Valter Batista Dos Santos e outros x Lucenir De Oliveira Garcia
Número do Processo:
0002592-40.2021.8.16.0105
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJPR
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Vara Cível de Loanda
Última atualização encontrada em
10 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
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02/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: Vara Cível de Loanda | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELIntimação referente ao movimento (seq. 195) JULGADA IMPROCEDENTE A AÇÃO (21/06/2025). Acesse o sistema Projudi do Tribunal de Justiça do Paraná para mais detalhes.
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24/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Vara Cível de Loanda | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE LOANDA VARA CÍVEL DE LOANDA - PROJUDI Rua Roma, 920 - Edifício do Fórum - Alto da Glória - Loanda/PR - CEP: 87.900-000 - Fone: (44) 3430-0493 - Celular: (44) 99114-8151 - E-mail: jmil@tjpr.jus.br Autos nº. 0002592-40.2021.8.16.0105 Processo: 0002592-40.2021.8.16.0105 Classe Processual: Procedimento Comum Cível Assunto Principal: Defeito, nulidade ou anulação Valor da Causa: R$1.576.026,20 Autor(s): VALTER BATISTA DOS SANTOS WILSON ROSSATTI Réu(s): LUCENIR DE OLIVEIRA GARCIA SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de ação de declaração de nulidade de ato jurídico cumulada com indenização por danos materiais e morais proposta por Valter Batista dos Santos e Wilson Rossatti em face de Lucenir de Oliveira Garcia. Alegaram que, em 08 de janeiro de 2019, a parte ré firmou contrato de compromisso de compra e venda com Wilson Rossatti, referente a imóvel situado no Condomínio Eldorado do Rio Paraná, no Município de São Pedro do Paraná. Sustentaram que, em 14 de fevereiro de 2019, Wilson cedeu todos os direitos sobre o bem a Valter, que assumiu a posse do imóvel e iniciou reformas e ampliações significativas. Aduziram que a ré teria se comprometido a providenciar a documentação necessária à transferência da propriedade, mas não cumpriu com essa obrigação, tendo em vista que o imóvel não lhe pertenceria. Informaram que o imóvel seria de titularidade da empresa Miami Holding Ltda., a qual ajuizou ação anulatória contra RR Padrão Imóveis e Empreendimentos Ltda., indicando vício na cadeia dominial. Alegaram que a ré não detinha posse nem propriedade, e que agiu com dolo ao alienar bem de terceiro como se fosse próprio, ensejando prejuízos relevantes ao autor Valter, que teria despendido R$ 981.026,20 em benfeitorias. Requereram a declaração de nulidade do contrato celebrado, a condenação da ré à restituição do valor pago pela aquisição do imóvel, correspondente a R$ 575.000,00, e a indenização pelos danos materiais suportados em razão das reformas e melhorias realizadas, no valor de R$ 981.026,20. Pleitearam, ainda, a reparação pelos danos morais decorrentes dos prejuízos experimentados. Recebida a inicial, o juízo determinou a citação da ré para apresentar contestação (mov. 15.1). Citada, a ré apresentou contestação afirmando que adquiriu o imóvel da empresa RR Padrão Imóveis e Empreendimentos Ltda., por contrato celebrado em 21 de junho de 2018, tendo esta, por sua vez, adquirido o bem da empresa Miami Holding Ltda. Sustentou que, em 08 de janeiro de 2019, vendeu o imóvel a Wilson Rossatti, o qual cedeu os direitos ao autor Valter Batista dos Santos. Alegou que à época da venda não havia qualquer impedimento para o negócio e que os autores não figuraram como partes no processo anulatório movido pela Miami, razão pela qual não estariam sujeitos aos efeitos daquela demanda. Defendeu que o contrato celebrado com os autores foi realizado de boa-fé e pediu a improcedência dos pedidos. Impugnação à contestação (mov. 96.1). Em especificação de provas, ambas as partes requereram produção de prova oral, juntada de documentos e prova pericial (mov. 100.1 e 101.1). Em decisão saneadora, o juízo fixou os pontos controvertidos e deferiu a prova oral e documental (mov. 110.1). Realizou-se audiência de instrução e julgamento, oportunidade em que foram ouvidos o autor Valter, a ré Lucenir e três testemunhas arroladas pela parte autora. Os depoimentos confirmaram a posse do autor, a realização de obras de grande vulto e a ausência de esclarecimentos documentais sobre a origem dominial do imóvel. Ao final, o juízo deferiu a juntada de novos documentos e abriu prazo para as partes apresentarem alegações finais (mov. 151.1). Em alegações finais, os autores pugnaram pela procedência da demanda (mov. 154.1). Juntaram documentos (mov. 154.2 a 154.4). A ré, por sua vez, requereu a improcedência da ação, com a condenação dos autores ao pagamento de custas e honorários (mov. 158.1). Juntou documentos (mov. 158.2 e 158.3). O juízo determinou a suspensão do feito até o julgamento da ação de nº 0004161-13.2020.8.16.0105, na qual se discute a nulidade do negócio jurídico entre a empresa Miami Holding Ltda. e a empresa RR Padrão Imóveis Ltda., com repercussão direta sobre os presentes autos (mov. 166.1). Os autores informaram o trânsito em julgado da referida ação (mov. 182.1). O juízo determinou a juntada da sentença e da certidão de trânsito em julgado dos autos nº 0004161-13.2020.8.16.0105 (mov. 184.1). Juntou-se aos autos a sentença que declarou a nulidade da permuta entre Miami e RR Padrão e determinou a reintegração de posse à empresa Miami Holding Ltda., com trânsito em julgado em 24/06/2024 (mov. 185). A ré manifestou-se pela improcedência da demanda (mov. 191.1). É o relatório. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO Os requisitos da ação foram respeitados. O interesse de agir manifesta-se na efetividade do processo, e, no caso em tela, foram respeitadas todas as garantias individuais e constitucionais das partes. Da mesma forma, os pressupostos processuais de existência e validade foram devidamente observados. Nesse contexto, não há que se falar em nulidades relativas passíveis de qualquer convalidação, tampouco absolutas, eis que todos os atos realizados durante o presente feito estão em conformidade com a lei e os princípios pátrios do ordenamento jurídico brasileiro vigente, o que impossibilita qualquer nulidade da presente relação processual. Em outros termos, as garantias constitucionais e processuais foram devidamente asseguradas às partes, justificando-se a prestação da tutela jurisdicional de forma adequada e efetiva. 2.1. (Im)pertinência subjetiva da demanda em relação ao autor Wilson Inicialmente, consta dos autos que o contrato de compromisso de compra e venda foi celebrado entre a ré, Lucenir de Oliveira Garcia, e o segundo autor, Wilson Rossatti. Todavia, conforme admitido expressamente na petição inicial e confirmado pelo primeiro autor em seu depoimento pessoal, todos os direitos decorrentes do referido contrato foram cedidos a Valter Batista dos Santos antes mesmo do ajuizamento da presente ação. Segundo narrado, a cessão ocorreu em 14 de fevereiro de 2019, tendo Rossatti transferido integralmente a posse e os encargos contratuais ao autor Valter, que passou a ser o único ocupante do imóvel, promovendo inclusive reformas substanciais às suas expensas. O próprio Valter afirmou que Wilson não possui mais relação com o bem, tendo apenas figurado como intermediário provisório na negociação. Dessa forma, verifica-se que, ao tempo da propositura da demanda, Wilson Rossatti já não detinha qualquer direito ou interesse jurídico sobre o imóvel objeto da lide, carecendo de legitimidade ativa para integrar o polo processual. A sua inclusão como autor não se sustenta à luz dos elementos constantes dos autos. Não obstante, nos termos da teoria da asserção, a legitimidade das partes deve ser aferida com base nas afirmações constantes da petição inicial. Quando, porém, a instrução revela a inexistência do direito material afirmado por um dos demandantes, o reconhecimento da ausência de legitimidade ativa passa a constituir juízo de mérito, a ser resolvido com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Assim, no presente caso, a ilegitimidade de Wilson Rossatti decorre da constatação de que não subsiste, em seu favor, qualquer relação jurídica material com o bem ou com a ré, o que impõe a rejeição de seus pedidos com resolução de mérito. Assim, a análise do mérito restringe-se à relação jurídica estabelecida entre o autor Valter Batista dos Santos e a ré Lucenir de Oliveira Garcia. 2.2. Da validade do contrato firmado entre o autor Valter e a requerida A controvérsia cinge-se à validade do contrato de compromisso de compra e venda celebrado entre as partes, envolvendo o imóvel situado no Condomínio Residencial Eldorado do Rio Paraná, bem como à apuração da responsabilidade civil da ré pela suposta alienação de bem alheio como próprio. Sustenta o autor que a ré não detinha domínio sobre o imóvel, fato que teria inviabilizado a lavratura da escritura e caracterizado inadimplemento contratual, além de ensejar a nulidade do negócio e o dever de indenizar pelos prejuízos materiais e morais suportados. A ré, por sua vez, afirma ter adquirido o imóvel da empresa RR Padrão Imóveis e Empreendimentos Ltda., negando qualquer conduta dolosa e alegando boa-fé na celebração do contrato. Defende que o autor tinha ciência da situação dominial do bem e que assumiu os riscos da negociação. Após o ajuizamento da presente ação, foi reconhecido, por decisão judicial transitada em julgado, que a transferência do imóvel da empresa Miami Holding Ltda. para a empresa RR Padrão Imóveis Ltda. ocorreu de forma irregular, sendo declarada a nulidade da permuta firmada entre essas empresas, com determinação de reintegração da posse à titular originária. Tal decisão foi proferida nos autos da ação n.º 0004161-13.2020.8.16.0105. Cuida-se, assim, de causa prejudicial externa, cuja definição interfere diretamente na validade do contrato examinado neste feito, uma vez que compromete a legitimidade dominial da cadeia negocial que deu origem à venda realizada pela ré ao autor. Antes de efetivamente adentrar a análise do mérito, faz-se oportuna a transcrição dos depoimento colhidos em juízo: O autor, VALTER BATISTA DOS SANTOS, ao ser ouvido em juízo no mov. 152.1, declarou: “É uma casa que comprei da Lucenir e do esposo dela. Foi em 2020, eu paguei R$ 575.000,00 na casa e fiz uma reforma até 2021 e gastei mais um dinheiro, quando fui transferir a casa, não consegui transferir. Fiz um contrato particular. O sr. Wilson está nesse contrato, porque eu dei a casa como garantia de uma dívida que eu tinha com ele. Então, ele não tem muito a ver com esse processo. Tinha uma dívida com ele e acertei depois de uns 30 dias e depois ele já me passou a casa de volta. A casa eu que comprei e reformei para eu morar na casa, mas não consegui do documento da casa e está nessa situação até hoje. Quando comprei essa casa, fui no cartório, ela não estava no nome da Lucenir e do Marcos, mas eles me prometeram que estaria tudo certo para eu fazer a escritura e quando fui fazer o dono da casa me falou que não tinha recebido a casa de outra pessoa. Eu tinha comprado a casa de Lucenir e do Marcos, porque não sei de quem eles compraram e não iria me dispor com quem nem conheço. Não teve tentativa de desocupação, eu sei que corre um outro processo, porque meus advogados falaram, eu sei que os donos são a Miami Gold, é o pessoal que venderam a casa. Cheguei a conhecer o Alexandre, proprietário da Miami Gold, não tenho contato com ele, só conhecido. No momento do negócio não falei com ele estava tudo certo com a compradora de imóvel. Eu comprei a casa do Marcos e da Lucenir, a casa estava em posse deles, certo. Então eu confiei na palavra deles. Fui na casa, vistoriei e peguei a chave com eles, então para mim era um negócio certo. Não sei quem que é RR Padrão. Ela não me apresentou os contratos anterior. A Lucenir disse que tinha comprado a casa, como sou leigo, confiei só no contrato que eu fiz com a dona Lucenir. Esse imóvel está em um condomínio. Os boletos quem faz o pagamento é o financeiro da empresa, nunca me atentei. Eu sei que peguei o imóvel da Lucenir e do Marcos, confiei neles, não fui atrás da RR Padrão, eu paguei. Não entrei em contato com eles antes. Esse processo que tem, eu fiquei sabendo através do advogado, não fiz nenhuma alegação nesse processo, eu nem sei desse processo. Não entrei com ação para pedir a escritura dessa casa. Eu não fiz negócio com a Miami, só com a Lucenir, quero a escritura. Já tinha residência quando comprei e praticamente derrubei e fiz outra obra. O projeto arquitetônico eu não sei se era da casa antes da reforma. Fiz um projeto das novas obras, aprovado na prefeitura de São Pedro. Eu fiz a reforma em 2020, na verdade e mudamos completamente a casa. Eu fiz uma outra casa para me adequar, fiz casa a mais, fiz muro de arrimo, piscina, tudo com projeto. Não falei com Alexandre”. A ré, LUCENIR DE OLIVEIRA GARCIA, ao ser ouvida em juízo no mov. 152.2, declarou: “Nós adquirimos alguns veículos do Valter e repassamos esse imóvel como pagamento. Quando foi repassado o imóvel, ele era consciente que o nome estava no nome da Miami e ele era amigo do dono, Alexandre. No mesmo dia ele ligou e disse que a documentação estava toda certa. Ele disse que eles eram amigos e iria dar entrada. Não tenho nenhuma relação com eles, porque o imóvel foi comprado dá RR Padrão, nós adquirimos da RR. Eu não morava na residência. Me considerava dona. Não me lembro do valor que teria vendido. A Miame fez uma parceria com a RR e nós compramos da RR e vendemos para seu Valter e Rossati, eles eram parceiros de negócio e foi repassado para eles. Na época foi entregue toda a documentação para senhor Valter, estava tudo OK. Não sei porque a Miami negou de ter fornecido. Porque na época como Valter é amigo do Alexandre, e assim que o Valter precisasse da documentação, entregaria para o Valter. Eu fiquei surpresa quando fui intimada, tantos anos depois ele não tinha regularizado. Eu acredito que a pessoa mais errada é o Valter, porque ele não transferiu o imóvel. Foi repassado para ele e ele tomou posse do imóvel e depois de 10 anos ele não tinha transferido o imóvel para ele. Eu não tenho nenhuma pendencia com a RR, quando imóvel foi entregue ao Valter, ele ficou responsável em entrar em contato com Alexandre e este fornecer a documentação. Ele se dizia muito amigo e iria pegar a documentação. Eu não tenho responsabilidade de entregar documentação para ele. Eu fui pega de surpresa, fiquei sem entender, porque o grau de amizade que a gente tinha e ele dizia ter com Alexandre, ficou sob a responsabilidade dele essa documentação e ele estar cobrando da minha pessoa. Eu nunca soube, fiquei sabendo agora que fui intimada. Durante esse tempo ele nunca falou que não tinha feito a escritura. Não seu se foi feita reforma. Quem fez essa parte da negociação, foi meu companheiro com o Valter, mas recebi o preço da venda”. A testemunha do autor, ANTONIO FELIPE DOS SANTOS, ao ser ouvido pelo juízo no mov. 152.3, declarou: “Eu trabalhava no Deposito Beira Rio. Eu sei que o Valter comprou essa casa do Valter, essa casa praticamente foi feita novamente, gastou bastante. Eu sei porque eu ia lá visitar as obras, acompanhei desde o início. Eu conheci o Marcos, a gente construiu uma casa para ele no Condomínio Vale dos Sonhos. Eles estavam na posse do imóvel, eles estavam negociando esse imóvel com o Valter, mas não sei como foi o pagamento, só sei que quando ele comprou, ele fez uma reforma. O Condomínio El Dourado é condomínio fechado e casa de alto padrão. Ele deve ter gastado de um milhão para lá, ele ampliou e fez uma nova casa. Não sei se ele está com a casa, estava vendendo, não sei se vendeu. Ele comentou uma vez que estava tendo problema com Marcos e Lucenir, mas não sei o que é. Eu acompanhei a reforma da casa, porque era minha função. Das negociações da compra da casa não participei. Não sei de quem estava o nome da casa. Não sei quem é Alexandre. Nós temos uma construtora e fizemos outra casa para o Marcos”. A testemunha do autor, LINDIOMAR DOMINGOS DOS SANTOS, ao ser ouvido pelo juízo no mov. 152.4, declarou: “Acho que foi em 2021 essa reforma, mas tem contrato que a gente fez na época. Na verdade, foi uma obra bem grande, praticamente mudou a casa, teve ampliação, fizemos piscina nova, aumentamos na metragem, praticamente fez outra casa, ampliou muito o espaço. É um condomínio fechado e são casas de alto padrão. Após a reforma, é outra obra né. Fiz essa obra para o Valter. Sou construtor, sou mestre de obras e teve engenheiro. Acredito que teve mais de um ano de obra. Tinha projeto arquitetônico, o engenheiro faz e a gente acompanha, certeza que tinha liberação da prefeitura, se não o condomínio não libera. Eu sei que o engenheiro era o Marcelo”. A testemunha do autor, CARLOS ALEXANDRE MENDONÇA DA SILVA, ao ser ouvido pelo juízo no mov. 152.5, declarou: “Fui contratado a pedido do Valter. Eu fiz calha, rufos, platibanda. Praticamente é feito novo, porque não coloquei material usado, as coberturas que tinha lá deveria ter 100metros e agora uns 180 metros de cobertura. Não me recordo de foi em 2020 ou começo de 2021. É tudo em orçamento, já estamos em Porto Rico e a gente conhece todo mundo, não teve contrato. Eu voltei lá, porque o pergolado foi feito por último e uma grelha em volta da piscina, porque só é colocada depois dos pisos, não lembro quando estive a última vez lá”. Inicialmente, cumpre evidenciar que o contrato firmado entre as partes (mov. 1.8) expressamente indicou que a ré, Lucenir de Oliveira Garcia, se apresentava na condição de possuidora do imóvel, não havendo qualquer menção à sua titularidade registral ou obrigação de outorgar escritura. Não houve qualquer previsão de regularização dominial ou promessa formal de transferência da propriedade. Tal circunstância foi confirmada pelos depoimentos prestados em juízo. O autor, Valter Batista dos Santos, reconheceu que, ao firmar o contrato, teve ciência de que o imóvel não estava registrado em nome da vendedora e de seu esposo. Ainda assim, decidiu prosseguir com o negócio, confiando na palavra dos vendedores e sem adotar qualquer providência para verificar a cadeia dominial. Admitiu, inclusive, que conhecia Alexandre, representante da empresa Miami Holding Ltda., que constava como titular do imóvel na matrícula. As testemunhas arroladas pelo autor também corroboraram que a negociação teve tacitamente como base a posse do imóvel, então exercida pela ré e seu companheiro. Confirmaram que o autor tomou posse do bem, promoveu ampla reforma com investimento considerável e passou a residir no local, tudo sem que houvesse qualquer oposição ou expectativa imediata de transferência de domínio. Nos termos do artigo 113 do Código Civil, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. O artigo 422, por sua vez, impõe às partes contratantes o dever de observar os princípios da boa-fé objetiva e da lealdade tanto na formação quanto na execução dos contratos. Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. § 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) No caso em análise, a interpretação do negócio à luz desses dispositivos conduz à conclusão de que a avença respeitou os limites da autonomia privada, sem que se tenha verificado conduta abusiva ou desleal por parte da ré. O contrato deve ser interpretado conforme o que efetivamente foi pactuado, considerando-se a situação concreta e os elementos de conhecimento e aceitação manifestados pelo autor ao longo da relação negocial. Desse modo, não se pode afirmar que tenha havido qualquer vício de consentimento ou descumprimento contratual por parte da ré. A ausência de cláusula obrigacional relativa à outorga de escritura, aliada à plena ciência do autor acerca da situação dominial do imóvel, afasta a configuração de inadimplemento. O autor optou, conscientemente, por assumir os riscos inerentes à aquisição da posse de bem não registrado em nome da vendedora, tendo inclusive realizado significativas benfeitorias no imóvel sem qualquer oposição ou impedimento. A conduta posterior das partes, tal como descrita no § 1º do artigo 113 do Código Civil, reforça a natureza possessória do ajuste, notadamente diante da ausência de iniciativas por parte do autor voltadas à formalização registral da transferência ou à exigência judicial de escritura nos anos subsequentes à celebração do contrato. Pelo contrário, restou evidenciado que o autor exerceu a posse de maneira plena, investiu no imóvel como se fosse seu e, apenas com o advento de questionamentos jurídicos envolvendo terceiros, passou a alegar nulidade contratual. Ademais, a jurisprudência é firme no sentido de que a boa-fé objetiva impõe às partes contratantes deveres anexos de conduta, como lealdade, cooperação e confiança mútua, os quais se mostram plenamente observados na presente hipótese. A alegação de vício ou nulidade exige demonstração inequívoca de erro substancial, dolo ou violação de dever contratual, o que não se verificou nos autos. Não se pode perder de vista que o autor, embora leigo, admitiu confiar na palavra da vendedora e de seu esposo, e não demonstrou ter sido induzido a erro relevante quanto ao objeto ou às condições do negócio. A aquisição da posse de bem imóvel por contrato particular é prática usual, especialmente em casos em que o comprador visa ocupação imediata e reforma, como ocorreu na espécie. Além disso, a suposta expectativa do autor quanto à lavratura de escritura não foi formalizada no instrumento contratual e tampouco restou demonstrada como compromisso assumido pela ré. A ausência de previsão expressa nesse sentido afasta o reconhecimento de qualquer inadimplemento e impede a imputação de responsabilidade indenizatória. Ainda que a posterior anulação da cadeia dominial envolvendo terceiros possa ter causado frustração na intenção futura de regularização documental por parte do autor, tal circunstância não pode ser atribuída à ré, que, igualmente, não possuía domínio sobre o bem e jamais garantiu a existência de tal condição. Trata-se de risco inerente ao modelo contratual adotado pelas partes. Por fim, a responsabilização civil exige demonstração de conduta culposa ou dolosa, nexo causal e dano efetivo. Nenhum desses elementos se encontra configurado de modo a justificar a procedência dos pedidos formulados. O negócio jurídico celebrado deve ser mantido tal como pactuado, respeitando-se a autonomia das partes e os limites da boa-fé objetiva. 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Valter Batista dos Santos e Wilson Rossatti em face de Lucenir de Oliveira Garcia, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência integral, condeno os autores, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios devidos à parte ré, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil. Com a inclusão da presente sentença no sistema, dou-a por publicada, nos termos do artigo 1.063 do Código de Processo Civil. Registre-se conforme as disposições do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná. Intimem-se, na forma dos artigos 238 e 270 do Código de Processo Civil. Oportunamente, arquivem-se os autos, com as anotações de praxe. Loanda, data e horário da inserção no sistema. Vítor Braga de Castro Alves Juiz Substituto