Ministério Público Do Trabalho x Leticia Caroline De Oliveira e outros
Número do Processo:
0000287-38.2023.5.10.0103
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRT10
Classe:
AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIO
Grau:
1º Grau
Órgão:
3ª Vara do Trabalho de Taguatinga - DF
Última atualização encontrada em
11 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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28/04/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Turma | Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTAPODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 2ª TURMA Relator: GILBERTO AUGUSTO LEITAO MARTINS 0000287-38.2023.5.10.0103 : LETICIA CAROLINE DE OLIVEIRA E OUTROS (2) : LETICIA CAROLINE DE OLIVEIRA E OUTROS (2) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO PROCESSO n.º 0000287-38.2023.5.10.0103 - RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA (1009) RELATOR(A): Desembargador Gilberto Augusto Leitão Martins RECORRENTE: LETICIA CAROLINE DE OLIVEIRA Advogado: ALDEMIO OGLIARI - DF0004373 RECORRENTES: KAIZEN CASA DE AUTOPECAS LTDA, PECISTA DISTRIBUICAO E REPRESENTACAO DE AUTO PECAS LTDA Advogados: CLARISSE DINELLY FERREIRA FEIJAO - DF0021226 RECORRIDOS: OS MESMOS ORIGEM: 3ª VARA DO TRABALHO DE TAGUATINGA - DF CLASSE ORIGINÁRIA: AÇÃO TRABALHISTA JUIZ(A): ANGELICA GOMES REZENDE EMENTA: DAS ATIVIDADES DA RECLAMANTE. NATUREZA. PRETENSÃO DE ENQUADRAMENTO COMO OPERADORA DE TELEMARKETING. JORNADA DE TRABALHO APLICÁVEL. "A prova testemunhal evidencia que a missão precípua da obreira era a realização de vendas ativas ou passivas, o fazendo via contatos telefônicos com os clientes de sua carteira, mensagens de WhatsApp e, ainda, embora em menor proporção, também por meio de atendimentos presenciais no balcão. Tudo está a demonstrar que o uso das ferramentas de trabalho disponibilizadas, imprescindível na sociedade moderna, constituía apenas um meio para a consecução dos objetivos de vendas e não um fim em si mesmo. Significa dizer que a rotina de trabalho da empregada, por não traduzir atividade contínua e específica desse segmento profissional, não é exatamente aquela do operador de teleatendimento/telemarketing a que alude o Anexo II da NR-17." (Desembargador João Luis Rocha Sampaio) VERBAS QUE COMPÕEM A REMUNERAÇÃO OBREIRA. Conforme previsão insculpida no art. 457, § 1º, da CLT: "Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador". Verificado nos autos que as parcelas pagas à autora têm natureza de comissão, devidas as repercussões postuladas em outras verbas. ASSÉDIO MORAL. DANO DE ORDEM IMATERIAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, é o dano moral passível de sofrer ressarcimento de ordem patrimonial, quando caracterizada ofensa à honra e à imagem do indivíduo (art. 5º, inc. X). Diga-se, de outra banda, que o assédio moral se caracteriza pela exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e sem simetrias, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização. Do contexto da prova colhida nos autos, ficaram comprovados os fatos geradores do direito vindicado, sendo devida, pois, a reparação por danos morais pleiteada. CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA FALTA GRAVE PATRONAL. POSSIBILIDADE. A rescisão indireta é a falta grave patronal, suficiente em gerar a incompatibilidade da permanência do vínculo de emprego, por quebra da confiança a partir dos interesses da parte obreira em permanecer na relação de emprego, sendo doutrinariamente reconhecida a necessidade de preenchimento de requisitos objetivos, subjetivos e circunstanciais para seu reconhecimento. Ao alegar tais violações contratuais, compete ao empregado demonstrar a respectiva falta grave da parte contrária para caracterização da rescisão indireta, ônus do qual se desincumbiu a reclamante nesta hipótese. Portanto, o descumprimento habitual e reiterado de obrigações contratuais, além do assédio moral vivenciado pela autora, enseja o reconhecimento da falta grave capitulada nas alíneas "b" e "d" do art. 483 da CLT, impondo-se a anulação do pedido de demissão da reclamante e a condenação das reclamadas ao pagamento das verbas atinentes a modalidade de rescisão indireta do contrato de trabalho. Recurso ordinário da reclamante conhecido e parcialmente provido. Recurso ordinário das reclamadas conhecido e parcialmente provido. I - RELATÓRIO A Exma. Juíza do Trabalho Substituta ANGELICA GOMES REZENDE, por meio da sentença às fls. 336/358 do PDF, complementada pela decisão de embargos declaratórios às fls. 375/378 do PDF, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial. Concedeu, ainda, as benesses da gratuidade de justiça à reclamante e arbitrou honorários advocatícios de sucumbência recíprocos. A reclamada apresenta recurso ordinário às fls. 380/398 do PDF. Questiona a sentença quanto aos seguintes temas: aplicabilidade da NR 17 às atividades laborais da autora; horas extras; e, por último, verbas que compõem a remuneração obreira. Comprovantes das custas processuais e do depósito recursal juntados às fls. 399/402 do PDF. A reclamante também interpõe recurso ordinário às fls. 403/409 do PDF. Renova os pedidos de conversão do pedido de demissão em rescisão indireta, pagamento do intervalo intrajornada e de indenização por danos morais. Contrarrazões pela reclamada às fls. 413/427 e pela reclamante às fls. 428/429 do PDF. Dispensado, na forma regimental (art. 102 do RITRT10), o envio dos autos ao Ministério Público do Trabalho. É o relatório. II - VOTO 1. ADMISSIBILIDADE Preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço dos recursos ordinários interpostos. 2. MÉRITO 2.1. ATIVIDADES DA OBREIRA CARACTERIZADAS COMO DE OPERADORA DE TELEMARKETING. JORNADA LABORAL. HORAS EXTRAS (recursos das reclamadas e da reclamante) Sobre os temas em epígrafe, assim decidiu a magistrada de origem, in verbis: "CARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO DE OPERADORA DE TELEMARKETING A reclamante aduz que apesar de constar a função de vendedora em sua CTPS, de fato exercia a função de operadora de telemarketing, ao passo que a defesa nega a alegação, argumentando que o telefone era apenas um dos meios de comunicação utilizados pela reclamante na atividade de vendas, podendo também utilizar mensagens de e-mail, WhatsApp, além de fazer vendas no próprio balcão de atendimento. Cabe à reclamante o ônus da prova das suas alegações, por se tratar de fato constitutivo do seu direito, nos termos dos artigos 818, I, da CLT e 373, I, do CPC. No depoimento pessoal a reclamante afirmou que passava a maior parte da jornada atuando em contato com os clientes por telefone e mensagens de WhatsApp e que seguia um roteiro ao entrar em contato com os clientes. O preposto afirmou que a maioria dos contatos da reclamante com clientes era feito por WhatsApp, informava alterações cadastrais de clientes para o setor de cadastro, defendia o limite de crédito do cliente perante o setor competente, tirava dúvidas de clientes presencialmente e os atendia fazendo a venda presencialmente no balcão. Declarou também que não havia roteiro a ser seguido. A reclamante passava de 50 minutos a uma hora ao telefone durante sua jornada, ao todo. Trabalhava em uma baia no segundo andar e então descia para atender os clientes no balcão. A primeira testemunha ouvida a convite da reclamante, Sr. Rafael Gomes dos Santos , declarou em resumo o seguinte sobre a função: 'inicialmente ainda não havia o mezanino, trabalhando no balcão. Depois inauguraram o mezanino, onde trabalhavam só com ligação telefônica, e-mail e WhatsApp. A reclamante começou no balcão e depois (acha que não foi nem dois meses depois) é que foi para o mezanino. A maior parte do contato era por telefone e recebiam uma lista diária com a classificação dos clientes (por cores verde, amarelo e vermelho) e o agente de pressão (Roger) ficava cobrando para fazer essas ligações. Diariamente recebiam mensagem para enviar para lista de distribuição para os clientes e falavam para perguntar como o cliente estava e como estava o dia e passavam a lista de produtos para ofertar para os clientes. Não havia um script a ser seguido. A reclamante permanecia 100% do tempo no telefone, pois enquanto falava no telefone, ao mesmo tempo falava no WhatsApp, abrindo várias telas no computador, fora as chamadas em espera.' No mesmo sentido foi o depoimento da segunda testemunha chamada pela reclamante, Sr. Jeferey Carlos Menezes da Silva. Eis o resumo do ponto de interesse extraído da gravação: 'Trabalhou na Pecista com 18 anos de idade, de 2010 a 2020, com CTPS assinada, na função de estoquista, vendedor, auxiliar administrativo; depois foi o primeiro empregado da Kaizen, sendo sua inauguração em novembro de 2022, na função de vendedor; quando foram contratados foram 4 vendedores e ficaram trabalhando no balcão e pouco tempo depois foram trabalhar no mezanino; todo o processo é semelhante, o vendedor começa trabalhando no balcão e depois vai para o telemarketing, mas é rápido e o mesmo aconteceu com a reclamante; não sabe quanto tempo a reclamante trabalhou no balcão; a rotatividade de vendedores é muito alta; no andar superior a comunicação com clientes era majoritariamente em telefone e mensagens de WhatsApp; eram obrigados a ligar para os clientes da lista. Atendia mais de um cliente ao mesmo tempo, com ligações e mensagens de WhatsApp. Não consegue fazer uma porcentagem entre ligação e mensagens de WhatsApp porque era variável. No início havia um roteiro pronto, com uma frase pronta para fazer as ligações e para o WhatsApp o departamento de Marketing enviava uma mensagem para ser encaminhada aos clientes. Diariamente tinham que preencher uma planilha chamada lista de clientes, que eram separados por cores, tendo que ligar para eles e informar o resultado de 'liguei', 'não liguei', não atendeu', sendo que se marcasse como 'liguei' também incluía o contato por WhatsApp. Logo no início da jornada recebiam uma 'arte' com alguma mensagem constrangedora ou legal para enviarem para a lista de transmissão de WhatsApp para os clientes. Havia uma lista para fazer ligação (ligar e não Whatsapp) para todos os clientes da carteira diariamente, sendo que tinha que explicar se não conseguisse falar com todos. Na rotina disparava a mensagem na lista de transmissão e depois já começavam a fazer as ligações. Era obrigado a falar por telefone com no mínimo de 70% dos clientes da carteira. Uma ligação pode demorar de 5 segundos a um minuto, dando uma média de 30 segundos a 1 minuto por ligação. O mesmo cliente pode ligar umas dez vezes por dia.' No entanto, as testemunhas convidadas pelas reclamadas fizeram declarações em sentido oposto. Vejamos o resumo do trecho de interesse do depoimento da primeira testemunha ouvida pela ré, Sr. Wildemberg de Melo Monteles: 'É empregado da kaizen desde 01/09/2021 na função devendedor. Trabalha no setor em cima, mas também atende no balcão. Majoritariamente trabalha no andar de cima e lá na maioria das vezes entra em contato com os clientes por mensagens de WhatsApp e por telefone. Atende clientes no balcão quando o cliente vai na loja e isso acontece diariamente. Essa mesma situação ocorria com a reclamante. Quando começou a trabalhar na kaizen já foi trabalhar direto no andar de cima. Geralmente o treinamento é feito no balcão, com os novos contratados, e esse tempo de treinamento depende da agilidade do vendedor. 80% do contato com a carteira de clientes do depoente é por mensagens de WhatsApp. Faz contato telefônico por pedido do cliente. A maior parte das vendas era feita pelo WhatsApp; o depoente tem uma carteira de clientes, mas não tem obrigação de entrar em contato com todos eles diariamente; além de vender, também fazem pesquisa na internet, catálogo, preenche formulário e envia para o setor de cadastro, é responsável pela garantia do cliente; 80% das vendas do depoente é feita por mensagem de WhatsApp e não sabe dizer que essa é a mesma realidade dos demais vendedores, mas majoritariamente as vendas dos vendedores é feita pelo WhatsApp; as opções no sistema para entrega da mercadoria eram B de balcão quando o cliente foi comprar na loja, V de vem pegar na loja e E de entrega; há um computador disponível para os vendedores do setor de cima no balcão; não havia script ou roteiro para ser seguido para falar com telefone em ligações; uns 12 vendedores trabalhavam no andar de cima; a reclamante trabalhava nas 'costas' do depoente, cerca de uns 2 metros de distância.' A segunda testemunha convidada pela defesa, Sr. João Vitor Ferreira Rodrigues, também fez declarações nesse mesmo sentido, conforme resumo a seguir do seu depoimento: 'a reclamante começou trabalhando no balcão e algum tempo depois ela foi trabalhar em cima; não se lembra quanto tempo depois a reclamante passou a trabalhar no andar superior; trabalhava em uma baia cerca de 1 metro distante da reclamante, dando para visualizá-la se o depoente se levantasse; costumava ficar sentado e só se levantava para ir ao banheiro ou atender cliente no balcão; o meio de comunicação mais utilizado era mensagem de Whatsapp; tinham que entrar em contato com clientes por ligação ou por mensagem; 70% das vendas do depoente era feito por WhatsApp; a reclamante fazia venda no balcão quando o cliente ia na loja, caso o cliente fosse da carteira dela; o mesmo ocorre com os demais vendedores que trabalham no andar de cima; pelo que se lembra; as formas de entrega no sistema era: B quando o cliente está na loja, V de o cliente vem buscar na loja, M moto e R de rota; há máquina disponível no balcão para quando os vendedores de cima atendem clientes no balcão; nunca teve que seguir um roteiro na hora de fazer as ligações.' Observo do documento de ID eed6ef2 que uma parte considerável das vendas da reclamante eram feitas por balcão, o que significa, que o cliente foi atendido pela reclamante no balcão da loja, conforme se infere dos depoimentos acima. Todavia, as telas juntadas pela reclamada do sistema de vendas são relativas tão somente aos dias 03, 04, 08, 11, 12 e 13/05/2021, ou seja, do período em que a reclamante começou o contrato trabalhando no balcão, como dito por todas as testemunhas ouvidas nos autos. Todas elas declararam que inicialmente o vendedor trabalha no balcão e depois passa a trabalhar no andar de cima com teleatendimento de forma majoritária. Pela prova testemunhal produzida nos autos conclui-se que a reclamante ativava-se na atividade de vendas à distância na maioria das vezes, utilizando-se de canais de comunicação por telefone e mensagens de WhatsApp. A autora também fazia atividades acessórias à sua função de vender, como envio de dados cadastrais para o setor de cadastro, defesa de crédito do cliente e vendas presencialmente no balcão, porém essas últimas atividades ocupavam tempo menor da jornada em comparação com a comunicação à distância com clientes. Com efeito, o item 1.1.2 do Anexo II da NR 17 considera trabalho em teleatendimento/telemarketing 'aquele cuja comunicação com interlocutores clientes e usuários é realizada à distância por intermédio da voz e/ou mensagens eletrônicas, com a utilização simultânea de equipamentos de audição/escuta e fala telefônica e sistemas informatizados ou manuais de processamento de dados.' Ou seja, a atividade preponderante da reclamante era desenvolvida por meio de comunicação à distância com clientes, e, ainda que seja por meio de mensagens, caracteriza-se como teleatendimento, nos termos do item 1.1.2 do Anexo II da NR 17. O fato de a autora possuir atividades que não necessitavam o uso de telefone, como preenchimento de cadastro ou envio de mensagens não desconfigura o teleatendimento, visto que o Anexo II da NR 17 não estipula que o contato telefônico deva ser ininterrupto para configuração do teleatendimento. O atendimento de clientes no balcão, após o período inicial do contrato, era eventual e não majoritário. Nem mesmo a ausência de roteiro ou script desnatura o teleatendimento, porque não há essa exceção na referida NR 17. Desse modo, entendo configurada a caracterização da reclamante na condição de operadora de televendas a partir de 01/06/2021 até 12/05/2022, sendo-lhe aplicável as disposições do Anexo II da NR 17, com direito a jornada reduzida de 6 horas diárias, conforme artigo 227 da CLT. HORAS EXTRAS - INTERVALO INTRAJORNADA A reclamante alega que trabalhava das 08h às 18h, com trinta minutos de intervalo, de segunda a sexta-feira e nos sábados de 08h às 13h, sem intervalo. aduz, ainda, que uma vez por mês participava de treinamentos das 18h as 20h. A defesa afirma que a jornada da autora era de 08h diárias e 44 horas semanais, conforme cartões de ponto. Aduz que não havia labor aos sábados. Pois bem. No tópico acima restou decidido que a autora faz jus à jornada diária de 6 horas, restando analisar a jornada efetivamente por ela trabalhada. As reclamadas trouxeram aos autos os controles de ponto do início do pacto laboral até 25/04/2022, cujos veracidade dos registros foi impugnada em réplica. Estão ausentes os registros de ponto de 26/04/2022 a 12/05/2022. Os controles de ponto registram que a reclamante trabalhava, em média, das 08h as 18h, com intervalo de 01h12min, de segunda a sexta-feira e sábados das 08h as 13h. Logo, a controvérsia cinge-se ao período de intervalo e a participação em treinamentos não registrado no ponto, já que os horários de início e término de jornada coincidem com os descritos na inicial. A primeira testemunha ouvida nos autos, Sr. Rafael Gomes dos Santos, afirmou que o intervalo era inferior a uma hora (com exceção de um ou dois dias entre segunda e sexta-feira) e que o período de treinamento não era registrado no ponto, consoante resumo extraído da gravação: 'trabalhava no mesmo horário da reclamante, de 08h as 18h, com 20 minutos a uma hora de intervalo, de segunda a sexta e sábado das 08h as 12h sendo que em dois dias entre segunda e sexta a reclamante tirava uma hora integral de intervalo. Havia um treinamento que ocorria de uma a duas vezes por mês, reuniões, que ocorriam após o expediente e não era anotado no ponto.' A segunda testemunha ouvida, Sr. Jeferey Carlos Menezes da Silva, também afirmou que o período de participação em treinamento não era registrado no ponto inicialmente: 'Trabalhavam de 08h às 18h de segunda a sexta e sábado de 08h as 13h. Não lembra onde a reclamante tirava o intervalo e quanto tempo, porque não se lembra. De uma a duas vezes por mês havia uma palestra ou reunião, após as 18h e durava até 19h/20h e antes de o depoente sair passou a ser uma vez por mês. Antes não registravam esse período de reunião/palestra no ponto e depois foram orientados a registrar. Não lembra se a reclamante trabalhou na empresa no período em que passou a registrar o tempo de reunião/palestra no ponto.' A terceira testemunha ouvida, Sr. Wildemberg de Melo Monteles, afirmou que o intervalo era de 01h12min e que o período de treinamento era registrado no ponto: 'O intervalo entre segunda a sexta é de 01h12min. A reclamante tirava o intervalo integral de intervalo e saía da loja. O horário de intervalo do depoente era diferente da reclamante, mas o depoente saía para almoçar. Havia um treinamento por mês, na primeira semana do mês, por uns 40 minutos, após as 18h e era registrado no ponto; esse treinamento sempre foi registrado no ponto; trabalhavam nos sábados de 08h as 13h; não acontecia de trabalharem após as 13h até mesmo porque os demais setores já iam embora; uns 12 vendedores trabalhavam no andar de cima; a reclamante trabalhava nas "costas" do depoente, cerca de uns 2 metros de distância.' A quarta e última testemunha ouvida nos autos, Sr. João Vitor Ferreira Rodrigues, também afirmou que o intervalo era de 01h12min e que o período de treinamento era registrado no ponto: 'o intervalo era de 01h12min e não lembra em que horário a reclamante tirava o intervalo, tampouco se ela tirava dentro da empresa ou fora; geralmente uma vez no mês participavam de um treinamento após o expediente após as 18h, por uns 40 minutos a uma hora, e faziam o registro desse treinamento no ponto; trabalhavam em sábados alternados e hoje em dia é um sábado por mês; na época da reclamante era em sábados alternados.' Em relação aos intervalos intrajornada a prova oral restou dividida, na medida em que as testemunhas trazidas pela autora informaram que nem sempre esse era de pelo menos uma hora e as testemunhas da parte ré disseram que era de pelo menos 01h12min. Logo, o ônus dessa divisão deve recair sobre a parte que tinha o dever de provar a alegação, no caso, a reclamante, já que os controles de ponto demonstram o registro de mais de uma hora de intervalo. Quanto ao período em que não houve controle de ponto nos autos, de 25/04/2022 a 12/05/2022, também considero que havia a fruição do intervalo de 01h12min entre segunda e sexta-feira, considerando o que foi declarado pela autora como testemunha nos autos do processo nº 0000226-74.2023.5.10.0105 (juntado pela autora no ID 527bba3): '(...); que a depoente e reclamante batiam o ponto juntos, batendo 01h12 de intervalo, mas que, na realidade a depoente tirava o intervalo completo e o reclamante não, porque só via o mesmo ao telefone; (...).' (fl. 316). Quanto ao período de treinamento, as testemunhas indicadas pela defesa declararam que ocorria uma vez por mês, após as 18h e duravam de 40 minutos a uma hora, e eram registrados no ponto. Todavia, nas folhas de ponto juntadas aos autos não constato que havia o registro de labor por cerca de 40 minutos após as 18h em algum dia do mês, o que induz à conclusão de que esse período de treinamento não era registrado no ponto. Dessa forma, considero que a reclamante participava de treinamento/reuniões uma vez por mês, das 18h as 19h. Em resumo, fixa-se o seguinte: No período de 01/03/2021 a 25/04/2022 a jornada e intervalo eram registrados no ponto, com exceção do treinamento de uma vez por mês, das 18hàs 19h. No período de 26/04/2022 a 12/05/2022 a jornada era de 08h as 18h, com intervalo de 01h12min, de segunda a sexta-feira e todos os sábados das 08h as 13h e o treinamento ocorria uma vez por mês das 18h as 19h. Defiro o pagamento das horas extras excedentes à oitava hora diária e quadragésima quarta hora semanal (o que for mais favorável), no período de 01/03/2021 a 31/05/2021, com adicional de 50% e reflexos em RSR's. Defiro, também, o pagamento das horas extras excedentes à sexta hora diária e trigésima sexta hora semanal (o que for mais favorável), com adicional de 50% para as duas primeiras horas extras diárias e adicional de 100% paras as horas extras subsequentes, no período de 01/06/2021 a 12/05/2021, com reflexos em RSR's. Não houve pedido de reflexos em outras parcelas que não o RSR. Ainda, julgo improcedente o pedido de pagamento do intervalo intrajornada. Para elaboração dos cálculos observem-se os seguintes parâmetros: No período de 01/03/2021 a 25/04/2022 a jornada e intervalo eram registrados no ponto, com exceção do treinamento de uma vez por mês, das 18h às 19h. No período de 26/04/2022 a 12/05/2022 a jornada era de 08h as 18h, com intervalo de 01h12min, de segunda a sexta-feira e todos os sábados das 08h as 13h e o treinamento ocorria uma vez por mês das 18h as 19h. Divisor 220 no período de 01/03/2021 a 31/05/2021 e 180 para o período de 01/06/2021 a 12/05/2022. Exclua-se da condenação os períodos não trabalhados, já registrados no ponto e os períodos de férias constante na ficha de registro de fl. 172. Deduza-se parcelas já pagas a título idêntico, desde que já estejam comprovadas nos autos. A base de cálculo será definida após a análise da alegação de recebimento de parcelas extra folha." (fls. 337/345 do PDF) As partes litigantes recorrem. As reclamadas defendem a inaplicabilidade da NR 17 às atividades laborais desenvolvidas pela autora durante a contratualidade. Dizem, assim, que a reclamante, enquanto vendedora, se utilizava de diversos canais para a execução de suas vendas, incluindo telefone fixo, celular, aplicativo whatsapp, e-mails e vendas no balcão. Nesse sentido, argumentam: "A multiplicidade de tarefas diárias executada pela Recorrida, por si só, diferente do que afirma a r. sentença, já desconfigura e impossibilita qualquer analogia com a atividade desempenhada pelo operador de telemarketing, voltada inteiramente para o uso de telefone." (fl. 386 do PDF). A rés também afirmam que atuam no mercado de autopeças e têm como atividade preponderante o comércio atacadista. Dizem que não havia central de chamadas nem script para o atendimento. Em suma, as recorrentes entendem indevido o enquadramento das atividades da reclamante como operadora de telemarketing e alegam que ela não faz jus à jornada prevista no art. 227 da CLT, as quais seriam restritas às empresas cuja atividade econômica é a comunicação telefônica e afins. Pede o afastamento da condenação das horas extras além da 6ª hora diária. Ademais, as reclamadas, nas razões do apelo, também questionam as horas extras deferidas além da 8ª hora diária e da 44ª semanal, aduzindo, em síntese, que havia compensação das horas laboradas. Já a reclamante, em seu recurso, pretende a majoração da condenação, pleiteando o pagamento do período correspondente ao intervalo intrajornada, ao argumento de que este não era usufruído. Reexamino. De início, verifico que a reclamante foi contratada pela primeira reclamada como vendedora (contrato de trabalho ao ID. D3f90b), sendo que as atividades eram realizadas preponderantemente via telefone e aplicativo de mensagens, conforme se verifica da prova oral colhida. Nesse contexto, quanto ao enquadramento das atividades laborais da autora como de telemarketing, tenho pelo acerto da sentença recorrida. Como pontuado na origem, as testemunhas ouvidas a convite da reclamante, Rafael Gomes dos Santos e Jeferey Carlos Menezes da Silva, confirmaram as alegações iniciais aduzindo que a maior parte do contato feito com os clientes se dava via telefone. A tese da recorrente no sentido de que não é empresa de telemarketing/teleatendimento e, portanto, não se poderia enquadrar as atividades da obreira nesse ramo, não prospera, pois consoante estabelece o próprio item 2.1.1.1 do Anexo II da NR 17: "Este Anexo aplica-se, inclusive, a setores de organizações e postos de trabalho dedicados a esta atividade, além daquelas organizações especificamente voltadas para essa atividade-fim" (grifou-se). Aliás, esse é o entendimento que perfilha perante o col. TST, conforme os seguintes julgados: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. TÉCNICO DE SUPORTE. ATIVIDADE VIA TELEATENDIMENTO. JORNADA REDUZIDA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 227 DA CLT. NÃO PROVIMENTO. O egrégio Tribunal Regional registrou que o trabalho da reclamante era essencialmente atuar como técnica de suporte. Consignou, ainda, que restou evidenciado o uso do telefone de modo preponderante. Acrescentou que, embora houvesse a realização de outras tarefas, essas eram acessórias e complementares às funções da reclamante vendas, não descaracterizando a atividade de teleatendimento. Em razão disso, aplicou à autora, analogicamente, a jornada especial de seis horas diárias do telefonista prevista no artigo 227 da CLT, mantendo a sentença que deferiu o pagamento das horas extraordinárias laboradas além da 6ª diária ou da 36ª semanal. A decisão encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte Superior, no sentido de que a função de operador de teleatendimento aplica-se, analogicamente, a jornada de seis horas diárias prevista no artigo 227 da CLT. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (...) (ARR-20355-86.2015.5.04.0028, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, 4ª Turma, DEJT 21/09/2018.) (grifo aposto) "I- (...) II - RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. HORAS EXTRAS. JORNADA ESPECIAL. ART. 227 DA CLT. TELEATENDIMENTO . 1 - O TRT entendeu que a reclamante não estava enquadrada nas disposições do art. 227 da CLT, porque "a prova dos autos não permite concluir que a autora laborou integralmente na atividade de atendimento via telefone, com o uso de fones de ouvido, pois, dentre as atribuições da reclamante, constavam atendimentos por e-mail e preenchimento de planilhas". 2 - No entanto, esta Corte firmou jurisprudência no sentido de que se aplica a jornada reduzida de que trata o art. 227 da CLT, por analogia, aos operadores de telemarketing/teleatendimento, quando há o exercício de atividades exclusivas ou preponderantes de telefonista. Julgados. 3 - Recurso de revista a que se dá provimento" (RRAg-20499-19.2019.5.04.0352, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 18/03/2022) (grifo aposto) Assim, faz jus a reclamante à jornada prevista no art. 227 da CLT, não havendo o que se modificar no julgado no tema em particular. Em relação às horas extras, também sem razão as partes recorrentes. De início, observo que a extrapolação da jornada legal se mostra incontroversa, porquanto aduzido em defesa que o horário ordinário de trabalho era de 8h às 18h, de segunda a sexta-feira, sendo que o preposto afirmou em audiência que também havia labor aos sábados, o que também é corroborado pelas folhas de ponto juntadas pelas reclamadas (fls. 209/222 do PDF). Nesse contexto, a julgadora de origem, inclusive tendo esclarecido melhor a questão em decisão integrativa, reconheceu que entre as datas de 1/3/2021 a 31/5/2021, a reclamante estava sujeita a jornada de 8 horas diárias e a 44 horas semanais, de modo que as reclamadas ficaram condenadas ao pagamento da jornada superior a essa no referido período. Para o período em que foram deferidas horas superiores à sexta diária e à trigésima semanal (de 1/6/2021 a 12/5/2022), isso se deu em virtude do reconhecimento do labor da autora em atividades de teleatendimento/telemarketing, entendimento mantido nesta decisão, consoante já esclarecido. Em relação ao recurso obreiro, no qual a autora pleiteia a condenação das rés ao pagamento do período do intervalo intrajornada, a própria reclamante juntou ata de audiência de instrução de outro feito, na qual consta declaração dela como testemunha (processo nº 0000226-74.2023.5.10.0105), em que ela afirmou que "tirava o intervalo completo" de 1h12m (ata juntada ao ID. 527Bba3, fl. 316 do PDF). Portanto, se mostra contraditório a parte autora requerer neste processo pagamento do intervalo intrajornada, visto que suas próprias declarações, ainda que prestadas em outro feito como testemunha, não corroboram a tese da petição inicial. Entretanto, prevaleceu no Colegiado o voto divergente do Exmo. Desembargador João Luis Rocha Sampaio: "DAS ATIVIDADES DA RECLAMANTE. NATUREZA. PRETENSÃO DE ENQUADRAMENTO COMO OPERADORA DE TELEMARKETING. JORNADA DE TRABALHO APLICÁVEL O eminente Desembargador Relator, no particular aspecto da pretensão de enquadramento da obreira como operadora de teleatendimento/telemarketing para fins de definição da jornada de trabalho legal aplicável, confirma a sentença que assim concebeu e, quanto a isso, nega provimento ao apelo patronal. Ouso, contudo, dissentir de tal conclusão. A discussão travada nos autos reside, resumidamente, em saber se as atividades da empregada, tal como executadas, se enquadram ou não como operação de teleatendimento/telemarketing na forma prevista no Anexo II da NR-17, a atrair a aplicação analógica da jornada especial de trabalho demarcada no art. 227 da CLT, ou seja, de 6 horas diárias e 36 semanais. Pois bem, o item 2.1.2 do Anexo II da NR-17 assim conceitua a atividade do operador de teleatendimento/telemarketing: "2.1.2 Entende-se como trabalho de teleatendimento/telemarketing aquele cuja comunicação com interlocutores clientes e usuários é realizada a distância, por intermédio da voz e/ou mensagens eletrônicas, com a utilização simultânea de equipamentos de audição/escuta e fala telefônica e sistemas informatizados ou manuais de processamento de dados." Considerada tal premissa, cabe a investigação, no caso, se estão presentes os elementos que caracterizam o referido ofício. E, das provas produzidas nos autos, extraio conclusão no sentido de que o trabalho realizado pela Reclamante não pode ser tido propriamente como de teleatendimento/telemarketing. Induvidoso que a Demandante foi contratada como vendedora e, ao menos nos primeiros dois meses do pacto, laborava exclusivamente no balcão. Outrossim, não há dúvida, não só porque demonstrado pelas fotografias acostadas aos autos, como também pelos relatos das testemunhas, que a Reclamada, no andar de cima do estabelecimento, montou uma estrutura parecida ao de teleatendimento, visto que dotada de telefones, headset e terminais de computador, mas que não pode ser tida como um autêntico call center. O que importa saber, na hipótese concreta, é a essência da atividade desenvolvida. Quanto a isso, a prova testemunhal, na forma transcrita na sentença e reproduzida no r. voto condutor, evidencia que a missão precípua da obreira era a realização de vendas ativas ou passivas, o fazendo via contatos telefônicos com os clientes de sua carteira, mensagens de WhatsApp (que era predominante) e, ainda, embora em menor proporção, também por meio de atendimentos presenciais no balcão. Além disso, desempenhava outras tarefas internas conexas que independiam do uso do telefone. Tudo está a demonstrar que o uso das ferramentas de trabalho disponibilizadas, imprescindível na sociedade moderna, constituia apenas um meio para a consecução dos objetivos de vendas e não um fim em si mesmo. Significa dizer que a rotina de trabalho da empregada, por não traduzir atividade contínua e específica desse segmento profissional, não é exatamente aquela do operador de teleatendimento/telemarketing a que alude o Anexo II da NR-17. Relembro que este egrégio Colegiado já apreciou a mesma controvérsia em relação a outros empregados da empresa, firmando os seguintes precedentes: "CONTRATO DE EMPREGO. UNICIDADE. PRESCRIÇÃO. 1. Evidenciada a presença de contrato único, há a necessária contagem do tempo integral de serviço (art. 453 da CLT). 2. Extinto o contrato em 2022 e proposta a ação em 2023, não há falar na prescrição bienal. OPERADOR DE TELEMARKETING. ENQUADRAMENTO. JORNADA DE TRABALHO. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. 1. A despeito do uso de telefone para realizar a negociação dos produtos, a prova produzida revela que o reclamante atuava efetivamente como vendedor, não se lhe aplicando a jornada diferenciada própria dos operadores de telemarketing. 2. Incumbe ao autor demonstrar a prestação de serviços além dos limites fixados em lei, bem como a ausência de fruição integral do intervalo intrajornada (art. 818, inciso I, da CLT). 3. Inexistindoelementos a dar suporte fático à versão do reclamante, são indevidas as parcelas dela decorrentes. QUINQUÊNIO. A existência de apenas um dia de diferença para o alcance dos cinco anos de efetiva prestação de serviço na mesma empresa não constitui óbice ao direito da perceber o quinquênio previsto em norma coletiva. A conduta da empresa ao dispensar do autor um dia antes de completar o prazo revela abuso de direito, assim como ocorreu em momento pretérito, quando da dispensa e imediata readmissão do empregado. Logo, devida a parcela prevista em sede colativa. GRATIFICAÇÕES DE CAMPANHA. INTEGRAÇÃO. PAGAMENTO EVENTUAL. Evidenciado que o pagamento das gratificações quando das campanhas de vendas dependia do atingimento de meta e não eram pagas mensalmente ao trabalhador, indevida a sua integração à remuneração.DANO MORAL. REQUISITOS. AUSÊNCIA. 1. O pedido de indenização decorrente de dano moral reclama a existência de fatos capazes de ensejá-lo. Ausente tal suporte, resta inviabilizado o acolhimento da pretensão. 2. Recursos ordinários conhecidos e desprovidos." (TRT/10ª Região, 2ª Turma, Rel. Des. João Amílcar Pavan, RO nº0000189-56.2023.5.10.0102, pub. 28/02/2025 - destaques meus). "RECURSO DAS PARTES. JORNADA DE TRABALHO. VENDEDOR DE AUTOPEÇAS. OPERADOR DE TELEMARKETING. NÃO CONFIGURADO. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. TREINAMENTOS.1. A análise dos autos revela que o reclamante era um típico vendedor, que se utilizava de diversos meios para se comunicar com seus clientes, bem assim que também tinha por atribuições pesquisar peças em catálogos, fazer planilhas, fazer orçamentos, além de participar de reuniões. Logo, não há como aferir que o autor exerceu preponderantemente atividade de teleatendimento. 2. Em relação aos demais pedidos relacionados à jornada de trabalho, considerando que a reclamada atendeu à determinação contida no art. 74, § 2.º, da CLT, ao apresentar os controles de ponto, os quais contêm registros variáveis, cabia ao reclamante produzir prova que infirmasse a validade probante da prova documental. O autor não se desincumbiu no tocante às horas extras. Logo, indevidos os pedidos relacionados às horas extras. 3. Em relação aos horários destinados a treinamento, restou comprovado que tais horários não eram registrados. Além disso, a prova oral se revelou apta a infirmar as anotações contidas nos cartões de ponto e relacionadas ao intervalo intrajornada, motivo pelo qual se mantém a condenação relacionada às horas extras decorrentes dos treinamentos, bem assim quanto ao intervalo intrajornada. (...)" (TRT/10ª Região, 2ª Turma, Rel. Juíza Idália Rosa da Silva, RO nº 0000226-74.2023.5.10.0105, pub. 06/09/2024). Por conseguinte, lanço divergência para, no aspecto ora abordado, conceder provimento ao apelo patronal e afastar o enquadramento da obreira como operadora de teleatendimento/telemarketing, aplicando-se-lhe a jornada normal de trabalho de 8 diárias e 44 semanais, o que deverá ser oportunamente observado na apuração das horas extras deferidas. No mais, acompanho o r. voto condutor. É como voto." Pelo exposto, nego provimento ao recurso da reclamante e dou provimento ao recurso do reclamado. 2.2. DAS VERBAS QUE COMPÕEM A REMUNERAÇÃO OBREIRA (recurso das reclamadas) A MM. magistrada de origem considerou "que a remuneração era composta de salário fixo, acrescido de comissões constantes no ID cda3abc e bonificação mensal de R$ 600,00" (fl. 349 do PDF) e em decisão integrativa, a juíza da instância percorrida determinou a integração das comissões e bonificações nas diferenças de férias, 13º salários e FGTS (fl. 377 do PDF). As reclamadas recorrem em face da condenação que lhes foi imposta. Alegam que a bonificação recebida pela autora "tinha nítida natureza de premiação" e que não integrava a remuneração da obreira, requerendo a exclusão da condenação quanto às diferenças salariais deferidas. Sucessivamente, pede "a dedução compensação com os valores comprovadamente quitados ao longo da vigência contratual" (fl. 397 do PDF). Pois bem. No aspecto, repiso os fundamentos da juíza sentenciante no sentido de que: "Pelo que se observa desses depoimentos testemunhais na época da reclamante as comissões pagas não vinham descritas nos contracheques e as premiações/bonificações (que seriam a gratificação alegada na exordial) eram pagas em espécie. Logo, os documentos de ID cda3abc não se referem ao pagamento das premiações/bonificações (campanhas) como alegado pela defesa e sim pelo pagamento de comissões. As testemunhas trazidas pela ré afirmaram que as premiações/bonificações pelo atingimento de metas nas campanhas eram pagas em espécie e as comissões eram pagas por meio de depósito bancário, sendo que no mesmo dia faziam o depósito do salário e outro depósito das comissões. Isso é corroborado pelo arquivo de ID cda3abc. Por amostragem, verifico que no mês de agosto de 2021 (fl. 194) consta o pagamento de 'campanha' de R$ 1.435,69 e de salário de R$ 1.425,16, cujos valores constam no extrato bancário de fl. 21, onde há informação de dois depósitos realizados pela ex empregadora no dia 06/09/2021, sendo um no valor de R$ 1.435,69 e outro no valor do salário de R$ 1.425,16. Portanto, concluo que os valores constantes nos arquivos de ID cda3abc referem-se tão somente ao pagamento das comissões. Logo, esses valores devem integrar a remuneração, nos termos do artigo 457, caput, da CLT. Em relação às campanhas, entendo não configurada a natureza de premiação, porque não se tratava de pagamento por um resultado acima do esperado, paga por mera liberalidade do empregador, porque não estava antes prevista. Pelo contrário, a prova testemunhal demonstrou que estava atrelada ao atingimento ordinário de metas, ou seja, remunerava o desempenho do empregado que estava dentro do que já era esperado e o valor já era previsto se esse resultado fosse alcançado. Além disso, as testemunhas da ré e o preposto confirmaram que a gestão dos recursos financeiros das metas definidas pelo fornecedor era feito pela ex empregadora. Além disso, também haviam as metas estabelecidas pela primeira reclamada. Assim sendo, esses bônus pelo atingimento de metas devem integrar a remuneração, consoante artigo 457, § 1º, da CLT Quanto aos valores da bonificação, como a primeira reclamada não indicou o valor exato pago a esse título e tendo ela os documentos comprobatórios que foram pagos, mas não foram juntados aos autos, não se desincumbiu do seu encargo probatório, pelo que considero verídica a alegação de que a reclamante recebia em média R$ 600,00 por mês de bonificação, além das comissões descritas no ID cda3abc. Dessa forma, acolho o pedido para considerar que a remuneração era composta de salário fixo, acrescido de comissões constantes no ID cda3abc e bonificação mensal de R$ 600,00." Em suma, restou verificado pela prova oral que a bonificação pelo atingimento de metas era pago pelo desempenho ordinário dos empregados, ou seja, atingida determinada meta, o que já se espera do empregado, era paga a bonificação. Nesse sentido, são devidas as repercussões deferidas, pois conforme previsão insculpida no art. 457, § 1º, da CLT: "Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador". Nada a prover. 2.3. CONVERSÃO DO PEDIDO DE DEMISSÃO EM RESCISÃO INDIRETA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS (recurso da reclamante) Acerca dos temas em epígrafe, assim decidiu a magistrada da instância a quo, litteris: "NULIDADE DO PEDIDO DE DEMISSÃO - RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO - DANO MORAL A reclamante alega que pediu demissão por conta das pressões que sofria no trabalho para atingir metas e pelo intenso assédio moral vivenciado. Aduz que era tratada com rigor excessivo pelos superiores Roger, Gabriel, Julião e Lucas, os quais proferiam os seguintes dizeres: 'Letícia plantadora de mandioca', 'vamos trabalhar porra', 'Letícia não pode ver uma mandioca ou pau em pé que quer derrubar', 'bora seus filos da puta', 'vamos vender', 'ou é pra dentro ou é pra fora', além de se ver obrigada a utilizar camiseta com a inscrição 'foda-se o bom resultado'. Em razão disso, pretende a nulidade do pedido de demissão e o recebimento de indenização por dano moral, com o reconhecimento da rescisão indireta do contrato por conta de a CTPS não conter a função correta, valores pagos por fora, horas extras não pagas, não recolhimento da contribuição previdenciária, não receber cópia dos contracheques, assédio moral e rigor excessivo. A defesa afirma que a reclamante pediu demissão de livre e espontânea vontade porque encontrou novo emprego em empresa concorrente da primeira reclamada. Nega a ocorrência de assédio moral e alega que era a reclamante quem fazia trocadilhos com Roger e Maycon, do tipo 'seu gostoso'. Assevera que em uma oportunidade a autora reportou a Lucas que não gostou do tom da brincadeira feita pelos vendedores Roger e Maycon, e por tal razão eles foram punidos com advertência. Sustenta que não havia uniformes com palavras de baixo calão e que a camiseta com a inscrição 'foda-se o bom resultado' foi destinada aos gestores que participaram de um evento fechado, do qual a reclamante sequer participou. Analisa-se. A primeira testemunha ouvida, Sr. Rafael Gomes dos Santos, declarou que os gestores faziam cobranças e incentivo utilizando palavrões, além de falar de uma forma machista com as trabalhadoras do gênero feminino. Também declarou que não viu a reclamante utilizando a camisa escrito 'foda-se o bom resultado': 'Roger, Daniel e Julião mandavam mensagem pela manhã dizendo vamos trabalhar caralho, temos que bater meta, quem terminou a 'porra' da lista até determinada hora, recebia cutucões para trabalhar. Falavam com a reclamante do mesmo jeito que falavam com as outras mulheres no geral, machista, para falar com jeitinho de mulher para falar com os clientes. Nunca viu nenhuma brincadeira nesse tom com colega de trabalho, mesmo ela sendo extrovertida. O uniforme era uma blusa preta gola polo e não havia na sua época uma blusa escrito 'foda-se o resultado'. Depois que saiu da empresa viu o uniforme 'foda-se o bom resultado', vendo porque tem contato com os vendedores da kaizen porque já foi comprar peça lá e tem contato no WhatsApp, mas nunca viu a reclamante usando. Os gerentes Lucas e o Julião eram os superiores do Roger e nunca os viu reclamando deles.' A testemunha Jefery Carlos Menezes da Silva declarou que Julião era mais duro quanto às cobranças e o Sr. Roger chamava a reclamante de 'marmita'. Declarou ainda que não eram obrigados a utilizar a camisa escrito 'foda-se o bom resultado', porque não era o uniforme da empresa e que acredita que a reclamante tenha saído da empresa porque o clima já não lhe era favorável, por vê-la chorando: 'O Roger e Lucas nunca tiveram tratamento desrespeitoso com o depoente. O Julião nunca o tratou mal, mas as vezes a forma de falar que poderia ser encarada como rude, como a frase 'é para dentro ou é para fora'. Sentiam que Julião queria impor e estava ultrapassando um pouco. Já presenciou Julião e outros serem arrogantes com as funcionárias, porque elas serem mais sensíveis. Essas falas eram mais duras quanto às cobranças. Já viu o agente de pressão Roger chamando a reclamante de 'marmita', sendo que teve uma época em que a reclamante ia denunciá-lo na delegacia, mas então os colegas conversaram com ela e ela desistiu. Não sabe se Roger sofreu alguma punição por conta de tratamento com a reclamante. Havia o uniforme e uma camiseta 'foda-se o bom resultado', mas não eram obrigados a usá-las, porque já havia o uniforme. Trabalhou na Pecista até 05/01/2020. Deduz que a reclamante saiu da empresa, porque não havia mais clima, já que ela vivia chorando.' Por sua vez, a testemunha Wildemberg de Melo Monteles, fez declarações no sentido inverso às realizadas pelas testemunhas anteriores. Disse que nunca presenciou tratamento desrespeitoso com a autora e que ela é que tinha o hábito de fazer brincadeiras com conotação sexual com os demais, principalmente com os vendedores Maicon e Jânio e com alguns clientes. Também declarou que a autora teria falado abertamente para os colegas de trabalho que estava saindo da primeira reclamada por ter encontrado novo emprego: É empregado da kaizen desde 01/09/2021 na função de vendedor. Nunca viu tratamento desrespeitoso com a reclamante. A reclamante era amiga do vendedor Maicon. Via a reclamante fazendo brincadeiras de conotação sexual com os outros vendedores, como falar que 'quer leitinho' e os vendedores respondiam com ela nesse mesmo tom, principalmente Maicon e Jânio. A reclamante teve relacionamento amoroso com Álifer. Usavam o uniforme e ganharam um camisa escrito 'dane-se o uniforme'. Essa camisa era comemorativa e não era uniforme, não sendo obrigados a usá-las. Acredita que a reclamante também recebeu essa camiseta. A reclamante tinha intimidade com Jeferey, por morarem no mesmo lugar e faziam brincadeiras; as brincadeiras de cunho sexual por parte da reclamante eram com todos os vendedores e alguns faziam com ela também, mas ela não gostava; essas brincadeiras de duplo sentido não aconteciam com outras vendedoras; a reclamante também fazia tratamento de duplo sentido com clientes, mas não sabe se eles também faziam com ela; sabe disso porque sentava próximo dela e ouvia; uma vez a reclamante foi no banheiro e mandou foto dos seios para enviar para um cliente; a gerência não sabia dessas brincadeiras de duplo sentido que ocorria na empresa; provavelmente o pessoal da empresa ficaram sabendo depois que a reclamante saiu, acreditando que os próprios vendedores tenham falado com os superiores; não sabe se a reclamante já reclamou com os superiores sobre essas brincadeiras e não lembra de nenhuma punição que alguém possa ter sofrido por essas brincadeiras; a reclamante saiu da empresa porque recebeu outra proposta de trabalho, sabendo do fato porque ela falou abertamente na sala; assim que chegou em setembro de 2021 a reclamante permaneceu afastada e emendou com férias, ficando por 2 a 3 meses, por conta de problema familiar referente à divórcio; houve outras vezes em que a reclamante precisou se afastar, como não voltar para trabalhar de tarde e emendar um ou dois dias; não sabe porque a reclamante teve esses últimos afastamentos, mas apenas ouvia ela falando alto com alguém no telefone.' No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha João Vitor Ferreira Rodrigues: 'o tratamento dado por Roger e Julião era o mais profissional possível, não havendo frases como 'é dentro ou fora' e palavrões; a reclamante era brincalhona e fazia brincadeiras de cunho sexual com quem ela tinha mais intimidade, como o Jânio; a reclamante dizia para Jânio fazer algo que ela mandaria para ele umas 'fotinhas'; não lembra de alguém chamar a reclamante de marmita; não sabe se Roger e Julião falavam que a reclamante "não podia ver um pau em pé que já quer derrubar'; a reclamante saiu da empresa porque recebeu outra proposta e sabe disso porque ela falou de uma forma que deu para ouvir; uma vez viu a reclamante enviou uma foto dos seios para o cliente para comprar uma caixa de óleo.' Como visto, a prova testemunhal foi dividida quanto à alegação de a autora sofrer assédio moral no ambiente de trabalho e pressão para atingimento de metas. A prova testemunhal como um todo comprovou que não havia obrigatoriedade de se utilizar a camisa com a inscrição 'foda-se o bom resultado'. Até mesmo a questão relativa ao tratamento humilhante e machista foi posto em dúvida, diante das declarações das testemunhas Wildemberg e João Vitor. Quanto às alegações de falta de anotações corretas na CTPS, ausência de integração de comissões e bonificações na remuneração, não pagamento de horas extras, foram sanadas com a prolação dessa sentença, se tratando de mero aborrecimento e não de fatores que atingem a honra ou direitos da personalidade da reclamante. Não foi constatado que não havia o intervalo intrajornada e que não havia o fornecimento de contracheques, tanto que a autora juntou um deles no ID e76c99b. No depoimento pessoal a reclamante disse que encontrou o novo emprego cerca de um mês depois que saiu da primeira reclamada, salvo engano, tendo sido indicada para o novo emprego por uma amiga e então passou por um processo seletivo normal. Disse, ainda, que não trabalhava na primeira ré quando foi indicada para o novo emprego e que não lembra quando foi indicada. Declarou que não sabe informar o tempo transcorrido entre a indicação, passar pelo processo de seleção e ser contratada. Em consulta ao sistema PrevJud constato que a autora manteve contrato de trabalho com a empresa Embrepar do Brasil Ltda (CNPJ 12.049.403/0012-67), com nome fantasia de Envia Peças Auto Part's, a partir de 01/06/2022 a 20/01/2023. Logo, transcorreram 19 dias corridos entre a saída da autora e a contratação na nova empresa, sendo factível que nesse período a autora estava passando pelo processo de seleção para ser contratada pela nova empregadora, conforme já declarado pelas duas últimas testemunhas ouvidas nos autos. Por todo o exposto, julgo improcedente o pedido de reconhecimento da nulidade do pedido de demissão e de rescisão indireta do contrato de trabalho. Por consequência, não há direito ao aviso prévio e sua projeção, sendo improcedentes os pedidos de pagamento de aviso prévio indenizado e projeção em férias + 1/3 e gratificação natalina. Não há verbas rescisórias incontroversas, pelo que não há falar no pagamento da multa do artigo 467 da CLT. Julgo improcedente. Pelo TRCT constato que as verbas rescisórias nele descritas foram pagas dentro do prazo de dez dias, visto que o décimo dia recaiu no dia 22, domingo, prorrogando-se para o próximo dia útil seguinte, dia 23, data em que houve o pagamento. Julgo improcedente o pedido de pagamento da multa do artigo 477, § 8º, da CLT." (fls. 349/353 do PDF) A reclamante recorre. Alega que sofria assédio moral para alcançar metas de venda e também era tratada com rigor excessivo. Pede a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta, arguindo, assim, que: "(...) merece reforma a sentença, uma vez que não restou dúvida de que a recorrente-empregada estava com a capacidade de discernimento comprometida, devendo ser considerado nulo o pedido de demissão e ser convertida em modalidade de rescisão indireta do contrato de trabalho com deferimento de todas as verbas rescisórias de direito" (fl. 406 do PDF). A reclamante também renova o pleito de danos morais. Refere-se ao ambiente laboral, alegando, em suma, que foi exposta a "situações humilhantes". Inicialmente, passo a analisar o pleito de danos morais e, após, examino o pedido de rescisão indireta. Pois bem. Registro que o tratamento respeitoso e condizente com a condição humana é pressuposto para o bom convívio em sociedade, seja em casa com os familiares, seja no trabalho entre chefes e subordinados. O assédio moral laboral consiste na exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, geralmente repetitivas e prolongadas, durante o horário de trabalho e no exercício de suas funções, situações essas que atingem a sua dignidade e a sua integridade física/psíquica. Assim, o direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, inciso X, da CF, assim como nos princípios constitucionais que estabelecem proteção à dignidade da pessoa humana e afirmam a valorização do trabalho humano (art. 1º da CF/88). Em regra, exigem para sua caracterização: materialidade do dano; conduta omissiva/comissiva do agressor (dolosa ou culposa); e nexo entre a conduta ilícita e o dano experimentado. No mesmo sentido, há previsão no Código Civil acerca da responsabilidade oriunda de ato ilícito, culposa/dolosamente causado pelo agressor, que gera o dever de indenizar (culpa aquiliana). A reparação consiste em mera tentativa de ressarcir, pela via pecuniária, a vítima pelo prejuízo moral sofrido, já que, em verdade, não existe possibilidade de recompor justa nem devidamente o abalo psíquico já concretizado. Todavia, ressalta-se também que o empregador, além de responsável pelo estabelecimento de condições de trabalho adequadas e a preservação do meio ambiente saudável, também é responsável pela atuação de seus prepostos e empregados nos termos do art. 932, inciso III, e 933 do Código Civil/2002. Nessa concepção, a doutrina prevalente defende a posição de que, para caracterização do dano moral, basta o fato em si mesmo, não havendo necessidade de publicidade desse fato nem de prova do sofrimento, porque a dor moral atinge o indivíduo em sua esfera íntima. E sendo assim, não haveria como se provar a intensidade da dor, do sofrimento, da perda. Tais elementos apenas auxiliariam na fixação do quantum indenizatório, mas não seriam exigidos para a eclosão do dano e do dever de reparação. No caso dos autos, verifico que o teor da prova oral corrobora as alegações iniciais quanto ao tratamento inadequado, no mínimo, por assim dizer, dispensado à autora. O próprio preposto na audiência de instrução, a partir dos 10 minutos e 29 segundos do seu depoimento (link da gravação à fl. 321 do PDF), afirmou que a autora reportou ao superior hierárquico que os seus então colegas, sr. Roger e sr. Maicon, faziam "brincadeiras" ao chamar a autora de "plantadora de mandioca". Em continuidade, o preposto afirmou que a empresa apurou os fatos e chegou a aplicar penalidade para os empregados em razão da aludida situação. Para além disso, a primeira testemunha da reclamante, Rafael Gomes dos Santos, confirmou que o tratamento dispensado à autora no desempenho das funções era feito de modo agressivo e com vários xingamentos, pessoalmente e inclusive através de mensagens (a partir de 12 minutos e 36 segundos da gravação), em que eram utilizadas expressões como "vamos trabalhar, caralho", "quem já terminou a porra da lista", dentre outras. A testemunha Jefrey Carlos Menezes, como transcrito na sentença, "declarou que Julião era mais duro quanto às cobranças e o Sr. Roger chamava a reclamante de 'marmita'" (fl. 350 do PDF - sentença). Certo que as testemunhas ouvidas a convite da reclamada não confirmaram as alegações da inicial, conforme pontuado pela julgadora de origem. Todavia, o fato de elas não terem eventualmente presenciado, não significa que o tratamento desrespeitoso não ocorria com a autora, até mesmo porque não negado, notadamente com brincadeiras de cunho sexual, como confirmado pelo próprio preposto. Em suma, firmo convencimento de que havia pressão forte por resultados, em tom exacerbado, principalmente com as profissionais mulheres, consoante confirmado pelas testemunhas ouvidas a rogo da autora. E, do mesmo modo, restou provado que as situações constrangedoras de caráter sexual também ocorriam. O fato de a reclamante muitas vezes participar com os episódios em que havia "brincadeiras" de natureza sexual, como aduzido pela própria autora e pelas testemunhas ouvidas a convite da reclamada, não implica dizer que o assédio moral por ela sofrido por colegas não seja punível, serve, a meu ver, como circunstância atenuadora da indenização. Vale pontuar, por oportuno, que a autora se incomodou a ponto de apresentar reclamação para seus superiores. Feitas tais ponderações, reputo provado o assédio moral praticado em face da autora e assim se justifica o reconhecimento do dano imaterial advindo de tal conduta. E, na hipótese vertente, arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a indenização a esse título, valor esse compatível às circunstâncias que compõem os danos sofridos pela reclamante, bem como pertinente com os aspectos sociais e econômicos que permeiam o âmbito empresarial, além de se revelar harmônico com o princípio da reparação integral e ser suficiente a dissuadir o causador do dano em eventos futuros, bem como permitir à vítima algum bem-estar capaz de minorar os efeitos maléficos da lesão à sua dignidade. Quanto à rescisão indireta, o art. 483 da CLT elenca as hipóteses de atos patronais que seriam adequados ao reconhecimento da rescisão indireta, compondo o respectivo rol taxativo as seguintes situações: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários. Acerca do instituto, a doutrina de Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. 20ª ed. São Paulo: Editora Juspodvm, 2023; p. 1391/1396) leciona com propriedade que a resolução do contrato de trabalho por culpa do empregador, de forma similar a justa causa aplicada ao empregado, submete-se ao preenchimento de requisitos objetivos (tais como a gravidade da conduta patronal), subjetivos (mitigados em virtude do princípio da alteridade) e circunstanciais (por exemplo, nexo causal, adequação e proporcionalidade entre falta e penalidade), respeitadas obviamente as particularidades e adequações decorrentes da condição específica do empregado (hipossuficiente). Ao alegar tais violações contratuais, compete à parte empregada demonstrar a respectiva falta grave da parte contrária para a caracterização da rescisão indireta. No caso, apenas as situações de assédio moral reconhecidas, a meu ver, já seriam suficientes para permitir a rescisão indireta do contrato de trabalho (art. 483, letras "b" e "d", da CLT). Para além disso, não houve o cumprimento de outras obrigações contratuais, como desrespeito à jornada legal, o que resultou no deferimento de horas de sobrelabor. Registro que o fato de a reclamante ter procurado outro emprego, por si só, não impede o reconhecimento da rescisão indireta, visto que quando não se está satisfeito com o trabalho, é natural que assim se proceda. Feitas tais considerações, dou também provimento ao recurso obreiro para reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho e deferir à autora: aviso prévio indenizado de 33 dias, devendo tal período repercutir nas férias proporcionais mais 1/3 constitucional e no 13º salário proporcional (§ 1º do art. 487 da CLT e OJ nº 82 da SDI1 do col. TST); multa de 40% sobre o saldo do FGTS; multa do § 8º do art. 477 da CLT (item I do Verbete de Jurisprudência nº 61/2017 deste Regional); e, por fim, determinação de que a ré anote a saída da obreira com a projeção do aviso prévio e libere as guias para saque do FGTS. Indefiro o pedido de liberação de guias para habilitação no seguro-desemprego, pois como registrado em sentença, a reclamante deu início a outro contrato de trabalho poucos dias depois de ter findado seu contrato com a ex-empregadora, valendo pontuar que serve este acórdão para comprovar que a dispensa do contrato de trabalho se deu sem justa causa, nos termos do art. 4º, item IV, da Resolução nº 467/2005 do CODEFAT. Recurso parcialmente provido nesses termos. 2.4. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA Apenas que não haja dúvidas na fase de liquidação, a correção da indenização por danos morais deverá ser feita exclusivamente pela taxa SELIC, a qual engloba juros e correção monetária, a partir do arbitramento (publicação deste acórdão), conforme dispõe a Súmula nº 439 do col. TST. III - CONCLUSÃO Pelo exposto, conheço dos recursos e, no mérito: Dou parcial provimento ao apelo das reclamadas para afastar o enquadramento da obreira como operadora de teleatendimento/telemarketing, aplicando-se-lhe a jornada normal de trabalho de 8 diárias e 44 semanais, o que deverá ser oportunamente observado na apuração das horas extras deferidas. Dou parcial provimento ao recurso da reclamante para: a) deferir à autora indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); b) reconhecer a rescisão indireta do pacto laboral e deferir as verbas rescisórias atinentes a essa modalidade rescisória. Tudo nos termos da fundamentação. Arbitro à condenação o importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e fixo custas processuais no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), a cargo das reclamadas. É o meu voto. Por tais fundamentos, ACORDAM os Desembargadores da Egrégia Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, à vista do contido na respectiva certidão de julgamento, aprovar o relatório, conhecer dos recursos interpostos e, no mérito, dar-lhes parcial provimento. Arbitra-se à condenação o importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e fixam-se custas processuais no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), a cargo das reclamadas. Tudo nos termos do voto do Desembargador Relator. Ementa aprovada. Brasília (DF), 19 de março de 2025. (data do julgamento) Desembargador Gilberto Augusto Leitão Martins Relator BRASILIA/DF, 25 de abril de 2025. FRANCISCA DAS CHAGAS SOUTO , Servidor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- PECISTA DISTRIBUICAO E REPRESENTACAO DE AUTO PECAS LTDA
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28/04/2025 - Documento obtido via DJENAcórdão Baixar (PDF)