Processo nº 00010288620248260543
Número do Processo:
0001028-86.2024.8.26.0543
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJSP
Classe:
INCIDENTE DE DESCONSIDERAçãO DE PERSONALIDADE JURíDICA
Grau:
1º Grau
Órgão:
Foro de Santa Isabel - 2ª Vara
Última atualização encontrada em
23 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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23/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Foro de Santa Isabel - 2ª Vara | Classe: INCIDENTE DE DESCONSIDERAçãO DE PERSONALIDADE JURíDICAProcesso 0001028-86.2024.8.26.0543 (processo principal 0003623-78.2012.8.26.0543) - Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica - Locação de Móvel - Montarte Rental Ltda - Vistos. MONTARTE RENTAL requereu a DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA da executada DUO ELLO SERVIÇOS LTDA ME, alegando, em síntese, a existência de indícios de irregularidades da empresa executada pela inexistência de bens capazes de garantir seus débitos. Sopesa que a empresa, por meio de seus representantes legais, foi regularmente citada para efetuar o pagamento da dívida e manteve-se inerte. Salienta que solicitada a penhora on line e tentada a localização de bens a fim de garantir a satisfação de seu débito, ambas foram frustradas. Argumenta que constatou que a executada teve suas atividades encerradas pela Receita Federal por omissão de declarações. Requer, por fim, a desconsideração da personalidade jurídica da executada para inclusão das sócias Solange Lira Vieira e Ingrid Lira do Prado, no polo passivo da execução. Com a inicial (fls. 01/06), vieram os documentos (fls. 07/60). Determinada a suspensão do processo principal nº 0003623-78.2012.8.26.0543/01 até a solução do incidente e determinada a citação das sócias requeridas (fl. 61). Citação das sócias requeridas (fls. 73/74), que permaneceram inertes (fl. 75). A requerente pugnou pela aplicação dos efeitos da revelia (fl. 83). Oportunizada às partes a especificação de provas (fl. 84), deixaram transcorrer o prazo in albis (fl. 87). Vieram os autos conclusos. É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. Cinge-se a controvérsia em definir se é possível a decretação da desconsideração da personalidade jurídica de empresa, motivada pela ausência de bens sujeitos à penhora e à revelia das sócias requeridas. O artigo 50 do Código Civil preceitua que desconsideração da personalidade jurídica exige a ocorrência de abuso de sua personalidade jurídica, o que pode ser verificado por meio da existência de desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Logo, deve existir a implementação de fraude pelos sócios no âmbito da pessoa jurídica, não bastando a simples inexistência de bens em nome desta. Neste sentido, observo que não foram trazidos aos autos, elementos bastantes que comprovem de forma suficiente a fraude, abuso de direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, assim como aqui perquiridos. Além dos argumentos relacionados a suposta "falta de bens" a parte requerente não trouxe quaisquer outros elementos que demonstrassem o mínimo exigido por lei para caracterização do preceito contido no art. 50 do CC/02. Os documentos juntados não foram suficientes a comprovarem as irregularidades suscitas, uma vez que sequer fora apresentada ficha cadastral da empresa/executada junto à JUCESP com eventuais informações quanto ao possível encerramento da empresa, embora encontra-se inapta junto à Receita Federal por falta de envio de declarações (fl. 60). Tal entendimento também se estende às relações jurídicas regidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Garante o art. 28 da Lei 8.078/90 a desconsideração do ente nas hipóteses ali prevista. Contudo, o § 5º do mesmo dispositivo franqueia esta possibilidade sempre que necessário for para se ressarcir o consumidor, ou seja, não questiona acerca da má administração da empresa. Basta sua inadimplência. Isto é, o requisito é puramente objetivo. Note-se que a técnica de interpretação desconhece autonomia de parágrafo, visto estar este sempre subordinado ao caput do artigo. Não pode o § 5º do art. 28 ser aplicado de forma isolada, sob pena de gerar graves distorções a todo o restante do sistema jurídico, tais como art. 45 e 50 do Código Civil; art. 82 da Lei nº 11.101/05. A pessoa jurídica possui personalidade própria, distinta da de seus sócios-gerentes. Sob este princípio é construído todo o restante de nossa legislação que versa sobre sociedades. Somente em hipóteses de uso indevido da sociedade, como o desvio de sua personalidade ou pela confusão patrimonial previsão do art. 50 do Código Civil ou, então, nas hipóteses descritas no caput do art. 28 da Lei 8.078/90, é que se pode atingir os bens particulares dos sócios ou administradores. Nesse sentido foi a fundamentação do relatório de lavra do Exmo. Min. do Superior Tribunal de Justiça, Ari Pargendler: "Com efeito, sem a presença de uma dessas circunstâncias, o suporte fático do art. 28, caput, não se completa e, portanto, não incide a aludida norma jurídica nada importando que o § 5º aparente que a desconsideração da pessoa jurídica possa ser mero efeito da necessidade ressarcir prejuízos causados aos consumidores" (Recurso Especial nº 279.273-SP, 2000/0097184-7). Ainda, voto do Exmo. Min. Carlos Alberto Direito: A meu sentir, no plano doutrinário, a desconsideração da personalidade jurídica cabe quando houver a configuração de abuso ou de manipulação fraudulenta do princípio da separação patrimonial entre a sociedade e seus membros. O que se quer evitar é a manipulação da autonomia patrimonial da sociedade como meio de impedir, fraudulentamente, o resgate de obrigação assumida nos termos da lei. Assim, a partir das premissas acima e observando o comprovante de inscrição e de situação cadastral da empresa executada junto à Receita Federal (fl. 60), nota-se, ainda, que se trata de uma LTDA, ou seja, a regra é a separação dos patrimônios da empresa e de suas respectivas sócias, com responsabilidade limitada dos quotistas (no caso de capital social integralmente capitalizado). O Código Civil de 2002, com clareza solar, traça os contornos necessários para que a desconsideração da personalidade jurídica seja deferida, no seu art. 50. A partir da sua leitura, podemos notar que somente se pode cogitar na procedência do pedido quando o autor se desincumbir do ônus de comprovar (art. 373, inciso I, do CPC) o ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, que deve ser materializado a partir de elementos mínimos que tragam a certeza ou ao menos evidências robustas de que a pessoa jurídica foi utilizada com: a) desvio de finalidade; b) ou houve confusão patrimonial visão da disregard doctrine a partir da Teoria Maior. Nesse espeque, mesmo nos casos em que ocorre a revelia (art. 344 do CPC) cuja presunção de veracidade dos fatos alegados é relativa - , deve o autor da demanda demonstrar seu interesse processual em requerer a extensão dos efeitos da execução à pessoa dos sócios, em conformidade com o art. 134, §4° do CPC, in verbis: "Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. § 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica." (grifei). No caso em apreço, nota-se que existe entre a parte exequente e a parte executada relação típica de direito civil (duas empresas), portanto, não há que se falar em interpretação analógica para que sejam utilizados os parâmetros contidos no art. 28, §5°, do CDC (argumento de que houve "mero prejuízo") ou o art. 2°, §2° da CLT (solidariedade existente entre grupos econômicos), haja vista que nosso ordenamento veda interpretação analógica para efeitos de restrição a direitos. Devendo, deste modo, ser seguida a regra do diploma civil, conforme preconiza o Enunciado 9 da I Jornada de Direito Comercial do CJF, in verbis:"Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º, § 2º, da CLT." Assim, a partir da premissa de que a relação entre as partes é de cunho estritamente civil e esmiuçando melhor quais seriam esses "pressupostos legais específicos", a lei material (CC/02) a partir da edição da Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), trouxe definições importantes que servem de norte ao julgador, trazendo mais previsibilidade e segurança jurídica à aplicação do instituto. Vejamos: "Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)": Nessa senda, a desconsideração da personalidade jurídica constitui medida de caráter excepcional a ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas e de a limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios ante as obrigações da sociedade ter sido acolhida em nosso ordenamento jurídico para a constituição da sociedade limitada, tendo sido consagrada, como regra geral em nosso Direito, nos termos do art. 50 do Código Civil, a "teoria maior" da desconsideração da personalidade jurídica. Dessa sorte, à míngua de comprovação de fraude, abuso de direito, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, INDEFIRO O PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, em prestígio aos ditames legais e ao princípio da separação patrimonial. Decorrido o prazo para recurso desta decisão, certifique-se o desfecho do presente incidente nos autos principais, devendo o exequente se manifestar naqueles autos em termos de prosseguimento dos atos executórios. Após, dê-se baixa no presente incidente, encaminhando-se os autos ao arquivo. Intimem-se. - ADV: FLÁVIO HENRIQUE BACCARAT (OAB 176023/SP), ALINE DOS SANTOS CARVALHO GOMES (OAB 475419/SP)