Processo nº 00022735520168080013

Número do Processo: 0002273-55.2016.8.08.0013

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJES
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Gabinete Des. EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR
Última atualização encontrada em 01 de julho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 01/07/2025 - Intimação
    Órgão: Gabinete Des. EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR | Classe: APELAçãO CíVEL
    ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO PROCESSO Nº 0002273-55.2016.8.08.0013 APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO APELADO: CLEONE GOMES DO NASCIMENTO e outros (7) RELATOR(A): ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE EM PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. PROVIMENTO PARCIAL. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta pelo Ministério Público contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado na ação civil pública por ato de improbidade administrativa. A ação foi ajuizada em razão da celebração de contratos administrativos com a empresa Emílio Lázaro Júnior ME para execução de obras públicas não realizadas, mediante fraude e falsificação documental. A sentença desconsiderou as provas produzidas no inquérito civil. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão em discussão consiste em saber se: (i) os elementos probatórios constantes de inquérito civil, não infirmados por contraprova, são suficientes para embasar a procedência dos pedidos em ação de improbidade administrativa; (ii) houve prática de atos de improbidade administrativa por parte dos apelados com base nas fraudes comprovadas nos contratos administrativos celebrados com a empresa Emílio Lázaro Júnior ME. III. RAZÕES DE DECIDIR A jurisprudência do STJ admite a utilização de provas produzidas em inquérito civil como fundamento de decisão judicial, desde que não infirmadas por provas colhidas sob o crivo do contraditório. Os apelados não produziram contraprova capaz de afastar a presunção de veracidade dos documentos e depoimentos colhidos em sede extrajudicial. Os elementos dos autos evidenciam a inexistência de execução de serviços contratados, fracionamento indevido de objeto licitatório e o desvio de recursos públicos para fins particulares. As condutas caracterizam enriquecimento ilícito (art. 9º, inc. XI, da Lei nº 8.429/1992), lesão ao erário (art. 10, incs. I, II e XII) e violação aos princípios da Administração Pública (art. 11, caput e inc. V). IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Sentença reformada em parte para julgar parcialmente procedente o pedido inicial. Tese de julgamento: “1. Provas colhidas em inquérito civil têm valor probatório relativo e podem fundamentar sentença condenatória em ação de improbidade administrativa, quando não desconstituídas por prova judicializada. 2. A ausência de execução contratual e a destinação de recursos públicos a fins privados configuram atos de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito, lesão ao erário e violação de princípios da Administração Pública.”. ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ ACÓRDÃO Decisão: À unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Órgão julgador vencedor: 014 - Gabinete Des. EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR Composição de julgamento: 014 - Gabinete Des. EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR - EWERTON SCHWAB PINTO JUNIOR - Relator / Gabinete Des. ALEXANDRE PUPPIM - ALEXANDRE PUPPIM - Vogal / 004 - Gabinete Des. JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - JOSE PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - Vogal VOTOS VOGAIS Gabinete Des. ALEXANDRE PUPPIM - ALEXANDRE PUPPIM (Vogal) Acompanhar 004 - Gabinete Des. JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA - JOSE PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA (Vogal) Acompanhar ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ RELATÓRIO _______________________________________________________________________________________________________________________________________________ NOTAS TAQUIGRÁFICAS ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTO VENCEDOR ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO 1ª Câmara Cível Endereço: Rua Desembargador Homero Mafra 60, 60, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-906 Número telefone:( ) Processo nº 0002273-55.2016.8.08.0013 APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO APELADO: CLEONE GOMES DO NASCIMENTO, CARLOS ELDER LAZARO, EMILIO LAZARO JUNIOR, JULIANO PICOLI, ALEXANDER FERRAO, ANDRE FERREIRA CORREA, PEDRO RENATO RAMIRO, DEUSDETE FIORESI Advogados do(a) APELADO: RENATA FARDIN SOSSAI - ES15771, VICTOR DOS SANTOS MOREIRA DE ARAUJO - ES28798 Advogado do(a) APELADO: FRANK GONCALVES ANDREZA - ES27649-A Advogado do(a) APELADO: RICARDO TEDOLDI MACHADO - ES11065 Advogado do(a) APELADO: URSULA ZANQUETTO OLMO - ES10930-A Advogado do(a) APELADO: JUBIRA SILVIO PICOLI - ES8718-A Advogados do(a) APELADO: HELIO DEIVID AMORIM MALDONADO - ES15728-A, PRISCILIANE TOMAZELLI MOZER - ES32398 Advogados do(a) APELADO: ANDRE FERREIRA CORREA - ES8435-A, JEFFERSON BARBOSA PEREIRA - ES5215-A VOTO Na origem, o Ministério Público afirmou que os requeridos, em concurso, praticaram atos de improbidade administrativa que importaram enriquecimento ilícito e causaram prejuízo ao erário com violação de princípios da Administração Pública, haja vista que celebraram contratos com a empresa Emílio Lázaro Júnior ME objetivando apropriar de recursos públicos decorrentes de obras contratadas, pagas e não realizadas, mediante fraude e falsificação de documentos. Registrou que foram celebrados os seguintes contratos: 1- Contrato nº 01.06698/2008, datado de 19/06/2008: contratação direta sem licitação, cujo objeto constituía-se na contratação de empresa para realizar reforma geral do Parque de Exposições Luiz Cola para o evento da XXXI Exposição Agropecuária de Castelo, de 02 a 06 de julho de 2008, no valor de R$ 14.800,00 (quatorze mil e oitocentos reais); 2- Contrato nº 01.6525/2008, datado de 25/08/2008 (Convite nº 106/2008): contratação de empresa para roçada das laterais, limpeza de sarjetas e caixas de bueiro de estrada no interior do Município, em um total de 265 quilômetros, com a disposição de 18 trabalhadores, de transporte para os trabalhadores, motosserra, roçadeiras mecânicas e demais ferramentas necessárias, no valor de R$ 69.960,00 (sessenta e nove mil novecentos e sessenta reais); 3- Contrato nº 01.0126, datado de 16/02/2009 (Convite nº 010/2009): nova contratação de empresa para roçada das laterais, limpeza de sarjetas e caixas de bueiro de estrada no interior do Município, em um total de 272 quilômetros, com a disposição de 18 trabalhadores, de transporte para os trabalhadores, motosserra, roçadeiras mecânicas e demais ferramentas necessárias, no valor de R$ 75.072,00 (setenta e cinco mil reais e setenta e dois reais); 4- Contrato nº 01.9963/2009, datado de 15/05/2009 (Convite nº 035/2009: contratação, mais uma vez, de empresa para roçada das laterais, limpeza de sarjetas e caixas de bueiro de estrada no interior do Município, em um total de 90 quilômetros, com a disposição de 18 trabalhadores, de transporte para os trabalhadores, motosserra, roçadeiras mecânicas e demais ferramentas necessárias, no valor de R$ 23.850,00 (vinte e três mil oitocentos e cinquenta reais). Destacou, ainda, que os procedimentos licitatórios foram realizados para garantir a participação da empresa Emílio Lázaro Júnior - ME mediante fraude e direcionamento dos certames. Além disso, os documentos apresentados pela referida empresa, notadamente nos três últimos contratos, foram fraudados com o fito de direcionar o pagamento do valor da contratação, bem como houve falsificação da assinatura do responsável da empresa nos documentos de fls. 14 e 18, cujo fato resultou em denúncia criminal. Além disso, em relação ao terceiro contrato (nº 01.0126), houve fracionamento do objeto licitatório e o serviço não foi prestado, embora realizado o respectivo pagamento. Consta da inicial que, após diálogo mantido entre Carlos Elder Lázaro (irmão de Emílio Lázaro Júnior) e Cleone Gomes do Nascimento (então Prefeito de Castelo), ficou convencionado que aquele receberia o valor contratado no contrato nº 01.0126 (R$ 75.072,00), cujo pagamento seria realizado em duas parcelas, por sugestão do então Secretário de Finanças, Sr. Alexandre Ferrão, sendo uma parcela no valor de R$ 35.990,40 e outra no valor de R$ 39.081,60, e que tais valores seriam devolvidos para Cleone, com a alegação de que o objetivo seria quitar despesas do Município de Castelo em decorrência das enchentes. Continuou afirmando que os valores referentes aos contratos nº 01.0126 e 01.9963 foram utilizados exclusivamente para cobrir despesas particulares do requerido Cleone. E que o contrato nº 01.9963 não teve o seu objeto executado em prol do interesse público, mas para pagamento de despesa de Cleone com o plantio de eucalipto em propriedade rural, situada na Localidade de Paisandu, Município de Conceição do Castelo, conforme Contrato Particular de Plantio e Cultivo de Eucalipto celebrado com Emílio Lázaro Júnior ME, em flagrante comportamento de enriquecimento ilícito e lesão ao erário. O referido contrato particular firmado entre Cleone Gomes do Nascimento e Emílio Lázaro Júnior ME previa o plantio/cultivo de 59 mil mudas/pé de eucalipto tipo urograndis, no valor de R$ 177.000,00, com entrada no valor de 70%, dividindo o restante em 05 parcelas de R$ 24.780,00, com o primeiro vencimento em 10/02/2009 e o último em 10/06/2009. O pagamento teria sido feito com recursos públicos. Em 17/11/2009, no entanto, Carlos Elder Lázaro questionou Cleone Gomes do Nascimento acerca do restante da dívida no valor de R$ 54.000,00 (cinquenta e quatro mil reais). O então prefeito ofereceu um cheque de R$ 23.850,00 referente ao contrato nº 01.9963/2009, resultado de obras/serviços não realizados, mas lhe informou que teria que devolver R$ 10.000,00. O referido cheque estava com Pedro Renato Ramiro, então Secretário de Interior, que ratificou a proposta de Cleone concernente ao pagamento parcial e devolução de R$ 10.000,00. Todavia, a negociação gerou confusão na sede da Prefeitura Municipal, necessitando da intervenção da Polícia Militar, o que resultou na lavratura do Boletim de Ocorrência 1992, tendo em vista que Carlos Elder Lázaro informou que somente se retiraria do local após receber o valor pelo plantio de eucalipto. Por tais motivos e frustrado por não receber o valor anteriormente acordado, Carlos Elder Lázaro delatou os fatos no dia 14/04/2010. Após regular tramitação do feito, o juízo de origem julgou improcedentes os pedidos iniciais, com base nos seguintes fundamentos: [...] Analisando detidamente as provas dos autos, observo que a pretensão punitiva está ancorada nos depoimentos prestados pelos requeridos, representantes da EMÍLIO LÁZARO JÚNIOR ME e funcionários, nos autos do Inquérito Civil MPES 2014.0032.9715-37. [...] Os requeridos EMÍLIO LÁZARO JÚNIOR e CARLOS ÉLDER LÁZARO, por se encontrarem em local incerto e não sabido, tiveram suas defesas apresentadas por curador especial à lide, frustrando a instrução processual de contar com os seus depoimentos pessoais em juízo, o mesmo ocorrendo com as testemunhas PATRICK CESCONETTO COGO e ANGÉLICA BARBOSA PAIVA, arroladas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, cujos depoimentos também não passaram pelo crivo do contraditório, possibilitando o direito à ampla defesa. [...] No entanto, as graves denúncias constantes principalmente nos depoimentos do requerido CARLOS ÉLDER e de PATRICK CESCONETTO COGO, não obtiveram respaldo na fase instrutória processual mediante o contraditório, justamente quanto aos fatos dos serviços contratados não haverem sido executados e que, além disso, as verbas públicas teriam sido utilizadas para saldar compromissos financeiros particulares do então Prefeito Municipal. [...] No caso concreto, os elementos que instruem os autos não se mostram suficientes ao reconhecimento da ilicitude qualificada pela prática de improbidade administrativa, não obstante a configuração fática das condutas, especialmente dos requeridos CLEONE GOMES DO NASCIMENTO e CARLOS ÉLDER LÁZARO, indicarem uma atuação dolosa com a utilização ilícita da administração pública em proveito próprio e em lesão ao erário, porém, as provas não foram confirmadas no curso do processo. [...]. Em suas razões recursais, o Ministério Público sustenta que restou provado nos autos do inquérito civil as condutas ilícitas realizadas pelos requeridos, por meio de fraude em procedimentos licitatórios, e que há demonstração do dolo nas condutas praticadas por Cleone Gomes do Nascimento e Carlos Eder Lázaro. Pois bem. Muito embora o inquérito civil tenha, em um primeiro momento, a função de subsidiar a formação da convicção do Ministério Público (possível autor da ação futura), deve ser possibilitada a ampla discussão das respectivas informações no âmbito judicial. Isso porque, durante a fase administrativa de apuração, nem sempre é assegurado o contraditório. Logo, caso as provas colhidas exclusivamente no inquérito civil sejam questionadas pela parte interessada, é imprescindível que sejam reproduzidas integralmente em juízo, a fim de resguardar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, assegurando igualdade entre as partes e evitando que possíveis vícios ocorridos na apuração administrativa comprometam a imparcialidade do juízo. Contudo, em que pese o entendimento do juízo de origem, não há como desconsiderar as provas produzidas no inquérito civil quando a parte contrária não apresenta, em juízo, fato impeditivo, modificativo ou extintivo dos elementos apresentados aos autos pelo órgão ministerial. O Superior Tribunal de Justiça entende que “as provas produzidas no inquérito civil público têm valor probatório relativo, mas só devem ser afastadas quando há contraprova produzida sob a vigilância do contraditório.” (REsp 2.080.523/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 22/08/2023). É importante registrar que o Superior Tribunal de Justiça, no julgado supramencionado, anulou o acórdão do Tribunal de Justiça para determinar que fosse proferido novo julgamento, analisando as provas constantes dos autos e, principalmente, as provas constantes do inquérito civil. De igual forma, em caso recente e semelhante, o Superior Tribunal de Justiça assim se manifestou: [...] III - O que no inquérito civil se apurar, quando regularmente realizado, terá validade e eficácia em juízo, podendo o magistrado valer-se dele para formar ou reforçar sua convicção, desde que não colidam com provas de hierarquia superior, como aquelas colhidas sob as garantias do contraditório. No caso, verificou-se a ausência de contraprova que afastasse a presunção relativa das provas produzidas no inquérito civil. [...]. V - A dispensa indevida de licitação que acarreta pagamento ao agente ímprobo e a ausência de prestação de serviço gera dano concreto e, por conseguinte, enseja a responsabilização do agente nos termos do art. 11, V, da Lei nº 8.666/1993. [...] (AREsp 1.417.207-MG, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/09/2024). No mesmo sentido: [...] V. O Superior Tribunal de Justiça também possui jurisprudência no sentido de que "as provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório" (STJ, REsp 476.660/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/08/2003). Em igual sentido: STJ, AgRg no AREsp 572.859/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 03/02/2015; REsp 644.994/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/03/2005. VI. Nos termos em que a causa fora decidida, infirmar os fundamentos do acórdão recorrido, quanto à necessidade de produção de provas, demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ. VII. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp n. 1.155.352/GO, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 10/4/2018, DJe 17/4/2018.) [...] 4. A jurisprudência desta Corte sedimentou-se no sentido de que as "provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório" (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003)." 5. O Tribunal de origem afirmou que o réu não produziu prova a fim de afastar as conclusões do inquérito civil. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 572.859/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18/12/2014, DJe 3/2/2015) Conforme leciona Hugo Nigro Mazzilli, “o valor do inquérito civil como prova em juízo decorre de ser uma investigação pública e de caráter oficial. Quando regularmente realizado, o que nele se apurar tem validade e eficácia em juízo, como as perícias e inquirições. Ainda que sirva essencialmente o inquérito civil para preparar a propositura da ação civil pública, as informações nele contidas podem concorrer para formar ou reforçar a convicção do juiz, desde que não colidam com as provas de maior hierarquia, como aquelas colhidas sob as garantias do contraditório.” (Mazzilli, Hugo Nigri, O Inquérito Civil. São Paulo: Saraiva, p. 53). De acordo com o art. 8º, § 1º, da Lei nº 7.347/85, o Ministério Público tem a prerrogativa de instaurar inquérito civil com o objetivo de reunir elementos informativos que possam fundamentar o ajuizamento de uma ação civil pública. Trata-se de um procedimento administrativo com natureza investigatória, voltado à apuração da autoria e da materialidade de eventuais danos causados aos interesses e bens tutelados pelo art. 1º da referida lei. Os documentos, perícias e depoimentos colhidos durante o inquérito civil poderão ser utilizados para embasar a petição inicial, nos termos do art. 320, do CPC. Não se exige, de antemão, a repetição desses elementos em juízo, sobretudo quando se tratar de provas documentais, sob pena de violação ao princípio da instrumentalidade das formas e ao direito à razoável duração do processo. Vale destacar que, “diferente do que ocorre no processo penal, não há, no processo civil, qualquer regra similar à prevista no art. 155, caput, do CPP, razão pela qual inexiste qualquer óbice a que o Juízo de 1º Grau julgue procedente ação civil pública com esteio, exclusivamente, em elementos de prova colhidos em sede de inquérito civil público, desde que tais elementos não sejam confrontados por prova judicializada produzida em sentido diverso pela parte contrária.” (STJ, REsp 2.080.523/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 22/08/2023). No caso concreto, os apelados não produziram qualquer prova para desconstituir as conclusões aferidas durante o inquérito civil. Muito embora a sentença tenha julgado improcedente o pedido com fundamento na ausência de confirmação, em juízo, das provas colhidas durante o inquérito civil, observo que há elementos suficientes para a procedência de parte dos pedidos. É certo que as provas produzidas no âmbito do inquérito civil público possuem valor probatório relativo, mas sua eficácia não pode ser simplesmente desconsiderada, sobretudo quando não infirmadas por provas em sentido contrário, produzidas sobre o crivo do contraditório. Os apelados não trouxeram aos autos qualquer elemento apto a desconstituir as conclusões alcançadas durante a investigação. Ao contrário, os depoimentos colhidos no inquérito civil delinearam, de forma minuciosa, o modus operandi do esquema de fraude à licitação, descrevendo com precisão a atuação dos envolvidos. Ademais, causa estranheza o fato de que, mesmo em juízo, os apelados não tenham sequer comprovado a prestação dos serviços contratados (embora tal comprovação, por si só, não fosse suficiente para afastar eventual fraude na origem na relação entre particular e poder público, ou na contratação), circunstância que corrobora a robustez dos indícios reunidos na fase investigativa e reforça a plausibilidade da narrativa apresentada pelo parquet. Passo, assim, a analisar as provas colhidas durante o inquérito civil. Em seu depoimento, o Sr. Carlos Elder Lázaro, de forma detalhada, destacou que (fls. 79 e seguintes): [...] passou a conhecer pessoalmente o Sr. Cleone quando o mesmo o procurou para prestar serviço no terreno arrendado pelo mesmo na divisa de Conceição do Castelo com Castelo, acreditando que tal propriedade se situe em Conceição do Castelo; Que o nome do declarante não consta do contrato social apesar deste ser o verdadeiro responsável pela empresa; Que o seu irmão Emílio só empresa o nome para o exercício da empresa; Que não colocou a empresa em seu nome por tinha interesse em se enquadrar como proprietário rural para fins de recebimento de empréstimo pelo PRONAF com juros mais baixos e não conseguiria se tivesse empresa em seu nome; [...]; Que quanto aos outros dois contratos celebrados em 16/02/2009 (nº 01.0126/2009) e 15/10/2009 (nº 01.9963/2009) afirma que não prestou tais serviços, muito embora contratado; Que quanto ao contrato celebrado em 16/02/2009 (nº 01.0126/2009) o declarante afirma que houve a realização de licitação por meio de carta convite, sendo que havia sido procurado pelo Secretário Sr. Pedro Cola, antes de licitação, para dizer a respeito da necessidade da realização de prestação de serviços de roçada em beira de estrada; Que no dia em que recebeu a carta convite procurou o Sr. Pedro Cola e o indagou acerca do valor que deveria ser cobrado pelo serviço a ser contratado, sendo que o mesmo (Pedro Cola) “deu uma noção de quanto deveria ser fixado”; [...]; Que quanto ao contrato celebrado em 16/02/2009 (nº 01.0126/2009) não houve a prestação do serviço, sendo que a assinatura do mesmo se deu após uma ligação da Sra. Eliete Pedruzzi, encarregada da licitação, funcionária da Prefeitura, para o declarante, pedindo que fosse na Prefeitura para assinar o contrato; [...]; Que após a assinatura do contrato o declarante procurou a Prefeitura para saber qual seria o cronograma para a prestação do serviço e o Secretário informou que o prefeito gostaria de falar com o declarante; Que em contato com o Sr. Cleone, na gabinete do mesmo, este pediu ao declarante que emitisse nota fiscal de recebimento dos valores contratados (R$ 75.072,00) sendo que os pagamentos seriam feitos em duas parcelas (uma de R$ 35.990,40 e a outra no valor de R$ 39.081,60) e que devolvesse tais valores para cobrir despesas com a enchente que ocorreu no Município; [...]; Que o declarante foi à Prefeitura e recebeu o primeiro cheque no valor de R$ 35.990,40, tendo se dirigido ao Prefeito, em seu gabinete, e oferecido o cheque, sendo que este informou que deveria proceder ao desconto do mesmo em banco, entregando-lhe o dinheiro em espécie; Que fez o saque dos valores, em espécie, e os entregou ao Sr Cleone quando este o visitou em sua casa para coletar o dinheiro conforme combinado; [...]; Que dirigiu-se a Prefeitura, recebeu o segundo cheque e se dirigiu a agência bancária onde efetuou o saque; Que no mesmo dia o Sr. Cleone foi a residência do declarante, a noite, e recebeu o pacote contendo o valor do cheque sacado; [...]; Que no que tange ao contrato 15/10/2009 (n° 01.9963/2009) no valor de R$ 23.850,00 afirma que somente hoje pôde perceber que foi usado para o pagamento da prestaçao de servico no terreno particular do Sr. Cleone; Que em 10/02/2009 foi contratado para realizaçao de serviço de plantio de eucalipto em propriedade particular do Sr. Cleone, propriedade esta que, salvo engano, foi arrendada pelo mesmo; [...]; Que o contrato n° 01 .9963/2009 foi então celebrado em 15/10/2009 por meio de licitação; Que após sair vitorioso da licitação, o declarante não prestou o serviço pactuado; [...]; Que após tal evento foi procurado por Luiz Carlos Louzada, empresário e agiota que presta serviços para a Prefeitura, para realização de acordo entre o Sr. Cleone e o declarante, que resultou na rescisão do contrato particular firmado para plantio de eucalipto e emissão de 11 notas promissórias, sendo que cinco já foram quitadas pelo Sr. Luiz Carlos Louzada, restando seis para pagamento; [...]. Patrick Cesconetto Cogo (fls. 67/68) esclareceu, durante o inquérito civil, que “estava no escritório quando Charles Ribeiro apareceu e noticiou ao declarante e a Carlos Elder que o Prefeito Cleone teria dito que ‘iria’ encher a cabeça dele de tiro’, se referindo a Carlos Elder; [...] Que no dia 17/11/2009 o declarante juntamente de Carlos Elder foram à Prefeitura para receber o saldo remanescente da divindade do contrato particular; [...; Que enquanto Carlos Elder conversava com Prefeito, [...], pôde ouvir o Prefeito exigindo que o cheque de R$ 28.000,00, R$ 10.000,00 fosse devolvidos ao próprio Prefeito Cleone; [...]; Que Renato Bueno disse que só entregaria o cheque se Carlos Elder devolvesse os R$ 10.000,00 exigidos pelo Prefeito; [...].”. De igual forma, Emílio Lázaro Júnior esclareceu sobre a falsificação de documentos, nos seguintes termos: “[...] Que apresentados os documentos de fls. 14 e 18 o declarante alega que não possui firma em Cartório nesta Cidade e que nenhuma das assinaturas ali constantes são do declarante; [...]; Que o objeto da empresa é o que consta de fls. 14, e não o que inclui reflorestamento; Que realmente houve prestação de serviços em bem particular arrendados pelo Sr. Prefeito Cleone situação em Conceição do Castelo, [...]; Que quem solicitou a prestação do serviço naquela localidade foi realmente o Sr. Cleone; [...].”. Os vereadores José Carlos Puziol e Julio Cesar Casagrande encaminharam para a Promotoria de Justiça o ofício nº 003/2010 (fls. 43 e seguintes), por meio do qual esmiuçaram os fatos e apresentaram diversos documentos que embasaram a presente ação. Dentre eles, constam dois requerimentos de empresário encaminhados à Junta Comercial do Estado do Espírito Santo (fls. 14 e 18), ambos datados de 11/02/2008, a fim de iniciar a atividade empresarial da empresa Emílio Lázaro Junior, sendo que há divergência no objeto constante dos requerimentos. O contrato nº 01.0126/2009 (fls. 62 e seguintes), firmado em 16/02/2009 entre o Município de Castelo e a empresa Emílio Lázaro Júnior - ME, teve como objeto a “roçada das laterais, limpeza das sarjetas e caixas de bueiro de estrada no interior do Município, [...], num total de 272 (duzentos e setenta e dois) quilômetros. [...].”. O apelado Carlos Élder Lázaro, de forma categórica, afirmou que não realizou os serviços contratados. O contrato nº 01.9963/2009 (fls. 58 e seguintes), firmado em 15/10/2009 entre o Município de Castelo e a empresa Emílio Lázaro Júnior - ME, também teve o mesmo objeto (roçada das laterais, limpeza das sarjetas e caixas de bueiro de estrada no interior do Município), porém num total de 90 (noventa) quilômetros. O apelado Carlos Élder Lázaro também afirmou que não realizou tais serviços. O que causa espanto em relação a esses dois contratos é que, apesar da diferença significativa de tamanho entre as duas áreas, a quantidade mínima exigida de trabalhadores foi a mesma para os dois (18 trabalhadores). Além disso, o prazo para execução dos serviços não foi alterado de forma proporcional à área. O contrato nº 01.06698/2008, datado de 19/06/2008, teve como objeto a reforma geral do Parque de Exposições Luiz Cola para o evento da XXXI Exposição Agropecuária de Castelo. Em que pese a alegação ministerial, houve dispensa de licitação por meio do Processo 06698/2008 e Nota de Empenho nº 0003605/2008, não havendo prova robusta de fraude ou dano ao erário. Igualmente, o contrato nº 01.6525/2008, datado de 25/08/2008, em que pese se tratar do mesmo objeto dos contratos nºs 01.9963/2009 e 01.0126/2009, não vislumbro provas concretas que pudessem caracterizar alguma das condutas imputadas aos apelados. Assim, as provas dos autos revelam que os apelados se apropriaram de valores pertencentes ao erário municipal, recebendo a quantia constante dos contratos 01.0126/2009 e 01.9963/2009 sem qualquer contraprestação. A conduta dos apelados caracteriza-se como ato de improbidade administrativa grave, configurando enriquecimento ilícito (art. 9, inciso XI, da Lei nº 8.429/92), além de causar lesão ao erário de forma dolosa (art. 10, incisos I, II e XII, da Lei nº 8.429/92) e ofender de forma escancarada os princípios regem a Administração Pública, em especial o dever de honestidade e imparcialidade (art. 11, caput e inciso V, da Lei nº 8.429/92). Em tempo, apesar de ter sido imputado aos apelados o inciso I, do art. 11, da Lei nº 8.429/92, vigente à época, não houve a descriminalização da conduta ali tipificada, tendo em vista a continuidade normativo-típica no inciso V, do mesmo diploma, que assim dispõe: “V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros; [...].”. Nesse contexto, a fixação da pena/base a ser aplicada deverá levar em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente (extensão do dano em sentido amplo). O art. 37, § 4º, da CF, dispõe que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Admite-se a imposição cumulativa e concomitante das sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.429/92, cabendo ao julgador definir quais penalidades são mais adequadas e em que medida devem ser aplicadas. Deve-se observar, ainda, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em consideração a gravidade das penalidades impostas, a adequação das sanções ao caso concreto, a extensão do prejuízo causado ao erário, o benefício patrimonial obtido pelo agente, a natureza da conduta praticada e o grau de censurabilidade do comportamento, entre outros fatores relevantes. A propósito: [...] afastadas pelo Tribunal a quo as sanções de suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, remanesceu apenas a condenação solidária dos recorridos ao ressarcimento dos valores indevidamente percebidos, subtraída a parcela já devolvida. Caracterizado o ato de improbidade administrativa, o ressarcimento ao erário constitui o mais elementar consectário jurídico, não se equiparando a uma sanção em sentido estrito e, portanto, não sendo suficiente por si só a atender ao espírito da Lei nº 8.429/97, devendo ser cumulada com ao menos alguma outra das medidas previstas em seu art. 12. Pensamento diverso, tal qual o esposado pela Corte de origem, representaria a ausência de punição substancial a indivíduos que adotaram conduta de manifesto descaso para com o patrimônio público. Permitir-se que a devolução dos valores recebidos por "funcionário-fantasma" seja a única punição a agentes que concorreram diretamente para a prática deste ilícito significa conferir à questão um enfoque de simples responsabilidade civil, o que, à toda evidência, não é o escopo da Lei nº 8.429/97. "A ação de improbidade se destina fundamentalmente a aplicar as sanções de caráter punitivo acima referidas, que têm a força pedagógica e intimidadora de inibir a reiteração da conduta ilícita. Assim, embora seja certo que as sanções previstas na Lei 8.429/92 não são necessariamente aplicáveis cumuladamente (podendo o juiz, sopesando as circunstâncias do caso e atento ao princípio da proporcionalidade, eleger a punição mais adequada), também é certo que, verificado o ato de improbidade, a sanção não pode se limitar ao ressarcimento de danos" (Ministro Teori Albino Zavascki, Voto-Vista no REsp nº 664.440/MG, DJU 06.04.06). [...] (REsp 1019555/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/06/2009). Assim, os apelados devem ressarcir integralmente o prejuízo causado, por meio de apuração de cálculo. Considerando o dolo, a má-fé e a certeza da impunidade, imponho ao apelado Cleone a perda do cargo público (atingindo tanto o cargo que ocupava à época da conduta quanto qualquer outro em que esteja ao tempo do trânsito em julgado da condenação), haja vista o tratamento dispensado à coisa pública a partir de uma visão privada. Impõe-se aos apelados, ainda, as demais sanções cominadas, quais sejam: (i) suspensão dos direitos políticos e (ii) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, em razão da gravidade das condutas. Pelas razões expostas, dou parcial provimento ao recurso para, reformando em parte a sentença, julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais, com base na Teoria da Causa Madura, para condenar Cleone Gomes do Nascimento e Carlos Élder Lázaro, nos seguintes termos: Cleone Gomes do Nascimento: (i) a restituir o valor recebido de forma ilícita, a ser apurado em liquidação de sentença; (ii) perda da função pública; (iii) suspensão dos direitos políticos por 8 anos; (iv) pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano, nos moldes do Tema 1.128 do STJ; (v) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo prazo de cinco anos. Carlos Élder Lázaro: (i) a restituir o valor recebido de forma ilícita, a ser apurado em liquidação de sentença; (iii) suspensão dos direitos políticos por 5 anos; (iv) pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano, nos moldes do Tema 1.128 do STJ; (v) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo prazo de cinco anos. Por fim, condeno os apelados ao pagamento, pro rata, das custas processuais remanescentes. É como voto. _________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTOS ESCRITOS (EXCETO VOTO VENCEDOR)