Vagner Machado Silva x Laboratorio Digital Proceram Eireli e outros
Número do Processo:
0001090-27.2023.5.10.0004
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRT10
Classe:
AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIO
Grau:
1º Grau
Órgão:
4ª Vara do Trabalho de Brasília - DF
Última atualização encontrada em
26 de
maio
de 2025.
Intimações e Editais
-
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30/04/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Turma | Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTAPODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA 0001090-27.2023.5.10.0004 : VAGNER MACHADO SILVA : MARIA DO SOCORRO ARAUJO E OUTROS (1) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO PROCESSO n.º 0001090-27.2023.5.10.0004 - RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA (1009) RELATOR : JUIZ CONVOCADO LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA RECORRENTE: VAGNER MACHADO SILVA ADVOGADO: KALITA RANIELLY FERREIRA CAMARGO RECORRIDO: MARIA DO SOCORRO ARAÚJO ADVOGADO: ANTONIO FURTADO JACINTO DE LEMOS ADVOGADO: AMANDA CRISTINA DA SILVA RODRIGUES RECORRIDO: LABORATÓRIO DIGITAL PROCERAM EIRELI ADVOGADO: ANTONIO FURTADO JACINTO DE LEMOS ADVOGADO: AMANDA CRISTINA DA SILVA RODRIGUES ORIGEM : 4ª VARA DO TRABALHO DO BRASÍLIA/DF CLASSE ORIGINÁRIA: Ação Trabalhista - Rito Ordinário (JUÍZA KATARINA ROBERTA MOUSINHO DE MATOS BRANDÃO) 04EMV EMENTA DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. ENTREGADOR AUTÔNOMO. INEXISTÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO. IMPROCEDÊNCIA. I. CASO EM EXAME 1. Recurso ordinário interposto contra sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício entre o reclamante e as reclamadas, sob o fundamento de inexistência de subordinação jurídica. 2. O reclamante alegou ter sido contratado como motoboy para entrega de produtos, sem assinatura de CTPS, e que teria sido compelido a constituir CNPJ para formalizar contrato de prestação de serviços, com o intuito de burlar a legislação trabalhista. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em saber se a prestação de serviços do reclamante preenche os requisitos do vínculo empregatício previstos no art. 3º da CLT, em especial quanto à subordinação jurídica e à pessoalidade. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O ônus da prova quanto à inexistência de vínculo empregatício recai sobre a parte reclamada, nos termos dos arts. 818 da CLT e 373 do CPC/2015, uma vez que admite a prestação de serviços, mas nega o liame empregatício. 5. O contrato de prestação de serviços firmado entre as partes, com cláusula expressa de ausência de vínculo empregatício, evidencia a autonomia da relação. 6. A prova oral revelou que o reclamante organizava sua rotina, utilizava meios próprios para a execução do trabalho, não sofria controle de jornada e podia indicar substituto para a realização das entregas, afastando a pessoalidade e a subordinação jurídica. 7. O fato de a reclamada redistribuir serviços a outros prestadores demonstra a inexistência de exclusividade e subordinação direta, elementos essenciais à caracterização do vínculo empregatício. 8. O artigo 6º da Lei nº 12.009/2009 e o artigo 1º da Lei nº 7.290/1984 preveem a possibilidade de contratação autônoma para a atividade de motofrete, afastando a presunção de vínculo de emprego. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso ordinário conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "A prestação de serviços por entregador autônomo, sem controle de jornada, possibilidade de substituição e utilização de meios próprios, não configura vínculo empregatício, nos termos do art. 3º da CLT". Dispositivos relevantes citados: CLT, arts. 2º e 3º; CPC/2015, art. 373; Lei nº 12.009/2009, art. 6º; Lei nº 7.290/1984, art. 1º. Jurisprudência relevante citada: N.A. RELATÓRIO A Exma. Juíza KATARINA ROBERTA MOUSINHO DE MATOS BRANDÃO, da MM. 4ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, por intermédio da sentença ao ID 13463ee, rejeitou as preliminares de inépcia da inicial e de ilegitimidade passiva e julgou improcedentes os pedidos ajuizados por VAGNER MACHADO SILVA em face de MARIA DO SOCORRO ARAÚJO e de LABORATÓRIO DIGITAL PROCERAM EIRELI. Recurso ordinário interposto pela parte reclamante ao ID 9e6dfef. Contrarrazões apresentadas pelas reclamadas ao ID 8a26686. Dispensada a remessa dos autos ao d. Ministério Público do Trabalho, porquanto ausentes as hipóteses insertas no art. 102 do Regimento Interno deste Décimo Regional Trabalhista. É o relatório. VOTO ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário interposto pela parte reclamante. MÉRITO PRELIMINAR - CONFISSÃO FICTA DA RECLAMADA VENTILADA PELO AUTOR Em sede preliminar, o reclamante suscita a necessidade de declaração da confissão ficta do preposto da primeira reclamada, ao argumento de que na audiência de instrução demonstrou desconhecimento sobre aspectos essenciais da relação de trabalho e do acidente, comprometendo o esclarecimento dos fatos. Examino. A preposta compareceu à audiência de instrução designada e prestou o respectivo depoimento (ID a57d8e7), sendo que a declaração da confissão ficta por desconhecimento dos fatos requer a análise de mérito e como tal será analisada em tópico próprio. Rejeito. VÍNCULO EMPREGATÍCIO Em sua exordial, o reclamante alega ter sido contratado pela primeira reclamada em 01/07/2022, como motoboy/entregador, prestando serviços na sede da segunda reclamada. Recebia mensalmente R$ 3.000,00 e cumpria jornada das 08h00 às 17h30, com uma hora de intervalo, de segunda a sexta-feira, descansando aos sábados e domingos. No entanto, afirma que sua CTPS não foi assinada, que não recebeu o adicional de periculosidade e que utilizava sua própria motocicleta sem qualquer compensação financeira. Narra que as reclamadas teriam exigido que o autor constituísse um CNPJ para formalizar um contrato de prestação de serviços, com o intuito de fraudar a legislação trabalhista e evitar o pagamento das verbas devidas. Contudo, argumenta que sua relação com as empresas possuía os requisitos da relação de emprego, pois cumpria ordens, era fiscalizado e subordinado à organização empresarial, sem autonomia. Relata que, em 22/02/2023, enquanto realizava entregas, sofreu um acidente de trabalho na Via Marginal da Via Estrutural (DF-095), resultando em graves lesões no pé esquerdo, ombro esquerdo e mão direita. O acidente exigiu cirurgias e afastamento por incapacidade laboral por 60 dias. Entretanto, devido à ausência de contribuições previdenciárias, recebeu apenas um salário-mínimo como benefício. Apesar de estar em período de estabilidade acidentária, fora dispensado informalmente via WhatsApp pela primeira reclamada em 28/05/2023, sem aviso prévio e sem o pagamento das verbas rescisórias. Diante disso, requer o reconhecimento do vínculo empregatício entre 01/07/2022 e 30/07/2024, com anotação na CTPS, considerando a projeção da estabilidade acidentária de 12 meses após a alta do INSS. Pleiteia ainda o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias, incluindo aviso prévio, 13º salário, férias acrescidas de 1/3, adicional de periculosidade, FGTS + 40%, multas dos artigos 467 e 477, § 8º, da CLT, indenização por danos morais e pelo uso da motocicleta. Em defesa, as reclamadas sustentam que o reclamante jamais fora contratado como empregado para a função de entregador, mas sim como prestador de serviços autônomo, à semelhança de outros motoqueiros que realizavam entregas esporádicas. Destaca que o próprio reclamante possuía CNPJ como microempreendedor individual (MEI) e assinou voluntariamente um contrato de prestação de serviços, concordando expressamente com essa condição. Alegam ainda que não havia qualquer controle de jornada, inexistindo cartões de ponto, pois o reclamante tinha total liberdade para escolher os dias em que trabalharia, sem sofrer sanções em caso de ausência. Afirmam que as reclamadas podiam redistribuir os pedidos a outros entregadores ou utilizar aplicativos de entrega, tornando irrelevante a identidade do prestador. Diante disso, impugnam integralmente o pedido de reconhecimento do vínculo empregatício, bem como qualquer pagamento de verbas decorrentes dessa alegação. O juízo de origem consignou em sentença inexistir nos autos nenhuma prova a indicar a existência de subordinação jurídica e, com fulcro no acervo probatórios dos autos, julgou improcedente a pretensão do autor. Contra tal decisão, insurge-se o reclamante renovando suas argumentações e pretensões iniciais. Examino. A tese defensiva que admite a prestação de serviços, mas nega a existência de vínculo empregatício, tem como consequência a atração do ônus da prova (inteligência dos arts. 818 da CLT e 373 do CPC/2015). Assim, alegando as reclamadas a prestação de serviço do reclamante, como autônomo, recai sobre a parte ré o ônus da prova, porquanto se trata de fato impeditivo do direito postulado. Consta dos autos ao ID 742db60 o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes litigantes, cujo propósito era a prestação de serviço de motoboy, entregador de pequenos objetos, inclusive com a assinatura do obreiro, no qual há cláusula expressa no sentido de que a prestação de serviços não configura vínculo empregatício. Os artigos 2º e 3º da CLT trazem os elementos necessários à configuração do liame empregatício: a) trabalho prestado por pessoa física; b) pessoalidade; c) não eventualidade, porquanto o trabalho esporádico não corresponde à relação de emprego; d) onerosidade; e e) subordinação jurídica, pois deve o empregado se submeter ao poder de direção de suas atividades pelo empregador. A subordinação, como elemento distintivo entre a relação empregatícia e o serviço autônomo, consiste na atuação do empregador em dar ordens (comando), no acompanhamento do cumprimento da ordem (controle) e na possibilidade de punir o empregado pelo descumprimento de alguma determinação (fiscalização). Feitas essas considerações iniciais, passo à análise da prova oral produzida nos autos, verbis: Depoimento pessoal do reclamante: "que trabalhava para as reclamadas coletando e entregando prótese dentária; que às vezes antes de chegar para o trabalho, que começava às 8 horas já tinha que passar em algum lugar para pegar produtos a fim de que fosse feita a prótese dentária, ou então quando chegava no trabalho a sua chefe dizia para onde deveria ir fazer as entregas; que utilizava uma moto própria para trabalhar; que o depoente já possuía antes uma pessoa jurídica, que era uma empresa de pizzaria. Advogado das reclamadas: que o combinado com as reclamadas era para trabalhar de 8:00 às 17:45, sendo que às 18 horas iniciava a jornada em outra empresa, em Vargem Bonita/Parque Way; que o depoente não designava substituto quando não ia trabalhar, uma vez que não faltava o trabalho, salvo quando sofreu um acidente, quando a reclamada designou substituto, o qual é conhecido do depoente; que indicou o seu substituto quando não pode trabalhar, uma vez que ele era motoboy e a reclamada não conhecia motoboy que tivesse disponibilidade; que recebeu três meses de benefício previdenciário quando estava afastado do trabalho, o que conseguiu porque tinha contrato de trabalho regular no período noturno, e não por causa de MEI". Nada mais. Depoimento pessoal da primeira reclamada (Maria do Socorro): "que o laboratório é do irmão da depoente, sendo que trabalha no local como sócia dividindo o faturamento; que contratou o reclamante como prestador de serviço, com pagamento mensal; que chamava o reclamante quando tinha serviço, sendo que havia serviço quase todos os dias de segunda a sexta-feira, podendo ser de manhã ou de tarde; que o reclamante buscava e entregava produtos; que somente o reclamante trabalhava como motoboy na empresa, com moto própria; que quando o reclamante se acidentou ele foi substituído porque a depoente chamou outra pessoa; que acha que o reclamante estava fazendo entrega para empresa quando ele se acidentou; que não sabe informar quanto tempo o reclamante ficou afastado em razão do acidente; que após o afastamento, quando o reclamante retornou para o trabalho, ele não prestou mais serviços porque a depoente tinha contratado um substituto. Advogada do reclamante: que não se recorda o período em que o reclamante prestou serviço para os reclamados; que o pagamento do reclamante era feito com base nas entregas, em uma média de R$ 3.000 por mês; que não havia um valor prefixado por entrega, a depoente era quem dizia quanto o reclamante ia receber por mês, conforme a sua avaliação; que nunca pagou nem menos e nem mais de R$ 3.000 por mês; que no dia do acidente acha que o reclamante estava com produtos de entrega da empresa, sendo que foi enviado outro motoboy para buscar esses produtos junto ao reclamante; que acha que o reclamante apresentou atestado médico do acidente perante a empresa; que não foi pedido para o reclamante que emitisse notas fiscais". Nada mais. Depoimento pessoal do preposto da segunda reclamada: "que nada sabe informar a respeito da prestação de serviços do reclamante, uma vez que ele não era do seu convívio, apenas tendo visto o mesmo Primeira testemunha das reclamadas:LUIS FELIPE DA SILVA PEREIRA. Que tem interesse em ajudar a empresa neste processo, uma vez que presta serviços para empresa. Advogada do reclamante contradita a testemunha por interesse na causa. Acolho a contradita, tendo em vista a admissão do depoente de ter interesse em ajudar a empresa neste processo o que demonstra falta de isenção de ânimo, razão pela qual declaro sua suspensão e dispenso seu depoimento. O depoimento pessoal do reclamante revela elementos que afastam a caracterização do vínculo empregatício entre as partes, conforme os requisitos estabelecidos no artigo 3º da CLT. Em seu relato, o próprio reclamante reconhece que já possuía uma pessoa jurídica antes mesmo de prestar serviços para as reclamadas, sendo titular de uma empresa de pizzaria, o que demonstra experiência com a atuação empresarial e a possibilidade de múltiplas fontes de renda, afastando a alegação de exclusividade na prestação dos serviços. Além disso, o reclamante afirmou que utilizava sua própria motocicleta para a realização das entregas, arcando com os custos da atividade. Essa circunstância reforça a autonomia na prestação do serviço, uma vez que um empregado típico utiliza meios fornecidos pelo empregador, evidenciando uma relação de subordinação estrutural. A ausência de qualquer controle sobre sua jornada também é um fator relevante, pois o reclamante admitiu que, embora houvesse uma expectativa de horário para o início das atividades, ele poderia ser designado para buscar produtos antes do expediente e não havia qualquer mecanismo formal de fiscalização sobre sua carga horária. Outro aspecto determinante é que o reclamante tinha total liberdade para indicar um substituto em caso de ausência, o que não ocorre em uma relação de emprego, onde a pessoalidade é um dos requisitos essenciais. Inclusive, ele próprio reconhece que indicou um substituto quando sofreu um acidente, mencionando que a reclamada não possuía um motoboy de confiança para tal. Esse fato reforça a inexistência da subordinação jurídica, pois um trabalhador empregado não pode delegar livremente suas funções a terceiros sem a anuência do empregador. Diante desse contexto, conclui-se que o reclamante atuava de maneira autônoma, sem a presença dos requisitos configuradores do vínculo empregatício, tais como subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade na forma estabelecida pela legislação trabalhista. Não há subordinação, já que o reclamante organizava sua rotina e indicava substitutos quando necessário. Também não há pessoalidade absoluta, pois ele podia ser substituído. Além disso, a inexistência de controle de jornada e a posse de CNPJ evidenciam a prestação de serviço autônoma. Dessa forma, os elementos apontam para a inexistência de vínculo empregatício entre as partes. Também nesse sentido o depoimento da preposta da primeira reclamada, permitindo sustentar a inexistência da relação de emprego nos moldes exigidos pelo artigo 3º da CLT. Consoante as declarações da preposta, embora houvesse prestação de serviço frequente, a própria depoente afirmou que o chamava conforme a demanda da empresa, o que demonstra a inexistência de uma relação fixa e obrigatória, afastando a subordinação típica do vínculo empregatício. A flexibilidade na convocação e a ausência de uma jornada rígida são fortes indicativos de autonomia. Igualmente ao depoimento do autor, o fato de a preposta ter declarado que a reclamada contratou um substituto durante o afastamento do reclamante também reforça a inexistência de pessoalidade, uma vez que a prestação do serviço poderia ser realizada por terceiros sem qualquer vínculo fixo com a empresa. Além disso, a ausência de um valor prefixado por entrega, ficando o pagamento ao critério da reclamada, não caracteriza a onerosidade nos moldes exigidos pela CLT. A variabilidade na forma de pagamento, aliada à falta de controle rígido sobre a atividade desempenhada, indica uma relação comercial e não trabalhista. Ademais, a preposta prestou um depoimento detalhado, confirmando seu conhecimento sobre a forma de contratação do reclamante e as condições da prestação de serviços. A eventual incerteza demonstrada em relação a aspectos pontuais, como o tempo exato de afastamento do reclamante após o acidente ou a necessidade de apresentação de notas fiscais, não é suficiente para caracterizar desconhecimento relevante que justifique a aplicação da confissão ficta. Isso porque esses detalhes não alteram a substância da tese defensiva, que sustenta a inexistência de vínculo empregatício e a autonomia da prestação de serviços. Dessa forma, não há fundamento para a aplicação da confissão ficta, uma vez que a preposta demonstrou conhecimento suficiente dos fatos relevantes e sua eventual incerteza sobre pontos secundários não compromete a defesa da reclamada nem pode ser utilizada como fundamento para presumir verdadeira a alegação do reclamante quanto ao vínculo empregatício. Diante desses depoimentos, conclui-se que a relação entre as partes era de prestação de serviço autônoma, e não de emprego. A ausência de subordinação, pessoalidade e controle de jornada, bem como a utilização de meios próprios para a execução do trabalho, evidenciam que o reclamante não preenchia os requisitos legais para o reconhecimento do vínculo empregatício, devendo ser afastada sua pretensão nesse sentido. Não há nos autos nenhuma prova documental apresentada pelo reclamante que demonstre a existência de subordinação jurídica, ou seja, o efetivo recebimento de ordens e fiscalização por parte da reclamada. Pelo contrário, a análise da conversa anexada aos autos revela que o próprio reclamante se recusava a cumprir determinadas tarefas, afirmando expressamente que estava disposto a retomar a prestação de serviços, mas sem realizar atividades como limpeza da loja e lavagem de pratos. Esse comportamento evidencia a autonomia do trabalhador, característica própria da prestação de serviços autônoma, na qual o prestador pode aceitar ou recusar determinadas demandas sem sofrer sanções. A subordinação jurídica, requisito essencial para a configuração do vínculo empregatício, exige que o trabalhador esteja sujeito ao poder diretivo do empregador, devendo cumprir ordens e ser fiscalizado quanto à execução de suas atividades. No caso em análise, não há qualquer indicativo de que o reclamante estivesse submetido a esse tipo de ingerência. A possibilidade de recusar tarefas, sem sofrer penalidades, demonstra que sua atuação se deu de forma independente, afastando o elemento da subordinação. Além disso, não há evidências de punição disciplinar nos dias em que o reclamante não comparecia ao trabalho, o que reforça a ausência de vínculo empregatício, pois, se houvesse subordinação, seria natural a imposição de consequências para eventuais faltas. Nos termos do artigo 3º da CLT, o vínculo empregatício só pode ser reconhecido quando coexistem os elementos da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. A ausência de qualquer um desses requisitos descaracteriza a relação de emprego. No caso concreto, restou evidenciado que o reclamante atuava de forma autônoma, sem subordinação, sendo inviável o reconhecimento do vínculo empregatício pleiteado. Ainda que se reconheça que a vontade das partes não pode se sobrepor às normas trabalhistas que determinam a natureza da relação jurídica, a prova documental e testemunhal constante nos autos contraria a tese autoral e confirma a inexistência de subordinação jurídica. Ademais, a legislação aplicável à categoria profissional reforça a presunção de autonomia no desempenho da atividade de motofrete. O artigo 6º da Lei nº 12.009/2009 e o artigo 1º da Lei nº 7.290/1984 preveem a possibilidade de contratação autônoma para a prestação desse tipo de serviço, ainda que de forma contínua, afastando a obrigatoriedade de reconhecimento do vínculo de emprego. Dessa forma, prevalece a presunção legal de inexistência de vínculo empregatício na relação estabelecida entre as partes, corroborada pelo contrato de prestação de serviços assinado pelo reclamante, o qual evidencia sua condição de trabalhador autônomo. Diante do conjunto probatório, resta inviabilizado o reconhecimento do vínculo empregatício pleiteado na exordial. Mantenho incólume a decisão singular. Nego provimento. Resta prejudicada a análise dos demais temas recursais. CONCLUSÃO Em face do exposto, conheço do recurso ordinário interposto pela parte reclamante para, no mérito, rejeitar a preliminar suscitada e negar-lhe provimento, restando prejudicada a análise dos demais temas recursais. Tudo nos termos da fundamentação. Acórdão Por tais fundamentos, ACORDAM os Desembargadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, por unanimidade, aprovar o relatório e conhecer do recurso ordinário interposto pela parte reclamante para, no mérito, rejeitar a preliminar suscitada e, por maioria, negar-lhe provimento, restando prejudicada a análise dos demais temas recursais. Tudo nos termos do voto do Juiz Relator. Vencido o Desembargador Grijalbo Coutinho, que juntará declaração de voto. Ementa aprovada. Julgamento ocorrido sob a Presidência do Desembargador Grijalbo Coutinho, com a participação dos Juízes convocados Denilson B. Coêlho e Luiz Henrique Marques da Rocha. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Flávia Falcão (na direção da Escola Judicial), Elaine Vasconcelos (em licença médica), André R. P. V. Damasceno (em gozo de férias) e Dorival Borges (compromissos junto à ouvidoria). Pelo MPT, o Dr. Alessandro Santos de Miranda (Procurador Regional do Trabalho). Sessão Extraordinária Presencial de 25 de abril de 2025 (data do julgamento). LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA Juiz Convocado Relator Voto do(a) Des(a). GRIJALBO FERNANDES COUTINHO / Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho 1. PRETENSÃO OBREIRA VOLTADA PARA O RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. PROVA DOS AUTOS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E CLT PRESTIGIAM O TRABALHO FORMAL REGULADO E SOCIALMENTE PROTEGIDO. DIREITOS DO TRABALHO. REQUISITOS DO CONTRATO DE TRABALHO. VALORAÇÃO DA PROVA E ENQUADRAMENTO JURÍDICO 1.1. MOTOBOY. VÍNCULO DE EMPREGO. PROVA DOS AUTOS 1. RELAÇÃO DE EMPREGO. SUPOSTOS. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL BRASILEIRA. NECESSIDADE DE REGISTRO DA CTPS OBREIRA E DEMAIS CONSECTÁRIOS. Em harmonia com o texto da Constituição da República e com as normas internacionais do trabalho, a legislação infraconstitucional brasileira, na concreta perspectiva de valorização do trabalho formal por ela regulado, exige, para a caracterização da relação de emprego, o labor prestado por pessoa física em prol de outrem, em caráter pessoal ou personalíssimo (intuitu personae), de forma não eventual, com subordinação jurídica e onerosidade (salário). Reunidos os pressupostos antes declinados, o vínculo empregatício entre as partes encontra-se irremediavelmente configurado, com todos os consectários daí decorrentes, a começar pela necessidade de registro do contrato de trabalho na CTPS obreira desde o primeiro dia de labor. 2. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. ENTREGADOR MOTOCICLISTA. MOTOBOY PRESTADOR DE SERVIÇOS EM BENEFÍCIO DA PLATAFORMA DIGITAL IFOOD, POR INTERMÉDIO DE EMPRESA INTERPOSTA. A relação de emprego, constituindo espécie do gênero contrato-realidade, não se apega a registros formais, mas se revela em função da presença no plano real dos requisitos inscritos nos artigos 2º e 3º, da CLT. Revelando a prova dos autos a presença de inconteste relação de emprego entre as partes, com a descrição de cada um de seus elementos formadores, reconhece-se a existência da relação empregatícia. 3. RELAÇÃO DE EMPREGO. COMPROVAÇÃO. Demonstrado o labor com a presença dos pressupostos da relação de emprego, impositivo reconhecer-se a natureza empregatícia do vínculo. Trata-se de reclamação trabalhista, na qual se discute a relação jurídica entre as partes. O Juízo do Primeiro Grau de Jurisdição julgou improcedentes o pedido de reconhecimento da relação de emprego. Em recurso ordinário, o demandante reafirma que prestou serviços à demandada, com a presença de todos os requisitos da relação empregatícia. À análise. Destaquei para divergir e reconhecer o vínculo empregatício entre as partes. No caso dos autos, a controvérsia reside em definir se a situação vivenciada pelas partes se desenvolveu sob os moldes de relação jurídica autônoma ou de vínculo de emprego. Inicialmente, cabe ressaltar que a reclamada, ao ventilar a tese da existência de uma relação de natureza autônoma com a reclamante, no período indicado na inicial, a referida empresa atrai para si o ônus da prova, tanto porque o ordinário, havendo prestação pessoal de serviços, importa na presunção do reconhecimento do vínculo empregatício, quanto a hipótese aventada na contestação se configurar como fato impeditivo do direito pleiteado, tudo nos termos do CPC e do art. 818, da CLT. Em outras palavras, se não houver prova firme no sentido de revelar a autonomia na prestação de serviços, impõe-se declarar que existiu relação de emprego em todo o período de manutenção de vínculo jurídico entre as partes. Tenho que a reclamada não se desincumbiu do ônus que lhe competia, ao alegar que a trabalhadora havia lhe prestado serviços de forma autônoma. Ademais, extraio dos elementos existentes nos autos que havia prestação pessoal de serviços, em caráter não eventual, mediante subordinação jurídica e onerosidade, restando preenchidos, desse modo, todos os requisitos do art. 3º, da CLT. A questão deve ser solucionada pela presunção amplamente favorável à relação de emprego, seja porque todos os elementos existentes nos autos apontam para a prestação de trabalho, pelo de cujus, de forma pessoal, mediante não eventualidade, subordinação jurídica clássica e com o pagamento de salário, considerando que a reclamada, nem de longe, conseguiu se desincumbir processualmente do ônus que lhe competia. Ademais, ao alegar que o reclamante lhe prestava serviços como autônomo, de forma eventual, sem a presença dos requisitos típicos da relação de emprego, a reclamada atraiu para si o ônus probandi deste fato (CLT, artigos 818 e 769; CPC, artigo 373, inciso II), uma vez presumível, em tais circunstâncias, a existência do contrato de trabalho stricto sensu, com a presença da subordinação e demais requisitos prescritos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Nesse sentido, aliás, a lição de Carlos Henrique Bezerra Leite que, ao discutir especificamente o ônus da prova quanto à existência da relação de emprego, ensina: "No que concerne à prova da existência da relação de emprego, por exemplo, compete ao reclamante provar a prestação de serviços ao suposto empregador. Se a reclamada, na defesa, admitir a prestação de serviços, mas alegar ter sido a relação jurídica diversa da empregatícia (por exemplo, relação de trabalho autônomo, eventual, cooperativado, de empreitada, de parceria, etc.), atrairá para si o ônus de provar a existência dessa relação de trabalho diversa da tutelada pelo Direito do Trabalho" (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo, Ltr, 2006, pág. 495, sem grifo no original). Cediço que a relação de emprego caracteriza-se pela reunião dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Segue o inteiro teor da prova oral produzida nos autos, conforme consta da sentença recorrida e devidamente transcrito no voto condutor, aqui reproduzido: "Depoimento pessoal do reclamante: "que trabalhava para as reclamadas coletando e entregando prótese dentária; que às vezes antes de chegar para o trabalho, que começava às 8 horas já tinha que passar em algum lugar para pegar produtos a fim de que fosse feita a prótese dentária, ou então quando chegava no trabalho a sua chefe dizia para onde deveria ir fazer as entregas; que utilizava uma moto própria para trabalhar; que o depoente já possuía antes uma pessoa jurídica, que era uma empresa de pizzaria. Advogado das reclamadas: que o combinado com as reclamadas era para trabalhar de 8:00 às 17:45, sendo que às 18 horas iniciava a jornada em outra empresa, em Vargem Bonita/Parque Way; que o depoente não designava substituto quando não ia trabalhar, uma vez que não faltava o trabalho, salvo quando sofreu um acidente, quando a reclamada designou substituto, o qual é conhecido do depoente; que indicou o seu substituto quando não pode trabalhar, uma vez que ele era motoboy e a reclamada não conhecia motoboy que tivesse disponibilidade; que recebeu três meses de benefício previdenciário quando estava afastado do trabalho, o que conseguiu porque tinha contrato de trabalho regular no período noturno, e não por causa de MEI". Nada mais. Depoimento pessoal da primeira reclamada (Maria do Socorro): "que o laboratório é do irmão da depoente, sendo que trabalha no local como sócia dividindo o faturamento; que contratou o reclamante como prestador de serviço, com pagamento mensal; que chamava o reclamante quando tinha serviço, sendo que havia serviço quase todos os dias de segunda a sexta-feira, podendo ser de manhã ou de tarde; que o reclamante buscava e entregava produtos; que somente o reclamante trabalhava como motoboy na empresa, com moto própria; que quando o reclamante se acidentou ele foi substituído porque a depoente chamou outra pessoa; que acha que o reclamante estava fazendo entrega para empresa quando ele se acidentou; que não sabe informar quanto tempo o reclamante ficou afastado em razão do acidente; que após o afastamento, quando o reclamante retornou para o trabalho, ele não prestou mais serviços porque a depoente tinha contratado um substituto. Advogada do reclamante: que não se recorda o período em que o reclamante prestou serviço para os reclamados; que o pagamento do reclamante era feito com base nas entregas, em uma média de R$ 3.000 por mês; que não havia um valor prefixado por entrega, a depoente era quem dizia quanto o reclamante ia receber por mês, conforme a sua avaliação; que nunca pagou nem menos e nem mais de R$ 3.000 por mês; que no dia do acidente acha que o reclamante estava com produtos de entrega da empresa, sendo que foi enviado outro motoboy para buscar esses produtos junto ao reclamante; que acha que o reclamante apresentou atestado médico do acidente perante a empresa; que não foi pedido para o reclamante que emitisse notas fiscais". Nada mais. Depoimento pessoal do preposto da segunda reclamada: "que nada sabe informar a respeito da prestação de serviços do reclamante, uma vez que ele não era do seu convívio, apenas tendo visto o mesmo Primeira testemunha das reclamadas:LUIS FELIPE DA SILVA PEREIRA. Que tem interesse em ajudar a empresa neste processo, uma vez que presta serviços para empresa. Advogada do reclamante contradita a testemunha por interesse na causa. Acolho a contradita, tendo em vista a admissão do depoente de ter interesse em ajudar a empresa neste processo o que demonstra falta de isenção de ânimo, razão pela qual declaro sua suspensão e dispenso seu depoimento.". No caso em exame, a falta de demonstração pela demandada, de que o trabalho se desenvolveu de forma autônoma, já seria suficiente para o reconhecimento do vínculo empregatício. Além disso, os pressupostos do artigo 3º da CLT revelaram-se presentes, quais sejam, a não eventualidade (trabalho realizado ao longo de um ano, de forma constante e habitual), a pessoalidade (o reclamante, como regra, não se fazia substituir por outras pessoas), a subordinação jurídica (o reclamante recebia ordens e tinha o seu trabalho controlado pelo gerente) e a onerosidade. É o que se extrai da prova oral produzida nos autos. Ainda que se pudesse aventar a possibilidade, apenas a título de argumentação, que a subordinação jurídica não ficou bem delineada(ficou bem delineada e percebe-se que o reclamante cumpria diariamente a rotina de entregas determinada pela empresa acionada), caberia à reclamada demonstrar que os serviços do reclamante lhe foram prestados de maneira autônoma, por ser a arguição nesse sentido fato impeditivo do direito pleiteado, ônus do qual não se desincumbiu a contento no curso do procedimento instrutório. Como visto, o entregador não tem a opção de alterar o valor da entrega, bem como a reclamada controla o horário dos entregadores, o que não se coaduna com a tese de labor autônomo. As mais relevantes características presentes na relação de trabalho envolvendo plataforma digita: 1) contratação ou o cadastramento de motociclistas na Plataforma era realizada por meio eletrônico, por intermédio da reclamada; 2) há controle eletrônico de todas as atividades desenvolvidas pelos entregadores; 3) cancelamento de entregas resulta em cobrança e necessidade de esclarecimentos; 4) não é possível trabalhar sem o recurso do GPS; 5) o preço de qualquer entrega é definido unilateralmente pela segunda reclamada; 6) as reclamadas aplicam aos seus entregadores punições como bloqueio ou suspensão do uso do sistema da plataforma eletrônica; 7) os entregadores podem ser expulsos da plataforma; 8)a primeira reclamada elabora escala a ser cumprida pelos entregadores; 9) o motociclista precisa ficar com o GPS ligado para que seja possível a reclamada conectá-lo de forma rápida ao cliente; 10) as reclamadas não assumem quaisquer riscos do negócio, conforme política estabelecida por todos os aplicativos de entregas e transportes. A partir das mais notáveis características descritas nas provas trazidas a estes autos, é forçoso concluir que estamos diante de uma relação de trabalho de natureza assalariada e subordinada, cujas atividades obreiras eram rigorosamente controladas pela plataforma digital, em seus mínimos detalhes. Resta por demais evidente a existência da relação de emprego entre as partes, não havendo sequer um elemento capaz sequer de colocar em dúvida a presença de qualquer dos supostos do vínculo laboral. Demonstrado o labor com a presença dos pressupostos da relação de emprego, impositivo reconhecer-se que as partes estiveram vinculadas a um contrato de trabalho, ainda que a reclamada, burlando a legislação trabalhista, não tenha providenciado a respectiva formalização do ato. Nesse contexto, ressai dos elementos de convicção dos autos que o reclamante laborou de forma pessoal, não eventual, onerosa e subordinada, elementos que evidenciam a sua condição de empregado Dou provimento ao recurso obreiro para reconhecer a relação de emprego entre as partes, no período requerido e conforme demais condições declinadas na exordial. Na hipótese de prevalecer a presente divergência, sugiro que seja suspenso o julgamento com a finalidade de analisar as demais questões recursais em outra oportunidade. BRASILIA/DF, 29 de abril de 2025. VALDEREI ANDRADE COSTA, Servidor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- MARIA DO SOCORRO ARAUJO
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30/04/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Turma | Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTAPODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA 0001090-27.2023.5.10.0004 : VAGNER MACHADO SILVA : MARIA DO SOCORRO ARAUJO E OUTROS (1) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO PROCESSO n.º 0001090-27.2023.5.10.0004 - RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA (1009) RELATOR : JUIZ CONVOCADO LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA RECORRENTE: VAGNER MACHADO SILVA ADVOGADO: KALITA RANIELLY FERREIRA CAMARGO RECORRIDO: MARIA DO SOCORRO ARAÚJO ADVOGADO: ANTONIO FURTADO JACINTO DE LEMOS ADVOGADO: AMANDA CRISTINA DA SILVA RODRIGUES RECORRIDO: LABORATÓRIO DIGITAL PROCERAM EIRELI ADVOGADO: ANTONIO FURTADO JACINTO DE LEMOS ADVOGADO: AMANDA CRISTINA DA SILVA RODRIGUES ORIGEM : 4ª VARA DO TRABALHO DO BRASÍLIA/DF CLASSE ORIGINÁRIA: Ação Trabalhista - Rito Ordinário (JUÍZA KATARINA ROBERTA MOUSINHO DE MATOS BRANDÃO) 04EMV EMENTA DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. ENTREGADOR AUTÔNOMO. INEXISTÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO DE EMPREGO. IMPROCEDÊNCIA. I. CASO EM EXAME 1. Recurso ordinário interposto contra sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício entre o reclamante e as reclamadas, sob o fundamento de inexistência de subordinação jurídica. 2. O reclamante alegou ter sido contratado como motoboy para entrega de produtos, sem assinatura de CTPS, e que teria sido compelido a constituir CNPJ para formalizar contrato de prestação de serviços, com o intuito de burlar a legislação trabalhista. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em saber se a prestação de serviços do reclamante preenche os requisitos do vínculo empregatício previstos no art. 3º da CLT, em especial quanto à subordinação jurídica e à pessoalidade. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O ônus da prova quanto à inexistência de vínculo empregatício recai sobre a parte reclamada, nos termos dos arts. 818 da CLT e 373 do CPC/2015, uma vez que admite a prestação de serviços, mas nega o liame empregatício. 5. O contrato de prestação de serviços firmado entre as partes, com cláusula expressa de ausência de vínculo empregatício, evidencia a autonomia da relação. 6. A prova oral revelou que o reclamante organizava sua rotina, utilizava meios próprios para a execução do trabalho, não sofria controle de jornada e podia indicar substituto para a realização das entregas, afastando a pessoalidade e a subordinação jurídica. 7. O fato de a reclamada redistribuir serviços a outros prestadores demonstra a inexistência de exclusividade e subordinação direta, elementos essenciais à caracterização do vínculo empregatício. 8. O artigo 6º da Lei nº 12.009/2009 e o artigo 1º da Lei nº 7.290/1984 preveem a possibilidade de contratação autônoma para a atividade de motofrete, afastando a presunção de vínculo de emprego. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso ordinário conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "A prestação de serviços por entregador autônomo, sem controle de jornada, possibilidade de substituição e utilização de meios próprios, não configura vínculo empregatício, nos termos do art. 3º da CLT". Dispositivos relevantes citados: CLT, arts. 2º e 3º; CPC/2015, art. 373; Lei nº 12.009/2009, art. 6º; Lei nº 7.290/1984, art. 1º. Jurisprudência relevante citada: N.A. RELATÓRIO A Exma. Juíza KATARINA ROBERTA MOUSINHO DE MATOS BRANDÃO, da MM. 4ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, por intermédio da sentença ao ID 13463ee, rejeitou as preliminares de inépcia da inicial e de ilegitimidade passiva e julgou improcedentes os pedidos ajuizados por VAGNER MACHADO SILVA em face de MARIA DO SOCORRO ARAÚJO e de LABORATÓRIO DIGITAL PROCERAM EIRELI. Recurso ordinário interposto pela parte reclamante ao ID 9e6dfef. Contrarrazões apresentadas pelas reclamadas ao ID 8a26686. Dispensada a remessa dos autos ao d. Ministério Público do Trabalho, porquanto ausentes as hipóteses insertas no art. 102 do Regimento Interno deste Décimo Regional Trabalhista. É o relatório. VOTO ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário interposto pela parte reclamante. MÉRITO PRELIMINAR - CONFISSÃO FICTA DA RECLAMADA VENTILADA PELO AUTOR Em sede preliminar, o reclamante suscita a necessidade de declaração da confissão ficta do preposto da primeira reclamada, ao argumento de que na audiência de instrução demonstrou desconhecimento sobre aspectos essenciais da relação de trabalho e do acidente, comprometendo o esclarecimento dos fatos. Examino. A preposta compareceu à audiência de instrução designada e prestou o respectivo depoimento (ID a57d8e7), sendo que a declaração da confissão ficta por desconhecimento dos fatos requer a análise de mérito e como tal será analisada em tópico próprio. Rejeito. VÍNCULO EMPREGATÍCIO Em sua exordial, o reclamante alega ter sido contratado pela primeira reclamada em 01/07/2022, como motoboy/entregador, prestando serviços na sede da segunda reclamada. Recebia mensalmente R$ 3.000,00 e cumpria jornada das 08h00 às 17h30, com uma hora de intervalo, de segunda a sexta-feira, descansando aos sábados e domingos. No entanto, afirma que sua CTPS não foi assinada, que não recebeu o adicional de periculosidade e que utilizava sua própria motocicleta sem qualquer compensação financeira. Narra que as reclamadas teriam exigido que o autor constituísse um CNPJ para formalizar um contrato de prestação de serviços, com o intuito de fraudar a legislação trabalhista e evitar o pagamento das verbas devidas. Contudo, argumenta que sua relação com as empresas possuía os requisitos da relação de emprego, pois cumpria ordens, era fiscalizado e subordinado à organização empresarial, sem autonomia. Relata que, em 22/02/2023, enquanto realizava entregas, sofreu um acidente de trabalho na Via Marginal da Via Estrutural (DF-095), resultando em graves lesões no pé esquerdo, ombro esquerdo e mão direita. O acidente exigiu cirurgias e afastamento por incapacidade laboral por 60 dias. Entretanto, devido à ausência de contribuições previdenciárias, recebeu apenas um salário-mínimo como benefício. Apesar de estar em período de estabilidade acidentária, fora dispensado informalmente via WhatsApp pela primeira reclamada em 28/05/2023, sem aviso prévio e sem o pagamento das verbas rescisórias. Diante disso, requer o reconhecimento do vínculo empregatício entre 01/07/2022 e 30/07/2024, com anotação na CTPS, considerando a projeção da estabilidade acidentária de 12 meses após a alta do INSS. Pleiteia ainda o pagamento das verbas trabalhistas e rescisórias, incluindo aviso prévio, 13º salário, férias acrescidas de 1/3, adicional de periculosidade, FGTS + 40%, multas dos artigos 467 e 477, § 8º, da CLT, indenização por danos morais e pelo uso da motocicleta. Em defesa, as reclamadas sustentam que o reclamante jamais fora contratado como empregado para a função de entregador, mas sim como prestador de serviços autônomo, à semelhança de outros motoqueiros que realizavam entregas esporádicas. Destaca que o próprio reclamante possuía CNPJ como microempreendedor individual (MEI) e assinou voluntariamente um contrato de prestação de serviços, concordando expressamente com essa condição. Alegam ainda que não havia qualquer controle de jornada, inexistindo cartões de ponto, pois o reclamante tinha total liberdade para escolher os dias em que trabalharia, sem sofrer sanções em caso de ausência. Afirmam que as reclamadas podiam redistribuir os pedidos a outros entregadores ou utilizar aplicativos de entrega, tornando irrelevante a identidade do prestador. Diante disso, impugnam integralmente o pedido de reconhecimento do vínculo empregatício, bem como qualquer pagamento de verbas decorrentes dessa alegação. O juízo de origem consignou em sentença inexistir nos autos nenhuma prova a indicar a existência de subordinação jurídica e, com fulcro no acervo probatórios dos autos, julgou improcedente a pretensão do autor. Contra tal decisão, insurge-se o reclamante renovando suas argumentações e pretensões iniciais. Examino. A tese defensiva que admite a prestação de serviços, mas nega a existência de vínculo empregatício, tem como consequência a atração do ônus da prova (inteligência dos arts. 818 da CLT e 373 do CPC/2015). Assim, alegando as reclamadas a prestação de serviço do reclamante, como autônomo, recai sobre a parte ré o ônus da prova, porquanto se trata de fato impeditivo do direito postulado. Consta dos autos ao ID 742db60 o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes litigantes, cujo propósito era a prestação de serviço de motoboy, entregador de pequenos objetos, inclusive com a assinatura do obreiro, no qual há cláusula expressa no sentido de que a prestação de serviços não configura vínculo empregatício. Os artigos 2º e 3º da CLT trazem os elementos necessários à configuração do liame empregatício: a) trabalho prestado por pessoa física; b) pessoalidade; c) não eventualidade, porquanto o trabalho esporádico não corresponde à relação de emprego; d) onerosidade; e e) subordinação jurídica, pois deve o empregado se submeter ao poder de direção de suas atividades pelo empregador. A subordinação, como elemento distintivo entre a relação empregatícia e o serviço autônomo, consiste na atuação do empregador em dar ordens (comando), no acompanhamento do cumprimento da ordem (controle) e na possibilidade de punir o empregado pelo descumprimento de alguma determinação (fiscalização). Feitas essas considerações iniciais, passo à análise da prova oral produzida nos autos, verbis: Depoimento pessoal do reclamante: "que trabalhava para as reclamadas coletando e entregando prótese dentária; que às vezes antes de chegar para o trabalho, que começava às 8 horas já tinha que passar em algum lugar para pegar produtos a fim de que fosse feita a prótese dentária, ou então quando chegava no trabalho a sua chefe dizia para onde deveria ir fazer as entregas; que utilizava uma moto própria para trabalhar; que o depoente já possuía antes uma pessoa jurídica, que era uma empresa de pizzaria. Advogado das reclamadas: que o combinado com as reclamadas era para trabalhar de 8:00 às 17:45, sendo que às 18 horas iniciava a jornada em outra empresa, em Vargem Bonita/Parque Way; que o depoente não designava substituto quando não ia trabalhar, uma vez que não faltava o trabalho, salvo quando sofreu um acidente, quando a reclamada designou substituto, o qual é conhecido do depoente; que indicou o seu substituto quando não pode trabalhar, uma vez que ele era motoboy e a reclamada não conhecia motoboy que tivesse disponibilidade; que recebeu três meses de benefício previdenciário quando estava afastado do trabalho, o que conseguiu porque tinha contrato de trabalho regular no período noturno, e não por causa de MEI". Nada mais. Depoimento pessoal da primeira reclamada (Maria do Socorro): "que o laboratório é do irmão da depoente, sendo que trabalha no local como sócia dividindo o faturamento; que contratou o reclamante como prestador de serviço, com pagamento mensal; que chamava o reclamante quando tinha serviço, sendo que havia serviço quase todos os dias de segunda a sexta-feira, podendo ser de manhã ou de tarde; que o reclamante buscava e entregava produtos; que somente o reclamante trabalhava como motoboy na empresa, com moto própria; que quando o reclamante se acidentou ele foi substituído porque a depoente chamou outra pessoa; que acha que o reclamante estava fazendo entrega para empresa quando ele se acidentou; que não sabe informar quanto tempo o reclamante ficou afastado em razão do acidente; que após o afastamento, quando o reclamante retornou para o trabalho, ele não prestou mais serviços porque a depoente tinha contratado um substituto. Advogada do reclamante: que não se recorda o período em que o reclamante prestou serviço para os reclamados; que o pagamento do reclamante era feito com base nas entregas, em uma média de R$ 3.000 por mês; que não havia um valor prefixado por entrega, a depoente era quem dizia quanto o reclamante ia receber por mês, conforme a sua avaliação; que nunca pagou nem menos e nem mais de R$ 3.000 por mês; que no dia do acidente acha que o reclamante estava com produtos de entrega da empresa, sendo que foi enviado outro motoboy para buscar esses produtos junto ao reclamante; que acha que o reclamante apresentou atestado médico do acidente perante a empresa; que não foi pedido para o reclamante que emitisse notas fiscais". Nada mais. Depoimento pessoal do preposto da segunda reclamada: "que nada sabe informar a respeito da prestação de serviços do reclamante, uma vez que ele não era do seu convívio, apenas tendo visto o mesmo Primeira testemunha das reclamadas:LUIS FELIPE DA SILVA PEREIRA. Que tem interesse em ajudar a empresa neste processo, uma vez que presta serviços para empresa. Advogada do reclamante contradita a testemunha por interesse na causa. Acolho a contradita, tendo em vista a admissão do depoente de ter interesse em ajudar a empresa neste processo o que demonstra falta de isenção de ânimo, razão pela qual declaro sua suspensão e dispenso seu depoimento. O depoimento pessoal do reclamante revela elementos que afastam a caracterização do vínculo empregatício entre as partes, conforme os requisitos estabelecidos no artigo 3º da CLT. Em seu relato, o próprio reclamante reconhece que já possuía uma pessoa jurídica antes mesmo de prestar serviços para as reclamadas, sendo titular de uma empresa de pizzaria, o que demonstra experiência com a atuação empresarial e a possibilidade de múltiplas fontes de renda, afastando a alegação de exclusividade na prestação dos serviços. Além disso, o reclamante afirmou que utilizava sua própria motocicleta para a realização das entregas, arcando com os custos da atividade. Essa circunstância reforça a autonomia na prestação do serviço, uma vez que um empregado típico utiliza meios fornecidos pelo empregador, evidenciando uma relação de subordinação estrutural. A ausência de qualquer controle sobre sua jornada também é um fator relevante, pois o reclamante admitiu que, embora houvesse uma expectativa de horário para o início das atividades, ele poderia ser designado para buscar produtos antes do expediente e não havia qualquer mecanismo formal de fiscalização sobre sua carga horária. Outro aspecto determinante é que o reclamante tinha total liberdade para indicar um substituto em caso de ausência, o que não ocorre em uma relação de emprego, onde a pessoalidade é um dos requisitos essenciais. Inclusive, ele próprio reconhece que indicou um substituto quando sofreu um acidente, mencionando que a reclamada não possuía um motoboy de confiança para tal. Esse fato reforça a inexistência da subordinação jurídica, pois um trabalhador empregado não pode delegar livremente suas funções a terceiros sem a anuência do empregador. Diante desse contexto, conclui-se que o reclamante atuava de maneira autônoma, sem a presença dos requisitos configuradores do vínculo empregatício, tais como subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade na forma estabelecida pela legislação trabalhista. Não há subordinação, já que o reclamante organizava sua rotina e indicava substitutos quando necessário. Também não há pessoalidade absoluta, pois ele podia ser substituído. Além disso, a inexistência de controle de jornada e a posse de CNPJ evidenciam a prestação de serviço autônoma. Dessa forma, os elementos apontam para a inexistência de vínculo empregatício entre as partes. Também nesse sentido o depoimento da preposta da primeira reclamada, permitindo sustentar a inexistência da relação de emprego nos moldes exigidos pelo artigo 3º da CLT. Consoante as declarações da preposta, embora houvesse prestação de serviço frequente, a própria depoente afirmou que o chamava conforme a demanda da empresa, o que demonstra a inexistência de uma relação fixa e obrigatória, afastando a subordinação típica do vínculo empregatício. A flexibilidade na convocação e a ausência de uma jornada rígida são fortes indicativos de autonomia. Igualmente ao depoimento do autor, o fato de a preposta ter declarado que a reclamada contratou um substituto durante o afastamento do reclamante também reforça a inexistência de pessoalidade, uma vez que a prestação do serviço poderia ser realizada por terceiros sem qualquer vínculo fixo com a empresa. Além disso, a ausência de um valor prefixado por entrega, ficando o pagamento ao critério da reclamada, não caracteriza a onerosidade nos moldes exigidos pela CLT. A variabilidade na forma de pagamento, aliada à falta de controle rígido sobre a atividade desempenhada, indica uma relação comercial e não trabalhista. Ademais, a preposta prestou um depoimento detalhado, confirmando seu conhecimento sobre a forma de contratação do reclamante e as condições da prestação de serviços. A eventual incerteza demonstrada em relação a aspectos pontuais, como o tempo exato de afastamento do reclamante após o acidente ou a necessidade de apresentação de notas fiscais, não é suficiente para caracterizar desconhecimento relevante que justifique a aplicação da confissão ficta. Isso porque esses detalhes não alteram a substância da tese defensiva, que sustenta a inexistência de vínculo empregatício e a autonomia da prestação de serviços. Dessa forma, não há fundamento para a aplicação da confissão ficta, uma vez que a preposta demonstrou conhecimento suficiente dos fatos relevantes e sua eventual incerteza sobre pontos secundários não compromete a defesa da reclamada nem pode ser utilizada como fundamento para presumir verdadeira a alegação do reclamante quanto ao vínculo empregatício. Diante desses depoimentos, conclui-se que a relação entre as partes era de prestação de serviço autônoma, e não de emprego. A ausência de subordinação, pessoalidade e controle de jornada, bem como a utilização de meios próprios para a execução do trabalho, evidenciam que o reclamante não preenchia os requisitos legais para o reconhecimento do vínculo empregatício, devendo ser afastada sua pretensão nesse sentido. Não há nos autos nenhuma prova documental apresentada pelo reclamante que demonstre a existência de subordinação jurídica, ou seja, o efetivo recebimento de ordens e fiscalização por parte da reclamada. Pelo contrário, a análise da conversa anexada aos autos revela que o próprio reclamante se recusava a cumprir determinadas tarefas, afirmando expressamente que estava disposto a retomar a prestação de serviços, mas sem realizar atividades como limpeza da loja e lavagem de pratos. Esse comportamento evidencia a autonomia do trabalhador, característica própria da prestação de serviços autônoma, na qual o prestador pode aceitar ou recusar determinadas demandas sem sofrer sanções. A subordinação jurídica, requisito essencial para a configuração do vínculo empregatício, exige que o trabalhador esteja sujeito ao poder diretivo do empregador, devendo cumprir ordens e ser fiscalizado quanto à execução de suas atividades. No caso em análise, não há qualquer indicativo de que o reclamante estivesse submetido a esse tipo de ingerência. A possibilidade de recusar tarefas, sem sofrer penalidades, demonstra que sua atuação se deu de forma independente, afastando o elemento da subordinação. Além disso, não há evidências de punição disciplinar nos dias em que o reclamante não comparecia ao trabalho, o que reforça a ausência de vínculo empregatício, pois, se houvesse subordinação, seria natural a imposição de consequências para eventuais faltas. Nos termos do artigo 3º da CLT, o vínculo empregatício só pode ser reconhecido quando coexistem os elementos da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. A ausência de qualquer um desses requisitos descaracteriza a relação de emprego. No caso concreto, restou evidenciado que o reclamante atuava de forma autônoma, sem subordinação, sendo inviável o reconhecimento do vínculo empregatício pleiteado. Ainda que se reconheça que a vontade das partes não pode se sobrepor às normas trabalhistas que determinam a natureza da relação jurídica, a prova documental e testemunhal constante nos autos contraria a tese autoral e confirma a inexistência de subordinação jurídica. Ademais, a legislação aplicável à categoria profissional reforça a presunção de autonomia no desempenho da atividade de motofrete. O artigo 6º da Lei nº 12.009/2009 e o artigo 1º da Lei nº 7.290/1984 preveem a possibilidade de contratação autônoma para a prestação desse tipo de serviço, ainda que de forma contínua, afastando a obrigatoriedade de reconhecimento do vínculo de emprego. Dessa forma, prevalece a presunção legal de inexistência de vínculo empregatício na relação estabelecida entre as partes, corroborada pelo contrato de prestação de serviços assinado pelo reclamante, o qual evidencia sua condição de trabalhador autônomo. Diante do conjunto probatório, resta inviabilizado o reconhecimento do vínculo empregatício pleiteado na exordial. Mantenho incólume a decisão singular. Nego provimento. Resta prejudicada a análise dos demais temas recursais. CONCLUSÃO Em face do exposto, conheço do recurso ordinário interposto pela parte reclamante para, no mérito, rejeitar a preliminar suscitada e negar-lhe provimento, restando prejudicada a análise dos demais temas recursais. Tudo nos termos da fundamentação. Acórdão Por tais fundamentos, ACORDAM os Desembargadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, por unanimidade, aprovar o relatório e conhecer do recurso ordinário interposto pela parte reclamante para, no mérito, rejeitar a preliminar suscitada e, por maioria, negar-lhe provimento, restando prejudicada a análise dos demais temas recursais. Tudo nos termos do voto do Juiz Relator. Vencido o Desembargador Grijalbo Coutinho, que juntará declaração de voto. Ementa aprovada. Julgamento ocorrido sob a Presidência do Desembargador Grijalbo Coutinho, com a participação dos Juízes convocados Denilson B. Coêlho e Luiz Henrique Marques da Rocha. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Flávia Falcão (na direção da Escola Judicial), Elaine Vasconcelos (em licença médica), André R. P. V. Damasceno (em gozo de férias) e Dorival Borges (compromissos junto à ouvidoria). Pelo MPT, o Dr. Alessandro Santos de Miranda (Procurador Regional do Trabalho). Sessão Extraordinária Presencial de 25 de abril de 2025 (data do julgamento). LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA Juiz Convocado Relator Voto do(a) Des(a). GRIJALBO FERNANDES COUTINHO / Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho 1. PRETENSÃO OBREIRA VOLTADA PARA O RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. PROVA DOS AUTOS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E CLT PRESTIGIAM O TRABALHO FORMAL REGULADO E SOCIALMENTE PROTEGIDO. DIREITOS DO TRABALHO. REQUISITOS DO CONTRATO DE TRABALHO. VALORAÇÃO DA PROVA E ENQUADRAMENTO JURÍDICO 1.1. MOTOBOY. VÍNCULO DE EMPREGO. PROVA DOS AUTOS 1. RELAÇÃO DE EMPREGO. SUPOSTOS. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL BRASILEIRA. NECESSIDADE DE REGISTRO DA CTPS OBREIRA E DEMAIS CONSECTÁRIOS. Em harmonia com o texto da Constituição da República e com as normas internacionais do trabalho, a legislação infraconstitucional brasileira, na concreta perspectiva de valorização do trabalho formal por ela regulado, exige, para a caracterização da relação de emprego, o labor prestado por pessoa física em prol de outrem, em caráter pessoal ou personalíssimo (intuitu personae), de forma não eventual, com subordinação jurídica e onerosidade (salário). Reunidos os pressupostos antes declinados, o vínculo empregatício entre as partes encontra-se irremediavelmente configurado, com todos os consectários daí decorrentes, a começar pela necessidade de registro do contrato de trabalho na CTPS obreira desde o primeiro dia de labor. 2. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. ENTREGADOR MOTOCICLISTA. MOTOBOY PRESTADOR DE SERVIÇOS EM BENEFÍCIO DA PLATAFORMA DIGITAL IFOOD, POR INTERMÉDIO DE EMPRESA INTERPOSTA. A relação de emprego, constituindo espécie do gênero contrato-realidade, não se apega a registros formais, mas se revela em função da presença no plano real dos requisitos inscritos nos artigos 2º e 3º, da CLT. Revelando a prova dos autos a presença de inconteste relação de emprego entre as partes, com a descrição de cada um de seus elementos formadores, reconhece-se a existência da relação empregatícia. 3. RELAÇÃO DE EMPREGO. COMPROVAÇÃO. Demonstrado o labor com a presença dos pressupostos da relação de emprego, impositivo reconhecer-se a natureza empregatícia do vínculo. Trata-se de reclamação trabalhista, na qual se discute a relação jurídica entre as partes. O Juízo do Primeiro Grau de Jurisdição julgou improcedentes o pedido de reconhecimento da relação de emprego. Em recurso ordinário, o demandante reafirma que prestou serviços à demandada, com a presença de todos os requisitos da relação empregatícia. À análise. Destaquei para divergir e reconhecer o vínculo empregatício entre as partes. No caso dos autos, a controvérsia reside em definir se a situação vivenciada pelas partes se desenvolveu sob os moldes de relação jurídica autônoma ou de vínculo de emprego. Inicialmente, cabe ressaltar que a reclamada, ao ventilar a tese da existência de uma relação de natureza autônoma com a reclamante, no período indicado na inicial, a referida empresa atrai para si o ônus da prova, tanto porque o ordinário, havendo prestação pessoal de serviços, importa na presunção do reconhecimento do vínculo empregatício, quanto a hipótese aventada na contestação se configurar como fato impeditivo do direito pleiteado, tudo nos termos do CPC e do art. 818, da CLT. Em outras palavras, se não houver prova firme no sentido de revelar a autonomia na prestação de serviços, impõe-se declarar que existiu relação de emprego em todo o período de manutenção de vínculo jurídico entre as partes. Tenho que a reclamada não se desincumbiu do ônus que lhe competia, ao alegar que a trabalhadora havia lhe prestado serviços de forma autônoma. Ademais, extraio dos elementos existentes nos autos que havia prestação pessoal de serviços, em caráter não eventual, mediante subordinação jurídica e onerosidade, restando preenchidos, desse modo, todos os requisitos do art. 3º, da CLT. A questão deve ser solucionada pela presunção amplamente favorável à relação de emprego, seja porque todos os elementos existentes nos autos apontam para a prestação de trabalho, pelo de cujus, de forma pessoal, mediante não eventualidade, subordinação jurídica clássica e com o pagamento de salário, considerando que a reclamada, nem de longe, conseguiu se desincumbir processualmente do ônus que lhe competia. Ademais, ao alegar que o reclamante lhe prestava serviços como autônomo, de forma eventual, sem a presença dos requisitos típicos da relação de emprego, a reclamada atraiu para si o ônus probandi deste fato (CLT, artigos 818 e 769; CPC, artigo 373, inciso II), uma vez presumível, em tais circunstâncias, a existência do contrato de trabalho stricto sensu, com a presença da subordinação e demais requisitos prescritos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Nesse sentido, aliás, a lição de Carlos Henrique Bezerra Leite que, ao discutir especificamente o ônus da prova quanto à existência da relação de emprego, ensina: "No que concerne à prova da existência da relação de emprego, por exemplo, compete ao reclamante provar a prestação de serviços ao suposto empregador. Se a reclamada, na defesa, admitir a prestação de serviços, mas alegar ter sido a relação jurídica diversa da empregatícia (por exemplo, relação de trabalho autônomo, eventual, cooperativado, de empreitada, de parceria, etc.), atrairá para si o ônus de provar a existência dessa relação de trabalho diversa da tutelada pelo Direito do Trabalho" (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo, Ltr, 2006, pág. 495, sem grifo no original). Cediço que a relação de emprego caracteriza-se pela reunião dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Segue o inteiro teor da prova oral produzida nos autos, conforme consta da sentença recorrida e devidamente transcrito no voto condutor, aqui reproduzido: "Depoimento pessoal do reclamante: "que trabalhava para as reclamadas coletando e entregando prótese dentária; que às vezes antes de chegar para o trabalho, que começava às 8 horas já tinha que passar em algum lugar para pegar produtos a fim de que fosse feita a prótese dentária, ou então quando chegava no trabalho a sua chefe dizia para onde deveria ir fazer as entregas; que utilizava uma moto própria para trabalhar; que o depoente já possuía antes uma pessoa jurídica, que era uma empresa de pizzaria. Advogado das reclamadas: que o combinado com as reclamadas era para trabalhar de 8:00 às 17:45, sendo que às 18 horas iniciava a jornada em outra empresa, em Vargem Bonita/Parque Way; que o depoente não designava substituto quando não ia trabalhar, uma vez que não faltava o trabalho, salvo quando sofreu um acidente, quando a reclamada designou substituto, o qual é conhecido do depoente; que indicou o seu substituto quando não pode trabalhar, uma vez que ele era motoboy e a reclamada não conhecia motoboy que tivesse disponibilidade; que recebeu três meses de benefício previdenciário quando estava afastado do trabalho, o que conseguiu porque tinha contrato de trabalho regular no período noturno, e não por causa de MEI". Nada mais. Depoimento pessoal da primeira reclamada (Maria do Socorro): "que o laboratório é do irmão da depoente, sendo que trabalha no local como sócia dividindo o faturamento; que contratou o reclamante como prestador de serviço, com pagamento mensal; que chamava o reclamante quando tinha serviço, sendo que havia serviço quase todos os dias de segunda a sexta-feira, podendo ser de manhã ou de tarde; que o reclamante buscava e entregava produtos; que somente o reclamante trabalhava como motoboy na empresa, com moto própria; que quando o reclamante se acidentou ele foi substituído porque a depoente chamou outra pessoa; que acha que o reclamante estava fazendo entrega para empresa quando ele se acidentou; que não sabe informar quanto tempo o reclamante ficou afastado em razão do acidente; que após o afastamento, quando o reclamante retornou para o trabalho, ele não prestou mais serviços porque a depoente tinha contratado um substituto. Advogada do reclamante: que não se recorda o período em que o reclamante prestou serviço para os reclamados; que o pagamento do reclamante era feito com base nas entregas, em uma média de R$ 3.000 por mês; que não havia um valor prefixado por entrega, a depoente era quem dizia quanto o reclamante ia receber por mês, conforme a sua avaliação; que nunca pagou nem menos e nem mais de R$ 3.000 por mês; que no dia do acidente acha que o reclamante estava com produtos de entrega da empresa, sendo que foi enviado outro motoboy para buscar esses produtos junto ao reclamante; que acha que o reclamante apresentou atestado médico do acidente perante a empresa; que não foi pedido para o reclamante que emitisse notas fiscais". Nada mais. Depoimento pessoal do preposto da segunda reclamada: "que nada sabe informar a respeito da prestação de serviços do reclamante, uma vez que ele não era do seu convívio, apenas tendo visto o mesmo Primeira testemunha das reclamadas:LUIS FELIPE DA SILVA PEREIRA. Que tem interesse em ajudar a empresa neste processo, uma vez que presta serviços para empresa. Advogada do reclamante contradita a testemunha por interesse na causa. Acolho a contradita, tendo em vista a admissão do depoente de ter interesse em ajudar a empresa neste processo o que demonstra falta de isenção de ânimo, razão pela qual declaro sua suspensão e dispenso seu depoimento.". No caso em exame, a falta de demonstração pela demandada, de que o trabalho se desenvolveu de forma autônoma, já seria suficiente para o reconhecimento do vínculo empregatício. Além disso, os pressupostos do artigo 3º da CLT revelaram-se presentes, quais sejam, a não eventualidade (trabalho realizado ao longo de um ano, de forma constante e habitual), a pessoalidade (o reclamante, como regra, não se fazia substituir por outras pessoas), a subordinação jurídica (o reclamante recebia ordens e tinha o seu trabalho controlado pelo gerente) e a onerosidade. É o que se extrai da prova oral produzida nos autos. Ainda que se pudesse aventar a possibilidade, apenas a título de argumentação, que a subordinação jurídica não ficou bem delineada(ficou bem delineada e percebe-se que o reclamante cumpria diariamente a rotina de entregas determinada pela empresa acionada), caberia à reclamada demonstrar que os serviços do reclamante lhe foram prestados de maneira autônoma, por ser a arguição nesse sentido fato impeditivo do direito pleiteado, ônus do qual não se desincumbiu a contento no curso do procedimento instrutório. Como visto, o entregador não tem a opção de alterar o valor da entrega, bem como a reclamada controla o horário dos entregadores, o que não se coaduna com a tese de labor autônomo. As mais relevantes características presentes na relação de trabalho envolvendo plataforma digita: 1) contratação ou o cadastramento de motociclistas na Plataforma era realizada por meio eletrônico, por intermédio da reclamada; 2) há controle eletrônico de todas as atividades desenvolvidas pelos entregadores; 3) cancelamento de entregas resulta em cobrança e necessidade de esclarecimentos; 4) não é possível trabalhar sem o recurso do GPS; 5) o preço de qualquer entrega é definido unilateralmente pela segunda reclamada; 6) as reclamadas aplicam aos seus entregadores punições como bloqueio ou suspensão do uso do sistema da plataforma eletrônica; 7) os entregadores podem ser expulsos da plataforma; 8)a primeira reclamada elabora escala a ser cumprida pelos entregadores; 9) o motociclista precisa ficar com o GPS ligado para que seja possível a reclamada conectá-lo de forma rápida ao cliente; 10) as reclamadas não assumem quaisquer riscos do negócio, conforme política estabelecida por todos os aplicativos de entregas e transportes. A partir das mais notáveis características descritas nas provas trazidas a estes autos, é forçoso concluir que estamos diante de uma relação de trabalho de natureza assalariada e subordinada, cujas atividades obreiras eram rigorosamente controladas pela plataforma digital, em seus mínimos detalhes. Resta por demais evidente a existência da relação de emprego entre as partes, não havendo sequer um elemento capaz sequer de colocar em dúvida a presença de qualquer dos supostos do vínculo laboral. Demonstrado o labor com a presença dos pressupostos da relação de emprego, impositivo reconhecer-se que as partes estiveram vinculadas a um contrato de trabalho, ainda que a reclamada, burlando a legislação trabalhista, não tenha providenciado a respectiva formalização do ato. Nesse contexto, ressai dos elementos de convicção dos autos que o reclamante laborou de forma pessoal, não eventual, onerosa e subordinada, elementos que evidenciam a sua condição de empregado Dou provimento ao recurso obreiro para reconhecer a relação de emprego entre as partes, no período requerido e conforme demais condições declinadas na exordial. Na hipótese de prevalecer a presente divergência, sugiro que seja suspenso o julgamento com a finalidade de analisar as demais questões recursais em outra oportunidade. BRASILIA/DF, 29 de abril de 2025. VALDEREI ANDRADE COSTA, Servidor de Secretaria
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30/04/2025 - Documento obtido via DJENAcórdão Baixar (PDF)