Ministério Público Do Estado Do Paraná x Ademar Schöninger

Número do Processo: 0000002-98.2023.8.16.0112

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJPR
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Grau: 1º Grau
Órgão: Vara Criminal de Marechal Cândido Rondon
Última atualização encontrada em 09 de julho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 29/05/2025 - Intimação
    Órgão: Vara Criminal de Marechal Cândido Rondon | Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
    PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON VARA CRIMINAL DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON - PROJUDI Rua Paraíba, 541 - Prédio do Fórum - Centro - Marechal Cândido Rondon/PR - CEP: 85.960-126 - Fone: (45) 3327-9150 - E-mail: mcr-2vj-scr@tjpr.jus.br Vistos e examinados estes Autos de Ação Penal nº 0000002-98.2023.8.16.0112, em que são partes, como autor, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e, réu, ADEMAR SCHÖNINGER.   O representante do Ministério Público, em exercício nesta jurisdição, ofereceu denúncia contra Ademar Schöninger, brasileiro, portador do RG nº 10.877.362-6/PR, inscrito no CPF sob nº 073.293.759-00, nascido a 14 de fevereiro de 1993, filho de Elsira Schöninger e Ervino Schöninger, residente à Avenida Willy Barth, nº 100, casa dos fundos, na cidade de Pato Bragado, nesta Comarca, dando-o como incurso nas sanções do art. 129, § 13, do Código Penal, conjugado com os arts. 5º e 7º, da lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, pela prática do seguinte fato delituoso: No dia 1º de janeiro de 2023, por volta das 12h50min, na Avenida Willy Barth, nº 100, centro, no município de Pato Bragado/PR, nesta Comarca de Marechal Cândido Rondon/PR, o denunciado ADEMAR SCHÖNINGER, agindo com consciência e vontade, por razões da condição do sexo feminino, prevalecendo-se das relações domésticas, ofendeu a integridade corporal da vítima Mirna Soledad Pellenz Paredes, sua convivente, na medida em que a agrediu na região da face, ocasionando lesão no olho esquerdo, conforme auto de constatação provisória de lesão de mov. 1.7. A agressão causou na vítima inchaço, roxidão e aspecto de sangue no interior do olho. Recepcionada a basilar (mov. 41.1), pessoalmente citado (item 48.1), o réu respondeu à acusação (seq. 50.1). Mantido o recebimento da denúncia (campo 62.1), realizada a audiência de instrução e julgamento (evento 125.1), com inquirição das testemunhas arroladas, à exceção de Evilacio Luiz Pellenz, de cuja oitiva se desistiu e interrogatório do acusado, sem outras provas a produzir, as partes ofereceram as alegações finais. Enquanto o Ministério Público pleiteou a procedência da denúncia (mov. 124.5), a defesa, sustentando insuficiência de provas e invocando o princípio in dubio pro reo, requereu sua absolvição (mov. 128.1). É o relatório, em síntese. DECIDO. A ocorrência do delito está comprovada pelo auto de prisão em flagrante (mov. 1.2), pelo boletim de ocorrência (mov. 1.3), pelo auto de constatação provisória de lesões corporais (mov. 1.7) e pela prova oral colhida. No que se refere à titularidade da autoria, o réu, que, na fase extrajudicial, permaneceu em silêncio (mov. 1.10), em Juízo, negou a prática delitiva, ao dizer que nunca agrediu a vítima, que ambos haviam bebido, mas que ela bebeu muito, que ela faz uso de remédio controlado, que não recorda se ela foi até o hospital, que não sabe o que aconteceu no olho dela, mas não a agrediu (mov. 124.4). Conforme se vê, o acusado negou que tenha agredido sua companheira, aduzindo não saber o que teria causado as lesões nela. Sua versão, porém, é escoteira e não o socorre. Com efeito, a vítima M. S. P. P., na fase embrionária, disse que ... compareceu nesta delegacia para prestar esclarecimentos acerca dos fatos narrados no Boletim de Ocorrência n.º 2023/1575. Relata que no dia anterior, 31/12/2022, a declarante e seu convivente acabaram ingerindo muita bebida alcoólica e que não se recorda ao certo do que aconteceu, mas que na data de hoje acordou com seu olho esquerdo bastante roxo e inchado, mas que segundo ela seu olho está assim apenas porque ingeriu muita bebida alcoólica e porque esqueceu de tomar seus remédios controlados. Inclusive disse que foi procurar atendimento médico por esse motivo, apenas para diminuir o inchaço dos olhos. Questionada se o fato de seu olho esquerdo estar inchado, roxo e com sangue em seu interior teria sido em virtude de alguma agressão sofrida por seu convivente, respondeu que não sofreu nenhuma agressão. Questionada se está com o nariz fraturado e se teria sido seu convivente quem fraturou, respondeu que não está com o nariz fraturado e que seu convivente nunca a agrediu. Inquirida se foi ofendida por Ademar Schoninger ou ameaçada, disse que seu convivente nunca a ofendeu ou ameaçou e que não tem por que representar em seu desfavor. Disse ainda que ela não chamou a polícia e que seu padrasto se mete muito na vida dela, que esse foi o motivo da declarante ter saído da casa da sua mãe (mov. 1.6). Na mesma data, cerca de uma hora depois, a ofendida prestou nova declaração, aduzindo que ... compareceu novamente nesta delegacia para complementar a declaração que ela já havia prestado em momento anterior, após conversa com o advogado de seu convivente. Relata que no momento que chegaram na carceragem municipal, afirma que os policiais que conduziram seu convivente passaram a agredi-lo e que pegaram o celular da declarante das suas mãos (mov. 1.9). Em Juízo, ela asseverou que está com Ademar, há cerca de 13 (treze) anos, que tem conhecimento da condenação dele por tráfico de drogas, que durante o trajeto até Marechal, não ouviu seu companheiro falar nada, que estavam em casa e beberam muito, que não tomou seu remédio de uso contínuo e exagerou na bebida, que não recorda o que aconteceu, que seu padrasto não estava presente e não ouviu nada, que não recorda como feriu seus olhos, que ninguém viu o que aconteceu, que Ademar lhe disse que poderia ter se machucado em uma queda, que nunca foi agredida por ele, que não sabe por que seu padrasto acionou a polícia militar, que Ademar e seu padrasto já tiveram alguns conflitos, no começo de seu relacionamento (mov. 124.1). Registre-se que os delitos de violência doméstica merecem especial atenção, uma vez que não é incomum a vítima alterar os fatos para minimizar a situação e evitar que seu agressor seja penalizado, sobretudo neste caso, em que as partes continuaram seu relacionamento, que já perdura por cerca de 13 (treze) anos. Tais circunstâncias, porém, não afastam a responsabilidade criminal do agente, quando os demais elementos dos autos evidenciam a prática do delito. No caso, não há dúvida de que a ofendida, na data do fato, foi agredida intencionalmente pelo incriminado e, em razão disso, sofreu as lesões corporais descritas na denúncia. É o que se infere dos depoimentos dos policiais militares Leandro Jacó Rempel e Elton Melo Paulo, responsáveis pelo atendimento da ocorrência, que, na fase administrativa relataram: ... estava de serviço em 01/01/2023, quando por voltas das 12h50min a equipe foi acionada pelo celular do DPM Pato Bragado para deslocar até avenida Willy Barth, em uma residência atrás do estabelecimento Troia Veículo, pois segundo solicitação do Senhor Evelacio Luiz Pellenz a sua enteada, Senhora Mirna Soledad Pellenz Paredes teria sido vítima de lesão corporal - violência doméstica e familiar por parte de Ademar Schöninger, que inclusive a vítima tinha tido o nariz quebrado e apresentava um dos olhos avermelhados e inchado. Além disso, o solicitante informou que as agressões eram recorrentes e que a vítima sempre temeu informar a situação por medo de uma reação mais grave por parte do autor. Assim, a equipe foi até o local, e na chegada já foi possível visualizar as duas partes, sendo que Mirna Soledad Pellenz Paredes realmente apresentava as lesões repassadas pelo seu padrasto. Questionados sobre a situação, confirmaram que havia tido um desentendimento e que haviam brigado. As partes foram orientadas e em seguida dado voz de prisão a Ademar Schöninger pelo crime de lesão corporal - violência doméstica e familiar, devido a vítima apresentar lesões e posteriormente foram encaminhados a 47ª DRP, sendo necessário utilizar algema conforme Súmula Vinculante 11. Durante o trajeto o autor que estava sendo conduzido no compartimento fechado da viatura falava para a vítima " você não precisa falar nada para os policiais, é só você falar que se machucou sozinha" e que após alguns minutos o mesmo retornou a insistir com a vítima dizendo as mesmas frases. Relata ainda que em uma breve conversa com as partes, no local, Mirna também relatou que os ferimentos seriam decorrentes das agressões sofridas e que inclusive teria procurado atendimento médico no município de Pato Bragado, devido a lesão que apresentava no nariz, e que possivelmente este estaria fraturado, mas que também apresentava um corte no lábio superior (mov’s. 1.4 e 1.5). Em Juízo, o policial Elton Melo Paulo informou que foram acionados, por volta das 12 horas e 50 minutos, que se deslocaram ao endereço indicado pelo solicitante, que Evelacio, padrasto da vítima, lhes disse que sua enteada havia sido agredida durante a madrugada, que, em breve conversa com ela e com o réu, eles lhe relataram que tiveram uma briga, que ela apresentava escoriações na face, que deram voz de prisão a ele e encaminharam ambos à delegacia, que não foi possível conduzir as partes em veículos separados e, por isso, ela foi no banco traseiro e ele, no compartimento fechado da viatura, que foi feito uso de algemas, que, no trajeto até a delegacia, ele falava a ela que ela devia dizer que havia caído, que a ofendida lhes disse que as agressões eram recorrentes, que o padrasto dela lhes disse que ela não o denunciava por medo de represálias, que ela relatou que havia  ido ao hospital, naquela manhã, por suspeitar de estar com o nariz quebrado, que ela relatou que haviam tido uma briga, que ela não aparentava estar sob efeito de medicamento, que ele estava agressivo, que ele tentou orientá-la a dizer que havia se machucado sozinha, ao cair, que ela apresentava lesões nos olhos e na parte superior do lábio, que acompanhou a vítima na delegacia e o outro policial acompanhou o réu, que Ademar reagiu e foi necessário contê-lo, que o lábio da ofendida estava inchado, que o inchaço era interno e não aparece na imagem juntada aos autos, que a ofendida se manteve em silêncio durante todo o trajeto, que era possível perceber que ela estava “insegura”, que não foi feito exame de dosagem alcoólica nas partes, que solicitou o celular dela, não o tomou, que o celular ficou guardado até o término da elaboração do boletim de ocorrência (mov. 124.2). O policial militar Leandro Jacó Rempel, por sua vez, asseverou que foram acionados para atender uma situação de violência doméstica, que o pai da vítima lhe disse não aguentar mais ver sua filha sendo vítima de violência doméstica, que, por essa razão, naquela data, ele teria decidido  acionar a polícia, que se deslocaram até o endereço informado pelo pai, que o casal estava no local, que a vítima apresentava escoriações e inchaço na face, que seu olho estava avermelhado, que, ao ser questionada sobre o que teria acontecido, a vítima se mostrou bastante acanhada e não quis falar, que. ao questionar o réu, ele lhes disse que haviam se desentendido, que, ao questioná-la se havia sido vítima de violência, ela respondeu que sim, fazendo movimento positivo com a cabeça, que, diante disso e das lesões aparentes da vítima, foi dada voz de prisão ao acusado, que só havia uma viatura disponível, então ambos foram conduzidos no mesmo carro, que ela foi no banco traseiro e ele no compartimento fechado da viatura, que no trajeto até a delegacia, Ademar começou a dizer que ela não era obrigada a falar nada, que ela devia dizer que tinha caído e que se ela não colaborasse, “em casa ela iria ver”, que solicitaram que ele parece de falar com ela, que a vítima não estava embriagada, que a primeira vez que a questionou se havia sido agredida, ela olhou para o chão e permaneceu em silêncio, que após Ademar confirmar que haviam se desentendido, perguntou novamente a ela e ela o confirmou, sinalizado positivamente com a cabeça, que, na carceragem, o réu não colaborou, que ele não queria passar pelo procedimento padrão, para troca de vestimenta e busca pessoal, que foi feito uso de força e de espargidor, que havia várias pessoas na residência, que a vítima estava no interior da casa, que recorda que ela apresentava inchaço na face e vermelhidão no olho, que não recorda se o rosto estava roxo, que não recorda de detalhes da lesão, que não presenciaram nenhuma agressão, que, segundo o solicitante, a vítima havia sido agredida por seu companheiro, que. ao fazer a solicitação, Evelacio lhes disse que iria ao hospital, saber como ela estava, que ele não estava no local, quando chegaram, que, na delegacia, o acusado se negou a passar pela revista, que não o agrediu, que foi feito uso de força progressiva e moderada e de espargidor, a fim de contê-lo e realizar o procedimento necessário, que não recorda se ele estava algemado no momento, que o agente penitenciário estava presente no momento do procedimento, que o policial Elton estava na elaboração do boletim de ocorrência, que os celulares da vítima e do incriminado não foram vistoriados (mov. 124.3). Frise-se que, no boletim de ocorrência (seq. 1.3), consta que, SEGUNDO SOLICITAÇÃO DO SENHOR EVELACIO LUIZ PELLENZ A ÃUA ENTEADA SENHORA MIRNA SOLEDAD PELLENZ PAREDES TERIA SIDO VITIMA DE LESAO CORPORAL - VIOLENCIA DOMESTICA E FAMILIAR POR PARTE DE ADEMAR SCHÖNINGER E QUE INCLUSIVE A VITIMA TINHA TIDO O NARIZ QUEBRADO E APRESENTAVA UM DOS OLHOS AVERMELHADOS E INCHADO, ALÉM DISSO O SOLICITANTE INFORMOU QUE AS AGRESSÕES ERAM RECORRENTES E QUE A VITIMA SEMPRE TEMEU INFORMAR A SITUAÇÃO POR MEDO DE UMA REAÇÃO MAIS GRAVE POR PARTE DO AUTOR (...) QUE EM UMA BREVE CONVESA COM AS PARTES NO LOCAL MIRNA TAMBÉM RELATOU QUE OS FERIMENTOS SERIAM DECORRENTES DAS AGRESSÕES SOFRIDAS E QUE INCLUSIVE TERIA PROCURADO ATENDIMENTO MÉDICO NO MUNICÍPIO DE PATO BRAGADO DEVIDO A LESÃO QUE APRESENTAVA NO NARIZ E QUE POSSIVELMENTE ESTE ESTARIA FRATURADO QUE ESTA TAMBÉM APRESENTAVA UM CORTE NO LÁBIO SUPERIOR. Ademais, os policiais afirmaram que, a princípio, a vítima permaneceu em silêncio e de cabeça baixa, mas, ao ser novamente questionada, confirmou ter sido agredida por seu esposo. É certo que, o depoimento dos policiais que efetivaram a prisão do réu se reveste de contundente e inegável carga de valoração probatória, seja pela premissa da atuação ética que deve ser inerente à função pública por eles exercida, seja porque não há qualquer circunstância que possa levar a crer que eles estejam atribuindo injusta acusação a ele. Aliás, orienta-se a jurisprudência no sentido de que os depoimentos dos agentes policiais, colhidos sob o crivo do contraditório, merecem credibilidade como elementos de convicção, máxime quando em harmonia com os elementos constantes dos autos,[1] ou seja, segundo entendimento reiterado do Superior Tribunal de Justiça, os depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão em flagrante são meio idôneo e suficiente para a formação do édito condenatório, quando em harmonia com as demais provas dos autos, e colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, como ocorreu na hipótese, cabendo a defesa demonstrar sua imprestabilidade.[2] Ora, conforme pontuado pelos policiais que atenderam a ocorrência, a vítima parecia insegura e assustada para registrar o boletim de ocorrência. O que é evidente, vez que, apesar de ter confirmado, aos policiais, a agressão, ao prestar sua declaração na delegacia e em Juízo, ela negou ter sido agredida pelo esposo e disse não saber o que lhe teria causado as lesões. Diante de tais circunstâncias, é evidente que as lesões da vítima não foram lhe causadas por uma queda acidental e sim pelas agressões do réu, de modo que a versão dos fatos dada por ela, não tem o condão, por si só, de eximi-lo de sua responsabilidade penal. Neste sentido, a orientação da jurisprudência, conforme ementas: APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DECLARAÇÃO DA VÍTIMA PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL. LAUDO PERICIAL. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE. I - Prestigia-se a versão apresentada pela vítima na Delegacia de Polícia, quando corroborada por laudo pericial que identifica diversas lesões, absolutamente compatíveis com a narrativa inicial, nada obstante a retratação em Juízo, que configurou evidente tentativa de proteger o ofensor diante da reconciliação do casal. II - Considerar que o depoimento das vítimas de violência doméstica e familiar em Juízo, isentando seus agressores deveria ensejar, por si só, a absolvição criminal, implica ao final, em igualmente apoderá-las com a capacidade de modificar a resposta estatal, livrando seus ofensores, quando são impulsionadas a modificar a narrativa por compaixão, medo, retaliações, ameaças e dependência econômica. III - Recurso conhecido e provido (sem destaque no original);[3] Direito penal. Apelação contra sentença absolutória. Lesão corporal no âmbito doméstico contra mulher e criança. Testemunhos dos policiais que atenderam a ocorrência. Relatórios de atendimentos médicos. Imagens de lesões no corpo da vítima. Conjunto probatório suficiente para a reforma da sentença e condenação do réu. Palavra da vítima que não é imprescindível para a incidência sanção penal, especialmente quando o contexto denota que o declarado não corresponde ao conjunto das provas por temor do réu ou por crença na ruptura do ciclo de violência doméstica. Recurso provido. I. Caso em exame1. Apelação visando a reforma de sentença que julgou improcedente a denúncia do Ministério Público, imputando ao réu a prática de lesão corporal contra a mulher por razões de gênero e lesão corporal no âmbito doméstico contra criança. Juízo de origem que aplicou o princípio in dubio pro reo diante da negativa dos fatos pela vítima em delegacia e da ausência dela à audiência de instrução. II. Questão em discussão2. A questão em discussão consiste em saber se a sentença que julgou improcedente a denúncia por lesão corporal contra a mulher e contra criança deve ser reformada, considerando o conjunto das provas produzidas. III. Razões de decidir3. A materialidade e a autoria dos crimes foram comprovadas por boletins de ocorrência, relatórios de atendimento médico, vídeo da vítima em delegacia, com lesões ostensivas e depoimentos de testemunhas.4. As declarações dos policiais que atenderam a ocorrência corroboram a versão da denúncia. Além de terem atendido o fato em momento de flagrância, encaminharam a vítima ao pronto socorro e ouviram que ela tentava convencer o filho a mentir sobre as agressões sofridas, com vistas a exonerar o réu das sanções penais. 5. A tentativa da vítima de negar as agressões ou o seu não comparecimento em juízo não impedem a condenação e não invalidam o conjunto probatório que demonstra a ocorrência dos crimes.6. A jurisprudência admite a condenação em casos de violência doméstica, considerando o contexto de pressão e medo da vítima de que, ao dizer a verdade, venha a ser novamente agredida.7. O réu foi condenado por lesão corporal contra a mulher e contra a criança, com penas somadas, em regime semiaberto, devido à reincidência. IV. Dispositivo e tese8. Apelação conhecida e provida para condenar o réu pela prática dos delitos descritos nos artigos 129, §13º, e 129, §9º, do Código Penal. Tese de julgamento: É possível a condenação por lesão corporal no âmbito da violência doméstica mesmo na ausência de laudo pericial, desde que a materialidade e a autoria do delito sejam comprovadas por outros meios de prova, como depoimentos de testemunhas e registros médicos que atestem as lesões sofridas pela vítima. Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 129, § 9º e § 13º; CPP, arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44, I; Lei nº 11.340/2006.Jurisprudência relevante citada: TJPR, 1ª Câmara Criminal, 0003574-76.2021.8.16.0130, Rel. Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Mauro Bley Pereira Junior, j. 06.04.2024; TJPR, 1ª Câmara Criminal, 0000391-29.2021.8.16.0088, Rel. Desembargador Adalberto Jorge Xisto Pereira, j. 19.08.2023; TJPR, 1ª Câmara Criminal, 0007710-82.2022.8.16.0130, Rel. Juíza de Direito Substituto em Segundo Grau Dilmari Helena Kessler, j. 11.05.2024; TJPR, 1ª Câmara Criminal, 0000843-11.2018.8.16.0196, Rel. Substituto Humberto Goncalves Brito, j. 27.01.2024; TJPR, 1ª Câmara Criminal, 0000200-48.2021.8.16.0196, Rel. Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Mauro Bley Pereira Junior, j. 14.09.2024; Súmula nº 588/STJ (sem destaque no original).[4] ISTO POSTO, diante da prova colhida, julgo procedente a exordial acusatória e, de consequência, submeto o réu Ademar Schöninger, precedentemente qualificado, como incurso nas sanções do art. 129, § 13, do Código Penal, conjugado com os arts. 5º e 7º, da lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, passando a dosar a pena a lhe ser imposta. O acusado, de ignorada situação econômica, registra duas condenações definitivas anteriores ao fato narrado nestes autos (Autos de Ação Penal nº 0002743-92.2015.8.16.0112 e Autos de Ação Penal nº 0008731-55.2019.8.16.0112) (mov. 126.1), sendo, a primeira, considerada para reconhecer sua reincidência e, a segunda, para repercutir seus maus antecedentes, visto que as condenações pretéritas podem ser utilizadas tanto para valorar os maus antecedentes na primeira fase, quanto para agravar a pena na segunda fase, a título de reincidência, sem acarretar em bis in idem, desde que as condenações sejam de fatos diversos, conforme ocorreu no presente caso.[5] No procedimento, não há dados sobre sua personalidade e/ou sua conduta social. Sua culpabilidade deve ser valorada negativamente, porque o crime foi cometido enquanto ele cumpria pena nos Autos de Execução de Pena nº 0007592-05.2018.8.16.0112 e o fato de o agente cometer o delito enquanto cumpre pena aplicada em razão da prática de crime pretérito é fundamento adequado para exasperar a pena-base.[6] A motivação, as circunstâncias e as consequências do delito são as próprias da espécie. Assim, porque, em relação à fração de aumento utilizada para exasperar a basilar na primeira etapa da dosimetria, de acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, a fixação da pena-base não precisa seguir um critério matemático rígido, de modo que não há direito subjetivo do réu à adoção de alguma fração específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima ou mesmo outro valor,[7] reconhecidas duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (maus antecedentes e culpabilidade), fixo-lhe a pena base em um pouco acima de seu mínimo legal, ou seja, em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão. Na segunda etapa, reconhecida circunstância agravante (reincidência), a acresço de 1/6 (um sexto). Na terceira etapa, não há causas para aumentá-la ou diminuí-la, razão por que, à falta de outros fatores modificadores, a mantenho definitiva em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão. Condeno-o, ainda, ao pagamento das custas processuais, por força do que estabelece o art. 804, do Código de Processo Penal. Embora o art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, disponha que o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade e o art. 1º, da lei nº 12.736, de 30 de novembro de 2012, estabeleça que a detração deverá ser considerada pelo juiz que proferir a sentença condenatória, nos termos desta Lei, deixo de operar a respectiva detração penal, porque o sentenciado cumpre pena nos Autos de Execução de Pena nº 0007592-05.2018.8.16.0112, impondo-se, assim, em tais autos, a unificação de suas reprimendas, para, em seguida, se operar a detração delas. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a suspensão condicional da pena são inviáveis, em razão da reincidência do réu, porque a infração foi cometida com ameaça à pessoa. O art. 33, § 3º, do Estatuto Punitivo, estabelece que a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código. No caso, embora a reprimenda imposta ao sentenciado tenha sido fixada em patamar inferior a quatro anos, diante de sua reincidência e do reconhecimento de duas circunstâncias judiciais negativas em seu desfavor (culpabilidade e maus antecedentes), ele deverá iniciar o seu cumprimento em regime fechado, tendo em vista que, ante o registro de circunstância judicial negativa (art. 33, § 3°, do CP) e de reincidência, não há flagrante ilegalidade na fixação do regime inicial fechado,[8] consoante entendimento jurisprudencial, na forma das ementas: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL GRAVE. DOSIMETRIA. AGRAVANTE DO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA F, DO CÓDIGO PENAL. DISPOSIÇÕES DA LEI N. 11.340/2006. APLICAÇÃO CONJUNTA. NÃO OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS E REINCIDÊNCIA. REGIME INICIAL FECHADO. CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. Consoante orientação desta Corte Superior, a aplicação da agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal de modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 não consubstancia bis in idem, pois a Lei Maria da Penha visou recrudescer o tratamento dado para a violência doméstica e familiar contra a mulher. 2. A despeito do estabelecimento de sanção penal inferior a 4 (quatro) anos de reclusão, o Agravante é reincidente e foram reconhecidas circunstâncias judiciais desfavoráveis. Assim, a fixação do regime fechado para o início do cumprimento da pena foi devidamente fundamentada. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido (sem destaque no original);[9] PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASSÉDIO DE CRIANÇA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO E EXCLUSÃO DO VALOR ARBITRADO PARA INDENIZAÇÃO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. RÉU REINCIDENTE E CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. MODO FECHADO. CABIMENTO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O acórdão recorrido decidiu com base em elementos probatórios disponíveis nos autos. Reexaminá-los para atender aos pleitos de absolvição ou redução ou exclusão da indenização implicaria o revolvimento de matéria fática, inviável em sede de recurso especial, conforme orientação da Súmula 7/ STJ. 2. Embora a pena definitiva do apelante seja inferior a 4 anos de reclusão, o regime inicial fechado (mais grave segundo o quantum da sanção aplicada) é o adequado para prevenção e reprovação do delito, tendo em vista a reincidência do agravante e a análise desfavorável das circunstâncias judiciais, consoante as diretrizes do art. 33, § 3º, do CP. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido. (sem destaque no original).[10] Considerando que o sentenciado respondeu ao procedimento em liberdade e que inexistem, por ora, motivos para a decretação de sua prisão preventiva, lhe concedo o direito de recorrer em liberdade! O art. 387, inciso IV, do Diploma Instrumental Penal, estabelece que o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. O Superior Tribunal de Justiça tem afirmado que a aplicação do instituto disposto no art. 387, inciso IV, do CPP, referente à reparação de natureza cível, quando da prolação da sentença condenatória, requer a dedução de um pedido expresso do querelante ou do Ministério Público, em respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa, entendendo, ainda, que o pedido expresso por parte do Ministério Público, na exordial acusatória, é suficiente para que o juiz sentenciante fixe o valor mínimo a título de reparação dos danos causados pela infração.[11] Ademais, o referido Tribunal também entende que, nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.[12] O Ministério Público, quando do oferecimento da denúncia, requereu a fixação de valor mínimo a título de indenização da vítima, na forma do art. 387, IV, do Código de Processo Penal (mov. 33.1, item 4). Por isso, a teor do que disposto no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, fixo o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração em R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais). Determino que, nos termos do art. 201, § 2º, do Código de Processo Penal, a vítima seja comunicada do teor desta decisão. Transitada em julgado esta decisão, tomem-se as seguintes providências: - remetam-se os autos ao Contador Judicial, para cálculo das custas processuais e da multa, intimando-se, o apenado, para que efetue o recolhimento das verbas; - expeça-se guia de recolhimento do réu acompanhada das peças indicadas no Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça; - oficie-se, ao Tribunal Regional Eleitoral, comunicando-lhe a condenação do sentenciado, com sua devida identificação, acompanhada de cópia da presente decisão, para cumprimento do quanto disposto no art. 71, § 2º, do Código Eleitoral conjugado com o art. 15, inciso III, da Constituição Federal; - cumpram-se as demais disposições contidas no Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça, no que forem aplicáveis. Por último, para fins de execução penal, anoto que o delito processado nestes autos não resultou em morte, não foi cometido com grave ameaça, o sentenciado é reincidente e não há dados para se afirmar que ele comanda organização criminosa para crime hediondo.   Publique-se! Registre-se! Intimem-se!   Marechal Cândido Rondon, datado e assinado digitalmente.   Clairton Mário Spinassi        Juiz de Direito   [1] STJ. AgRg no AREsp 1698767/SP. Rel. Min. Nefi Cordeiro. 6ª Turma. j. 09.09.2020. DJe. 14.09.2020. [2] STJ. AgRg no REsp 1863836/RS. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior. 6ª Turma. j. 06.10.2020. DJe. 14.10.2020. [3] TJDF. Apelação Criminal n. 07123315120218070006. Rel. Des. Nilsoni de Freitas Custodio. 3ª Turma Criminal. j. 23.03.2023. DJe. 03.04.2023. [4] TJPR. Apelação Criminal n. 0001353-34.2023.8.16.0039. Rel. Jaqueline Allievi. 1ª Câmara Criminal. j. 24.04.2025. DJe. 24.04.2025. [5] STJ. AgRg no HC 551007/SP. Rel. Min. Felix Fischer. 5ª Turma. j. 28.04.2020. DJe 04.05.2020. [6] STJ. HC 704718/SP. Relª Minª Laurita Vaz. 6ª Turma. j. 16.05.2023. DJe. 23.05.2023. [7] STJ. AgRg no AREsp 2383603/PR. Rel. Min. Ribeiro Dantas. 5ª Turma. j. 17.03.2023. DJe. 23.10.2023. [8] STJ. AgRg no HC 709675/SP. Rel. Rogerio Schietti Cruz. 6ª Turma. j. 14.11.2022. DJe. 24.11.2022. [9] STJ. AgRg no AREsp 1954688/MS. Relª Minª Laurita Vaz. 6ª Turma. j. 27.09.2022. DJe. 03.10.2022. [10] STJ. AgRg no AREsp 2143337/TO. Rel. Min. Ribeiro Dantas. 5ª Turma. j. 13.09.2022. DJe. 21.09.2022. [11] STJ. REsp 1265707/RS. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. 6ª Turma. j. 27.05.2014. DJe. 10.06.2014. [12] STJ. REsp 1643051/MS. Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz. 3ª Seção. j. 28.02.2018. DJe. 08.03.2018.
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