Paula (cliente daquele contador) teria sido retida em “malha fina”. Informado por VAGNER (contador) de que este cobraria, de sua cliente, a título de honorários pelo serviço de “liberação da malha fina”, valor correspondente ao da restituição do imposto de renda, equivalente a cerca de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais), VITOR solicita, para si, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais). VAGNER diz, então, que ficaria com restante do montante a ser restituído no mês seguinte (cerca de R$ 1.500,00 – mil e quinhentos reais), caso a contribuinte (Jane Paula) aceitasse a proposta. A transcrição de parte do referido diálogo é a seguinte (fls. 88/89 - ID 270552786 e fl. 106 – ID 170518759): VAGNER – Agora é o seguinte, lembra de uma mulher que eu falei que a burra foi retificando a Declaração dela porque foi dando inconsistência e ela ficou na malha retificadora? VITOR – Sim. VAGNER – Aí você falou assim ‘deixa aí essa porra...uma hora a gente vê...’ VITOR – Hã! VAGNER – Ela tem uma restituição legal pra gente trabalhar, mas assim...ela precisa que libera a declaração dela do ano passado, cara! Porque ela falou assim ‘cara, eu não sei mais o que fazer...’ eu falei pra ela ‘não mexa mais nessa porra. Deixa parado esse negócio lá que eu vou ver o que eu resolvo’. Ela tá pedindo de volta 4 ‘pau’. É... eu falei pra ela o seguinte, ‘se você pagar esses 4 ‘pau’ eu acho que eu consigo te ajudar. Só que você vai ficar sem nada, mas acho que eu consigo te ajudar’. E aí eu te pergundo: o que você acha? VITOR – Então, eu preciso ver, né? VAGNER – Você quer o CPF dela? (...) (...). VITOR — Tava o meu colega aqui do lado, não dava pra falar abertamente. Me dá o CPF dela, então... (...). VITOR — Olha, eu posso até... Eu posso até... Eu posso até liberar, mas assim... Hã... Eu libero, você não precisa retificar, nem nada. Só que a minha proposta é a seguinte: quando ela receber... Ela vai receber 4.418. Ela me dá 3. VAGNER — Tá bom! Eu pego 1.000 pra mim. Vou cobrar tudo dela. VITOR — É... você pega... VAGNER — Vou falar para ela ‘É pegar ou largar, filha’! VITOR —Não, você vai pegar mil... 1.500, mais ou menos... VAGNER — Quanto que dá de correção... Você sabe? VITOR — É um ano de correção... A SEL1C lá na faixa de 07... É 7% de correção. Com certeza! VAGNER — É 4.700, que vai dar. Eu vou falar pra ela o seguinte... É...É...E 4.700 os honorários para liberar isso aqui. E aí, se você liberar agora, já sai o mês que vem essa porra..., vou falar para ela. VITOR — É. VAGNER — Vou fazer essa proposta então. VITOR — Tá. VAGNER Tá bom? VITOR — Tá! Aí você faz... Você faz o seguinte, você pede algum...um cheque, né? Dela... Depois disso, apurou-se ter havido, às 16h16 do dia 16.04.2013 e às 10h06, 10h08 e 10h09 do dia 17.04.2013, trocas de mensagens (“SMS”) entre VITOR e VAGNER com o seguinte teor (fls. 90/91 – ID 270552786): SMS: Pode liberar a Jane. Ela topou. (...). SMS: Bom dia. Não esquece de liberar a Jane. Abs. SMS: Já foi. SMS: Ela vai mandar o cheque amanhã. Com efeito, a Receita Federal, ao verificar os registros de operações feitas no Portal IRPF naquela data, confirmou que VITOR efetuou uma série de consultas à DIRPF 2012 de Jane Paula no mesmo horário em que conversou com VAGNER ao telefone e que, às 13h33 do dia 17.04.2013, o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH efetivamente “liberou da malha fina” a Declaração (DIRPF) daquela contribuinte (cliente do contador VAGNER FABIANO MOREIRA). De acordo com as conclusões do Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da Receita Federal na 8ª Região Fiscal (ESCOR08), em 01.05.2013, o sistema promoveu a emissão do lote de restituição para a DIRPF 2012 de Jane Paula Silva Ferreira, tendo sido o valor disponibilizado para a contribuinte em 15.05.2013 (vide fl. 166 – ID 270552802). Ainda de acordo com o Relatório elaborado pela Receita Federal, “não foram encontrados quaisquer registros de atendimento da referida contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA. Também não foi encontrado nenhum dossiê contendo os documentos que o Auditor-Fiscal afirma terem sido apresentados pela contribuinte para comprovar as deduções pleiteadas e/ou demonstrar sua admissibilidade” (fl. 168 – ID 270552802). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR nada alegou a respeito da 7ª conduta descrita na denúncia. De qualquer sorte, os elementos de prova aqui mencionados não deixam dúvidas acerca de, nessa ocasião, VITOR ter praticado o delito de corrupção passiva qualificada. Por fim, cabe destacar que, muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado acima transcrito, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. Ante tudo o que foi exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática de outros 2 (dois) delitos de corrupção passiva qualificada (referentes às 2ª e 7ª condutas). CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA – ART. 317, §2º, DO CP (1ª, 4ª e 10ª condutas). PRESCRIÇÃO. A prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). No caso concreto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) foi condenado pela prática de quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (1ª, 4ª e 10ª condutas), com fulcro no artigo 317, §2º, do Código Penal. Houve, na primeira fase da dosimetria, a valoração negativa de três circunstâncias judiciais (culpabilidade, motivos e consequências do crime), tendo sido cada pena, ao final, fixada em 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 14 (quatorze) dias-multa. Operou-se o trânsito em julgado para a acusação, de maneira que o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de corrupção passiva privilegiada não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de corrupção passiva privilegiada ocorreram em 22.03.2013, 26.03.2013 e 23.04.2013 (fls. 08/15 – ID 170518764), isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE PECULATO ELETRÔNICO (ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL). O art. 313-A do Código Penal, assim dispõe: Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. O delito de "inserção de dados falsos em sistema de informações" ou "peculato eletrônico" é misto alternativo (ou de ação múltipla), que possui, no seu bojo, vários verbos nucleares, quais sejam: "inserir" (introduzir, implantar, incluir), "facilitar a inserção" (auxiliar, tornar fácil a inserção), "alterar" (mudar, modificar) e "excluir" (remover, afastar, eliminar), de modo que, praticada quaisquer das condutas descritas, estará consumado o crime. Inclusive, a prática, em um mesmo contexto fático, de dois ou mais dos comportamentos previstos, enseja, em princípio, a responsabilização por uma única infração penal, não se havendo de falar em concurso de crimes. Além disso, para que se possa atribuir a um sujeito a autoria do delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, é indispensável a presença do dolo, isto é, da vontade livre e consciente de inserir/facilitar a inserção de dados sabidamente falsos (ou de alterar/excluir indevidamente dados corretos) em sistema ou banco de dados da Administração, bem como é imprescindível que o agente atue com a especial finalidade (elemento subjetivo que transcende ao dolo) de causar dano ou de obter vantagem indevida (de qualquer natureza) para si ou para outrem. Atente-se que, embora seja indispensável, para a caracterização deste crime, que o agente atue com o especial propósito de causar dano ou obter vantagem indevida (elemento subjetivo que transcende ao dolo), não se exige a efetiva produção de um resultado naturalístico para a sua consumação. Por se tratar de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá com a inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. OBTENÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DAS PENAS MANTIDA. PENAS DE MULTA REDIMENSIONADAS. (...) 4. Restou demonstrado que foram inseridas informações falsas nos sistemas informatizados do INSS com o fim de garantir que a segurada cumprisse a carência necessária à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de modo que deve ser mantida a condenação das apelantes pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. 5. O delito em questão, por ser crime formal, não exige a comprovação da ocorrência de resultado naturalístico para a sua consumação. Portanto, é irrelevante para a sua configuração a demonstração da efetiva obtenção de vantagem indevida. 6. A conduta narrada na denúncia - inserção de dados falsos no sistema da Previdência a fim de obter vantagem para si ou para outrem - subsome-se ao delito tipificado no art. 313-A do Código Penal, que foi aplicado com base no princípio da especialidade. (...) 11. Apelações desprovidas. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0007023-87.2014.4.03.6110, Rel. Nino Toldo, DJF3 Judicial 1 de 11.02.2019) APELAÇÕES CRIMINAIS. ARTIGOS 171 §3º e 313-A DO CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS VISANDO À CONCESSÃO DE APOSENTADORIA INDEVIDA. NULIDADE AFASTADA. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. Crime formal, não exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico. Consuma-se, portanto, com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo penal, independentemente de efetiva obtenção de vantagem indevida ou ocorrência de prejuízo, que configuram exaurimento do crime. Segundo a acusação, a ré foi contratada para intermediar o requerimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Por sua vez, o outro réu, então servidor do INSS, tinha a incumbência de inserir dados falsos no sistema da autarquia, com a finalidade de garantir o êxito do requerimento do benefício. A conduta imputada aos acusados subsome-se ao crime descrito no art. 313-A do Código Penal. Prescrição afastada. Pena em concreto. (...) Apelação do réu a que se nega provimento. Apelação da ré a que se dá parcial provimento. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0008014-32.2015.4.03.6109, Rel. José Lunardelli, e-DJF3 Judicial 1 de 07.01.2019) Trata-se de crime próprio, que somente pode ser praticado por funcionário público (ou alguém a ele equiparado, nos termos do art. 327, caput e respectivos parágrafos, do CP). Além disso, apenas pode figurar como sujeito ativo o funcionário público que, além de ostentar essa qualidade, é autorizado a acessar/operar, por meio de senha ou qualquer outro comando, determinado sistema de informações da Administração Pública não aberto a outros funcionários ou ao público em geral. Em se tratando o agente de funcionário público "não autorizado", ficará afastada a subsunção dos fatos ao tipo penal previsto no art. 313-A do CP, podendo se caracterizar, nessa hipótese, o delito de falsidade ideológica (inteligência do art. 299 do CP) ou, ainda, o delito previsto no art. 171, parágrafo 3º, do Código Penal, por exemplo. É relevante salientar que, nos termos do artigo 30 do Código Penal, as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, se comunicam a todas as pessoas que dele participam, de modo que é perfeitamente possível que terceiros (não funcionários públicos) respondam como co-autores ou partícipes pelo crime previsto no artigo 313-A do Código Penal, desde que tenham pleno conhecimento de que o executor primário se trata de um funcionário público, isto é, desde que saibam que o delito está sendo praticado juntamente com um funcionário público. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: PENAL. ART. 313-A CÓDIGO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1- A denúncia aponta que os réus obtiveram vantagem ilícita, mediante fraude, em detrimento do INSS. A fraude supostamente utilizada pelos réus envolveu a utilização de sistemas informatizados e/ou banco de dados do INSS o que atrai a incidência do art. 313-A do Código Penal, específico para a situação. 2- A interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público Federal visando ao aumento da pena dos réus conduz à fixação do prazo prescricional segundo a pena máxima abstrata. Prescrição afastada. Entre os marcos interruptivos da prescrição, não decorreu prazo superior a 16 (dezesseis) anos. 3- Reconhecido o concurso de pessoas na prática do crime previsto no art. 313-A, o particular (não funcionário público) que tenha a vontade livre e consciente para agir com o funcionário público na obtenção de vantagem ilícita, deve responder pelo crime funcional como coautor ou partícipe. 4- Materialidade e autoria demonstrada. Prova documental e testemunhal. Confissão de um dos réus. 5- (...) (TRF3, Décima Primeira Turma , APCRIM 0001204-89.2007.4.03.6119, Rel. José Lunardelli, E-Djf3 Judicial 1 de 14.02.2017) O bem jurídico tutelado é a probidade administrativa, a moralidade e o patrimônio público, além da confiabilidade social nos sistemas e/ou banco de dados mantidos pela Administração Pública e respectivo conjunto de informações neles contidas, razão pela qual não se há de falar em aplicação do princípio da insignificância. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados: PENAL. PROCESSO PENAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CP, ART. 313-A. NULIDADES. CESSAÇÃO DO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INAPLICABILIDADE. DEFESA DO ART. 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OMISSÃO. PREJUÍZO. COMPROVAÇÃO. EXIGIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENSÃO PREJUDICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAUS ANTECEDENTES. STJ, SÚMULA N. 444. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal, o procedimento previsto no art. 514 do Código de Processão Penal não é aplicado se o funcionário público deixou de exercer a função na qual estava investido (STF, AP n. 465, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.04.14; STF, RHC n. 114116, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.12.12 e STF, HC n. 110361, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 05.06.12). 2. Embora o inquérito policial não supra a defesa prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, a omissão desta somente enseja nulidade se comprovado o efetivo prejuízo, consoante os precedentes do Supremo Tribunal Federal. (STF, Ag. Reg. no RHC n. 121.094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14 e STF, RHC n. 120.569, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.14). Para o Supremo Tribunal Federal, a prolação de sentença condenatória prejudica a alegação de nulidade por inobservância do art. 514 do Código de Processo Penal (STF, RHC n. 12.7296, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.06.15 e STF, Ag. Reg. no RHC n. 121094, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 19.08.14). 3. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes cujo objeto jurídico é a Administração Pública, não só no seu aspecto material mas também no moral, como sucede nos casos de peculato e inserção de dados falsos em sistema de informações (STJ, HC n. 165.725, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16.06.11; REsp n. 1378710, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 20.06.13, decisão monocrática; TRF da 3ª Região, ACR n. 00063043820044036181, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.01.13). 4. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito, é mantida a condenação da ré. 5. Dosimetria. No tocante a personalidade voltada para o crime, em consideração às condenações da ré pelo mesmo delito por outros fatos, não cabe valorá-los em prejuízo da ré sem a comprovação de trânsito em julgado, conforme dispõe a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Preliminar rejeitada. 7. Apelações desprovidas. (TRF3, Quinta Turma, ApCrim 0009695-23.2013.4.03.6104, Rel. André Nekatschalow, e-DJF3 Judicial 1 de18.10.2019) PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância não é aplicável ao caso, ainda que seja de pequeno valor o prejuízo causado aos cofres da União, pois há um alto grau de reprovabilidade na conduta, que atinge a coletividade como um todo e a moralidade administrativa. 2. Apelação provida. (TRF3, Décima Primeira Turma, ApCrim 0006637-46.2012.4.03.6104, Rel. Nino Toldo, e-DJF3 Judicial 1 de 02.10.2019) PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMÁTICA. CADASTRO DO BOLSA FAMÍLIA. ART. 313-A DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. SAQUES DO BENEFÍCIO DEPOSITADO EM CONTA DA AGENTE. ESTELIONATO. ART. 171, PARÁGRAFO 3º, DO CP. DOLO NÃO COMPROVADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE COISA HAVIDA POR ERRO. - Comete o crime do art. 313-A do CP o agente que, na condição de menor aprendiz da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Trabalho (SEDEST) de Petrolina/PE, lotado no setor responsável pelo cadastro do Bolsa Família, insere dados falsos no sistema de informática com o objetivo de beneficiar terceiro que não preenchia os requisitos para integrar o referido programa de transferência de renda. Inteligência do art. 327, parágrafo 1º, do CP. - O delito tipificado no art. 313-A do Código Penal é modalidade de crime contra a administração pública, que resguarda, não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica, razão pela qual a ele não se aplica o princípio da insignificância. Precedente citado: STJ, AgRg no REsp n. 1.382.289/PR, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJE 11/6/2014. Hipótese, ademais, em que o valor total recebido pela apelante beneficiada pelo Bolsa Família perfez o montante de R$ 2.652,00, o qual supera em muito o salário mínimo vigente à época do fato e, ausente de dúvida, não pode ser tido como valor irrisório. - "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (Súmula 231 do STJ). Entendimento consolidado na jurisprudência com reconhecimento da repercussão geral da matéria pelo STF, que reafirmou a orientação no sentido de que "circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal" (RE 597.270-RG-QO/RS). Pena mantida em 2 (dois) anos de reclusão, o mínimo previsto em lei para o crime do art. 313-A do Código Penal. - Não provimento do apelo interposto pelo agente responsável pela inserção de dados falsos em sistema informatizado da Administração Pública. (...) - Apelação do réu não provida e apelação da ré provida, em parte, para desclassificar a conduta descrita na denúncia para a do art. 169 do CP, com a fixação de nova pena. (TRF5, Quarta Turma, ACR - Apelação Criminal - 13833 0000028-69.2015.4.05.8308, Rel. Rubens de Mendonça Canuto, DJe de 12.08.2016, Página 160) CASO CONCRETO. Quanto aos crimes de peculato eletrônico, apurou-se, em síntese, que o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, agindo em conjunto com contadores e/ou contribuintes beneficiários, teria inserido, no sistema informatizado da Receita Federal, por diversas vezes, dados falsos consistentes em afirmações (inverídicas) de que contribuintes teriam comprovado deduções constantes de suas declarações de imposto de renda (DIRPFs), bem como teria emitido comandos de desbloqueio (com base em informações sabidamente falsas), possibilitando, assim, emissões irregulares de notificações de lançamento ao contribuinte com imposto de renda a restituir. Foram condenados: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, pela prática, em continuidade delitiva, de oito delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas descritas na denúncia); EDSON FERREIRA DA SILVA, pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia); FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia); JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia); CLEIDE MARIA RIBEIRO, pela prática, em continuidade delitiva, de três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia); MAURO SERGIO ARANDA, pela prática de um delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega, em síntese, que todas as condutas de peculato eletrônico descritas da denúncia são atípicas, já que não teria existido inserção de dados falsos nem alteração e/ou exclusão de dados verdadeiros (fls. 240/244 – ID 170518682). A defesa de EDSON FERREIRA DA SILVA alega, em síntese, que “o réu não praticou o tipo penal, não obteve qualquer benefício com a suposta conduta (muito pelo contrário!!!), e nem tampouco concorreu à prática por intermédio de qualquer agente” (fl. 64 – ID 170518682). A defesa de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA alega, em síntese, que “não houve apresentação ou muito menos a inserção de documentos falsos (...). Os documentos apresentados pelo apelante eram todos verdadeiros” (fl. 90 – ID 170518607), bem como aduz que o contato mantido com o auditor fiscal VITOR se deu apenas para agilizar a restituição, de maneira que a absolvição do acusado é medida que se impõe. As defesas de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, CLEIDE MARIA RIBEIRO e MAURO SERGIO ARANDA alegam, em síntese, que os acusados devem ser absolvidos, pois não há provas suficientes de autoria e materialidade relacionadas à prática do delito de peculato eletrônico (fls. 07/17 - ID 170518607, fls. 157/169 - ID 170518607 e fls. 57/61 - ID 170518682). Pois bem. No tocante às 1ª e 2ª condutas, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, após as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) de EDSON terem sido bloqueadas, por suspeita de fraude, nos dias 30.06.2010 e 12.05.2011, respectivamente, VITOR, em 15.02.2012, consultou as referidas declarações (às 10h05) e, na sequência (às 10h07 e às 10h08, respectivamente), desbloqueou-as, liberando-as, irregularmente, da “malha fina”, mediante afirmações (inverídicas) de que o contribuinte teria comprovado as deduções constantes de cada uma dessas declarações, o que possibilitou a disponibilização, em 01.03.2012, em favor de EDSON, de restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 4.956,55 (quatro mil, novecentos e cinquenta e seis reais e cinquenta e cinco centavos) – correspondente à DIRPF/2010 - e de R$ 572,53 (quinhentos e setenta e dois reais e cinquenta e três centavos) – correspondente à DIRPF/2011 (vide fls. 165/175 - ID 270552801). Quanto à alegação da defesa de EDSON no sentido de que este “não obteve qualquer benefício com a suposta conduta” (fl. 64 – ID 170518682), cabe reiterar que, para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. In casu, de qualquer sorte, o Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas (vide fls. 165/175 - ID 270552801), revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções. Conforme explicitado na r. sentença, constou do aludido relatório que, em 15.02.2012, o servidor VITOR consultou as DIRPFs de EDSON e “efetuou o desbloqueio da lista (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB) e, automaticamente, o sistema a selecionou para a malha fina, o que levou o corréu a liberar a DIRPF mediante informação inverídica de que o contribuinte comprovara as deduções (...)” – fls. 117/118 – ID 170518759. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de EDSON FERREIRA DA SILVA pela prática, em concurso de agentes, de ambos os delitos de peculato eletrônico (referentes às 1ª e 2ª condutas descritas na denúncia). No tocante à 3ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que a declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de Marco Antonio de Castro Correa constava em malha fiscal e que, após a emissão eletrônica de intimação (em 30.12.2012), o servidor VITOR procedeu, em 01.04.2013, à liberação daquela DIRPF da “malha fina”, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da seguinte informação: “O CONTRIBUINTE APRESENTOU COMPROVAÇÃO DAS DEDUÇÕES PLEITEADAS E/OU DEMONSTROU SUA ADMISSIILIDADE” (fl. 180 – ID 270552801). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome de Marco Antonio de Castro Correa (conforme fl. 181 – ID 270552801). Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la (fl. 119 – ID 170518759): Vitão de acordo aquele processo referente ao ano de 2009 de Marco Antonio de Castro Corea, já foi deferido. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 3ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 4ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de Marcelo Melro Mendonça, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que, em 05.05.2012, às 15h05, houve o bloqueio, para fins de fiscalização, da DIRPF/2012 de Marcelo Melro Mendonça e que, posteriormente (em 18.03.2013, às 15h11), o servidor VITOR “desbloqueou” a referida DIRPF (operação necessária para permitir que a tal declaração retorne ao fluxo de processamento do sistema de malha e para que possa ser trabalhada por um servidor da RFB), tendo, ainda, no dia seguinte (em 19.03.2013, às 11h53) inserido dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal, a fim de “liberar” a declaração e possibilitar a emissão de notificação para restituição (indevida) de montante equivalente a R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos) – vide fls. 32/34 – ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte Marcelo Melro Mendonça. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF de Marcelo e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito (vide fl. 32 – ID 270552802). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 4ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 5ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs dos contribuintes Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) demonstrou que (vide fls. 160/164 – ID 270552801): “a DIRPF 2012 da contribuinte Maria José Marchetti Torrano foi incluída em malha em face de: a) inconsistência de dados de fontes pagadoras (código MF 210); b) suspeita de despesas médicas inidôneas (código MF400), especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão, não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 125.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fls. 163/164 – ID 270552801); “a DIRPF 2012 de Olavo Marchetti Torrano foi incluída em malha devido a suspeita de omissão de rendimentos de aluguéis recebidos de pessoa física pelo titular (Código MF 300) e de suspeita de despesas médicas inidôneas (Código MF400); especificamente com relação às despesas médicas informadas por contribuinte em questão não teria sido declarado em DMED (Declaração de Serviços Médicos e de Saúde) o pagamento no valor de R$ 68.000,00 à Sociedade Beneficente Israelitabras Hospital Albert Einstein” (fl. 164 – ID 270552801); A DIRPF 2012 de Gerson Gomide ficou “retida em malha fiscal por suspeita de declarações médicas inidôneas (parâmetro MF 400)” – fl. 122 - ID 170518759. Demonstrou, também, que as declarações (DIRPFs/2012) de Maria José Marchetti Torrano e Olavo Marchetti Torrano foram “liberadas da malha fina” pelo servidor VITOR no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, respectivamente, bem como que a DIRPF/2012 de Gerson Gomide foi “liberada” da malha fiscal, também pelo servidor VITOR, em 12.06.2012, sempre mediante a informação inverídica de que os contribuintes teriam comprovado as deduções sob suspeita ou demonstrado sua admissibilidade. Consta, inclusive, que, graças às aludidas inserções de dados falsos no sistema da Receita Federal, os contribuintes receberam, indevidamente, restituições de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Em 12.03.2013 e em 19.03.2013, p.ex., trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 207 – ID 170518766): De: cleidemariac (...) Para: Vitor (...) Enviadas: Terça-feira, 12 de Março de 2013 16:12 Assunto: Notificação de nosso contribuinte. Olá Vitor Anexo a notificação do contribuinte, ele pagou na ocasião. Aguardo retorno Desde já agradeço abs Cleide Maria. De: Vítor Aurélio (...) Para: cleidemariac (...) Enviada em: terça-feira, 19 de março de 2013 18:47 Assunto: Re: Notificação de nosso contribuinte. Cleide, Desculpe a demora p/ responder este caso. Já está liberado. Abs. Em 05.04.2013, às 11h28 e às 12h10, CLEIDE e VITOR trocam, via SMS, as seguintes mensagens: CLEIDE: Oi Vitor, t perdida, ainda n)o fiz nenhum ir, e se eu fizer quase todos igual ano passado? O que vc acha? Abs VITOR: funciona. exceto p/ casos q liberei. Por fim, apurou-se que, em 10.04.2013 (às 13h45), a contadora (CLEIDE) encaminhou, ao auditor fiscal (VITOR), mensagem de correio eletrônico (e-mail) com o seguinte teor (fl. 03 – ID 170518943): Oi Vitor Não querendo incomodar mas já incomodando......não tem jeito de fazermos apenas uns 10. O repasse do serviços para você seria de R$ 4.000,00, com exceção da Maria José que seria R$ 6.000,00. Eu poderia fazer + ou - igual ao ano passado, somente teria alteração quanto a Maria José Torrano, Olavo Torrano e Gerson Gomide que foi lançado o Albert Einsten...pois não sei se pode usar este recurso.... Faríamos somente este ano, e já aviso aos mesmos que não será possível a partir de 2014. Senão for possível eu entendo, não podemos nos prejudicar de maneira alguma. Obrigada Cleide Maria Ora, não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide), é firme, com base nas trocas de mensagens supramencionadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 de Maria José Marchetti Torrano, Olavo Marchetti Torrano e Gerson Gomide, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de CLEIDE MARIA RIBEIRO pela prática, em concurso de agentes, dos referidos três delitos de peculato eletrônico (referentes à 5ª conduta descrita na denúncia). No tocante à 6ª conduta, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). Com efeito, o relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08) revelou que, no dia 26.04.2013, às 13h44, o servidor VITOR efetivamente liberou, da “malha fina”, a referida declaração, mediante a inserção, no sistema da Receita Federal, da informação (inverídica) de que Henry Luis Fornitano teria comprovado as deduções pleiteadas. Como resultado, a conduta criminosa gerou a restituição (indevida), em favor do contribuinte, de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos) – vide fls. 168/169 - ID 270552802). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome de Henry Luis Fornitano. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração de Henry Luis Fornitano (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração de Henry Luis Fornitano. Em 04.04.2013 e em 08.04.2013, os corréus trocaram e-mails com o seguinte teor (vide fl. 101 – ID 170518943) De: Mauro Aranda (...) Para: Victor (...) Enviadas: Quinta-feira, 4 de Abril de 2013 10:23 Anexar: 21401986897-1RPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao.pdf; 21401986897-1RPF-2012- 20111-retif-imagem-declaracao.pdf Assunto: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-1RPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Devidas correções feitas. De: Vitor Aurélio (...) Para: Mauro Aranda (...) Enviada em: segunda-feira, 8 de abril de 2013 19:10 Assunto: Re: Enviando email: 21401986897-IRPF-2012-2011-retif-imagem-declaracao, 21401986897-IRPF-2012-20111-retif-imagem-declaracao Agora sim... pode transmitir o Henry. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) de Henry Luís Fornitano ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. Transcreve-se, aqui, o referido diálogo interceptado em 17.04.2013, às 11h47 (fls. 102/103 – ID 170518943): VITOR - Alô! MAURO - Alô! VITOR - Ô, meu! O que aconteceu...Você tava preso? (...). MAURO - Graças a Deus a coisa tá fluindo. Eu tô com um negócio aqui, eu preciso que você me ajude. Você viu que eu mandei do HENRY de novo, né? VITOR - Pera aí... Repete. Não entendi nada. MAURO - Você viu que eu mandei o IR do HENRY de novo... VITOR - Não, não vi. Você mandou? MAURO - Puta... Você não falou pra mandar... Você mandou um e-mail pra mim que podia mandar daquele jeito que tava? VITOR - Sim! MAURO - E tá dando pendência no Bradesco Saúde. VITOR - Ah, que... !MAURO - Você consegue ver isso aí? 1VITOR - Bom... É, bom... Paciência, né? Aí é... Aí é comigo. MAURO - (Risos)... Faz o seguinte, você vai fazer o que hoje à noite? VITOR - Hoje... Ah, hoje eu vou lá no puteiro perto de casa. MAURO - Meu, para com isso! Vira evangélico. Para de fazer bagunça! Vamo trabalhar... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tô com uma pilha de Imposto de Renda da minha frente. Eu tô olhando pra ela, tô com vontade de rasgar tudo e sair correndo... Você não tem noção (inaudível) trabalhar, tem um monte de coisa na minha mesa. Tô pensando em jogar tudo fora. VITOR - (Inaudível) MAURO - (Inaudível) tá vindo o pessoal do banco pra cá... Banco Safra. VITOR - Imagino que você esteja quase louco, mas... MAURO - Você vai... Você vai lá na Pompéia então? VITOR - Eu tô lá! MAURO - Que horas que você vai pra lá? Acho que vou lá conhecer. Vamo marcar umas 7h00 lá? VITOR - Ah, vamo... Você não quer ir um pouco mais tarde? MAURO - Pode ser. Você que me fala. Que horas? iVITOR - É... Eu tô... Eu tô pensando, assim... Você podia ir lá umas 8 e meia. MAURO - (Inaudível) sair daqui, eu te ligo. É mais fácil. VITOR - muito tarde? MAURO - Não, pra mim tudo bem. Não tem problema. Eu... preciso tirar esse monte de pendência da minha vida aqui...São coisas que eu acabo passando até vergonha aqui, porque eu não resolvo as coisas. VITOR - É... Mas escuta, você tem notícias da CRISTINA? MAURO - Tenho, tá aqui a carta que chegou aqui, só que ela tá viajando. Chegou a carta dela aqui... Cadê? Tá aqui na minha frente... Puta, os caras bateram palma... Por isso que eu tô... O pessoal do Banco Safra todinho vai vir pra cá agora por causa disso. Eles acharam o trabalho excelente, tudo... Tirando as mancadas que eu deixei... VITOR - (Risos) MAURO - Eu tomei uma puta bronca. Ela falou ‘Meu, esse ROBERTO aqui não aparece...’, eu falei ‘Você quer que o cara aparece, manda carta dele, um cartão de Natal pra você, mas ele não vai botar o nome dele aqui...’. Ele mandou outro cara fazer a intimação dela. Então, fica tranquilo eu te passo hoje à tarde como é que tá a posição. VITOR - Ué? Mas eles já tavam sabendo que isso ia acontecer? MAURO - É... Não falei pra você que o marido dela é um cara que passa os negócios pra gente...O que que ele fez? Ele automaticamente... Falei ‘O, sua esposa vai receber intimação. Eu já recebi lá pra fechar...’, porque tava achando que não ia fechar a operação nunca. VITOR - Hã! MAURO – ‘Pode ficar tranquilo que tá fechando. Ela vai receber a carta...’, ele falou ‘Meu, o problema é que se minha mulher pegar isso aí na mão, ela vai ter um infarto’, falei ‘Então, avisa ela que ela vai ser intimada pra não ficar... Não ter infarto antes da hora’. VITOR - Pô, mas até o marido tá sabendo disso? Por quê? Não tô entendendo... MAURO - Não, o cara que passa o trabalho pra gente. Não, fica tranquilo! Eu te explico, mas assim... 100% seguro. Pode ficar sossegado. VITOR - É, porque, eu pensei assim, que era você que tava fazendo isso pra dar um susto nela. MAURO - Não, não, não... É pra garantir os próximos serviços dele. Porque ele ficou meio... Ele achou meio estranho porque... Como o dele caiu lá na situação e ninguém resolveu, ele ficou doido. Ele falou ‘Meu, cadê sua força?’, falei ‘Cadê minha força... Não me dá carta na mão, como é que eu posso ter força?’, mas eu te explico. Fica tranquilo que à noite eu te explico. VITOR - Bom, mas ele tava sabendo que você ia pedir pra um fiscal fazer a intimação? MAURO - Não, não. Ele não tava sabendo. Eu falei ‘Ela vai dançar, porque ela...’. VITOR - Ah, bom! MAURO - ... ‘Tem um patrimônio não declarado, que entrou uma puta grana na conta dela, ninguém explica nada, então ela vai dançar. Vai ser automático isso aí’, aí, ele falou ‘Como é que vai resolver?’, falei ‘Meu, a hora que chegar a carta, não esquenta. Me dá a carta que eu resolvo...’. VITOR - (Inaudível) MAURO – ‘Eu tenho gente que me ajuda a fazer Isso ai’. VITOR - Tá bom! MAURO - É isso que ele queria entender. VITOR - Ah... Hamhamm! MAURO - Ele não sabia quem era. VITOR - Tá... Tá bom! Belê! MAURO - Pode deixar comigo então. Umas 8, 8 e meia a gente se fala. VITOR - Tá bom. Falou! MAURO - Um abraço! VITOR - Outro, tchau! Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH e de MAURO SERGIO ARANDA pela prática, em concurso de agentes, do referido delito de peculato eletrônico (referente à 6ª conduta descrita na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART. 325 DO CÓDIGO PENAL). O art. 325, caput e §1°, do Código Penal, assim dispõe: Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) O crime de violação de sigilo funcional (crime próprio de funcionário público ou de pessoa a este equiparada) se caracteriza pela conduta de, oralmente ou por escrito, revelar e/ou facilitar a revelação de informações confidenciais conhecidas em razão do cargo ocupado pelo agente público. O sigilo pode decorrer de Lei, de determinação judicial ou de determinação administrativa, p. ex., sendo que, para a caracterização do delito, é necessário que o funcionário tenha consciência da necessidade do segredo, por força de sua função, e que o segredo seja de interesse público. Note-se que, em se tratando de fornecimento de informações protegidas por sigilo que caracterize violação de sigilo fiscal, ato que, inclusive, configura improbidade administrativa, há, no âmbito administrativo, previsão de aplicação de pena de demissão (inteligência do art. 132, IX, da Lei n.° 8.112 de 11.12.1990), podendo o servidor, ainda, responder no âmbito cível, em ação de reparação de danos materiais e morais. E mesmo em se tratando de meros dados cadastrais, os quais, em regra, não são protegidos por sigilo fiscal, é certo que a lei determina o dever funcional de sigilo sobre assuntos da administração pública (inteligência do art. 116, incisos III e VIII, da Lei n.° 8.112/1990, os quais devem ser combinados com normas internas de cada órgão da administração), de maneira que o servidor público que, imotivadamente, acessar dados cadastrais para divulgá-los ou fornecê-los a quem não esteja legalmente autorizado a conhecê-los, estará descumprindo, eventualmente, dever funcional de observância às normas legais e regulamentares e, consequentemente, estará sujeito às sanções previstas no art. 325 do Código Penal. O bem jurídico tutelado é o regular funcionamento da Administração Pública, que poderia ser comprometido pela divulgação não autorizada de informações sigilosas. A norma visa coibir funcionários públicos de, no exercício de suas funções, revelarem fatos que devam permanecer em segredo, assegurando, assim, a confidencialidade necessária para a manutenção da eficácia administrativa e a salvaguarda do interesse público. Trata-se de crime formal, uma vez que se consuma no momento em que a informação sigilosa se torna conhecida por pessoa não autorizada, e que apenas admite a modalidade dolosa. Importante mencionar, por fim, que o delito em questão não se confunde com o de violação de segredo profissional, previsto no art. 154 do Código Penal, o qual pune a conduta de “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Neste último caso, os sujeitos ativos não se tratam de funcionários públicos responsáveis por sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública, mas sim de profissionais do setor privado, conhecidos como “confidentes necessários”, a exemplo dos advogados, sacerdotes, médicos e psicólogos, p. ex.. CASO CONCRETO. PRESCRIÇÃO. Quanto aos crimes de violação de sigilo funcional, houve a condenação de: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), pela prática, em continuidade delitiva, de quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); VAGNER FABIANO MOREIRA (contador), pela prática, em continuidade delitiva, de dois delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª e 3ª condutas descritas na denúncia). Quanto ao corréu VAGNER FABIANO MOREIRA, o r. juízo a quo reconheceu o decurso do prazo prescricional entre o recebimento da denúncia (em 07.01.2014 - fls. 45/52 – ID 170518764) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 –fl. 185 – ID 170518759), razão pela qual decretou a extinção da punibilidade deste acusado em relação aos delitos de violação de sigilo funcional. Em face do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (servidor público), a denúncia foi recebida apenas em 12.06.2015 (fls. 193/201 – ID 170518612), razão pela qual afastou-se, no momento da prolação da r. sentença (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759), a ocorrência de prescrição em relação a este acusado. Foi-lhe, pois, imputada, a pena de 9 (nove) meses e 1 (um) dia de detenção pela prática, em continuidade delitiva, dos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). Não obstante, considerando que, no presente momento, já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição também em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH. Reitere-se que a prescrição é instituto jurídico que impede, após certo lapso de tempo, o exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado, sendo que a extinção da punibilidade pela ocorrência de prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, inclusive de ofício (inteligência do art. 61 do CPP). Considerando-se o teor do art. 109, VI, do Código Penal, e tendo-se em vista que a pena concretamente aplicada para cada delito de violação de sigilo funcional não excedeu a 1 (um) ano, conclui-se que o prazo prescricional a ser considerado, in casu, é o de 3 (três) anos. Assim, importa verificarmos se, entre os marcos interruptivos legalmente previstos, quais sejam: I) entre a data dos fatos e a data do recebimento da denúncia; II) entre esta e a data de publicação do r. provimento judicial guerreado; III) ou entre esta última e o momento atual; transcorreu lapso superior ao de 3 (três) anos. Considerando que os fatos relacionados às acusações de prática de violação de sigilo funcional ocorreram nos dias 19.03.2013 (1ª conduta), 25.03.2013 (3ª conduta), 03.04.2013 e 09.04.2013 (4ª conduta) e 26.03.2013 (5ª conduta) – fls. 03/38 – ID 170518764, isto é, após o advento da Lei n.º 12.234/2010, de 05.05.2010, não se há de falar em prescrição retroativa relacionada ao lapso entre a consumação do delito e o recebimento da denúncia. Tampouco se há de falar em decurso do prazo prescricional de 3 (três) anos entre o recebimento da denúncia em face de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (em 12.06.2015 – vide fls. 193/201 – ID 170518612 - inteligência do art. 117, I, do CP) e a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759 - inteligência do art. 117, IV, do CP). Observa-se, contudo, que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018 – vide fl. 185 – ID 170518759) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos, sendo imperioso, portanto, o reconhecimento da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do acusado. Declara-se, assim, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos aludidos quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). CONSIDERAÇÕES SOBRE O DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º DA LEI Nº 9.613, DE 03.03.1998). O crime de lavagem de dinheiro está contido no art. 1º da Lei nº 9.613, de 03.03.1998, dispositivo este alterado pela edição da Lei nº 12.683, de 09.07.2012, que acabou por findar com uma lista fixa de crimes subjacentes, de molde que, atualmente, qualquer infração penal pode ensejar o reconhecimento da lavagem (ilação que deve ser compreendida em coerência com a aplicação dos postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção do Direito Penal). Cumpre asseverar que, de acordo com a doutrina, identificam-se, no delito de lavagem de dinheiro, fases diferentes da conduta, a saber: ocultação ou colocação ou conversão ou placement, em que se procura tirar a visibilidade dos bens adquiridos criminosamente (cite-se, como exemplo, as operações fracionadas de depósitos e transferências em instituições financeiras realizadas de forma pulverizada, em valores inferiores aos submetidos à fiscalização, que, consideradas individualmente, não geram suspeitas - vide STF, AP n. 996, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29.05.2018, usualmente conhecidas como smurfing – alusão aos pequenos personagens azuis da ficção); controle, dissimulação ou layering, em que se busca afastar o dinheiro de sua origem, dissimulando os vestígios de sua obtenção; integração ou integration, em que o dinheiro ilícito reintegra-se na economia sob uma aparência de licitude. Soma-se a isto a fase de reciclagem ou recycling, consistente no apagamento de todos os registros de fases anteriores concretizadas. Imperioso destacar, que, para fins de consumação do delito, não há a necessidade da ocorrência de todas as fases anteriormente declinadas, dispensando-se a comprovação de que os valores que foram ocultados, por exemplo, retornaram ao seu real proprietário (ainda que tal contexto possa ocorrer no mundo fenomênico) - sinteticamente, cada uma das etapas declinadas, isoladamente consideradas, tem o condão de configurar o crime de lavagem de dinheiro. Portanto, sob o aspecto jurídico não há a necessidade da ocorrência de todas as fases da lavagem para a sua configuração. No que tange à desnecessidade da ocorrência de todas as etapas da lavagem e da sofisticação das condutas, confira-se: “Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de ‘lavagem de capitais’ mediante ocultação da origem, da localização e da propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, ‘caput’): o tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada ‘engenharia financeira’ transnacional, com os quais se ocupa a literatura”. (STF, RHC 80816, Rel. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 10/04/2001, DJ 18.06.2001) A tipificação deste delito surge como medida tendente a cercear o proveito e o uso de bens adquiridos com as vantagens de infrações. Trata-se de delito derivado de outro, não existindo sem uma infração subjacente, da qual provêm os recursos ocultados, dissimulados ou integrados. Neste diapasão, terá que ser feita, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Tendo em vista a especial efetividade de que a persecução estatal deve imbuir-se no combate à criminalidade organizada, consagrou-se a percepção de que a repressão à lavagem de dinheiro não exige de antemão prova cabal exaustiva da ocorrência da infração subjacente para que se perfaça a justa causa necessária à deflagração da ação penal, de sorte que o legislador pátrio o fez refletir na Lei nº 9.613/1998, cujo art. 2º, inc. II e § 1º, estabelece que: “II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. A autonomia da repressão ao delito de lavagem mostra-se certíssima medida processual penal assimilada pelo sistema normativo atual, o qual exige apenas que a peça acusatória refira elementos indiciários que apontem de modo assertivo para a ocorrência de um fato penalmente relevante (desconsiderada a culpabilidade) que motivou a lavagem de dinheiro imputada, mesmo que praticado em outro país ou em circunstâncias não elucidadas. Entretanto, ainda que não seja necessária a demonstração cabal de todos os elementos da infração subjacente, deve ao menos haver indícios suficientes acerca de sua existência, de modo a permitir o início da ação penal. Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ARTIGO 1º, INCISO V, DA LEI 9.613/98. ABSOLVIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE: INOCORRÊNCIA DO CRIME DE LAVAGEM. CRIME DE DESCAMINHO. MODALIDADE TER EM DEPOSITO. APREENSÃO DA MERCADORIA: AUSENCIA DE PROVEITO ECONÔMICO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Habeas corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP, que rejeitou a absolvição sumária do paciente, nos autos da ação penal nº 0000172-23.2008.403.6181. 2. O paciente foi denunciado porque teria ocultado a propriedade de bens, provenientes de delito contra a Administração Pública, consistente em contrabando e descaminho, crime este apurado nos autos 2007.61.81.014628-5. 3. A Primeira Turma desta Corte, por ocasião do julgamento da apelação 2007.61.81.014628-5, por unanimidade, negou provimento ao apelo da acusação e deu parcial provimento ao recurso do réu para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 334, §1º, "c", c.c art. 29, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo o acórdão transitado em julgado. 4. Considerada a absolvição do crime antecedente, não há que se falar na ocorrência do crime de lavagem de dinheiro. 5. Nos termos do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, e artigo 2º, inciso II, e §1º, da referida lei, prescinde-se da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de indícios suficientes da existência do crime antecedente. Não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente. 6. No caso em tela, há uma particularidade, o crime antecedente nessa ação penal foi um crime bem definido e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem. E não houve prova suficiente para condenação do réu no crime antecedente, de modo que não restou caracterizado o crime de lavagem, por ausência da prévia ocorrência de crime do qual o numerário seja proveniente. 7. Caso não fosse imputada a autoria conhecida a alguém, o fato de não existir condenação não impediria que o crime de lavagem fosse imputado a outra pessoa. Mas uma vez imputada a autoria do crime de lavagem a um autor, que é o mesmo agente que se imputa o crime de lavagem, a absolvição com relação ao crime antecedente, esvazia a própria imputação de lavagem. 8. O Estado reconheceu em outra ação penal que não existe prova suficiente para relacionar o acusado com a obtenção ilícita daqueles bens. Assim, não há como imputar a esse acusado a mera ocultação da proveniência ilícita desses bens. Se o Estado não conseguiu provar que o agente obteve ilicitamente o bem, não pode mais tentar provar que o agente está ocultando ou dissimulando bem que tinha conhecimento que era ilícito. Sobrevindo sentença absolutória em relação ao crime antecedente, ainda que por insuficiência de provas em relação à autoria delitiva, entendo que não subsiste o crime de lavagem de capitais. 9. Ainda que assim não se entenda, observa-se que foi apontado na denúncia como crime antecedente ao da lavagem de dinheiro, o descaminho na modalidade 'ter em depósito'. Nessa modalidade de descaminho, ter em depósito, a única dissimulação ou ocultação possível seria dos próprios bens descaminhados, mas isso não existe, pois os bens foram aprendidos naquela operação, ou seja, para que seja possível o crime de lavagem nessa modalidade (ter em depósito), teria que se imputar ao paciente a ocultação dos próprios bens descaminhados, o que não ocorreu. Ao contrário, a denúncia imputa ao paciente a conduta de ter adquirido outros bens em nome de terceiras pessoas, na modalidade dissimulação, dissimulando a propriedade daqueles bens. 10. Se as mercadorias, objeto do crime de descaminho, não foram vendidas, pois foram apreendidas, imputando-se ao agente crime na modalidade ter em depósito, como esse agente poderia ter transformado o produto do descaminho apreendido em dinheiro, para posteriormente adquirir os bens que foram colocados em nomes de terceiros? Seria necessário que o agente vendesse o produto descaminhado, para conseguir transformá-los em dinheiro e adquirir aqueles bens que colocou em nome de outras pessoas. 11. É certo que os bens adquiridos em nome de terceiros poderiam ter sido adquiridos com o proveito de outros crimes de descaminho, em outras modalidades, mas não foi esse crime antecedente que a denúncia se referiu. A denúncia é explícita, apontando um crime específico como antecedente, qual seja, o descaminho relativo à apreensão ocorrida no dia 14/11/2007 que resultou na ação penal 2007.61.81.014628-5. E no tocante a esse descaminho, toda mercadoria que era mantida em depósito foi apreendida, não havendo que se falar em proveito econômico advindo do descaminho, de modo que não resta caracterizada um dos elementos objetivos do crime de lavagem, que é a proveniência ilícita dos bens. 12. Ausência de justa causa. Ordem concedida”. (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 52049 - 0033971-34.2012.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO DOMINGUES, julgado em 22.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.10.2013 - destaque nosso) “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO V, DA LEI 8.137/1990 COMO DELITO ANTECEDENTE. TRANCAMENTO DAS AÇÕES PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. DENÚNCIAS QUE NARRAM A OCORRÊNCIA DE CRIME MATERIAL. APLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. RECURSO PROVIDO. (...) 2. Embora independa a persecução pelo crime de lavagem de valores do processo e julgamento pelo crime antecedente, na forma do art. 2º, II, da Lei nº 9613/1998, exigido é que a denúncia seja instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente (art. 2º, § 1º, da Lei nº 9613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012). (...) 4. Sem crime antecedente, resta configurado o constrangimento ilegal na persecução criminal por lavagem de dinheiro. (...)”. (STJ, RHC 73.599/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13.09.2016, DJe de 20.09.2016) Em suma, deverá o órgão acusatório indicar na denúncia, de maneira certa, específica e individualizada, quais infrações subjacentes levaram à conclusão sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou valores, de modo a permitir ao acusado sua ampla defesa e o respeito ao princípio do contraditório. A devida caracterização do tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 exige que os fatos delituosos descritos não tenham caráter genérico e indeterminado, sendo devida a demonstração ao menos do vínculo, direto ou indireto, entre alguma infração subjacente e a lavagem de dinheiro. Especificamente acerca do que se acaba de tratar, vide as palavras de Renato Brasileiro: “Em se tratando de crime de lavagem de capitais, porém, não basta demonstrar a presença de lastro probatório quanto à ocultação de bens, direitos ou valores, sendo indispensável que a denúncia também seja instruída com suporte probatório demonstrado que tais valores são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (Lei 9.613/98, art. 1º, caput, com redação dada pela Lei 12.683/12). Tem-se aí o que a doutrina chama de justa causa duplicada, ou seja, lastro probatório mínimo quanto à lavagem e quanto à infração precedente. A propósito, o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98, estabelece que a denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente” (LIMA. Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2013, p. 173) - destaque nosso. A esse respeito, válida a referência à fundamentação irretocável trazida no precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual se determinou o trancamento da ação penal precisamente em razão da inicial acusatória falhar em delimitar, de maneira clara, precisa e individualizada, as infrações subjacentes que embasavam a lavagem de dinheiro. In verbis: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI N. 9.618/98. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NO REPASSE DE VALORES AO PACIENTE. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FORMA PRECISA E OBJETIVA DOS CRIMES ANTECEDENTES. FALTA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS VALORES RECEBIDOS PELO PACIENTE E OS SUPOSTOS EMPRÉSTIMOS FRAUDULENTOS. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. O paciente foi denunciado pelo crime capitulado no artigo 1º, caput, incisos V e VI e § 1º, inciso II, da Lei n. 9.613/98, cujo feito foi instaurado a partir do desmembramento do Inquérito Policial 2.474 em curso no STF, com o escopo de investigar os diversos repasses efetuados pelas empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, no valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao paciente. 2. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, somente é admissível quando houver demonstração, de plano, da ausência de justa causa para o inquérito ou para a ação penal, assim como a ausência de demonstração inequívoca de autoria ou materialidade, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a violação dos requisitos legais exigidos para a peça acusatória. 3. Em casos extremos, todavia, em que a acusação se desenvolve de maneira claudicante, isto é, apresentando denúncia imprecisa, genérica e indeterminada, a jurisprudência não fecha a porta à possibilidade de trancamento da ação penal, especialmente, quando, pela imprecisão ou generalidade da peça acusatória, falhando no dever de bem delimitar e individualizar os fatos delituosos, dificulte a defesa de ordem a concretizar violação à ampla defesa e ao contraditório. 4. Dispõe o artigo 41 do CPP que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso com suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. Em síntese, a legislação penal exige da denúncia elementos mínimos, em descrição circunstanciada, de ordem a conferir ao acusado, com precisão, determinação e certeza, condições concretas para uma defesa eficaz, em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. 5. O Supremo Tribunal Federal tem imposto mesmo ao Ministério Público o dever de deduzir denúncia com idoneidade, de ordem a narrar os fatos de forma certa, determinada e precisa, para propiciar ao acusado a possibilidade de, sabendo a natureza e extensão da acusação contra ele dirigida, bem poder se defender. 6. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: 'O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado 'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado' (HC 84580, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513). 7. No caso, a denúncia relata que o paciente, no ano de 2003, teria recebido das empresas SMP&B Comunicação Ltda. e DNA Propaganda Ltda., de propriedade de Marcos Valério Fernandes de Souza, indicado na AP 470/STF como operador do 'Mensalão', quatro depósitos bancários, que totalizaram o valor total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Posteriormente, consoante a denúncia, o paciente, em 23/06/2005, teria retificado sua Declaração do Imposto de Renda referente ao ano-calendário 2003, para declarar os valores recebidos como sendo provenientes de serviços prestados, sem, contudo, ter sido demonstrado documentalmente que se tratava de recursos obtidos em virtude da atividade profissional do paciente. 8. A denúncia, em redação pouco precisa, às vezes sem congruência, indica, num primeiro passo, ao início da descrição dos fatos delituosos, que os chamados crimes antecedentes consistiriam estritamente em empréstimos fraudulentos de onde originariam os recursos, posteriormente, transferidos à conta do paciente; sendo que, contraditoriamente, num segundo passo, em capítulo final, especialmente aberto para descrever e delimitar os crimes antecedentes, parece pretender imputar ao paciente, como crimes antecedentes que compõe a conduta a ele imputada, todos os crimes que eventualmente tenham sido processados e julgados na referida ação 470 (Mensalão). 9. No particular, verifica-se que não há qualquer remissão acerca dos crimes antecedentes ao suposto de crime de lavagem de dinheiro, limitando-se a denúncia a tecer considerações acerca dos crimes apurados na AP 470/STF. Ou seja, a denúncia não logrou demonstrar a vinculação objetiva ou subjetiva dos alegados crimes antecedentes com o ilícito de lavagem de ativos imputado ao paciente. Pior do que não indicar, com certeza e precisão, quais os crimes anteriores de que o acusado deve se defender, é atribuir-lhe uma quantidade indeterminada de delitos, afogando a sua defesa em indeterminação e incerteza. 10. Assim, embora tenha sido consignado na denúncia todos os crimes apurados na AP 470/STF (corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e formação de quadrilha), não houve a indicação de qual ou quais seria(m) o(s) crime(s) antecedente(s) do crime de lavagem de dinheiro atribuído ao paciente, restando apenas genérica imputação de que seriam os crimes apurados na referida ação penal. 11. Aliás, o próprio Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, após a realização de diversas diligências, que objetivavam esclarecimentos por parte dos peritos da Polícia Federal acerca da demonstração de vínculo entre os repasses realizados ao paciente e os supostos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do empresário Marcos Valério, em manifestação anterior à denúncia ora sob análise, havia requerido, em petição datada de 30/03/2015, o arquivamento do inquérito policial, por entender não presentes as evidências de que os repasses realizados em favor do paciente se vinculavam aos empréstimos fraudulentos tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério, assim como por não reunir elementos indiciários da prática do crime de lavagem de dinheiro. Porém o pedido de arquivamento foi indeferido pelo juízo a quo e a denúncia foi apresentada por determinação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF. 12. Consta dos autos que a manifestação técnica, que subsidiou à época o pedido de arquivamento do inquérito policial, foi precisa ao certificar que foram apurados apenas, com amparo em laudos produzidos nos autos da AP 470/STF, que o paciente havia recebido quatro repasses que totalizavam R$ 300.000,00, no período de 18/03/2003 a 25/04/2003, sem contudo indicar a origem dos recursos, pois, conforme justificativa apresentada, '(...) para se vincular exatamente os valores recebidos por João Pimenta da Veiga Filho aos 'empréstimos fraudulentos' será necessário reexaminar novamente os valores que ingressaram na conta corrente 60199, da agência 3032, do Banco do Brasil, e na conta corrente 60025952, da agência 009, do Banco Rural, identificando a origem do saldo disponível para efetuar os repasses da empresa DNA Propaganda Ltda. e SMP&B Comunicação Ltda. ao beneficiário João Pimenta da Veiga Filho'. 13. Caracteriza violações ao direito do acusado: de um lado, a inaceitável formulação de denúncia genérica, que não permite ao denunciado discernir com clareza e precisão qual exatamente a conduta, em toda a extensão de seus elementos típicos, que lhe é imputada; de outro, a indesculpável formulação de peça acusatória que endereça ao acusado o crime de lavagem de ativos, o qual apenas se concretiza com a presença de delitos antecedentes, mas não lhe propicia, entretanto, em aberta violação ao disposto no art. 5º, LIV e LV, da CF/88, defesa idônea e suficiente, com todos os meios de prova e recursos a ela inerentes, de ordem a poder confrontar específico elemento do tipo legal incriminador que o Ministério Público afirma presente na conduta supostamente praticada pelo denunciado. 14. O fato de, conforme o art. 2º, II, da Lei 9.613/98, o processo e o julgamento dos crimes previstos nesse estatuto legal independerem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, não infirma nem pode infirmar, seja acentuado, o direito do acusado de ver reconhecida pelo Estado-juiz a conclusão incontornável de que tem o direito de defender-se de todos os elementos que compõem o tipo penal da conduta que concretamente o Estado-acusador lhe imputa. 15. No caso, o tipo penal claramente inclui como um de seus elementos o fato de que só haverá crime de lavagem se os valores eventualmente dissimulados ou omitidos tenham sido provenientes direta ou indiretamente, de infração penal anterior (cito e realço a dicção expressa da Lei): 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal'. 16. Portanto, se não há crime anterior, ou se, pelo menos, por defeituosa descrição dos fatos típicos, não se consegue demonstrar o vínculo, objetivo ou subjetivo, entre o delito antecedente e aquele outro cuja prática se atribui ao paciente, obviamente, não se poderá, ao final, impor-lhe um juízo condenatório pelo crime de lavagem de ativos. 17. Configurada a formulação de denúncia genérica e imprecisa, em especial por não individualizar quais seriam os empréstimos fraudulentos e delimitar, entre todos os crimes apurados na AP 470/STF, quais exatamente maculariam os valores repassados ao paciente, resta conformada a sua inépcia, nos termos dos artigos 395, I do CPP e, em consequência, a coação ilegal a que está sendo submetido o paciente (CPP, art. 647), razão pela concedo a ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal 0010250-17.2016.4.01.3800, em curso na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em relação ao paciente João Pimenta da Veiga Filho”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 4ª Turma, Habeas Corpus nº 00160028420174010000, Relator Desembargador Federal Neviton Guedes, julgado em 26.06.2017 - destaque nosso) Como se vê, o próprio delito de lavagem de dinheiro contém o elemento normativo infração penal, no sentido de que somente restará caracterizado o delito parasitário desde que eventualmente os proveitos econômicos que tenham sido ocultados, dissimulados, integrados ou reciclados, sejam oriundos de infração penal subjacente. Significa dizer, na fase do oferecimento da denúncia deverá o órgão ministerial apresentar indícios suficientes de que o objeto material da lavagem esteja vinculado, direta ou indiretamente, com a infração subjacente. Em síntese, deverão ser apresentados indícios acerca da materialidade e autoria da lavagem de dinheiro, além de indícios de materialidade atinente à infração subjacente, a teor do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/1998. Na mesma linha de raciocínio, vide precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da justa causa duplicada nos crimes de lavagem, oportunidade em que se afirmou a necessidade de demonstração de lastro mínimo probatório acerca do delito acessório e da infração subjacente: “PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. JUSTA CAUSA DUPLICADA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ANTECEDENTE E DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito - justa causa do processo penal -, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender aos requisitos essenciais do art. 41 do Código de Processo Penal - CPP. Precedentes. 2. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 3. A denúncia de crimes de branqueamento de capitais, para ser apta, deve conter, ao menos formalmente, justa causa duplicada, que exige elementos informativos suficientes para alcançar lastro probatório mínimo da materialidade e indícios de autoria da lavagem de dinheiro, bem como indícios de materialidade do crime antecedente, nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98. 4. Outrossim, por ocasião da elaboração da inicial com indícios suficientes da materialidade da infração antecedente, é despiciendo o conhecimento da autoria, a verificação de seu substrato da culpabilidade e sua punibilidade, sendo irrelevante haver condenação transitada em julgado ou até mesmo o trâmite processual persecutório, haja vista a autonomia relativa do processo penal do crime acessório da lavagem em relação ao seu antecedente, principal. Entrementes, necessário que se conste na peça acusatória não apenas o modus operandi do branqueamento, mas também em que consistiu a infração antecedente e quais bens, direitos ou valores, dela provenientes, foram objeto da lavagem, sem, contudo, a necessidade de descrição pormenorizada dessa conduta antecedente. 5. No presente caso, o Parquet não observou sequer a exigência da exposição formal da justa causa duplicada, porquanto, mais do que não demonstrar lastro probatório mínimo do crime antecedente, o que obstaria o prosseguimento da persecução penal por violação à justa causa, o dominus litis nem mesmo indicou a conduta penalmente relevante antecedente, o que leva à inépcia da denúncia. Verifica-se que não é possível à defesa realizar sua resposta à acusação de forma adequada, porquanto indefinidos elementos mínimos do que consistiu a infração antecedente e a origem ilícita dos valores que teriam sido objeto do branqueamento. A denúncia apenas aponta que os valores seriam oriundos do orçamento municipal e o modus operandi do branqueamento, consistente no depósito do cheque, cuja beneficiária é uma sociedade empresária, em conta bancária de terceiro, sem qualquer vínculo formal com a pessoa jurídica da empresa contratada beneficiária. 6. Recurso provido para que seja trancado o processo penal que apura o crime de lavagem de capitais em questão, haja vista a inépcia da denúncia, facultando-se a oferta de nova denúncia, com o devido preenchimento dos requisitos do art. 41 do CPP”. (RHC 106.107/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 25.06.2019, DJe 01.07.2019 - destaque nosso) “PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. MEMBRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. PRELIMINAR. DELAÇÃO ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. TEMA 990 DE REPERCUSSÃO GERAL. CONTROVÉRSIA JURÍDICA.DISTINÇÃO. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. DENÚNCIA.REQUISITOS. ART. 41 DO CPP. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI 9.613/98. CRIME ANTECEDENTE. PECULATO. ART. 312 DO CP. APTIDÃO.JUSTA CAUSA. ART. 395, III, DO CPP. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO.PRESENÇA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397 DO CPP. INVIABILIDADE.RECEBIMENTO. (...) 7. A denúncia ou queixa serão ineptas quando de sua deficiência resultar vício na compreensão da acusação a ponto de comprometer o direito de defesa do acusado. 8. A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. 9. Na presente hipótese, a denúncia contém a correta delimitação dos fatos e da conduta do acusado em relação à suposta prática do crime do art. 1º da Lei 9.613/98, não havendo, por consequência, prejuízo a seu direito de ampla defesa. 10. A justa causa corresponde a um lastro mínimo de prova, o qual deve ser capaz de demonstrar a pertinência do pedido condenatório e que está presente na hipótese em exame, consubstanciada em documentos obtidos na residência do acusado por meio de busca e apreensão; depoimento de testemunha e dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário devidamente autorizada. (...)”. (APn 923/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23.09.2019, DJe 26.09.2019) Cite-se, ainda, importante precedente do C. Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido: “Habeas Corpus. Ação penal. Lavagem de dinheiro (art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98, com a redação anterior à Lei nº 12.683/12). Trancamento. Inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejudicialidade do writ. Precedentes. Exame da questão de fundo. Admissibilidade. Manifesta inviabilidade da ação penal. Ausência de descrição mínima dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 41, CPP). Inteligência do art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98. Defeito que não se sana pelo advento da condenação. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98. 1. A superveniência da sentença condenatória torna superada a alegação de inépcia da denúncia, ainda que anteriormente deduzida. Precedentes. 2. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, embora assentando a prejudicialidade do habeas corpus, tem examinado a questão de fundo para afastar a arguição de inépcia. 3. Na espécie, por maior razão, não há como se deixar de analisar a viabilidade da denúncia, diante de sua manifesta inépcia. 4. Como sabido, o trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia (HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15) 5. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 6. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 7. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido em relação ao crime de lavagem de dinheiro. 8. A denúncia não descreve minimamente os fatos específicos que constituiriam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, limitando-se a narrar que o paciente teria dissimulado a natureza, a origem, a localização, a disposição e a movimentação de valores provenientes de crimes contra a Administração Pública. 9. Não há descrição das licitações que supostamente teriam sido fraudadas, nem os contratos que teriam sido ilicitamente modificados, nem os valores espuriamente auferidos com essas fraudes que teriam sido objeto de lavagem. 10. A rigor, não se cuida de imputação vaga ou imprecisa, mas de ausência de imputação de fatos concretos e determinados. 11. O fato de o processo e julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro independerem do processo e julgamento dos crimes antecedentes (art. 2º, II, da Lei nº 9.613/98) não exonera o Ministério Público do dever de narrar em que consistiram esses crimes antecedentes. 12. O grave defeito genético - ausência de descrição mínima da conduta delituosa - de que padece a denúncia não pode ser purgado pelo advento da sentença condenatória, haja vista que, por imperativo lógico, o contraditório e a ampla defesa, em relação à imputação inicial, devem ser exercidos em face da denúncia, e não da sentença condenatória. 13. A sentença condenatória jamais poderia suprir omissões fáticas essenciais da denúncia, haja vista que o processo penal acusatório se caracteriza precisamente pela separação funcional das posições do juiz e do órgão da persecução. 14. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação da regra da correlação entre acusação e sentença. 15. A deficiência na narrativa da denúncia inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 16. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal quanto ao crime descrito no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/98, por inépcia da denúncia”. (HC 132179, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 26.09.2017, processo eletrônico DJe 09.03.2018 - destaque nosso) Deve-se observar, contudo, que a autonomia do referido delito não pode enveredar para o entendimento de que, no caso de abolitio criminis e de absolvição da infração penal subjacente, por estar provada a inexistência do fato, por não constituir o fato infração penal e por estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, I, III e IV, do CPP), ainda assim houvesse espaço para a jurisdição penal. É que o delito de lavagem de dinheiro, em face de sua acessoriedade, somente pode ser vislumbrado quando haja, ainda que em tese, a prática da infração penal subjacente, o que não ocorre com o reconhecimento categórico, com trânsito em julgado, da ausência desta última ou no caso da abolitio criminis. As demais hipóteses de absolvição previstas no art. 386, II, V, VI e VII, do Código de Processo Penal (não haver prova da existência do fato; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; não existir prova suficiente para a condenção), por excelência, não impedem a propositura, o desenrolar e o desfecho da ação penal na qual se apura a conduta de lavar valores. Indo adiante, cumpre asseverar que eu vinha entendendo no sentido de que a infração tida como subjacente deveria ser necessariamente pretérita aos atos apontados como de lavagem dos proveitos econômicos auferidos - em outras palavras, compreendia-se que não seria possível, em princípio, cogitar-se de lavagem tendo como base patrimônio amealhado anteriormente à prática da primeira infração que potencialmente teria gerado o lucro econômico ao seu agente. Acerca de tais marcações temporais, em feito de minha relatoria, já decidiu a 11ª Turma do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS. CRIME DO ARTIGO 1, INCISO I, DA LEI 9.613/1998. LAVAGEM DE CAPITAIS. DATA DO CRIME ANTECEDENTE É POSTERIOR AO CRIME DE LAVAGEM. ATIPICIDADE DO FATO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. - O crime antecedente (tráfico de drogas) praticado pelo requerente ocorreu em 25.09.2010, e a lavagem de dinheiro, da qual é acusado, especificamente quanto ao imóvel descrito na letra 'o' da denúncia, teria se consumado em abril de 2010, com o registro do citado imóvel em nome de terceiros, de forma que o ato de branqueamento de capitais teria se dado anteriormente à data do crime de tráfico de drogas. - A imputação do delito de lavagem de capitais ao requerente mostra-se descabida, haja vista que a ocorrência da transação reputada como suspeita é anterior a 25.09.2010. - Nesse contexto, a determinação temporal da prática do tráfico enquanto delito antecedente delimitava, à época, e delimita ainda o subsequente crime de branqueamento de lavagem de dinheiro dele proveniente, e não, por óbvio, o contrário. - Diante da atipicidade da conduta imputada ao requerente, resta configurado o constrangimento ilegal. - Deferido o pedido de extensão, de forma a determinar o trancamento apenas quanto ao item 'o' da denúncia, da ação penal nº 0011209-37.2014.4.03.6181. - Esta decisão não autoriza a devolução do imóvel, objeto do presente writ, uma vez que nos termos dos §§1º e 2º, do artigo 91, do Código Penal: '... Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Na hipótese do §1º, as medidas assecuratórias previstas na legislação processual poderão abranger bens ou valores equivalentes do investigado ou acusado para posterior decretação de perda.', já que o requerente integra associação criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas, devendo se apurar a aquisição lícita do referido imóvel. - Agravo regimental provido”. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5029387-23.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, julgado em 24.04.2019, Intimação via sistema data: 25.04.2019) Contudo, revisitando a temática, é possível deparar-se com situações concretas em que determinado agente, antes de praticar ato lesivo à Administração Pública, no caso de corrupção passiva/ativa, por exemplo, receba valores que são dissimulados no exterior, passando a constar como beneficiário final, e somente após este ato beneficie um dos licitantes. Ou, ainda, na hipótese em que um traficante recebe valores antes da prática criminosa e os lava servindo-se de interpostas pessoas anteriormente ao envio da droga ao beneficiário final. Tais situações foram por diversas vezes observadas em processos que tramitaram perante a 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e em Lavagem de Dinheiro, oportunidades em que houve troca de experiências com o Eminente Juiz Federal Marcelo Costenaro Cavali, então juiz substituto. Dentro de tal contexto, em revisão de posicionamento, chega-se à conclusão de que, a teor da legislação de regência, os bens lavados devem ser decorrentes de uma infração subjacente não necessariamente pretérita ou antecedente, cronologicamente falando - em outras palavras, basta que a infração da qual decorra a lavagem seja a condição desta. A propósito, o art. 1º da Lei nº 9.613/1998, ao estatuir que constitui o delito de lavagem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, exige apenas a proveniência de que o patrimônio lavado seja oriundo de uma infração penal, mas não que esta seja anterior àquele (anterioridade cronológica). Aliás, o entendimento em tela foi trazido à baila em artigo por meio do qual se infere, de forma percuciente, que não há a necessidade de que haja uma precedência estritamente cronológica propriamente dita, mas apenas jurídica, acerca do que se convencionou nominar "crime antecedente", expressão que seria melhor compreendida, na realidade, por meio da locução "crime subjacente" - vamos ao artigo (CAVALI, Marcelo Costenaro; LORENCINI, Bruno César. Separando Joio, Peste e Praga: ‘Caixa Dois’ Eleitoral, Corrupção e Lavagem de Dinheiro. In Direito, Instituições e Políticas Públicas. O papel do jusidealista na formação do Estado. Coordenação: Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, André Tito da Motta Oliveira, Rafael Hamze Issa e Rafael Wallbach Schwind. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2017, p. 40-41): “(...) Proveniência cronológica ou jurídica de infração penal? Virou voz comum o entendimento de que a infração penal antecedente tem de ser cronologicamente antecedente à lavagem do seu produto. E não só: não bastaria ter sido iniciada a execução, teria de estar consumado o delito antecedente para que se pudesse cogitar da realização de algum ato de lavagem. No caso do 'Mensalão', o STF decidiu que 'A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente (já consumado)' (AP 470 EI-sextos, Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 13.03.2014). De fato, como regra, os atos de lavagem do dinheiro ocorreram somente após a ocorrência da infração penal antecedente. Mas não tem de ser assim, nem fática nem juridicamente. Do ponto de vista jurídico, a Lei nº 9.613/1998 não prevê essa antecedência cronológica, mas apenas uma derivação jurídica, quando o art. 1º se refere aos bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. A antecedência tem de ser lógica - não cronológica. Faticamente, alguns exemplos ilustram como é possível lavar o dinheiro de um crime antes mesmo que ele tenha sua execução iniciada. Pense-se num caso em que um 'matador de aluguel' é contratado para assassinar uma pessoa. O mandante e o futuro executor do delito celebram, então, um 'contrato de prestação de serviços de consultoria em segurança'; os valores são pagos e declarados à Receita Federal. Depois disso, o homicídio contratado é executado. Note-se que todos os atos de dissimulação da natureza do dinheiro recebido ocorreram antes do início da execução do delito, embora a causa real do pagamento já fosse conhecida pelos envolvidos. Seria essa cronologia razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro? A resposta para essa pergunta é, a nosso ver, negativa. Os valores recebidos pelo 'matador de aluguel' configuram, uma vez combinados, produto do ilícito a ser perpetrado. É claro que, se o homicídio não vier a ter sua execução iniciada, não se poderá falar em lavagem de dinheiro, pois não houve infração penal antecedente, sequer na forma tentada. Por isso, nos casos em que as condutas próprias do delito de lavagem de dinheiro ocorrerem anteriormente à infração penal antecedente que deu causa ao ativo lavado, o delito da Lei nº 9.613/1998 somente se consumará no momento em que iniciada a execução da infração penal antecedente. A solução apresentada pode parecer heterodoxa, mas, se bem examinada, sua engrenagem não é diversa daquela que rege a incidência de qualquer norma jurídica. É preciso que todos os pressupostos da hipótese de incidência estejam preenchidos para o desencadear de suas consequências jurídicas; por vezes, tais pressupostos são preenchidos em momentos diferentes, de modo que somente quando caracterizado o último dos pressupostos normativos exigidos haverá a incidência da norma. Tampouco existe qualquer empecilho do ponto de vista subjetivo, pois as partes envolvidas conhecem a origem do dinheiro, isto é, sabem que os valores foram pagos para o cometimento de um futuro homicídio - embora ainda não iniciado. De igual modo, não existe razão para afastar a ocorrência da lavagem de dinheiro concomitantemente à infração penal antecedente. O melhor exemplo para ilustrar essa possibilidade encontramos no delito de corrupção. No referido precedente do STF, entendeu-se que a autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos e posteriores do produto do crime antecedente (já consumado). A conclusão não se sustenta, em primeiro lugar, pelo fato de que é possível a lavagem de dinheiro de infração penal antecedente tentada. Mesmo que o agente não consiga consumar o delito, é possível que a tentativa gere um produto ilícito. Pense-se, para continuar com o exemplo anterior, no caso do homicida que, tendo recebido antecipadamente o pagamento pelo delito, não tem sucesso em consumá-lo. Mas não é só. O crime de corrupção compreende, de fato, a conduta de receber 'direta ou indiretamente' a vantagem indevida. Com isso, mesmo que o valor seja repassado por meio de um intermediário, haverá corrupção. No entanto, desde o advento da Lei nº 9.613/1998, em razão de uma nova política-criminal legislativa, o recebimento indireto dos valores da corrupção, quando gere especiais dificuldades para a sua identificação, apreensão e confisco pelas autoridades competentes - como, por exemplo, quando o pagamento é realizado através de um 'contrato de consultoria' realizado com um 'laranja' -, não caracteriza apenas a corrupção, mas também a lavagem de dinheiro. Essa é, a propósito, a razão de ser da criação do tipo penal da lavagem de dinheiro. A corrupção, no mais das vezes, compreenderá desde a aceitação até o recebimento da vantagem indevida. Tratando-se de crime de ação múltipla, as duas condutas caracterizam um único delito. Por sua vez, a lavagem de dinheiro, envolvendo um processo que compreende atos de ocultação, mas também o recebimento do dinheiro, pode ser compreendida juridicamente como sendo a mesma ação da corrupção. Justamente para esses casos, em que, por meio de uma mesma conduta - recebimento do valor indevido de forma indireta - o autor perpetra dois crimes, o Código Penal prevê a figura do concurso formal (CP, art. 70). Aceitas as premissas sobre a política-criminal da lavagem de dinheiro, no exemplo mencionado a conduta representa violação de bens jurídicos distintos: lesa a probidade na Administração Pública e ofende a Administração da Justiça. É verdade que a diversidade de bens jurídicos não é o único critério a ser adotado na resolução de possíveis concursos de delitos: é possível consunção de um delito por outro mesmo que os tipos penais examinados tutelem bens jurídicos diversos. Mas também se pensarmos, como sugere Figueiredo Dias (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. São Paulo-Coimbra: RT-Coimbra, 2007. p. 990), na existência de um único ou de uma pluralidade de sentidos autônomos de ilicitude para diferenciar um concurso aparente de um concurso real, verificaremos que, nos casos aqui examinados, a atuação do corrupto possui claramente dois sentidos de ilicitude: o primeiro é o sentido de venda da função pública, o segundo o de recebimento da vantagem já aparentemente imaculada de sua ilicitude originária. O desvalor de registrar a propina como recebimento de um legítimo contrato de consultoria é claramente maior do que o de simplesmente receber o dinheiro e o esconder em casa, sem dificultar sobremaneira a aplicação integral da lei penal no que se refere aos efeitos patrimoniais da condenação. Aquele que recebe a propina como se se tratasse de honorários de consultoria já age com o intuito de criar uma justificativa aparentemente lícita para o dinheiro recebido (...)”. Por este raciocínio, não se nota a necessidade da precedência cronológica da infração subjacente em relação à lavagem de dinheiro, mas apenas que haja uma vinculação daquela infração aos atos de ocultação, de dissimulação, de integração ou de reciclagem, que, portanto, podem ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente. Veja que não deveria surpreender tal entendimento. As implicações em razão da Súmula Vinculante n.º 24 do Supremo Tribunal Federal – STF, a qual preconiza que: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”, poderiam levar a essa conclusão. A referida Súmula prevê que a tipificação (e consumação) do delito nos crimes tributários ocorre com o lançamento definitivo do crédito tributário. Acontece que o Direito Penal só pode punir a conduta da pessoa que pratica o ato. A consumação não poderia depender de um ato de terceiro. Ela só poderia existir com ação ou omissão, ainda que outro seja o resultado (conforme dispõe o art. 4º do Código Penal - teoria da atividade), de modo que a consumação não poderia depender de um ato de terceiro que nada tem a ver com o delito. Falar-se que a materialidade de um crime material dependeria de uma apuração administrativa por si só seria contraditória com a doutrina e mesmo a jurisprudência consagrada aos crimes materiais. Por exemplo, Nelson Hungria preconizava que o corpo não é necessário para a prova do homicídio em havendo certeza moral da existência desse crime. No caso de corrupção, nas modalidades “aceitar” e “receber’, não há necessidade de nenhuma comprovação material fora da análise das condutas como tem sido exigida pela Súmula Vinculante n. 24 para os crimes tributários e, finalmente, o fato de mencionar tributo, que seria o elemento normativo do tipo, apenas sugere ao intérprete que se faça um juízo de valor do que seja tributo. Tributo está definido no Código Tributário Nacional, em seu art. 3º, como estão definidas as contribuições sociais no art. 149 da CF, e isso não faz depender, necessariamente como imposto pela Súmula, da existência de uma apuração administrativa para verificação desse elemento normativo. Existem outros elementos normativos em vários tipos penais (tais como: como coisa alheia, funcionário público, vantagem indevida) que demandam atividade valorativa que pode, sim, ser feita pelo intérprete, independentemente do resultado obtido pela Administração Pública. E, finalmente, não se pode distinguir crime tributário como se fosse algo diferente do delito de corrupção, pois ambos tutelam os recursos da Administração Pública. No primeiro caso, o tributo ainda está com o particular, ao passo que na corrupção os valores já estão em poder do Estado, mas são desviados ou apropriados. A similitude é evidente. Para a identificação da corrupção não se exige um procedimento por parte dos órgãos de controle (Controladoria Geral da União, por exemplo), portanto, sistematicamente não tem coerência exigir para o delito tributário algo que não se pode exigir para o reconhecimento nos casos de crimes contra a Administração Pública. Em síntese, no crime tributário material não deveria haver a exigência do lançamento definitivo para a sua caracterização. No entanto, o entendimento sumular supramencionado, impõe que a consumação dos crimes de tal jaez ocorra somente com a constituição definitiva do crédito tributário. Excepcionalmente nas hipóteses em que houver a lavagem de dinheiro e o delito subjacente for um crime tributário material, s.m.j., a Súmula n.º 24 poderá ser mitigada. Ora, não se deveria exigir o lançamento definitivo do crime subjacente para dar início à apuração da lavagem decorrente deste crime tributário. A despeito de tratar-se de entendimento minoritário, há julgado do STF consignando que a regra inserta no aludido entendimento sumular pode ser mitigada nos crimes contra a Ordem Tributária nas hipóteses de embaraço à fiscalização tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de natureza não fiscal (possibilidade de se dar início à persecução penal antes de encerrado o procedimento administrativo): “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE Nº 24. INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL ENTRE A DECISÃO RECLAMADA E O PARADIGMA INVOCADO. INVESTIGAÇÃO CONCOMITANTE DE CRIMES DE NATUREZA DISTINTA DA FISCAL. VIABILIDADE, EM TESE, DAS DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 8. Sobressai da narrativa dos agravantes que ‘são investigados outros crimes além dos tipificados no ‘art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90’, dentre eles, crimes contra a administração em geral e de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade do esgotamento das vias administrativas para a investigação do crime de lavagem de dinheiro, conquanto o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do enunciado nº 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC 118.985-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE 936.653-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016. 9. Agravo regimental desprovido”. (Rcl 28147 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018)” (grifei) Lado outro, a exigência do lançamento definitivo, que muitas vezes ocorre após a lavagem, leva, necessariamente, a uma inversão do marco temporal: ou seja, a infração subjacente pode ocorrer posteriormente à lavagem de dinheiro, de forma consumada ou tentada. Portanto, a lavagem não requer que a infração subjacente seja cronologicamente anterior, mas apenas que haja uma decorrência lógica. Devem existir produtos e proveitos de infração subjacente logicamente decorrentes e não cronologicamente decorrentes. Não se impõe a existência de um fato criminoso anterior. Fato criminoso pode ocorrer após a lavagem de dinheiro. Por exemplo, contratação de matador de aluguel que recebe uma vultosa quantia para matar alguém. Ele recebe o valor, lava, coloca em nome de laranjas e somente depois consuma ou tenta o homicídio; no crime tributário, a pessoa lava, coloca os bens em nome de terceiros e depois comete o delito tributário; no caso do delito de corrupção, nas modalidades de “aceitar” ou “receber”, a lavagem pode ocorrer antes destas. A lavagem de dinheiro pode concorrer formalmente com a infração subjacente. Uma conduta pode gerar um delito tributário e ao mesmo tempo gerar lavagem de dinheiro porque o âmbito de proteção do bem jurídico pelo legislador é diverso. Uma conduta, nos termos da teoria do concurso formal, atinge dois resultados: no caso do delito tributário tem uma proteção específica - os recursos que devem ser dirigidos à Administração Pública e as políticas públicas decorrentes da ausência desses recursos, ao passo que a lavagem de dinheiro tem um bem jurídico específico que é a Ordem Econômico-financeira e a Administração da Justiça. Ora pendendo mais à Administração da Justiça, ora à Ordem socioeconômico/financeira, a depender do caso concreto. A leitura que se faz é que a infração ligada à lavagem de dinheiro possui autonomia mais do que sufragada pelo legislador e acessoriedade limitada. A existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito que acabou se consagrando e a referência à expressão “antecedente” permanece como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando aduz no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º à infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que tem que ocorrer é algo vinculado. Os valores podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois da infração subjacente. Exige-se que o tipo subjacente seja ao menos tentado para a existência da lavagem de dinheiro, não importando a sua concretização em tempo determinado. Embora o art. 2º da Lei de Lavagem utilize a expressão "infração penal antecedente", a interpretação meramente literal do dispositivo não espelha, nesse caso, a finalidade da lei. In casu, devem ser aplicados os métodos sistemático e teleológico de exegese, a fim de que sejam atendidos tanto os fins sociais a que a norma se dirige quanto as exigências do bem comum. Nesse contexto, não é razoável excluir da persecução penal aqueles agentes que praticam a lavagem de bens ou valores comprovadamente advindos do cometimento de infração(ões) subjacente(s) não necessariamente pretérita(s) ou antecedente(s), cronologicamente falando. Em suma, a existência da infração ligada à lavagem de dinheiro é um requisito, mas a referência à expressão “antecedente” permanece apenas como força de argumentação, pois a lei em nenhum momento sugere que tenha que haver necessariamente algo cronologicamente anterior à lavagem, mesmo quando menciona no artigo 2º, incisos II e III, letra “b”, e em seu § 1º a expressão infração(ões) penal(is) antecedente(s). O que se requer é a existência de produtos e proveitos logicamente decorrentes de infração(ões) subjacente(s) e não cronologicamente decorrentes. Não se deve, pois, obrigar a existência de um fato criminoso anterior uma vez que fatos criminosos podem mesmo ocorrer, por mais curioso que possa parecer, após a lavagem de dinheiro, como os exemplos citados, entendimento este reforçado pela consagração da Súmula do STF n.º 24 que entende típico o delito tributário material somente com o lançamento definitivo. Assim, urge a existência de algo ilícito vinculado. Os valores decorrentes de uma infração subjacente podem ser lavados antes, durante ou mesmo depois deste. Por outro lado, cabe enfatizar que o mero aproveitamento da vantagem proveniente da infração subjacente consiste em desdobramento natural (exaurimento) daquela prática delituosa e, portanto, não basta para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à lavagem. No caso Mensalão (AP n.º 470/MG), por exemplo, o STF decidiu que o recebimento da corrupção por terceiros não configura o crime de lavagem de dinheiro, mas concretização do delito contra a Administração Pública. Imprescindível, portanto, para a configuração desse delito, identificar-se a ocorrência de ocultação ou de dissimulação. Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima pontua: “(...) com as mudanças produzidas pela Lei 12.683/12, admitindo que, doravante, qualquer infração penal possa figurar como antecedente de lavagem de capitais, é extremamente importante ressaltar que a tipificação da figura delituosa prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.613/98, na modalidade de ocultação ou dissimulação, demanda a prática de mascaramento do produto direto ou indireto da infração antecedente. Isso significa dizer que o uso aberto do produto da infração antecedente não caracteriza a lavagem de capitais. Logo, se determinado criminoso utiliza o dinheiro obtido com a prática de crimes patrimoniais para comprar imóveis em seu próprio nome, ou se gasta o dinheiro obtido com o tráfico de drogas em viagens ou restaurantes, não há falar em lavagem de capitais. Em síntese, o simples usufruto do produto ou proveito da infração antecedente não tipifica o crime de lavagem de capitais. [...] Portanto, se o agente se limita a comprar um imóvel com o produto da infração antecedente, registrando-o em seu nome, não há falar sequer na prática do tipo objetivo de lavagem de capitais, porquanto aquele que pretende ocultar ou dissimular a origem de valores espúrios jamais registraria a propriedade do imóvel em seu nome. No entanto, se o agente registra o imóvel em nome de um 'laranja', a fim de ocultar o rastreamento dos valores ilícitos, aí sim dar-se-á o juízo de tipicidade do crime de lavagem de capitais (...)” (in Legislação Criminal Especial Comentada. JusPodivm. 2. ed. 2014. p. 306-307). Mais recentemente, no ano de 2019, também em hipótese de corrupção, o STF, pela análise do cenário probatório descrito nos autos, entendeu que, para além do recebimento clandestino da vantagem indevida, restou evidenciada a dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem: “HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CONSUNÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. PLURALIDADE DE CONDUTAS. DOLOS DISTINTOS. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, o eventual cabimento de recurso extraordinário não subtrai, por si só, a cognoscibilidade do habeas corpus. Precedentes. 2. O sistema jurídico brasileiro não exclui os autores do delito antecedente do âmbito de incidência das normas penais definidoras do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, admitindo, por consequência, a punição da chamada autolavagem. É possível, portanto, em tese, que um mesmo acusado responda, concomitantemente, pela prática dos delitos antecedente e de lavagem, inexistindo bis in idem decorrente de tal proceder. 3. Nada obstante, a incriminação da autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação, dissimulação ou integração autônomos ao delito antecedente, ainda que se verifique, eventualmente, consumações simultâneas. 4. A consunção constitui critério de resolução de conflito aparente de normas penais incidente em casos em que a norma consuntiva contemple e esgote o desvalor da consumida, em hipótese de coapenamento de condutas. Assim, eventual coincidência temporal entre o recebimento indireto de vantagem indevida, no campo da corrupção passiva, e a implementação de atos autônomos de ocultação, dissimulação ou integração na lavagem, não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem. 5. O habeas corpus consubstancia via processual inadequada para o reconhecimento da ocorrência de consunção, forte na necessidade de exame do acervo probatório para o fim de avaliar o esgotamento do juízo de censura entre as condutas, providência que desborda dos limites cognitivos do writ. 6. Caso concreto em que se reconheceu a constituição de contas secretas e remessa clandestina de recursos ao exterior, atos que consubstanciaram práticas de ocultação, dissimulação ou integração, possibilitando fruição oportuna do resultado econômico do crime antecedente. O presente quadro processual diferencia-se, portanto, do enfrentado pelo Tribunal Pleno na AP 470 (EI-sextos e EI-décimos sextos), na qual se afastou a configuração do delito de lavagem em caso de recebimento de vantagem indevida mediante interposta pessoa e em hipótese na qual se exigiria a prática de atos subsequentes para fins de branqueamento do produto da infração penal antecedente. 7. Em caso de concurso de crimes, é incabível o reconhecimento, em habeas corpus, da incidência do critério da exasperação se as instâncias ordinárias atestaram a pluralidade de condutas e a presença de desígnios autônomos. 8. Não configura vulneração ao dever de motivação das decisões judiciais a rejeição de aplicação da regra do concurso formal próprio baseada em óbices normativos ao critério da exasperação. 9. Ordem denegada”. (HC 165036, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 09.04.2019, processo eletrônico DJe 10.03.2020) (destaque nosso) Haverá, assim, tão somente a prática da infração penal subjacente quando apenas houver uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato subjacente por delito de lavagem de dinheiro. Com isto, ficariam afastadas desta infração penal as condutas de guardar dinheiro em colchão, subornar testemunhas para se conseguir álibi etc. O STF, nos autos do Inquérito n.º 3.515/SP (Rel. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 08.10.2019, acórdão eletrônico DJe 23.06.2020), explicitou hipótese em que o ato de receber “de forma indireta, valores supostamente provenientes de corrupção, integra o tipo previsto no artigo 317 do Código Penal, de modo que a conduta de esconder notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias não se reveste de indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no artigo 1º, inciso V, da Lei nº 9.613/1998”. Também cumpre asseverar, por exemplo, que a realização de transferências bancárias sucessivas, segregando-se determinado montante de dinheiro em várias contas bancárias diferentes, é conduta que, indubitavelmente, dificulta o rastreamento da quantia inicial advinda da infração subjacente, já que, a cada nova transação, torna-se mais difícil determinar a origem daquele valor, inclusive porque essa prática possibilita que fundos “limpos” e “sujos” se misturem para compor o saldo disponível em cada conta, o que torna ainda mais complexa a localização do produto criminoso original, fato que caracterizaria a lavagem. No entanto, nem todas e quaisquer transações bancárias envolvendo dinheiro ilícito caracterizam lavagem de dinheiro. Em se constatando, por exemplo, que o produto da infração subjacente foi simplesmente depositado e/ou transferido, uma única vez, para conta(s) bancária(s) claramente identificável(eis) como pertencente(s) à(s) pessoa(s) que cometeu(ram) a infração subjacente, não se haverá que falar em lavagem, mas sim em mero exaurimento, ou seja, mera consequência lógica e natural da anterior ação criminosa. A simples distribuição do produto da infração entre os seus autores, mediante depósito/transferência do quinhão atribuído a cada participante, é desdobramento natural da infração penal subjacente e, portanto, não configura prática de lavagem. Em suma, se os agentes criminosos não se limitarem a mediante transferências (isoladas) para suas respectivas contas bancárias, simplesmente repartir, entre si, os valores obtidos pela prática de uma infração penal subjacente (o que caracterizaria o mero exaurimento), mas sim efetivarem a remessa dessas quantias a partir de transações bancárias de maneira deliberadamente pulverizadas, isto é, fracionadas e transferidas, múltiplas vezes, para diversas contas bancárias, em sua maioria abertas em nome de pessoas físicas ou jurídicas fictícias (e não em nome dos próprios agentes), restará evidenciada a intenção de mascaramento, e, por via de consequência, a lavagem de dinheiro. Em outra hipótese, em havendo a imputação de tráfico transnacional de drogas, com a apreensão dos valores oriundos desta infração pela autoridade policial em uma blitz, cujo objetivo era o desembaraço de carregamento de cocaína junto aos fornecedores da droga, devem ser considerados mero desdobramento da traficância (iter criminis), não se vislumbrando o cometimento do delito de branqueamento. No crime de lavagem de dinheiro terá que haver, em maior ou menor grau, alguma conexão entre a lavagem de dinheiro e a ocorrência de uma infração subjacente. Embora adote o entendimento de que é desnecessária a precedência cronológica da infração subjacente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tendo-se em vista que a lavagem pode, excepcionalmente, ocorrer antes mesmo da execução da infração subjacente ao qual se vincula, é evidente que a precedência lógico-jurídica (e não estritamente cronológica) é indispensável. Em outras palavras, é imprescindível que os ganhos atrelados à suposta prática de corrupção, por exemplo, tenham sido obtidos em data anterior à da prática dos atos de ocultação/dissimulação, mesmo que o ato de corrupção, em si, possa vir a ser praticado depois da lavagem. Nesse contexto lógico-jurídico, faz sentido apenas falar-se em necessidade de demonstração de relação de anterioridade e posterioridade entre os ganhos decorrentes da infração subjacente e a lavagem de dinheiro, embora a infração subjacente possa ocorrer posteriormente. No caso de a lavagem ter sido cometida anteriormente à infração subjacente, para o reconhecimento de sua consumação é indispensável que tenha se iniciado a execução desta última, que, repise-se pode ocorrer depois daquela. CASO CONCRETO VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal), DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR) foram denunciados por, supostamente, terem praticado, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, 267 (duzentos e sessenta e sete) delitos de lavagem de dinheiro entre o início do ano de 2011 e 16.05.2013. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY, IZA e EDILAINE (familiares do auditor fiscal), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691) -, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY e IZA (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Ocorreu que, ao prolatar a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada um dos quatro acusados pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, nos seguintes termos (fls. 134/138 – ID 170518759): VI - DOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS Neste capítulo, a denúncia descreve que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos por pelo menos 267 (duzentos e sessenta e sete) vezes para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98 combinado com o artigo 71 caput do Código Penal. O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada conforme ela mesma admitiu em conversa telefônica interceptada: Eu não trabalho, mas a minha vida também é um correria... Comprovou-se, ainda, em relação aos sogros de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, variação patrimonial injustificada, a percepção de recursos de origem ilícita percebidos por VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e a existência de contas bancárias utilizadas para ocultar e dissimular os recursos auferidos pelo corréu VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, conforme comprovaram os documentos, as conversas telefônicas interceptadas e e-mails, especificamente as situações descritas nos itens 76 e 77 da denúncia. Entre os documentos, cabe registrar a análise realizada pela Delegacia da Receita Federal dos cheques depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH mantidas no Banco do Brasil (126) e Banco Itaú (140), cuja soma ultrapassa o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que comprovou que todos os referidos cheques foram emitidos por contribuintes que tiveram as respectivas DIRPFs acessadas no sistema por VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH para, em alguns casos, efetuar o desbloqueio da declaração e, em outros, liberá-las da ‘malha fina’. Também foram apreendidos, tanto na residência de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como na residência de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, outros cheques cujos valores foram calculados, respectivamente, em R$ 131.504,00 (cento e trinta e um mil, quinhentos e quatro reais), em R$ 207.598,00 (duzentos e sete mil, quinhentos e noventa e oito reais), conforme comprova fl. 15, apenso III e fls. 27/33 do apenso IV, sendo que, dentre os cheques apreendidos, alguns, no valor total de R$ 13.900,00, foram emitidos por contribuintes com declarações de imposto de renda enviadas pelo IP do corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (fl. 34 do Apenso IV) enquanto outros, no valor de R$ 10.000,00, foram emitidos por contribuintes mencionados pelos denunciados em conversas telefônicas interceptadas (fl. 35 do Apenso IV). Também restou comprovado que os cheques emitidos como contraprestação pelos serviços ilícitos prestados foram depositados nas contas de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH para ocultar e dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos recursos ilícitos. Também restou comprovado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH adquiriu um terreno em nome de seus sogros, conforme comprova matrícula 86.544, ficha 003, fl.541, localizado na Alameda Piava, e ali edificou uma residência, conforme demonstrado a fls. 476/477 dos autos principais, fl. 143 do Apenso I e fls. 540/541 do Apenso I, e admitido por ele na conversa telefônica interceptada a fls.476/477: ‘Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças. Eu comprei esse terreno da Piava...Em 2007 6 anos atrás... No começo de 2007. Eu paguei 650 ml e é terreno de esquina... O terreno normal...’. Foram também referidas movimentações atípicas consubstanciadas em aportes únicos em VGBL em valor igual ou superior a R$ 300.000,00, realizados no ano de 2012, conforme segue: VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH na data de 06.07.2012 teria aplicado os valores de R$ 565.858,00 e R$ 609.858,00, ambos no UNIBANCO Vida e Previdência S.A. Contudo, em sua DIRPF de 2013, apenas uma pequena parcela desses valores - R$ 260.000,00 - teria sido declarada como pertencentes aos filhos; IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES na data de 04.06.2012 aplicou R$ 600.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.. Em sua DIRPF de 2013, ela declarou ter feito um aporte no valor de R$ 654.000,00; na mesma declaração, IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, porém, declarou ter recebido rendimentos de apenas R$ 151.370,00, a título de indenização por rescisão de contrato de trabalho, informação essa que, ademais, segundo a autoridade policial, também seria inverídica; EDILAINE LOPES SZWARCTUCH na data de 20.09.2012 teria aplicado o valor de R$ 590.000,00 no UNIBANCO Vida e Previdência S.A.; contudo, esta informação não consta de sua DIRPF, mas na de seu pai DARCY DE OLIVEIRA LOPES. Segundo a autoridade policial, tal fato encontraria explicação ‘no alto grau de confiança existente entre ambos [VITOR e DARCY] e das dificuldades de relacionamento entre VITOR e EDILAINE, separados de fato há pouco tempo. Ao agir desta forma, VITOR impediu que sua esposa tivesse conhecimento do montante total de dinheiro que possui’. Portanto, VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria utilizado sua ex-esposa EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e seus sogros IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e DARCY DE OLIVEIRA LOPES com o propósito de dissimular a origem e conferir aparência de licitude aos valores recebidos em contrapartida aos crimes praticados no Setor da Malha Fina da Receita Federal de São Paulo. Concordo com o Ministério Público Federal que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito. Discordo, no entanto, no que diz respeito à ausência de conhecimento, adesão voluntária e efetiva participação nos inúmeros e distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração, corroborados pelo comportamento dos acusados e pelas provas produzidas nos autos, em especial o uso das contas correntes bancárias abertas para abrigar as vantagens indevidas cobradas pelas violações dos deveres funcionais. Assim, restou suficientemente comprovado, que entre o início do ano de 2011 e 16 de maio de 2013, na Seção Judiciária de São Paulo, VITOR AURÉLIO SZWARTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES agiram com unidade de desígnios e identidade de propósitos para ocultar e dissimular a natureza, a origem e a propriedade de valores provenientes diretamente de crimes contra a Administração Pública incorrendo no artigo 1°, inciso V, da Lei 9.613/98. Não houve interposição de recurso por parte do Ministério Público Federal. Os corréus VITOR, DARCY, IZA e EDILAINE apelaram. Em 23.09.2022, foi declarada extinta a punibilidade do apelante DARCY DE OLIVEIRA LOPES pela ocorrência de sua morte (em 17.08.2022), com fulcro no art. 107, I do Código Penal (ID 264129364). Passa-se, pois, a apreciar os apelos interpostos pelos demais corréus condenados (VITOR, IZA e EDILAINE). PLURALIDADE DE CONDUTAS DE LAVAGEM. Inicialmente, no que diz respeito ao número de condutas de lavagem a ser considerado em hipóteses como a presente, meu entendimento pessoal é no sentido de que a ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) deverá constituir uma conduta autônoma de lavagem. Ora, especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. Em outras palavras, em se tratando de ocultação e/ou dissimulação de recursos de origem ilícita por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por terceiros, haverá tantas condutas (de ocultação e/ou dissimulação) quantos forem os depósitos (inidôneos) individualmente considerados, de maneira que cada cheque fraudulentamente “guardado/escondido” nessas contas bancárias corresponderá a uma conduta autônoma de lavagem. No mesmo sentido, em se tratando de ocultação/dissimulação de recursos de origem ilícita por meio da aquisição de imóveis, o número de condutas criminosas equivalerá à quantidade de imóveis registrados em nome de outra(s) pessoa(s) que não o(s) verdadeiro(s) adquirente(s), a fim de ocultar seu(s) real(is) proprietário(s). In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente em que a conduta lavar o dinheiro poderia ser desmembrada em inúmeros atos, de modo que os distintos atos praticados de ocultação, dissimulação e integração constituíram uma única conduta e, assim, um único delito (fl. 137 – ID 170518759). Assim, não obstante este Relator adote posicionamento diferente, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. ORIGEM ILÍCITA DO IMÓVEL E/OU DOS VALORES OCULTADOS/DISSIMULADOS. In casu, ficou demonstrada a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados em contas de titularidade de “laranjas”, os quais foram obtidos pelo auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH como produto e/ou proveito de múltiplos crimes (subjacentes) de corrupção passiva e de peculato eletrônico. Com efeito, os levantamentos realizados pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 e ESPEI08 demonstraram que os referidos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques depositados, no Banco do Brasil e no Itaú, em contas de titularidade dos corréus DARCY, IZA e EDILAINE (vide cópias dos cheques às fls. 35/147, 157/196, 201/209, 227/251 – ID 270552804 – e fls. 02/27, 37/80, 110/114 e 119/122 – ID 270552805), foram emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina” (vide relatório e planilhas acostadas às fls. 130/156 - ID 270552805). Verificou-se, p. ex., que, entre os dias 28.03.2013 e 16.04.2013, ao trocar e-mails com pessoa de nome Jesualdo Guedes Pereira Filho, VITOR indicou conta bancária de seu sogro (DARCY) para depósito de propina, o que corrobora a tese de que VITOR costumava ocultar/dissimular, em contas titularizadas por seus familiares, o produto dos crimes de corrupção e/ou peculato eletrônico por ele cometidos (fls. 236/238 – ID 170518943): Em qui, 28 de mar de 2013 07:40 BRT Jesualdo Guedes Pereira Filho escreveu: Vitor, Você recebeu os documentos? Falta algo? Grato. Um abraço Jesualdo. De: Vitor Aurélio Para: jesualdozp@yahoo.com.br Enviadas: Quinta-feira, 28 de Março de 2013 10:01 Assunto: Re: Documentos preciso dos informes da gama, telecom, sul america e bradesco. De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vitor Aurélio Enviadas: Terça-feira, 2 de Abril de 2013 12:19 Assunto: Re: Documentos Vitor, a Gama não teve atendimento em 2012. Os demais, estou enviando em anexo. Grato Jesualdo. De: Vítor Aurélio Para: Jesualdo Guedes Pereira Filho lesualdoep@vahoo.com.br> Enviadas: Segunda-feira, 8 de Abril de 2013 19:52 Assunto: COPIAS DO IRPF 2013 Jesualdo, Segue em anexo as copias da declaracao 2013 e do recibo de entrega. O valor do deposito importa em r$ 2.000,00 e a conta: Banco Itaú Ag. 0152 c/c 04513-4 Darcy Oliveira Lopes Abraco De: Jesualdo Guedes Pereira Filho Para: Vítor Aurelio Enviadas: Terça-feira, 9 de Abril de 2013 11:29 Assunto: Re: COPIAS DO IRPF 2013 Vitor, recebi as cópias do imposto de renda. Farei os pagamentos: rS 1.000,00 em 16/04113. r$ 1.000,00 em 16/05/13. Obrigado. Um abraço. Jesualdo. É firme, pois, a convicção de que VITOR, ao longo de anos, se valeu do expediente de guardar dinheiro (oriundo de propina) em contas bancárias titularizadas por seus familiares (sogro, sogra e ex-esposa), com o propósito de ocultar o fato de ser ele (VITOR) o real proprietário daqueles recursos. É o que se extrai, p. ex., dos seguintes diálogos interceptados pelos investigadores: diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 20.03.2013, às 11h19 (fl. 225 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY -0i, VITOR! VITOR - Tudo bem, DARCY? DARCY - É... Onde você tá? VITOR - Eu?! Eu tô aqui na... Na Afonso Bovero. DARCY - Ah, é? VITOR – É! DARCY - Tá ai no banco, é? VITOR - Eu já fui. DARCY - Não, aqui no Itaú. VITOR - É... Já fui! DARCY - No banco... VITOR - É... É... Já fui. DARCY - Escuta, mas então... Tô te ligando... Quando é que você vai querer abrir essa conta ai? VITOR - É... Que horas são agora? São 11h20... DARCY - Hoje não dá, VITOR VITOR - Ah, não? DARCI - É que eu que eu tô... Tô fazendo uma geral aqui no apartamento... VITOR – Hã. DARCY - E depois vou ter que comprar o negócio da baby. Então... Dá pra Ir amanhã? VITOR - Ah, a gente marca amanhã de manhã. DARCY - Então, escuta.... VITOR - Hum! DARCY - O que que vou precisar levar... Você falou? VITOR - Só os seus documentos. DARCY - Ah, tá! Não precisa de nenhuma conta de luz, nada? VITOR - Eu tenho, né? DARCY - Ah, tá! VITOR - Eu tenho uma conta de luz daí. DARCY - Você foi fazer o que aí? Foi abrir conta aí? VITOR - Não... Não... Eu fui fazer depósito. Na caderne... Na caderneta de poupança das crianças. DARCY - (Incompreensivel)... Você deposita aí e cai lá, né? VITOR - É... É... DARCY - Ah, tá! Então, faz o seguinte... Que horas que a gente se encontra... Onde é que a gente se encontra? VITOR - Ah, se você quiser, a gente pode se encontrar às 10h00 aqui na porta do banco... Unibanco. DARCY - Às 10h00 em ponto. E que eu não gosto de ficar muito parado aí não, viu? VITOR - É... Não, 10h00 em ponto! A hora que abre a gente já entra e já fala com o gerente. DARCY - Ah, tá legal! VITOR - Tá... Não esquece do CIC e RG. DARCY - Não, eu não largo deles... Tá comigo. V1TOR - Tá bom! DARCY - Tá... VITOR - Amanhã, então! Tá... diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51 (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - A1ô! DARCY – Oi, VITOR! VITOR – Oi! DARCY – Ó... VITOR - Hã? DARCY - Chegou mais um cartão da IZA agora, viu? VETOR - Tá... DARCY - Do Itaú. VITOR- Tá... Deixa aí. DARCY - Deixa aqui, né? VITOR – É! Deixa escondido. DARCY - Entrega pra ela? VITOR - Não, não fala nada... Deixa escondido. DARCY - Porque um... Um ela já pegou, né? VITOR - Hã! DARCY - E... Agora chegou outro. VITOR - É, não mostra não. Deixa quieto aí. Esconde... DARCY - Depois te mostro procê ai. VITOR- Tá bom. DARCY - Tá, tchau! VITOR Tchau. diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 04.04.2013, às 17h07 (fl. 229 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? DARCY - Tudo bem... Escuta! Chegou duas cartas aqui do nosso Itaú aqui... VITOR – Hã! DARCY - Eu acho que é cartão, né? VITOR - Eu também acho. DARCY - É, porque... Tá duro, aqueles negócio dele, sabe? VITOR – Hamhamm. DARCY - Tá uma no meu nome e uma no seu nome. VITOR - Tá... É, são os cartões... DARCY - É, né? VITOR - É! DARCY - Tá... Bom, depois eu te entrego uma hora aí, né? (...). diálogo travado entre VITOR e a gerente de sua conta no Banco Itaú Personalité, de nome Fabiana, interceptado em 05.04.213, às 15h55, o qual revela que era VITOR quem, efetivamente, controlava e/ou movimentava (inclusive sem procuração) as contas bancárias abertas em nome de seus familiares (fls. 231/234 – ID 170518943): FABIANA - Alô! Por gentileza, o Sr. VITOR... VITOR - Eu! FABIANA - Oi, Sr. VITOR! É FABIANA do Itaú Personnalité de Alphaville. Tudo bem? VITOR - Oi, tudo bem? FABIANA - Tudo! O senhor tá podendo falar um minutinho? (...) FABIANA - Eu tava analisando aqui, o senhor tem um volume expressivo, é... Em dois VGBLs, no master índice, de preço. VITOR - Isso... FABIANA - O que que eu queria conversar com o senhor: esses fundos, o ano passado, foram super bem, né? Acho que o senhor teve uma rentabilidade aí de quase 30% no ano. Porém esse ano, devido ao cenário agora, elevação na taxa de juros... Ele já está negativo de janeiro até ontem, já bateu 4% negativo. VITOR - Humhumm! FABIANA - Então, o que eu queria conversar com o senhor: como na previdência a gente tem esse benefício de poder fazer portabilidade sem causar nenhum ônus pro cliente, sem precisar pagar imposto... Enfim, nenhuma taxa... A gente portar ele para um plano DI, por exemplo, recuperando esse cenário de índice de preços, depois o senhor pode voltar pra essa...Pra esse produto. (...) VITOR - Mas será que com essa história do aumento da inflação, será que não vai reverter esse VGBL? FABIANA - Não, ele não tem a ver: aumenta a inflação, aumenta a rentabilidade. Ele é composto daquelas NPNs, que são aqueles títulos do governo... E esses títulos, nesses planos de previdência, são os títulos acima de 5 anos. Então, como o mercado já tá precificando que vai subir as taxas de juros, eles já tão fazendo a marcação ao mercado desses títulos.... VITOR - Hã... FABIANA - Por isso que tá tendo essa desvalorização. VITOR - Entendi... FABIANA - Ele não tem a ver... Ele é um fundo de índice de preços, mas ele não tem a ver: subiu a inflação...Senão, era pra tá super alto com a inflação, né? Eles vão justamente aumentar os juros pra poder controlar a inflação, mas não é nesse sentido. Tá? Esse fundo... VITOR - Hã! É... É que é assim, também não sou só eu nesse barco não... Tem os meus sogros, né? FABIANA - Hum! VITOR - ... Que também tão com o mesmo produto e... FABIANA - Estão na outra conta? VITOR - São outras duas contas. FABIANA - Hummm... Então, eu acho interessante... (...) VITOR - Tá, mas... Hã... FABIANA - Qual que é a conta do seu sogro? VITOR - Já te passo... No caso, com a KARINA, né? Eu fui com eles aí e a KARINA... Assim, era eu que... Eu que fazia tudo, né? Sou eu que cuido das contas deles. FABIANA - Mas na conta dele, você tem procuração? VITOR – Não tenho. Era coisa de boca, né. FABIANA – É... Porque ela fazia, mas assim... Ela poderia até ser punida por isso, tá VITOR? (...) Ou você vem... Vamos supor que você decida fazer a portabilidade. Ou você vem com eles aqui, ou eu posso mandar um portador pra eles assinarem... VITOR - Tá! FABIANA - Ou você faz uma procuração pra você entrar na conta. Entrar, não. Poder administrar, né? Vamos dizer assim... (...). Em suma, o conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08 (fls. 130/156 - ID 270552805), quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto à residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, ficou igualmente demonstrado que, não obstante esta tenha sido edificada em terreno registrado em nome dos corréus DARCY e IZA (sogro e sogra de VITOR) - vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691- seu real proprietário era o auditor fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, conforme se pode extrair do seguinte diálogo, travado entre VITOR e um corretor de imóveis de nome Luis, interceptado em 23.03.2013, às 11h50 (fls. 227/228 – ID 170518943): LUIS - Alô! VITOR - LUIS? LUIS - Sim! VITOR - Ô, LUIS! Como vai? Tudo bem? LUIS - Tudo bom! VITOR - É... Quem fala é VITOR! Pai das trigêmeas... Lembra? LUIS - Pai das trigêmeas... VITOR - Vendi uma casa prum... Prum rapaz... na... no... Eu tinha uma casa térrea verde no 12... LUIS - Ah, no 12! O Sr VITOR... VITOR - Tá lembrado? LUIS - Ô! VITOR - Então tá... Seu LUIS! LUIS – Oi! VITOR - Estamos numa nova empreitada. LUIS - Oi! VITOR - Eu me separei E assim, eu queria ver o que que eu arrumo por aqui. LUIS - Ok! Tem ideia se é apartamento... VITOR - Não, apartamento não. LUIS - Casa mesmo? VITOR - É... Eu... E assim, eu tô pensando em ficar aqui no 11 mesmo... LUIS - Hã! VITOR - Né? Eu tenho casa... A casa onde tá as crianças... LUIS - Ah, eu lembro que o senhor vendeu lá. O senhor tinha construído no 11, não foi? VITOR - Isso! Isso! Então eu queria ficar aqui no 11 pra ficar perto das crianças. LUIS - Correto! VITOR - Mas assim, eu tô bem por fora de preços e tudo mais. Então, seria assim: num primeiro momento, o que a gente acha de casa. LUIS - Ok! VITOR - E se não... Sei lá! Se aqui no 11 não tiver nada, que a gente consiga chegar num consenso e tudo mais... LUIS - Hã! VITOR - De repente até eu posso pegar um terreno e também construir. LUIS - Ó, então, mais fácil casa, viu VITOR... VITOR - É, né? LUIS - Os terrenos estão acabando. VITOR - São poucos... LUIS - E terreno, o pouco que tem, o preço tá realmente lá em cima. (...) VITOR - Então, deixa me ver assim... O senhor tem ideia de quanto tá saindo o metro de terreno aqui no 11? LUIS - Tá na faixa de R$ 1.000,00, mais ou menos. Deixa pegar, o terreno... VITOR - Nossa Senhora! LUIS - ... Quer ver? Terreno... VITOR - Como subiu! Dobrou o valor... LUIS - Dobrou. É porque tá acabando. Por isso que eu falei... Às vezes, a pessoa faz um melhor negócio numa casa, né? VITOR - Hã! LUIS - Os terrenos aqui... É, ó... Eu tenho de 833, que não são bons... Já vou lhe falando... VITOR - Hum! LUIS - (Incompreensível) multo aclive, né? VITOR - Sim, sei... LUIS - Então, ali, realmente, o senhor economiza no terreno, mas gasta na construção, né? Os outros lá, tá de 900 até 1.400 o metro... VITOR - Caramba! Eu comprei... Eu comprei... LUIS - Entre 1.000 e 1.400. VITOR - Eu comprei esse terreno da Piava... LUIS - Hã! VITOR - ... Em 2007. LUIS - 6 anos atrás... VITOR - No começo de 2007. Eu paguei 6500 m 2 e é terreno de esquina... O terreno normal... LUIS - Se o senhor corrigir isso daí em 6 anos, também não vai dar muita diferença não. VITOR - É, né? O terreno normal, na época, tava 550 o metro. Quer dizer, dobrou, né? LUIS - É... Dobrou. VITOR - Dobrou em 6 anos. Ocorre que, embora se saiba que VITOR ocultou a propriedade do referido imóvel registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA), o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006 (vide Matrícula às fls. 226/231 – ID 170518691), ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Quanto à residência situada no terreno, construída, ao que tudo indica, nos meses e/ou anos subsequentes (vide imagem à fl. 144 – ID 270552800), observa-se que a Matrícula do imóvel não a menciona e que a Corregedoria da Receita Federal apurou, a esse respeito, tão-somente o seguinte (fl. 144 – ID 270552800): Nota-se que nas DIRPF originais de 2007 a 2011 a Sra. IZA e o Sr. DARCY informaram a propriedade de 50% de um terreno à Al. Piava, 248 (...), em conformidade com o informado na DOI. Todavia, a partir da entrega das DIRPF retificadoras, transmitidas pelo IP SUSPEITO no ano de 2011, passou a constar que a Sra. IZA e o Sr. DARCY tinham a propriedade, cada um, de 50% de uma casa à Al. Piava, 248 (...). Ora, se a informação do cartório somente mostra a compra de um terreno e no local atualmente há uma casa, ela deve ter sido construída naquele terreno após a compra (...). Ora, apesar de, a partir das informações supramencionadas, ser possível extrair que a aludida residência foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos acostados às fls. 03/11 do ID 270552810, p. ex., revelam que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto (vide relatórios às fls. 04/55- ID 170518579 e fls. 53/71 - ID 170518766); a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013 (fls. 03/38 – ID 170518764). De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH alega que a ocultação dos valores se deu “durante o ‘iter criminis’” (fl. 248 - ID 170518682), ou seja, foi concomitante à prática dos delitos de corrupção, de maneira que deve ser adotado o entendimento de que não houve ação distinta e autônoma de lavagem de dinheiro. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. Em outras palavras, o aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Caso o desvalor da conduta de ocultar/dissimular produto de ilícito penal (lavagem) não esteja abrangido pelo desvalor do recebimento (indireto) da vantagem indevida (oriunda da corrupção passiva), não se cogitará da aplicação do princípio da consunção. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Válido, nesse passo, destacar o seguinte trecho da fundamentação da r. sentença (fls. 134/165 - ID 170518759): O Escritório da Corregedoria da 8ª Região detectou variação patrimonial não coberta de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH e de pessoas próximas a ele, integrantes do seu núcleo familiar, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, DARCY DE OLIVEIRA LOPES e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, respectivamente, ex-mulher, sogro e sogra e apurou que VITOR AURÉLIO SZWARTUCH os utilizava para ocultar e dissimular o proveito das infrações penais funcionais cometidas por ele, mediante o registro de parte de seus bens em nome deles e a elaboração de declarações de imposto de renda ideologicamente falsas para justificar renda suficiente para suportar a compra simulada. De fato, restou comprovado, fls. 56/64 do Apenso I, transmissões pelo IP (Internet Protocol) de VITOR AURÉLIO SZWARTUCH de declarações de imposto de renda, originárias e retificadoras, de distintos anos, de DARCY DE OLIVEIRA LOPES, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, 'sendo que algumas delas apontaram enorme variação patrimonial (fls. 126/129 do Apenso I) ou computaram o recebimento de verbas inverossímeis, como a indenização de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) paga a EDILAINE LOPES SZWARTUCH por rescisão de contrato de trabalho quando ela não exercia qualquer atividade remunerada (...) – grifo nosso. Reitere-se que o fato de existir eventual coincidência temporal entre o recebimento da propina (oriunda do crime de corrupção) e a implementação de atos autônomos de lavagem, “não autoriza o reconhecimento de crime único se atingida a tipicidade objetiva e subjetiva própria do delito de lavagem” (nesse sentido: STF, Segunda Turma, HC n.º 165.036/PR, Rel. Min. Edison Fachin, Julg. em 19.04.2019, Dje de 10.03.2020). Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. DOLO RELACIONADO ÀS CORRÉS IZA E EDILAINE. Em suas razões de Apelação (fls. 265/301 - ID 170518682 e fls. 163/206 - ID 170518682), as defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES alegam, em síntese, ocorrência de erro de tipo, “o qual possui o condão de afastar o dolo” (fl. 288 – ID 170518682), pois as apelantes não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682). É certo que, para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Cabe consignar, ainda, que o dolo (elemento integrante da tipicidade) não se confunde com a potencial consciência da ilicitude (elemento integrante da culpabilidade), bem como que a ignorância da lei é inescusável e não se confunde com a ausência de potencial conhecimento da ilicitude, já que a consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido axiológico das normas de cultura, independentemente de leitura do texto legal (STJ, RHC 4772/SP, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T. RSTJ, v. 100, p. 287). Inclusive, para a reprovação penal, sequer é necessária a real consciência da ilicitude, bastando a possibilidade de obtê-la (consciência potencial), isto é, a possibilidade de extraí-la das normas de cultura, dos princípios morais e éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. Assim sendo, para que se cogite de condenação pelo delito de lavagem de dinheiro, deverá o agente, ao realizar quaisquer das ações nucleares do tipo, ter pleno conhecimento de todos os elementos que compõem a figura típica (o que inclui o conhecimento de que valores ocultados/dissimulados têm origem ilícita), sob pena de, eventualmente, se verificar a ocorrência de "erro de tipo", no caso, p. ex., de haver falsa percepção sobre a natureza (lícita ou ilícita) do recurso ocultado/dissimulado (hipótese em que se falará em exclusão do dolo). No caso concreto, entretanto, não se vislumbra ter havido, quer por parte de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH quer por parte de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, equivocado conhecimento sobre quaisquer elementares e/ou circunstâncias que integram a figura típica da lavagem, não se havendo de falar, pois, em erro de tipo. É certo que o fato de existir um ‘laranja’ se relacionando com bem proveniente de infração penal não torna, automaticamente, qualquer conduta do beneficiário desses ativos típica de lavagem de dinheiro, e nem significa que a conduta do ‘laranja’ será objetivamente típica. Afinal, o tipo penal em questão não incrimina a conduta de usar terceiros em seu nome para registrar ativos (in CAMPANA, Felipe Longobardi, e SILVA FILHO Sérgio Quintão, Responsabilização penal da figura do ‘laranja’ pelo delito de lavagem – parte 1 – https://www.conjur.com.br/2024-out-28/reflexoes-sobre-a-responsabilizacao-penal-da-figura-do-laranja-pelo-delito-de-lavagem-parte-1/ – acesso em 03.06.2025). Ocorre que, não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito” (fl. 291 – ID 170518682), esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Frise-se, em especial, que: ficou demonstrado que VITOR não se limitava a abrir contas bancárias em nome das corrés (o que, ao que tudo indica, ocorria com a conivência delas, já que não há qualquer indício de falsificação de procuração, p. ex.), mas também costumava transmitir, em nome de ambas, declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR às fls. 56/65 – ID 270552800), sendo razoável supor que isto ocorria, também, com o conhecimento delas. Consta dos autos, p. ex., que EDILAINE teria informado, em uma dessas declarações (DIRPF 2012), ter recebido o montante de R$ 187.425,00 (cento e oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e cinco reais) a título de indenizações por rescisão de contrato de trabalho, inclusive a título de PDV, e por acidente de trabalho, FGTS (rendimento isento), embora não exercesse nenhuma atividade remunerada, o que indica que ela sabia sobre a necessidade de “camuflar” a origem ilícita dos recursos por ela declarados à Receita Federal. Em relação à corré IZA, chega-se à mesma conclusão, pois, segundo se apurou, DARCY e IZA declararam, entre os anos de 2006 e 2011, terem recebido o montante de R$ 252.480,00 (duzentos e cinquenta e dois mil e quatrocentos e oitenta reais) a título de rendimentos de pessoa física, sem, contudo, demonstrarem a origem desses valores. ficou evidenciado que, na condição de familiares do auditor fiscal (VITOR), as corrés usufruíram, direta ou indiretamente, de status econômico-financeiro incompatível com a renda legitimamente aferida por VITOR (genro e ex-marido das corrés). Recibos de gastos apreendidos durante busca e apreensão realizada na residência de EDILAINE (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes) revelaram que esta corré gozava de um padrão (financeiro) de vida privilegiado, com gastos elevados. Em diálogo travado entre os corréus VITOR e DARCY (sogro de VITOR), interceptado no dia 21.03.2013, às 18h51, ambos mencionam, p. ex., que EDILAINE (“Tuca”) estaria “indo pra Miami”, bem como que EDILAINE costumava “gastar” muito dinheiro (fl. 226 – ID 170518943): VITOR - Alô! DARCY - Oi, VITOR! VITOR - Oi, DARCY. Tudo bem? (...) VITOR - Não sei se você sabe, a TUCA tá indo pra Miami hoje à noite. DARCY - Meu Deus do céu! É? VITOR - É, ela vai... DARCY - E as crianças? Vai ficar com quem? VITOR - Então, ela vai ficar fora uma semana e eu vou então lá pra Alphaville hoje. Eu vou ficar lá uma semana. DARCY - Ah, você vai ficar lá? VITOR - Vou... DARCY - Ainda bem, meu! Sabe o que eu pensei? Que ela ia pra lá e ia largar as crianças na mão da... Da IZA lá... Porque eu liguei pra lá agora, ela atendeu e me atendeu muito mal. Mandei chamar a IZA e ela me atendeu mal, sabe? VITOR - Hamhamm! DARCY - Ia só falar com a IZA, aí eu peguei e desliguei. Não dá pra conversar com ela. VITOR - É, então assim... Se você quiser ir pra lá, você pode ir. DARCY - Quando? VITOR - Não, quando você quiser! Qualquer dia... Eu vou tá lá. DARCY - Ela vai hoje e vai voltar quando? VITOR - Só volta na outra quinta-feira. DARCY - Nossa Senhora! Gasta dinheiro, né? VITOR - (Risos)... DARCY - Você paga, né? VITOR - Tô achando bom. Vou ficar uma semana com as crianças. DARCY - Legal, né? VITOR - Pra mim tá ótimo! (...). durante a execução de mandado de busca e apreensão (vide autos n.º 0005578.49.2013.403.6181 – IDs 270552788 e seguintes), cumprido em data em que VITOR e EDILAINE já estavam separados de fato e, portanto, morando em residências distintas, foram apreendidos diversos cheques oriundos de propina, isto é, cheques emitidos por pessoas (contribuintes) cujas declarações (DIRPFs) foram acessadas por VITOR no sistema da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ora para “desbloqueá-las”, ora para “liberá-las”, fraudulentamente, da “malha fina”, sendo que, boa parte desses cheques foi encontrada na residência de EDILAINE, fato que reforça a convicção de que EDILAINE aderiu, conscientemente, ao comportamento criminoso de “lavar” a propina recebida por seu ex-marido (VITOR). Destaque-se que, nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. A propósito, confira-se: (...). Firmada a materialidade do crime de lavagem, resta analisar o elemento subjetivo. Questão que se coloca é a da efetiva ciência dos beneficiários quanto à procedência criminosa dos valores recebidos e à possibilidade do dolo eventual. O dolo eventual na lavagem significa, apenas, que o agente da lavagem, embora sem a certeza da origem criminosa dos bens, valores ou direitos envolvidos quando pratica os atos de ocultação e dissimulação, tem ciência da elevada probabilidade dessa procedência criminosa. Não se confundem o autor do crime antecedente e o autor do crime de lavagem, especialmente nos casos de terceirização da lavagem. O profissional da lavagem, contratado para realizá-la, pelo autor do crime antecedente, adota, em geral, uma postura indiferente quanto à procedência criminosa dos bens envolvidos e, não raramente, recusa-se a aprofundar o conhecimento a respeito. Doutro lado, o autor do crime antecedente quer apenas o serviço realizado e não tem motivos para revelar os seus segredos, inclusive a procedência criminosa específica dos bens envolvidos, ao lavador profissional. A regra no mercado profissional da lavagem é o silêncio. Assim, parece-me que não admitir a realização do crime de lavagem com dolo eventual significa na prática excluir a possibilidade de punição das formas mais graves de lavagem, em especial a terceirização profissional da lavagem. O caso presente ilustra essa hipótese, pois houve, no caso do PP e do PL, a contratação de empresas financeiras que lavaram o numerário repassado pelas contas das empresas de Marcos Valério de uma forma bastante sofisticada. Ainda que tivessem ciência da elevada probabilidade da procedência criminosa dos valores lavados, é difícil, do ponto de vista probatório, afirmar a certeza dos dirigentes dessas empresas quanto à origem criminosa dos recursos. Sem admitir o dolo eventual, revela-se improvável, em regra, a condenação dos lavadores profissionais. O tipo do caput do art. 1º da Lei 9.613/1998, de outra parte, comporta o dolo eventual pois, em sua literalidade, não exige elemento subjetivo especial, como o conhecimento específico da procedência criminosa dos valores objeto da lavagem. Essa interpretação encontra apoio expresso no item 40 da Exposição de Motivos n.º 692/1996: ‘Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1º, §1º, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou dissimulação da utilização de bens, direito ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo’. A admissão do dolo eventual decorre da previsão genérica do art. 18, I, do Código Penal, jamais tendo sido exigida previsão específica ao lado de cada tipo penal específico. O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine). Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa. Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito. Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro. Na hipótese sub judice, há elementos probatórios suficientes para concluir por agir doloso - se não com dolo direto, pelo menos com dolo eventual (...) – grifo nosso. (STF, Plenário, AP n.° 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 17.12.2012, Public. em 22.04.2013, páginas 1.271/1.273 do Acórdão) Também o C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento relacionado à prática do delito de lavagem de dinheiro, já asseverou que a denominada teoria da cegueira deliberada, criação doutrinária e jurisprudencial, preconiza que é possível a condenação pelo crime de lavagem de capitais, ainda que ausente o dolo direto, sendo admitida a punição a título de dolo eventual, desde que presentes alguns requisitos, a saber, que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento da intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, se ela vier a ocorrer, quando teria plenas condições de investigar a proveniência ilícita dos bens (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp n.° 1.793.377/PR – 2019/0020620-1, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Julg em 15.03.2022, DJe de 31.03.2022). Em suma, ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos ora apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). Ante o exposto, devem ser mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, cada qual pela prática do delito de lavagem de dinheiro por uma vez (nos termos estabelecidos pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus). INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. Os crimes de lavagem de dinheiro em questão foram praticados por uma pluralidade de agentes, os quais agiram em convergência de vontades (vínculo subjetivo) para a realização de um mesmo tipo penal (unidade delitiva). Trata-se, assim, de hipótese de concurso de pessoas, em que a punição dos envolvidos pode, em tese, variar em função da posição e/ou teoria que, porventura, se adote, especialmente no que diz respeito aos critérios de distinção entre autor e partícipe e à sua punibilidade. As corrés EDILAINE e IZA requereram, em suas razões de Apelação, o reconhecimento de que não teriam atuado como coautoras, mas sim como partícipes de menor importância. Para uma melhor compreensão do tema, cabe sintetizar, brevemente, duas teorias que, baseando-se em critérios de distinção entre autoria e participação, relacionam-se à punibilidade daqueles que praticam crimes em concurso de pessoas, quais sejam: i) teoria monista e ii) teoria dualista. Teoria monista (ou unitária), de acordo com a qual todos os agentes que, de algum modo, contribuíram, em concurso, para o resultado criminoso, deverão, obrigatoriamente, responder pelo mesmo delito. Trata-se de corrente que se aproxima da teoria material-objetiva, pautada no critério subjetivo-causal (equivalência das condições), segundo a qual qualificam-se como autores todos aqueles que, independentemente de praticarem ou não o verbo descrito no tipo penal, contribuem dando causa, de algum modo, mesmo que em graus diferentes, à produção do resultado criminoso. Em suma, trata-se de teoria que se abstém de qualquer diferenciação entre as figuras de autor e partícipe. Para a corrente monista pura, todos os indivíduos que, causalmente e em equivalência de condições, concorrerem para a prática do crime serão, objetivamente, denominados autores (conceito extensivo de autor), podendo haver, somente a posteriori, no momento da fixação da pena, a atribuição de causas limitadoras da punibilidade para “autores de menor relevância”, em função de sua culpabilidade (princípio da individualização da pena). Teoria dualista, a qual sugere a aplicação de tipos penais diversos para autores e partícipes, identificando como autor aquele que pratica (integral ou parcialmente) a ação central tipificada (verbo da conduta criminosa) e como partícipe aquele que pratica ações acessórias, contribuindo para a realização do crime, isto é, auxiliando materialmente ou induzindo/instigando moralmente o autor. Trata-se, pois, de corrente que se apoia nos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria formal-objetiva, segundo a qual qualificam-se como autores apenas aqueles que executam, integral ou parcialmente, a ação legalmente tipificada, bem como qualificam-se como partícipes aqueles que, sem praticar o núcleo do tipo, contribuem para a realização do crime, quer prestando algum tipo de auxílio material ao autor, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Nesse contexto, os autores serão os agentes (executores) principais, enquanto os partícipes serão agentes meramente secundários, para os quais haverá uma previsão típica distinta. Cumpre esclarecer que, no âmbito do direito penal brasileiro, diferentemente do que ocorre em países como a Alemanha, p. ex., não há, no plano da Lei, uma distinção conceitual analítica clara entre autoria e participação. Os artigos 29, 30 e 31 do Código Penal Brasileiro assim dispõem: Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) A leitura isolada do caput do artigo 29 pode, em princípio, levar à conclusão de que todo aquele que se insere na cadeia causal de um crime deve, invariavelmente, ser qualificado como autor, nos moldes do que preceitua a teoria monista (ou unitária) pura, para a qual não há distinção entre autor e partícipe, ficando a quantificação da responsabilidade postergada para o momento da aplicação da pena, em função da culpabilidade de cada agente. Contudo, os dizeres dos parágrafos do artigo 29 e dos artigos 30 e 31 do Código Penal Brasileiro afastam a conclusão de que o legislador pátrio teria adotado um sistema unitário puro, apontando para a adoção de uma espécie de sistema unitário temperado (ou moderado), em que, ao mesmo tempo em que se determina, como regra, a imputação de um único crime aos agentes que agem em concurso (nos moldes do que propõe a teoria monista), faz-se, também, alusão aos critérios de diferenciação entre autoria e participação propostos pela teoria dualista, conjugando-se, assim, ambas as teorias. Em outras palavras, não obstante tenha-se, como regra, que um único crime deve ser imputado a todos os agentes concorrentes (unidade delitiva), admite-se, a depender do grau de relevância causal da conduta praticada pelo agente, que a ele seja atribuída a condição de mero partícipe, e não, necessariamente, de autor/coautor, o que poderá lhe acarretar consequências mais brandas, caso, p. ex., sua participação seja identificada como de menor importância (inteligência do §1° do art. 29 do CP) ou, ainda, caso seja identificado um desvio subjetivo de conduta (inteligência do § 2° do art. 29 do CP). Nesse cenário, a distinção conceitual entre autor e partícipe ganha relevância, não apenas para fins de se quantificar a pena, mas, inclusive, para fins de se determinar, nos casos concretos, a própria extensão da norma proibitiva. Pois bem. Conforme já se asseverou, o Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Ocorre que, na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. DOSIMETRIA. O cálculo da pena deve atentar-se aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar-se à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal. Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição. VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH foi incialmente condenado pela prática dos delitos de corrupção passiva (por 3 – três – vezes, referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), corrupção passiva qualificada (por 2 – duas – vezes, referentes às 2ª e 7ª condutas), corrupção privilegiada (por 4 – quarto – vezes, referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas), peculato eletrônico (por 8 – oito – vezes, referentes às 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª condutas), violação de sigilo funcional (por 4 – quatro – vezes, referentes à 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas) e lavagem de dinheiro (por 1 – uma - vez). No corpo do presente voto, reconheceu-se, de ofício, a ocorrência de prescrição em relação às condutas de corrupção privilegiada e violação de sigilo funcional, bem como foram mantidas as condenações de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH pela prática dos delitos de: corrupção passiva, por 3 – três – vezes (referentes às 6ª, 8ª e 11ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; corrupção passiva qualificada, por 2 – duas – vezes (referentes às 2ª e 7ª condutas), tendo sido a pena de cada delito fixada em 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa; peculato eletrônico, por 8 - oito – vezes, tendo sido a pena de cada delito fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. lavagem de dinheiro, por 1 – uma – vez, tendo sido a pena fixada em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa. Inicialmente, no tocante ao delito de corrupção passiva qualificada cumpre tecer algumas breves considerações. No crime de corrupção passiva qualificada, o juiz deveria ter partido da pena-base de 2 anos, que acrescida do aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas (sendo que cada uma ensejaria o aumento de 1/12 sobre a pena mínima), resultaria na pena-base de 2 anos e 6 meses de reclusão. Nada havendo a ser valorado na segunda fase da dosimetria e devendo ser reconhecida na terceira fase da dosimetria somente a causa de aumento de 1/3, a pena final deveria perfazer o total de 3 anos e 4 meses de reclusão. Todavia, partiu-se de uma pena-base de 2 anos e 8 meses, pois considerou o aumento previsto no artigo 317, § 1º, do CP, logo na primeira fase da dosimetria. Posteriormente, promoveu-se o aumento de ¼, em razão do reconhecimento de 3 circunstâncias negativas, perfazendo a pena de 3 anos e 4 meses, que se tornou definitiva em razão da ausência de critérios da segunda e terceira fases a serem considerados. Assim, como o procedimento levado a efeito pelo juiz não resultou em qualquer prejuízo ao réu, não há necessidade de qualquer reparo quanto à sistemática utilizada para o cálculo da pena do crime de corrupção passiva qualificada. Na primeira fase da dosimetria, foram valorados negativamente, para esses crimes (corrupção, peculato eletrônico e lavagem), três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime). Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VITOR tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 145 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pelo cargo que ocupava, tinha o dever expresso de lealdade com a Secretaria da Receita Federal” (fls. 145, 147, 149 e 153 – ID 170518759) e, no entanto, “praticou inúmeras infrações que deveria, por dever de oficio, coibir” (fls. 145, 147, 150 e 153 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas de corrupção e peculato eletrônico perpetradas por VITOR (auditor fiscal) apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de servidor lotado no setor de “malha fina” (Defis/SP/Sevic/Eqac) da Receita Federal, VITOR era, justamente, um dos responsáveis pela análise e/ou conferência dos dados (falsos) inseridos nas declarações de Imposto de Renda fraudulentamente “liberadas” por ele. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve, portanto, excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo auditor fiscal, justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de corrupção e peculato eletrônico. Quanto à prática do delito de lavagem de dinheiro, contudo, tem-se que o cargo ocupado por VITOR (auditor fiscal lotado no setor de “malha fina” da Receita Federal) não foi, diretamente, utilizado para viabilizar ou facilitar o crime. Em outras palavras, não se vislumbra conexão objetiva entre a função pública exercida por VITOR e o modo pelo qual se deu a prática criminosa da lavagem, razão pela qual a valoração negativa do vetor “culpabilidade” deve ser afastada. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” para os delitos de corrupção passiva, corrupção passiva qualificada e peculato eletrônico, bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, pois tais motivos teriam sido “puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos e amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 145/146, 147, 150 e 153 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção, o peculato eletrônico e a lavagem de dinheiro sejam crimes contra a Administração Pública e/ou contra a Ordem Econômica, é inegável que todos esses delitos, guardadas as suas peculiaridades (qualificação do agente como servidor público, p. ex.), possuem, também, características de crimes contra o patrimônio, isto é, envolvem expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, estimados em R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 146 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base dos delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para os delitos de corrupção, peculato eletrônico e lavagem. Do quantum a ser majorado. O quantum de majoração correspondente a cada circunstância judicial tida como desfavorável deve mostrar-se adequado à prevenção e reprovação do crime, não se limitando a cálculos aritméticos ou percentuais pré-estabelecidos, sendo tal ponderação aceita na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BUSCA DOMICILIAR. JUSTA CAUSA OBSERVADA. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. (AgRg no REsp 143.071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). Isso significa que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração de aumento específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor. (...) 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.595.884/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) No caso em questão, justificar-se-ia, em princípio, a exasperação da pena-base em patamar ainda mais elevado do que o adotado pelo r. juízo a quo. Contudo, em face da ausência de recurso ministerial, não se há de falar em modificação da fração de aumento fixada pela r. sentença, sob pena de reformatio in pejus. Em face do parcial provimento ao apelo de VITOR, as penas-base ficam assim estabelecidas: corrupção passiva: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva (art. 317, caput, do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. corrupção passiva qualificada: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de corrupção passiva qualificada (art. 317, §1°, do CP) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 4 (quarto) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa; peculato eletrônico: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. lavagem de dinheiro: observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Não houve alteração desses patamares nas segunda e terceira fases da dosimetria, de modo que as penas definitivas de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH ficam estabelecidas em: 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos três delitos de corrupção passiva a ele imputados; 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos dois delitos de corrupção passiva qualificada a ele imputados; 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para cada um dos oito delitos de peculato eletrônico a ele imputados. 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa para um delito de lavagem a ele imputado. Concurso Material x Continuidade Delitiva. Em relação aos delitos de corrupção (três delitos de corrupção passiva e dois delitos de corrupção passiva qualificada) pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 26.03.2013, 08.04.2013, 16.04.2013 – por duas vezes - e 25.04.2013), observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra do concurso material de crimes (inteligência do art. 69 do Código Penal), somando, portanto, as penas a ele imputadas. Já em relação aos oito delitos de peculato eletrônico pelos quais VITOR foi condenado (ocorridos nos dias 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013) observa-se que o r. juízo a quo aplicou a regra da continuidade delitiva, incidindo, portanto, a pena de um dos crimes aumentada de 2/3 - dois terços – fl. 151 – ID 170518759 (inteligência do art. 71 do Código Penal) Em suas razões de Apelação, a defesa de VITOR requereu o reconhecimento da hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, nos moldes do que ocorreu em relação aos crimes de peculato eletrônico. Pois bem. Para a caracterização de crime continuado, o agente deve, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, os quais devem, necessariamente, ser da mesma espécie, bem como deve o primeiro delito determinar o(s) subsequente(s), ou seja, ser a causa dos outros crimes, observadas as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O artigo 71, caput, do Código Penal assim dispõem: Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços (grifo nosso). Ocorre que, no caso concreto, verificou-se a ocorrência de reiteração (ou habitualidade) criminosa, já que as provas amealhadas no curso da “Operação Publicano” revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria adotado, ao longo de anos, como modus vivendi, a prática de fraudar o sistema de arrecadação de imposto de renda da Receita Federal do Brasil, especialmente por meio do cometimento de delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico. In casu, portanto, deve-se considerar que, apesar de haver pluralidade de ações da mesma espécie com modus operandi semelhante, as condutas criminosas foram autônomas e isoladas, cada fato subsumindo-se à norma de maneira singular, sem que o primeiro crime seja causa do segundo, razão pela qual agiu bem o r. juízo a quo ao afastar a hipótese de continuidade delitiva em relação aos crimes de corrupção, fazendo incidir a regra do concurso material. Frise-se que, embora o mesmo raciocínio devesse ser aplicado aos delitos de peculato eletrônico praticados por VITOR, não se há de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Com efeito, não se deve confundir reiteração (ou habitualidade) criminosa com continuidade delitiva. Unificar a pena neste caso significaria um incentivo a esse tipo de comportamento reprovável de eleger a criminalidade como modus vivendi. A ficção jurídica do delito continuado se caracteriza, essencialmente, a partir de uma forma de "prosseguimento ou desdobramento da mesma conduta delituosa", o que é diferente de se praticar uma série de crimes isolados de semelhante espécie. Nesse sentido, já se posicionaram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME CONTINUADO. NECESSIDADE DE PRESENÇA DOS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. REITERAÇÃO HABITUAL. DESCARACTERIZAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Para a caracterização do crime continuado faz-se necessária a presença tanto dos elementos objetivos quanto subjetivos. 2. Constatada a reiteração habitual, em que as condutas criminosas são autônomas e isoladas, deve ser aplicada a regra do concurso material de crimes. 3. A continuidade delitiva, por implicar verdadeiro benefício àqueles delinqüentes que, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar de execução, praticam crimes da mesma espécie, deve ser aplicada somente aos acusados que realmente se mostrarem dignos de receber a benesse. 4. Habeas corpus denegado. (STF, 2ª Turma, Habeas Corpus n.° 101049, Rel. Ellen Gracie, Julg. 04.05.2010) HABEAS CORPUS. AÇÕES PENAIS. CONDENAÇÕES. CONTINUIDADE DELITIVA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. UNIFICAÇÃO DA REPRIMENDA. REQUISITOS DO ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. NÃO PREENCHIMENTO. AUSÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. REITERAÇÃO DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Para a caracterização da continuidade delitiva, é imprescindível o preenchimento de requisitos de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos (art. 71 do CP) (Teoria Mista ou Objetivo-subjetiva). 2. Constatada a reiteração criminosa, e não a continuidade delitiva, inviável acoimar de ilegal a decisão que negou a incidência do art. 71 do CP, pois, na dicção do Supremo Tribunal Federal, a habitualidade delitiva afasta o reconhecimento do crime continuado. 3. A via estreita do habeas corpus é inadequada para um maior aprofundamento na apreciação dos fatos e provas constantes nos processos de conhecimento para a verificação do preenchimento das circunstâncias exigidas para o reconhecimento da ficção jurídica do crime continuado. Precedentes desta Corte Superior. 4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, Habeas Corpus n.° 128.663 - SP, Julg. em 05.08.2010, Rel. Jorge Mussi, DJe de 13.09.2010) Com tais considerações, mantém-se o reconhecimento da hipótese de concurso material para os delitos de corrupção (corrupção passiva e corrupção passiva qualificada). Fixa-se, pois, para os delitos de corrupção praticados por VITOR a pena definitiva de 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa. Quanto aos delitos de peculato eletrônico, no entanto, observa-se que a r. sentença aplicou a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido, sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. No que diz respeito à fração de pena a ser aumentada nas hipóteses de continuidade delitiva, é sabido que a Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos. Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 8 (oito) delitos de peculato eletrônico (em 15.02.2012 – por duas vezes, 05.06.2012 – por duas vezes, 12.06.2012, 18.03.2013, 01.04.2013 e 26.04.2013), conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 2/3 (dois terços). Fixa-se, pois, para os oito delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia), bem como dá-se parcial provimento ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). As penas definitivas ficam fixadas em: 13 (treze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 55 (cinquenta e cinco) dias-multa para os delitos de corrução passiva e corrupção passiva qualificada (em concurso material); 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa para os delitos de peculato eletrônico (em continuidade delitiva); 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa para o delito de lavagem de dinheiro. A soma dessas penas totaliza 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. VAGNER FABIANO MOREIRA VAGNER FABIANO MOREIRA foi incialmente condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (6ª conduta) e pela prática de dois delitos de violação de sigilo funcional (1ª e 3ª condutas), sendo que, em relação a estes últimos, foi posteriormente reconhecida, no bojo da própria sentença, a extinção da punibilidade do acusado, em razão da ocorrência de prescrição. Em relação ao delito de corrupção ativa (6ª conduta), foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de VAGNER tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 155 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por VAGNER apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 155 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 156 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial tida como desfavorável, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por VAGNER FABIANO MOREIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA foi condenado pela prática de um delito de corrupção ativa (8ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MÁRCIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 155 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, “pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 159 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por MÁRCIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de corrupção ativa. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 159 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora a corrupção ativa esteja inserida no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “indicam risco a integridade do exercício da função pública relacionada com a administração tributária e danos a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 159 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de corrupção praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) praticado por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de corrupção ativa (art. 333 do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. EDSON FERREIRA DA SILVA EDSON FERREIRA DA SILVA foi condenado pela prática, por duas vezes, de peculato eletrônico (1ª e 2ª condutas). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de EDSON (médico) tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 161– ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Diferentemente dos demais corréus, EDSON não se tratava de um contador (intermediário), mas sim de um contribuinte (médico) que, a fim de reduzir o imposto de renda a pagar, atuou em conjunto com o auditor fiscal VITOR, contatando-o diretamente, para inserir dados falsos no sistema da Receita Federal, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão, por parte de EDSON, a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que os crimes teriam sido praticados para satisfazer propósito egoístico e “puramente econômico” (fl. 161 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 161 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que as pena-bases dos delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticados por EDSON FERREIRA DA SILVA devem ser reduzidas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por EDSON, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 2 (dois) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/6 (um sexto). Fixa-se, pois, para os dois delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos dois delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 6 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (3ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de FÁBIO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 163 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ele, pela profissão que exercia, a de contador, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fl. 163– ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que a conduta perpetrada por FÁBIO apresenta maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contador, ele tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pelo contador (exercício abusivo da profissão de contador), justificando-se, assim, o incremento da pena relacionada ao delito de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 163 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 163 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. JOSÉ CARLOS SIQUEIRA JOSÉ CARLOS SIQUEIRA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (4ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de JOSÉ CARLOS tratar-se de “pessoa esclarecida, consultor de vendas” (fl. 165 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (consultor de vendas), atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que JOSÉ CARLOS desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 165 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 165 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por JOSÉ CARLOS SIQUEIRA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. CLEIDE MARIA RIBEIRO CLEIDE MARIA RIBEIRO foi condenada pela prática, por três vezes, do delito de peculato eletrônico (5ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada delito estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de CLEIDE tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 166 – ID 170518759), bem como pelo fato de que ela, pela profissão que exercia, a de contadora, tinha o dever expresso de “não praticar, no exercício da profissão, ato definido como crime” (fls. 166/167 – ID 170518759). Com efeito, embora o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifique, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”, o que se observa, no caso concreto, é que as condutas perpetradas por CLEIDE apresentam maior grau de reprovabilidade, uma vez que, na condição de contadora, ela tinha o dever, inerente à sua profissão, de prezar pela idoneidade dos dados inseridos nas declarações de Imposto de Renda de seus clientes. Tratava-se, pois, de pessoa de quem se esperava exemplo e que traiu essa expectativa. Houve excepcional abuso da confiança depositada na função exercida pela contadora (exercício abusivo da profissão de contadora), justificando-se, assim, o incremento das penas relacionadas aos delitos de peculato eletrônico. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 167 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fl. 167 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso praticado por diversos contadores em conjunto com o auditor-fiscal VITOR, esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Observa-se que o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada, a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 2 (dois) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de um dos vetores (motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base de cada delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por CLEIDE MARIA RIBEIRO deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Continuidade delitiva. Observa-se que a r. sentença aplicou, para os delitos de peculato eletrônico praticados por CLEIDE, a regra da continuidade delitiva, não se havendo de falar, nesse momento, em modificação do que foi decido (ou em aplicação da regra do concurso material), sob pena de reformatio in pejus, ante a ausência de recurso interposto pelo Ministério Público Federal. Quanto à fração de pena a ser aumentada, é sabido que o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que deve ser considerado o seguinte parâmetro objetivo, conforme o número de infrações penais praticadas: a) 1/6 de aumento quando forem praticadas duas infrações; b) 1/5 para três; c) 1/4 para quatro; 1/3 para cinco; 1/2 para seis; 2/3 para sete ou mais ilícitos (inteligência da Súmula n.° 659 do Superior Tribunal de Justiça). Considerando que a fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas e tendo em vista que, in casu, foram praticados 3 (três) delitos de peculato eletrônico, conclui-se que deve ser mantida a determinação de exasperação da pena em 1/5 (um quinto). Fixa-se, pois, para os três delitos de peculato eletrônico, a pena definitiva de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena pela prática, em continuidade delitiva, dos três delitos de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. MAURO SERGIO ARANDA MAURO SERGIO ARANDA foi condenado pela prática de um delito de peculato eletrônico (6ª conduta). Foram valorados negativamente três vetores (culpabilidade, motivos e consequências do crime), ficando a pena estabelecida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Culpabilidade. O vetor “culpabilidade” deve ser compreendido como juízo de censurabilidade que recai sobre o fato criminoso realizado pelo acusado. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “culpabilidade” em razão de MAURO tratar-se de “pessoa esclarecida, portadora de diploma superior” (fl. 168 – ID 170518759). Contudo, como já se asseverou, o fato de se ter maior grau de instrução e/ou diploma de nível superior não justifica, automaticamente, a valoração negativa do vetor “culpabilidade”. Embora, ao que tudo indica, MAURO SERGIO ARANDA atuasse no esquema criminoso como “intermediário” e/ou responsável por arregimentar “clientes” (contribuintes), nos moldes do que faziam outros corréus (contadores), não há nos autos notícia de que MAURO desempenhasse a função de contador, de modo que não se há de falar em exercício abusivo da profissão a justificar o incremento do grau de reprovabilidade de sua conduta. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” nesse caso. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, uma vez que o crime teria sido praticado para satisfazer propósito egoístico e puramente econômico (fl. 168 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delito cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o peculato eletrônico esteja inserido no Código Penal no título dos crimes contra a Administração Pública, é inegável que possui, também, características de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, afasta-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto econômico para a Secretaria de Receita Federal, seja pelo não ingresso de receitas tributárias devidas, seja pela restituição indevida de tributos, bem como para danificar a imagem do órgão de fiscalização tributária perante os contribuintes” (fls. 168/169 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso relacionado à inserção de dados falsos no sistema da Receita Federal, esquema este que fez com que a Administração deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação da pena-base de cada um dos delitos de peculato eletrônico praticados nesse contexto de contumácia criminosa, tendo-se em vista que o aludido esquema, como um todo, resultou em prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos. Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências”. Do quantum a ser majorado. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, a valoração negativa de dois vetores (culpabilidade e motivos do crime) foi afastada, conclui-se que a pena-base do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) praticado por MAURO SERGIO ARANDA deve ser reduzida de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime”, reduzindo-se a pena do delito de peculato eletrônico (art. 313-A do CP) para o patamar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES E EDILAINE LOPES SZWARCTUCH IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra do auditor-fiscal VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa do auditor-fiscal VITOR) foram condenadas pela prática de um delito de lavagem de dinheiro. Foram valorados negativamente dois vetores (motivos e consequências do crime), ficando a pena de cada uma dessas corrés estabelecida em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa. Motivos do crime. Os motivos do crime são as razões subjetivas e/ou psicológicas que impulsionaram o agente a cometê-lo (honra, moral, inveja, cobiça, ganância, futilidade, torpeza, ciúme, luxúria, vingança etc). Em se identificando que os motivos do crime vão além do ordinário e/ou esperado, isto é, não correspondem àqueles inerentes ao tipo penal praticado, justificar-se-á a valoração negativa deste vetor. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “motivos do crime”, para ambas as acusadas, porque “os motivos foram puramente econômicos, praticados para satisfazer o propósito egoístico e antiético de sustentar padrão de vida incompatível com os vencimentos percebidos pelo ex-marido” (ou pelo genro) e “amealhar patrimônio além de suas disponibilidades” (fls. 170 e 173 – ID 170518682). Ocorre, todavia, que, em se tratando de delitos cuja prática tem, como um de seus objetivos, o ganho econômico, a motivação puramente financeira (intenção de obter lucro fácil e/ou cobiça) não deve, por si só, ser invocada para exasperar a pena. Embora o bem jurídico protegido pelo tipo penal seja a Ordem Econômica, é inegável que a lavagem de dinheiro possui, também, característica de crime contra o patrimônio, isto é, envolve expectativa de obter ganho financeiro, de modo que motivos apontados pela r. sentença não justificam a valoração negativa deste vetor. Ante o exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA e EDILAINE para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a ambas. Consequências do crime. As consequências do crime relacionam-se à verificação da intensidade da lesão, isto é, da extensão do dano causado pela conduta criminosa. Se as consequências transcenderem o resultado típico, repercutindo além do que naturalmente se esperaria, este vetor deve ser tido como desfavorável. In casu, considerou-se desfavorável o vetor “consequências do crime” ao fundamento de que as consequências “resultaram em prejuízo efetivo e concreto para a Administração da Justiça e para a economia na medida em que dificultaram a apuração de enriquecimento ilícito de servidor público, em como reintroduziram na economia, sob o simulacro de licitude, recursos provenientes de infrações criminais” (fls. 170 e 173/174 – ID 170518682). Com efeito, as consequências devem ser consideradas anormais à espécie, pois as investigações relacionadas à denominada Operação Publicano revelaram a existência de um importante “esquema” criminoso arquitetado pelo auditor-fiscal VITOR (ex-marido e genro das acusadas), esquema este que fez com que a Receita Federal deixasse de arrecadar, durante anos, expressiva quantia a título de imposto de renda. Assim, é legítima a exasperação das penas-base correspondentes às condutas de lavagem perpetradas por IZA e EDILAINE, cujas práticas, tendo-se em vista o elevado montante envolvido, extrapolaram o resultado naturalmente esperado. A propósito, a jurisprudência já se posicionou no sentido de que, nos crimes de lavagem, é legítima a valoração negativa das consequências do crime em decorrência da movimentação de expressiva quantia de recursos envolvidos que extrapole o elemento natural do tipo. Nesse sentido, confira-se: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIME ANTERIOR DE PECULATO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. (...). 2. Na espécie, o paciente foi condenado a 6 (seis) anos e 9 (nove) meses, pela prática do crime de lavagem de dinheiro, conforme tipificado no art. 1º, V, da Lei n. 9.613/1998, com redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 12.683/2012, na forma do art. 71 do Código Penal (seis vezes). 3. Os impetrantes se voltam contra a pena-base fixada pelo Tribunal de origem em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão - acima do limite mínimo de 3 (três) anos previsto no preceito secundário do tipo penal violado -, haja vista a valoração negativa dos motivos, das circunstâncias e das consequências do crime. MOTIVOS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. REELEIÇÃO PARA O CARGO DE GOVERNADOR. PODER ECONÔMICO ORIUNDO DE PRÁTICAS ILÍCITAS. DETURPAÇÃO DO SISTEMA ELEITORAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ELEMENTOS TRANSCENDENTES AO TIPO PENAL VIOLADO. 1. A valoração negativa dos motivos do crime apresenta razões adequadas, uma vez que o intuito do agente não foi o de simplesmente branquear um proveito financeiro advindo de crime anterior para assim usufruir dos valores. O mote também está no desvirtuamento do processo eleitoral, trazendo obscuridade à vontade livre do eleitor, diante da intenção do paciente em reeleger-se para o cargo que ocupava à época, justificativa que se mostra apta ao aumento procedido. Precedentes. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. COMPLEXIDADE DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS. MESCLA DE CAPITAIS LÍCITOS E ILÍCITOS. INVERSÃO NA ORDEM DOS ESTÁGIOS DE BRANQUEAMENTO. ELEVADO GRAU DE REFINAMENTO. REPROVAÇÃO JUSTIFICADA. 1. A maior complexidade das transações financeiras empreendidas pelo paciente e pelos demais corréus na execução dos delitos, dado objetivamente aferido e assinalado pela instância ordinária a partir da interpretação realizada sobre o contexto fático-probatório disponível, constitui argumento eficaz para negativar as circunstâncias do crime. 2. O Tribunal a quo, sem descurar do ciclo normal da lavagem de capitais, considerou mais elevado o grau de refinamento da estratégia idealizada e colocada em prática na execução do crime, inclusive com a mescla de capitais de origem lícita com os de fonte ilícita, bem como com a inversão na ordem dos estágios de branqueamento. Por isso classificou com maior gravidade o modus operandi da infração penal. 3. Não há constrangimento ilegal, haja vista que o distinto grau de sofisticação nos atos específicos de lavagem de capitais justifica a reprovação em face das circunstâncias sob as quais o crime foi praticado. Precedentes. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO VOLUME DE RECURSOS MOVIMENTADOS EM OPERAÇÃO DE LAVAGEM DE CAPITAIS. AUMENTO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. 1. A instância ordinária considerou expressiva a repercussão econômica do crime, que colocou em processo de branqueamento R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), no segundo semestre do ano de 1998, valores que, meramente atualizados, representariam aproximadamente R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais) nos dias de hoje. 2. O grande volume de recursos envolvidos na lavagem de capitais extrapola o elemento natural tipo e constitui razão idônea à majoração da pena-base, visto que, em tal espécie de delito, ‘a elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria’ (AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017). 3. Habeas corpus do qual não se conhece. (STJ, Quinta Turma, HC 518882/MG, Rel. Jorge Mussi, Julg. em 11.02.2020, Dje de 21.02.2020) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. VALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. INEXISTÊNCIA. TRADUÇÃO. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS. NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. LAVAGEM DE CAPITAIS. AUTORIA E MATERIALIDADE. SÚMULA 7/STJ. MOVIMENTAÇÃO DE ELEVADA QUANTIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. ‘A fundamentação per relacionem constitui medida de economia processual e não malfere os princípios do juiz natural e da fundamentação das decisões’. (REsp 1.443.593/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015). 2. Não há ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, na medida em que, da simples leitura do acórdão recorrido, constata-se que as questões apontadas como não enfrentadas foram examinadas e decididas fundamentadamente. 3. Conforme precedente do STF, ‘a tradução para o vernáculo de documentos em idioma estrangeiro só deverá ser realizada se tal providência tornar-se absolutamente "necessária", nos termos do que dispõe o art. 236 do Código de Processo Penal’. (Inq 4146, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2016). 4. ‘No Processo Penal, é imprescindível quando se aventa nulidade de atos processuais a demonstração do prejuízo sofrido em consonância com o princípio pas de nullité sans grief’. (AgRg no HC 396.203/SC, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017). 5. Rever autoria e materialidade do crime de lavagem de capitais, conforme pleiteado no recurso demandaria, necessariamente, reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ. 6. A elevada quantia movimentada ilicitamente justifica o aumento da pena na primeira fase da dosimetria. Precedente. 7. Agravo regimental parcialmente conhecido, e nessa parte, desprovido. (STJ, Quinta Turma, AgRg no REsp 1382060/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Julg. em 26.09.2017, Dje de 06.10.2017) Ante o exposto, mantém-se a valoração negativa do vetor “consequências” para ambas as acusadas. Do quantum a ser majorado. Observa-se que, em relação a VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (co-autor dos delitos de lavagem praticados por IZA e EDILAINE), o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (culpabilidade, motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Em relação às apelantes (IZA e EDILAINE), entretanto, o r. juízo a quo aplicou, para cada circunstância judicial desfavorável identificada (motivos do crime e consequências), a fração de aumento de 1/8 (um oitavo), equivalente a 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Disto resultou a fixação de pena idêntica para os três corréus (de 3 – três - anos e 9 – nove - meses de reclusão e 14 – quatorze - dias-multa), apesar de, para VITOR, ter havido a valoração negativa de uma circunstância judicial a mais (culpabilidade). A fim de se corrigir essa discrepância, determina-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses. Considerando que, durante o julgamento do presente apelo, manteve-se, para IZA e EDILAINE, apenas, a valoração negativa de um vetor (consequências do crime), conclui-se que a pena-base do delito de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/1998) de cada uma dessas acusadas deve ser reduzida de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 14 (catorze) dias-multa para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão de 11 (onze) dias-multa. Conclusão. Em face de tudo o que foi exposto, dá-se parcial provimento aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”, reduzindo-se a pena de cada uma das apelantes para o patamar de 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, deve haver a substituição da pena privativa de liberdade atribuída a cada uma dessas acusadas por duas restritivas de direito, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas por período equivalente ao da pena privativa de liberdade e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos (fls. 171 e 174 – ID 170518759). Não se há de falar em redução do valor fixado a título de prestação pecuniária, uma vez que foram observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e tendo-se em vista que sequer houve impugnação a esse respeito. DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS E DA MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS. Observa-se que, no bojo da r. sentença, o r. juízo a quo decretou a perda, em favor da União, de alguns dos bens e/ou valores apreendidos/sequestrados no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), bem como fixou valor mínimo para a reparação dos danos, nos seguintes termos (fls. 182/183 – ID 170518759): DOS BENS APREENDIDOS Conforme a fundamentação apresentada acima, decreto em favor da União a perda dos seguintes bens: a) imóvel localizado em Alphaville, na Alameda Piava, 248, registrado formalmente em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (‘DARCY’) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (‘IZA’), como objeto de lavagem de capitais; b) aplicações em fundos de previdência privada em nome de VITOR AURELIO SZWARTUCH (‘VITOR’), EDILAINE LOPES SZWARTUCH (‘EDILAINE’), IZA e DARCY; c) dos valores bloqueados, no total de R$ 1.112.351,34 (R$ 818.588,66 + 108,97 + 1.009,03 + 40.662,26 + 212.744,71 + 39.237,71) em contas de titularidade dos acusados; d) dos valores bloqueados no montante total de R$ 1.615.720,02 (R$ 752.089,50 + 264.104,13 + 264.104,13 + 335.422,26) relativos a planos de previdência. Dos valores acima será deduzida a quantia correspondente a R$ 43.445,18, cujo levantamento foi autorizado, conforme comprova cópia trasladada às fls. 2956/2958. DO VALOR DO DANO Com fundamento no artigo 91, I, do Código Penal, combinado com o artigo 386, IV, fixo como valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), tomado como base, para estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fls.02/34 do apenso I, volume I). A defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA opôs, então, Embargos de Declaração alegando que a r. sentença teria sido omissa quanto aos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados em contas bancárias de titularidade de VAGNER. Alegou, na oportunidade, que, em face da mínima sucumbência deste corréu, ele faria jus ao levantamento do excesso dos valores constritos, isto é, ao levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. Ao apreciar os referidos Embargos Declaratórios, o r. juízo a quo assim decidiu (fls. 241/243 – ID 170518759): De fato, a sentença não faz menção ao bloqueio de R$ 135.897,95, decretado nos autos do pedido de busca e apreensão (fls. 337-338, 479-484, 551 dos autos da busca e apreensão). A decisão de sequestro foi explícita sobre o objeto da constrição dos bens: ‘suposto valor dos produtos/proveitos do crime e da eventual reparação dos danos (incluindo despesas processuais e penas pecuniárias)’ - fls. 336-v. Especificamente sobre VAGNER, a decisão consigna que a necessidade da constrição cautelar decorria da possibilidade de que VAGNER viesse a ‘se desfazer de seu patrimônio, impedindo, em caso de eventual condenação judicial, a reparação dos danos provenientes das práticas delituosas’ (fls. 338 - destaquei). Vê-se que houve estimativa apenas do valor da pena de multa, mas a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos. A sentença condenatória fixou o valor mínimo para reparação de danos a quantia de R$ 146.591.000,00 (fls. 3272-3273). O acusado foi condenado pela prática de corrupção que se relaciona aos danos arbitrados, razão pela qual os valores bloqueados devem ser utilizados para pagamento das custas e pena de multa, enquanto o saldo deve ser objeto de perda em favor da União para pagamento do dano arbitrado na sentença. (...) II) CONHEÇO dos embargos de declaração opostos por VAGNER e os ACOLHO, para sanar a omissão da sentença, que fica acrescida da fundamentação supra e do seguinte trecho no item ‘DOS BENS APREENDIDOS’ (fls. 3272): ‘e) do valor bloqueado no montante de R$ 135.897,95 em contas da titularidade de VAGNER, parte para pagamento das custas e pena de multa, sendo o restante destinado ao pagamento do dano fixado na sentença’. Em suas razões de Apelação (fls. 60/85 - ID 170518607), a defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA alegou ter havido reformatio in pejus, pois a perda dos R$ 135.897,95 (cento e trinta e cinco mil, oitocentos e noventa e sete reais e noventa e cinco centavos) bloqueados não foi decretada no bojo da r. sentença, mas sim, tão-somente, na oportunidade em que o r. juízo a quo apreciou Embargos Declaratórios opostos pelo acusado. Reitera, pois, o pedido de que, em face da mínima sucumbência do ora apelante, seja autorizado o levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER. As defesas de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, por sua vez, requereram o “levantamento dos arrestos/sequestros de bens móveis e imóveis em nome das apelantes” (fl. 204 – ID 170518682). Pois bem. Observa-se, primeiramente, que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas (fl. 183 – ID 170518759). Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Em outras palavras, a fixação de valor mínimo para a reparação de danos referentes aos fatos criminosos compreendidos pelo presente feito constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente, para a realização da necessária liquidação. Tal modulação excede os limites cognitivos desta seara criminal. Com tais considerações, determina-se, de ofício, o afastamento da condenação dos acusados a repararem o dano com base no valor mínimo de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), fixado pela r. sentença, tendo-se em vista que o valor mínimo para a reparação de danos constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. Como consequência, afasta-se, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, até que se apure, com precisão, o montante do dano a ser efetivamente reparado, ficando prejudicada, assim, a alegação da defesa de VAGNER no sentido de que teria havido reformatio in pejus. Frise-se que, não obstante se esteja aqui afastando o decreto de perda, em favor da União, dos bens e valores constritos até que se apure o montante efetivamente devido a título de reparação dos danos, as constrições efetivadas devem ser mantidas. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano causado pela prática dos delitos identificados no bojo do presente feito, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Assim, não se há de falar em levantamento dos valores que excedem o montante correspondente às penas de multa e prestação pecuniária imputadas a VAGNER, já que, como bem asseverou o r. juízo a quo, a constrição teve por finalidade assegurar não apenas o pagamento das penas pecuniárias, mas também a reparação dos danos (fl. 241 – ID 170518759). Note-se que o art. 120 do Código de Processo Penal dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem ou valor, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal: Art. 123. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso. Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, até mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um bem ou valor apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como condenado deve, obrigatoriamente, demonstrar a origem lícita do bem ou valor para que se cogite de seu direito a vê-lo restituído. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181 (ID 270552788), ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. Ante o exposto, vota-se por: afastar, de ofício, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; afastar, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos; julgar prejudicado o pedido, formulado pela defesa de VAGNER FABIANO MOREIRA, de reconhecimento da ocorrência de reformatio in pejus; indeferir os pedidos de levantamento das constrições formulados pelas defesas de VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES. DISPOSITIVO. Ante o exposto, vota-se por: DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas. É o voto. E M E N T A PENAL E PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO PUBLICANO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. VALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. COMPATIBILIDADE DO ART. 385 DO CPP COM O SISTEMA ACUSATÓRIO. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ARTIGOS 333 E 317, CAPUT, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. ART. 317, §1°, DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. ART. 317, §2°, DO CP. PRESCRIÇÃO. PECULATO ELETRÔNICO. ART. 313-A DO CP. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. ART. 325 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI Nº 9.613/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO POR UM ÚNICO DELITO, A DESPEITO DE HAVER PLURALIDADE DE CONDUTAS, SOB PENA DE REFORMATIO IN PEJUS. CONCURSO MATERIAL ENTRE AS PRÁTICAS DE CORRUPÇÃO E LAVAGEM. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DOLO. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA. INOCORRÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. DOSIMETRIA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DE ALGUMAS DAS CIRCUSTÂNCIAS JUDICIAIS. REDUÇÃO DAS PENAS. VALOR MÍNIMO FIXADO A TÍTULO DE REPARAÇÃO DE DANOS AFASTADO. DECRETO DE PERDA DE BENS E VALORES EM FAVOR DA UNIÃO POR ORA AFASTADO. MANUTENÇÃO DAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS NO BOJO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR. No bojo da denominada “Operação Publicano”, investigou-se a suposta existência de grupo criminoso, em tese liderado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, especializado em, mediante a cobrança de valores indevidos, “retirar” contribuintes da “malha fina” da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), o que teria causado prejuízo estimado em R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) aos cofres públicos. Segundo se apurou, especialmente por meio de interceptações telefônicas e telemáticas, VITOR era responsável por acessar sistemas internos da Receita para “liberar clientes da malha fina”, por elaborar declarações de Imposto de Renda contendo informações inverídicas, bem como por orientar contadores e/ou terceiros a preencher declarações de contribuintes de modo a reduzirem, fraudulentamente, o pagamento do imposto e/ou a aumentarem o montante de restituição em função de deduções tributárias inexistentes. De acordo com os investigadores, diversas pessoas ligadas a escritórios de contabilidade, seriam responsáveis por abordarem e oferecerem, aos seus clientes (contribuintes), o serviço ilícito de “retirada da malha fina”. Averiguou-se, ainda, que incumbia ao sogro, à sogra e à ex-esposa de VITOR a função de ocultar/dissimular a origem, a natureza e a propriedade dos ativos financeiros obtidos ilicitamente. Conforme se verificou, VITOR registrava bens em nome desses membros de sua família e alterava suas respectivas declarações de Imposto de Renda, a fim de torná-las compatíveis com a aquisição daqueles bens. Não se há de falar em nulidade da r. sentença por ausência de valoração e/ou exame individualizado, na primeira fase da dosimetria, de cada uma das circunstâncias judiciais, quer de ordem subjetiva quer de ordem objetiva. É desnecessária a manifestação expressa do órgão julgador a respeito de cada um dos vetores previstos no art. 59 do Código Penal, sendo suficiente que o magistrado esmiúce, tão-somente, aqueles vetores que valorar como negativos, a fim de lastrear o incremento da pena-base. A valoração negativa do vetor culpabilidade fundamentou-se em razões distintas para cada corréu e, em relação aos demais vetores tidos como desfavoráveis (motivos e consequências do crime), muito embora tenham sido feitas alusões semelhantes para todos os corréus, não se cogita de violação ao princípio da individualização da pena, pois se tratam de circunstâncias de ordem objetiva, isto é, relacionadas às infrações penais em si (e não às características pessoais de cada agente). Observa-se, in casu, o regular preenchimento dos requisitos ensejadores da autorização judicial de interceptação, quais sejam, existência de indícios de autoria e materialidade relacionados a delitos punidos com reclusão (apurados graças às diligências preliminares realizadas pela Corregedoria da Receita Federal - ESCOR08 e pelo Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal - ESPEI) e imprescindibilidade da medida para a comprovação do fato investigado (dada a complexidade e/ou gravidade do esquema criminoso). As interceptações telefônicas se iniciaram com a quebra do sigilo das comunicações das linhas telefônicas dos corréus VITOR e EDILAINE (telefone residencial e respectivos celulares), autorizada, pelo período de 15 (quinze) dias contados a partir da operacionalização da medida, por meio de decisão proferida em 15.03.2013 e operacionalizada em 18.03.2013. Em 28.03.2013, a Polícia Federal apresentou um primeiro relatório de inteligência policial, referente ao período de interceptação de 18.03.2013 a 27.03.2013. Neste relatório, menciona-se que VITOR manteve contato frequente e travou diálogos suspeitos com o contador VAGNER, bem como solicita-se a prorrogação da interceptação, o que foi deferido, por mais 15 (quinze) dias (contados da operacionalização da medida), por meio de decisão judicial proferida em 01.04.2013. Considerando que a prorrogação da interceptação foi operacionalizada a partir do dia 02.04.2013, não poderia ser outra a conclusão senão a de que a conversa travada entre VITOR e VAGNER no dia 16.04.2013 foi interceptada dentro do período autorizado judicialmente. Saliente-se, inclusive, que, no mesmo dia (16.04.2013), o r. juízo a quo autorizou, além de nova prorrogação das interceptações anteriormente deferidas, a interceptação de outros terminais telefônicos, um deles pertencente a VAGNER. Embora a autorização de interceptação se destinasse, inicialmente, a colher provas que corroborassem as suspeitas de que VITOR (auditor fiscal), se valendo do cargo de funcionário público que ocupava, vinha praticando crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro, é evidente que a medida se destinava, também, a revelar a participação de terceiros, que não os inicialmente interceptados, na prática delituosa em apuração. Foi justamente o que ocorreu em relação ao corréu VAGNER em 16.04.2013, dia em que, durante conversa travada com VITOR (em relação a quem a interceptação estava regularmente autorizada naquela data), os investigadores identificaram a suposta prática (bilateral) dos delitos de corrupção ativa e passiva. O fato de a medida somente ter sido estendida à linha telefônica de VAGNER em 18.04.2013 não invalida as provas obtidas anteriormente em relação a ele, porquanto, conforme orientação jurisprudencial pacífica, a interceptação abrange a participação de quaisquer interlocutores, desde que relacionadas aos fatos objeto de investigação. Não se vislumbra a alegada incompatibilidade entre o disposto no art. 385 e a Carta Magna. Ao contrário, este dispositivo se amolda, perfeitamente, ao sistema acusatório. Caso o julgador ficasse, de fato, vinculado à manifestação (em alegações finais) do Ministério Público, sua função privativa e soberana de decidir lhe seria completamente usurpada. Em outras palavras, a previsão contida no art. 385, na realidade, reforça a separação das funções de “acusar” (atribuída ao Ministério Público) e “julgar” (atribuída ao juiz), ou seja, vai ao encontro do que determina um dos pilares do sistema acusatório: o princípio da jurisdicionariedade, segundo o qual compete ao juiz (ou tribunal), com exclusividade, decidir, de maneira definitiva e vinculante, sobre o fato criminoso ter ficado (ou não) comprovado. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. No tocante à 6ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 16.04.2013 (interceptada às 14h36), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (dinheiro), feita pelo contador VAGNER FABIANO MOREIRA, a fim de que fosse “retirada da malha fina” a declaração de imposto de renda (DIRPF/2012) de “um conhecido” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) praticou corrupção ativa na medida em que, no mesmo dia e horário, prometeu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamento em dinheiro, a fim de que este praticasse “ato de ofício” consubstanciado na “retirada da malha fina” da aludida declaração (DIRPF/2012). A conversa interceptada deve ser interpretada à luz das demais provas amealhadas no curso das investigações relacionadas à “Operação Publicano”, as quais revelaram indícios concretos de que o auditor-fiscal VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH teria enriquecido ilicitamente, ao longo de anos, graças à prática contínua de fraudes, em conjunto com diversos contadores, em detrimento da Receita Federal do Brasil, relacionadas ao sistema de arrecadação de imposto de renda. Frise-se, ainda, que, independentemente de a vantagem indevida ter sido prometida/oferecida ou solicitada/recebida/aceita em troca de ato irregular/ilegal (corrupção própria) ou de ato regular/legal (corrupção imprópria), em se verificando a ocorrência de mercancia de ato de ofício haverá, conforme já se asseverou, ofensa ao bem jurídico tutelado e, portanto, consumação da corrupção (ativa e/ou passiva). No tocante à 8ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH (auditor fiscal) praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 25.04.2013 (interceptada às 9h34), aceitou, verbalmente, promessa de vantagem indevida (pagamentos de R$ 10.000,00 e R$ 5.000,00 – dez e cinco mil reais), feita por MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado), a fim de que fossem “retiradas da malha fina” as declarações de imposto de renda (DIRPFs) de dois “clientes/contribuintes” daquele contador. Por seu turno, ficou igualmente comprovado que MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA (contador e advogado) praticou corrupção ativa na medida em que prometeu/ofereceu a VITOR (auditor fiscal) vantagem indevida consistente em pagamentos em dinheiro (de valores posteriormente definidos pelo funcionário público), a fim de que VITOR praticasse “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” das declarações (DIRPFs) dos referidos contribuintes. Do diálogo interceptado, é possível extrair o nítido teor ilícito das tratativas realizadas por VITOR e MÁRCIO, sendo firme a convicção de que os valores ali negociados jamais se referiram à contraprestação por “consultoria técnica” (serviço este que sequer poderia ser regularmente prestado pelo servidor público em questão), mas sim à propina oferecida/prometida pelo contador ao auditor fiscal em troca da prática de “atos de ofício” consubstanciados na “retirada da malha fina” de declarações sabidamente preenchidas com dados falsos, conforme orientações dadas pelo próprio VITOR (funcionário público responsável pela análise e/ou conferência desses mesmos dados). Inclusive, observa-se que MÁRCIO e VITOR definiram, em comum acordo, os valores do suborno em função da redução e/ou isenção de imposto para cada contribuinte cuja declaração seria, fraudulentamente, “liberada”, o que torna inverossímil a versão de que MÁRCIO teria sido, simplesmente, vítima da solicitação (ou da exigência) de VITOR. Para a caracterização do delito de corrupção ativa, a oferta ou promessa não precisa ser, necessariamente, expressa, podendo ocorrer, inclusive, de forma implícita. Embora seja possível identificar, na 8ª conduta descrita na denúncia, duas práticas distintas de corrupção, quais sejam, a primeira relacionada à promessa de pagamento de propina de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de de um contribuinte e a segunda relacionada à promessa de pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF) de outra contribuinte, tendo sido ambas as vantagens oferecidas/prometidas por MÁRCIO e aceitas por VITOR, fato é que, ao proferir a r. sentença, o r. juízo a quo condenou cada acusado pela prática de um único delito referente à 8ª conduta, de modo que, ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma deste decisium, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 11ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR praticou corrupção passiva na medida em que, durante conversa telefônica travada no dia 26.03.2013 (interceptada às 15h46) solicitou a JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador), via telefone, vantagem indevida consistente na emissão de um cheque (sem declarar o valor), como contrapartida pela “liberação da malha fina” da declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte (médico). Muito embora se pudesse cogitar, com base no diálogo interceptado, da prática de corrupção ativa por parte de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 11ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA. No tocante à 2ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 08.04.2013, às 16h41, VITOR (auditor fiscal) solicitou, por e-mail, a DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA (contador), vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como contrapartida por ter, em 04.04.2013, às 9h56, “retirado da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, sob a justificativa (inverídica) de que este teria apresentado comprovação das deduções pleiteadas e/ou demonstrado sua admissibilidade. Muito embora se pudesse cogitar, com base nas mensagens e diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de DENIS FERNANDO DE SOUSA MENDONÇA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 2ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. No tocante à 7ª conduta de corrupção descrita na denúncia, ficou demonstrado que, no dia 16.04.2013, VITOR (auditor fiscal) solicitou a VAGNER FABIANO MOREIRA (contador) vantagem indevida consistente no pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para “liberar da malha fina” a declaração (DIRPF/2012) de uma contribuinte. Ficou demonstrado, ainda, que a referida “liberação” foi efetivada no dia seguinte (em 17.04.2013), às 13h53, tendo sido a restituição daquela contribuinte inserida no lote emitido em 01.05.2013. Muito embora se pudesse cogitar, com base nos diálogos interceptados, da prática de corrupção ativa por parte de VAGNER FABIANO MOREIRA, ou seja, da bilateralidade do delito de corrupção nesse caso, fato é que, no bojo da exordial, a conduta delituosa foi imputada apenas a VITOR e, no bojo da r. sentença, somente VITOR foi condenado pela prática da 7ª conduta, não se havendo de falar, portanto, em reforma da r. sentença a esse respeito, sob pena de reformatio in pejus. CORRUPÇÃO PASSIVA PRIVILEGIADA. PRESCRIÇÃO. Declara-se, de ofício, a extinção da punibilidade de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH em relação aos quatro delitos de corrupção passiva privilegiada pelos quais havia sido condenado (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia), uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. PECULATO ELETRÔNICO. Para a caracterização do delito de peculato eletrônico, não se exige a efetiva produção de resultado naturalístico. Em se tratando de delito cuja natureza é formal, estará consumado o crime independentemente de ter havido concretização do dano ou efetiva obtenção da vantagem indevida almejada (circunstâncias que representam mero exaurimento). A consumação se dá mediante a mera inserção dos dados falsos, independentemente da ocorrência de qualquer resultado material. Em outras palavras, em se verificando a efetiva prática da conduta típica e o dolo do(s) agente(s), isto é, o propósito de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida (ou de causar dano), deverá haver, em princípio, condenação. No tocante às 1ª e 2ª condutas de peculato eletrônico descritas na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com o contribuinte EDSON FERREIRA DA SILVA (médico), inseriu, por duas vezes, às 10h07 e às 10h08 do dia 15.02.2012, dados falsos no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, consistentes em afirmações (inverídicas) de que EDSON teria comprovado, perante o setor de “malha fina” da Receita Federal, as deduções constantes de duas declarações de imposto de renda pessoa física (DIRPFs) distintas, quais sejam, uma relativa ao ano de 2010 e outra relativa ao ano de 2011. O Relatório elaborado pelo Escritório de Corregedoria da 8ª Região Fiscal da Receita Federal (ESCOR08), ao comparar as declarações (DIRPF/2010 e DIRPF/2011) originais com as retificadoras posteriormente apresentadas, revelou o efetivo recebimento, por parte de EDSON, de ao menos duas restituições de imposto de renda indevidas (referentes às DIRPFs de 2010 e 2011), o que se viabilizou graças a VITOR (auditor fiscal) ter inserido, no sistema da Receita Federal, informações flagrantemente inverídicas, tendo-se em vista a ausência de qualquer registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê contendo quais documentos teriam sido, supostamente, apresentados para comprovar as deduções No tocante à 3ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA (contador e sócio da CONFITEC CONTABILIDADE LTDA) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 12h18 do dia 01.04.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2010 – ano-calendário 2009) de um contribuinte, a fim de “liberá-la da malha fina”, tendo sido disponibilizada ao contribuinte, em 02.04.2013, a correspondente restituição (indevida) de imposto de renda. A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, poucos dias depois, em 08.04.2023 e 09.04.2013, VITOR e FÁBIO conversaram, por e-mail, a respeito da referida “liberação da malha fina”, demonstrando que ambos agiram em conluio para realizá-la. No tocante à 4ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com JOSÉ CARLOS SIQUEIRA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 11h53 do dia 19.03.2013, dados falsos referentes à declaração (DIRPF/2012) de um contribuinte, o que proporcionou a emissão de notificação de lançamento ao contribuinte de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 16.393,60 (dezesseis mil, trezentos e noventa e três reais e sessenta centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento do contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Ademais, apurou-se que, pouco tempo depois, no dia 26.03.2013, VITOR (auditor fiscal) e SIQUEIRA (contador) conversaram, por telefone (diálogo interceptado às 15h46), sobre a situação da DIRPF daquele contribuinte e sobre o valor de sua restituição (“16 e qualquer coisa”), demonstrando que ambos agiram em conluio para a prática do delito. No tocante à 5ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com CLEIDE MARIA RIBEIRO (contadora, sócia da RIBEIRO DOCUMENTOS LTDA - ME), inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por três vezes, no dia 05.06.2012, às 10h55 e às 10h49, bem como no dia 12.06.2012, às 09h45, dados falsos referentes às DIRPFs de três contribuintes, mediante a afirmação (inverídica) de que estes teriam comprovado as deduções constantes de suas declarações, o que possibilitou a “liberação da malha fina” daquelas declarações e a disponibilização, aos contribuintes, de restituições (indevidas) de imposto de renda nos montantes de R$ 3.617,77 (três mil, seiscentos e dezessete reais e setenta e sete centavos), R$ 6.800,86 (seis mil, oitocentos reais e oitenta e seis centavos) e R$ 11.719,13 (onze mil, setecentos e dezenove reais e treze centavos), respectivamente. A falsidade das informações inseridas no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de emissão de intimações eletrônicas para RFB para que os referidos contribuintes comprovassem as informações de suas DIRPFs e/ou pela inexistência de dossiês eletrônicos em nome desses contribuintes. Quanto à coautoria da contadora CLEIDE MARIA RIBEIRO, cabe consignar que, segundo constou do Relatório Policial, VITOR e CLEIDE trocavam, frequentemente, mensagens com conteúdo suspeito. Não obstante CLEIDE tenha sido absolvida, por insuficiência de provas, das acusações de corrupção ativa relacionadas ao suposto oferecimento de vantagens indevidas em troca da “liberação da malha fina” de declarações (DIRPFs/2013) de alguns de seus clientes (dentre os quais os referidos três contribuintes), é firme, com base nas trocas de mensagens interceptadas, a convicção de que, ao menos no que diz respeito às práticas de delitos de peculato eletrônico relacionadas às DIRPFs/2012 dos referidos três contribuintes, VITOR e CLEIDE agiram em conluio. No tocante à 6ª conduta de peculato eletrônico descrita na denúncia, ficou demonstrado que VITOR (auditor fiscal), agindo em concurso de agentes com MAURO SERGIO ARANDA (contador) inseriu no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, por uma vez, às 13h44 do dia 26.04.2013, dado falso consistente na afirmação de que um contribuinte teria comprovado as deduções constantes de sua declaração (DIRPF/2012), o que possibilitou a disponibilização, ao contribuinte, de restituição (indevida) de imposto de renda no montante de R$ 423,53 (quatrocentos e vinte e três reais e cinquenta e três centavos). A falsidade da informação inserida no sistema da Receita Federal ficou evidenciada pela ausência de registro de atendimento daquele contribuinte no Sistema de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento – SAGA e/ou a inexistência de dossiê eletrônico em nome do contribuinte. Segundo constou do Relatório Policial, dias antes de a declaração daquele contribuinte (cliente do contador MAURO) ser retida “em malha fina”, o auditor fiscal (VITOR) orientou o contador (MAURO), via correio eletrônico (e-mail), a realizar “correções” na declaração desse contribuinte. Ademais, consta dos autos que, logo após a declaração (DIRPF/2012) do contribuinte ter sido retida no sistema da malha fiscal (o que se deu no dia 10.04.2013, às 06h26), o contador MAURO SERGIO ARANDA relatou ao auditor fiscal (VITOR), por telefone, a existência de “pendência no Bradesco Saúde” relativa à declaração do citado contribuinte, oportunidade em que VITOR se comprometeu a “resolver a situação”. A conversa revela que VITOR e MAURO se conheciam e se tratavam com intimidade, bem como revela indícios de que ambos costumavam agir como “parceiros” e/ou “cúmplices” na prática de crimes semelhantes ao ora apurado. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. PRESCRIÇÃO. Considerando que já se operou o trânsito em julgado para a acusação e, portanto, o prazo prescricional deve ser determinado pela pena em concreto aplicada ao réu (inteligência do art. 110, parágrafo 1º, do Código Penal), é de rigor o reconhecimento da prescrição em relação ao corréu VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, uma vez que, desde a publicação da r. sentença condenatória (em 10.05.2018) até a presente data, transcorreram mais de 7 (sete) anos. LAVAGEM DE DINHEIRO. As 267 (duzentos e sessenta e sete) condutas de lavagem descritas na exordial foram, em síntese, as seguintes: a) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco do Brasil em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 126 (cento e vinte e seis) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; b) ocultação/dissimulação, por meio de depósitos em contas bancárias mantidas no Banco Itaú em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR), IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR) e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH (ex-esposa de VITOR), de 140 (cento e quarenta) cheques obtidos por VITOR, ilicitamente, a título de pagamentos de propina; c) ocultação/dissimulação da propriedade de imóvel - residência localizada em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, a qual teria sido construída, com recursos de origem ilícita, em terreno que, em maio de 2006, fora registrado em nome de DARCY DE OLIVEIRA LOPES (sogro de VITOR) e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES (sogra de VITOR), a despeito de, na realidade, pertencer a VITOR, conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013. Especialmente quando há múltiplos delitos antecedentes e/ou subjacentes, parece evidente a possibilidade de haver, também, pluralidade de condutas de lavagem (em continuidade delitiva, p. ex.), caso sejam identificadas vontades distintas de ocultar/dissimular a propriedade de cada bem, direito ou valor obtido a partir de cada crime antecedente e/ou subjacente cometido. A ocultação e/ou dissimulação da propriedade de cada bem, direito ou valor (in casu, de cada cheque e/ou cada imóvel cuja propriedade foi ocultada/dissimulada) constitui uma conduta autônoma de lavagem. In casu, contudo, independentemente de terem sido identificados 266 (duzentos e sessenta e seis) depósitos inidôneos de cheques em contas de outros titulares, além de 1 (um) imóvel registrado em nome de terceiros, fato é que o r. juízo a quo, ao proferir a r. sentença, optou por condenar cada acusado pela prática de um único delito de lavagem de dinheiro, sob o fundamento de que o delito de lavagem pode ser considerado como crime plurissubsistente. Ante a ausência de recurso da acusação, não se há de falar em reforma do decisium proferido pelo r. juízo a quo, sob pena de reformatio in pejus. O conjunto probatório amealhado revelou tanto a origem ilícita dos 266 (duzentos e sessenta e seis) cheques relacionados nas planilhas elaboradas pela Corregedoria da Receita Federal do Brasil – ESCOR08, quanto que houve efetiva dissimulação da propriedade dos valores, pois, não obstante os “laranjas” DARCY, EDILAINE e IZA ocupassem, na condição de titulares das contas bancárias, a posição formal de proprietários, era VITOR (beneficiário) quem, verdadeiramente, mantinha o poder fático de usar, gozar e dispor daqueles recursos. Quanto ao imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, embora se saiba que VITOR ocultou sua propriedade registrando-o em nome de “laranjas” (DARCY e IZA,) o que gera suspeitas acerca de este imóvel ter sido comprado com recursos de origem ilícita, fato é que o aludido terreno foi adquirido em maio de 2006, ou seja, anos antes de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados, não se havendo de falar, portanto, em vínculo entre o proveito desses crimes e a aquisição do terreno em questão. Ademais, apesar de, a partir das informações que constam dos autos, ser possível extrair que a residência situada no terreno foi construída entre os anos de 2006 e 2011, não foi possível aferir, com precisão, quais as datas do começo e do término da construção. Os documentos apreendidos revelam, p. ex., que a construção de uma piscina no local teria se iniciado ainda no ano de 2006 e que, no ano de 2007, foram realizadas, em nome de IZA RIBEIRO SOUSA LOPES, compras de cimento para a construção da casa. Diante desse cenário, não se pode afirmar, com a segurança necessária, que a referida residência tenha sido custeada por recursos de origem ilícita, pois não há nos autos informação sobre quando, exatamente, a construção da casa foi iniciada e/ou concluída, isto é, se antes ou depois de os delitos antecedentes/subjacentes aqui identificados terem sido praticados. Assim, embora seja incontroverso que a propriedade do imóvel em questão foi ocultada/dissimulada (conforme se extraiu de conversa telefônica interceptada em 23.03.2013), não se pode afirmar, categoricamente, que os recursos empregados na aquisição, quer do terreno quer da casa nele edificada, sejam provenientes de delitos antecedentes e/ou subjacentes praticados pelo auditor fiscal, uma vez que: i) a apuração levada a efeito pela Corregedoria da Receita Federal diz respeito a irregularidades praticadas por VITOR entre os anos de 2009 e 2013, mas não antes disto; ii) a presente denúncia se refere, exclusivamente, a delitos de corrupção passiva e peculato eletrônico praticados nos anos de 2012 e 2013. De qualquer sorte, mesmo que se afaste uma das condutas de lavagem descritas na denúncia, qual seja, aquela relacionada à ocultação/dissimulação do imóvel localizado em “Alphaville Residencial 11”, Santana de Parnaíba, Barueri-SP, fato é que ficaram comprovadas as práticas de todas as outras 266 (duzentos e sessenta e seis) condutas de lavagem mencionadas na exordial, as quais se referem a depósitos inidôneos de cheques em contas de “laranjas”, o que justifica a manutenção das condenações. Em hipóteses como a dos autos, em que os atos de ocultação/dissimulação da origem ilícita do produto do crime antecedente/subjacente ocorrem concomitantemente ao repasse da vantagem indevida ao beneficiário (autor da corrupção passiva), surge a questão de ser aplicável (ou não) o princípio da consunção. Não se ignora que, no julgamento da Ação Penal n.° 470/MG (conhecida como “Mensalão”), o Supremo Tribunal Federal considerou que a mera utilização de interposta pessoa para receber valores pagos a título de propina não seria, por si só, suficiente para caracterizar, também, o crime de lavagem de dinheiro. Ponderou-se, na ocasião, que o recebimento da propina por modo clandestino e capaz de ocultar seu verdadeiro destinatário, além de esperado, integraria a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, em princípio, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Ocorre que se, por um lado, a depender das especificidades do caso concreto, será adequado, em determinadas situações, aplicar-se o entendimento esposado, por outro, nada obsta que se reconheça a ocorrência de concurso material (prática de ambos os delitos: de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro) caso o contexto da percepção, por intermédio de terceira pessoa, da vantagem indevida, seja capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com desígnio autônomo, isto é, com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores ilicitamente recebidos. O aspecto fulcral para se constatar se há ou não concurso entre corrupção e lavagem é verificar se, no caso concreto, houve autonomia de desígnios na empreitada do agente. Na situação que ora se apresenta, não houve, simplesmente, a percepção de vantagens indevidas por intermédio de terceiras pessoas. Houve, para além disso, a intenção (desígnio autônomo) de ocultar a origem criminosa daqueles recursos, isto é, de distanciar o agente do produto e/ou proveito do crime de corrupção, conferindo-lhe aparência de licitude. Note-se que, além de depositar os cheques em contas de titularidade de seus familiares, VITOR costumava, na sequência, elaborar, em nome destes mesmos familiares, declarações de imposto de renda fictícias, isto é, declarações contendo rendas inexistentes (vide levantamento de declarações transmitidas pelo IP – Internet Protocol - de VITOR), expediente fraudulento que evidencia a autonomia do desígnio de ocultar/dissimular tanto a origem (ilícita) quanto a propriedade daqueles recursos. Assim, não obstante a simultaneidade identificada entre a conduta de receber os cheques (exaurimento da corrupção) e o início da conduta de ocultar/dissimular sua origem e/ou propriedade, fato é que, no caso em tela, o dolo de praticar cada um dos delitos em questão (corrupção e lavagem) revelou-se, nitidamente, distinto, razão pela qual deve ser reconhecida a ocorrência de concurso material entre as práticas de corrupção e lavagem. Para a caracterização do delito de lavagem de dinheiro, é indispensável a presença do dolo (elemento integrante da tipicidade), isto é, da vontade livre e consciente de ocultar/dissimular bens, direitos ou valores sabidamente provenientes, direta ou indiretamente, de crimes antecedentes/subjacentes. Não obstante as defesas de EDILAINE e IZA (“laranjas”) aleguem que elas não tinham “conhecimento de que o corréu VITOR praticasse qualquer ilícito”, esta versão revelou-se inverossímil diante do conjunto probatório amealhado. Nas hipóteses em que o agente alega desconhecimento sobre a origem ilícita dos bens, direitos ou recursos em tese lavados, deve o intérprete apurar a existência do dolo a partir dos detalhes e circunstâncias que envolvem os fatos criminosos. Se, por um lado, não se pode adentrar a consciência do indivíduo, por outro, é possível identificar a presença do elemento anímico analisando-se fatores externos, tais como, a coerência da versão apresentada pelo(s) agente(s) e eventuais inconsistências desveladas pelas provas, por exemplo. In casu, ficou evidenciado que as corrés IZA e EDILAINE agiram, ao menos, com dolo eventual (inteligência do art. 18, I do Código Penal), isto é, assumiram o risco de produzirem resultado penalmente relevante ao, deliberadamente, abstraírem-se acerca da ilicitude e/ou gravidade das circunstâncias relacionadas às suas condutas, simulando, conscientemente, “estado de ignorância” quanto à possível ocorrência do resultado criminoso, a fim de não precisarem lidar, eventualmente, com as consequências de suas condutas. Frise-se que, no bojo da Ação Penal n.° 470/MG, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores mediante dolo eventual, com apoio Teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness Doctrine), segundo a qual age intencionalmente não só aquele cuja conduta é movida por conhecimento positivo (dolo direto), mas também aquele que age com indiferença quanto ao resultado de sua conduta, “fazendo-se de cego” para não tomar conhecimento da natureza dos acontecimentos. Ficou satisfatoriamente comprovado o ânimo subjetivo dos apelantes VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES, os quais, agindo em conjunto e com unidade de desígnios, utilizaram contas bancárias titularizadas por EDILAINE e IZA (“laranjas”) para ocultar e/ou dissimular produto e/ou proveito de crimes de corrupção e peculato eletrônico praticados por VITOR (beneficiário). O Código Penal brasileiro é impreciso e/ou omisso quanto à definição, no âmbito do concurso de agentes, dos significados de autoria e participação. Prevê, apenas, a existência da figura da participação, sem, entretanto, conceituá-la e/ou diferenciá-la da autoria, o que obriga os julgadores a lançarem mão de critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina (dos pressupostos da teoria formal-objetiva, p. ex.), para, em cada caso concreto, identificarem, p. ex., eventual ocorrência da participação de menor importância (art. 29, § 1º, do CP), a qual configura causa geral de diminuição de pena que se aplica, tão-somente, às hipóteses de participação, mas não de coautoria. Nesse contexto, deverão ser considerados partícipes, tão somente, aqueles que, sem realizar o verbo nuclear do tipo, colaborarem, de maneira secundária, para a sua consumação, seja prestando algum tipo de auxílio material de menor relevância, quer induzindo/instigando, moralmente, o autor. Na hipótese dos autos, IZA e EDILAINE realizaram também, elas próprias, em conjunto com o corréu VITOR, o verbo descrito no núcleo do tipo penal de lavagem, já que a ocultação/dissimulação dos recursos ocorreu por meio de depósitos em contas bancárias titularizadas por elas, de maneira que as condutas por elas perpetradas extrapolaram o que se poderia chamar de “mero auxílio material secundário”. IZA e EDILAINE compartilharam, com o corréu VITOR, o efetivo controle da situação criminosa, já que, como se argumentou, estavam a par de todo o contexto e, a partir de uma decisão conjunta, praticaram atos executórios relacionados ao iter criminis da lavagem, contribuindo de maneira significativa para a produção do resultado criminoso. Devem, portanto, ser qualificadas como coautoras (e não meras partícipes), o que afasta a possibilidade de incidência, em relação a elas, da causa de diminuição prevista no art. 29, §1°, do Código Penal. Observa-se que, ao fixar, como valor mínimo para reparação de danos, a quantia de R$ 146.591.000,00 (cento e quarenta e seis milhões, quinhentos e noventa e um mil reais), o r. juízo a quo tomou como base, para a estimativa do prejuízo, a soma dos valores de despesas dos livros caixas lançados fraudulentamente nos exercícios 2010, 2011 e 2012 pelos envolvidos com o objetivo de reduzir o tributo devido ou obter restituições indevidas. Ocorre, todavia, que, muito embora os relatórios produzidos pela Corregedoria da Receita Federal se refiram a fraudes praticadas a partir do ano de 2010, a presente denúncia não abarcou delitos de corrupção e/ou peculato eletrônico praticados em 2010 e 2011, p. ex., mas sim delitos praticados nos anos de 2012 e 2013, de maneira que, apesar de as condutas perpetradas pelos acusados terem provocado manifesto prejuízo aos cofres públicos, é obscura a mensuração do quantum a ser indenizado. O grau exato do prejuízo relacionado às condutas pelas quais os réus foram efetivamente condenados não se mostra, no presente momento, passível de mensuração. Trata-se de questão a ser dirimida no juízo cível competente. Apesar de não se poder apurar, com exatidão, o valor do dano, fato é que subsistem diversas condenações por crimes praticados em detrimento da União, de maneira que os bens e/ou valores ora apreendidos e/ou sequestrados devem, necessariamente, ser destinados à reparação do prejuízo causado, na forma tratada pelos arts. 4º, 6º e 9º, do Decreto-lei nº 3.240/1941. Considerando-se que, no caso concreto, as defesas dos apelantes VAGNER FABIANO MOREIRA, EDILAINE LOPES SZWARCTUCH e IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES não apresentaram quaisquer elementos de prova relacionados à origem lícita dos bens e valores apreendidos e/ou sequestrados, e tendo-se em vista que estes valores deverão ser, obrigatoriamente, destinados à reparação do prejuízo causado pelas condutas criminosas perpetradas (montante a ser oportunamente apurado), conclui-se pela necessidade de manutenção de todas as constrições efetivadas no bojo do procedimento cautelar n.° 0005578.49.2013.403.6181, ao menos até que o valor do dano seja concretamente apurado. DECLARA-SE, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e ii) em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia). DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor “culpabilidade” em relação ao delito de lavagem de dinheiro; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime” em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores “culpabilidade” e “motivos do crime” em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos. DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor “motivos do crime”. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos. AFASTA-SE, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente. AFASTA-SE, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos. DETERMINA-SE, porém, a manutenção de todas as constrições efetivadas. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DECLARAR, DE OFÍCIO, A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH: i) em relação a quatro delitos de corrupção passiva privilegiada (referentes às 1ª, 4ª e 10ª condutas descritas na denúncia); e em relação a quatro delitos de violação de sigilo funcional (referentes às 1ª, 3ª, 4ª e 5ª condutas descritas na denúncia); DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH, tão somente para: i) afastar-se a valoração negativa do vetor culpabilidade em relação ao delito de lavagem de dinheiro; afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação a todos os delitos pelos quais VITOR foi condenado (corrupção, peculato eletrônico e lavagem de dinheiro). A pena definitiva de VITOR AURÉLIO SZWARCTUCH fica estabelecida em 20 (vinte) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente FECHADO, e 84 (oitenta e quatro) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de VAGNER FABIANO MOREIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de VAGNER FABIANO MOREIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES PEREIRA DA COSTA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de corrupção ativa. A pena definitiva de MÁRCIO LUÍS RODRIGUES fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de EDSON FERREIRA DA SILVA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (dois delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de EDSON FERREIRA DA SILVA fica estabelecida em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de FÁBIO DE SOUSA MENDONÇA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de JOSÉ CARLOS SIQUEIRA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de CLEIDE MARIA RIBEIRO, tão somente para afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime em relação aos delitos de peculato eletrônico (rês delitos praticados em continuidade delitiva). A pena definitiva de CLEIDE MARIA RIBEIRO fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 13 (treze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo de MAURO SERGIO ARANDA, tão somente para afastar-se a valoração negativa dos vetores culpabilidade e motivos do crime em relação ao delito de peculato eletrônico. A pena definitiva de MAURO SERGIO ARANDA fica estabelecida em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 10 (dez) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos; DAR PARCIAL PROVIMENTO aos apelos de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e EDILAINE LOPES SZWARCTUCH, tão somente para: i) determinar-se a aplicação, para as corrés IZA e EDILAINE, da mesma fração de aumento por circunstância judicial desfavorável aplicada ao corréu VITOR, qual seja, a de 1/12 (um doze avos), equivalente a 3 (três) meses; ii) afastar-se a valoração negativa do vetor motivos do crime. A pena definitiva de IZA RIBEIRO DE SOUZA LOPES e de EDILAINE LOPES SZWARCTUCH fica estabelecida em 3 (três) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicialmente ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, observado o mínimo valor unitário legal, ficando cada pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas de direitos, quais sejam: uma de prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e outra de prestação pecuniária equivalente a 4 (quatro) salários mínimos; AFASTAR, DE OFÍCIO, a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, tendo-se em vista que este constitui questão de maior indagação a ser discernida no juízo cível competente; AFASTAR, por ora, o decreto de perda, em favor da União, dos bens e/ou valores constritos, mantendo-se, contudo, as contrições efetivadas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. FAUSTO DE SANCTIS Desembargador Federal
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