Miriam Araujo Milhomens x Celso Rogerio Cerrato
Número do Processo:
0000516-34.2015.8.05.0081
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJBA
Classe:
REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
Grau:
1º Grau
Órgão:
1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE FORMOSA DO RIO PRETO
Última atualização encontrada em
15 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
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28/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE FORMOSA DO RIO PRETO | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSEPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE FORMOSA DO RIO PRETO R. Percílio Santana, Formosa do Rio Preto - BA, 47990-000 Processo: REINTEGRAÇÃO / MANUTENÇÃO DE POSSE (1707) n. 0000516-34.2015.8.05.0081 Órgão Julgador:1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE FORMOSA DO RIO PRETO PARTE AUTORA: MIRIAM ARAUJO MILHOMENS Advogado(s) do reclamante: FRANCISCO LISBOA SERPA, MALENA DE SOUZA GOMES PARTE RE: CELSO ROGERIO CERRATO Advogado(s) do reclamado: VINICIUS FASOLIN SANTETTI REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO VINICIUS FASOLIN SANTETTI, GEANE ANTUNES CRUZ, ELISANGELA TELES LIMA, CLAUDIO ANDERSON SILVA MOREIRA, GEORGE MARQUES DE FREITAS ATO ORDINATÓRIO Conforme Provimento Conjunto CGJ/CCI-06/2016, artigo 1º, XII, fica a parte Requerida, com amparo no artigo 1010 do CPC, § 1º, intimada a manifestar, no prazo de 15 dias, acerca dos documentos apresentados, conforme ID 502089662. Formosa do Rio Preto, 27 de Maio de 2025. Alaéce Moreira dos Santos/Escrivã (ass. eletrônica)
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28/05/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE FORMOSA DO RIO PRETO | Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSEPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE FORMOSA DO RIO PRETO Processo: REINTEGRAÇÃO / MANUTENÇÃO DE POSSE n. 0000516-34.2015.8.05.0081 Órgão Julgador: 1ª V DOS FEITOS RELATIVOS ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO, CÍVEIS, COMERCIAIS DE FORMOSA DO RIO PRETO PARTE AUTORA: MIRIAM ARAUJO MILHOMENS Advogado(s): FRANCISCO LISBOA SERPA (OAB:RJ093995), MALENA DE SOUZA GOMES (OAB:BA27547) PARTE RE: CELSO ROGERIO CERRATO Advogado(s): VINICIUS FASOLIN SANTETTI registrado(a) civilmente como VINICIUS FASOLIN SANTETTI (OAB:BA31164), GEANE ANTUNES CRUZ (OAB:BA38810), ELISANGELA TELES LIMA (OAB:BA33303), CLAUDIO ANDERSON SILVA MOREIRA (OAB:BA32725) SENTENÇA Trata-se de Ação Rescisória de Contrato Particular de Compra e Venda de Imóvel c/c Reintegração de Posse ajuizada por MIRIAN ARAÚJO MILHOMENS em face de CELSO ROGÉRIO CERRATO, qualificados nos autos. A autora alega, em síntese, que em 31 de janeiro de 2013 celebrou com o réu contrato de compra e venda de 50% (cinquenta por cento) de uma fazenda de sua propriedade, pelo valor de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais). O pagamento foi ajustado em três parcelas: uma entrada no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), uma parcela de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) com vencimento em 30/05/2013, e uma parcela final de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) com vencimento em 30/05/2014. Sustenta que o réu, a partir da entrada, deixou de cumprir com o estabelecido no contrato, pois não honrou os compromissos assumidos, tendo a autora recebido um caminhão usado para abatimento da dívida. Afirma que o réu descumpriu a cláusula segunda do contrato de compra e venda ao deixar de apresentar as "garantias adicionais para a terceira parcela", condição estabelecida para a assinatura da escritura definitiva do imóvel. Aduz que, mesmo sem ter pago o valor da parcela final, o réu imitiu-se na posse não só da metade da fazenda objeto do contrato, como também do restante do terreno, nele construindo benfeitorias sem autorização, fazendo-se necessária a reintegração da autora na posse da totalidade de seu imóvel. Requer a declaração de rescisão do contrato de compra e venda, a retenção das arras e a reintegração da autora na posse da totalidade do imóvel rural objeto do contrato. Regularmente citado, o réu apresentou contestação (ID 27036415) e reconvenção (ID 27036419), alegando, preliminarmente, inépcia da petição inicial e defeito de representação. No mérito, sustenta que cumpriu com o pagamento das duas primeiras parcelas previstas no contrato. Quanto à terceira parcela, alega que não efetuou o pagamento pois a autora não cumpriu sua parte do contrato ao não regularizar o imóvel objeto da transação. O réu afirma que existem irregularidades que impedem a transferência do domínio do imóvel, quais sejam: a) o imóvel permanece gravado por uma penhora judicial em seu Registro nº R-6-1184, oriunda do processo nº 567/88; b) a matrícula nº 1184 do Cartório de Registro de Imóveis de Santa Rita de Cássia-BA possui área de apenas 400 ha (quatrocentos hectares), faltando ainda à autora regularizar a documentação de 390 ha (trezentos e noventa hectares); c) a averbação da certificação do georreferenciamento pelo INCRA e a regularização do CCIR do imóvel não foram providenciadas pela autora. Na reconvenção, o réu requer que a autora seja obrigada a: a) proceder à baixa da penhora judicial junto à matrícula do imóvel; b) regularizar a área de 390 ha junto ao cartório de registro de imóveis; c) regularizar e certificar toda a área do imóvel adquirido no total de 790 ha, providenciando o memorial descritivo e o georreferenciamento; d) apresentar as certidões negativas e documentos necessários para a escrituração. A autora apresentou resposta à reconvenção (ID 27036431), sustentando que o réu não cumpriu com suas obrigações contratuais, principalmente o pagamento da terceira parcela e a apresentação de garantias adicionais. Argumenta que quem não cumpre o que lhe compete não pode exigir da outra parte o adimplemento de qualquer obrigação. Realizada audiência de instrução, foram colhidos os depoimentos pessoais das partes. Em depoimento pessoal, a autora afirmou que inicialmente a área registrada era de 400 e poucos hectares, mas a medida total é 1.680 hectares, dos quais uma parte foi vendida para o réu. Afirmou que está distante em São Paulo e que o que foi combinado seria acertado quando o réu pagasse o valor, sendo então realizada toda a medição. Informou que seu procurador fez os procedimentos para baixar uma penhora existente na matrícula e que foi feito georreferenciamento. O réu, em seu depoimento pessoal, confirmou que assinou o contrato de compra e venda em 2013 e que pagou a entrada no valor de R$ 100.000,00 e a segunda parcela de R$ 350.000,00, esta última paga ao funcionário da autora de nome Abdião, inclusive com uma F4000 como parte do pagamento. Afirmou que não pagou a terceira parcela de R$ 200.000,00 porque a autora teria que dar escritura e ela queria fazer escritura em Dianópolis. Alegou que não apresentou garantia porque nem conseguiram conversar mais, e que não pagaria algo que tem hipoteca na Receita Federal, dívida no IBAMA e não tem procedência, sendo necessário resolver essas pendências para fazer o georreferenciamento e pagar a terceira parcela. Disse que tomou posse de toda a fazenda com autorização da autora pelo pagamento efetuado, e que mantém aproximadamente 100 cabeças de gado no local para manter a posse da área, não tendo realizado outros investimentos devido às irregularidades documentais. A Ré interpôs embargos de declaração contra a decisão que determinou a apresentação de memoriais em prazo comum. O Autor apresentou a peça processual em ID 468797385 e a Ré também o fez posteriormente em ID 469110887. É o relatório. Decido. Das preliminares Inicialmente, quanto à preliminar de inépcia da petição inicial, verifico que não merece acolhimento. A petição inicial contém exposição clara dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, permitindo a compreensão da controvérsia e o exercício do contraditório e ampla defesa. Os requisitos do art. 319 do CPC foram atendidos, sendo possível identificar a causa de pedir (inadimplemento contratual e esbulho possessório) e os pedidos formulados (rescisão contratual e reintegração de posse). No que tange à preliminar de defeito de representação, conforme documento de ID 27036403, verifica-se que a procuração outorgada confere poderes para representação em juízo, atendendo aos requisitos legais. Assim, rejeito também esta preliminar. Do mérito A controvérsia central reside em verificar se houve inadimplemento contratual que enseje a rescisão do contrato de compra e venda do imóvel rural e a consequente reintegração da autora na posse. Da análise dos autos, verifico que as partes celebraram contrato de compra e venda tendo como objeto 50% (cinquenta por cento) da Fazenda Estiva, com área total aproximada de 790 hectares, pelo valor de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais), a ser pago em três parcelas: R$ 100.000,00 (entrada), R$ 350.000,00 (vencimento em 30/05/2013) e R$ 200.000,00 (vencimento em 30/05/2014). O contrato estabeleceu em sua cláusula segunda que "o documento definitivo será passado com o pagamento da segunda parcela e mediante garantias adicionais para a terceira parcela". Já a cláusula sexta prevê que "o não pagamento, por qualquer motivo, de quaisquer das parcelas nas datas previstas neste contrato, causarão a nulidade do mesmo não restando, por isto, nenhum efeito legal, perdendo o comprador as benfeitorias ou melhoramentos por ventura realizados ficando, a VENDEDORA, desde já, autorizada a continuar na posse de sua propriedade, independentemente das medidas judiciais cabíveis". É incontroverso nos autos que o réu efetuou o pagamento das duas primeiras parcelas do contrato, tendo a própria autora reconhecido este fato em sua petição inicial. O réu admite em seu depoimento pessoal que não pagou a terceira parcela, porém justifica tal conduta em razão das irregularidades existentes no imóvel, que impediriam a transferência de domínio. Da exceção de contrato não cumprido e do ônus da prova A exceção de contrato não cumprido, consagrada no artigo 476 do Código Civil, constitui importante instrumento de defesa nos contratos bilaterais, estabelecendo que "nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro". Este instituto jurídico tem por finalidade assegurar o equilíbrio das prestações e a boa-fé contratual, permitindo que a parte demandada pelo cumprimento da obrigação possa legitimamente recusar-se a cumpri-la enquanto a outra parte não satisfizer a contraprestação que lhe compete. Para a configuração da exceção de contrato não cumprido, é necessário que: (i) exista um contrato bilateral com prestações recíprocas e interdependentes; (ii) a parte que exige o cumprimento da obrigação não tenha cumprido com sua própria prestação; e (iii) haja contemporaneidade ou anterioridade da prestação não cumprida pelo credor em relação àquela exigida do devedor. No caso em análise, estão presentes todos os requisitos para o reconhecimento da exceção de contrato não cumprido. O contrato de compra e venda celebrado entre as partes é claramente bilateral, estabelecendo obrigações recíprocas: de um lado, a obrigação do réu de pagar o preço ajustado e, de outro, a obrigação da autora de transferir o domínio de imóvel regularizado e apto à escrituração pública. Conforme expressamente previsto na Cláusula Segunda do contrato, "o documento definitivo será passado com o pagamento da segunda parcela e mediante garantias adicionais para a terceira parcela". Além disso, a Cláusula Terceira estabelece que "o comprador poderá imitir-se na posse definitiva do imóvel após liquidação da Segunda parcela e a assinatura da competente escritura pública". Cópia abaixo: . A parte Autora, após pagamento da segunda prestação, somente cumpriu com a obrigação contratual de conferir posse do imóvel ao Réu, contudo não procedeu com os atos próprios para fins de transferência do bem. As cláusulas evidenciam que a Autora tinha a obrigação contratual de outorgar a escritura pública do imóvel após o pagamento da segunda parcela, o que pressupõe, necessariamente, que o imóvel estivesse regularizado, livre e desembaraçado neste momento contratual. É incontroverso que o bem não se encontrava em tal estado (inclusive não está livre e desembaraçado até hoje), o que configura manifesto inadimplemento contratual por parte da autora. A transferência da propriedade imóvel no direito brasileiro opera-se mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245 do Código Civil), o que pressupõe um imóvel regularizado, com documentação em ordem. Quando o contrato estabelece expressamente que a escritura definitiva seria outorgada após o pagamento da segunda parcela, cria para a vendedora a obrigação de ter o imóvel em condições de ser legitimamente transferido nesse momento. Aplicando-se o art. 373 do Código de Processo Civil ao caso concreto, cumpria à Autora, como fato constitutivo de seu direito, demonstrar o inadimplemento injustificado do Réu e comprovar que o bem se encontrava apto para transferência. Por sua vez, ao Réu incumbia provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito daquela. E, de fato, o Réu se desincumbiu satisfatoriamente do seu ônus probatório ao demonstrar, por meio de documentação robusta, a existência de graves irregularidades no imóvel objeto do contrato, que impediriam a concretização da transferência do domínio mesmo após o pagamento integral do preço. Analisando o acervo probatório, constato que o Réu logrou comprovar as seguintes irregularidades substanciais no imóvel: a) A certidão de inteiro teor da matrícula do imóvel (ID 27036417) revela a existência de uma penhora judicial registrada sob o nº R-6-1184, oriunda do processo nº 567/88, que ainda não foi baixada; b) Embora o contrato mencione uma área de 790 hectares, a matrícula do imóvel registra apenas 400 hectares, conforme se verifica na descrição inicial da matrícula nº 1184, evidenciando uma discrepância de 390 hectares que estão à margem do registro imobiliário; c) Não há comprovação de que a autora tenha providenciado o georreferenciamento e a certificação da área pelo INCRA, nem regularizado o CCIR do imóvel, documentos essenciais para a transferência de imóveis rurais, conforme exigência da Lei nº 10.267/2001 e alterações posteriores; d) Há indícios de dívidas relacionadas ao imóvel junto à Receita Federal e ao IBAMA, conforme mencionado pelo réu em seu depoimento pessoal e não eficazmente contestado pela autora. Essas irregularidades não constituem meros óbices formais, mas verdadeiros impedimentos à concretização do negócio jurídico em sua plenitude, pois impossibilitam a transferência efetiva e segura do domínio ao comprador. A ausência de regularização documental do imóvel configura, portanto, inadimplemento substancial por parte da vendedora, que não propiciou as condições necessárias para a conclusão exitosa do negócio. A própria Autora, em seu depoimento pessoal, reconheceu implicitamente a existência dessas irregularidades ao afirmar que "inicialmente estava 400 e poucos hectares, mas a medida total é 1.680 hectares" e que "o que foi combinado de se acertar quando ele pagasse o valor e aí então seria realizada toda a medição". Tal declaração evidencia que a Autora tinha ciência da necessidade de regularização do imóvel. Denota-se do depoimento pessoal a confiança depositada pela Sra Miriam Araújo Milhomens em seu Procurador, contudo as competentes medidas para regularização da propriedade rural não foram devidamente adotadas. O art. 422 do Código Civil impõe aos contratantes o dever de guardar, tanto na conclusão quanto na execução do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé. Consoante esse princípio, a Autora deveria ter informado claramente ao Réu, antes da celebração do contrato, sobre todas as irregularidades existentes no imóvel e as providências necessárias para sua regularização, além de ter-se empenhado diligentemente em saná-las para viabilizar a transferência do domínio. No entanto, o que se observa é que a Autora, mesmo após o pagamento de 69,23% do valor total do imóvel pelo réu (R$ 450.000,00 de um total de R$ 650.000,00), não adotou as medidas necessárias para regularizar o bem. Não há nos autos prova de que a autora tenha efetivamente concluído o processo de baixa da penhora judicial, regularizado a área excedente junto ao cartório de registro de imóveis, providenciado o georreferenciamento e certificação pelo INCRA, ou quitado eventuais débitos existentes junto à Receita Federal e ao IBAMA. Considerando o princípio da interdependência das prestações contratuais, não seria razoável exigir que o réu completasse o pagamento do preço sem a garantia de que receberia, em contrapartida, um imóvel regularizado e apto à transferência registral. A retenção da última parcela pelo Réu configura, portanto, legítimo exercício da exceção de contrato não cumprido, não podendo ser qualificada como inadimplemento injustificado ou mora culposa. Como bem asseverou o réu em seu depoimento: "não deu garantia porque nem conseguiram conversar mais, que como vai pagar uma coisa que tem hipoteca na receita federal, dívida no ibama, não tem procedência e tem que resolver isso aí para fazer o georreferenciamento e pagar a terceira". Tal declaração evidencia a razoabilidade da conduta do Réu, que se recusou a pagar a integralidade do preço diante da impossibilidade de receber o bem nas condições juridicamente adequadas. A regularização do imóvel constitui obrigação essencial do vendedor, indispensável para a perfeita execução do contrato de compra e venda. Sem o cumprimento dessa obrigação, frustra-se a causa do contrato, na medida em que o comprador não conseguirá obter o registro da propriedade mesmo após o pagamento integral do preço. Da impossibilidade de manutenção do contrato e da necessidade de resolução do conflito A rigor, considerando a aplicação do instituto da exceção de contrato não cumprido e a distribuição do ônus da prova prevista no art. 373 do CPC, os pedidos da autora deveriam ser julgados totalmente improcedentes, pois não se configurou inadimplemento injustificado por parte do réu. Ao contrário, restou demonstrado nos autos que foi a Autora quem primeiro descumpriu suas obrigações contratuais ao não regularizar o imóvel objeto da transação. Contudo, há que se considerar aspectos relevantes que justificam solução diversa. O contrato tem 12 (doze) anos de vigência, tendo sido firmado em 31/01/2013, e até o presente momento a Autora não providenciou a regularização completa do imóvel. Essa inércia prolongada sugere não apenas negligência, mas possivelmente dificuldades intransponíveis para a regularização do bem. Determinar judicialmente a manutenção do negócio jurídico com imposição de regularização do bem por parte da autora possivelmente acarretaria em obrigação de impossível cumprimento, porque se não procedeu à regularização até a presente data, mesmo após o recebimento de 69,23% do valor contratado, certamente postergará o cumprimento do implemento ad infinitum. Tal cenário perpetuaria a situação de insegurança jurídica que já perdura por mais de uma década, não atendendo ao interesse de nenhuma das partes e contrariando o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal e art. 4º do CPC). Não bastasse isso, surgiu nos autos a informação de uma possível terceira pessoa que se autodeclara proprietária de toda a área, com tentativa de cadastramento de georreferenciamento da área com sobreposição. Essa circunstância adiciona mais um elemento de incerteza e risco ao negócio jurídico, tornando ainda mais duvidosa a possibilidade de regularização efetiva do imóvel por parte da Autora. Ademais, em audiência, o próprio Réu declarou que concordaria com o desfazimento do negócio se recebesse os valores já pagos de volta, o que evidencia ser esta a solução mais adequada para pôr fim ao litígio. Essa manifestação de vontade do Réu demonstra seu desinteresse na manutenção forçada de um vínculo contratual que já se revelou problemático e de difícil execução. Nesse contexto, a rescisão contratual emerge como a medida que melhor alcançará a paz social esperada pelo Poder Judiciário, com a determinação de devolução integral dos valores pagos pelo Réu, preservando-se seu direito de retenção do imóvel até o efetivo pagamento. No entanto, é indispensável reconhecer expressamente que a culpa pela rescisão contratual é da parte Autora, que não promoveu a regularização do imóvel alienado, frustrando a legítima expectativa do Réu quanto à transferência do domínio do bem adquirido. A inadimplência da terceira parcela por parte do réu encontra-se plenamente justificada diante das irregularidades do imóvel e da falta de providências por parte da autora para saná-las. Quanto às benfeitorias, o próprio Réu confirmou em audiência que praticamente não investiu nada na área, que conta apenas com uma pequena casa, razão pela qual não há que se falar em indenização a este título. Por fim, vale destacar, ainda, que a imposição de regularização do imóvel com posterior frustração pela persistência da inação da parte Autora poderia ensejar requerimento do Réu no sentido de o Poder Judiciário substituir à parte, o que não merece prosperar em se tratando de regularização fundiária que exige e estrito cumprimento de todos os preceidtos previstos na Lei de Registros Públicos e Código de Normas. Logo, a situação fática perdurar-se-ia indefidamente, exigindo-se do Poder Judiciário a adoção de medidas que resolvam a controvérsia. Do princípio da causalidade e da responsabilidade pelos ônus sucumbenciais O princípio da causalidade, que norteia a distribuição dos ônus sucumbenciais no processo civil brasileiro, determina que aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes. Esse princípio vai além da mera sucumbência formal, buscando identificar o real responsável pelo surgimento da controvérsia que levou à necessidade da tutela jurisdicional. No caso em análise, é inequívoco que a Autora foi a causadora do litígio, na medida em que seu inadimplemento contratual - a não regularização do imóvel - foi o fator propulsor de toda a contenda jurídica. Foi ela quem alienou imóvel com graves irregularidades documentais, sem informar adequadamente o comprador sobre tais circunstâncias, e depois ajuizou demanda visando à rescisão do contrato por suposto inadimplemento do Réu, quando na verdade foi ela mesma quem primeiro descumpriu suas obrigações contratuais. A Autora, como vendedora e conhecedora das condições do imóvel, tinha o dever de providenciar sua regularização antes ou, no máximo, até o momento do pagamento da segunda parcela, quando seria lavrada a escritura pública, conforme expressamente previsto nas cláusulas Segunda e Terceira do contrato. O não cumprimento dessa obrigação essencial gerou justificada resistência do réu quanto ao pagamento da terceira parcela e, consequentemente, levou à judicialização do conflito. A própria Autora reconheceu, em seu depoimento pessoal, as irregularidades existentes no imóvel, demonstrando que tinha pleno conhecimento da situação quando celebrou o contrato. Ainda assim, optou por alienar o bem e, posteriormente, por ajuizar ação rescisória imputando ao Réu a culpa pelo desfazimento do negócio, quando as provas dos autos evidenciam que foi seu próprio inadimplemento o fator determinante para o insucesso da relação contratual. O art. 82, §2º, do Código de Processo Civil estabelece que "a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou". Por sua vez, o art. 85, caput, do mesmo diploma legal dispõe que "a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor". No entanto, a jurisprudência dos tribunais superiores tem consolidado o entendimento de que, em determinadas situações, a distribuição dos ônus da sucumbência deve orientar-se pelo princípio da causalidade, responsabilizando aquele que provocou desnecessariamente a instauração da lide. No presente caso, embora se reconheça a procedência parcial dos pedidos da Autora (apenas para decretar a rescisão contratual), é manifesto que foi ela quem deu causa ao litígio, ao não cumprir sua obrigação essencial de regularizar o imóvel alienado. O inadimplemento da terceira parcela pelo réu foi mera consequência do descumprimento contratual anterior da autora, configurando legítimo exercício da exceção de contrato não cumprido. Ademais, o Réu, em sua contestação e reconvenção, demonstrou boa-fé ao reconhecer a possibilidade de rescisão contratual com devolução dos valores pagos, evidenciando que não pretendia se esquivar de suas obrigações, mas apenas proteger-se diante das irregularidades do imóvel. Assim, considerando que o inadimplemento da autora foi o propulsor de toda a contenda jurídica, deve ela ser responsabilizada integralmente pelos ônus sucumbenciais, independentemente da procedência parcial dos pedidos, em estrita observância ao princípio da causalidade. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial para DECRETAR A RESCISÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA celebrado entre as partes em 31/01/2013, reconhecendo expressamente que a culpa pela rescisão contratual é da parte Autora, que não promoveu a regularização do imóvel alienado. Em consequência, determino que a Autora restitua integralmente ao Réu os valores pagos em relação ao contrato objeto da demanda (1ª e 2ª parcelas), corrigidos monetariamente pelo INPC desde a data de cada pagamento e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde a data do ajuizamento da ação, depositando judicialmente o valor. Asseguro ao réu o direito de retenção do imóvel até o efetivo pagamento dos valores acima determinados, mediante depósito judicial. Reconheço como prejudicado o pedido reconvencioal em razão da rescisão contratual deferida. Com fundamento no princípio da causalidade, tendo em vista que o inadimplemento da Aautora foi o propulsor de toda a contenda jurídica, condeno a Autora ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Por fim, a presente sentença somente tem efeito inter partes e não afetará direitos e/ou obrigações perante terceiras pessoas. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. FORMOSA DO RIO PRETO/BA, 28 de abril de 2025. Maurício Alvares Barra Juiz de Direito
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