Companhia De Desenvolvimento E Acao Regional-Car e outros x Espólio De Ademildes Amorim De Jesus Cpf: 107.713.525-49 e outros
Número do Processo:
0000491-66.2018.5.05.0016
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TST
Classe:
RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Turma
Última atualização encontrada em
07 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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07/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Turma | Classe: RECURSO DE REVISTA COM AGRAVOPODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 2ª TURMA Relatora: LIANA CHAIB RRAg 0000491-66.2018.5.05.0016 AGRAVANTE: COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E ACAO REGIONAL-CAR AGRAVADO: ESPÓLIO DE ADEMILDES AMORIM DE JESUS CPF: 107.713.525-49 E OUTROS (1) Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Superior do Trabalho PROCESSO Nº TST-RRAg - 0000491-66.2018.5.05.0016 A C Ó R D Ã O 2ª Turma GMLC/gm/ I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional na hipótese em que o Tribunal Regional aponta, expressamente, os motivos que formaram o seu convencimento. Agravo de instrumento a que se nega provimento. RECURSO DE REVISTA. DISPENSA IMOTIVADA. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA. TEMA 1.022 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. DISTINGUISHING. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ETARISMO. NULIDADE. As premissas delineadas no acórdão recorrido foram as de que a dispensa “operou-se sob motivo genérico, correspondente a "questões operacionais", o que somente se tentou explicitar em Juízo. Demais disso, a alegada crise financeira e o correlato temor quanto à inobservância dos limites derivados da Lei de Responsabilidade Fiscal não foram objeto de qualquer prova, tampouco cuidou a reclamada de demonstrar que, antes da despedida do empregado público concursado, tenha atendido à imposição constitucional no sentido de que, em caso de necessária redução de despesas, os cortes devem ser realizados, inicialmente, entre os ocupantes de cargos comissionados, não submetidos a concurso público (princípio da impessoalidade), de que a “motivação deve consistir em fundamento razoável, o que, consoante exaustivamente explicitado nas razões de decidir, não foi observado pela reclamada” e de que “o ato, confessadamente, revelou-se discriminatório, uma vez que a despedida, coletiva, foi realizada apenas em relação a empregados já aposentados, o que configura etarismo”, uma vez que “O reclamado afirmou que "o critério utilizado pela CAR foi de desligar pessoas que dispunham de outra fonte renda - aposentadoria - em detrimento de pessoas que não dispunham de qualquer fonte renda para a sua subsistência", negando, também sobeste prisma, qualquer discriminação. Assim, para concluir de modo diverso, e acolher a tese da recorrente, de validade da dispensa, necessário seria reexaminar fatos e provas, vedado em recurso de revista, nos termos da Súmula 126 do TST. De outro lado, diante dessas premissas delineadas pelo Tribunal Regional, de onde é possível concluir que a Reclamante foi demitida em 27 de julho de 2016 de forma motivada, por "motivos operacionais" não comprovados, e com base no fato de já se encontrar aposentada, verifica-se, que a controvérsia não está circunscrita à possibilidade de dispensa imotivada por empresa pública ou sociedade de economia mista, mas sim à vinculação da reclamada aos motivos apontados como determinantes para o término do vínculo de emprego. Logo, o caso dos autos não se amolda à hipótese retratada no Tema 1022 de Repercussão Geral do STF. Assim, uma vez apresentada motivação pela empresa pública, tal motivo passa a vincular o ato administrativo de dispensa da Reclamante, o que gera o dever desta Justiça especializada analisar sua veracidade (compatibilidade com os fatos concretos ocorridos), bem como sua justificação. A validade do ato administrativo que demitiu a Reclamante com base no fato de já estar aposentada, critério utilizado para a escolha da autora para a redução do seu quadro de funcionários, é juridicamente questionável e ilícita como se demonstra a seguir. A forma como os fatos se encadearam produzem um contexto em que se vislumbra uma dispensa como forma de “descartar” do quadro funcional uma trabalhadora com idade mais avançada e com maior custo para a empresa pública, como método para redução de suas despesas, além de estratégia para supostamente otimizar sua produção. Nesse contexto de gestão em que o trabalhador é vislumbrado como recurso a ser utilizado ou descartado em favor da melhor produtividade da empresa, perde-se o conceito filosófico de “dignidade humana” desenvolvido por Jürgen Habermas, segundo o qual a dignidade humana “só pode ter um significado nas relações interpessoais de reconhecimento recíproco e no relacionamento igualitário entre as pessoas.” Assim, a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil conforme prevê o artigo 1º, inciso III, da Constituição de 1988, só será cumprida nas relações de trabalho na medida em que houver o “reconhecimento recíproco e o relacionamento igualitário entre as pessoas”, o que não se observa no caso ora em análise, uma vez que a dispensa da Reclamante ocorreu por conta de fatores fundados em práticas discriminatórias de etarismo. Tal prática também afronta um dos objetivos fundamentais da República federativa do Brasil, qual seja: a promoção do bem de todos “sem preconceitos de (...) idade”, previsto expressamente no artigo 3º, inciso IV, da Constituição da República de 1988. Ainda no bojo do texto constitucional, o artigo 7º, inciso XXX, garante a proteção contra discriminações etaristas especificamente nas relações de trabalho urbanas e rurais. A nível internacional, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho regulamenta a proteção do trabalho frente a diversas discriminações. No âmbito infraconstitucional, partindo da apreciação do artigo 1º, caput, da Lei nº 9.029/95, resta clara a proibição de que a manutenção de um vínculo de trabalho seja cerceada com base na idade do trabalhador. O critério da aposentadoria implica por sua natureza que este trabalhador tem uma idade superior aos demais, por já ter implementado os requisitos de anos de trabalho e de contribuição (condições para a aposentadoria). Logo, sua escolha para critério de demissão com fins de reestruturar o quadro de funcionários possui claro viés discriminatório, vedado expressamente pela Lei nº 9.029/95. Por fim, é pacífico na jurisprudência deste Eg. Tribunal Superior do Trabalho que a demissão fundada em critério que tem relação com a idade do trabalhador, mais especificamente em virtude de condição para aposentadoria, tem viés discriminatório e, por isso, é nula de pleno direito. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST-RRAg - 0000491-66.2018.5.05.0016, em que é AGRAVANTE COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E ACAO REGIONAL-CAR e são AGRAVADOS ESPÓLIO DE Ademildes Amorim de Jesus CPF: 107.713.525-49 e ESTADO DA BAHIA e é RECORRENTE COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E ACAO REGIONAL-CAR, são RECORRIDOS ESPÓLIO DE Ademildes Amorim de Jesus CPF: 107.713.525-49 e ESTADO DA BAHIA e é CUSTOS LEGIS MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão proferida por Tribunal Regional do Trabalho, a qual denegou seguimento ao recurso de revista em todos os seus temas e desdobramentos. Contraminuta não apresentada. Manifestação da d. Procuradoria-Geral . É o relatório. V O T O CONHECIMENTO Conheço do agravo de instrumento, visto que presentes os pressupostos de admissibilidade. MÉRITO A decisão agravada foi assim fundamentada. In verbis: PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Tempestivo o Recurso. Regular a representação processual. Satisfeito o preparo. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / Atos Processuais / Nulidade / Negativa de Prestação Jurisdicional. Registre-se que, da análise do Acórdão, se observa quea prestação jurisdicional foi plenamente entregue. As questões essenciais ao julgamento da controvérsia foram devidamente enfrentadas pelo Colegiado, que sobre eles adotou tese explícita, embora com resultado diverso do pretendido pela ParteRecorrente. O pronunciamento do Juízo encontra-se, pois, íntegro, sob o ponto de vista formal, não sendo possível identificar qualquer vício que afronte os dispositivos invocados. Sob a ótica da restrição imposta pela Súmula nº 459 do TST, não se constatam as violações apontadas. Na minuta em exame, a parte agravante afirma que a decisão agravada merece reforma em relação a “preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional.” Ao exame. O recorrente alega que, não obstante a oposição de embargos de declaração, o Tribunal Regional se manteve omisso quanto à reclamante não haver se submetido a concurso público e não ser detentora de estabilidade, não se aplicando o dever de motivar a dispensa, de a justificativa atrelada ao desligamento do obreiro encontrar-se demonstrada nos presentes autos (contingenciamento de despesas). Ocorre, contudo, que o Tribunal Regional examinou, em profundidade e extensão, a matéria recorrida, expondo claramente os motivos pelos quais entendeu porque não são devidas as parcelas vincendas. Com efeito, consta da decisão regional os motivos pelos quais entendeu pela nulidade da dispensa, seja pela ausência de comprovação dos motivos determinantes, seja pelo fato de ela ter sido, confessadamente, discriminatória. Constata-se que o Tribunal Regional indicou os motivos que lhe formaram convencimento e os fundamentos jurídicos de sua decisão. Nota-se que os pontos alegados por omissos consistem, na verdade, em argumentos recursais, com o propósito de questionar a correção do julgado e obter a alteração da decisão. Não há, pois, que se falar em afronta aos artigos 93, IX, da CF e 832 da CLT. Nego provimento ao agravo de instrumento. RECURSO DE REVISTA Trata-se de recurso de revista interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, quanto ao tema “DISPENSA IMOTIVADA. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA. TEMA 1.022 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. DISTINGUISHING. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ETARISMO. NULIDADE.”. Não houve contrarrazões. Presente a manifestação do Ministério Público do Trabalho. O acórdão regional foi publicado antes da vigência da Lei nº 13.467/17. É o relatório. V O T O DISPENSA IMOTIVADA. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA. TEMA 1.022 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. DISTINGUISHING. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ETARISMO. NULIDADE. a)Conhecimento Eis os fundamentos do acórdão regional no pertinente: DA NULIDADE DA DESPEDIDA A parte recorrente reproduz nesta instância pedido de declaração de nulidade de ato rescisório afirmando-o arbitrário, abusivo e discriminatório. Assevera-se que, conquanto se trate de empresa pública e, portanto, vinculado à observância dos princípios constitucionais que regem a administração Pública, a reclamada procedeu à despedida imotivada e massiva de empregados aposentados, inclusive sem a indispensável negociação sindical para fins de mitigação dos efeitos sociais da medida adotada. Ressalta-se que o empregador tinha conhecimento de que a de cujus havia sido acometida por doenças graves (mal de parkinson e neoplasia maligna), sendo este mais um traço discriminatório da rescisão impugnada, a qual, inclusive, deixou de contar com o custeio do empregador para subsidiar o plano de saúde necessário para o seu adequado tratamento. Anteriormente à ordem de suspensão nacional de processos que envolvessem discussão sobre o tema Nº 1022 do Banco de Teses de REPERCUSSÃO GERAL, levada a efeito pelo Exmº. Ministro Alexandre de Moraes no bojo do RE 688.267 RG/CE, proferi voto em provimento ao recurso do reclamante e declaração de nulidade de sua despedida nos seguintes termos: Afigura-se incontroverso que a de cujos foi admitida mediante concurso público, em 22 de julho de 1985 (ID. cc616ed - Pág. 1) e despedida, sem justa causa, por "motivos operacionais" em 27 de julho de 2016 (ID. e7687ad - Pág. 1). Em sua defesa, o empregador sustentou desnecessidade de motivação da despedida, bem como a abertura de processo administrativo ou inquérito para tanto, fazendo alusão aos termos da súmula 390, II e da OJ 247 do c. TST e a decisões do STF, afirmando ser este o entendimento jurisprudencial do momento da despedida segurança jurídica, confiança legítima, boa-fé objetiva. A par disso, argumenta que a despedida teria sido motivada pela crise financeira e pela necessidade de adequação das despesas da reclamada com os limites prudenciais da Lei 9.784/99 (lei de responsabilidade fiscal) E 165 DA CLT, com menção à ata do inquérito Civil de nº 002121.2016.05.000/0, como instrumento hábil à motivação dos desligamentos que realizou na ocasião. Relativamente à natureza discriminatória da rescisão, o empregador nega ter tido conhecimento do estado de saúde da reclamante e chama atenção para os termos do atestado de saúde demissional trazido à colação. Nega, ainda, ter se tratado de despedida em massa ou recusa à negociação, asseverando que contava com 330 empregados e despediu 47. O reclamado afirmou que "o critério utilizado pela CAR foi de desligar pessoas que dispunham de outra fonte renda - aposentadoria - em detrimento de pessoas que não dispunham de qualquer fonte renda para a sua subsistência", negando, também sobeste prisma, qualquer discriminação. O Juízo basilar entendeu que a prova oral não evidenciou caráter discriminatório da dispensa, uma vez que outros empregados aposentados foram desligados na mesma ocasião que a de cujus, mas ratificou a tese defensiva, no sentido de que "a dispensa da Reclamante visou uma redução das despesas da Reclamada CAR, o que, nos dias de hoje, é até louvável. Por estas razões, entende este Juízo que a dispensa da Reclamante foi motivada por questões financeiras, que visavam uma redução da despesa da Reclamada CAR". Não obstante, ainda que se trate de empregado público e, portanto, de trabalhador que não dispõe de estabilidade, o ato da dispensa não prescinde da instauração de processo administrativo e de motivação. Relativamente à impositividade da instauração de processo administrativo, conforme se depreende do artigo 8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Estado Brasileiro (dec. 678/92), "toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza". Trata-se de garantia convencional que se alinha aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e que, portanto, revela-se insuperável para a validade do ato administrativo que implique em perda de direitos trabalhistas, como no caso. No tocante especificamente à motivação dos atos administrativos, quer-se dizer, à exposição dos motivos determinantes para o ato, imperioso reiterar cuidar-se de empregado público admitido por concurso público mesmo antes da CF/88 (não se controverteu essa tese) e que, em atenção ao princípio do paralelismo de formas e da impessoalidade, a sua observância é indispensável à validade do ato. Aliás, é o que consta do artigo 50 da Lei 9784/99, que expressamente dispõe sobre a necessidade de motivação dos atos administrativos com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando "neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses". Pois, bem. Voltando-se os olhos para esta reclamatória, nota-se que a empresa pública reclamada admite a ausência de instauração de processo administrativo e, embora aluda à satisfação do requisito de validade motivação, o certo é que não o satisfez. Nos termos do artigo 169, §3º, da CF/88, para o cumprimento dos limites legais estabelecidos para despesas com pessoal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão, inicialmente, providências para a redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, para, só então, passar à exoneração de servidores não estáveis, caso necessário. Na hipótese vertente, embora aluda à crise financeira e à necessidade de redução das despesas com pessoal nos termos da Lei de responsabilidade fiscal, o empregador não afirma ou prova ter adotado qualquer medida prévia para redução do pessoal ocupante de cargo em comissão. Não foi apresentada sequer alguma prova que viabilizasse a verificação da tese de inobservância dos limites da Lei de responsabilidade fiscal. O empregador não produziu prova de qualquer ato anterior ou mesmo concomitante à despedida em que tenha sido explicitado formalmente o motivo e os fundamentos jurídicos para a rescisão do contrato de emprego da reclamante, com exceção da comunicação de ID. 378ef59 - Pág. 1 (aviso prévio), em que se limita a mencionar motivos "operacionais" e, portanto, genéricos. Afigura-se relevante destacar que a instauração de inquérito civil e o ajuizamento de ação civil pública para apuração de despedida em massa são eventos posteriores à rescisão e, portanto, além de não demonstrarem o alegado ânimo de minimização de impactos sociais, não podem ser utilizados como prova da motivação do ato. Registre-se, ainda, data máxima vênia, que a prova oral produzida igualmente não se presta à prova dos motivos determinantes do ato e não satisfaz o requisito da motivação. Note-se que tanto o reclamante quanto a testemunha se limitaram a afirmar que se tratou de despedida coletiva de aposentados e que não se trata de episódio comum, ordinário. Depoimento pessoal do(a) reclamante: que, no ato da dispensa, não lhe foi informado nada a respeito da situação da reclamada CAR; que, além disso, nenhum outro esclarecimento foi prestado a depoente a respeito das razões da dispensa da depoente; que, por outro lado, sabe que, por ocasião de sua dispensa, mais de 10 trabalhadores dessa reclamada, aí incluída a depoente, foram igualmente despedidos; que esses outros trabalhadores também eram aposentados por tempo de contribuição como a depoente; que a depoente, por ocasião da dispensa, não estava trabalhando na reclamada CAR, mais à disposição da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, mediante cessão sem ônus para o órgão. Nada mais disse nem lhe foi perguntado. Primeira testemunha do reclamante: que trabalha para a reclamada CAR há cerca de 30 anos, como técnico; que conheceu a reclamante na reclamada CAR, há 20 anos; que sabe que a reclamante foi colocada à disposição de outro órgão público do Estado, não sabendo informar qual, e que também está aposentada por tempo de contribuição; que sabe dizer que está havendo dispensa de pessoal na reclamada; que essa dispensa não é um processo natural, visto que, na reclamada CAR, não é comum haver dispensa; que, por outro lado, sabe que o pessoal que está sendo despedido é composto de pessoas aposentadas por tempo de contribuição, mas que ainda estavam trabalhando; que, acrescentou espontaneamente, que essas pessoas ainda estão produtivas; que somente pessoas aposentadas foram despedidas, ao que sabe o depoente; que não tem outras informações a respeito das razões da dispensa desse pessoal. Observe-se, ainda, que a alegada cizânia jurisprudencial acerca da matéria alusiva à necessidade de motivação da despedida de empregados públicos da Administração indireta admitidos mediante concurso público não se traduz em vedação à aplicação do Direito pelo Judiciário em sentido contrário ao entendimento a que a parte se filia, sem que disto resulte qualquer violação à segurança jurídica. Atente-se, inclusive, que, no caso de empregado público admitido por concurso público, como no caso em tela, mesmo antes de 2016, quando despedida a de cujus, já havia decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da necessidade de motivação do ato, como se infere a partir da seguinte ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMPREGADO DO CONSELHO REGIONAL DEENGENHARIA E AGRONOMIA DE MINAS GERAIS - CREA/MG.ESTABILIDADE NEGADA. ADMITIDO SEM CONCURSO PÚBLICO.DESNECESSÁRIA MOTIVAÇÃO PARA DISPENSA. AGRAVO A QUE SENEGA PROVIMENTO. I - Impertinência das alegações de ausência de prequestionamento e incidência do óbice da Súmula 279 desta Corte. Recurso extraordinário interposto pelo agravante. II - Os empregados do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais - CREA/MG - não gozam da estabilidade assegurada aos servidores públicos da Administração direta, ainda que tivessem sido contratados por concurso público. Precedentes. III - A despedida deverá ser motivada apenas quando o provimento do cargo ocorrer por concurso público, pois este ato administrativo é vinculado. Com esse entendimento visa-se assegurar que os princípios da impessoalidade e da isonomia, observados no momento da admissão por concurso público, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. Precedentes.IV - Agravo regimental a que se nega provimento. SEGUNDO AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 773.774. DISTRITOFEDERAL. RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI. DJE 15/08/2014 - ATA Nº 107/2014. DJE nº 157, divulgado em 14/08/2014. A decisão proferida pelo STF ensejou, inclusive, modificação no posicionamento das Turmas do c. TST, a despeito do teor da OJ 247, de 2007, como se verifica a partir da seguintes ementas, referidas pelo douto Ministério Público do Trabalho em seu parecer: "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EMPRESA PÚBLICA. MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. Agravo de instrumento a que se dá provimento, visto que demonstrada possível violação do artigo 37, 'caput', da Constituição Federal. O campo da despedida das empresas públicas e das sociedades de economia mista não é irrestritamente livre, sendo imprescindível que haja motivação justa, sob pena do ato encerrar arbitrariedade. Ora, se nos moldes preconizados pelo 'caput' do artigo 37 da Carta Magna, a Administração Pública Direta e Indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sujeita-se aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, exigindo a investidura em cargo ou emprego público apenas mediante prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (inciso II do artigo 37/CF), excetuando-se os cargos em comissão, evidente que tal tratamento deve estar presente também no ato da dispensa, sob pena de se fazer 'letra morta' do Texto Constitucional, que visou a moralização das contratações e dispensas no setor. E, ao contrário do entendimento estampado através do acórdão regional, o Constituinte visou assegurar não apenas direitos de estatutários, mas também de empregados celetistas como a reclamante, pelo que competia à reclamada, antes de dispensar a empregada, proceder à devida motivação do ato. Imprescindível, portanto, que haja motivação justa, sob pena do ato encerrar arbitrariedade, que resulta nulo, acarretando, portanto, ao empregado a reintegração no emprego, com os demais direitos daí defluentes. Nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou no dia 20 de março de 2013 o recurso extraordinário 589.998 e decidiu que é obrigatória a motivação para a prática legítima do ato de rescisão unilateral do contrato de trabalho de empregados de empresas estatais. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento." (TST-RR-815-29.2012.5.03.0014, Relator: Desembargador Convocado Valdir Floriando, 7ª Turma, publicado em 01/07/2013). "RECURSO DE REVISTA. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 2. EMPREGADO PÚBLICO CONCURSADO DE EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE DE DESPEDIDA IMOTIVADA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NECESSÁRIA MOTIVAÇÃO DOS ATOS DAS ENTIDADES ESTATAIS, MESMO QUANDO REGIDAS PELO ART. 173, §1º, II, DA CF. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. O Supremo Tribunal Federal, em composição plenária, no julgamento do Recurso Extraordinário n. º 589.998/PI, ocorrido em 20.03.2013, decidiu que a validade do ato de despedida de empregado das entidades estatais organizadas como empresas públicas, sociedade de economia mista e congêneres depende da existência de consistente motivação, não prevalecendo a simples despedida arbitrária, desmotivada, ainda que as relações trabalhistas sejam regidas pelo art. 173, § 1º, II, da CF. É que, na área estatal, em decorrência do princípio da motivação dos atos administrativos, decorrente dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, também manifestamente incorporados pela Constituição de 1988 (art. 37, caput), não há espaço para semelhante ato arbitrário e desfundamentado. Nestes termos, afasta-se o entendimento consubstanciado na OJ 247/I/SBDI-1 desta Corte e confere-se efetividade ao moderno entendimento do STF. Precedentes. Agravo de instrumento desprovido." (AIRR-1259- 40.2011.5.02.0074, Relator: Ministro Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/4/2014). Destarte, a hipótese ora discutida é de ato administrativo levado a efeito sem o necessário processo administrativo e que não observou o requisito de validade alusivo à motivação e, para além disso, tenho por certo de que se trata de ato discriminatório. Sim, pois o empregador admite que ter realizado a despedida coletiva de empregados públicos aposentados, ainda que previamente submetidos a concurso público, como é o caso da de cujus, quando, por imposição constitucional, em caso de necessária redução de despesas, os cortes devem ser realizados, inicialmente, entre os ocupantes de cargos comissionados, não submetidos a concurso público (princípio da impessoalidade). Trata-se, assim, de medida discriminatória e que, por ter-se realizado sem o devido processo legal, sem observância do contraditório, pode ser traduzida como etaísmo. No caso específico da reclamante, acometida por Parkinson antes da despedida (doença grave e estigmatizante), a natureza discriminatória da medida adquire maior relevo, uma vez que o empregador não produziu prova capaz de elidir a presunção a que se refere a súmula 443 do TST. Vide, a propósito, o teor do relatório médico a que se refere o doc. ID. fc525e6 - Pág. 1, em que se atesta tratamento de mal de Parkinson com referência há dois anos e, portanto, em momento anterior à despedida, o que não se verifica em relação à neoplasia maligna, cujo diagnóstico foi posterior. Note-se que a de cujus foi desligada e deixou de dispor do custeio do empregador para a assistência à saúde mesmo estando doente, o que se traduz em à inobservância da boa-fé exigível dos contratantes nos termos do artigo 422 do CC e em negativa a um tratamento digno. Nesses termos, por ter sido realizada a despeito da ausência de processo administrativo, sem a indispensável motivação e por ter-se revestido de natureza discriminatória, quer seja pelo etaísmo sem prévio desligamento de comissionados, quer seja pelo estado de saúde da trabalhadora por ocasião da rescisão, declaro a nulidade da despedida e defiro o pedido de pagamento da remuneração do período de interregno entre a despedida da de cujus e o seu óbito e, reconhecendo o dano moral ínsito à despedida discriminatória e a gravidade da conduta perpetrada, notadamente em razão das as condições em que ocorreu a ofensa e a natureza do bem jurídico tutelado, defiro, ainda, o pagamento de indenização por danos morais equivalente a quinze vezes o último salário contratual da de cujus. Indefiro o pedido de indenização por danos materiais por ausência de prova das despesas alegadas. O empregador nestes autos é pessoa jurídica de direito privado, resultante de descentralização administrativa do Estado da Bahia, dirigida à exploração de atividade econômica (empresa pública), sujeita a supervisão ministerial, inclusive para que mantenha harmonia com a política e o programa de governo (dec. 200/67), conquanto preserve autonomia administrativa, operacional e financeira. Destarte, em atenção ao quanto disposto no artigo 37, § 6 da CF/88, defiro o pedido e declaro a responsabilidade solidária do estado da Bahia pelos créditos reconhecidos nesta reclamatória. Tendo sido julgado o tema afetado em repercussão geral, apuro que a conclusão alcançada se mantém, notadamente porquanto plúrimos os vícios que inquinaram o ato impugnado em Juízo. Destaco que, conquanto a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal seja no sentido de inexigência de processo administrativo para a despedida de empregado público admitido por concurso público em empresa pública ou sociedade de economia mista exploradoras de atividade econômica, dela também se extrai como cogente a motivação, em ato formal, da despedida. Ainda que não se exija a caracterização de justa causa nos moldes do artigo 482 da CLT, tal motivação deve consistir em fundamento razoável, o que, consoante exaustivamente explicitado nas razões de decidir, não foi observado pela reclamada. Registro, porque relevante, que a despedida, no caso em tela, operou-se sob motivo genérico, correspondente a "questões operacionais", o que somente se tentou explicitar em Juízo. Demais disso, a alegada crise financeira e o correlato temor quanto à inobservância dos limites derivados da Lei de Responsabilidade Fiscal não foram objeto de qualquer prova, tampouco cuidou a reclamada de demonstrar que, antes da despedida do empregado público concursado, tenha atendido à imposição constitucional no sentido de que, em caso de necessária redução de despesas, os cortes devem ser realizados, inicialmente, entre os ocupantes de cargos comissionados, não submetidos a concurso público (princípio da impessoalidade). Ainda em atenção aos aspectos peculiares do caso em tela, impende observar o ato, confessadamente, revelou-se discriminatório, uma vez que a despedida, coletiva, foi realizada apenas em relação a empregados já aposentados, o que configura etarismo. Por tais fundamentos, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO PARA DECLARAR a nulidade da despedida e DEFERIR: 1) OS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA; 2) o pedido de pagamento da remuneração do período de interregno entre a despedida e o falecimento da de cujus, 3) o pagamento de indenização por danos morais equivalente a quinze vezes o último salário contratual da de cujus e 4) a imputação de responsabilidade solidária ao estado da bahia. Em Recurso de Revista, a Reclamada alega ser “evidente que a despedida da reclamante foi legítima, de modo que a decisão regional ao não considerar válida a dispensa de empregado por considerar mandatória a negociação sindical para o ato demissional para empregados de empresa pública, acabou por contrariar o quanto disposto no art. 477-A da CLT, além de colidir com os dispositivos constitucionais dos: arts. 1º, IV (que privilegia a livre iniciativa); 3º, I (que também privilegia a liberdade da atuação empresarial); 5º, XXII (que consagra a proteção à propriedade); 170, seus incisos e parágrafo único (que consagram a ordem econômica constitucional).” As premissas delineadas no acórdão recorrido foram as de que a dispensa “operou-se sob motivo genérico, correspondente a "questões operacionais", o que somente se tentou explicitar em Juízo. Demais disso, a alegada crise financeira e o correlato temor quanto à inobservância dos limites derivados da Lei de Responsabilidade Fiscal não foram objeto de qualquer prova, tampouco cuidou a reclamada de demonstrar que, antes da despedida do empregado público concursado, tenha atendido à imposição constitucional no sentido de que, em caso de necessária redução de despesas, os cortes devem ser realizados, inicialmente, entre os ocupantes de cargos comissionados, não submetidos a concurso público (princípio da impessoalidade), de que a “motivação deve consistir em fundamento razoável, o que, consoante exaustivamente explicitado nas razões de decidir, não foi observado pela reclamada” e de que “o ato, confessadamente, revelou-se discriminatório, uma vez que a despedida, coletiva, foi realizada apenas em relação a empregados já aposentados, o que configura etarismo”, uma vez que “O reclamado afirmou que "o critério utilizado pela CAR foi de desligar pessoas que dispunham de outra fonte renda - aposentadoria - em detrimento de pessoas que não dispunham de qualquer fonte renda para a sua subsistência", negando, também sobeste prisma, qualquer discriminação. Assim, para concluir de modo diverso, e acolher a tese da recorrente, de validade da dispensa, necessário seria reexaminar fatos e provas, vedado em recurso de revista, nos termos da Súmula 126 do TST. De outro lado, diante das premissas delineadas pelo Tribunal Regional, de onde é possível concluir que a Reclamante foi demitida em 27 de julho de 2016 de forma motivada, por "motivos operacionais" não comprovados, e com base no fato de já se encontrar aposentada. Verifica-se, assim, que a controvérsia não está circunscrita à possibilidade de dispensa imotivada por empresa pública ou sociedade de economia mista, mas sim à vinculação da reclamada aos motivos apontados como determinantes para o término do vínculo de emprego. Logo, o caso dos autos não se amolda à hipótese retratada no Tema 1022 de Repercussão Geral do STF, tendo em vista que o referido tema aborda a possibilidade de dispensa imotivada de empregado de empresa pública e de sociedade de economia mista admitido por concurso público. Posto tal quadro fático, passa-se à análise da validade do teor do motivo declinado pela empresa pública, tendo como premissa a teoria dos motivos determinantes. Segundo a abalizada doutrina administrativista do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tratar da teoria dos motivos determinantes: “A propósito dos motivos e da motivação, é conveniente, ainda, lembrar a ‘teoria dos motivos determinantes’. De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de ‘motivos de fato’ falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enuncia-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificam.” (Grifos acrescidos) Assim, uma vez apresentada motivação pela empresa pública, tal motivo passa a vincular o ato administrativo de dispensa da Reclamante, o que gera o dever desta Justiça especializada analisar sua veracidade (compatibilidade com os fatos concretos ocorridos), bem como sua justificação. Retomando o escólio de Bandeira de Mello, “[u]ma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enuncia-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificam.” A validade do ato administrativo que demitiu a Reclamante com base no fato de já estar aposentada, critério utilizado para a escolha da autora para a redução do seu quadro de funcionários, é juridicamente questionável e ilícita como se demonstra a seguir. A forma como os fatos se encadearam produzem um contexto em que se vislumbra uma dispensa como forma de “descartar” do quadro funcional uma trabalhadora com idade mais avançada e com maior custo para a empresa pública, como método para redução de suas despesas, além de estratégia para supostamente otimizar sua produção. Essa conclusão é possível pela análise não só do direito posto, mas também de estudos na área da sociologia do trabalho. Nesse sentido, são as reflexões do Diretor do Laboratório de Mudança Social e Professor de Sociologia da Universidade de Paris VII, Dr. Vincent de Gaulejac, em sua obra “Gestão como doença social”, ao abordar a fomo como “o humano é um recurso da empresa”. Dr. Vincent de Gaulejac explica que a própria gestão empresarial se organiza a partir de uma lógica utilitarista e pragmática, que busca acima de tudo uma produção eficiente. Em suas próprias palavras, afirma: “O paradigma utilitarista transforma a sociedade em máquina de produção e o homem em agente a serviço da produção. A economia se torna a finalidade exclusiva da sociedade, participando da transformação do humano em ‘recurso’.” Como consequência desse paradigma utilitarista de gestão, os trabalhadores são vistos e tratados como mais um tipo de ferramenta ou instrumento a serviço da empresa, ao ponto de que “os improdutivos são rejeitados, porque eles se tornam ‘inúteis para o mundo’”, para utilizar a expressão de Castel em conjunto com a reflexão de Vincent de Gaulejac. Avançando nesta construção sociológica, Vincent de Gaulejac explica o funcionamento da gestão nos seguintes termos: “A temporalidade do trabalho leva a impor ritmos, cadências, rupturas que se afastam do tempo biológico, do tempo das estações, do tempo da vida humana. A medida abstrata do tempo permite desligá-lo das necessidades fisiológicas ou psicológicas: o sono, o alimento, a procriação, o envelhecimento etc. O indivíduo submetido à gestão deve adaptar-se ao ‘tempo do trabalho’, às necessidades produtivas e financeiras. A adaptabilidade e a flexibilidade são exigidas em mão única: cabe ao homem adaptar-se ao tempo da empresa e não o inverso. “O gestionário não suporta as férias. É preciso que o tempo seja útil, produtivo e, portanto, ocupado. A desocupação lhe é insuportável. A abordagem da qualidade ilustra de modo caricatural essas representações que concebem a vida humana em uma perspectiva instrumental e produtivista.” (DE GAULEJAC, Vincent. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Tradução: Ivo Stroniolo. São Paulo: Ideias e Letras, 2007, p. 82 e 83 - Grifos acrescidos) O sociólogo britânico Anthony Giddens, em sua obra “Sociologia”, explica que foram criadas “teorias funcionalistas” que perpetuam a ideia de que pessoas com mais idade devem se desligar do mercado de trabalho por serem menos produtivas, mais frágeis em sua saúde e dependentes de ajuda; porém tais teorias são duramente criticadas pela teoria do conflito social. Tais teorias funcionalistas desprezam o fato de que a experiência acumulada por pessoas com mais idade é fator que permite sua adaptação nos espaços sociais e transmite aos demais colegas conhecimento de saber fazer, além de representarem uma espécie de memória institucional que preserva valores e saberes importantes para a história da organização. Ao tratar dos paradoxos organizativos, o sociólogo italiano Domenico De Masi explica a enorme contradição que existe ao se adiar no tempo a idade de ingresso no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, antecipa-se sua saída por meio de demissões ou aposentadorias precoces. Em um contexto em que se exige cada vez a dedicação de mais horas às atividades profissionais ao invés de se buscar uma troca e uma diluição da carga de trabalho por meio da absorção tanto de uma mão de obra jovem, quanto da manutenção de uma mão de obra mais experiente. Nesse contexto de gestão em que o trabalhador é vislumbrado como recurso a ser utilizado ou descartado em favor da melhor produtividade da empresa, perde-se o conceito filosófico de “dignidade humana” desenvolvido por Jürgen Habermas: “Conforme pretendo demonstrar, a “dignidade humana”, entendida em estrito sentido moral e jurídico, encontra-se ligada a essa simetria das relações. Ela não é uma propriedade que se pode “possuir” por natureza, como a inteligência ou os olhos azuis. Ela marca, antes, aquela “intangibilidade” que só pode ter um significado nas relações interpessoais de reconhecimento recíproco e no relacionamento igualitário entre as pessoas.” Assim, a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil conforme prevê o artigo 1º, inciso III, da Constituição de 1988, só será cumprida nas relações de trabalho na medida em que houver o “reconhecimento recíproco e o relacionamento igualitário entre as pessoas”, o que não se observa no caso ora em análise, uma vez que a dispensa da Reclamante ocorreu por conta de fatores fundados em práticas discriminatórias de etarismo. Além da evidente violação à dignidade da pessoa humana, a dispensa com fundamento em critérios calcados na idade da trabalhadora também afronta um dos objetivos fundamentais da República federativa do Brasil, qual seja: a promoção do bem de todos “sem preconceitos de (...) idade”, previsto expressamente no artigo 3º, inciso IV, da Constituição da República de 1988. Ainda no bojo do texto constitucional, o artigo 7º, inciso XXX, garante a proteção contra discriminações etaristas especificamente nas relações de trabalho urbanas e rurais. A nível internacional, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho regulamenta a proteção do trabalho frente a diversas discriminações. Logo em seu artigo 1º estabelece o conceito de discriminação, que se subsume com perfeição ao caso em exame: ARTIGO 1º 1. Para fins da presente convenção, o termo "discriminação" compreende: a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, côr, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados. No âmbito infraconstitucional, partindo da apreciação do artigo 1º, caput, da Lei nº 9.029/95, resta clara a proibição de que a manutenção de um vínculo de trabalho seja cerceada com base na idade do trabalhador. Veja-se: Art. 1o É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) O critério da aposentadoria implica por sua natureza que este trabalhador tem uma idade superior aos demais, por já ter implementado os requisitos de anos de trabalho e de contribuição (condições para a aposentadoria). Logo, sua escolha para critério de demissão com fins de reestruturar o quadro de funcionários possui claro viés discriminatório, vedado expressamente pela Lei nº 9.029/95. Com base em todo este acervo doutrinário, sociológico e filosófico, e jurídico de nível internacional, constitucional, é pacífico na jurisprudência deste Eg. Tribunal Superior do Trabalho que a demissão fundada em critério que tem relação com a idade do trabalhador, mais especificamente em virtude de condição para aposentadoria, tem viés discriminatório e, por isso, é nula de pleno direito. Veja-se: "AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA EM RAZÃO DA APOSENTADORIA. EMPREGADO PÚBLICO. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. NULIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. I. A jurisprudência desta Corte Superior encontra-se sedimentada na linha de que a dispensa de empregado de empresa pública ou sociedade de economia mista cuja motivação se deu em virtude da condição de aposentado configura dispensa discriminatória, mormente diante do ferimento do princípio da impessoalidade ao se considerar fator diretamente ligado à idade para o desligamento. II . Agravo de que se conhece e a que se nega provimento " (Ag-RR-1001627-03.2016.5.02.0027, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 11/10/2024). "I - AGRAVO . AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO MOTIVADA PELO CRITÉRIO "TEMPO DE SERVIÇO". DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADOS APOSENTADOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. DISTINGUISHING DO TEMA N . º 1 . 022 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. Ante a possível ofensa aos arts. 7 . º, XXX, e 37, caput , da CF, dá-se provimento ao recurso de agravo para melhor exame do agravo de instrumento em recurso de revista. Agravo conhecido e provido. II - AGRAVO DE INSTRUMENTO . RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO APÓS A LEI 13.015/2014. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO MOTIVADA PELO CRITÉRIO "TEMPO DE SERVIÇO". DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADOS APOSENTADOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. DISTINGUISHING DO TEMA N . º 1 . 022 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. Ante a possível ofensa aos arts. 7 . º, XXX, e 37, caput , da CF, dá-se provimento ao agravo de instrumento. Agravo de instrumento conhecido e provido. III - RECURSO DE REVISTA . RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO APÓS A LEI 13.015/2014. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO MOTIVADA PELO CRITÉRIO "TEMPO DE SERVIÇO". DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADOS APOSENTADOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. DISTINGUISHING DO TEMA N . º 1 . 022 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. O Supremo Tribunal Federal, em 6.6.2019, proferiu decisão nos autos do RE n . º 688. 267 (tema 1 . 022 da Tabela de Repercussão Geral), determinando a suspensão nacional dos processos que envolvam discussão sobre a " dispensa imotivada de empregado de empresa pública e sociedade de economia mista admitido por concurso ". Ocorre que, na hipótese vertente, a controvérsia foi dirimida sob outro enfoque, uma vez que foi reconhecida a validade da dispensa dos reclamantes, em virtude da existência dos motivos alegados pela parte reclamada. Assim, havendo motivação consistente acerca da dispensa dos empregados, o presente caso não é abrangido pela suspensão determinada pelo STF no RE n . º 688.267, pois não versa sobre a necessidade de motivação da dispensa de empregado de empresa pública e sociedade de economia mista admitido por concurso. No caso, a Corte Regional registrou que os motivos apresentados pela parte reclamada para a extinção do vínculo estavam baseados na adoção de critérios de dispensa dos empregados públicos, quais sejam "motivo de ordem econômica" e "tempo de serviço". No entanto, a Corte a quo expendeu tese no sentido de que o fato de a reclamada priorizar a dispensa dos empregados que se encontravam " em plenas condições de aposentadoria, não é discriminatória, fundando-se em parâmetros objetivos previamente definidos e aplicados indistintamente ". Com efeito, o princípio da não discriminação constitui vetor axiológico e normativo com irradiações em normas infraconstitucionais, materiais e processuais. Ressalta-se, ainda, que o ordenamento brasileiro veda a discriminação no ambiente de trabalho, em qualquer de suas formas. Além dos dispositivos constitucionais relativos ao tema (arts. 1 . º, III, 3 . º, IV, 7 . º, XXX, da CF/88), tem-se a Convenção 111 da OIT - ratificada pelo Brasil. A Lei n . º 9.029, de 13 de abril de 1995, especificamente em seu art. 1 . °, veda qualquer prática discriminatória na contratação e na manutenção do vínculo empregatício. A jurisprudência desta Corte tem aplicado os dispositivos da Lei n . º 9.029/95 em diversos casos de discriminação, demonstrando o caráter não taxativo do rol previsto em seu art. 1 . º. A propósito, destaca-se que a SDI-1 deste Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do E-RR-41700-02.2010.5.17.0003, concluiu ser discriminatória a dispensa de empregados elegíveis à aposentadoria, na medida em que existe relação diretamente proporcional entre idade e tempo de serviço. A análise sistemática da legislação brasileira sobre o tema evidencia que a proteção contra o tratamento discriminatório deve ser ampla e efetiva. Reconhecido caráter discriminatório da dispensa, há, consequentemente, transgressão ao princípio da impessoalidade que deve reger a atuação da Administração pública , insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal. Assim, merece reforma o acórdão regional. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1305-53.2014.5.03.0023, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 01/12/2023). Assim, o Tribunal Regional, ao reputar discriminatório o método de eleição dos empregados a se serem dispensados, por estarem aposentados, decidiu em sintonia com a jurisprudência desta Corte. Incidem os óbices das Súmulas 126 e 333 do TST e do art. 896, § 7º, da CLT. Não conheço. ISTO POSTO ACORDAM as Ministras da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento e não conhecer do recurso de revista. Brasília, 25 de junho de 2025. LIANA CHAIB Ministra Relatora
Intimado(s) / Citado(s)
- ESPÓLIO DE Ademildes Amorim de Jesus CPF: 107.713.525-49
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07/07/2025 - Documento obtido via DJENAcórdão Baixar (PDF)